Ciencia Politica PDF
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Doutor em Ciências pelo Programa de Geografia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da
Universidade de São Paulo – FFLCH-USP (2008), com mestrado em Geografia pela Universidade Estadual Paulista
Júlio de Mesquita Filho – FCT-Unesp (1994) e graduação em Geografia (bacharelado e licenciatura) pela Universidade
de São Paulo (1990). Professor titular na UNIP e na Fundação Armando Alvares Penteado, em cursos de graduação e
pós-graduação. Tem experiência em estudos socioambientais municipais e regionais. Atua principalmente nas linhas
de pesquisa ligadas a epistemologia da geografia, metodologias de planejamento, qualificação dos usos de recursos
(diagnóstico e prognóstico socioambiental) associada à adequação das políticas públicas às demandas locais.
Possui graduação em Economia pela UNIP (1995) e é mestre em Economia Política pela Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo (2000). Atualmente é professor da UNIP nos cursos de Ciências Econômicas e Administração
e coordenador do curso de Ciências Econômicas na mesma universidade, tanto na modalidade presencial quanto
na Educação a Distância. Tem experiência em administração e finanças, notadamente nas áreas ligadas ao setor de
transporte de passageiros, atuando há 29 anos no ramo.
CDU 32
A-XIX
© Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou
quaisquer meios (eletrônico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem
permissão escrita da Universidade Paulista.
Prof. Dr. João Carlos Di Genio
Reitor
Comissão editorial:
Dra. Angélica L. Carlini (UNIP)
Dra. Divane Alves da Silva (UNIP)
Dr. Ivan Dias da Motta (CESUMAR)
Dra. Kátia Mosorov Alonso (UFMT)
Dra. Valéria de Carvalho (UNIP)
Apoio:
Profa. Cláudia Regina Baptista – EaD
Profa. Betisa Malaman – Comissão de Qualificação e Avaliação de Cursos
Projeto gráfico:
Prof. Alexandre Ponzetto
Revisão:
Vitor Andrade
Ricardo Duarte
Lucas Ricardi
Sumário
Ciência Política
APRESENTAÇÃO.......................................................................................................................................................7
INTRODUÇÃO............................................................................................................................................................7
Unidade I
1 A POLÍTICA: O QUE É, COMO ACONTECE E POR QUÊ .........................................................................9
1.1 O fenômeno político: poderes, política e ciência política ................................................... 10
1.2 Como o poder aparece: diferenças e desigualdade social.................................................... 14
1.3 Política no plano da existência........................................................................................................ 29
2 CIÊNCIA DO PODER E DA POLÍTICA........................................................................................................... 39
2.1 A política e sua institucionalização: das formas elementares de poder
aos arranjos sociais de Estado ................................................................................................................ 42
3 O FENÔMENO POLÍTICO: PODERES, CONTRATOS, REGRAS E NORMAS..................................... 43
3.1 Classificações de grupos políticos.................................................................................................. 46
4 ORIGENS E CONCEITOS DO ESTADO......................................................................................................... 51
Unidade II
5 ESTADO, HISTÓRIA E ELEMENTOS ESSENCIAIS..................................................................................... 57
5.1 Teoria geral do Estado......................................................................................................................... 67
5.1.1 População e demografia....................................................................................................................... 85
5.1.2 Território: aspectos físicos, biológicos e culturais...................................................................... 90
5.1.3 Governo: soberania e autonomia...................................................................................................... 95
5.1.4 Fronteiras internas.................................................................................................................................. 97
6 O ESTADO CONTEMPORÂNEO: POPULAÇÃO OU POVOS? FRACASSO
DA AUTODETERMINAÇÃO ..............................................................................................................................111
6.1 Povos: quem são o povo, a nação e os estrangeiros.............................................................112
6.2 Estado‑nação como solução e problema..................................................................................117
Unidade III
7 A POLÍTICA NO ÂMBITO INTERNACIONAL ...........................................................................................132
7.1 Colonização e autodeterminação: decolonização ................................................................133
7.2 Blocos, grupos e demais associações de poder por interesses,
“espaço interestatal”................................................................................................................144
7.2.1 Governança supranacional: a Organização das Nações Unidas........................................ 150
8 O PENSAMENTO CLÁSSICO SOBRE A POLÍTICA E A VARIEDADE DE
ORGANIZAÇÕES DE PODER: O CRIVO DA FILOSOFIA..........................................................................160
8.1 Platão e o nascimento da reflexão sobre a política..............................................................163
8.2 Aristóteles, as constituições e a dinâmica da polis ..............................................................171
8.3 Maquiavel, a política e o Estado moderno ..............................................................................175
8.4 Hobbes e os pressupostos da teoria do contrato social......................................................178
8.5 Locke, a comunidade política e o direito à propriedade.....................................................189
8.6 Montesquieu e a distribuição social dos poderes..................................................................194
8.7 Rousseau e as bases do Estado democrático...........................................................................198
APRESENTAÇÃO
Este livro-texto foi pensado como mais um meio de comunicação entre professores e alunos, com o
propósito de estimular dúvidas nos discentes. Sim, dúvidas. As dúvidas são preciosas e merecem muito
respeito do educador, pois, além de colocá-lo em movimento, permitem que esteja alerta, sempre à
procura de melhores soluções. É preferível questionar a dar respostas prontas de terceiros. O poder da
dúvida, da curiosidade que a enraíza, do enfrentamento do erro (que nos afasta de nossas ignorâncias)
é proporcional à abertura ao incômodo, à estranheza, ao desconcerto. De fato, traz sensações com
imenso potencial de aprendizado efetivo. Aproveite as provocações (bifurcações e incertezas) para sentir
e experimentar portas e caminhos. Trata-se de ter experiências.
A obra parte dos saberes vividos e de experiências, no plano comum da existência (política), e segue
em direção aos principais elementos e temas da ciência política, pois avaliamos que desse modo os
conceitos adquirem mais sentido.
Tais caminhos devem-se à nossa grande preocupação com a distância entre os estudantes e os
assuntos analisados. A leitura pode ser uma mediação ineficiente entre aluno e conhecimento, quando
o texto é mero desfile de questões e temas indistintos. Como transformar essa relação?
Nossa pequena contribuição nessa imensa maratona em direção ao conhecimento envolve algumas
escolhas. As principais delas são: preferimos sempre as alternativas às certezas; o debate a doutrinas;
preferimos, portanto, a exposição de lados e versões a uma racionalidade única. E, mais importante, queremos
que o estudante tenha genuíno interesse pela política, que o atravessa em todas as suas relações, bem como
pelos assuntos institucionais do poder, que definem, também, sua existência como ser social, cidadão.
Assim, examinaremos os temas poder e política, primeiramente, no nível da vida cotidiana, do mundo
da vida, bem como os rumos do poder no plano das questões de Estado, povo, nação e território. Desse
modo, devem surgir questões para o aluno sobre suas relações com as formas e ações da política.
As discussões sobre o Estado envolvem a dimensão nacional (“o dentro” do país), o “entre-nações” e
o espaço internacional (“o fora” do país, o global).
O texto traz, por fim, os autores responsáveis pelas bases do pensamento político clássico e moderno,
perfilado durante os demais capítulos, que examinam seus fundamentos filosóficos.
INTRODUÇÃO
A ideia condutora deste livro-texto é a política, a arte e a técnica de alcançar aquilo de que se
precisa, o que se deseja.
Destacaremos o valor da política nas diversas fases da vida. Veremos como ela se manifesta em
situações cotidianas e nas relações internacionais.
7
É fato que não podemos sobreviver sem água, do mesmo modo que não conseguimos construir
relações sociais e melhorar a condição de vida de um povo sem a política, tamanha a sua relevância.
Falaremos do nascimento da política e o que motivou sua existência. Vamos trazer à tona a discussão
sobre natureza e cultura, como bases de nossas necessidades psicossociais. Também abordaremos como
as práticas políticas tornam-se objeto de interesse científico, com as ciências políticas.
Em nossa análise, ilustraremos as formas sociais, instituições, que construímos para alcançar o
progresso. Passaremos, então, ao plano mais elaborado da engenharia política de congregação das
necessidades e dos desejos, o Estado nacional. Com isso, não estamos afirmando sua excelência ou
superioridade sobre outras alternativas de organização social, muito pelo contrário, esclarecemos suas
mazelas e vícios, muito maiores que suas virtudes.
Encerraremos nosso estudo acentuando os olhares dos clássicos do pensamento político, recorrendo
aos temas tratados durante o livro-texto, porém com o crivo filosófico. Assuntos que terão destaque
são: liberdade, organização, economia, sobrevivência, força, propriedade e convivência.
8
CIÊNCIA POLÍTICA
Unidade I
1 A POLÍTICA: O QUE É, COMO ACONTECE E POR QUÊ
Falar sobre política nos leva a um dualismo (caráter antagônico, irreconciliável, das forças
constitutivas). Foquemos essa dualidade: um lado representa os planos da ação efetiva, das práticas; o
outro, os planos da crença e da teoria, das instituições.
Dito de outro modo, a política está no mundo da vida, no cotidiano de todos, bem como nas
instituições, com regras e objetivos abstratos.
Neste livro-texto, destacaremos a política como condição humana (tudo é ligado à diversidade de
posições, divergências e convergências) e como dimensão social (uma via de realização social dos poderes).
Vamos traçar duas perspectivas sobre a distribuição do poder, no âmago da relação indivíduo‑sociedade,
das escalas locais às internacionais.
Como encontrar a unidade, as conexões entre a política individual (interna), dos sujeitos privados,
agentes em busca de realização social, e a política coletiva (externa), dos agregados de interesses,
associações de agentes com interesses convergentes, ou não, reunidos pela democracia?
Política é, então, o exercício individual e coletivo do poder, está em toda parte, com regras, normas
e contratos (direito e legalidade) e seus graus de legitimidade. O que há de bastante palpável na política
é sua condição existencial e reflexiva, portanto, objeto teórico da filosofia e da ciência.
Dahl (1988, p. 5-6) sugere que todo o conhecimento acumulado não é “panaceia para compreensão”
e solução de questões políticas, pois algumas perguntas, desde as muito antigas ou clássicas até as
mais contemporâneas, permanecem sem respostas. “Exigem novas perspectivas e problematizações e
reflexões, baseando-se de modo crítico em Aristóteles, Weber e Lasswell”.
O autor reconhece as bases teóricas que vêm da Antiguidade grega, assim como os nomes
consagrados do pensamento sobre política. Nessa linha, seleciona os citados representantes (três) de
diferentes períodos, afirmando que, “indubitavelmente, tudo que Aristóteles e Weber chamariam de
‘político’ seria ‘político’ também para Lasswell”, mas este estenderia a abrangência da sua definição de
modo a “incluir algumas coisas que Weber e Aristóteles deixariam de fora: uma empresa e um sindicato,
por exemplo, teriam aspectos ‘políticos’” (DAHL, 1988, p. 4).
O trabalho de Dahl é um clássico. Se, por um lado, como dissemos, ele relativiza a importância da
reflexão clássica, por outro, corrobora a expansão do conceito de política ao conceituá-la como sistema
político: “Vamos definir, portanto, um sistema político, audaciosamente, como qualquer estrutura
persistente de relações humanas que envolva controle, influência, poder ou autoridade, em medida
significativa” (DAHL, 1988, p. 13-14).
Zygmunt Bauman, na obra Em Busca da Política, expõe o absurdo da vida social baseada em
crenças contraditórias.
As crenças não precisam ser coerentes para que se acredite nelas. E as que
costumam ter crédito hoje – nossas crenças – não são exceção. Com efeito,
achamos que a questão da liberdade, por exemplo, pelo menos na “nossa
parte” do mundo, está concluída e (descontando correções menores aqui
e acolá) resolvida da melhor maneira possível. De qualquer forma, não
sentimos necessidade (de novo, salvo irritações menores e fortuitas) de ir
para as ruas protestar e exigir maior liberdade do que já temos ou achamos
ter. Mas, por outro lado, tendemos a crer com a mesma convicção que pouco
podemos mudar – sozinhos, em grupo ou todos juntos – na maneira pela
qual as coisas ocorrem ou são produzidas no mundo. Acreditamos também
que, se pudéssemos mudar alguma coisa, seria inútil e até irracional pensar
em um mundo diferente do que existe e aplicar os músculos em fazê-lo
surgir por acharmos que é melhor do que este aqui. Como cultivar essas
duas crenças ao mesmo tempo é um mistério para qualquer pessoa treinada
11
Unidade I
As duas crenças não combinam, mas cultivar ambas não é sinal de inépcia
lógica. Nem uma nem outra é, de forma alguma, fantasiosa. Nossa
experiência comum tem mais do que o suficiente para sustentar cada uma
delas. Somos bem realistas e racionais ao acreditar no que acreditamos.
Por isso, é importante saber por que o mundo em que vivemos continua a
nos enviar esses sinais evidentemente contraditórios. E é importante saber
também como podemos viver com essa contradição; e, sobretudo, por que
a maior parte do tempo não a notamos e, quando o fazemos, não ficamos
particularmente preocupados (BAUMAN, 2000, p. 10).
O filósofo polonês afirma que estamos sem pontes e sem lugares prontos para empreender os
desafios de reanimação da política, identificando os impasses.
Concluindo seu raciocínio, destaca: “À falta de pontes firmes e permanentes e com as habilidades
de tradução não praticadas ou completamente esquecidas, os problemas e agruras pessoais não se
transformam e dificilmente se condensam em causas comuns” (BAUMAN, 2000, p. 11).
Para Bauman (2000, p. 11), vivemos em um tempo de política esvaziada. Com “pessoas que se sentem
inseguras, preocupadas com o que lhes reserva o futuro e temendo pela própria incolumidade, [elas] não
podem realmente assumir os riscos que a ação coletiva exige”. E continua:
– foi retirada da política, essas instituições não podem fazer muito para
fornecer segurança ou garantias. O que podem fazer e o que fazem o mais
das vezes é deslocar a ansiedade difusa e dispersa para um único elemento
de Unsicherheit – o da segurança, único campo em que algo pode ser feito
e visto. O problema, porém, é que se fazer algo efetivamente para curar ou
ao menos mitigar a inquietude e incerteza exige ação unificada, a maioria
das medidas empreendidas sob a bandeira da segurança são divisórias,
semeiam a desconfiança mútua, separam as pessoas, dispondo-as a farejar
inimigos e conspiradores por trás de toda discordância e divergência,
tornando, por fim, ainda mais solitários os que se isolam. O pior de tudo:
se tais medidas nem chegam perto da verdadeira fonte da ansiedade,
desgastam toda a energia que essas fontes geram, energia que poderia
ser utilizada de modo muito mais efetivo se canalizada para o esforço
de trazer o poder de volta ao espaço público politicamente administrado
(BAUMAN, 2000, p. 11).
Observação
Para ele, “o verdadeiro poder ficará à distância segura da política e a política permanecerá impotente
para fazer o que se espera da política”. Seu projeto de resgate da política afirma, explicitamente, que
esta deve “exigir de toda e qualquer forma de união humana que se justifique em termos de liberdade
humana para pensar e agir, e pedir que deixe o palco caso se recuse ou não consiga fazê-lo” (BAUMAN,
2000, p. 11-14).
A busca de Zygmunt Bauman é a de uma ágora possível, de um espaço público de qualidade, com “o
poder de volta ao espaço público politicamente administrado”. Para ele, o poder foi retirado da política.
Diz que isso implica um corte entre a imanência do poder republicano e seu plano institucional, abstrato.
Acentua que há um declínio do questionamento, que devemos pensar em liberdades individuais e
coletivas, debatendo o assunto.
• Qual é a relação entre globalização capitalista, esvaziamento da política (com a retirada do poder),
incerteza, insegurança e falta de garantias?
— Unsicherheit.
13
Unidade I
— Pontes! Assevera que elas são necessárias para refazer os caminhos cortados.
A política no plano existencial, em seu sentido mais concreto, das relações sociais cotidianas, é o
que ocupa Bauman. Põe-se de frente com o descrédito generalizado com a política, o fazer político
institucionalizado, embora também enxergue esperança na política (re)conquistada, ressignificada; daí,
o título de seu livro – Em Busca da Política.
Assim como o professor emérito Giannotti, Bauman vê a contradição como pedra de toque para
a discussão, a reflexão. Seu ponto de partida é a constatação de crenças contraditórias perfazendo
as tramas da modernidade: uma crença desmedida na liberdade; a outra, na impossibilidade de que
essa liberdade sirva à mudança. O autor assume as dificuldades lógicas e ontológicas em lidar com
essas perspectivas.
Observação
Lembrete
O poder não é apenas sobre poder fazer as coisas por si mesmo, é também
fazer com que sejam realizadas por outros. Ao império direto sobre o
mundo, acrescenta-se, assim, um império indireto, que é ao mesmo tempo
um império sobre os outros (CLAVAL, 1979, p. 11-12).
Paul Claval (1979, p. 11) sublinha a todo momento que “a vida social está inscrita no espaço e no
tempo”, lembra em toda a sua obra que “é feita de ação sobre o meio e interação entre os homens.
Conecta pessoas que, para sobreviver, devem obter do meio ambiente a alimentação, a energia e as
matérias-primas de que precisam”.
Há unidade em sua concepção de vida social, pois o ambiental e o social transformam-se nas
dimensões física, biológica e cultural do poder. E há ubiquidade da política, como quer e acerta Robert
Dahl (CLAVAL, 1979, p. 13).
Paul Claval abriu as trilhas antropológicas e geográficas (estatuto do humano e de sua territorialidade
diversa) da reflexão e espacialização do poder. Assim, a cultura, marca original de cada grupo, requer
“comunicações que reduzem a viscosidade natural e a opacidade do espaço”, somente desse modo
sendo mantida e reproduzida (1979, p. 11).
O poder sobre a natureza está na base da economia elementar e da evolução, produzindo toda a
degradação ambiental a que estamos sujeitos, ao passo que o poder de uns sobre outros se reflete nas
relações pelo surgimento de dissimetrias e desequilíbrios acintosos:
15
Unidade I
Ele passa a enumerar os casos gerais com a finalidade de exemplificar e apontar um panorama de
relações comuns de poder, no seio da vida humana.
A relação de poder assume sua dimensão social através dos conflitos que
a criança vive com seu pai. Seus impulsos profundos a transformam em
direção a sua mãe, mas ela encontra em seu pai um rival com quem é
invejável; ela aspira a eliminá-lo para permanecer mestre do que é mais
caro para ela. O pai aparece como o intruso, o outro, o representante de uma
ordem externa que é violenta, mas devemos aceitar se queremos entrar no
jogo dos adultos e nos tornar adultos.
Fora do grupo primário, o poder tem outras raízes [além] das dificuldades da
aculturação – mas tira proveito, quando se manifesta, dos reflexos ambíguos
que a socialização criou para todos.
político: você não deve permitir que outros ganhem mais do que você ganha
(CLAVAL, 1979, p. 12-13).
Claval (1979, p. 14) caracteriza o contrato social como “metáfora” ou “mito” fundador do pensamento
sobre o social da modernidade. Assevera que “a aceitação de regras comuns facilita a vida social, libera
o indivíduo da obsessão da má-fé: ele sabe que será tratado com justiça enquanto as convenções forem
respeitadas pelas partes. Isso permite ampliar a esfera da vida de relação” (p. 128). Contrato social,
fundado no movimento contratualista, ou ainda jusnaturalista, como um grande acordo que a todos
envolve tanto nas obrigações quanto nos direitos, é fundamental ao raciocínio político, por isso será
tratado de modo crítico em vários trechos do livro-texto.
A síntese de seu raciocínio deveria estar na base da reflexão, das ações e intervenções na realidade,
pois Paul Claval, já em suas primeiras linhas, aponta a divisão entre os que insistem “nos mecanismos,
nos automatismos, nas regulações inconscientes e benéficas” e os que, como ele próprio em seu livro,
pretendem mostrar que “o jogo social nunca é inocente”, pois, “atrás das retroações que limitam
aparentemente o poder dos indivíduos, desmascara-se a ideologia que oculta os mecanismos reais e
leva a esquecer o peso desigual dos participantes e os que instituíram as regras sociais e com elas se
beneficiam” (CLAVAL, 1979, p. 7).
A referida cisão está na base do pensamento moderno, separando a realidade, posta, de um lado, sob
o foco de perspectivas naturalizantes que, no limite, instituem o funcionamento perfeito de sistemas
(os referidos automatismos, mencionados por Claval) e, de outro, sob o foco de perspectivas de fundo
político (que não deixam de ser filosóficas e/ou científicas). São visões de mundo diferentes por serem
baseadas em equilíbrio ou conflitos; são determinantes das práticas sociais.
Paul Claval (1979), ao tratar o que chama de “geometria das formas elementares de poder”, apresenta os
dois tipos básicos de relação de poder, o que se submete ao “poder puro” e o que se conforma à “autoridade”.
• o poder puro: caracterizado pela ação da força no alcance dos objetivos de uns sobre os outros, o que
também define a escala necessária ao estabelecimento das estruturas e dos instrumentos de aplicação;
• a autoridade: de base ideológica e econômica, aceita, portanto, sob efeito de acordos quanto à
delegação e representatividade, bem como de discursos indutores das ações.
Claval procura dar conta das espacializações do poder nas várias escalas, além de se debruçar sobre
o que denomina “geometria das formas complexas de poder”, demonstrando como é erigida a trama
social. Para tanto, aponta as relações:
18
CIÊNCIA POLÍTICA
A principal busca de Paul Claval, articuladora das demais, é pelas territorialidades (regiões mantidas,
ocupadas) e territorializações (em processo de ocupação).
Os conceitos espaciais são fundamentais para a reflexão sobre a realidade e para nela interferir.
Eles são vitais em razão da condição espacial de todos os seres e coisas. São eles: lugar, território,
região e espaço geográfico. Eles têm papel crucial na lida com as estratégias dos agentes em exercício
de seus poderes.
Saiba mais
Lembrete
Para Paul Claval (1979), estudioso da vida social, nossa sociedade indaga ansiosamente sobre o
poder. Ele comenta obras que marcaram seu tempo em busca de esclarecimento das origens, formas e
papéis do poder no mundo contemporâneo. Contudo, elas tratam, infelizmente, de agregados abstratos
(índices estatísticos isolados, indicadores de atividade econômica, política, cultural), sem suas raízes
ecológicas, sem os habitat, sem as distâncias a percorrer, sem dispersões a organizar, concebendo as
entidades sociais como desprovidas de território, de modo “a-espacial”. É nessa frente que Paul Claval
quer atuar, compreendendo as estruturas de “grandes grupos em grandes países”, garantindo “sua
colaboração em tarefas de monitoramento e controle” dos recursos planetários.
19
Unidade I
Há uma discussão essencial sobre a vitalidade política e cultural dos espaços públicos, em especial
com Jürgen Habermas, Richard Sennett, Roberto DaMatta e Nelson Saldanha.
A relevância dos espaços públicos para o exercício social de construção histórica e simbólica do
humano (sociabilidade, convivência, trocas em geral) é expressa tanto em atividades locais, como ganhar
as ruas, em blocos de carnaval ou manifestações políticas, quanto em eventos regionais, nacionais e
globais, como movimentos sociais de maior alcance por educação, saúde e políticas públicas.
Quando escrevia Espaço e Poder, Paul Claval (1979) via uma retomada das questões de poder pelos
pesquisadores, colocando em primeiro plano o papel do poder, da dominação, da influência ou da
autoridade. Contudo, segundo o autor, “insistia-se sobretudo nos mecanismos, nos automatismos, nas
regulações inconscientes e benéficas”.
O autor reitera continuamente a intenção de clarificar “o jogo social”, que “nunca é inocente”, o
que se descobre analisando movimentos e estratégias históricas (determinantes, em diferentes graus)
que interferem limitando, deslocando e neutralizando o poder de cada indivíduo. Daí a importância
dos estudos territoriais dos processos sociais no desmascaramento das racionalidades e ideologias que
ocultam as intenções reais dos agentes promotores da dinâmica institucional (os que instituíram as
regras sociais e com elas se beneficiam), fazendo-nos esquecer o peso político desigual entre estes
e os participantes comuns. O problema maior é que se comuns são alguns, não há comunicação que
unifique. Então, surge a questão: como ser povo além da artificialidade de nação?
Para ele:
Uma constante de seu raciocínio é o interesse pelos “aspectos concretos da vida social, pela articulação
espacial dos grupos, pelas redes que os unem, pelas fronteiras que os separam, pelos domínios por onde
se estendem” (CLAVAL, 1979, p. 7-8).
O geógrafo francês aponta a satisfação corrente no meio acadêmico com respostas superficiais do
tipo: “uma coletividade, uma classe ou um indivíduo são capazes de impor sua vontade aos outros”.
Então, ele diz: tudo fica explicado? Apenas aparentemente, segundo ele, porque
20
CIÊNCIA POLÍTICA
Um tema, mais especificamente uma via de interpretação dos avanços nos estudos do poder, diz
respeito à identificação das modernizações de TI:
O autor associa os estudos de Foucault a certas pesquisas realizadas em outros países, nos
Estados Unidos, particularmente, onde os teóricos das organizações fizeram progredir um pouco,
nas mesmas linhas, a teoria do exercício do poder. Ao mencionar o trabalho de Robert Dahl,
diz que ele superou as teses sobre a origem da riqueza, mostrando também os “limites das
generalizações de Floyd Hunter, de Wright Mills e, em uma geração anterior, de Robert Lynd”
(CLAVAL, 1979, p. 9).
A teoria das organizações, em suas vertentes experimental ou especulativa, envereda tanto por
caminhos pouco conhecidos quanto por outros pouco ou nada evidentes, em busca da gênese e lógica
de agrupamentos sociais, sendo preciosa nessa empreitada, pois, ao basear-se em estudos etnográficos,
arqueológicos, historiográficos, geográficos, de história da economia, entre outros, concorre para
restaurar a compreensão complexa.
21
Unidade I
“Na medida em que a autoridade e o poder variam em função das doutrinas daqueles que os exercem
ou sofrem, a contribuição da reflexão normativa, desde Hobbes, Locke ou Rousseau, integrou-se, mas
sob uma forma nova, à teoria contemporânea dos aspectos espaciais do poder” (CLAVAL, 1979, p. 9).
Saiba mais
Paul Claval enumera as relações intrínsecas entre a sociedade e o poder. Diz que as diferenças que
nos caracterizam não podem ser confundidas com desigualdades! Nessa conjuntura, é vital destacarmos
um trecho sobre o assunto, feito pelo doutor em geografia Gilvan Charles Cerqueira de Araújo.
[...]
