FERREIRA, Jackson de Azevedo
FERREIRA, Jackson de Azevedo
FERREIRA, Jackson de Azevedo
RESUMO Esta pesquisa teve como objetivo geral analisar a obra Maus de Art
Spiegelman como fonte histórica. A investigação partiu dos seguintes problemas:
Qual o contexto de criação da obra e qual sua importância como fonte histórica?
Desse modo o desenvolvimento do estudo foi realizado por meio de uma pesquisa
de abordagem qualitativa bibliográfica que utilizou como instrumento para a coleta
de dados livros, artigos científicos, vídeos, matérias, textos e imagens. Tivemos
como fontes bibliográficas: Bibe-Luyten (1987), García (2012), Hobsbawm (1995),
Marczal (2016), Moya (1977), Santos (2016), Spiegelman (2009) e Waldman
(2009). Maus nos revela que a utilização e investigação de uma obra de histórias
em quadrinhos como fonte histórica permite um abrangente espectro de pesquisa
historiográfica. Além do entendimento do contexto de produção da obra, das
condições de produção, dos indivíduos, as narrativas, os locais, conteúdo
autobiográfico, entre outros.
1. INTRODUÇÃO
2.1 As editoras
Criada por Art Spiegelman e Françoise Mouly (sua esposa) entre 1980 a 1991,
Raw foi uma revista emblemática dentre o movimento de quadrinhos alternativos dos
anos 1980, criada como um contraponto mais intelectual a revista Weirdo de Robert
Crumb.
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“Poucos meios podem se orgulhar de ter passado por tantas batalhas: entre
adultos e crianças, fantasia e realidade, imagens e palavras, arte e negócio,
pensamentos autoritários e rebeldes. O fogo cruzado continua, mas agora os
quadrinhos são apreciados e não menosprezados como uma estupidez para
crianças.” (KOCH apud SPIEGELMAN, 2017, texto digital).
Fiquei menos afetado pela morte do que achei que ia ficar, talvez porque já
estivesse por acontecer, talvez porque não havia mais espaço para mudar
aquela relação. Fui ao funeral quase como um repórter tentando descobrir
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como era o fim da pauta. Mas minhas emoções foram mais rudimentares do
que qualquer coisa que rendesse uma anedota (ASSIS, 2016, texto digital).
Pouco abordada durante a obra como personagem ativo, Anja é retratada como
uma ferida ainda em aberto tanto na vida de Vladek quanto de Art. Nascida em 15 de
março de 1912 na Polônia, de família rica, Anja era bem ducada e sabia muitos
idiomas, foi ela quem ajudou Vladek a aprender novos idiomas.
Era muito instável emocionalmente, lidou com depressão durante toda a sua
vida e especialmente após a morte de Richieu. Cometeu suicídio em 1968, e isso foi
muito difícil para Vladek, tanto que o mesmo queimou todos seus pertences (incluindo
seu diário) para não ter que lidar com sua dolorosa lembrança. Este acontecimento
responde algumas perguntas sobre o porquê da relação entre pai e filho ter sido tão
difícil.
redor. Ao abordar estes problemas reais e mundanos, Spiegelman nos entrega mais
peso, fidelidade e realidade na narrativa apresentada.
A história de Maus não trata diretamente da história do Holocausto, mas sim do
legado deixado por ele, pois o autor funde sua própria história aos efeitos legados do
Holocausto em sua família e como tal conflito influenciou na sua criação.
Spiegelman utiliza de uma ferramenta de linguagem interessante ao retratar
seres humanos em animais antropomorfizados. Judeus são ratos (maus, em alemão),
alemães são gatos, poloneses são porcos, norte-americanos são cachorros,
franceses são sapos, russos são ursos, suecos são renas, ingleses são peixes e
ciganos são libélulas.
A lot of popular culture about the death camps turns into Holokitsch. It
sentimentalizes – it allows people a facile route back to just how life-affirming
life is or something (SPIEGELMAN, 2011, p. 70).
