Tyego, Artigo 5 (No 10)
Tyego, Artigo 5 (No 10)
Tyego, Artigo 5 (No 10)
https://doi.org/10.21680/1984-817X.2021v17n2ID23590
Mateus Ferreira Galvão1
Introdução
negra recém liberta e de propor projetos nacionais para redefinir os novos rumos da
sociedade brasileira.
Juliano Moreira
Ou seja, o foco não estava relacionado a questão racial em si, mas, entre
outros motivos, à questão organicista individual e de instrução educacional.
Reforçando essa ideia, Juliano Moreira escreveu um artigo para o periódico Brazil-
Medico intitulado, A luta contra as degenerações nervosas e mentais (1922), e defendia de
forma direta uma luta contra as “degenerações mentais” que extrapolavam o muro
dos asilos dos alienados:
6Emil Kraepelin (1856-1926) foi um psiquiatra alemão e é comumente citado como o criador da
moderna psiquiatria e genética psiquiátrica.
“Perdoada seja esta suposta digressão cujo fim foi: primeiro, mostrar
que à má natureza dos elementos formadores de nossa nacionalidade
deve-se a nossa vasta degenerescência física, moral e social que
injustamente se tem ligado ao fato da mestiçagem.” (MOREIRA, 2011,
p.730)
Manoel Querino
Seguindo seus passos, especialmente em sua obra O colono preto como fator da
civilização brasileira, o pensamento de Manoel Querino seguia na contraposição do
pensamento hegemônico intelectual que considerava o negro como “um problema”
e traçava de forma positiva a “colonização” do povo negro no país. Desse modo,
demonstrava em seus escritos que o “colono africano” possuía conhecimentos
importantes na mineração, na agricultura, pecuária, na arte da navegação entre
outras habilidades essenciais para o desenvolvimento da nação. (QUERINO, 1980)
7Cito alguns: Jaime Sodré, Manoel Querino: um herói de classe e raça, Salvador, 2001; Jaime
Nascimento e Hugo Gama, Manoel Querino e seus artigos na Revista do Instituto Geográfico da
Bahia, Salvador, IHGB, 2009; Sabrina Gledhill, Travessias no Atlântico Negro: reflexões sobre
Booker T Washigton e Manoel R Querino, EDUFBA, 2020.
“Do convívio e colaboração das raças na feitura deste País, procede esse
elemento mestiço de todos os matizes, donde essa plêiade ilustre de
homens de talento que, no geral, representaram o que há de mais seleto
nas afirmações do saber, verdadeiras glórias da nação. Sem nenhum
esforço pudemos aqui citar o Visconde de Jequitinhonha, Caetano Lopes
de Moura, Eunápio Deiró, a privilegiada família dos Rebouças,
Gonçalves Dias, Machado de Assis, Cruz e Souza, José Agostinho,
Visconde de Inhomirim, Saldanha Marinho, Padre José Maurício, Tobias
Barreto, Lino Coutinho, Francisco Glicério, Natividade Saldanha, José
do Patrocínio, José Teófilo de Jesus, Damião Barbosa, Chagas, o Cabra,
João da Veiga Wdrici e muitos outros, só para falar dos mortos.
Circunstância essa que nos permite asseverar que o Brasil possui duas
grandezas reais: a uberdade do solo e o talento do mestiço.”
(QUERINO, 1980, p 156,157).
Comparações e desconexões
Nesse sentido, por mais estreitas que pareçam as atitudes desses ilustres
baianos em frente ao racialismo científico, as suas ações eram heterogêneas e
partiam de uma subjetividade específica. Segundo o sociólogo inglês Paul Gilroy:
8 Cito como exemplo o estudo recente realizado pela historiadora Sabrina Gledhill que usa o
conceito de Atlântico Negro ao comparar as similaridades das trajetórias e das táticas antirracialistas
de Manoel Querino no Brasil e de Booker T. Washington nos Estados Unidos (GLEDHILL,
2020).