1. Sobre o poder
Gérard Lebrun (1981) faz um retorno histórico do poder. Basicamente, o autor elabora
uma dialética epistemológica entre a concepção clássica de poder dominador e coercitivo,
historicamente ligado à ideia de Estado, e também busca e reflete sobre a crítica às teorias
anglo-saxônicas do poder enquanto “soma zero” – uma herança da teoria dos jogos, na qual
em algum momento, para cada dominado, haverá um dominante e vice-versa, fechando
o sistema em si. Nesse sentido é que o autor nos apresenta a definição da ideia de poder,
aproximando-se do poder enquanto manifestação de forças:
Durante toda sua exposição, Lebrun (1981) valoriza o importante papel dos teóricos
renascentistas e modernos em suas elucubrações a respeito do Estado. Em uma tentativa de
aliar as teorias clássicas de poder central do soberano ao poder multifacetado e diluído dos
23
Unidade I
Segundo Foucault (1979), há uma diferenciação das forças existente entre os indivíduos
de uma sociedade. Isso quer dizer que o poder não está localizado apenas em uma direção,
localidade ou organismo, como os Estados, escolas e prisões, mas sim em todas as trocas de
experiência dos sujeitos.
O viés econômico que permeia a história é inegável, mas o importante é não deixar para
trás o substrato que tanto as instituições quanto os interesses econômicos fundamentam,
ou seja, a repressão, a dominação e a manipulação não só dos soberanos, mas também
de todos que por alguma contingência específica estiverem exercendo o domínio sob
outro indivíduo ou comunidade: “o poder é essencialmente repressivo. O poder é o
que reprime a natureza, os indivíduos, os instintos, uma classe. Quando o discurso
contemporâneo define repetidamente o poder como sendo repressivo, isto não é uma
novidade” (FOUCAULT, 1979, p. 175).
24
CIÊNCIA POLÍTICA
Não há por que negar a mobilidade escalar do poder, indo dos mais colossais aparelhos
estatais de controle até os comandos imperativos vociferados por coronéis ou burocratas
em vilas e comunidades isoladas. Assim, conseguimos extrair o caráter “essencialista” do
poder, colocando-o como forças em processos contraditórios de manifestação:
E nessa reflexão entre o poder, o jogo de forças e a validação da autoridade é que Arendt
explora a violência como expressão máxima de visibilidade concreta do poder manifestado.
No entanto, assim como há a necessidade dessa aceitação coletiva, a autora também reitera
que devemos conceber o poder em seu formato impessoal, coletivo, multiverso para além
do indivíduo:
O poder acaba por se enraizar das instituições para os seus representantes pessoais, e o
instrumento de sua perduração diante da população subalterna será a mais clara possível, a
violência: “[...] Os que vivem sob um déspota não tem nenhum interesse pessoal em obedecer
às injunções que lhe são feitas ou respeitar as proibições que vêm limitar sua liberdade. Se
o senhor não pudesse recorrer à força física, ninguém se curvaria às suas ordens” (CLAVAL,
1979, p. 23).
1
“O uso da força é um dos elementos da vida internacional. Nos Estados, o governo dispõe do monopólio
legal do recurso à violência e o utiliza para tornar impossível o uso privado da coação física: a imagem normal
da vida política é a de relação desenvolvida pacificamente pela negociação e a concessão, ou de regimes calmos,
estabelecidos depois de breves choques, revoluções ou guerra civis: mesmo quando estas se prolongam, a luta
armada surge como um elemento anormal contra a natureza” (BURDEAU, 2005, p. 203).
25
Unidade I
Por essa razão, as punições aos dissidentes à ordem dominante serão avassaladoras e
inegociáveis; assim o foram com os revoltosos na Bahia, no Maranhão, em Minas Gerais
e no Rio de Janeiro e, mais do que punir, o objetivo principal era utilizar este símbolo do
mando do poder como exemplificação para as outras pessoas, a favor ou não de algum tipo
de posicionamento contrário aos comandos do rei.
Em concordância tanto com Foucault como com Arendt, Georges Burdeau (2005) diz
que o poder é o encontro desigual de forças. A manifestação dessa desigualdade gerará a
visibilidade do poder enquanto diminuição ou sobrepujamento dos dominados diante do
comando e ordens de quem domina [...] “todo o problema do Poder se deve a essa dualidade
dos elementos que o constituem e se influenciam reciprocamente: a vontade de um chefe
e o poder de uma ideia que, a um só tempo, o sustenta e o supera” (BURDEAU, 2005, p. 6).
Eis que chegamos então à questão central da qual nos propomos tratar, que é a relação
entre o Estado e o território. Não apenas geógrafos voltados a assuntos ligados à política irão
defender o estudo dessa relação. A negligência da geografia para com a política é lembrada
por Foucault (1979) em sua afirmação do protagonismo do espaço e dos geógrafos.
à ideia do Estado, ele exige, para que a ideia não se desagregue, que o Estado se empenhe
em aprimorar as relações entre os indivíduos e seu contexto geográfico”. Por essas razões,
os geógrafos possuem lugar cativo no aprofundamento de estudos a respeito dessa relação,
por seu arcabouço teórico e fundamentação conceitual:
O que autor está afirmando nada mais é que a preocupação em unir esferas
complementares, em uma análise que se volte para elementos como sociedade civil, território,
instituições estatais, história cultural, características econômicas (e observemos que ele
critica o economicismo da história, assim como Foucault), e a revalidação da importância
da superestrutura. Em suma, para se falar de indivíduo e sociedade, há de se ter em mente
que entre a terra e o homem há muito mais que instintos, valoração monetária e fins de
uso imediato.
[...]
28
CIÊNCIA POLÍTICA
[...].
2
“Portanto, todo território é, ao mesmo tempo e obrigatoriamente, em diferentes combinações, funcional
e simbólico, pois exercemos domínio sobre o espaço tanto para realizar ‘funções’ quanto para produzir ‘significados’”
(HAESBAERT, 2004, p. 3).
29
Unidade I
O excerto a seguir traz uma parte do raciocínio complexo de Hannah Arendt sobre a política nas
escalas e circunstâncias individual e planetária:
Um tema que lhe é muito caro, a preservação da vida, depreende da tensão entre os imperativos
da política interna (ações que dependem do indivíduo) e as ameaças da política externa (relações que
tomam o indivíduo), internacional.
Reafirmamos, em consonância com Zygmunt Bauman, aquilo que nos move neste livro-texto: a
política somente é importante porque está na vida diária, no cotidiano de todos. Ela está em toda
parte, em qualquer passo dado. Assim, precisamos levar esse conteúdo para a política profissional,
institucionalizada.
O texto que destacaremos a seguir é da obra 10 Lições sobre Hannah Arendt (2012), de
Luciano Oliveira.
31
Unidade I
Terceira lição
[...]
Quando Arendt se refere à política em um sentido positivo, está se referindo ao que foi a
experiência da polis grega! Arendt, recordemos, foi aluna de Heidegger e deste guardou algo
do seu método: “A volta dele aos filósofos gregos, sua luta com a etimologia mesma das
palavras que eles utilizaram, para lhes recapturar a primeira e fresca apreensão da maravilha
e terror do Ser”. Seguindo suas pegadas, Arendt repetidas vezes explicita a sua visão da
política como estando baseada na experiência grega clássica. Em A Condição Humana, um
capítulo sobre o que seria a essência da ação política se chama, exatamente, “A solução
grega”. E mais tarde dirá:
A resposta sobre o que seria tal essência, que ela exploraria mais sistematicamente no
livro de 1958, já está no conjunto de manuscritos [...] em alemão que só em 1993 foram
publicados na Alemanha, com o título Wast ist Politik?, e que Jerome Kohn publicou em uma
versão inglesa com o título Introdução na política, preservando assim a ideia de introducere
– “fazer entrar”. Foi na Grécia Antiga – mais exatamente em Atenas –, na época de seu
maior esplendor, que ela, a política, apareceu, em um espaço um tanto simbólico que os
gregos chamaram de polis. Ali, os homens livres e iguais – aqueles que estavam libertos
das necessidades laborais da vida – compareciam e davam-se à experiência política por
excelência, a ação, ou seja, o ato de vir a público e, em companhia de seus pares, iniciar com
palavras e atos algo novo cujo resultado não podia ser conhecido de antemão.
32
CIÊNCIA POLÍTICA
Viriam daí, de um lado, a hostilidade platônica ao reino das opiniões múltiplas e voláteis
vigentes na polis, onde as decisões seriam fruto de um exercício permanente de discussão e
persuasão, e, de outro, a valorização da figura do “rei-filósofo”, espécie de expert detentor de
um saber acima da plebe e gozando de um privilégio sobre os cidadãos ordinários. Começava
a decadência da política como o agir comum de cidadãos livres, daí em diante – em um
processo que chegou ao paroxismo nos tempos modernos – reduzidos, quando muito, à
condição de eleitores ocasionais. Confundem-se aqui processos históricos e culturais que
incluem desde a decadência de Atenas e, posteriormente, da República romana, até a
desvalorização da “esfera política” promovida pelo cristianismo, ao assimilá-la “ao mundo
terrestre da concupiscência”.
Em suma, um mal necessário. A conexão entre essa “volta aos gregos” e a crítica a Marx
se aclara quando se considera que a participação na polis nada tinha a ver com finalidades
práticas como a satisfação das necessidades, assunto doméstico por definição. Ou seja,
enquanto Arendt, na esteira dos gregos, vê na política a mais nobre atividade humana, Marx a
vê como um estorvo do qual convém um dia se livrar. Entendamo-nos: Marx é, como Arendt,
um libertário. Afinal, o que quer a revolução tão esperada por ele senão libertar o homem
do império da necessidade? Mas é aqui, justamente, que as coisas se complicam. Lembremos
que o grego que tinha assento na polis era um homem liberto das necessidades materiais da
existência, e, portanto, livre para discutir e deliberar com seus pares, igualmente libertos. Havia
o mundo privado da casa, no qual tais necessidades eram satisfeitas à base da dominação
sobre as mulheres e os escravos, e no qual não havia que se falar em deliberação, e havia a
“esfera pública”, na qual não havia dominação, mas igualdade. Entre uma coisa e outra, nada.
Não havia o que Arendt vai chamar de “sociedade” ou de “o social”. Por uma série de razões
33
Unidade I
que não vem ao caso abordar – até pela imensidão do assunto –, posteriormente ao declínio
da polis ocorreu um fenômeno que adquirirá uma importância cada vez maior e que Arendt
assim descreve: “A esfera da vida e de suas necessidades práticas, que na Antiguidade como
na Idade Média fora considerada a esfera privada por excelência, ganhou uma nova dignidade
e adentrou a arena pública em forma de sociedade”.
Estamos aqui diante de um fenômeno que nos é inteiramente familiar: uma concepção
de política “na qual o Estado é visto como uma função da sociedade”, algo como “um mal
necessário em prol da liberdade social”, prevalecente no mundo moderno. É aqui onde se
introduz a crítica a Marx, que se alguma finalidade vê na política é justamente a de pôr-se
a serviço dessas necessidades, evidentemente para superá-las, e, com isso, decretando seu
próprio fim, por ter se tornado supérflua.
Marx, para Arendt, atribuíra ao trabalho uma importância suprema na vida humana [...].
Hannah Arendt e Zygmunt Bauman são fundamentais nesse assunto, pois ambos procuram
a vida nos conceitos, em seu conteúdo social. Vão além do exercício teórico, seus trabalhos são
exercícios políticos.
Nesse ponto do texto, enfatiza-se a face mais elementar, mais básica da política, aquela do nosso
dia a dia. Quando queremos ou precisamos seguir uma direção, trilhar um caminho, trata-se de ação
política, conforme acentua Arendt, citada por Lincoln de Abreu Penna em sua resenha sobre a autora:
E o autor continua:
[...] A esses três elementos de todo agir político – ao objetivo que persegue,
à meta que idealiza e pela qual se orienta e ao sentido que nele se revela
durante sua execução – agrega-se um quarto, aquele que na verdade jamais
é motivo imediato do agir, mas que o põe em andamento. Vou mencionar
esse quarto elemento de princípio do agir e com isso sigo Montesquieu, que,
em sua discussão sobre as formas do Estado, em Esprit des Lois, descobriu
esse elemento pela primeira vez. Se se quiser entender esse princípio em
termos psicológicos, pode-se então dizer que é a convicção básica que
um grupo de homens compartilha entre si, e essas convicções básicas
que desempenharam um papel no andamento do agir político nos foram
transmitidas em grande número, embora Montesquieu só conheça três delas
– a honra nas monarquias, a virtude nas repúblicas e o medo nas tiranias.
Se nos basearmos em José Arthur Giannotti (2014), vamos encontrar três classes de contradição:
uma, idealista, representada por Hegel; outra, materialista, defendida por Marx; a última, com Carl
Schmitt à frente.
Para Giannotti (2014, p. 4), “a política é muito mais que disputa pelo poder”. Afirma que “disputa é
entendida de diversas maneiras, mas, tanto à esquerda como à direita, principalmente como contradição”.
O autor mostra, porém, que a contradição (“no seu sentido estrito, a contradição, como junção de
uma proposição e sua negativa, bloqueia o pensamento”) pode ser uma via privilegiada de análise e
reflexão. Contradição que tanto pode travar o encadeamento do raciocínio quanto abri-lo, como faz
Hegel (GIANNOTTI, 2014, p. 4).
35
Unidade I
Hegel faz dela o núcleo de qualquer devir, mas para isso pensa o ser e o nada
se determinando mutuamente, vindo a ser a partir dessa tensão. Ao pensar
a luta de classes como uma contradição, Marx se ajusta a esse modelo.
Somente assim pode ver nos conflitos do capital e do trabalho um vetor que
os supere e conserve suas potencialidades, criando outra figura que abriria
uma nova época da história. No entanto, se a contradição é uma figura do
discurso, como ela pode penetrar todo o real? Somente se ambos, o discurso
e o real, tiverem a mesma estrutura (GIANNOTTI, 2014, p. 4-5).
Trata-se de uma equivalência ontológica entre realidade e linguagem. Isto é, ao serem ambas
revestidas do mesmo material e ordenadas pelo mesmo sentido, remetem uma à outra. Ao perscrutarmos
a realidade, estaríamos em condição de falar (e pensar sobre ela), enquanto o discurso nos levaria até a
realidade. É um procedimento próprio da condição de equivalência ou de ontologias homólogas. É por
isso que a linguagem pode trazer o real (tem essa aspiração e esse potencial) como raciocínio encadeado.
Saiba mais
A contradição é fundamental para a comunicação didática. Assim, Giannotti aponta o modo como
Karl Marx abriu-se para o tema:
Marx nunca poderia aceitar esse “idealismo” [de Hegel]. Contudo, essa recusa
deixa uma sobra no seu pensamento político. A passagem do capitalismo
para o socialismo demanda a destruição do Estado, que no fundo é a
imagem das relações capitalistas posta a serviço delas, e a substituição da
política pela organização racional dos assuntos humanos. O resultado, como
sabemos, foi o terror revolucionário, cada vez mais terror quando se tornava
menos revolucionário (GIANNOTTI, 2014, p. 5).
36
CIÊNCIA POLÍTICA
E o autor continua:
[...]
Convém indicar àqueles poucos amigos que me têm lido no decorrer dos
anos o salto que este novo texto pretende dar. Até agora não tinha me
dado conta do alcance do potencial explicativo que ganha a contradição
quando assume um sentido. Em vez de se reduzir à conjunção de um signo
proposicional e sua negação, ela passa a articular um ato de negação que se
nega em um determinado jogo de linguagem. Consiste em uma “atividade”
de contradizer que, se não exprime algo, não deixa de exteriorizar o bloqueio
de duas atividades expressivas, as quais incitam uma decisão que, como tal,
37
Unidade I
Poderíamos ser tentados a pensar que nossa herança democrática nos protege
automaticamente dessas ameaças. É uma ideia equivocada. Nossa própria
tradição exige que se examine a história a fim de compreender as fontes
mais profundas da tirania e de refletir sobre as respostas apropriadas. Os
americanos não são mais sábios do que os europeus que viram a democracia
dar lugar ao fascismo, ao nazismo ou ao comunismo [suas exacerbações...]
no século XX. Nossa única vantagem é poder aprender com a experiência
deles. E este é um bom momento para isso (SNYDER, 2017, p. 7).
Definir ciência política é entrar no plano do pensamento sobre a política que vimos na prática; é
preciso, então, trazê-la como ação, viva, e como história.
Como já estudamos, há na formação da ciência política uma dualidade e, por vezes, uma visão
dualista fundante:
39
Unidade I
• ciência que busca explicar a unidade complexa por meio de concepções, modelos e
instrumentos mecânicos simplórios, reproduzindo a realidade de modo a transfigurá-la, por
vezes até mesmo inconscientemente.
No primeiro caso, as buscas dependem de disposições concretas, perdendo potência no senso comum.
Se não perderem, podem alcançar um nível colaborativo. No segundo cenário, no plano teórico‑abstrato,
há elaborações institucionais, projetos para administrar as ações individuais. Apresentam certa dubiedade:
a institucionalização da vida social tem por retórica e panaceia o projeto político e a melhoria da vida
coletiva, e há imenso descrédito do aparato institucional (estatal), dificilmente público. Isto é, viver é
um fenômeno existencial precípuo e, em decorrência disso, organizamos de modo dissimétrico nossas
próprias ações, com a permissão da cisão social.
Conforme Matheus Passos (2017), ciência política é o estudo do fenômeno político, tanto no sentido
amplo quanto naquele mais estrito. Enquanto no primeiro plano trata-se da análise do fato propriamente
dito, no outro, o objeto de interesse volta-se para os aspectos institucionais, do Estado, de seu aparelho
e das relações estabelecidas em torno dele.
Amparado em Norberto Bobbio, Matheus Passos (2017) define esse nível dos fatos como tudo o que
é ligado à cidade, ao urbano, ao civil, ao público e que é pertinente às dinâmicas sociais. Diz que é a arte
do governo de uma maneira geral, assemelhando-se à política no plano da existência, do modo como
destacamos há pouco. Já no sentido estrito, a política remete aos termos de referência polis e Estado,
isto é, política institucional, profissional.
Já vimos que o saber sobre a política, tanto o clássico como o contemporâneo, é bastante politizado,
pois pensa com propósito, é político, representa setores da sociedade, é motivado por ideias.
Se temos os clássicos, a exemplo de Aristóteles, Platão, Santo Agostinho, Maquiavel, Hobbes, Locke
e tantos outros, hoje temos a disciplina acadêmica e científica, debruçada sobre o fenômeno político,
com a específica denominação de ciência política. Em geral, dizemos que é uma área do conhecimento
que se institucionalizou nas universidades anglo-saxãs, particularmente estadunidenses, influenciando
países europeus desenvolvidos, e mais tarde também os “periféricos”.
Matheus Passos (2017) expande o sentido da política para o plano da existência. A diferença entre
filosofia política e ciência política, segundo ele, é que a filosofia trata do que deve ser, e a ciência, do que é.
Acentuaremos dois exemplos dessa relação de poder. De início, imaginemos um sujeito A atuando
sobre o sujeito B. Para que a relação ocorra, é necessário o seguinte:
• O sujeito B deve alterar o comportamento em função de A (de acordo com as ações e intenções
dele). Se houver mudança de comportamento, mas não aquela preconizada pelo sujeito A, ele não
cumpriu a relação de poder.
Agora, temos a figura do pai e do filho. O pai (poder) pode dar palmadas em seu filho. Os meios, as
vias de exercício do poder, são sempre territoriais. O poder potencial é expresso pela ameaça, já o atual
é o que está sendo exercido.
Leonardo Avritzer (2016) diz que a ciência política no Brasil tem surgimento tardio (impulsionada no
período discricionário da ditadura militar) e a divide em três fases:
• Heroica (1960-1985): influência dos Estados Unidos da América, com os programas de fomento.
desenho da república ideal; Leviatã (1651), de Hobbes, que pretende dar uma justificação
racional e, portanto, universal da existência do Estado e indicar as razões pelas quais
os seus comandos devem ser obedecidos; e O Príncipe (1513), de Maquiavel, na qual,
ao menos em uma de suas interpretações (a única, aliás, que dá origem a um “ismo”, o
maquiavelismo), seria mostrado em que consiste a propriedade específica da atividade
política e como se distingue ela enquanto tal da moral.
Por “ciência política” entende-se hoje uma investigação no campo da vida política
capaz de satisfazer a essas três condições: a) o princípio de verificação ou de falsificação
como critério da aceitabilidade dos seus resultados; b) o uso de técnicas da razão que
permitam dar uma explicação causal em sentido forte ou mesmo em sentido fraco do
fenômeno investigado; c) a abstenção ou abstinência de juízos de valor, a assim chamada
“valoratividade”. Considerando as três formas de filosofia política descritas, observe-se que
a cada uma delas falta ao menos uma das características da ciência. A filosofia política
como investigação da ótima república não tem caráter valorativo; como investigação do
fundamento último do poder, não deseja explicar o fenômeno do poder, mas justificá-lo,
operação que tem por finalidade qualificar um comportamento como lícito ou ilícito, o que
não se pode fazer sem a referência a valores; como investigação da essência da política,
escapa a toda verificação ou falsificação empírica, na medida em que isso que se chama
presunçosamente de essência da política resulta de uma definição nominal e, como tal, não
é verdadeira nem falsa.
Como vimos, a política pode ser tomada em dois planos, mas nos interessa, agora, considerá‑la
sob a ótica da unidade. Assim, as práticas individuais e sociais (as ações e os “fatos”) sofreriam
transformações com os impactos do campo jurídico-institucional, adaptando-se a estes ao mesmo
tempo que os fosse criando (claro que isso é mais verdadeiro para aqueles mais próximos do poder
decisório). Contudo, de qualquer forma, os planos não seriam dicotômicos, mas complementares e
42
CIÊNCIA POLÍTICA
mutuamente conversíveis. Seria preciso explicar como a vida comum se torna formal, institucional,
como ela se mundaniza ao pautar, ao determinar as ações individuais.
Também é preciso procurar no tempo os princípios longínquos de organização, como diz Luiz
Fernando da Silva Pinto (2012, p. 49-50):
“É possível fazer sobre esse mito do contrato social toda uma série de interpretações e de filosofias
políticas. Elas têm certos traços comuns. Elas despem as hierarquias religiosas tradicionais de sua
influência política: já não é mais em um além transcendente que a autoridade encontra suas raízes”
(CLAVAL, 1979, p. 130).
43
Unidade I
Em Espaço e Poder, Claval trata dos fundamentos ideológicos do mundo contemporâneo. Examina
ideologias sociais, iniciando pela Reforma e sua influência no contrato social. O traço comum entre elas
é um certo igualitarismo. O mito fundador é o do pacto “celebrado entre todos os membros do povo de
Deus” (CLAVAL, 1979, p. 129).
Hobbes é o teórico de um sistema político no qual o poder e a autoridade são ilimitados, vivendo
em meio a inúmeros conflitos e insegurança em todos os níveis; pleiteava, portanto, um ambiente com
direitos consolidados por um soberano forte. Todavia, “todos possuem a mesma aptidão de aceitar o que
se conforma aos termos do pacto, ou de rejeitar o que o contradiz” (CLAVAL, 1979, p. 130).
O Estado hegeliano corresponde a essa visão, racionalizando o poder institucional que prefigura as
bases do Estado moderno.
Segundo o autor, são concepções que “não têm a complexidade das pirâmides de regras e o
prestígio das sociedades de ordens: comportam apenas dois estágios, o da autoridade e o da massa
que lhe está submissa”. E reitera: “A versão hobbesiana do contrato social prolonga, portanto, no
mundo racional, a visão tradicional da hierarquia política e a liberta daquilo que vinha limitar o
exercício da vontade do príncipe: ela o libera do magistério moral que a Igreja e a religião exerciam
até então” (CLAVAL, 1979, p. 131).
Duas proposições diferentes, a de John Locke e a de Jean-Jacques Rousseau, são mais determinantes
no pensamento contemporâneo.
Ele coloca o poder em um circuito que parte dos cidadãos, remonta até o
soberano, para descer de novo até eles: o príncipe não está mais acima de
tudo, ele é a emanação do conjunto, pensa por ele, age por ele e leva em
conta seus problemas, suas dificuldades e as soluciona quando a iniciativa
individual não o pode fazer (CLAVAL, 1979, p. 133).
Rousseau modifica o mito do contrato social ao introduzir a ideia da perversidade engendrada pela
sociedade. Destaca a necessidade de assinar um novo contrato para um mundo melhor. Será o fruto de
uma ação coletiva ou de um movimento de entusiasmo? O início de uma era de inocência? A Revolução
Francesa inaugura uma série de revoluções que levam aos estados totalitários que Hegel justifica pela
ideia de um mundo em construção. A violência até encontra sua justificativa na grandeza do trabalho
a ser feito.
Marx apreende o poder do esquema hegeliano, mas para ele o que está no fim da história não é a
ideia, mas o homem. Ele percebeu que o proletariado é o instrumento da última fase da história: é o
único grupo consciente das transformações necessárias para o fim.
44
CIÊNCIA POLÍTICA
Do contrato, podemos, então, retomar a ideia de unidade, algo próximo da síntese anunciada por
Paulo Sérgio Peres (2008, p. 54):
Seja pela perspectiva da dimensão política do comportamento, seja pela da abordagem das
representações institucionais, há um deslocamento pendular da “análise econômica dos fenômenos
políticos sob a ótica dos paradoxos das decisões coletivas e a crise do behaviorismo a partir da segunda
metade da década de 1960” (PERES, 2008).
O autor também encontra a corrente neoinstitucional, que tem como característica teórica central
a síntese epistemológica e metodológica de parte do comportamentalismo com parte do “antigo”
institucionalismo. Suas preocupações são: neoinstitucionalismo; comportamentalismo; história da
ciência política e instituições políticas.
Para Locke e Montesquieu, os poderes ou a divisão dos poderes representam a pedra de toque para
a discussão do modo como determinada nação se governará.
Se, então, a política (em seu sentido banal, e até mesmo formal) e aquilo que dela transparece
emergem como aparência e como motivações intrínsecas, envolvem a ética e a melhoria de status,
sempre há distorções e patologias, e é também verdadeiro que somente fazemos política porque
podemos! Autonomia e emancipação! Ambas são alicerçadas no poder. É preciso ser livre para ter poder,
só assim há república!
45
Unidade I
Liberdade leva-nos à ideia de república, de democracia, e seus agentes são os recebedores do destino
das ações.
A ideia de contrato é um recurso muito parcial, mas didático, para expressar o jogo de obrigações
e deveres dos agentes associados. A alternativa seria uma história minudente das construções
institucionais (societais) dos acordos baseados na moral, no medo da dominação, nos desafios
momentâneos dos grupos...
O contrato social ou o grande acordo de obrigações entre as partes, para Norberto Bobbio (1896,
p. 61), é “o princípio de legitimação das sociedades políticas” estabelecido sobre consenso. O autor
desenvolve essa ideia demonstrando de que modo os direitos dos contratos, do natural ao civil (público
e privado), desenrolam-se historicamente.