A história de Maus não trata exclusivamente da guerra em si, mas traz uma
junção da realidade presente do autor com o relato do passado da trajetória de sua
família. Isso acaba nos mostrando que os legados de terror do passado são os
definidores do seu presente e das dificuldades aos quais o autor enfrenta ao escrever
a obra e no complexo dilema que surge na cabeça de Art. Segundo Koch apud
Spiegelman (2017, texto digital), “O desastre é minha musa. Meus comics nascem de
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meu descontentamento, minhas raivas, meus medos. Se me sinto bem, não tendo a
desenhar ou escrever. São uma forma de encontrar equilíbrio.”.
Maus não foi escrito exclusivamente ou com o intuito de “transmitir uma
mensagem”, mas sim como uma espécie de catarse do autor. A partir deste resgate
ao passado, Art busca sanar seus próprios conflitos internos, e tenta exorcizar seus
demônios revivendo a experiência pregressa de seus pais.
Ao retratar os grandes acontecimentos na vida de seus pais referentes à
Segunda Guerra em Maus, o autor consegue conectar tais momentos com os
problemas e dilemas da sua vida que o cercam no presente.
Assim como qualquer documento pode ser entendido como uma fonte histórica,
os quadrinhos também nos transmitem mensagens e informações da época em que
foram produzidos e da mensagem que querem transmitir. De acordo com Santos
(2016), “O documento não é um documento em si, mas um diálogo entre o passado,
o presente e o futuro.” Sendo assim é necessário o trabalho do historiador com esses
documentos afim de compreender as possibilidades e as mensagens transmitidas.
Mas nem sempre foi assim, pois a historiografia tradicional de influência
positivista tinha um apego formal ao documento escrito. Essa tradição, que marcou
boa parte da produção historiográfica do século XX, deixou uma herança perversa
também nos cursos de formação de professores e profissionais de história das
universidades. Durante muito tempo, a percepção mais difundida sobre o que é um
documento histórico consistia em uma folha de papel – ou várias folhas – mas sempre
escritas ou assinadas por alguém importante, como saliente Bloch (2001). O
interessante é notar como essa percepção estava enraizada na própria cultura não só
do historiador, mas também da população em geral. Até o século XIX, o documento
tinha um caráter de “monumento”, ou seja, era uma “prova” histórica.
Isso tudo só mudaria com a História dos Annales. Surgida em 1929 e fundada
pelos historiadores Marc Bloch e Lucien Febvre, propondo uma expansão nas
possibilidades da exploração, diversificação e problematização das fontes históricas.
O historiador dos Annales, propunha que a operação historiográfica principiava
na verdade com a formulação de um problema. Seria um problema construído pelo
Historiador o que permitiria que ele mesmo constituísse as suas fontes. Burke (2017)
relata que a própria história não existiria (ou seria muito mais pobre) sem a ilustre
presença de historiadores dispostos a estudar o fenômeno imagético.
Para Burke (2017), a imagem como vestígio é mais importante quando olhada
para seu entorno, ou seja, longe do motivo principal. As cores as vestimentas, as
técnicas utilizadas pelo fotógrafo ou pintor são tão ou mais importantes para
decifrarmos o período histórico do que as pessoas ou as paisagens que estão nas
pinturas ou nas fotos. Assim, por mais que não tenham sido feitos para tal, com a
devida crítica, muitos elementos cotidianos podem ser convertidos em fontes.
Panofsky (2002) defende que toda e qualquer imagem pertence a uma cultura, faz
parte dela.
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Assim, após os Annales, vários outros tipos de fontes vieram a serem vistas e
problematizadas na historiografia, a fim de abranger as possibilidades e o campo da
pesquisa da História, como a imagem, o cinema, a música, a arte gráfica, entre outros.
Desde charges, cartuns, tiras e histórias em quadrinhos. As imagens deixariam
de ser apenas objetos temáticos para os historiadores que já se interessavam pela
História da Arte, e passaram a ser também fontes para historiadores interessados em
pesquisar todo o tipo desde questões sociais, econômicas e políticas através das
fontes iconográficas.
