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RESUMO
Trata este paper de uma breve leitura sobre a obra Cem anos de Solidão, de Gabriel García
Márquez (1927), e Grande Sertão: Veredas, de João Guimarães Rosa (1908-1967). Estes dois
intelectuais latino-americanos no século XX se consagraram na literatura mundial. O primeiro
com o gênero Fantástico, e o segundo com uma narrativa regional mineira. Em Guimarães o lugar
escolhido para suas histórias era carinhosamente chamado por ele de “Mundo Sertão”, lugar
onde seus personagens ganharam vida e foram imortalizados em suas obras como, por exemplo,
Riobaldo em Grande Sertão: Veredas (1956). Já García Márquez descreve o realismo mágico em
seu romance Cem Anos de Solidão (1967). O lugar do enredo é uma cidade fictícia cercada de
acontecimentos inexplicáveis e sobrenaturais, chamada Macondo, da qual tudo emerge e para
onde tudo volta. Revolucionando a literatura mundial o romance de García Márquez foi lançado
em maio de 1967, e além das muitas tiragens esta obra lhe rendeu o Prêmio Nobel de Literatura
em 1982. Guimarães, por ironia do destino, não pôde ser agraciado com tão nobre Prêmio, em
virtude de sua morte súbita em 1967, aos 59 anos, três dias depois de tomar posse na Academia
Brasileira de Letras. Suas obras foram fonte de inspiração para o cinema, televisão, teatro e
música, diferente de García Márquez no que tange à obra aqui sinalizada. Sendo sete delas
publicadas: Sagarana (1946); Corpo de Baile (1956); Grande Sertão: Veredas (1956); Tutaméia –
Terceiras estórias, último livro publicado em vida por Guimarães em 1967, dentre outras.
1 INTRODUÇÃO
*Especialista em História e Cultura da América Latina (UNISUAM); Graduada em História pelo Centro Universitário
Augusto Motta (UNISUAM); [email protected]
**Doutora em Letras pela Universidade Federal Fluminense (UFF); Mestre em Letras pela Universidade Federal
Fluminense (UFF); Professora do Centro Universitário Augusto Motta (UNISUAM); [email protected]
1
A professora lecionou a disciplina Literatura e Cultura da América Latina no primeiro semestre de 2013 e orientou o
desenvolvimento deste artigo.
Segundo este mesmo escritor o estilo regionalista era velho conhecido dos círculos literários e,
[...] como outros escritores latino-americanos, foi capaz de fundir a perspectiva local
do regionalismo com os meios técnicos das vanguardas, para chegar a uma escrita
original e integrada, a cujo respeito pode-se falar de super-regionalismo (por analogia
com “surrealismo”). (CÂNDIDO, 1985, p. 94).
Guimarães Rosa encontrou nas palavras uma quarta dimensão. Elas estão pejadas
de novos sentidos. Mesmo apelando para os nossos sentidos poderíamos repetir
com Drummond que “cinco sentidos é tão pouco!” Especialmente quando se trata
de penetrar a obra de Rosa. As palavras estão nele sentidas e ressentidas, criadas
e recriadas. Quem conseguiria dizer como ele, falando de certo indivíduo que “ele
era um rico diabo bem-trapilho”?; “Enormes e desenormes”; “mudou e demudou”;
“essezinho, essezim”; “abriu em mim um susto; porque: passarinho que se debruça, o
vôo já está pronto”; “tosse, tossura da que puxa secos peitos”; “por isso é que se carece
O jornalista registrou o frissom que causou a indicação de Guimarães Rosa para a Academia
Brasileira de Letras, em 1963:
Guimarães Rosa, o genial escritor brasileiro que está invadindo o mundo com sua obra.
O espanto dos editores e da crítica de todos os países, que vem conhecer o singular
homem de letras, tem sido imenso. [...] Publicou na Suécia, na Alemanha na Noruega,
na Dinamarca, na Tchecoslováquia, na Holanda, na Finlândia, na Espanha. Em toda
parte a obra deste vulto extraordinário de nossa literatura está provocando acalorada
disputa pela prioridade de publicação. (ROSA, 1963)
Sabemos que estamos diante de uma grandiosíssima obra, daquelas que um editor tem
raríssima oportunidade de deparar no decurso de sua carreira”; [...] “o impacto causado
no público vai mudar completamente nossa atitude em face da literatura sul-americana”.
(ROSA, 1963)
Delineava-se, naquele momento, um novo panorama literário para a América Latina, explicitado
nas palavras da editora francesa. A indicação de García Márquez para o Prêmio Nobel de Literatura
em 1982 vem consolidar esse reconhecimento universal da produção literária sul-americana.