[...] Gostaria de reunir alguns dos temas do estudo como um todo. Afirmei
que, hoje em dia, os programas políticos radicais devem basear-se em uma
conjunção da política de vida e da política gerativa. As questões de política de
vida tornaram-se proeminentes graças à influência conjunta da globalização
e da destradicionalização – processos que possuem forte conotação ocidental,
mas que estão afetando as sociedades em todo o mundo. Os planos de ação
política precisam ser de caráter gerativo, na medida em que a reflexividade
passa a ser o elo entre os dois outros grupos de influência. A política de vida
está centrada no seguinte problema: como viveremos após o fim da natureza
e da tradição? Tal questão é “política” no sentido amplo, de que ela implica
um julgamento entre diferentes afirmações de modo de vida, mas também no
sentido mais restrito, de que ela se impõe profundamente em áreas ortodoxas
de atividade política (GIDDENS, 1996, p. 279).
Se Leach (1983) nos lembra dos perigos das classificações baseadas em modelos instrumentalizados,
como o evolucionista, Giddens nos remete ao jogo ideológico entre direita e esquerda.
Leach (1983) segue a linha crítica que explicita as intenções subjacentes na utilização dos
termos, nunca neutros, como primitivos ou subdesenvolvidos (por causa do parâmetro europeu),
46
CIÊNCIA POLÍTICA
Quanto à esquerda e à direita, continuamos com Norberto Bobbio, que atribui à classificação papel
fundamental na ciência política:
Não obstante ser a díade seguidamente contestada por muitas partes e com
vários argumentos – e de modo mais intenso, mas sempre com os mesmos
argumentos, nestes tempos recentes de confusão geral – as expressões
“direita” e “esquerda” continuam a ter pleno curso na linguagem política.
Todos os que as empregam não dão nenhuma impressão de usar palavras
irrefletidas, pois se entendem muito bem entre si.
Dividir objetos e bens e classificar a realidade são ações, intelectuais e/ou políticas, baseadas no
poder; são sempre atos de poder.
Há inúmeras qualificações lançadas sobre o tecido social, não vamos nos estender nesse mérito.
Trata-se da própria escolha dos nomes, dos termos de referência. É o universo da comunicação, que
aproxima e afasta, dependendo de quanto as pessoas dominam as regras, os códigos.
Desse modo, as chancelas de direita e de esquerda para atitudes e bandeiras políticas, para Bobbio e
Anthony Giddens, são razoavelmente atuais e funcionam contemporaneamente e, embora necessitem
de revisões, apresentam dados de realidade. São etiquetas e atribuições mais fáceis de manejar, mesmo
com toda a volatilidade mencionada.
Há cerca de meio século, porém, Max Weber criou uma classificação que
tem tido ainda maior influência entre os cientistas sociais contemporâneos.
Weber limitou sua atenção aos sistemas em que o governo era aceito como
legítimo, e sugeriu que os líderes dos sistemas políticos poderiam defender
sua legitimidade e que os membros desses sistemas [poderiam] aceitá-la
com base em três critérios:
1) Tradição.
3) Legalidade.
A cada uma destas três bases de legitimidade corresponde uma forma “pura”
de autoridade: [a tradicional, a carismática e a legal].
Outras classificações, mais polêmicas ainda, trazem termos como: estigmas, classes sociais e estratos.
“À base do critério histórico, a tipologia mais corrente e mais acreditada junto aos historiadores das
instituições é a que propõe a seguinte sequência: Estado feudal, Estado estamental, Estado absoluto,
Estado representativo” (BOBBIO, 1994, p. 114).
A antropologia política traz seu importante arcabouço para entendermos a diversidade das
organizações sociais, deslocando o foco da análise linear “viciada” e de racionalidade ultrapassada.
51
Unidade I
Estes princípios pretendem constituir uma teoria histórica do Estado e ser uma
alternativa à teoria contratualista. Esta foi uma teoria útil quando surgiu porque validou,
legitimou do ponto de vista ideológico, a transformação dos súditos em cidadãos, sendo,
portanto, ingrediente da teoria histórica, mas ela própria não tem base na realidade
histórica, nem tem condições de explicar a evolução política das sociedades modernas
ou capitalistas, ou seja, não dá conta do desenvolvimento político que vem efetivamente
ocorrendo desde a revolução capitalista.
52
CIÊNCIA POLÍTICA
1. Os homens são guiados por suas necessidades inatas ou por seus instintos de: (a)
sobrevivência, (b) convivência e (c) justiça.
3. Nas sociedades primitivas, nas quais não existe a produção regular de um excedente
econômico (produção que excede o consumo necessário à sobrevivência), essas normas
são definidas de forma tradicional e consensual, independendo de um poder superior para
torná-las coercitivas (o Estado). (Nelas não há “estado de natureza” – uma guerra de todos
contra todos: existe apenas guerra permanente entre as tribos ou clãs).
5. Surgem, então, as leis (as norma sociais dotadas de coercitividade) e o Estado Antigo:
o sistema legal e a organização que o garante.
7. A lei imposta pelo Estado Antigo ou lei oligárquica não é uma “lei natural”; é
simplesmente a lei dotada de validade que a oligarquia logra impor com êxito à sociedade.
10. A sociedade passa, assim, a ser dividida entre os ricos (a oligarquia) e os pobres, ou
o povo.
11. A validade da lei oligárquica depende: (a) da segurança que garante aos súditos
(a qual atende minimamente a sua necessidade de sobrevivência); (b) do grau de
desequilíbrio de forças entre a oligarquia e o restante da sociedade – o povo; e (c)
53
Unidade I
12. A lei oligárquica terá tanto mais validade quanto maior for o poder da oligarquia em
relação ao povo, e, portanto, quanto mais for aceita sua lei.
13. O poder da oligarquia em relação ao povo será tanto maior e sua lei terá tanto mais
validade quanto maior for sua vantagem em relação a duas variáveis básicas: conhecimento
e comando de força militar.
15. Graças a sua força, essa lei oligárquica é dotada de coercitividade; não é mera norma
social, mas norma do Estado.
[...].
Norberto Bobbio (1988) traz as noções de público e privado, que assumem funções vitais na
institucionalização das relações de poder, nas configurações políticas.
Esse caminho também é trilhado por Atilio A. Boron (1994). O autor fala em “estadolatria” para
evidenciar as posturas acríticas, naturalizantes, que tomam o Estado como inexorável, destacando
uma fatalidade.
54
CIÊNCIA POLÍTICA
Resumo
Exercícios
A) Immanuel Kant.
B) Thomas Hobbes.
C) John Locke.
E) Nicolau Maquiavel.
55
Unidade I
Análise da questão
E) Alternativa correta.
Justificativa: Maquiavel antecede o contratualismo, por isso não adere aos termos Estado de Natureza
e Contrato Social, porém deixa claro sua opinião ao falar que a natureza humana é essencialmente má
e que os seres humanos querem obter o máximo de ganhos a partir do menor esforço, apenas fazendo
o bem quando forçados a isso.
“Os conceitos de Sociedade e Estado, na linguagem dos filósofos e estadistas, têm sido empregados
ora indistintamente, ora em contraste, aparecendo então a Sociedade como círculo mais amplo e o
Estado como círculo mais restrito. A Sociedade vem primeiro; o Estado, depois.
[...]
O Estado como ordem política da Sociedade é conhecido desde a Antiguidade aos nossos dias.
Todavia nem sempre teve essa denominação, nem tampouco encobriu a mesma realidade”.
As alternativas a seguir destacam etapas que compõem a evolução histórica do Estado, EXCETO:
A) Estado feudal.
B) Estado estamental.
C) Estado terrorista.
D) Estado absolutista.
E) Estado representativo.
56
CIÊNCIA POLÍTICA
Unidade II
5 ESTADO, HISTÓRIA E ELEMENTOS ESSENCIAIS
Aproveitamos o diapasão dessa citação e seguimos pelos olhares disciplinares que miram os principais
traços e as bases do Estado; traços radicais, como aqueles trazidos por antropólogos (Maurice Godelier e
Pierre Clastres) e geógrafos (como Paul Claval), e sofisticados, como o da sociologia de Pierre Bourdieu.
Esses homens abrem caminho para os cientistas políticos (politólogos) e para economistas (como Robert
Heilbroner, da economia política).
É preciso que se diga, alinhando-nos com Atilio A. Boron (1994), que houve expansões e
retrações históricas das estruturas estatais, o que é corroborado pelas afirmações que destacamos
de Paul Claval.
Atilio A. Boron acusa certa negação de sua realidade, principalmente no caso dos britânicos,
advertindo que “a realidade social existe independentemente de nossas capacidades intelectuais
para apreendê-la” (1994, p. 244). O autor menciona o positivismo reinante (em David Easton, por
exemplo), que considera imprestáveis poder e Estado ao desenvolvimento da pesquisa política.
Claro, visto que não são tangíveis, a não ser como expressão de relações: são tipos, emergem com
as forças sociais.
Boron (1994) fala de formações estatais tardias (Alemanha e Itália) em contraposição às anglo-saxãs
(Estados Unidos da América e Reino Unido), nas quais a iniciativa burguesa inibiu o aparato estatal...
O Estado, que desde os anos 1930 foi um meio ideal de lidar com a crise,
foi convertido ideologicamente no “bode expiatório” e concebido como o
fator que a originou. Antes, nos fatídicos anos 1930, isso fazia parte da
solução. Agora se tornou – nas versões mais ululantes do neoliberalismo – a
totalidade do problema (BORON, 1994, p. 187).
57
Unidade II
Quanto à América Latina, sistema tributário pauperizador e não devolutivo, Boron acentua:
Números sobre a tendência dos salários reais falam por si sobre o alcance
do processo de pauperização sofrido por vastos setores das populares
classes latino-americanas. É evidente que esta regressão salarial deve ter
um impacto profundo, tanto na economia como na política de nossos
países. Mas o que gostaríamos de destacar com esses dados é a magnitude
da lacuna que separa as necessidades humanas básicas – de crescentes
contingentes da população – da capacidade efetiva de intervenção do
Estado suscetível de produzir políticas compensatórias ou corretivas dos
desequilíbrios gerados pelo capitalismo selvagem. Isso pode ser expresso
graficamente com a metáfora das tesouras: as demandas geradas na
sociedade civil, as insatisfações, as privações e os sofrimentos provocados
tanto pela crise como pelos testes neoliberais postos em prática na região
deram origem a uma verdadeira barragem de reivindicações, facilitada,
por outro lado, pelo clima permissivo das sociedades que reiniciam
sua longa marcha rumo à democracia. Nestas condições, no entanto,
a mesma crise que potencializa as renovadas demandas sociais reduz
significativamente as capacidades do Estado para produzir as políticas
necessárias para resolver, ou pelo menos aliviar, as dificuldades aludidas.
O resultado é um acúmulo alarmante de tensões que poderiam levar a
um quadro de ingovernabilidade generalizada do regime democrático, sua
deslegitimação acelerada e sua provável desestabilização, com os riscos de
uma inesperada reintegração de governos autoritários de diferentes tipos
(BORON, 1994, p. 195).
Atilio A. Boron (1994, p. 200) faz considerações sobre as dívidas externas insustentáveis “que a
América Latina não pode pagar”, promovendo transferências de gigantescas quantias, e acrescenta a
mais importante das constatações de seu livro, que “estes dados [o levantamento exaustivo apresentado]
demonstram, apesar da gritaria neoliberal, a persistente importância do Estado e do gasto social nos
capitalismos metropolitanos”.
PIB, enquanto a do Reino Unido, por outro lado, era de 3,1%. Como
os déficits aberrantemente keynesianos se reconciliam com um discurso
dogmaticamente neoliberal? (BORON, 1994, p. 201).
Para nossa “perplexidade” diante das declarações sobre a agonia e morte do Estado, pesquisadores
sustentam o seguinte: “como resultado do declínio das políticas econômicas neoliberais e da crise que
atravessam a maioria das economias latino-americanas, o papel econômico do Estado se verá fortalecido”
(BORON, 1994, p. 203).
Claudia Costin define de modo bem direto Estado, Estado nacional e suas partes principais.
[...]
O Estado possui uma administração pública, fixada pelo Decreto-lei nº 200 de 1967:
Claudia Costin cita Bresser-Pereira para tipificar a Administração Pública em três formas históricas:
A autora também apresenta em seu livro os modos básicos de alimentação do aparelho estatal, via
tributos, e de gastos públicos, via orçamento.
Depois de definir Estado e de contextualizá-lo juridicamente, vamos situá-lo no tempo com o excerto
a seguir.
Como vimos, o Estado não existiu sempre. Surgiu num determinado momento histórico
em razão de uma série de fatores sociais, políticos, econômicos etc., com o objetivo de
organizar a sociedade sob uma nova estrutura institucional de poder. Para analisarmos
as formas históricas assumidas pelo Estado, retomamos a tipologia utilizada por Norberto
Bobbio em seu Estado, Governo e Sociedade, que inclui esta sequência: Estado feudal,
Estado estamental, Estado absoluto, Estado representativo.
O Estado feudal pode parecer a muitos uma contradição em termos, mas trata-se,
evidentemente, de uma forma de Estado em que há uma fragmentação do poder em
múltiplos agregados sociais e, por outro lado, a concentração de diferentes funções diretivas
nas mãos das mesmas pessoas. Ao poder “central” do rei caberia apenas a organização do
Exército e a estruturação da defesa do território, ao passo que o protagonismo político
pertenceu aos senhores feudais.
60
CIÊNCIA POLÍTICA
A soberania se expressa agora no poder de ditar leis sobre uma coletividade, no poder do
uso exclusivo da força para proteção contra ameaças externas e imposição da ordem, e no
poder de coletar impostos que é assegurado ao rei e elimina poderes autônomos estranhos
a ele. Em outros termos, o poder de cidades, sociedades comerciais ou corporações só pode
existir mediante autorização do poder central ao qual se subordinam, ganhando relevo
termos como “centralização”, “soberania” e “contrato social”.
Por essa razão, segundo Manin (1995), é possível identificar três sentidos no âmbito da
democracia representativa:
• Significa que as decisões devam ser realizadas por representantes cuja legitimidade
advém da lei ou do voto, pois, embora o povo não governe, “ele não está confinado
ao papel de designar e autorizar os que governam. Como o governo representativo
se fundamenta em eleições repetidas, o povo tem condições de exercer uma certa
influência sobre as decisões do governo” (p. 8).
A crise do Estado no início dos anos 1980 e a posterior derrocada da União Soviética
e das economias dos regimes do Leste Europeu trouxeram um profundo questionamento
do Estado social. Criticava-se sua dependência de uma carga tributária elevada, a inibir
a produtividade e a saúde financeira das mesmas empresas locais que se pretendia
impulsionar, e sua desvinculação com uma lógica de trabalho como fator de crescimento
humano. Acreditava-se que auxílios pecuniários dissociados de esforço pessoal levariam
à dependência e à acomodação do ser humano. Outros criticam a insuficiência do
Estado social em resolver os problemas a que se propõe, criando atenuantes, como
salário‑desemprego, em vez de combater o desemprego, ajudas em espécie ou dinheiro
em vez de criar reais oportunidades.
Mas Peter Lindert (2002, p. 2) demonstra que não há evidências estatísticas de que os
Estados com modelos sólidos de bem-estar social financiados por uma carga tributária
relativamente elevada tenham experimentado reduções no crescimento do seu PIB e
63
Unidade II
da produtividade. Isso se deve, segundo ele, entre outros fatores, à constituição de uma
competência para desenhar desincentivos à evasão do trabalho por parte da juventude, à
seleção de um mix de impostos mais favorável ao crescimento e ao efeito positivo do gasto
social sobre o crescimento. Não apenas a educação aumenta o PIB per capita, mas outros
gastos sociais também o fazem.
Em seu modelo predominante hoje em dia, o Estado pode ser diferenciado, no entanto,
pelas diferentes tarefas e papéis que assume, o que, por sua vez, resulta também de uma
evolução histórica.
Há pouco consenso nessa matéria. Mas, nos tempos em que a expressão Estado começou
a ser utilizada, com Maquiavel, o papel do Estado era percebido, sobretudo, como o de
prover segurança à população para conduzir suas atividades diante de agressões externas ou
crimes internos, cabendo às entidades religiosas registrar os nascimentos e óbitos, acudir os
necessitados e, para quem quisesse integrar seus quadros, a educação necessária para tanto.
O antigo reino da Prússia foi o primeiro país a introduzir, inspirado por Martinho Lutero,
a educação pública gratuita e compulsória, de oito anos de duração, para todas as crianças,
ainda no século XVIII. A essas alturas, as primeiras escolas públicas americanas já existiam e
conviviam com escolas comunitárias e privadas. Na França, onde já existia um sem‑número
de escolas religiosas, o sistema público foi introduzido nos anos 1880, por Jules Ferry, junto
com um processo vigoroso de laicização do ensino (WEREBE, 2004). No Brasil, o governo
provisório de Deodoro da Fonseca institui, em 1890, o “ensino leigo e livre, em todos os níveis
e gratuito no primário” (Decreto nº 501/1890). Na ocasião, apenas 12% das crianças em
idade escolar tinham acesso à educação. Vamos demorar mais 106 anos para universalizar
o ensino fundamental.
A saúde surge como preocupação do Poder Público bem antes disso. Os romanos já
apresentavam obras de saneamento, afastando os dejetos humanos de áreas de concentração
de pessoas. Posteriormente, epidemias mereceram atenção de governos, como foi o caso
da peste negra, que levou à infrutífera queima de cadáveres, seguida pela mais eficiente
queima de bairros inteiros. Da mesma forma, o Estado passou a estabelecer, especialmente
a partir dos séculos XVIII e XIX, condições para o estabelecimento de cemitérios, venda de
64
CIÊNCIA POLÍTICA
alimentos e destinação do lixo num introito ao que se chama hoje de Vigilância Sanitária.
Nesse sentido, fez construir também esgotos (como o famoso de Londres, cuja obra se
fez na sequência da epidemia de cólera de 1854) e aterros sanitários. Pouco a pouco, a
partir do século XIX, o Estado começou a vacinar para prevenir doenças, ao mesmo tempo
que em muitos países se estabelecia um sistema de vigilância epidemiológica. Essas novas
atribuições demandaram a constituição de uma rede de novos equipamentos públicos, em
adição a hospitais, inicialmente operados por ordens religiosas a partir de contribuições
filantrópicas. Aqui no Brasil tivemos as Santas Casas de Misericórdia, a primeira datando
de 1540, de criação apoiada pelo imperador, mas efetivamente não públicas. O mesmo
movimento seguiu o Québec um século mais tarde, com a criação do Hotel-Dieu du
Précieux-Sang, em 1639, e o Hotel-Dieu de Montreal, em 1640. No século XX, o Estado
passou a possuir hospitais, ambulatórios e centros de higiene posteriormente chamados de
centros de saúde.
Outra atividade assumida pelo Estado desde os seus primórdios, embora não com
exclusividade, foi a de construção de estradas. No auge do Império Romano, uma vasta rede
de estradas interligava rotas comerciais e permitia o deslocamento de tropas na Europa, no
norte da África, na Anatólia, na Índia e na China.
O Império Chinês fora responsável pela construção do segmento que interligava a China
à Anatólia e à Índia, conhecida como “rota da seda”. Essa porção tinha uma existência
de aproximadamente 1.400 anos quando das viagens de Marco Polo (1270 a 1290 da
era comum), certamente sua fase mais importante. As companhias comerciais, com seus
exércitos privados, as guildas, os senhores feudais, a Igreja (inclusive na coordenação das
cruzadas), as empresas e mesmo os proprietários individuais fizeram construir estradas para
facilitar o comércio, apoiar movimentação de tropas ou integrar partes distintas de uma
mesma propriedade. Mas, essa função foi percebida durante a maior parte do tempo como
uma atribuição do Poder Público, mais modernamente concedida a empresas de construção
civil, mediante contratos de concessão ou, mais recentemente, parcerias público-privadas
(outra modalidade de concessão).
As primeiras estradas brasileiras foram construídas no século XIX. Nos anos 1920
temos nossas primeiras rodovias. A primeira rodovia pavimentada foi inaugurada em
1928, a Rio-Petrópolis.
Cada vez mais o Estado tem sido chamado, nos países em desenvolvimento, a assumir
um importante papel no incentivo à competitividade do que neles é produzido. Esse papel,
no entanto, deve ser equilibrado com duas outras funções do Poder Público: a redistributiva
e a estabilizadora.
O conjunto das atividades públicas desenvolvidas hoje nos países com Estado estruturado
contempla ainda a fiscalização, a diplomacia, a defesa e o policiamento – atividades que,
junto com a regulação, são normalmente definidas como exclusivas de Estado. A segurança
dos cidadãos diante de agressões externas ou crimes internos, a representação da nação
e de seus interesses no exterior, a arrecadação de impostos vitais para a implantação de
políticas públicas e a verificação da conduta de empresas e particulares quanto a leis e
políticas públicas que protegem o ambiente, a saúde da população e dos rebanhos ou a
correta aplicação dos recursos da seguridade social são algumas dessas atividades que o
Estado precisa desempenhar para manter uma sociedade organizada e protegida em seus
direitos (inclusive os chamados direitos republicanos).
Saiba mais
67
Unidade II
O que Gustavo Baptista Barbosa (2004) destaca e propõe discutir do trabalho de Pierre Clastres é a
variedade histórica, raramente tratada (comumente ignorada) como possibilidade em ciência política e
no direito.
O autor traz tal possibilidade como uma força organizadora da realidade; isto é, saber, conhecer,
o que pode fazer toda a diferença na hora de planejar e intervir na realidade. As façanhas de outros
povos devem nos esclarecer tanto sobre o alcance da razão quanto sobre a riqueza de combinações
e convenções entre pessoas. É quando fala em revolucionar o conhecimento, evocando o feito de
Copérnico, ao mostrar o poder inusitado de um chefe indígena quando comparado a nossas formas de
poder estatal, por exemplo:
Raciocínio similar acontece quando o antropólogo brasileiro considera a dimensão econômica das
organizações sociais/societais.
68
CIÊNCIA POLÍTICA
Borbosa aponta que Pierre Clastres não faz ciência política convencional,
Quanto ao poder associado às classificações, Barbosa cita a ideia de Clastres sobre a inadequação
das tipologias transplantadas da realidade conhecida pela ciência europeia para todas as outras partes
do mundo:
É muito oportuno que o pensamento ocidental volte-se sobre si mesmo à procura das falhas
proporcionadas pelo etnocentrismo, tão colado nas perspectivas ingênuas.
Observação
O autor assevera que nossas concepções de Estado são muito arraigadas e não nos damos conta das
possibilidades reais de combinação de sociedades humanas.
[No] poder que não se exerce, o “não Estado” opera por meio de máquinas
sociais e figuras subjetivas que conjuram diuturnamente a possibilidade
da emergência da divisão no seio do grupo. As sociedades contra o Estado
recorrem a estratégias próprias e lançam mão de vigorosos mecanismos –
como a guerra, a economia, a religião, a linguagem e a própria “subjetivação”
de seus “chefes – de forma a evitar que surjam nelas o mau desejo de
comandar e, como sua necessária contrapartida, o de obedecer. E vemos,
assim, o quanto há de político no desejo (BARBOSA, 2004, p. 556-557).
Barbosa destaca mais um pouco da riqueza da vida humana contraposta a soluções de outros
períodos e necessidades.
“Como se faz um chefe? Com suas palavras – e também com o suor de seu
próprio rosto. E o de suas mulheres, que a poliginia estrategicamente lhe
concede” (CLASTRES, 1962, p. 33). Os três termos – palavras, bens e mulheres
–, cuja troca havia-nos garantido a travessia definitiva da animalidade para
a sociedade, servem-se agora a torções –, e não no terreno etéreo das
mitologias, mas sob nossos olhos, assegurando-nos a passagem, também
ela irrevogável, da sociedade para a socialidade política.
71
Unidade II
Impede-se, desse modo, que se torne predominante um poder que já está lá,
presente na aparente ausência (BARBOSA, 2004, p. 556-558).
Há, assim, um certo estado de Estado, constante e presente por toda parte, e
um certo estado de guerra, também ele constante e presente por toda parte,
um ou outro, inibidos ou potencializados, a depender da forma como se dá
a operação dos mecanismos sociais e das figuras subjetivas por meio dos
quais atuam. Num e noutro estado, entretanto, algo sempre ficará de fora,
reclamando e impondo presença apesar da ausência aparente (BARBOSA,
2004, p. 560).
Pierre Bourdieu contribui muito diretamente com o assunto que trazemos, do poder envolvido
na própria construção das categorias religiosas/teológicas, filosóficas, científicas e jurídicas, tudo
“devidamente” plasmado no mundo da vida, laboratório de aplicação (e legitimação) de produtos da
“engenharia social” milenar, de controle das maiorias.
72
CIÊNCIA POLÍTICA
Lembrete
A seguir destacamos um trecho das famosas aulas de Bourdieu nas quais aponta processos e
estratégias de redefinição de organizações sociais locais em nome do “nacional” e do “internacional”.
Eu mesmo [Pierre Bourdieu], em todos os meus trabalhos anteriores sobre a escola, tinha
completamente esquecido que a cultura legítima é a cultura de Estado...
Todos os trabalhos anteriores que fiz poderiam resumir-se assim: essa cultura é
legítima porque se apresenta como universal, oferecida a todos, porque, em nome dessa
universalidade, pode-se eliminar sem medo os que não a possuem. Essa cultura, que
aparentemente une e na verdade divide, é um dos grandes instrumentos de dominação,
73
Unidade II
visto que há os que têm o monopólio dessa cultura, monopólio terrível, já que não se pode
reprovar a essa cultura o fato de ser particular. Mesmo a cultura científica apenas leva o
paradoxo a seu limite. As condições da constituição desse universal, de sua acumulação,
são inseparáveis das condições da constituição de uma casta, de uma nobreza de Estado,
de “monopolizadores” do universal. A partir dessa análise, podemos nos dar como projeto
universalizar as condições de acesso ao universal. Ainda assim, convém saber como é
preciso para isso despossuir os “monopolizadores”? Vê-se bem que não é desse lado que
se deve procurar.
Termino com uma parábola para ilustrar o que eu disse sobre o método e sobre o conteúdo.
Há uns trinta anos, numa noite de Natal, fui, numa pequena aldeia bem no interior do Béarn,
ver um modesto baile camponês. Alguns dançavam, outros não; um grupo de pessoas, mais
velhas que as outras, de estilo camponês, não dançavam, conversavam entre si, assumiam
uma atitude para justificar o fato de estarem ali sem dançar, para justificar sua presença
insólita. Deveriam ser casados, já que os casados não dançam mais. O baile é um dos lugares
de trocas matrimoniais: é o mercado dos bens simbólicos matrimoniais. Havia uma taxa
muito elevada de solteiros: 50% na faixa de idade 25-35 anos. Tentei encontrar um sistema
explicativo para esse fenômeno: é que havia um mercado local protegido, não unificado.