Segundo a proposta de Vergueiro e Santos (2006), as perspectivas de análise
histórica de sociedade e cultura são analisadas a partir dos quadrinhos. Para este
autor as formas como um historiador pode trabalhar com as HQs são: a relação da
produção quadrinística com um determinado período histórico; Sociedade/Cultura:
análise do contexto sociocultural de uma nação pela perspectiva dos quadrinhos
(2006, p. 8). A partir do que é posto por este autor, basicamente há duas formas que
um historiador pode trabalhar com as HQs. A primeira, e mais difundida, dividisse em
duas linhas de produção, é o quadrinho como divulgador de fato histórico e o HQ de
ficção-histórica, onde com base em um momento histórico verdadeiro se cria uma
história fictícia. Nesse contexto, as histórias em quadrinhos se tornam extremamente
úteis para as pesquisas históricas.
As histórias em quadrinhos transmitem mensagens em um conjunto e uma
sequência, cada quadro estabelece uma ligação com o quadro anterior e assim
sequencialmente ligados em uma rede de acontecimentos com início, meio e fim.
Sobre a aparição das HQ na história, Moya afirma que:
A linguagem mais jovem das HQs e sua universalidade faz com que a utilização
dos quadrinhos em salas de aula seja extremamente eficaz para o ensino.
Segundo Vergueiro (2005), os quadrinhos e o cinema são os meios de
comunicação de massa mais importantes do século XX, e se expandiram para quase
todos os países do mundo desde a década de 1930. Para Alves (2001), os quadrinhos
são um meio de comunicação de massas, cuja as histórias são narradas por meio de
imagens desenhadas e textos relacionados. Além de fornecer informação e
entretenimento, eles também desempenham um papel na educação das crianças
junto com outros meios de comunicação de massa. Os quadrinhos transmitem
ideologia e, portanto, afetam a educação do público leitor.
Este tipo de "literatura" muito contribui para a formação de leitores
competentes, pois sua linguagem (ação narrativa) empolga e satisfaz as crianças, não
cansa, como acontece muitas vezes nas leituras obrigatórias e, ao adaptar-se ao seu
nível intelectual e ao seu interesse, rompe as barreiras que existem contra a prática
de leitura, sendo um eficiente instrumento para despertar o gosto por ela (FOGAÇA,
2002/2003).
Apesar dos inúmeros benefícios do quadrinho como fonte histórica em sala de
aula, métodos analíticos ainda são necessários para se introduzir as HQs nas salas
de aula. Analisar o contexto de criação das HQs, seus produtores, a sociedade, a
cultura e o entorno da mesma. As fontes devem ser interpretadas, analisadas e
comparadas pelos alunos. Deve-se ficar claro que os documentos não relatam
exatamente como foi a vida no passado. Os documentos não falam por si, sendo
necessário serem interrogados. Para que se utilize com efetividade as fontes
históricas com os estudantes em sala de aula, a metodologia prevê conforme Santos
(2016).
A primeira etapa consiste na identificação dos dados da fonte, como a data e o
local de origem. A partir deste momento, é necessário contextualizar o documento
afim de compreender sua inserção na conjuntura em que foi produzido. A segunda
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3. METODOLOGIA
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
ASSIS, Érico. Maus, 30 anos. Blog da Companhia, 29 ago. 2016. Disponível em:
http://historico.blogdacompanhia.com.br/2016/08/maus-30-anos/. Acesso em: 5 out.
2020.
GARCÍA, Santiago. A novela gráfica. Tradução: Magda Lopes. São Paulo: Martins
Fontes, 2012.
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HOBSBAWM, Eric. Era dos extremos: o breve século XX: 1914-1991. São Paulo:
Companhia das Letras, 1995.
SPIEGELMAN, Art. Metamaus: a look inside a modern classic, Maus. New York:
Pantheon Books, 2011. p. 70.
SPIEGELMAN, Art; MOULY, Francoise. Raw. São Paulo: Grupo Companhia das
Letras, 1987.
WALDMAN, Berta. Sobre gatos e ratos: autobiografia e biografia. In: LEWIN, Helena
(Org.). Judaísmo e modernidade: suas múltiplas inter-relações. Rio de Janeiro:
Centro Edelstein de Pesquisas Sociais, 2009. p. 317-327. E-book. Disponível em:
http://books.scielo.org/id/ztpr5/pdf/lewin-9788579820168-27.pdf. Acesso em: 26 ago.
2020.