9 Ver: GILROY, Paul. O Atlântico negro: modernidade e dupla consciência. Rio de Janeiro. Editora
Juliano Moreira era “mestiço” e seu pai um português, foi casado com a
enfermeira alemã Augusta Peick (SANTOS, 2020, p. 95) e vivenciou uma
experiência “cosmopolita”, conheceu a realidade europeia em suas viagens
acadêmicas e teve um consequente aumento do seu capital cultural que o orientava
nas suas reflexões sobre a sua própria inserção na modernidade. Em 1928 Moreira
viajou para o Oriente e conheceu de perto o Japão, isso acrescentou ainda mais seu
“aparato cosmopolita” e sua reordenação na batalha contra o racismo parece ter se
centrado nessa dinâmica.
cidadania como qualquer outro grupo étnico, enquadrados nos pressupostos das
hierarquias socias, não raciais, das “práticas políticas modernizadoras e
civilizatórias” (RIOS, 2016).
Por outro lado, Manoel Querino não teve a mesma experiência para além
das fronteiras nacionais, contudo, fez viagens pelo Nordeste, se estabeleceu por um
período no Rio de Janeiro e voltou a se fixar na Bahia (GLEDHILL, 2020). Em
atitudes antirracistas procurava elevar o negro a um patamar de destaque da
sociedade brasileira e nos meios de representação cultural. Suas atitudes seguiam a
trilha da “afrocentricidade” na tentativa de recomposição da tradição africana dentro
da modernidade, daí percebemos o “colono preto” como fator da civilização. Como
frequentador dos terreiros essa ligação tornava-se mais viva e a sua atuação na
direção do grupo carnavalesco negro Pândegos da África endossa ainda mais esse
fato. Os clubes carnavalescos negro foram atrações de importância considerada
durante o fim do século XIX na Bahia e durante esse período havia um desejo das
elites brancas em substituir o Entrudo10 pelo Carnaval de modelo europeu.
(ALBUQUERQUE; FRAGA FILHO, 2006, p. 226). A Embaixada Africana e os
Pândegos da África foram clubes carnavalesco negro de significativa repercussão e
“promoviam o candomblé nas ruas”, além de tematizar e idealizar a África em seus
desfiles. Segunda descrição de Wlamyra Albuquerque e Walter Fraga Filho
percebemos valiosos detalhes sobre os Pândegos da África:
10“Entrudo era a brincadeira com água, farinha e máscaras que desde o tempo da colônia garantia a
diversão dos foliões.” (ALBUQUERQUE; FRAGA FILHO, 2006, p. 226).
Diante desses fatos, sua atitude antirracista para incluir o negro dentro do
projeto civilizacional centrava-se na exaltação dos africanos e afrodescendentes
como colaboradores tão dignos, altivos e capazes como o homem branco. Essa
atitude era refletida tanto nos seus escritos como em seu cotidiano, podemos sugerir
que Querino buscava nos africanos e na África ligações para reforçar sua própria
identidade indesejada nos projetos nacionais forjados pelas elites intelectuais.
Considerações finais
11 Aqui faço alusão a obra “A Bahia de Outrora” lançada em 1916 do Manuel Querino.
inferioridade dos negros e mestiços parecem ecoar nos dias atuais. Esse eco será
mais perceptível se fizermos um exercício de aproximação entre as táticas e atitudes
antirracistas de Manuel Querino e Juliano Moreira e as práticas antirracistas
evocadas na atualidade.12
REFERÊNCIAS
12De acordo com o Manual Antirracista de Djamila Ribeiro podemos aproximar, com as devidas
ponderações, algumas atitudes antirracistas adotadas por Moreira e Querino evocadas em sua obra:
Enxergue a negritude; Transforme seu ambiente de trabalho; Leia autores Negros; Questione a
cultura que você consome; Combata a violência racial.