Quando o que chamamos de Estado se constitui, há uma unificação do mercado econômico
para a qual o Estado contribui por sua política e uma unificação do mercado das trocas
simbólicas, isto é, o mercado da postura, das maneiras, da roupa, da pessoa, da identidade,
da apresentação. Aquelas pessoas tinham um mercado protegido, de base local, sobre o qual
tinham um controle, o que permitia uma espécie de endogamia organizada pelas famílias.
Os produtos do modo de reprodução camponês tinham suas chances naquele mercado: eles
permaneciam vendáveis e encontravam as moças. Na lógica do modelo que evoquei, o que
acontecia naquele baile era resultante da unificação do mercado das trocas simbólicas, que
fazia com que o paraquedista da pequena cidade vizinha, que ia para lá dando-se ares de
importante, fosse um produto desqualificante, que tirava valor desse concorrente que é o
camponês. Em outras palavras, a unificação do mercado, que pode se apresentar como um
progresso, ao menos para as pessoas que emigram, ou seja, para as mulheres e todos os
dominados, pode ter um efeito liberador. A escola transmite uma postura corporal diferente,
maneiras de se vestir etc.; e o estudante tem um valor matrimonial nesse novo mercado
unificado, ao passo que os camponeses são desclassificados. Aí reside toda a ambiguidade
desse processo de universalização. Do ponto de vista das moças do campo que partem para
a cidade, que se casam com um carteiro etc., há um acesso ao universal.
há resistências, há um campo e outro campo. Pouco a pouco, a maioria vence: ela tem
atrás de si o universal. Houve grandes discussões em torno desse problema levantado
por Tocqueville numa lógica continuidade/descontinuidade da Revolução. Resta um
verdadeiro problema histórico: qual é a força específica do universal? Os procedimentos
políticos desses camponeses de tradições milenares muito coerentes foram varridos pela
força do universal, como se eles estivessem se inclinado diante de alguma coisa mais forte
logicamente: vinda da cidade, apresentada em discurso explícito, metódica e não prática.
Tornaram-se provincianos, locais. Os relatórios das deliberações passam a ser: “Tendo o
prefeito decidido…”, “O conselho municipal se reuniu…”. A universalização tem como reverso
um desapossamento e uma monopolização. A gênese do Estado é a gênese de um lugar de
gestão do universal, e ao mesmo tempo de um monopólio do universal, e de um conjunto de
agentes que participam do monopólio de fato dessa coisa que, por definição, é o universal.
[...]
Antes de mais nada, farei uma distinção entre o enfoque que chamo genético e o
enfoque histórico comum.
[...].
Uma das análises que eu tinha feito bem longamente dizia respeito a essa tradição
que vai de Hegel a Durkheim e que consiste em desenvolver uma teoria do Estado que,
a meu ver, não passa de uma projeção da representação que o teórico tem de seu papel
no mundo social. Durkheim é característico desse paralogismo ao qual os sociólogos são
com muita frequência expostos, e que consiste em projetar no objeto, sobre o objeto, seu
próprio pensamento do objeto, que é justamente o produto do objeto. Para evitar pensar o
Estado com um pensamento de Estado, o sociólogo deve evitar pensar a sociedade com um
pensamento produzido pela sociedade. Ora, a menos de se crer em a prioris, em pensamentos
transcendentes que escapam à história, é de imaginar que só temos, para pensar o mundo
social, um pensamento que é produto do mundo social no sentido muito amplo, isto é, desde
75
Unidade II
o senso comum até o senso comum erudito. No caso do Estado, sente‑se particularmente
essa antinomia da pesquisa em ciências sociais e talvez da pesquisa em geral, antinomia
que vem do fato de que, se nada se sabe, nada se vê, e se se sabe corre-se o risco de se ver
apenas o que se sabe.
Se é verdade que só temos para pensar o mundo social um pensamento, que é produto
do mundo social, se é verdade, e podemos retomar a famosa frase de Pascal, mas dando-lhe
um sentido totalmente diferente, que “o mundo me compreende mas eu o compreendo”,
e acrescentarei que eu o compreendo de maneira imediata porque ele me compreende, se
é verdade que somos o produto do mundo em que estamos e que tentamos compreender,
é evidente que essa compreensão primeira que devemos a nossa imersão no mundo que
tentamos compreender é particularmente perigosa, e precisamos escapar a essa compreensão
primeira, imediata, que eu chamo de dóxica (da palavra grega “doxa”, retomada pela tradição
fenomenológica). Essa compreensão dóxica é uma possessão possuída ou, poder-se-ia dizer,
uma apropriação alienada: possuímos um conhecimento do Estado, e todo pensador que
pensou o Estado antes de mim se apropria do Estado com um pensamento que o Estado
lhe impôs, e essa apropriação não é tão fácil, tão evidente, tão imediata senão porque é
alienada. É uma compreensão que ela mesma não se compreende, que não compreende as
condições sociais de sua própria possibilidade.
Com efeito, temos um controle imediato das coisas de Estado. Por exemplo, sabemos
preencher um formulário; quando preencho um formulário administrativo – nome,
sobrenome, data de nascimento –, eu compreendo o Estado; é o Estado que me dá ordens
para as quais estou preparado; sei o que é o estado civil, que é uma invenção histórica,
progressiva. Sei o que é uma identidade, já que tenho uma carteira de identidade; sei que,
numa carteira de identidade, há certas propriedades. Em suma, sei um monte de coisas.
Quando preencho um formulário burocrático, que é uma grande invenção do Estado,
76
CIÊNCIA POLÍTICA
quando preencho um pedido ou quando assino um certificado, e que tenho poder para
fazê-lo, seja uma ficha de identidade, seja um certificado médico, seja uma certidão de
nascimento etc., quando faço operações como estas, compreendo perfeitamente o Estado;
sou, em certo sentido, um homem de Estado, sou o Estado feito homem, e, ainda assim, não
entendo nada dele. É por isso que o trabalho do sociólogo, nesse caso particular, consiste
em tentar se reapropriar dessas categorias do pensamento de Estado que o Estado produziu
e inculcou em cada um de nós, as quais se produziram ao mesmo tempo que o Estado se
produzia e que aplicamos a todas as coisas, e em especial ao Estado para pensar o Estado,
de sorte que o Estado permanece o impensado, o princípio impensado da maioria de nossos
pensamentos, inclusive sobre o Estado.
Atilio A. Boron (1994) expõe a retórica de assimilação da esfera política pela econômica, que promove
reducionismo do aparato estatal como mera instituição e árbitro eventual; tais ações de esvaziamento
político do poder dão-se no campo de forças neutras:
Apesar disso, deve-se dizer que a teoria marxista não tem estado imune a
deformações flagrantes produzidas por uma concepção instrumentalista do
Estado, que o reduz a uma simples ferramenta perpetuamente controlada,
direta e imediatamente, pela classe dominante. A metáfora inerte do espelho
reaparece, só que agora vê a imagem quebrada de uma sociedade de classes.
Dessa forma, um economicismo vulgar veio substituir toda a riqueza analítica
do marxismo, com resultados análogos aos que caracterizam a interpretação
liberal-pluralista: o Estado perdeu completamente sua especificidade, sua
eficácia prática e seu grau variável de autonomia – sempre relativo, é claro
– em relação à sociedade civil. Se antes o espelho liberal projetava a imagem
cândida de um mercado de homens livres e iguais, na vulgata economicista
reflete apenas – de maneira imediata e mecânica – a predominância
monolítica da classe dominante (BORON, 1994, p. 250).
Parece claro que nenhuma dessas duas alternativas tem condições para
abrir caminhos promissores para o estudante de política; pelo contrário,
constituem sérios obstáculos ao desenvolvimento da pesquisa científica.
Como superar, portanto, o impasse teórico que envolve a questão do Estado?
(BORON, 1994, p. 250-251).
79
Unidade II
Saiba mais
Paul Claval (1979, p. 150) aborda a questão do Estado em sociedades arcaicas, intermediárias ou
históricas (com escrita) e modernas. As estruturas políticas do mundo tradicional ordenam-se em
torno do Estado, do regime feudal e da cidade-Estado, tratando-se esse Estado de “uma engrenagem
bastante secundária da arquitetura das sociedades”, com controle efetivo bastante reduzido por parte
do soberano.
Os dois primeiros (Estado e sistema feudal) são capazes de ordenar vastos espaços,
mas de maneira imperfeita e, no segundo caso, criando um mosaico de unidades
independentes. A cidade-Estado está mais apta a assegurar um enquadramento
eficaz, mas tem dificuldade em se estender sem se desfigurar. Por vezes o
conseguiu – na Grécia e em Roma –, mas tornando-se uma engrenagem de um
Estado mais amplo. O Estado começa a existir antes que se inicie a história. Ele
realiza a síntese da autoridade e do poder puro, indispensável quando se quer
controlar um grande conjunto (CLAVAL, 1979, p. 104-105).
A análise de Paul Claval, aqui, limita-se a tomar o Estado como configuração histórica, sem tomá-lo
como alternativa de exercício de poder social, entretanto, indicando suas limitações quando comparado
ao Estado moderno (CLAVAL, 1979).
81
Unidade II
No que diz respeito ao intervencionismo estatal, pode haver divergências sobre intensidade e
intenções, contudo, não sobre o caráter normativo expansivo de seu aparato contemporâneo; pois:
Paul Claval (1979) segue caracterizando esse Estado nos seguintes termos:
Para ele, “as sociedades liberais favorecem o nascimento, sob o Estado, de uma sociedade civil à
qual ele transfere muitas responsabilidades”. Ocorrem muitas transformações dos antigos sistemas
de organização social “sem desaparecerem no mundo moderno”, com atuações reduzidas; e pior, “o
controle coletivo diminui pouco a pouco. A família, em quase todos os ramos, se vê privada de suas
funções produtivas, participando de modo reduzido na socialização com o incremento da escolarização,
havendo participação plena na lógica do consumo (CLAVAL, 1979, p. 158).
A vida social vai sendo estruturada pelas burocracias, mais do que no passado. Segundo ele, os
processos sociais envolvem:
a. As burocracias.
b. As coletividades e as classes.
82
CIÊNCIA POLÍTICA
h. Os problemas de representação.
Para Norberto Bobbio (1994), sociedade civil e Estado são conceitos e realidades inseparáveis,
portanto, devem ser considerados como relacionados em qualquer reflexão sobre as sociedades
ocidentais convencionais. Como vimos, tudo isso é muito diferente se estivermos estudando grupos
indígenas ou comunitários de outras referências culturais.
E o autor continua:
Norberto Bobbio segue tecendo comentários sobre o político e o não político (distinção entre
societas civilis sine império e societas civilis cum império), discorrendo acerca do espectro político, que
vai do Estado superposto à sociedade civil, dominando-a no pano de fundo jusnaturalista (numa forma
próxima da hobbesiana); passa pelo Estado como representação da sociedade civil; e chega ao Estado
com hora para acabar.
83
Unidade II
Mas mesmo numa noção assim vaga (Estado: sociedade civil como conjunto
de relações não reguladas pelo Estado, portanto, como tudo aquilo que
sobra uma vez bem delimitado o âmbito no qual se exerce o poder estatal)
podem‑se distinguir diversas acepções conforme prevaleça a identificação
do não estatal com o pré-estatal, com o antiestatal ou inclusive com o
pós‑estatal. Quando se fala de sociedade civil na primeira dessas acepções,
quer-se dizer, em correspondência consciente ou não consciente com a
doutrina jusnaturalista, que antes do Estado existem várias formas de
associação que os indivíduos formam entre si para a satisfação dos seus
mais diversos interesses, associações às quais o Estado se superpõe para
regulá-las, mas sem jamais vetar-lhes o ulterior desenvolvimento e sem
jamais impedir-lhes a contínua renovação: embora num sentido não
estritamente marxiano, pode-se neste caso falar da sociedade civil como
uma infraestrutura e do Estado como uma superestrutura. Na segunda
acepção, a sociedade civil adquire uma conotação axiologicamente positiva
e passa a indicar o lugar onde se manifestam todas as instâncias de
modificação das relações de dominação, formam-se os grupos que lutam
pela emancipação do poder político, adquirem força os assim chamados
contrapoderes. Desta acepção, porém, pode-se também dar uma conotação
axiologicamente negativa, desde que nos coloquemos do ponto de vista
do Estado e consideremos os fermentos de renovação de que é portadora
a sociedade civil como germes de desagregação. Na terceira acepção,
“sociedade civil” tem um significado ao mesmo tempo cronológico, como
na primeira, e axiológico, como na segunda: representa o ideal de uma
sociedade sem Estado, destinada a surgir da dissolução do poder político.
Esta acepção está presente no pensamento de Gramscí nas passagens em
que o ideal característico de todo o pensamento marxista sobre a extinção
do Estado é descrito como “reabsorção da sociedade política pela sociedade
civil”, como a sociedade civil na qual se exerce a hegemonia distinta da
dominação, livre da sociedade política. Nas três diversas acepções, o não
estatal assume três diversas figuras: a figura da pré-condição do Estado, ou
melhor, daquilo que ainda não é estatal, na primeira, da antítese do Estado,
ou melhor, daquilo que se põe como alternativa ao Estado, na segunda, da
dissolução e do fim do Estado na terceira (BOBBIO, 1994, p. 34-35).
Lembrete
84
CIÊNCIA POLÍTICA
Durante cerca de 200 anos, desde fins do século XVIII, houve um acirrado debate
sobre políticas populacionais controlistas e natalistas. Mas na Conferência
Internacional sobre População e Desenvolvimento (CIPD), realizada na cidade
do Cairo em 1994, houve uma mudança de paradigma com a introdução do
conceito de direitos reprodutivos. O objetivo deste texto é refletir e colocar
questões sobre as políticas populacionais na América Latina e no Brasil neste
início do século XXI e também discutir como a noção de direitos reprodutivos
pode contribuir para a superação do “paradigma de Huntington” [...].
[...]
Observação
A figura a seguir “apresenta um esboço da abrangência, do caráter, dos meios e dos níveis
das políticas populacionais”. Há problemas de clareza na legislação na comunicação dessas
questões. Também há países que “não possuem uma política populacional explícita e intencional”.
Destaca‑se a impossível neutralidade, mesmo quando declarada em relação às metas traçadas
para o comportamento demográfico, pois “dificilmente as políticas sociais de um país deixam de
ter, em um sentido ou noutro, algum efeito sobre a dinâmica demográfica” (ALVES, 2006, p. 9-10).
Mortalidade/esperança
Natalidade/fecundidade
Sobre a dinâmica demográfica Migração nacional e internacional
Nupcialidade
Expansionista (natalista)
Sobre o ritmo de crescimento Familiar (casal)
Neutra (laissez-faire)
Individual
Sobre o nível de aplicação Familiar (casal)
Institucional
É muito rica a perspectiva genética de Foucault (2008, p. 103) sobre população, tanto que, ao tomar
os conceitos, ele os anima e lhes confere sentido histórico. Como é o caso do conceito de população: após
a problematização dos seres vivos nas áreas de história natural, da biologia, da linguística, da economia
e da política, população passou de um a outro, enriquecendo-se no percurso que o autor denomina
“jogo incessante entre as técnicas de poder e o objeto destas que foi pouco a pouco recortando no real,
como campo da realidade, a população e seus fenômenos específicos”.
Em Olga Maria Schild Becker, também encontramos considerações sobre os elementos constituintes
da questão populacional:
88
CIÊNCIA POLÍTICA
A migração de grupos significativos que a autora periodiza lança normalmente grandes contingentes
populacionais em uma condição instável e de precariedade jurídica, econômica e cultural. A mobilidade
de indivíduos por vontade própria, com vistas à melhoria de vida, não se configura como problema
geográfico e psicossocial, portanto, não requer atenção emergencial e respostas urgentes de políticas
públicas, ou ações planejadas.
O quadro a seguir dá uma ideia das diferentes concepções e variadas abordagens da migração.
89
Unidade II
[...]
E é preciso que o fato não se produza uma só e única vez, mas que se
repita. É essa mesma ideia que exprimia Comte quando dizia que, fora o
meio, havia uma força, capaz de ou estimular ou retardar o progresso, na
densidade crescente da população, na necessidade crescente de alimentos
que aparece ao mesmo tempo, e na divisão do trabalho e na cooperação que
dela resultam. Se Comte se tivesse elevado a uma concepção propriamente
geográfica, se tivesse compreendido que essa força como esse meio têm
o solo por base e dele não podem ser separados porque o espaço lhes é
igualmente indispensável, teria ao mesmo tempo aprofundado e simplificado
toda a noção que tinha do meio (RATZEL, 1983, p. 97-100).
Ratzel, no século XIX, investe no conceito de Estado uma série de elementos normalmente
desconsiderados, sobretudo as condições ambientais (referidas por solo) e culturais (modos de trabalho
e organização sociais mais amplas). Vejamos:
Daí vem uma grande diferença entre dois tipos de Estado: em uns, a sociedade
vive exclusivamente do solo que ela habita (quer seja pela agricultura,
90
CIÊNCIA POLÍTICA
quer seja pela criação, não importa) e o domínio de cada tribo, de cada
comuna, de cada família tende a formar um Estado no Estado; nos outros,
os homens são obrigados a recorrer a terras diferentes e frequentemente
muito afastadas [das quais] estão estabelecidos.
[...]
Poderá nos ser objetado talvez que essa concepção deprecia o valor do povo
e sobretudo do homem e de suas faculdades intelectuais, porque ela exige
que seja levado em conta o solo sem o qual um povo não pode existir. Mas a
verdade não deixa de ser verdade. O papel do elemento humano na política
não pode ser exatamente apreciado, se não se conhecem as condições às
quais a ação política do homem está subordinada. “A organização de uma
sociedade depende estreitamente da natureza de seu solo, de sua situação;
o conhecimento da natureza física do território (pays), de suas vantagens
e de seus inconvenientes, resulta então na história política”. A história nos
mostra, de uma maneira muito mais penetrante, até que ponto o historiador
é a base real da política.
[...]
[...]
sua lei. É no solo, enfim, que se alimenta o egoísmo político que faz do solo
o objetivo principal da vida pública; ele consiste, com efeito, em conservar
sempre e apesar de tudo o território nacional, e em fazer de tudo para
permanecer o único a dele desfrutar, mesmo quando os laços de sangue
e as afinidades étnicas inclinassem os corações para as gentes e as coisas
situadas além das fronteiras (RATZEL, 1983, p. 97-100, grifo do autor).
As relações entre sociedade, Estado e território (solo, para Ratzel) dão-se em vários níveis: dos
recursos ambientais, das ações políticas, econômicas e culturais, com grande valor para a história e a
biologia. Assim, “solo” assume múltiplos sentidos e evoca o ambiente e seus recursos para as atividades
do principal agente da “geopolítica clássica”: o Estado.
Para obter realidades confiáveis, é preciso observar os contextos e os traços históricos na caracterização
dos Estados-nação, seu imaginário e “suas vocações”.
Ratzel é importante por trazer as dimensões ambientais e territoriais às definições de Estado e poder.
Corrêa (1981, p. 104 apud RATZEL, 1983) destaca o seguinte: “Mas não só a sociedade e o Estado têm
uma base territorial, mas com esta se relacionam”. Por isso, diz Ratzel, “A sociedade é o intermediário
pelo qual o Estado se une ao solo. Segue-se que as relações da sociedade com o solo afetam a natureza
do Estado em qualquer fase do seu desenvolvimento que se considere”.
Agora, nessa sofisticada definição de Estado, temos a visão de “solo” de Ratzel, que deve ser
considerada no sentido mais amplo possível. Há uma ação geopolítica que se volta à manutenção e
conquista de recursos e, portanto, de território; isso ocorre com a ajuda da geografia política. As ações
sociais acontecem em estruturas sociais homólogas às suas estruturas territoriais. Os conceitos e as
realidades de espaço e sociedade são mutuamente conversíveis.
preocupação com o destino, a construção do futuro, o que, entre os seres vivos, é privilégio
do homem.
Num sentido mais restrito, o território é um nome político para o espaço de um país. Em
outras palavras, a existência de um país supõe um território.
Entretanto uma periodização é necessária, pois os usos são diferentes nos diversos
momentos históricos. Cada periodização se caracteriza por extensões diversas de formas de
uso, marcadas por manifestações particulares interligadas que evoluem juntas e obedecem
a princípios gerais, como a história particular e a história global, o comportamento do
Estado e da nação (ou nações) e, certamente, as feições regionais. Mas a evolução que se
busca é a dos contextos, e assim as variáveis escolhidas são trabalhadas no interior de uma
situação [...] que é sempre datada. Interessa-nos, em cada época, o peso diverso da novidade
e das heranças.
das firmas e das instituições. Nos dias atuais, um novo conjunto de técnicas torna-se
hegemônico e constitui a base material da vida da sociedade. É a ciência que, dominada por
uma técnica marcadamente informacional, aparece como um complexo de variáveis que
comanda o desenvolvimento do período atual. O meio técnico-científico-informacional é a
expressão geográfica da globalização.
O uso do território pode ser definido pela implantação de infraestruturas, para as quais
estamos igualmente utilizando a denominação sistemas de engenharia, mas também pelo
dinamismo da economia e da sociedade. São os movimentos da população, a distribuição da
agricultura, da indústria e dos serviços, o arcabouço normativo, incluídas a legislação civil,
fiscal e financeira, que, juntamente com o alcance e a extensão da cidadania, configuram as
funções do novo espaço geográfico [...].
Nesse arcabouço levamos em conta tanto as técnicas que se tornaram território, com
sua incorporação ao solo (rodovias, ferrovias, hidrelétricas, telecomunicações, emissoras de
rádio e TV etc.), como os objetos técnicos ligados à produção (veículos, implementos) e
os insumos técnico-científicos (sementes, adubos, propaganda, consultoria) destinados a
aumentar a eficácia, a divisão e a especialização do trabalho nos lugares.
É nesse sentido que um território condiciona a localização dos atores, pois as ações
que sobre ele se operam dependem da sua própria constituição. Uma preocupação
com o entendimento das diferenciações regionais e com o novo dinamismo das suas
relações tem norteado particularmente a busca de uma interpretação geográfica da
sociedade brasileira.
94
CIÊNCIA POLÍTICA
Para o autor, governantes e governados estão no centro da discussão sobre os governos das
sociedades, instalados em seus Estados.
Fronteira e limite são termos distintos, às vezes tomados como sinônimos, mas sempre supostos
mutuamente, como vemos a seguir:
outra militar e outra ainda aduaneira. Para complicar ainda mais o quadro,
note-se que tecnicamente são necessárias várias operações: primeiro, são
colocados marcos no terreno; depois, realiza-se um croqui que procurará
fazer corresponder os elementos do terreno e os do desenho. Estabelecem-
se as coordenadas geográficas, a escala, são escolhidos esboços, símbolos
e números que representam as diferentes formações do terreno, e tem-se,
por fim, o problema da projeção. Como a superfície da Terra é esférica,
cada espaço delimitado representará, com efeito, uma porção do geoide,
que, consequentemente, não será plana. Torna-se necessária então uma
operação que os matemáticos definem como um deslocamento dos pontos
do pedaço de esfera, até que haja coincidência com um plano, o que é
denominado “anamorfose”.
Conforme Lia Machado (1998, p. 41-49), os limites e fronteiras, normalmente, são tomados como
sinônimos, embora existam diferenças fundamentais entre eles. O conceito fronteira significa “aquilo
que está na frente”, cuja origem está ligada às dinâmicas das sociedades expandindo seu mundo vivido,
suas atividades, até que se encontrem; formam-se, assim, espaços de comunicação e de política. Tal é o
sentido de fronteira quando nos referimos aos casos das “fronteiras agrícolas”, “fronteiras migratórias”,
entre outras.
Já a acepção de limite indica mais o fim, “membranas” ou “películas” envoltórias de conjuntos (territórios
das populações), daí seu uso político (soberania dos Estados-nação). O chamado “marco de fronteira” é na
verdade um símbolo visível do limite. O limite pode ser traçado em escritórios, não requerendo, em sua
localização, vida social. É abstrato, generalizado na forma de leis nacionais e internacionais. O limite pode
estar distante dos desejos e aspirações dos habitantes da fronteira (MACHADO, 1998, p. 48).
A partir dessa breve distinção, há inúmeras referências à geopolítica, seja como disciplina ou área do
saber, seja como ação (ou melhor, conjunto de ações políticas territorializadas em busca de recursos):
99
Unidade II
a. A palavra limite foi criada para designar o fim daquilo que mantém coesa
uma unidade político-territorial, isto é, sua ligação interna.
c. Podemos afirmar que fronteira está orientada “para fora” (forças centrífugas),
enquanto limites estão orientados “para dentro” (forças centrípetas).
Essa evolução perversa (da tirania financeira desde o fim de Bretton Woods)
adquiriu novas dimensões a partir de 1985, com a aceleração exponencial
do processo de “financeirização” acompanhado por sucessivas crises, cada
vez mais frequentes e com efeitos cada vez mais devastadores sobre as
economias da periferia capitalista mundial. De maneira tal que vários
analistas e economistas do próprio mundo anglo-saxão vêm considerando,
de forma cada vez mais séria, a hipótese de que o capitalismo global
esteja perdendo sua aura de infalibilidade, e de que, portanto, a simples
competição intercapitalista em mercados desregulados e globalizados
não assegure o desenvolvimento, muito menos a convergência entre
as economias nacionais do centro e da periferia do sistema capitalista
mundial (FIORI, 1999, p. 14).
[...] o fórum informal que reunia oito países desenvolvidos, mais a União
Europeia. Seu objetivo era debater assuntos-chave relacionados à
estabilidade econômica global, políticas nacionais e cooperação com as
instituições econômico-financeiras internacionais. Desde 2008, este grupo
foi alargado, e agora atende pelo nome de G20.
Tardio, nessa visão, é quem chegou atrasado num alvo autoproclamado: os países mais industrializados
e de maior poderio bélico! Adiante vamos questionar essa tese hegemônica.
101
Unidade II
Se apenas “alguns poucos territórios privilegiados conseguiram superar o seu atraso com relação à
Inglaterra”, é principalmente em razão do “aumento da desigualdade na distribuição da riqueza mundial
que lança os menos afortunados progressivamente no coração do sistema capitalista global e à sua
competição interna de tipo imperialista” (FIORI, 1999, p. 16).