Portanto, seria falso dizer que foi a partir das referidas obras que o mundo conheceu
nossa literatura, mas o fato é que com elas os escritores latino-americanos ganharam mais
notoriedade no universo literário mundial. Permitindo, assim, expandir ainda mais a cultura
latino-americana, tão singular e tão distinta da que nos foi imposta desde a colonização.
É chegado o momento de conhecermos um pouco mais sobre os autores e o interior
de suas obras. Começaremos por Rosa, obedecendo a ordem de publicação dos romances
escolhidos. Em seguida, abordaremos García Márquez.
Assim que se graduou, e casado há pouco com sua jovem vizinha Lygia Cabral Penna,
partiu para Itaguara, situada a cerca de cem quilômetros de Belo Horizonte, onde
clinicou até 1932. A vida pacata em Itaguara, então distrito de Itaúna, na época com
no máximo setecentos habitantes, onde nem sequer havia eletricidade e até então
não havia residido um médico, deu-lhe tempo para coletar mentalmente dezenas de
histórias para o livro Sagarana. No período de não mais que dezoito meses na região,
observou personagens típicos e guardou de memória casos antigos e novos, verídicos,
improváveis ou fantasiosos, histórias de crimes e de feitiçarias, e detalhes minuciosos
de bichos e plantas, que encheram as quinhentas páginas dos originais de Sagarana,
escrito alguns anos depois. (GOULART, 2001, p. 13).
A experiência médica de Guimarães foi curta, porém de grande valia para suas futuras
criações literárias. Tanto é que
[...] em 1952, numa volta às origens realizou uma grande cavalgada pelo sertão mineiro,
tangendo uma boiada. Saiu das margens do Rio São Francisco em direção a Cordisburgo,
sua cidade natal. [...].Durante doze dias, acompanhou – da manhã à noite – homens e
bois, sempre com um caderno de notas pendurado no pescoço por um barbante e um
lápis a mão[...] Nos anos seguintes Rosa escreveu Corpo de baile e, pouco depois, no
mesmo fôlego, o romance Grande Sertão: Veredas (GOULART, 2011, p. 21).
E segue assim por toda a narrativa mostrando o ambiente geográfico com seus chapadões,
veredas, seus rios, animais, pássaros e os diversos sons que emanam desse universo sertão, que
ele Riobaldo conhecia tão bem de suas aventuras com jagunço. “Assim conheço as províncias do
Estado, não há onde eu não tenha aparecido”. (ROSA, 1994, p. 82).
Mundo que passou a admirar ainda mais por Diadorim: ”Mas eu gostava de Diadorim
para poder saber que estes gerais são formosos” (ROSA, 1994, p. 71). Mas o sertão não são só
paisagens bonitas lembra, é também lugar de violência e luta constante pela vida: “viver é muito
perigoso...” (ROSA, 1994, p. 113).
Duas inquietações o acompanham do narrador em toda a narrativa: uma é o amor
reprimido de Riobaldo por Reinaldo, que na realidade se chamava Diadorim, uma mulher vestida
de jagunço que entra no bando para vingar a morte de seu pai, Joca Ramiro. “Diadorim pôs a
mão em meu braço. Do que me estremeci, de dentro, mas repeli esses alvoroços de doçura”.
Riobaldo só descobre a verdadeira identidade de Diadorim no momento de sua morte, já
no final da narrativa:
Que Diadorim era o corpo de uma mulher, moça perfeita... Estarreci. A dor não pode
mais do que a surpresa[...]. “Ela era. Tal que assim se desencantava num encanto tão
terrível: e levantei mão para me benzer – mas com ela tapei foi um soluçar, e enxuguei
as lágrimas maiores. Uivei. Diadorim! Diadorim era uma mulher. Diadorim era mulher
como o sol não acende água no rio Urucúia, como eu solucei meu desespero. O senhor
não repare. Demore, que eu conto. A vida da gente nunca tem termo real. Eu estendi
a mão para tocar naquele corpo, e estremeci, retirando as mãos para trás, incendiável:
abaixei meus olhos. E a mulher estendeu a toalha, recobrindo as partes. Mas aqueles
olhos eu beijei, e as faces, a boca. Adivinhava os cabelos. Cabelos que cortou com
tesoura de prata...Cabelos que, no só ser, haviam de dar para baixo da cintura...E eu
não sabia por que nome chamar, eu exclamei me doendo:
– “Meu amor!” (ROSA, 1994, p. 86).