Trata-se, segundo o autor, dos primeiros “milagres econômicos” e da industrialização acelerada dos
“capitalismos tardios” alemão, norte-americano e japonês. Para ele, trata-se, também, do período de:
102
CIÊNCIA POLÍTICA
Walter Frantz (2010, p. 14), citando Wallerstein, retrata a sociologia do desenvolvimento como um
esforço de compreensão dos processos de mudança e transformação. Apontando diferentes teorias
sobre desenvolvimento, afirma que ela é um campo de conhecimento:
[...]
[...]
103
Unidade II
[…]
Então, há dois caminhos de melhoria social, distintos, que devem ser explorados teoricamente: um,
tomado pela crítica da economia política clássica, é o das práticas sociais instauradas pela própria
modernidade capitalista; o outro, o das práticas anteriores. Contudo, ambos podem ser concomitantes
e associados de várias maneiras àquelas das sociedades de mercado capitalistas, tendo como marca
um horizonte de contratos mais amplos, que envolvam a vida toda (biocêntricos), como sugerido por
figuras como Enrique Leff (sociólogo), Michel Serres (filósofo) e Humberto Maturana (neurobiólogo).
104
CIÊNCIA POLÍTICA
Assim, temos os desenvolvimentos das sociedades que escolhem seus caminhos versus o
desenvolvimento de via única. Dessa questão, derivam os pontos de vista sobre a diversidade cultural e
seus desdobramentos geográficos, econômicos e políticos. A produção (agricultura e indústria) sustentável
original ou saberes e personagens vernáculos, com domesticação, cultivo e criação de plantas e animais
em experiências e práticas sustentáveis, tem a seu favor o argumento da sustentabilidade, ainda num
horizonte filosófico. Todavia, é preciso ter cautela para não resvalarmos num dualismo paralisante,
numa simplória “teoria dos contrastes”, visto que as comunidades vernáculas, ou o que resta delas, não
constituem, em si mesmas, o antiparadigma do desenvolvimento único, linear.
Carlos Walter Porto Gonçalves relata que há inflexão no debate acerca do desenvolvimento. Vejamos
o que ele destaca:
Nessa conjuntura, inicia-se a discussão sobre os limites do crescimento, o que é muito importante,
pois coloca em pauta a relação sociedade-natureza; abrindo espaço para essa reflexão, “visto que a
sociedade moderna se institui sancionando a dominação da natureza e, como tal, legitima a dominação
dos seres humanos semiotizados como naturais” (GONÇALVES, 1992, p. 12). E o autor continua: a
“passagem do desenvolvimento para o desenvolvimento sustentável indica, assim, a mudança não
só nas crenças e valores que devem orientar a sociedade como também inscreve, como vimos, novos
parâmetros nas relações internacionais” (GONÇALVES, 1992, p. 12).
Aqui o autor mostra-se bastante arguto e aponta que a ideia de desenvolvimento está ligada à
geografia política, e que desenvolvimento pressupõe crescimento, até porque desenvolver-se significa
“des-envolver”, o que implica abrir/quebrar/romper o que estava envolvido. Acentua o seguinte:
não europeus passaram a ser vistos como selvagens, quer dizer, da selva, isto é, da natureza, e, por isso,
deviam ser civilizados”.
O autor faz alusão crítica à “força propulsora, portadora da chave modernizadora universal, o
colonialismo e o imperialismo europeus”, promovendo a civilização europeia, fazendo “com que outros
povos saiam da selvageria ou da barbárie […] para a civilização” (GONÇALVES, 1992, p. 13). E acrescenta:
Então, surge a ideia do decrescimento, polêmica, em virtude da variedade de países com padrões de
crescimento muito distintos. Todavia, vale como um projeto sustentável quando da solução da miséria
com acesso justo à riqueza nacional.
Nesse momento, trazemos também a ideia de “decrescimento sustentável”, a ousada tese do francês
Serge Latouche (2012a), para diminuirmos a devastação dos recursos naturais do planeta. Haveria o
desenvolvimento capitalista (doutrinário) de um lado e o decrescimento de outro.
Para conceber e construir uma sociedade de abundância frugal e uma nova forma de
felicidade, é necessário desconstruir a ideologia da felicidade quantificada da modernidade.
Em outras palavras, para descolonizar o imaginário do PIB per capita, devemos entender
como ele se enraizou.
economistas. Efetivamente, nesse sentido, trata-se justamente de uma ideia nova, que surge
um pouco em todos os lugares da Europa, mas principalmente na Inglaterra e na França.
O primeiro ponto está formulado no debate entre Robert Malthus e Jean-Baptiste Say.
Malthus começa comunicando-lhe a sua própria perplexidade: “Se a pena que nos dá
por cantar uma canção é um trabalho produtivo, por que os esforços que são feitos para
tornar uma conversa divertida e instrutiva e que seguramente oferecem um resultado bem
mais interessante deveriam ser excluídos do grupo das produções atuais? Por que não se
deveriam incluir nisso os esforços que devemos fazer para moderar as nossas paixões e para
nos tornarmos obedientes a todas as leis divinas e humanas, que são, sem possibilidade
de desmentir, os bens mais preciosos? Por que, em substância, devemos excluir uma ação
qualquer cujo fim é o de obter o prazer ou de evitar a dor, seja no momento, seja no futuro?”.
Materiais e imateriais
Certo, mas é o próprio Malthus depois que observa que essa solução levaria diretamente à
autodestruição da economia como campo específico. “É verdade que, de tal modo, poderiam
ser incluídas nisso todas as atividades da espécie humana em todos os momentos da vida”,
nota com justiça. Por fim, adere ao ponto de vista redutivo de Say: “Se depois, junto com
Say”, escreve Malthus, “desejamos fazer da economia política uma ciência positiva, fundada
na experiência e capaz de dar resultados precisos, devemos ser particularmente precisos
na definição do termo principal do qual ela se serve (isto é, a riqueza) e compreender nele
somente aqueles objetos cujo aumento ou diminuição sejam tais que possam ser avaliados.
E a linha mais óbvia e útil a ser traçada é a que separa os objetos materiais dos imateriais”.
Em concordância com Jean-Baptiste Say, que define assim a felicidade pelo consumo,
há não muito tempo, Jan Tinbergen propunha que se rebatizasse o PNB [Produto Nacional
Bruto] simplesmente como FNB [Felicidade Nacional Bruta]. Na realidade, essa pretensão
arrogante do economista holandês é só um retorno às fontes.
Com efeito, do PIB, são excluídas as transações fora do mercado (trabalhos domésticos,
voluntariado, trabalho informal), enquanto, pelo contrário, os custos de “reparação” são
contados positivamente, e os danos gerados (externalidades negativas) não são deduzidos, nem
a perda do patrimônio cultural. Diz-se ainda que o PIB mede os outputs ou a produção, não os
outcomes ou os resultados. É apropriado lembrar o belíssimo discurso de Robert Kennedy (escrito
provavelmente por John Kenneth Galbraith), pronunciado alguns dias antes do seu assassinato:
“O nosso PIB […] inclui a poluição do ar, a publicidade dos cigarros e as corridas das ambulâncias
que recolhem os feridos nas ruas. Inclui a destruição das nossas florestas e o desaparecimento da
natureza. Inclui o napalm e o custo da estocagem dos rejeitos radioativos. Em compensação, o
PIB não contabiliza a saúde das nossas crianças, a qualidade da sua educação, a alegria dos seus
jogos, a beleza da nossa poesia ou a solidez dos nossos matrimônios. Não leva em consideração
a nossa coragem, a nossa integridade, a nossa inteligência, a nossa sabedoria. Mede qualquer
coisa, mas não aquilo pelo qual a vida vale a pena ser vivida”.
[...]
Mercadorias fictícias
Como Baudrillard havia visto bem em seu tempo, “uma das contradições do crescimento
é que ele produz bens e necessidades ao mesmo tempo, mas não os produz no mesmo
ritmo”. Resulta disso aquilo que ele chama de “uma pauperização psicológica”, um estado
de insatisfação generalizada, que, diz, “define a sociedade de crescimento como o oposto de
uma sociedade da abundância”.
Sabe-se que Karl Polanyi via na transformação forçada desses pilares da vida social em
mercadoria o momento fundante do mercado autorregulador. A sua retirada do mercado
mundializado marcaria o ponto de partida de uma reincorporação/reenxerto da economia
no social.
O espírito do dom
A convivialidade, cujo termo Ivan Illich toma emprestado do grande gastrônomo francês
do século XVIII, Brillat Savarin (A Fisiologia do Gosto: Meditações sobre Gastronomia
Transcendental), visa justamente refazer o laço social desfeito pelo “horror econômico”
(Rimbaud). A convivialidade reintroduz o espírito do dom no comércio social ao lado da
lei da selva e retoma assim a philia (amizade) aristotélica, lembrando ao mesmo tempo o
espírito da ágape cristã.
O mito do inferno de longos tridentes com o qual se abre a segunda parte do livro
La Scommessa della Decrescita [A Aposta do Decrescimento] é explícito: a abundância
combinada ao “cada um por si” produz miséria, enquanto a divisão, mesmo na frugalidade,
gera satisfação em todos, até alegria de viver.
Juntamos a voz de Raffestin aos demais críticos da compreensão única da realidade política, que
enxergam o Estado como única forma possível. O Estado como forma cristalizada historicamente é
também concebido nos termos demográficos ou populacionais. População ou demografia é um
conceito matemático-estatístico de classificação (manipulação e planejamento). Nada mais distante
da associação de pessoas reais... É verdadeiro, apenas, quando se consideram as massas de dados de
pesquisas censitárias.
Os povos fracassaram em mostrar que somente há o caminho da participação para escolher em meio
à imensa diversidade de opções.
111
Unidade II
Segundo o Novo Dicionário Houaiss de Língua Portuguesa (2009), povo é o “conjunto de pessoas que
falam a mesma língua, têm costumes e interesses semelhantes, história e tradições comuns [...] vivem
em comunidade num determinado território; nação, sociedade”. Então, partimos de povo como simples
termo dicionarizado para fundamento das organizações sociais, sendo o conceito expressão de poder e
dominação de alguns grupos por outros.
112
CIÊNCIA POLÍTICA
Segue um trecho bastante interessante do modo como as noções de povo são manipuladas pelo
poder imperial, com vistas a submeter vastas regiões, estendendo os braços da retórica, com produção
científica e artística.
A reforma de 1946, impulsionada pelo então ministro das Colônias, Marcelo Caetano,
foi realizada quando das celebrações dos quarenta anos da Escola e em um contexto
internacional cambiante, no qual o futuro das colônias se mostrava novamente incerto.
É nesse momento que, sob indicação do ministro, a sua diretoria é assumida por um
intelectual de renome, o antropólogo portuense Antônio Augusto Esteves Mendes Corrêa,
que há muito se dedicava ao estudo dos “indígenas” dos espaços coloniais portugueses.
Diante deste último aspecto, Mendes Corrêa manifesta uma postura curiosa: realidade
de algumas colônias portuguesas – como Cabo Verde –, e tendo oferecido à nação
vigorosos frutos, a mestiçagem não é, contudo, aconselhável de forma intensa e em toda
a extensão do Império, sob pena de o povo português diluir suas particularidades entre
terras e gentes estranhas e distantes da matriz. Quando trata de “A política de população
do Império”, o antropólogo conclui que, se na ausência da mulher branca a mestiçagem
é quase “inevitável e fatal”, ela não deve ser uma regra na totalidade do Império, sob
pena de “quebra da continuidade histórica” do povo português. O mestiço seria uma
questão a mais de “política indígena”, devendo ser dado a ele um tratamento justo e
humano e, quando este manifestasse “perfeita identificação” com o “sentir, as tendências
e aspirações do povo português”, poderia ser, inclusive, incorporado no campo da política
e administração geral do país (MENDES CORRÊA, 1945, p. 620). O antropólogo atenua,
assim, o juízo manifestado por ocasião do Congresso de 1934, quando afirmou imensa
preocupação diante da mestiçagem [...].
Mendes Corrêa faz jus aos princípios inscritos no Ato Colonial e no indigenato:
reconhecimento da “diversidade natural” dos povos do Império e o não abandono da
tradicional fraternidade cristã que teria caracterizado, desde sempre, a expansão lusitana
(1945, p. 621), manutenção da hierarquia a partir da administração rigorosa das relações
entre os diferentes grupos culturais que habitavam as colônias (basicamente colonos e
indígenas) e do controle dos processos de assimilação. A partir da disciplina antropológica,
afirma a superioridade do elemento metropolitano, o imperativo da assimilação – sempre
que esta preserve (eugenicamente) a continuidade histórica e antropológica do povo
português – e uma política de inclusão que tenha em conta a diversidade (e a desigualdade)
característica dos indígenas das distintas colônias. Política e antropologia juntam-se,
então, na preservação da tradição colonial portuguesa e dos “usos e costumes” dos povos
indígenas: é na garantia política da preservação da diferença e no seu estudo a partir dos
meios antropológicos que teríamos a reprodução hierárquica da desigualdade, e com isso a
perpetuação do Império.
Sua postura não é, assim, muito distinta daquela apresentada no Congresso Colonial de
1940, quando discorre, entre outros temas, acerca de uma “antropologia da mestiçagem”. A
disciplina era vista, naquele momento, como pertencente ao campo das ciências naturais,
e os estudos na área atentavam para as características “biológicas” e “psíquicas” dos
indivíduos ou grupos; o objetivo era analisar uma determinada “realidade” (o mestiço) para
definir sua possibilidade de aproveitamento (ou não) para o projeto colonial português do
Estado Novo. As questões que se colocavam eram: como se combinam as heranças de pais
de raças distintas na prole mestiça? Seria esta mais ou menos fértil que os seus progenitores
(questão descartada rapidamente por Mendes Corrêa)? Como se dá a hereditariedade de
caracteres inferiores e superiores? Se era evidente para Mendes Corrêa que a colonização
e a formação do Brasil só tinham sido possíveis graças à mestiçagem, também o era a
hegemonia política, mental e econômica do elemento branco, apesar da alta proporção de
mestiços, negros e índios na população brasileira.
Todo o poder emana do povo, mas qual povo? É essa a pergunta de Gomes e Setton (2016) ao
considerar o processo eleitoral e as relações de representatividade:
visam influir sobre certos modos de ser, pensar e agir dos cidadãos no âmbito
da política no Brasil. Não é sem fundamento que, ao estudar escritores
da literatura brasileira, Renato Ortiz (2006) afirma que a problemática da
cultura tem sido, até hoje, uma questão política. Segundo ele, a noção
de identidade nacional deve ser vista como uma construção simbólica
resultante de recortes arbitrários, ligada a uma reinterpretação do popular
pelos grupos sociais e à própria imagem do Estado brasileiro. Ortiz revela que
alguns escritores contribuíram para a consolidação de noções sobre o povo
e a nação. Conclui que eles ocuparam o papel de mediadores simbólicos,
confeccionando uma ligação entre o particular e o universal, o singular e o
global, e acabaram por elaborar uma reinterpretação simbólica.
[...]
Uma mediação que visa romper o abismo que separa os eleitores, os partidos
e os candidatos, bem como aproximá-los, pelo menos no momento das
eleições. Eles atuam como coordenadores gerais, mestres ou conselheiros
do processo de mediação e da ligação entre a produção e a recepção de um
repertório de ideias. Como diria Ortiz, trabalhariam na construção simbólica
de uma interpretação interessada de Brasil filiada a grupos sociais visando
unificar percepções acerca do povo.
Não é por acaso que o uso da fé e da visita à casa dos eleitores nos programas
de campanha compõe uma das estratégias do marketing para retratar os
vínculos sociais harmoniosos e cúmplices entre os agentes da política,
especialmente os eleitores e os candidatos. Essa tática compõe uma didática
que visa estabelecer uma noção de intimidade, comunhão, entre os agentes,
uma aproximação simbólica entre eles, de modo que os demais eleitores
abram-se para uma audiência e atribuam cumplicidade ao que é dito e
proposto nos programas eleitorais. Com isso, contribui para a reafirmação
de uma interpretação de que, na condição de eleitor, o brasileiro é um ser
ordeiro, hospitaleiro, receptivo e acolhedor. Tudo leva a crer que a estratégia
tem como finalidade vincular os eleitores e os candidatos em uma única
identidade horizontal e igualitária, mostrando que são um a cara do outro.
Como diria Ortiz (2006), unificam agentes que em circunstâncias diversas
estariam separados (GOMES; SETTON, 2016).
Então, quem é o povo? Friedrich Müller (2009) afirma que essa pergunta está na base da democracia
moderna, acentuando que o conceito povo tem inumeráveis atribuições.
O termo “democracia” deriva etimologicamente da noção de povo – demo (povo), e cracia (poder) – e
significa poder do povo. Entretanto, são muitos os descaminhos, e há muita retórica nos discursos.
Darcy Ribeiro (1995) faz uma brilhante aproximação do povo brasileiro; considera que da mistura
dos grupos negros, brancos e índios derivam novos grupos. Do ponto de vista sociológico, podem-se
procurar os grupos sociais que se identificam por meio dos mesmos papéis e status. Também há o
sentido político-cultural, que adquire valor em meio às relações de poder da classificação dos membros
da sociedade.
O progresso está aí, no trabalho de homens como ele. Através dele mesmo,
os escravos, pretos rudes e praticamente irracionais, encontravam no serviço
humilde o caminho da salvação cristã, que do contrário nunca lhes seria
aberto, faziam suas tarefas e recebiam comida, agasalho, teto e remédios,
117
Unidade II
Entender a convergência, anunciada por Mónica Arroyo (2004), entre “território, mercado e Estado”
pressupõe sua relação socioambiental radical, que, a um só tempo, é: produtiva, baseada na exploração
e na troca de recursos; organizacional, em razão da divisão e institucionalização dos poderes dos seus
membros; e territorial, ao se especializarem (materializarem) todas as ações.
O texto de Mónica Arroyo (2004) é bastante relevante para tratarmos das relações entre as formas e os
processos de aplicação do poder dos grupos sociais envolvidos na construção do país (que se constituem
em Estado e governo) e os instrumentos dos agentes investidores (ações mercantis institucionalizadas,
territorializadas); falamos de instrumentos de controle e de governança cuja legitimidade dá-se pela
via estatal. Segundo a autora, “a convergência de território, mercado e Estado é um processo histórico
e, ao mesmo tempo, conceitual, perfeitamente datado” (ARROYO, 2004, p. 49). Ela questiona a forma
pela qual essa convergência se desenvolveu no continente europeu para, por fim, chegar aos territórios
coloniais e refletir, em particular, sobre a América Latina.
A autora destaca com precisão o conceito de território e Estado. Leia com atenção o excerto a seguir.
As funções básicas do Estado territorial, segundo Jean Gottman (1973, p. 52), são
segurança e oportunidade. A primeira relaciona-se com as origens políticas do sistema
interestatal, e a segunda com a formação do incipiente mercado mundial:
119
Unidade II
Segundo Fernand Braudel (1979, p. 12), a palavra mercado pode aplicar-se a todas as
formas de troca desde que ultrapassem a autossuficiência. Para ele “o mercado, mesmo
elementar, é o lugar predileto da oferta e da procura, do recurso a outrem, sem o que
não haveria economia no sentido comum da palavra, mas apenas uma vida ‘encerrada’ na
autossuficiência ou na não economia”.
Nas primitivas fases do desenvolvimento da cidade antiga, a ideia de mercado como ponto
de junção das rotas de comércio já era reconhecida. “Não há necessidade de duvidar que o
mercado apareceu inicialmente para regular a troca local, muito antes que qualquer ‘economia
de mercado’, baseada em transações tendo em vista um lucro monetário e a acumulação
de capital privado, viesse a existir” (MUMFORD, 1961, p. 85). Assim, para este autor, as duas
formas clássicas do mercado, a praça aberta ou o bazar coberto, e a rua de barracas ou de lojas,
possivelmente já tinham encontrado sua configuração urbana por volta de 2000 a.C.
Podemos pensar, então, que essa complementaridade implica uma divisão territorial do
trabalho. O intercâmbio de produtos é possível porque existe uma repartição do trabalho
vivo em diferentes lugares, mais ou menos próximos. Isso pressupõe, por sua vez, a existência
de certa especialização produtiva dos lugares.
O caso de Marselha, citado por Henry Pirenne (1925, p. 19) como o grande porto da
Gália até o começo do século VIII, pode ser um exemplo:
Pirenne (1925) atribui aos portos – “lugar por onde se transportam mercadorias,
portanto um ponto particular ativo de trânsito” – um papel central no estabelecimento
de cidades na Europa Ocidental. Já Lewis Mumford (1961) inverte essa equação, insistindo
em que o comércio de longa distância não produziu cidades medievais, mas promoveu seu
crescimento, como em Veneza, Gênova, Milão, Arras, Bruges, embora tenham sido fundadas
para outras finalidades:
Claro que esse processo não foi linear, nem livre de conflitos. Por um lado, praticava-
se a pirataria como se fosse uma atividade industrial; os naufrágios eram constantes;
o mau estado dos caminhos tornava difícil e lento o trânsito terrestre. Por outro, a
atitude dos príncipes perante o comércio nem sempre era estimuladora. Criaram-se
alguns pedágios, que funcionavam como impostos afastados, a maioria das vezes, de
um propósito público.
Pode-se falar, outrossim, de uma geopolítica mediada pelo comércio, na qual as cidades
têm uma participação crescente. Por exemplo, com o objetivo de preservar os interesses
dos mercadores ao longo da costa do Mar Báltico, um grupo de cidades sob a liderança de
Lubeck formou uma associação comercial, conhecida como a Liga Hanseática, que chegou
a aglutinar numerosos centros urbanos. Mas as cidades não eram apenas protetoras dos
mercados, eram também um meio de impedi-los de se expandirem. Segundo Pirenne (1933,
p. 149), “entre as cidades italianas, as guerras são constantes e cada uma se empenha
em destruir o comércio das rivais, para aproveitar-se de sua ruína”. É assim que “essa
confederação de cidades marítimas alemãs, que oferece um contraste tão marcante com as
contíguas guerras das cidades italianas do Mediterrâneo” (p. 155), permite observar a dupla
relação das cidades medievais com os mercados, que elas tanto envolviam como impediam
de se desenvolver.
A separação estrita entre o comércio local e o de exportação não permitia, por sua vez,
espalhar essas práticas muito além das muralhas, impedindo a ampliação dos mercados:
123
Unidade II
Quando e como surge, então, o mercado nacional? Ele não é uma consequência direta,
“natural”, dos mercados já existentes? Por ser considerado um mercado intermediário, que
não se desenvolve espontaneamente a partir dos mercados anteriores, tanto locais quanto
a longa distância?
É com a formação dos Estados territoriais que chega seu processo correlato: a formação
dos mercados nacionais. São aqueles, e não as cidades-Estado, que facilitam a existência
de um sistema econômico integrado em grandes unidades territoriais. Criam-se superfícies
mercantis contínuas e delimitadas.
Talvez seja a contiguidade, como atributo central do Estado territorial, uma das escolhas
políticas de maior influência na história dos mercados. Para Camille Vallaux (1914, p. 309),
“não se registra transformação tão profunda nem tão rica em consequências, na história do
globo, como o advento da contiguidade sem interrupção dos Estados”.
124
CIÊNCIA POLÍTICA
Podemos perguntar-nos, com Richard Rosecrance (1986), por que cidades como Veneza,
Gênova e os membros da Liga Hanseática, que acumularam grandes riquezas comerciando e
navegando por diferentes lugares do mundo, não formaram uma confederação de pequenos
Estados mantida por um comércio oceânico? Por que, então, não surgiu uma concepção
linear da organização estatal em lugar daquela baseada na superfície, na contiguidade,
fundamento do Estado territorial?
A base puramente local das cidades muradas, a despeito do comércio a longa distância
que elas exerciam, é apontada por Mumford como uma de suas fraquezas:
Na Europa ocidental o comércio interno ou nacional foi criado, sobretudo, por uma
vontade política. O Estado, que lentamente ia adquirindo seu caráter territorial, começou
a se projetar como o instrumento da “nacionalização” do mercado e criador do comércio
interno. Por sua vez, e em contraste com o comércio externo e o local:
A suspeição do Estado é um caminho necessário, visto que a inércia, nesse caso, pode ser bastante
incômoda; o que é mais alarmante num Estado intensamente privatizado como o brasileiro. Milton
Santos (1994) dá-nos uma pista sobre a face problemática da institucionalização do poder via Estado.
A seguir destacamos um trecho do livro Técnica, Espaço, Tempo. Globalização e Meio Técnico-Científico
Informacional (1994).
Milton Santos – Há aí dois pontos. Uma coisa é dizer que Estado e nação
acabaram. Outra é discutir o que é o Estado. Nós, ocidentais e brancos, admitimos
a visão de Estado que vem da Europa, não temos a visão de um Estado de uma
tribo africana. Será que hoje a dimensão do Estado industrial, que chamaríamos
antes de supranacional, que tem o poder de impor regras a que não se pode
desobedecer, estaria acima do próprio Estado? O que representam hoje o Banco
Mundial, o FMI, a Unesco, o Grupo de Banqueiros de Paris etc.? Será que eles têm
a função tática de impor normas que terão que ser aceitas de uma forma ou de
outra? Porque o mundo se tornou global, então se globalizaram as relações, se
desmanchou aquela arquitetura política anterior, e se superimpõe uma estrutura
126
CIÊNCIA POLÍTICA
de nível mais alto? O discurso então é que não se tem mais o Estado, não se
precisa mais do Estado. Na verdade, precisa-se menos. Por quê? Pelo grau de
racionalidade técnica que a nossa sociedade atingiu. Aí reaparece a geografia:
o território também se tornou racional. No caso do Brasil, o território que está
em torno de São Paulo – nos estados de São Paulo, Paraná, Mato Grosso do
Sul – é organizado de forma extremamente racional, o que facilita o seu uso
racional pelos vetores hegemônicos da política, da sociedade, da economia.
Nesse contexto, realmente, o Estado não é tão necessário. É a “mão invisível”,
que se realiza através do espaço obediente, das grandes empresas e das grandes
organizações internacionais. É a volta da “mão invisível” do Smith, não é...?
(SANTOS, 1994, p. 179-180).
Pensando nas determinações históricas, nos atavismos das instituições e do conteúdo social que
as engendraram, temos, segundo as próprias questões de Milton Santos, movimentos com avanços e
retrocessos como parte de sua condição político-cultural, haja vista as forças em “acordos” e confrontos
no jogo social serem de cooperação sofrível.
Milton Santos – De um lado temos o Estado passando para este outro patamar
de que falávamos anteriormente. De outro, creio que o Estado‑nação continua
sendo uma unidade extremamente importante para o nosso estudo, em
virtude das heranças. Há uma série de heranças que são resultado da presença
do Estado, como o nosso comportamento etc. Mas também porque questões
como a das classes sociais são ligadas a uma arquitetura do Estado‑nação.
O cenário e os preços não são internacionais. O Estado-nação colocou o dedo
durante muito tempo nessas questões. Além do mais, o Estado teve um papel,
em certo momento, na consolidação de nações que continuam tendo peso.
Assim, o que está se desmantelando na Europa? É uma certa definição de
fronteiras. Mas será que isso vai permitir que a Europa se transforme numa
enorme geleia? Será que particularidades enraizadas não vão durar ainda
muito tempo? O que fica em cada país? Antes havia a fronteira, o dinheiro, a
língua, a nação. Acho que muita coisa vai continuar pesando ainda.
fronteira hoje não acontece necessariamente por divisões. Existem outras formas
de desagregar um país. Sobretudo porque, muito mais do que antes, é possível
comandar, a distância, ações econômicas e políticas de forma dissimulada.
Portanto, a questão das fronteiras ganha uma nova dimensão, a partir de uma
nova definição do que seria a fronteira após esta invasão, por exemplo, pela
informação, pela mídia.
Milton Santos – Eu creio que não. Creio que a maior prova da materialidade
da fronteira é o contrabando (risos). O contrabando, as free-shops, as free‑zones
representam o atrito de duas moedas e de dois níveis de salários diferentes. Daí
os países serem obrigados a fazer as free-zones. O Brasil, que às vezes é precoce,
foi quem descobriu isso. Porque Manaus é uma cidade que responde a essa nova
materialidade da fronteira. É uma free‑zone destinada, de um lado, a ajudar o
Norte a se desenvolver e, de outro, a vender aos nossos bons vizinhos.
Margem – Seria então uma nova forma de fronteira, dada pelas moedas de
cada lado?
Nesse cenário, as soluções que a institucionalização do poder como Estado oferecem tornam-se
incômodas para as próprias utopias liberais (o liberalismo tem dificuldades na relação com o Estado,
requerendo até mesmo o neoliberalismo para dar conta das mudanças), bem como sua rejeição é
angustiante para as utopias libertadoras e libertárias (comunismo e anarquismo).
128
CIÊNCIA POLÍTICA
Resumo
Exercícios
I – Tem como característica o empreendimento de uma série de guerras, com o objetivo de dominar
a Europa.
III – Tem como característica a ideia de que um corpo escolhido por cidadãos age em nome destes, e
tal corpo deve ser escolhido por meio de um procedimento eleitoral racionalmente estabelecido.
129
Unidade II
A) I e II.
C) I e III.
D) II e III.
I) Afirmativa correta.
Justificativa: Luís XIV (1638-1715), rei da França (1643-1715), foi um dos maiores representantes do
Estado absolutista. Conhecido como Rei Sol, impôs um governo absolutista na França e empreendeu uma
série de guerras, com o objetivo de dominar a Europa. Seu reinado caracterizou-se pelo florescimento
da cultura francesa.
“Para a nossa geração, reentra agora, no seguro patrimônio do conhecimento científico, o fato de
o conceito de ‘Estado’ não ser um conceito universal, mas serve apenas para indicar e descrever uma
forma de ordenamento político surgida na Europa a partir do século XIII até o fim do século XVIII ou
início do XIX, na base de pressupostos e motivos específicos da história europeia e após esse período se
estendeu – libertando-se, de certa maneira, das suas condições originais e concretas de nascimento – a
todo o mundo civilizado. [...] Em tal sentido, o ‘Estado moderno europeu’ nos aparece como uma forma
de organização do poder historicamente determinada e, enquanto tal, caracterizada por conotações que
a tornam peculiar e diversa de outras formas, historicamente também determinadas e interiormente
homogêneas, de organização do poder”.
130
CIÊNCIA POLÍTICA
C) A territorialidade da sociedade.
D) A democracia representativa.
131
Unidade III
Unidade III
7 A POLÍTICA NO ÂMBITO INTERNACIONAL
No tom dado por Hannah Arendt (2002), temos a verdadeira medida da expansão levada a cabo
pelos aventureiros europeus. A política externa como extensão do “impulso” político direto, de um
projeto de europeizar o mundo com seus joint ventures de armadores, banqueiros e coroas, promovendo
um mundo maior, expandindo-se como uma enxurrada que carrega a todos.
132
CIÊNCIA POLÍTICA
A linha básica da apresentação desse modelo de desenvolvimento leva em conta os seguintes eventos
instauradores e condutores da modernidade: as revoluções promovidas pela burguesia, viabilizadas pela
criação dos Estados nacionais, o campo das relações interestados e a expansão comercial acentuada com
as grandes navegações e correspondentes sistemas de apropriação de riquezas, como mercantilismo,
colonialismo, neocolonialismo, imperialismo e globalismo, cujos sentidos obedecem à diretriz elementar da
reprodução ampliada de valor: movimento orgânico de capital, nas formas dinheiro-mercadoria‑dinheiro
com lucro (D-M-D). Tais regimes de produção e apropriação são tratados aqui como organizações históricas,
do ponto de vista dos agentes em busca da realização da racionalidade capitalista, isto é, da expansão
socioespacial das relações regidas pela lógica da mercadoria, desses valores no mercado, ao mesmo tempo
que ocorre a concentração dos agentes, de detentores a zeladores do capital.
Parece oportuna a lembrança do discurso do presidente dos Estados Unidos, Franklin Delano
Roosevelt, no Congresso Nacional, em 1938, preocupado com os impactos da “concentração opressora”
da livre iniciativa estadunidense.
Algumas das ideias de Singer (2004) e de Dowbor (1982) estão presentes no ponto de partida
(no questionamento sobre os envolvidos e a finalidade do desenvolvimento) e na chegada (na politização
133
Unidade III
A Revolução Industrial na Inglaterra teve desdobramentos no século XIX, em especial no que diz
respeito à crise do capitalismo entre 1873 e 1893 e ao neocolonialismo. Como momentos agudos de
crises, citamos as duas Guerras Mundiais e a Crise de 1929.
O imperialismo na África e na Ásia ocupava a agenda das potências ocidentais europeias e dos
Estados Unidos.
França Alemanha
Inglaterra Itália
Portugal Espanha
Bélgica Países
independentes
134
CIÊNCIA POLÍTICA
Figura 3
A Ásia esteve bastante isolada dos europeus durante séculos. Os contatos comerciais, travados desde
a época moderna, restringiam-se a alguns portos.
No século XIX, essa situação se alterou e as potências estrangeiras passaram a disputar entre si para
ver quem conseguiria estabelecer zonas de influência no continente.
O novo colonialismo atingiu a Ásia com a dominação inglesa sobre a Índia. A partir de 1763, o
país foi administrado pelos ingleses, através da Companhia das Índias, que empreendeu a exploração
econômica e estendeu a ocupação para o interior. Em 1858, estourou a Revolta dos Cipaios, um
movimento de soldados hindus que serviam nos exércitos coloniais e lutavam para ter os mesmos
privilégios dos soldados ingleses. O levante, duramente reprimido, adquiriu aspectos sociais e assumiu
feições nacionalistas.
135
Unidade III
Legenda
Potências coloniais em 1870
Ingleses
Franceses
Portugueses
Otomanos
Holandeses
Espanhóis
Russos
Figura 4
Crescia o interesse europeu pelos mercados asiáticos, que relutavam em abrir seus portos ao
comércio estrangeiro. As investidas diplomáticas europeias para penetrar nesses países se alternavam
com a força das armas.
136
CIÊNCIA POLÍTICA
Na China, a Guerra do Ópio (1840-1842), motivada pela destruição de carregamento de ópio dos
ingleses que vinham fazendo esse comércio na região, permitiu à Inglaterra assumir o controle dos
importantes portos de Hong Kong, Xangai e Nanquim.
Com tais acontecimentos, outras expedições militares dos europeus levaram à abertura de novos
portos. A China acabou sendo dividida em áreas de influência entre Inglaterra, Rússia, Alemanha, França,
Itália e Japão. Em reação a essa invasão, uma sociedade secreta passou a efetuar atentados em ferrovias,
matando missionários e diplomatas ocidentais. Originou-se, assim, a Guerra dos Boxers (1898-1900),
que foi reprimida por tropas ocidentais, intensificando-se a influência europeia na China.
O Japão havia ficado isolado do Ocidente, pois receava ser dominado (invadido e controlado) pelas
potências europeias. Foi por essa razão que começou a estabelecer os primeiros tratados comerciais com
os EUA. A partir de 1860, japoneses foram enviados à Europa e aos EUA para estudar principalmente
ciência e tecnologia. Com isso, foi possível iniciar um processo de industrialização e modernização do
país, levando-o a participar da corrida imperialista na região e obter influência sobre parte da Coreia e
da Manchúria, área da porção nordeste da China.
A Revolução Industrial britânica não teria ocorrido sem a contribuição das condições fornecidas pela
indústria do algodão, ou seja, sua familiaridade com o ambiente fabril (e a necessidade dele derivada de
manutenção física das fábricas), o emprego de numerosa mão de obra e seu peso no montante total do
comércio inglês:
Até mesmo a Índia deixou de representar um continente exportador e passou a ter o papel de
comprador dos produtos de algodão, já que perdia a corrida industrial. Pela primeira vez, invertia-
se a relação de comércio mantida por um longo período entre Oriente e Ocidente. À Inglaterra,
coube o monopólio do mercado exportador, sobretudo por meio dos acessos obtidos nas colônias,
que, por sua vez, passaram a depender das importações britânicas – ainda mais em períodos de
guerra na Europa. Hobsbawm (2010) nos relata que, em 1814, a exportação inglesa era de 4 jardas
de algodão para cada 3 jardas usadas internamente; em 1850, essa proporção subiu de 13 para
18 jardas
As grandes potências avaliaram que a conquista de novas fatias de mercado só aconteceria caso
houvesse briga entre si.
137
Unidade III
Contudo, como tais nações não queriam brigar, decidiram não competir. Você deve se
perguntar quais foram as estratégias formuladas pelas grandes empresas. Elas resolveram criar
trustes, grupos que reuniam entidades coligadas que recebiam parcelas dos lucros conforme a
porcentagem de participação. Quando os trustes foram declarados ilegais, criou-se o dispositivo
que permitia às organizações a compra de ações de outras empresas, em um verdadeiro processo
de fusão. Nos EUA,
Com o objetivo de firmar monopólios, o capitalismo (monopolista) tinha que resolver problemas, o
que explica a sucessão do colonialismo (produção) para o neocolonialismo (produção e consumo).
A premência em expandir os horizontes fez com que esses países dirigissem seus olhares para
territórios estrangeiros não industrializados. Os países centrais, interessados em controlar seu
próprio suprimento de matérias-primas para a produção monopolista, não mais encontravam
a segurança devida em seu fornecimento por meio das trocas comerciais existentes. Fazia-se
necessário para a manutenção da exploração capitalista, então, controlar as regiões de onde
provinham os recursos primários. Havia a preocupação, também, de aumentar a demanda cujo
consumo escoaria a produção em larga escala dos países industrializados. A desigualdade de
renda interna desses países não permitia a definição de um mercado que se encarregasse de
consumir a produção, e a competição internacional era inerente à exportação.
Explorar economicamente países periféricos, entretanto, não era tarefa simples ou justa. A ação
capitalista trouxe consigo a responsabilidade pela dependência comercial, pela subjugação política e,
por vezes, pela eliminação da cultura e da população locais.
138
CIÊNCIA POLÍTICA
Observação
Saiba mais
O MOTIM. Dir. Ketan Mehta. Índia: Inox Leisure. 2005. 150 minutos.
HOTEL Ruanda. Dir. Terry George. Reino Unido; Itália; África do Sul;
Estados Unidos: Lions Gate Entertainment/United Artists, 2004. 121 minutos.
Jeffry A. Frieden afirma que a corrida para a independência no período entre 1914 e 1945 não afetou
apenas a América Latina,
139
Unidade III
[...]
A velocidade com que o colonialismo ruiu pode ser atribuída a uma série de
motivos. O primeiro foi a evolução social e política das sociedades coloniais.
Após 1914, a riqueza, o poder e a influência daqueles que rejeitavam ou
desejavam modificar a economia colonial clássica aumentavam de forma
contínua. Os mesmos processos econômicos e políticos que mudaram o
rumo do desenvolvimento latino-americano estavam em curso na Ásia e
na África: crescimento dos centros urbanos e industriais; insatisfação com
a produção de matérias-primas para exportação; e desejo por diversificação
e industrialização.
Figura 5 – Os impérios
Lembrete
141
Unidade III
142
CIÊNCIA POLÍTICA
[...]
143
Unidade III
Não deve escapar à vista que os blocos regionais mais representativos de hoje, os blocos econômicos,
já haviam sido alvo de atenção do grande estrategista Haushofer, que tinha por missão reconhecer e
estabelecer as racionalidades geográficas e políticas continentais (recursos, perfis e alcances de governos
e estados). Encontramos tais considerações em José William Vesentini (2012).
Os arranjos entre Estados nacionais e corporações foram feitos de modo a criar reservas de mercado
e concentração de poder: são os blocos políticos e econômicos. Sua configuração, como podemos ver
no mapa a seguir, toma boa parte do planeta.
144
CIÊNCIA POLÍTICA
Figura 7
Vesentini (2012, p. 36) aponta os megablocos ou mercados regionais como sendo evocações, as
“mais populares, a respeito da disputa pelo poder no mundo pós Guerra Fria [...] é a dos megablocos ou
‘blocos regionais’”. E faz o adendo de que tal ideia (a dos blocos)
O geógrafo afirma que a questão avançou ao longo da Guerra Fria e em meio as próprias
preocupações de organismos internacionais como a CEE (atual União Europeia), além dos meios de
propagação de informações e notícias.
A noção de fundo é a das transformações dos Estados nacionais, principalmente no que concerne à
sua relativização política no cenário global:
145
Unidade III
O autor explica que tal “interpretação” está baseada no “sucesso da integração europeia”, com
reprodução parcial em várias regiões, como Nafta, Mercosul, Apec e as tentativas de se criar a Alca (
Área de Livre Comércio nas Américas).
Apesar de termos fatos novos que atenuam (ou mudam, pelo menos) o ritmo da integração da União
Europeia – e o maior deles é o Brexit –, é preciso reconhecer a importância política e econômica dessas
entidades. Importância nem sempre medida em termos de produto financeiro das transações. E não
destacamos isso apenas por conta da saída dos britânicos, o valor da política ou da geopolítica é duvidoso,
pois, segundo Vesentini, nem sempre parceiros comerciais fecham questão em frentes diplomáticas
nas relações nacionais e internacionais; isto é, nem sempre suas posições políticas convergem, passo
fundamental para se tornarem agentes ou sujeitos coletivos de ações políticas, de fato, em bloco.
No dia 23 de junho de 2016, os cidadãos da Grã-Bretanha foram às urnas votar o referendo que
decidiria a saída ou permanência do Reino Unido na União Europeia. A opção pela saída foi vitoriosa,
com cerca de 17,4 milhões de votos. O anseio dos defensores dessa saída ficou caracterizado pela
expressão Brexit, que é uma abreviação das palavras inglesas Britain (Bretanha) e exit (saída).
A vitória pela saída do Reino Unido da União Europeia também resultou no pedido de demissão
do primeiro-ministro britânico David Cameron, que advogava contra a saída. Foi Cameron que, ao ser
eleito primeiro-ministro em 2015, fez a promessa de realizar o referendo como forma de lidar com
a pressão de seus oposicionistas, isto é, do Partido Conservador inglês e do Ukip (United Kingdom
Independence Party – Partido da Independência do Reino Unido).
Observação
O fato é que os ingleses, mesmo permanecendo no bloco, sempre foram reticentes com a estrutura
supranacional da União Europeia. A recusa em integrar a “zona do Euro”, isto é, em submeter a moeda
nacional, libra esterlina, à zona comum da moeda da UE, era um sintoma flagrante disso.
O Brexit foi decidido em um plebiscito de 2016, motivado pela aversão à entrada de migrantes e pela
intenção do Reino Unido em retomar as rédeas de sua economia (BERCITO, 2018).
Assim, a tal “bloquização” ou formação de blocos regionais está vinculada tanto aos processos
de reconfiguração do capitalismo internacional quanto a aspectos culturais próprios das formações
nacionais, com suas histórias peculiares.
Conforme Bercito (2018), os eventos que culminam na globalização do capital do século XX são
decorrentes de convenções e acordos que visaram corrigir rumos da institucionalização e manutenção
da “economia internacional”.
Desse modo, Bretton Woods, Consenso de Washington e as reuniões do FEM (Fórum Econômico
Mundial) são representantes dos ajustes requeridos pelos agentes do “sistema”.
Seguindo a cadeia de acontecimentos ocasionada pela Crise de 1929 e ainda sob os efeitos
catastróficos causados pela Segunda Guerra Mundial, os países industrializados acordaram normas
para a “paridade cambial”, indexando as moedas ao dólar, ancorando este na conversibilidade ao ouro
(padrão-ouro). É dessa época o surgimento do Banco Internacional de Reconstrução de Desenvolvimento
(Bird), integrante do Banco Mundial, e do Fundo Monetário Internacional (FMI), como mais um dos
resultados de Bretton Woods.
149
Unidade III
Conforme Sandroni (1996), a criação do FMI, em 1944, foi impulsionada pela tentativa de promover
a cooperação monetária entre todos os países do mundo, o que ocorreu devido à necessidade de
equilibrar paridades monetárias justas entre diferentes moedas, evitando desvalorizações concorrenciais
e formando um grande fundo com recursos dos países-membros. Esses recursos seriam usados para
beneficiar nações com dificuldade nos pagamentos internacionais, sobretudo aquelas com recorrentes
déficits em sua conta de transações correntes.
Uma das principais funções do Fundo era regular as paridades das moedas.
Tinha o objetivo essencial de presidir um regime internacional de câmbio
praticamente fixo, promovendo a cooperação monetária internacional
mediante uma instituição permanente que servisse de mecanismo para
consulta e colaboração sobre problemas monetários. Em seu instrumento
constitutivo estabeleceu-se, ainda, que recursos financeiros do Fundo seriam
oferecidos temporariamente aos países-membros para proporcionar-lhes
oportunidades de corrigir desequilíbrios no seu balanço de pagamentos,
sem recorrer a desvalorizações cambiais, consideradas destrutivas da
prosperidade internacional (MANZALLI; GOMES, 2006, p. 96).
Lembrete
Também é geral a abordagem sobre as atribuições dos agentes estatais e não estatais nas relações
internacionais sob a globalização do capital:
Ngaire Woods (apud ABREU, 2001, p. 6-7) apresenta três princípios fundamentais da boa governança
de organizações internacionais. Segundo o autor, são:
O Banco Mundial é uma instituição financeira internacional ligada à Organização das Nações Unidas
(ONU) e também criada em 1944 que tinha como propósito o financiamento de projetos de recuperação
e de promoção de desenvolvimento econômico dos países atingidos pela guerra (SANDRONI, 1996).
Na prática, essa função ficou a cargo do chamado Plano Marshall, e o banco passou a lidar de
modo crescente com o tema do desenvolvimento econômico e a atuar, sobretudo, com os países
subdesenvolvidos. Formalmente, seu intuito era canalizar capital para investimentos que permitissem
elevar a produtividade das empresas, o padrão de vida das pessoas e as condições de trabalho
nos países-membros. Assim, a preocupação primordial do Banco Mundial seria aquela ligada à
melhoria das condições de vida da população, quer dizer, às questões de cunho qualitativo (e não
quantitativo-financeiro, a exemplo do FMI).
Conforme salientam Manzalli e Gomes (2006, p. 95), o objetivo básico do Banco Mundial era o de
auxiliar a reconstrução e o desenvolvimento de territórios dos países-membros atingidos pela destruição
da guerra. Esse objetivo deveria ser atendido por meio de atividades dedicadas a:
152
CIÊNCIA POLÍTICA
O capitalismo tem por vocação a internacionalização e esta, perseguindo seu projeto de mundialização,
desdobra-se nas redes de lugares da globalização (SANTOS, 1988).
Para entender tanto a gênese quanto a consolidação das formas capitalistas, é preciso considerar em
nosso raciocínio uma série de instrumentos eficazes à propagação do sistema, a exemplo da restrição
democrática à propriedade, em geral, e da terra, em particular; isso, em razão da necessidade de liberar
o trabalho de seus afazeres particulares para o assalariamento.
“Tornou-se claro para os que desejavam reproduzir as relações capitalistas de produção no novo país
que a pedra fundamental de seus esforços devia ser a restrição da propriedade da terra a uma minoria e
a exclusão da maioria quanto a qualquer participação na propriedade” (DOBB, 1986, p. 160).
interrogar-nos sobre os problemas que, nessa ótica, se abrem à sua realização, diante do
conflito entre tudo o que acarretam os novos conteúdos prometidos à atualização da
disciplina e suas atuais estruturas.
1. Da internacionalização à globalização
Não sem razão, K. Polanyi falou de uma “grande transformação” para saudar as
profundas mudanças impostas à nossa civilização desde o início do século1. Que dizer,
então, da verdadeira subversão que o mundo conheceu a partir do fim da Segunda Guerra
Mundial, quando, por intermédio da globalização, uma fase inteiramente nova da história
humana teve início?
Essa civilização repousava sobre quatro instituições. A primeira era o sistema de equilíbrio
de forças que durante um século permitiu evitar a deflagração de grandes e devastadoras
guerras entre as Potências. A segunda foi o padrão-ouro como referência internacional,
que simbolizava a organização única da economia mundial. A terceira era o mercado
autorregulado que gerou um bem-estar sem precedentes. A quarta era o Estado liberal.
Segundo uma certa classificação, duas delas eram nacionais, e as duas outras internacionais.
Juntas, determinaram as grandes linhas da história de nossa civilização”. POLANYI, K. A The
Great Transformation (1944). Bos-on, Beacon, 1957, p. 2.
1
A civilização do século XIX naufraga. Este livro trata das origens políticas e econômicas do acontecimento e da
grande transformação que o seguiu.
2
O sistema capitalista foi sempre um sistema mundial. Não poderemos compreendê-lo se excluirmos a interação
entre o efeito interno de uma de suas partes e os efeitos externos sobre essa parte. Por isso a contribuição daqueles
que enfatizaram o papel da periferia no estabelecimento do capitalismo desde o seu início não é nem pequeno nem
suplementar [...]” (AMIN, S. 1980, p. 187).
154
CIÊNCIA POLÍTICA
“Embora tenha sido sempre um sistema mundial, o sistema capitalista passou por
diversos estágios [...]” (AMIN, S. 1980, p. 188).
Dado o novo alcance da história, importa “rever totalmente toda a estrutura dos
postulados e preconceitos nos quais assentava a nossa visão do mundo”, nas palavras de G.
Barraclough (1965, p. 10). Mais recentemente, Katona e Strumpel (1978, p. 2-3) criticam uma
visão econômica pouco penetrada pelas novas realidades, lamentando que fatores como as
finanças sejam ainda estudados num quadro puramente nacional, e não em seu contexto
global. A sociologia, tal como foi fundada na segunda metade do século XIX, deveria ser
substituída, segundo A. Bergensen (1970, p. 1), por uma “visão sistemática mundial”, mais
adaptada às novas realidades.
Mas será possível afirmar a existência desse sistema mundial (BERGENSEN; SCHOENBERG,
1980), chame-se ele sociedade mundial (PETTMAN, 1979) ou sistema global (MODELSKI,
1972)? Isso resultaria da interconexão sob todos os pontos de vista, entre as mais afastadas
e disparatadas sociedades nacionais, por força das novas condições de realização da vida
social, ou seja, de uma divisão mundial capitalista do trabalho, fundada no desenvolvimento
das forças produtivas em escala mundial e conduzida através dos Estados e das corporações
gigantes ou firmas transnacionais3.
3
Na fase do monopólio múltiplo transnacional, o desenvolvimento das forças produtivas ocorre na escala do
planeta. A divisão mundial capitalista do trabalho daí decorrente é ao mesmo tempo uma especialização adiantada e
uma integração. A possibilidade concreta de localizar ramos, processos, fábricas, explorações econômicas, de utilizar redes
de transporte e de comercialização, de obter de toda parte informações praticamente instantâneas e de processá-las
eletronicamente nesses centros estrategicamente distribuídos, de influenciar de maneira decisiva nas determinações
políticas nacionais ou multinacionais, de mobilizar rapidamente funcionários e agentes através do mundo, tudo isso
transforma as corporações múltiplas em fatores poderosos de uma combinação complexa das forças produtivas, com
variáveis muito numerosas e parâmetros operacionais que atuam em variados níveis de agregação” (MAZA ZAVALA, D.
1976, p. 43).
155
Unidade III
Vivemos num mundo em que a lei do valor mundializado comanda a produção total, por
meio das produções e das técnicas dominantes, aquelas que utilizam esse trabalho científico
universal previsto por Marx. A base de todas essas produções, também ela, é universal, e sua
realização depende doravante de um mercado mundial.
Será que essa mundialização é completa? Para muitos, não haveria, por exemplo,
mundialização das classes sociais [...] nem uma moralidade universal, ainda que fosse a
moralidade dos Estados. Se as firmas multinacionais criam em toda parte burguesias
transnacionais [...], e se instituições de natureza semelhante estão presentes em todos os
países, as classes são ainda definidas territorialmente, assim como as aspirações e o caráter
de um povo ainda o são em razão das heranças históricas. Os Estados, cujo número se
multiplicou devido às novas condições históricas, constituem um sistema mundial, mas
individualmente eles são, ao mesmo tempo, uma porta de entrada e uma barreira para as
influências exógenas. Sua ação, embora autoritária, assenta nas realidades preexistentes e
por isso jamais induz uma mundialização completa das estruturas profundas da Nação. Mas
isto não basta para impedir que se fale de globalização. Hoje, o que não é mundializado é
condição de mundialização.
2. Um período técnico-científico?
Acreditamos, como tantos outros, que as perturbações que caracterizam esta fase
da história humana decorrem em grande parte dos extraordinários progressos no
domínio das ciências e das técnicas. Estaríamos no período do capitalismo tecnológico
[...], ou da sociedade tecnológica [...]. Sem dúvida, podemos perguntar-nos, de um lado,
se o desenvolvimento econômico não dependeu sempre do progresso científico [...], ou
lembrar, como fez E. Mandel (1980), que esta é apenas a terceira revolução científica;
e, por outro lado, seria bom levantar com frequência a questão: “As máquinas fazem
a história?” Há os que creem numa espécie de determinismo tecnológico e os que se
põem em guarda contra todo risco implícito na crença em uma “ilusão tecnológica”.
Preferimos a companhia destes últimos, sem com isso minimizar o papel fundamental
desempenhado pelos progressos científicos e técnicos nas transformações recentemente
156
CIÊNCIA POLÍTICA
sofridas pelo planeta. Esta “transformação total dos fundamentos da vida humana” de
que fala Bernal teria sido impossível de outra forma.