Existe não existe, pergunta várias vezes a seu interlocutor, que lhe garante que o Demo não
existe. Num primeiro momento Riobaldo parece concordar com o ouvinte: “as ideias instruídas
do senhor me fornecem paz. Principalmente a confirmação, que me deu, de que o tal não existe;
pois é não?” (ROSA, 1994, p. 87). Mas depois enumera uma série de outros nomes pelos quais
se conhece no sertão o Demo:
E então exclama: “Pois, não existe! E se não existe como é que se pode contratar pacto
com ele?” (ROSA, 1994, p. 87). Permanecendo cético por toda a narrativa, no final ele conclui: “O
diabo não há! É o que eu digo, se for...Existe é homem humano. Travessia”. (ROSA, 1994, p. 88)
Ao final do livro, o narrador agradece ao interlocutor por ter lhe ouvido e encerra a
conversa:
Amável o senhor me ouviu, minha ideia confirmou: que o Diabo não existe. Pois não?
O senhor é um homem soberano circunspecto. Amigos somos. Nonada. O diabo não
há! É o que eu digo, se for... Existe é homem humano. Travessia. (ROSA, 1994, p. 86).
[...] empurrou a porta do quarto e quase se sufocou com o cheiro de pólvora queimada,
e encontrou José Arcadio caído de bruços no chão, sobre as polainas que acabara de
tirar, (...) Não encontraram nenhuma ferida no seu corpo nem puderam localizar a
arma. Tampouco foi possível tirar o penetrante cheiro de pólvora do cadáver. Primeiro
o lavaram três vezes com sabão e bucha, depois o esfregaram com sal e vinagre, em
seguida com cinza e limão, e por último o meteram num tonel de água sanitária e
o deixaram repousar seis horas. Quando conceberam o recurso desesperado de
temperá-lo com pimenta, cominho e folhas de louro e fervê-lo um dia inteiro em fogo
lento, já começara a se decompor, e tiveram que enterrá-lo às pressas. [...] o cemitério
continuou cheirando a pólvora até muitos anos mais tarde, quando os engenheiros da
companhia bananeira recobriram a sepultura com uma couraça de cimento aramado.
(MÁRQUEZ, 1967, p. 125-126).
Fernanda sentiu que um delicado vento de luz lhe arrancava os lençóis das mãos e
os escondia em toda a sua amplitude. Amaranta sentiu um tremor misterioso nas
rendas das suas anáguas e tratou de se agarrar no lençol para não cair, no momento
em Remédios, a bela começava a ascender [...] através do ar onde as quatro da tarde
terminavam, e se perderam com ela para sempre nos altos ares onde nem os mais
altos pássaros da memória a podiam alcançar. (MÁRQUEZ, 1967, p. 219).
Outro momento fantástico é a morte de Amaranta, que se faz mensageira por meio do
correio da morte entre vivos e mortos:
Amaranta se metera na cabeça que poderia reparar toda uma vida de mesquinharia com
um último favor ao mundo, e pensou que nenhum era melhor do que levar carta aos
mortos. A notícia de que Amaranta Buendía zarpava ao crepúsculo, levando o correio da
morte, foi divulgada em Macondo antes do meio-dia e, às três da tarde, já havia na sala
um caixote cheio de cartas. Os que não quiseram escrever deram a Amaranta recados
verbais que ela anotou numa caderneta, com o nome e a data de morte do destinatário.
“Não se preocupe”, tranquilizava os remetentes. ”A primeira coisa que farei ao chegar
será perguntar por ele, e então darei o seu recado”. (MÁRQUEZ, 1967, p. 256).
E claro as constantes visitas do morto Prudêncio Aguilar, morto por José Arcádio Buendía,
em uma briga de rinha de galo. Desde que Melquíades morrera e dera notícias do povoado,
Prudêncio Aguilar passou a visitar José Arcadio Buendía amarrado embaixo do castanheiro
desde o seu ataque de loucura.
Úrsula se dá conta que: “Na longa história da família, a tenaz repetição dos nomes permitira
que ela tirasse conclusões que lhe pareciam definitivas. Enquanto os Aurelianos eram retraídos,
mas de mentalidade lúcida, os Josés Arcadios eram impulsivos e empreendedores, mas estavam
marcados por um signo trágico” (MÁRQUEZ, 1967, p. 169).
Os Aurelianos terão, ao longo da história, a missão de desvendar os misteriosos pergaminhos
de Melquíades, o Cigano, que foi amigo de José Arcadio Buendía. “Estes pergaminhos têm
encerrados em si a história dramática da família e apenas serão decifrados quando o último da
estirpe estiver às portas da morte.” (MÁRQUEZ, 1967, p. 175). Ou seja por Aureliano, filho de
Amaranta Úrsula e Aureliano Babilônia.
Úrsula confirmou a sua impressão de que o tempo estava dando voltas num circulo vicioso.
“o mundo dá voltas” (MÁRQUEZ, 1967, p. 205), ou seja, tudo ocorre ciclicamente, numa eterna
repetição. A introdução de espelhos onde as personagens, de quando em quando, se olham
e veem sua figura retratada, percebendo assim o seu envelhecimento, também é um recurso
usado pelo autor para mencionar a passagem do tempo.
No final do enredo, Aureliano Babilônia, sentado na cadeira de balanço da sala de estar,
observa seu filho recém-nascido ser carregado pelas formigas. Naquele momento descobre a
chave que faltava para decifrar os pergaminhos:
Aureliano não conseguiu se mover. Não porque estivesse paralisado pelo horror, mas
porque naquele instante prodigioso revelaram-se as chaves definitivas de Melquíades
e viu a epígrafe dos pergaminhos perfeitamente ordenada no tempo e no espaço dos
homens: “O primeiro da estirpe está amarrado a uma árvore e o ultimo está sendo
comido pelas formigas”. E foi assim que Aureliano começou a decifrar os pergaminhos
e percebeu que “Era a história da família, escrita por Melquíades inclusive nos detalhes
mais triviais com cem anos de antecipação. (MÁRQUEZ, 1967, p. 382).
Aureliano pulou onze páginas para não perder tempo com fatos conhecidos demais e
começou a decifrar o instante que estava vivendo, decifrando-o à medida que o vivia,
profetizando-se a si mesmo no ato de decifrar a última página dos pergaminhos, como
se estivesse vendo a si mesmo num espelho falado [...] Entretanto, antes de chegar ao
final já tinha compreendido que não sairia nunca daquele quarto, pois estava previsto
que a cidade dos espelhos (ou das miragens) seria arrasada pelo vento e desterrada da
memória dos homens, no instante em que Aureliano Babilônia acabasse de decifrar os
pergaminhos e que tudo o que estava escrito neles, era irrepetível desde sempre e por
todo o sempre, porque as estirpes condenadas a cem anos de solidão não tinham uma
segunda oportunidade sobre a terra. (MÁRQUEZ, 1967. p. 383).
Nota-se que o estado de desamparo do ser humano é representado como jamais foi nessa
obra de literatura fantástica criada por Márquez. Márquez é grande responsável, por sua obra,
pela projeção da América Latina e difusão de nossa cultura.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
This paper deals with a brief Reading of the work Cem anos de solidão, by Gabriel Garcia Márquez
(1927-2014), and Grande Sertão: Veredas, by João Guimarães Rosa (1908-1967). These two Latin-
american intelectuals of the 20th century became famous in the worldwide literature. The first
one with the fantastic genre and the second one with a regional narrative of Minas Gerais. The
place chosen by Guimarães Rosa was tenderly named by himself as “Mundo Sertão”, where his
characters came to life and were immortalized in his Works as, for example, Riobaldo in Grande
Sertão: Veredas (1956). Garcia Márquez describes the magic realism in his novel Cem anos de
solidão (1967). The place of the plot is a fictitious city full of inexplicable and supernatural events,
named Macondo, where everything comes from and everything goes back to. Revolutioning
the worldwide literature, the novel of Garcia Márquez was published in May 1967 and, bisides
many copies, this work gave him the Nobel Prize of Literature in 1982. Guimarães, by irony of
destiny, could not receive the great noble prize because of his sudden death in 1967, when he
was 59, three days after having taken his palce in the Brazilian Letters Academy. His Works were
the bases of inspiration for the cinema, theater and music, differently from Garcia Márquez in
relation to the work mentioned here. Seven works were published: Sagarana (1946); Corpo de
Baile (1956); Grande Sertão: Veredas (1956); Tutameia – third stories, the last book published
when he was still alive, among others.
REFERÊNCIAS
ARAÚJO, Heloísa Vilhena de. Guimarães Rosa: Diplomata. Brasília, DF: Fundação Alexandre
Gusmão, 2007. Disponível em: <http://www.funag.gov.br/biblioteca/dmdocuments/0676.pdf>.
Acesso em: 25 fev. 2013.
BÁEZ, Fernando. A história da destruição cultural da América Latina. São Paulo: Nova
Fronteira, 2010.
CÂNDIDO, Antonio. Literatura e Sociedade. 7. ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional,
1985.
MÁRQUEZ, Gabriel García. Cem anos de Solidão. Buenos aires: Sudamericana, 1967.
ROSA, João Guimarães Rosa. As margens da Alegria; A Terceira Margem do Rio; O cavalo que
bebia cerveja e outros contos. Disponível em: <http://valiteratura.blogspot.com.br/2010/06/
primeiras-historias-joao-guimaraes-rosa.html>. Acesso em: 23 fev. 2013.
______. Grande Sertão Veredas. São Paulo: Nova Aguilar, 1994. Disponível em: <http://www.4shared.
com/office/yzwkI-Yp/joo_guimares_rosa_-_grande_ser.html>. Acesso em: 24 fev. 2013.