Quando a ciência se deixa claramente cooptar por uma tecnologia cujos objetivos
são mais econômicos que sociais, ela se torna tributária dos interesses da produção e dos
produtores hegemônicos e renuncia a toda vocação de servir a sociedade. Trata-se de um
saber instrumentalizado, [no qual] a metodologia substitui o método.
de um sucesso prático das teorias falsas (BUNGE, 1968). Eis por que já se falou, e com
razão, de uma perversão da ciência4.
As ciências sociais não fazem exceção nesse contexto. O mesmo movimento também
as deformou e descaracterizou. Nunca é demais insistir no risco representado por uma
ciência social monodisciplinar, desinteressada das relações globais entre os diferentes
vetores de que a sociedade é constituída como um todo. Pode-se talvez encontrar uma
das principais causas da crise atual das ciências sociais em sua insalubridade. Boa parte da
produção intelectual nesse domínio despreza os estudos mundiais globalizantes. Esse atraso
em relação ao mundo é uma das marcas desse desatino das ciências humanas. Incapazes
de apreender a separação entre princípios e normas (CATEMARIO, 1968, p. 74) e por isso
mesmo empobrecidas, não surpreende constatar as múltiplas formas de sua submissão a
interesses quase sempre inglórios do mundo da produção. Elas se põem, por vezes sem
julgamento crítico, a serviço do marketing, daquilo que se chama relações humanas, de toda
sorte de social engineering e de produção, sob encomenda das ideologias [...], reduzindo
assim gradualmente suas possibilidades. Desse modo, as ciências sociais se interessam por
uma amostragem tendenciosa das contradições mais importantes; o Estado e as firmas
transnacionais, o Estado e a nação, o crescimento e o empobrecimento, o Leste e o Oeste,
o desenvolvimento e o subdesenvolvimento etc., de modo a ocultar as causas reais e os
resultados previsíveis dos encadeamentos entre fenômenos.
Embora assinalado por atividades quase sempre desviadas para preocupações imediatistas e
utilitaristas, o atual período histórico encerra igualmente o germe de uma mudança de tendência.
4
Um traço notável do período atual é que as análises vivamente críticas da empresa científica vêm de universitários
respeitáveis, cujo radicalismo é moderado ou nulo. Essa crítica da ciência, respeitável e feita do interior, exprime a nova
consciência da ciência e o abandono de sua segurança de outrora. Quando se consideram as declarações de porta-vozes da
ciência, fica-se chocado por seu caráter de propaganda. [Milton Santos lembra que, para os grandes cientistas do século
XIX], o cientista era um exemplo das maiores virtudes intelectuais e morais” [...] (RAVETZ, J. P. 1977, p. 79).
158
CIÊNCIA POLÍTICA
Se, por um lado, a ciência se torna uma força produtiva, observa-se, por outro, um aumento da
importância do homem – isto é, de seu saber – no processo produtivo. Esse saber permite um
conhecimento mais amplo e aprofundado do planeta, constituindo uma verdadeira redescoberta
do mundo e das enormes possibilidades que ele contém, visto ser revalorizada a própria atividade
humana. Só falta colocar esses imensos recursos a serviço da humanidade.
Trata-se de uma tarefa de longo fôlego, mas não impossível, que supõe a existência de
uma ciência autônoma, conforme a definiu R. Wuthrow (1980, p. 30).
159
Unidade III
O cientista político francês Dominique Moïsi, autor de A Geopolítica das Emoções (2009), sentencia
que “o Ocidente perde peso relativo, a Ásia renasce, os emergentes ganham novo peso. A política está
em franca transformação”. É um mundo multipolar e pluricultural.
Moïsi tece ao longo de seu livro os elos que lhe permitiram entrever as emoções como
motivações, claras ou não, residuais ou presentes. Cita casos e apresenta exemplos nos quais
os sentimentos profundos, em várias escalas, por exemplo, como indivíduo e povos, respondem
diante de demandas complexas.
160
CIÊNCIA POLÍTICA
Trataremos das principais ideias de intelectuais que marcaram o pensamento acadêmico e muito
do que se criou em organização política do poder em nossas sociedades ocidentais. Suas principais
ideias virão, contextualizadas, num esforço de leitura dos tópicos iniciais sobre poder e política, pela
via da proximidade ontológica (nascimento dos objetos e das ideias correlatas), da interpretação dos
acontecimentos, como as constituições de estruturas estatais e suas ações no espaço global.
Cada um desses intelectuais leva mais longe nossas reflexões sobre os assuntos tratados, e
somente são clássicos por serem convergentes e contemplarem o bom senso. Eles são destacados de
modo grosseiro, estereotipado, com rotulações repletas de preconceitos, colocados como de ideais
opostos em apresentações com vistas às facilidades didáticas. Contudo, sua complexidade merece um
segundo passo, o da procura das convergências. Com o intuito de desmitificá-los, descontruindo os
preconceitos, veremos que, por detrás da aparente oposição, Platão e Aristóteles têm muito em comum
e complementações imprescindíveis, assim como Hobbes e Rousseau. Maquiavel é tido como de atitude
extremamente encomiástica com relação à nobreza, isto é, “bajulador” de reis! Longe disso, era entusiasta
da república, de modo subliminar.
Agentes, poder, política, história, formas e organizações do poder? Vejamos o excerto a seguir.
Para Bobbio, clássico é um autor intérprete de seu tempo. O que interessa é identificar
temas para reflexão
que eleva fontes a precedentes, as ocasiões e condições, detém-se por vezes nos detalhes
até perder o ponto de vista do todo: dediquei-me, ao contrário, com particular interesse,
ao delineamento de temas fundamentais, ao esclarecimento dos conceitos, à análise dos
argumentos, à reconstrução do sistema”. O que interessa identificar nos clássicos não é
tanto seu significado histórico, mas sim, nas palavras de Bobbio, “hipóteses de pesquisa,
temas para reflexão, ideias gerais”.
Os autores clássicos para Bobbio, em sua análise da teoria política, são, principalmente,
Emanuel Kant (1724-1804), Karl Marx (1818-1883) e Max Weber (1864-1920). Kant é um
autor frequente na obra de Bobbio, tanto assim que lhe dedicou um de seus livros, Direito e
Estado no Pensamento de Emanuel Kant. Para esse autor, o tema recorrente do pensamento
político é o da liberdade, ou melhor, das duas liberdades, como diria Bobbio: “O primeiro
significado é aquele recorrente na doutrina liberal clássica, segundo a qual ‘ser livre’ significa
gozar de uma esfera de ação, mais ou menos ampla, não controlada pelos órgãos do poder
estatal; o segundo significado é aquele utilizado pela doutrina democrática, segundo a qual
‘ser livre’ não significa não haver leis, mas criar leis para si mesmo”. No que se refere a Marx,
confrontando sua teoria política com a dos autores que são considerados unanimemente como
clássicos do pensamento político, de Platão a Hegel, e procedendo por meio de comparações
por afinidades e diferenças, Bobbio demonstra a “reviravolta radical que Marx operou sobre
a tradição apologética do Estado” na medida em que, para ele, o Estado deixa de ser o reino
da razão e do “bem-comum” para ser considerado o reino da força e do interesse daqueles
que detêm o poder. O terceiro autor, tido por Bobbio como “o último dos clássicos”, é Max
Weber, cujas expressões “passaram a fazer parte definitivamente do patrimônio conceitual
das ciências sociais”. No campo da teoria política, Bobbio considera que nenhum estudioso
do século XX contribuiu de forma tão significativa como Weber para o enriquecimento do
léxico técnico da linguagem pertinente a esse campo. Dentre as expressões herdadas deste
autor, Bobbio lembra algumas que, pela sua reconhecida importância, dispensam maiores
comentários: poder tradicional e carisma, poder legal e poder racional, direito formal e direito
material, monopólio da força, ética da convicção e ética da responsabilidade.
Para Bobbio, a terceira definição seria a mais apropriada para sua teoria política.
No entanto, se partirmos dessa hipótese, o problema que teremos de enfrentar diz
respeito à inexistência, em uma teoria assim considerada, de uma dimensão valorativa
presente nos dois primeiros tipos. Como bem ponderou Bobbio, porém, “não há teoria
tão asséptica que não permita entrever elementos ideológicos que nenhuma pureza
metodológica pode eliminar totalmente”. Bobbio parece então oscilar entre uma
filosofia política puramente cognoscitiva e uma filosofia propositiva, mas, na verdade,
apresenta em sua obra as duas dimensões.
Apontando os temas reincidentes nas lições dos clássicos e suas teorias, Bobbio nos faz
perceber certa continuidade na história, continuidade essa que diz respeito também aos
problemas enfrentados por essas diversas teorias. A recorrência de problemas, de enfoques
e de soluções parece marcar toda a história do pensamento político. Isso não quer dizer
que em alguns momentos Bobbio desconheça haver certas “guinadas” na História, como
a “revolução copernicana” decorrente da afirmação do primado dos direitos sobre os
deveres, que a temática dos direitos humanos propiciou. Assumindo, portanto, a ideia dessa
continuidade, podemos pensar nas questões referentes ao chamado “fim da história” e à
possibilidade de encontrar-lhe um sentido. Como apontado por Bobbio em sua autobiografia
Diário de um século, “a história humana não apenas não acabou, como anunciou há alguns
anos um historiador americano, mas, talvez, a julgar pelo progresso técnico-científico que
está transformando radicalmente as possibilidades de comunicação entre todos os homens
vivos, esteja apenas começando. É difícil afirmar, contudo, que direção esteja destinada a
seguir”. Ainda a respeito do sentido da História, afirma: “Não tiro conclusão alguma acerca
do sentido da História, que, não tenho vergonha de declarar, ignoro qual seja. Tenho apenas
a sombria impressão de que ninguém ainda a captou”. De toda forma, fica evidente que,
para Bobbio, a História não acabou e que, se ela tem um sentido, ninguém ainda foi capaz
de dizer qual é. Visão realista, sim, mas não pessimista ou ingenuamente otimista.
Este ensaio tem como base a obra de Norberto Bobbio Teoria Geral da Política
(1)
Na Apresentação de A República de Platão Recontada por Alain Badiou, Danilo Marcondes destaca
o seguinte:
No momento em que Platão escrevia, a política era entrelaçada ao cultivo das virtudes, da
justiça e ética, que a tornava o caminho do bem. Em que momento nos perdemos? Em que
momento nós a perdemos?
A boa política está sempre em questão na construção dos diálogos platônicos. Para tanto, Platão
persegue seu nascimento juntamente com as grandes aglomerações e coletividades, as cidades, a saúde
(equilibrada e harmônica) e a divisão do trabalho requerida ao seu funcionamento. Assim, a questão da
representação torna-se fundamental:
[...].
– Mas quem manda afinal? – pergunta, com uma voz melancólica e poderosa.
– Muito bem – diz Glauco, com uma voz arrastada –, não faço a menor ideia.
Os melhores, penso.
A apresentação de Maria Helena da Rocha Pereira (2001, p. 18-53) à República de Platão é bastante
detalhada em termos de seu alcance e conjeturas, razão pela qual reproduzimos alguns de seus trechos
mais significativos.
[...]
Em qualquer caso, o Livro I [de A República] corresponde a uma parte da obra que, além
de ter a finalidade de apresentar as figuras e situar a discussão, fornece o tema da mesma,
o que é ajustiça, e refuta as definições propostas, a de Cefalo (“dizer a verdade e restituir o
que se tomou”), a de Polemarco (“dar a cada um o que se lhe deve”) e a de Trasímaco (“o que
está no interesse do mais forte”) (PEREIRA, 2001, p. 21).
[...]
165
Unidade III
[...]
É esse ponto que vai ser esclarecido (comunidade de mulheres e filhos), com grandes
rodeios e precauções, expressas na metáfora das vagas marinhas, ao longo do Livro
V. Primeiro, far-se-á a proposta de que as mulheres, podendo ter a mesma capacidade
dos homens, devem tomar parte nos cargos diretivos da cidade; segundo, expor-se-á o
complicado sistema pelo qual se realizarão os casamentos e a procriação na classe dos
guardiões, de molde a obter o mais alto grau de eugenia; a terceira, a mais temível das
vagas, consiste em proclamar a condição necessária para que tal Estado se torne realizável:
que seja governado por filósofos (idem, p. 25).
[...]
[...]
É o próprio texto [A República], efetivamente, que afirma a relação entre os três símiles
[ou alegorias]: do Sol com o da Linha Dividida em VI (509c); e deste último com o da
Caverna em VIL (517a-r). Esta segunda equivalência tem sido, ela mesma, objeto de grandes
discordâncias, até porque principia por se declarar, de uma forma um tanto vaga, que “este
quadro deve agora aplicar-se a tudo quanto dissemos anteriormente”, o que, na verdade,
podia dizer respeito, em princípio, tanto a um como a outro dos símiles. Mas a continuação
explicita que se deve comparar o mundo visível à caverna e o inteligível à ascensão dos
prisioneiros ao mundo superior.
Para empregar uma imagem tirada da própria República, diríamos que estes símiles
encaixam uns nos outros como os contrapesos do fuso da Necessidade, no mito de Er [...],
“que, na parte superior, tinham o rebordo visível como outros tantos círculos, formando um
plano contínuo de um só fuso em volta da haste...”.
Em primeiro lugar, temos, pois, a metáfora do Sol, que mostra que esse astro está para o
mundo visível como o Bem para o sensível.
O segundo consiste em imaginar uma linha para ser dividida em duas partes desiguais,
cada uma das quais seria ainda seccionada segundo a mesma proporção. Se designarmos
a linha por AB, o primeiro corte por C e os outros por D e E, e indo buscar ao texto as
equivalências dos segmentos assim obtidos, podemos traçar o seguinte diagrama:
Portanto, o mundo visível (horata ou doxasta) tem em primeiro lugar uma zona de
eikones (“imagens”, reflexos nas águas), conhecidos pela eikasia (“suposição”, ou, como
167
Unidade III
outros preferem, “ilusão”). Num nível mais elevado, temos todos os seres vivos (zoa) e objetos
do mundo, conhecidos através de pistis (“fé”). O mundo inteligível (noeta) tem também
dois setores proporcionais a estes, o inferior e o superior, o primeiro apreendido através da
dianoia (“entendimento” ou “razão discursiva”). Nesta última distinção poderá residir, como
alguns supõem, a finalidade principal da analogia: o contraste entre o conhecimento pela
dianoia, que é o das ciências, e o que é pela noesis, que é o da filosofia. Mas não é menos
importante a antinomia entre opinião e saber, entre doxa e sophia, que tínhamos visto ao
terminar do Livro IV e vai tomar forma nítida na alegoria da Caverna (VII. 514a-518b):
Antes de iniciar a alegoria, no começo do Livro VIl, Platão dissera expressamente que se
tratava de dar a conhecer o comportamento da natureza humana, conforme ela é ou não
submetida à educação (VII). Ora, o modo como esta há de processar-se constitui o tema
central do Livro.
Deve notar-se em primeiro lugar que o curriculum que se propõe visa “à disciplina
mental e ao desenvolvimento do poder de pensamento abstrato”. Por isso, temos em
sucessão os vários ramos então conhecidos da matemática (incluindo um acabado de criar,
e ainda sem nome, a futura estereometria), desligados, como sublinha o próprio texto, das
suas aplicações práticas (VII. 525b-d). Temos, assim, como base, a aritmética que “facilita a
passagem da própria alma da mutabilidade à verdade e à essência” (VH. 525c); a seguir, o
espaço a duas dimensões, ou geometria plana; em terceiro lugar, o espaço a três dimensões,
por meio da estereometria; a astronomia estuda os corpos sólidos em movimento; e a
harmonia, o som que eles então produzem. Trata-se, portanto, de um ensino essencialmente
formativo. Todas estas ciências têm por missão preparar o espírito para atingir o plano mais
elevado: a dialética, cujo fim é o conhecimento do Bem (VII. 533b-e). Para o seu aprendizado,
selecionaram-se os mais bem-dotados, quando atingem a idade de trinta anos (VII. 537d),
como anteriormente tinham sido escolhidos, aos vinte anos, os que haviam de encetar uma
educação superior (VII. 537b-c).
O método da dialética é o único que procede, por meio da destruição das hipóteses, a
caminho do autêntico princípio, a fim de tomar seguros os seus resultados, e que realmente
168
CIÊNCIA POLÍTICA
arrasta aos poucos os olhos da alma da espécie de lodo bárbaro em que está atolada e
eleva-os às alturas, utilizando como auxiliares para ajudar a conduzi-los as artes que
analisamos (idem, p. 7).
[...]
E, para nos tirar quaisquer dúvidas sobre a relação entre esta ordenação dos estudos e
os quatro graus de entendimento anteriormente referidos, explica de novo:
É próprio do saber dialético “apreender a essência de cada coisa”. Deve ser capaz de
distinguir a natureza essencial do Bem, isolando-o de todas as outras ideias (idem, p. 7).
Por esse motivo, Nettleship pôde escrever: “O termo dialética”, que desempenha um papel
quase tão proeminente na filosofia platónica como “forma”, não significa originariamente
nada mais do que o processo de discussão oral por meio de pergunta e resposta”. E ainda:
“[...] a palavra passou do simples significado de “discorrer” para o de “discorrer com o fim
de atingir a verdade” e este “discorrer” pode executar-se através de palavras entre duas
pessoas ou ser ‘o diálogo silenciosamente conduzido pela alma consigo mesma’ (sofista)”. Da
designação do método (idem, p. 7), passa a identificar-se com o próprio objeto a alcançar
por essa via, que é o saber filosófico.
A descrição do ponto mais baixo a que chegou a degradação humana põe de novo a
questão inicial da felicidade e virtude de cada uma destas espécies, em relação com as
qualidades que predominam na cidade, com a conclusão de que o tirano, escravo dos mais
169
Unidade III
sórdidos prazeres e apetites, é o que mais se opõe ao filósofo-rei, que tem acesso aos prazeres
puros e reais, e de que é a justiça, e não a injustiça, que traz vantagens a quem a pratica.
Ao terminar o Livro IX, Gláucon reconhece que a cidade que acabam de delinear é
utópica. Mas, objeta Sócrates, fica o paradigma no céu, para quem quiser contemplá-lo e
estabelecer por ele o seu teor de vida. Quer a cidade exista, quer não, é só a esse modelo
que o filósofo seguirá.
[...]
O tema principal. Apreciamos, através desta sucinta análise, a ordenação dos motivos
ao longo do diálogo. Tivemos assim ocasião de ver que um grande número de temas foi
abordado. A propósito das origens da cidade, no Livro II, discutiu-se teoria política, ao
formular a chamada Teoria Orgânica, que vê no Estado uma pessoa política, dotada de
vida e carácter próprio. Outros encontraram na tese de Gláucon, que é natural ao explorar
os seus semelhantes, mas deixa de o fazer logo que descobre que tem mais vantagem em
chegar a acordo com os outros, uma primeira exposição da Teoria do Contrato Social. À
teoria política é também indubitavelmente consagrado o Livro I, assim como os Livros VIII e
XIX, que descrevem o modo como se originam as várias formas de governo. A psicologia tem
um lugar de relevo no Livro IV, no qual se analisam os elementos da alma, e no Livro X, no
qual se apresentam provas da sua imortalidade. Nos Livros VI e VII, assume grande papel a
Teoria das Ideias, que é fundamental na epistemologia platónica, mas, além disso, não pode
dissociar-se da sua metafisica e ética. Não esqueçamos que é para a ideia suprema do Bem
que se orienta a formação do filósofo-rei.
O Livro VII formula uma teoria da educação, ilustrada com um esquema de curriculum
de estudos superiores, que vem contemplar a formação elementar, que se preconizara
no Livro III. Além disso, ao enumerar as diversas ciências que compõem esse plano,
referem-se os principais problemas que têm a resolver. O fato é mais evidente quando se
trata da astronomia, mas não deve deixar de se atentar – sem olvidar o que representava de
arrojada novidade para a época – no elogio da estereometria. Ocasionalmente, também se
fala do papel que deve ter a medicina na sociedade (m. 405d-408e).
Define-se, além disso, o que seja filósofo e filosofia (V; VI), e o método desta última
(e. g., VII).
Depois desta enumeração, aliás, poder-se-á perguntar, ante tal variedade, se existe um
tema principal, e, no caso afirmativo, se ele é ou não o que o título da obra indica.
170
CIÊNCIA POLÍTICA
Ora, num livro com este título, a pergunta fundamental, que de base a todo o diálogo, é:
Que é Dikaiosyne? Esta, bem como o adjetivo de onde deriva, dikaios, constituem dificuldade
idêntica à anterior, porquanto é, como escreveu R L. Nettleship, “o mais genérico dos
nomes gregos para a virtude, e, no seu sentido mais lato, diz-nos Aristóteles, equivalente
‘à totalidade de virtudes, tal como se mostra no nosso trato com os outros’ [...]”. É, em
resumo, “proceder bem” para com os demais. Sendo assim, e tendo presente a equivalência,
já referida mais de uma vez, e fortemente sublinhada ao longo dos Livros VIII-IX, entre
Estado e indivíduo, compreendemos o âmbito da Dikaiosyne e sua relevância na estrutura
da cidade, na Politeia. Não precisamos de supor, como E. A. Havelock, que a República é
primariamente “um ataque ao aparelho educativo existente na Grécia”. Antes nos parece
que o problema deve formular-se ao contrário: porque o sistema educativo é essencial na
formação dos cidadãos, cabe-lhe um papel de relevo numa obra que trata da cidade.
Se Platão nos fala de uma política em ambiente social saudável, o que supõe boa formação de todos,
tal noção de vida política somente atinge o bem comum e a justiça se for compartilhada. Isso é a própria
ideia de diálogo, muito além de simples conversa.
Em Aristóteles, a política é ativa, verifica-se nas ações. É desse modo que se chega ao exame das
práticas e de suas intenções:
Mário da Gama Kury (1985) explica que as obras de Aristóteles apresentam uma “desorganização”,
provavelmente devido às origens didáticas para as aulas, sendo posteriormente “editadas”. Vejamos o
excerto a seguir:
172
CIÊNCIA POLÍTICA
[...].
Para Aristóteles, em Ética a Nicômaco, um homem é sábio não quando é especialista, mas no
que se costuma denominar generalista, visto que a sabedoria é a perfeita forma de conhecimento,
combinando razão intuitiva e o conhecimento científico. Desse modo, a sabedoria prática é de
espectro imenso, envolvendo tudo quanto o ser humano delibera e age, requer experiência e por
isso não admite sabedoria na juventude; já a sabedoria filosófica não trata da ação, mas do
estudo, sendo completares.
Sabedorias política e prática correspondem à mesma disposição da alma, embora sejam diferentes
no que diz respeito aos contextos: a política relaciona-se à ação na polis, na cidade (que reúne e coage
as pessoas a conviverem), e a prática, com o indivíduo e ele mesmo (sua própria experiência).
Para Aristóteles, investigações e deliberações são diferentes, pois esta última refere-se à
investigação de algo em particular e implica o raciocínio. A deliberação excelente é aquela que tende
a alcançar o bem, e um bom deliberador normalmente é também dotado de sabedoria prática, pois
deve agir naquilo que delibera pra alcançar o bem. A inteligência também se distingue da sabedoria
prática, visto que esta se encarrega de agir em suas deliberações, e aquela, de julgar. A inteligência não
consiste em ter sabedoria prática, mas em aprender, no exercício da arte de conhecer, no opinar, sendo
idêntica à perspicácia, e o homem perspicaz é observador e sagaz.
ponto de vista da estrutura social e sua demanda (distribuição do poder, como democrático, oligárquico
e/ou aristocrático) quanto do da estrutura legal (considerando-se o ideal).
Mas Maquiavel não diz em parte alguma que os súditos sejam logrados.
Descreve o nascimento de uma vida em comum, que ignora as barreiras
do amor-próprio. Falando aos Medicis, prova-lhes que o poder não existe
sem apelo à liberdade. Nessa reviravolta, talvez seja o príncipe o logrado. Se
Maquiavel foi republicano, foi por ter encontrado um princípio de comunhão.
Colocando o conflito e a luta na origem do poder social, não quis dizer que
fosse impossível o acordo; quis salientar a condição de um poder que não
seja mistificante, e que e a participação numa situação em comum.
[...]
[...]
Maquiavel figura na história das ideias políticas de modo estigmatizado, e isso desde seu próprio
ambiente. Há muitos lados na personagem e nos seus escritos, como vemos a seguir:
[...]
Maquiavel persegue os termos políticos da organização social e concebe a história como cíclica em
alternância entre ordem e desordem:
176
CIÊNCIA POLÍTICA
A originalidade de seu trabalho tem sido atestada por importantes filósofos e cientistas políticos,
com reconhecimento e consenso ao menos quanto à sua relevância:
Sadek (1989, p. 18), descrevendo Maquiavel, destaca o que concerne à natureza humana e reconhece
“a presença de traços humanos imutáveis” afirmando que os homens “são ingratos, volúveis, simuladores,
covardes ante os perigos, ávidos de lucro”.
Maquiavel teve que lidar com fortes crenças na predestinação. Segundo Sadek (1989, p. 21), “este
era um dogma que Maquiavel teria que enfrentar, por mais fortes que fossem os rancores que atraísse
contra si”. Pois, do modo como concebera, a atividade política era um agir virtuoso, racional, “livre de
freios extraterrenos”, sujeito da história; “esta prática exigia virtù, o domínio sobre a fortuna”. Tal poder
requer flexibilidade e adequação às circunstâncias:
Um pouco antes de tratarmos de Hobbes, Locke e Montesquieu, falemos do que os une: o recurso ao
contrato; são contratualistas. Conforme Limongi (2012, p. 12-13):
Assim, quando Rawls (2000, p. 12) declara que sua teoria da justiça prolonga
a “teoria do contrato social, tal como se encontra em Locke, Rousseau e Kant”,
logo em seguida puxa uma nota indicando que não estava se esquecendo de
Hobbes, mas que o deixara deliberadamente de lado. Ele tem de fazer isso, já
que, como os autores citados, Hobbes é um e o primeiro dos contratualistas.
Hobbes está na base da ciência política moderna, preocupado com a sistematização dos saberes e
com o método:
179
Unidade III
Conforme Paulo Henrique Faria Nunes (2010, p. 11), Hobbes faz parte daquele conjunto de pensadores
políticos denominados contratualistas, juntamente com outras célebres figuras como Locke e Rousseau.
No que diz respeito ao “método empregado por Hobbes e pelos contratualistas que lhe sucedem, é
válido transcrever a síntese que Ernst Cassirer apresenta”:
Essa visão racional não foi, de forma alguma, considerada uma visão
histórica. Somente uns poucos pensadores tiveram a ingenuidade de concluir
que a “origem” do Estado, como a explicavam as teorias do contrato social,
dava-nos uma perspectiva dos seus começos. Não podemos, obviamente,
assinalar o momento exato da história em que pela primeira vez apareceu o
Estado. Mas essa falta de conhecimento histórico não interessa aos teóricos
do Estado-contrato. O problema deles é analítico, e não histórico. Eles
compreendem o termo “origem” num sentido lógico, e não cronológico. O
que eles procuram não é o começo, mas o “princípio” do Estado – a sua
raison d’être.
180
CIÊNCIA POLÍTICA
Contudo, sua perspectiva da natureza e da física condicionou sua visão de vida social (e psíquica)
e política.
O mesmo pode ser observado no Leviatã quando Hobbes diz que “Os desejos
e outras paixões do homem não são em si mesmos um pecado. Tampouco
o são as ações que derivam dessas paixões” (HOBBES, 2003, p. 110). O
propósito desse trabalho é compreender as possibilidades e as implicações
dessa afirmação, ou seja, entender as paixões humanas na obra de Hobbes
como um movimento de reação à ação do movimento de objetos externos
de modo que, por isso, elas não podem ser tomadas como boas ou más em si
mesmas, mas sim como reações naturais próprias da lógica de funcionamento
181
Unidade III
Renato Janine Ribeiro (1989, p. 51) fala em “sacrifício” do contrato social em Hobbes:
Nessa linha de compreensão da natureza humana como complexidade, Hobbes aponta que os homens
não são idênticos, mas suas habilidades podem equilibrar o jogo político na base da compensação. Essa
visão lhe rendeu (e rende) desafetos entre aqueles que defendem a dominação de alguns sobre muitos,
com os instrumentos da desigualdade social (RIBEIRO, 1989, p. 54).
A posição de Hobbes é expressa pela expressão “tão iguais” na obra Leviatã, comentada por Janine
Ribeiro. Por meio dele, explicita a riqueza de possibilidades e combinações sociais, de acordo com as
características de cada um, por fazer, num ambiente seguro para tanto. Não seríamos maus por natureza,
mas impulsivos como bebês e crianças, daí a necessidade de regras e força para manter-nos cada qual
em seu lugar. Aliás, garantindo-se, assim, lugares (RIBEIRO, 1989, p. 54-55).
As ideias são muito ricas: não é uma simples naturalização do humano, mas uma leitura arguta que
captura nuances da subjetividade, mesmo antes de Descartes.
Renato Janine Ribeiro (1989, p. 55) destaca que o “’homem lobo do homem’, em guerra contra
todos’”, não é um “‘anormal’; suas ações e cálculos são os únicos racionais, no estado de natureza”.
Com isso, surgiriam os problemas gerados pela propriedade provada, atraindo disputas.
A força maior seria, então, o Estado, capaz de manter as forças individuais em suas órbitas pessoais,
mas, agora, sim, numa vida social sob contrato, diríamos.
183
Unidade III
Hobbes, muito arguto, evocando algo como uma leitura empática, tendo como fundo uma certa
noção de empatia dos seres humanos, recomenda que façamos essa autoanálise, fundamental, pois:
Nesse contexto, o poder no estado de natureza dá-se pelo direito natural a tudo:
Janine Ribeiro (1989, p. 59) apresenta esse indivíduo hobbesiano. Para ele, não é o indivíduo em
busca do “capital no mundo da mercadoria, mas que está à procura da glória, ocupado com a conquista
e a manutenção da honra, consolidada pelas aparências externas no universo nobiliárquico, continente
de tudo mais, incluindo os gêneros da dimensão econômica”. Instaura-se uma pista importante para
entender as distâncias simbólicas que nos separam desse ambiente; nós que vivemos sob o signo do
valor econômico.
Teremos, pois, que exercitar essa questão, que poderíamos chamar de “árvore dos valores”, cuja raiz
é biológica e moral, crescendo pelos calores/axiologia cultural, para somente depois destacar os valores
econômicos, cujas secreções/distorções seriam os preços.
184
CIÊNCIA POLÍTICA
Apesar dos deslumbramento, para Hobbes a liberdade apresenta perigos, pois a liberdade natural
entraria em conflito com a coexistência social (RIBEIRO, 1989).
Hobbes vê o homem glorioso, não o homo economicus: calca sua construção na aparência, sendo
o “poder que exerce o imperativo sobre os bens. A vida sob o contrato supõe associação com base na
submissão às regras advindas do grande pacto social: é horizontal na associação e vertical na submissão”
(RIBEIRO, 1989, p. 62-63).
Hobbes expõe em sua construção dos preceitos das condições sociais de existência, sua leitura de
direito e lei, desenvolvendo-a, chegando à visão de contrato social!
A questão da segurança, própria e como direito coletivo, está sempre presente em seu
pensamento, pois:
Enquanto perdurar este direito de cada homem a todas as coisas, não poderá
haver para nenhum homem (por mais forte e sábio que seja) a segurança de
viver todo o tempo que geralmente a natureza permite aos homens viver.
Consequentemente, é um preceito ou regra geral da razão que todo homem
deve esforçar-se pela paz, na medida em que tenha esperança de consegui-la,
e caso não a consiga pode procurar e usar todas as ajudas e vantagens da
guerra. A primeira parte desta regra encerra a lei primeira e fundamental
185
Unidade III
A única maneira, para Tomas Hobbes (1984 apud RIBEIRO, 1989, p. 62), de instituir esse estado de
segurança social, é a criação do Estado. “Cedo e transfiro meu direito de governar-me a mim mesmo
a este homem, ou a esta assembleia de homens, com a condição de transferires a ele teu direito,
autorizando de maneira semelhante todas as suas ações”.
Segundo Weffort (1989), da instituição do Estado derivam todos os direitos e faculdades daquele ou
daqueles a quem o poder soberano é conferido, mediante consentimento do povo.
2. Representação de todos pelo Estado: todos, entre si; não entre participantes
e Estado! Contrato é mantido pela força do Estado! (WEFFORT, 1989, p. 65)
4. Estado inimputável: não pode ser culpado por qualquer ato, visto que
seja [pré-aprovado] [...] todos concordam com suas ações ao [elegê-lo] [...]
(RIBEIRO, 1989, p. 63).
A igualdade é perigosa, pois todos são iguais em desejos, paixões e violência! A igualdade envolve
competição e traz problemas, segundo Janine Ribeiro (1989), pois acaba criando a liberdade para morrer.
O autor assevera que há limites à defesa (de si e de outrem) por diminuir a abrangência da soberania.
Diz que as outras formas de liberdade dependem do “silêncio da lei” (RIBEIRO, 1989, p. 70).
E continua:
O medo motiva a associação sob o Estado soberano; mas não é o terror, pois
este é próprio ao Estado de natureza. Medo, que está na base da submissão
das pessoas ao Estado, do abandono de sua liberdade natural, [passa a ser
liberdade social]. Quem tem bom comportamento não precisa temer o
Estado. Medo completa-se com a esperança de vida melhor, com garantias
[...] (RIBEIRO, 1989, p. 70-71).
187
Unidade III
O soberano deve sobrepor-se ao medo e garantir esperança. Isso, para ser bom [legítimo, por
natureza] representante, para garantir os direitos naturais na organização social.
[...].
Todo o contexto social, familiar, o ideário e a formação individual de John Locke o levam para uma
conduta baseada na liberdade, aliás, seu nome está ligado ao nascimento do liberalismo político e seus
desdobramentos econômicos de um modo que Hobbes não poderia sê-lo.
É desses casos cujos fundamentos teóricos têm origem no contexto psicossocial: família, filiação
acadêmica, ideológica e partidária, perseguição política, exílio na Holanda; tudo culminou em suas
concepções sobre liberdade, tolerância e propriedade. Foi um ideário burguês na raiz do progresso e da
acumulação econômica.
189
Unidade III
John Locke esteve engajado em lutas liberais, sempre associado ao ideário liberal, cuja coerência
expressa-se em sua atuação multidisciplinar: política, educação, filosofia, matemática, medicina. Em
todas as frentes nas quais se envolvia, o nexo era a liberdade de atuação.
Conforme Weffort (1989, p. 83), “a teoria da tábula rasa é, portanto, uma crítica à doutrina das ideias
inatas, formulada por Platão e retomada por Descartes, segundo a qual determinadas ideias, princípios e
noções são inerentes ao conhecimento humano e existem independentemente da experiência”.
Locke faz dois tratados sobre o governo civil, publicando-os somente após a Revolução Gloriosa.
O primeiro é de fundo religioso, segue a patrilinearidade (linhagem) de Adão, com seu símbolo paterno.
O segundo trata da origem, da extensão e do objetivo do governo civil, é baseado no consentimento dos
governados.
A teoria da propriedade
A escolha da forma de governo deve preservar as condições inalienáveis de associação livre. Não fica
claro como a concentração de bens pode ser democrática, ou melhor, como pode haver democracia com
a concentração de bens.
Enfatizando as distinções de Locke em relação a Thomas Hobbes, temos que para este a “propriedade
inexiste na natureza, que o Estado a cria e a pode dissolver; sendo, inclusive, pomo de discórdia entre
os cidadãos. Já Locke [que ocorre] via concórdia e harmonia no trinômio estado natural/contrato social/
estado civil [...]” (MELLO, 1989, p. 85).
O trabalho nesse nível é uma referência à territorialidade (biológica, orgânica, na base das construções
intelectuais sobre o poder, tanto para a antropologia quanto para a geografia).
Não há detalhes suficientes para sabermos se ele está deliberadamente descartando as propriedades
comunais indígenas, ou se apenas se refere às aldeias e vilas (aglomerados) coloniais.
Se a propriedade era instituída pelo trabalho, este, por sua vez, impunha
limitações à propriedade. Inicialmente, quando “todo o mundo era como
a América”, o limite da propriedade era fixado pela capacidade de trabalho
do ser humano. Depois, o aparecimento do dinheiro alterou essa situação,
possibilitando a troca de coisas úteis, mas perecíveis, por algo duradouro
(ouro e prata), convencionalmente aceito pelos homens. Com o dinheiro,
surgiu o comércio e também uma nova forma de aquisição da propriedade,
que, além do trabalho, poderia ser adquirida pela compra. O uso da moeda
levou, finalmente, à concentração da riqueza e à distribuição desigual dos
bens entre os homens. Esse foi, para Locke, o processo que determinou a
191
Unidade III
É possível, como já indicamos, encontrar não só pontos semelhantes como também distintos entre
os postulados contratualistas.
A unanimidade referida leva a outro tema caro ao autor, a tolerância, porque esta seria o cimento que
garantiria a coesão necessária à manutenção de direitos naturais, como a propriedade. Sem tolerância,
não haveria respeito ao espaço e aos bens do outro.
Saiba mais
LOCKE, J. Carta sobre a tolerância. Tradução Anoar Aiex. São Paulo: Abril
Cultural, 1973. (Coleção Os Pensadores)
192
CIÊNCIA POLÍTICA
Constituído o estado civil, a “comunidade” precisa escolher a forma de governo. Assim, no estado
civil, há uma transição democrática com a escolha do governo. Nessa escolha, a “unanimidade do
contrato originário” transforma-se em democracia, “segundo o qual prevalece a decisão majoritária e,
simultaneamente, são respeitados os direitos da minoria” (MELLO, 1989, p. 8).
[...]
O direito resistência
E o autor continua:
John Locke
O sociólogo J. A. Guilhon Albuquerque (apud WEFFORT, 1989, p. 113) inicia sua minibiografia
mencionando os aspectos paradoxais de Montesquieu, cujos vínculos com a monarquia são determinantes
de seu contexto de criação, invenção e descobertas.
194
CIÊNCIA POLÍTICA
É preciso salientar que mesmo sendo de origem aristocrática, Montesquieu não é ideólogo
da nobreza, o que faz é aproveitar suas experiências nas estruturas nobiliárquicas e aplicá-las ao
desenvolvimento das relações políticas: os poderes centralizados da monarquia são, em sua obra,
desmembrados, amparando sua reflexão na constatação pragmática do êxito das monarquias ou
Estados monárquicos, muitos deles com centenas de anos.
• pai da Sociologia;
• inspirador do determinismo;
Seu legado mais referido é o de ser precursor das ideias de regimes políticos, da conceituação de
leis (regularidades e fundamentos do “estado de sociedade” x contratualistas), propondo governos em
mútuo controle. Propõe a moderação do poder governamental.
Ao estudar Althusser, Guilhon Albuquerque (1989, p. 114) refere-se ao seu conceito de lei:
Não é à toa que Montesquieu é tido em alta conta pelos juristas, pois avança bastante no tema
legislativo e na teoria das organizações sociais.
Mas o objeto de Montesquieu não são as leis que regem as relações entre os
homens em geral, mas as leis positivas, isto é, as leis e instituições criadas
pelos homens para reger as relações entre os homens. Montesquieu observa
que, ao contrário dos outros seres, os homens têm a capacidade de se furtar
às leis da razão (que deveriam reger suas relações), e além disso adotam leis
escritas e costumes destinados a reger os comportamentos humanos. E têm
também a capacidade de furtar-se igualmente às leis e instituições.
Até chegar nos três governos, Montesquieu elaborou suas teses a partir do governo único,
vislumbrando as possibilidades de separá-lo em poderes, combinando sistemas e seus atributos da honra
(monarquia), da virtude (república) e do medo (despotismo).
Jean-Jacques Rousseau propõe uma forma de ver, pensar e fazer inovadora em seu tempo, isto é,
sua concepção de vida social, do plano teórico ideal (as abstrações que materializadas socialmente), bem
como das intervenções necessárias ao progresso potencial humano no âmbito social.
Seu trabalho torna-se público após a premiação da Academia de Dijon, que propôs como tema: “O
restabelecimento das ciências e das artes teria contribuído para aprimorar os costumes?’’ Rousseau
indica que não em seu texto, marcando posição distinta em sua época. Desse modo, vai além da dúvida
no que diz respeito ao conhecimento científico, chegando quase ao ceticismo. Em Discurso sobre a
Origem e os Fundamentos da Desigualdade entre os Homens, ele diz: “Se nossas ciências são inúteis no
objeto que se propõem, são ainda mais perigosas pelos efeitos que produzem”. Antes pois de defender o
processo de difusão das luzes” (ROUSSEAU, 2008 apud NASCIMENTO, 1989, p. 189).
Com essa posição, pergunta-se sobre que tipo de saber direciona a vida dos seres humanos. O autor
acusa a banalização da produção intelectual como motivada por arrivismo:
não pudessem ir longe na carreira das letras fossem impedidos desde o início
e encaminhados às artes úteis à sociedade? (NASCIMENTO, 1989, p. 18-190).
Rousseau crítica ciências e artes, embora aceite o que chama no Discurso sobre a Origem e os
Fundamentos da Desigualdade entre os Homens “verdadeira ciência”. Vai, portanto, na contracorrente
dos iluministas, cuja bandeira mais destacada é a disseminação do saber. Afirma que a ciência praticada
é baseada mais no orgulho e na busca de glória e de reputação do que no legítimo amor ao saber, não
passando “de uma caricatura da ciência e sua difusão por divulgadores e compiladores, autores de
segunda categoria, só pode contribuir para piorar muito mais as coisas” (NASCIMENTO, 1989, p. 190).
E, como em sua opinião a corrupção generalizou-se, sendo apenas uma questão de grau, ciência e
arte são produtos e condições desvirtuados, podendo, “no entanto, desempenhar um papel importante
na sociedade, o de impedir que a corrupção seja maior ainda” (ROUSSEAU, 1991, p. 190).
Rousseau tece raciocínio que reconhece certa função às artes e às ciências, embora participem da
corrupção. Fala de sua necessidade,
Para impedir que se tornem crimes, cobrindo-os com um verniz que não
permite que o veneno se espalhe tão livremente. Destroem a virtude, mas
preservam o seu simulacro público que é sempre uma bela coisa; em seu
lugar, introduzem a polidez e a decência, e substituem o temor de parecer
mau pelo de parecer ridículo (ROUSSEAU, 1991, p. 190).
Ele imagina uma espécie de censura pautada na moral para a produção e difusão artística e
científica. Critica e, de certo modo, enaltece-as, sendo ele próprio cientista e artista. Trata-se de destacar
suas funções pedagógicas. “Não se trata, portanto, de acabar com as academias, as universidades, as
bibliotecas, os espetáculos. As ciências e as artes podem muito bem distrair a maldade dos homens e
impedi-los de cometer crimes hediondos” (ROUSSEAU, 1991, p. 190).
Rousseau acredita que ciência e arte devem cumprir papéis emblemáticos, exemplificadores da
virtude, não mais prescritivos.
Os textos que mais nos interessam, pontos altos da obra política de Rousseau, são O Contrato Social
e o Discurso sobre a Origem e os Fundamentos da Desigualdade entre os Homens. A noção de pacto é
fundamental em suas teses.
A chave para se entender a articulação entre essas duas obras está no primeiro
parágrafo no capítulo I, do livro I, do Contrato: “O homem nasce livre, e por
toda parte encontra-se aprisionado. O que se crê senhor dos demais não
deixa de ser mais escravo do que eles. Como se deve esta transformação?
Eu o ignoro: o que poderá legitimá-la? Creio poder resolver esta questão”.
[...] Ora, a trajetória do homem, da sua condição de liberdade no estado de
natureza, até o surgimento da propriedade, com todos os inconvenientes
que daí surgiram, foi descrita no Discurso sobre a Origem da Desigualdade.
Nesta obra, o objetivo de Rousseau é o de construir a história hipotética da
humanidade, deixando de lado os fatos, procedimento semelhante ao que
outros filósofos já haviam feito no século XVII. Espinosa e Hobbes tomaram
de empréstimo, da geometria, o método para a análise dos problemas da
moral e da política. Rousseau, por sua vez, afirma na introdução ao Discurso
sobre a Desigualdade [...] (NASCIMENTO, 1989, p. 194).
No Discurso sobre a Origem da Desigualdade, Rousseau propõe afastar todos os fatos, pois eles não
dizem respeito à questão central da transição.
Ele opta pela alternativa da construção hipotética, demonstrada por meio de argumentação
racional. Logo, a história hipotética da humanidade, por ele enfatizada, culminaria com a legitimação
da desigualdade, quando a proposta do pacto é feita pelo rico.
200
CIÊNCIA POLÍTICA
Há uma bandeira, um estandarte político (que sua história de vida ajuda a entender) propondo a
defesa dos “fracos” contra a opressão, “conter os ambiciosos e assegurar a cada um a posse daquilo
que lhe pertence” (NASCIMENTO, 1989, p. 195) cuidando da institucionalização de justiça e de paz,
cuja universalização não permita exceções, garantindo reciprocidade entre todos. Esta é a principal
linguagem contratual: eis a emergência da figura do contrato. Contrato ou termo de compromisso entre
as partes, com base no ideal de justiça, tanto como instrumento de reparação quanto de melhoria da
qualidade social; voltado ao passado e que se projeta ao futuro. Em resumo:
Colocada a pedra de toque, Rousseau parte para a obra O Contrato Social afirmando que “o homem
nasce livre e em toda parte encontra-se a ferros”.
Segundo Nascimento (1989, p. 190), seu projeto, então, muda de nível: passa das tentativas de
reconstrução hipotética da história às indicações do “dever ser de toda ação política”. O que incomoda
Rousseau são as razões da mudança da liberdade para a servidão. Sobre essa questão (apresentada no
Discurso), afirma que não tem resposta, mas um projeto: estabelecer no contrato social as condições de
um pacto no qual os seres humanos realizem sua liberdade civil após a perda da liberdade natural, o que
é explanado nos capítulos VI a VIII do livro O Contrato Social. Como em qualquer contrato, a legitimação
do pacto social requer a condição de igualdade das partes contratantes.
Rousseau enfatiza que as cláusulas do contrato devem ser bem compreendidas e, por sinal,
201
Unidade III
A liberdade civil deve ocorrer no estado de sociedade, no momento em que nos submetemos às
regras do contrato, ao abrirmos mão do ideal de liberdade natural (jusnaturalismo), abstrata. É encargo
do provo soberano (parte ativa e passiva no processo, sendo agente ao promover as leis e obediente às
mesmas leis) constituir-se como ser autônomo, agindo por si.
A igualdade de todos (entre si) na base do corpo político deve ser também a condição “da máquina
política”, responsável pela manutenção de tal ordem, garantindo que o pacto inicial perdure de modo
estrutural. Tal ordem materializa-se nas organizações político-administrativas ou governos, o que
Rousseau (1991) destaca no Livro III de O Contrato Social.
Todo o livro III do Contrato Social será dedicado ao governo. Para Rousseau,
antes de mais nada, impõe-se definir o governo, o corpo administrativo do
Estado, como funcionário do soberano, como um órgão limitado pelo poder
do povo, e não como um corpo autônomo ou então como o próprio poder
máximo, confundindo-se neste caso com o soberano. Se a administração
é um órgão importante para o bom funcionamento da máquina política,
qualquer forma de governo que se venha a adotar terá que submeter-
se ao poder soberano do povo. Neste sentido, dentro do esquema de
Rousseau, as formas clássicas de governo, a monarquia, a aristocracia e
a democracia teriam um papel secundário dentro do Estado e poderiam
variar ou combinar-se de acordo com as características do país, tais como
a extensão do território, os costumes do povo, suas tradições etc. Mesmo
sob um regime monárquico, segundo Rousseau, o povo pode manter-se
como soberano, desde que o monarca se caracterize como funcionário do
povo (NASCIMENTO, 1989, p. 197).
Nascimento (1989) encaminha sua análise sobre o trabalho de Rousseau acentuando algumas
questões que reputa como recorrentes:
202
CIÊNCIA POLÍTICA
O autor avalia que parece haver “uma certa incredulidade quanto à recuperação da liberdade por povos
que já a perderam completamente”. Ele apresenta uma concepção de história que reputa como “pessimista”.
Rousseau é tido por “moderado” em suas ações políticas concretas, como afirma Nascimento (1989, p. 199):
Sua moderação e aparente relativismo se devem ao receio de indicar caminhos rígidos para
circunstâncias diferentes, isto é, sua perspectiva científica procura lógica e regularidades e, embora
tenha projeto político, está comprometido com a realidade, sem falseá-la ou distorcê-la, como fica
explícito na citação.
Do pacto social
Ora, como é impossível aos homens engendrar novas forças, mas apenas unir e dirigir as
existentes, não lhes resta outro meio, para se conservarem, senão formando, por agregação,
uma soma de forças que possa arrastá-los sobre a resistência, pô-los em movimento por um
único móbil e fazê-los agir de comum acordo.
Essa soma de forças só pode nascer do concurso de diversos; contudo, sendo a força
e a liberdade de cada homem os primeiros instrumentos de sua conservação, como as
empregará ele, sem se prejudicar, sem negligenciar os cuidados que se deve? Esta dificuldade,
reconduzida ao meu assunto, pode ser enunciada nos seguintes termos:
203
Unidade III
“Encontrar uma forma de associação que defenda e proteja de toda a força comum a
pessoa e os bens de cada associado, e pela qual, cada um, unindo-se a todos, não obedeça,
portanto, senão a si mesmo, e permaneça tão livre como anteriormente”.
As cláusulas deste contrato são de tal modo determinadas pela natureza do ato que a
menor modificação as tornaria vãs e de nenhum efeito; de sorte que, conquanto jamais
tenham sido formalmente enunciadas, são as mesmas em todas as partes, em todas as partes
tacitamente admitidas e reconhecidas, até que, violado o pacto social, reentra cada qual em
seus primeiros direitos e retoma a liberdade natural, perdendo a liberdade convencional pela
qual ele aqui renunciou.
Todas essas cláusulas, bem entendido, reduzem-se a uma única, a saber, a alienação
total de cada associado, com todos os seus direitos, em favor de toda a comunidade; porque,
primeiramente, cada qual se entregando por completo e sendo a condição igual para todos,
a ninguém interessa torná-la onerosa para os outros.
Além disso, feita a alienação sem reserva, a união é tão perfeita quanto o pode ser, e
nenhum associado tem mais nada a reclamar; porque, se aos particulares restassem alguns
direitos, como não haveria nenhum superior comum que pudesse decidir entre eles e o
público, cada qual, tornado nalgum ponto o seu próprio juiz, pretenderia em breve sê-lo
em tudo; o estado natural subsistiria, e a associação se tornaria necessariamente tirânica
ou inútil.
Enfim, cada qual, dando-se a todos, não se dá a ninguém, e, como não existe um associado
sobre quem não se adquira o mesmo direito que lhe foi cedido, ganha-se o equivalente de
tudo o que se perde e maior força para conservar o que se tem.
Portanto, se afastarmos do pacto social o que não constitui a sua essência, acharemos
que ele se reduz aos seguintes termos:
“Cada um de nós põe em comum sua pessoa e toda a sua autoridade, sob o supremo
comando da vontade geral, e recebemos em conjunto cada membro como parte indivisível
do todo”.
autoridade soberana, e vassalos, quando sujeitos às leis do Estado. Todavia, esses termos
frequentemente se confundem e são tomados um pelo outro. É suficiente saber distingui-
los, quando empregados em toda a sua precisão (ROUSSEAU, 1991, p. 31-34).
Saiba mais
Para saber mais sobre os pensadores estudados, leia:
SILVA, E. C. da. A democracia moderna em Montesquieu, Locke e
Rousseau. Gramsci e o Brasil, Minas Gerais, nov. 2007. Disponível em:
<http://www.acessa.com/gramsci/?id=823&page=visualizar>. Acesso em:
10 abr. 2018.
Resumo
Exercícios
A) Expansão de mercados.
B) Exacerbação do nacionalismo.
205
Unidade III
A) Alternativa incorreta.
Justificativa: com a crise econômica europeia, a expansão de mercados se configura como uma das
características imperialistas.
B) Alternativa incorreta.
C) Alternativa incorreta.
Justificativa: para escoar os bens produzidos na Europa, a expansão do controle territorial se tornou
uma configuração fundamental do imperialismo.
D) Alternativa correta.
E) Alternativa incorreta.
Justificativa: o colonialismo do século XIX e de começo do século XX buscava apoiar sua presença
nas áreas de exploração colonial sobre a base de interesses comuns e bilaterais, contribuindo com as
potências colonizadoras, segundo o pretexto imperialista, com os elementos da técnica e da civilização
para o gradual desenvolvimento das populações desses territórios, de acordo com Paulo Bonavides.
I – Proposição de que volume de exportações fosse maior que o de importações para que se
obtivesse uma balança comercial favorável nas colônias.
206
CIÊNCIA POLÍTICA
III – Proposição de aproximação entre as diversas sociedades e nações existentes por todo o
mundo, no âmbito econômico, social, cultural ou político.
A) I e II.
C) I e III.
D) II e III.
207
FIGURAS E ILUSTRAÇÕES
Figura 1
Figura 2
Figura 3
Figura 4
Figura 5
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Informações:
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