Livro-Texto - Unidade II
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Unidade II
5 HISTÓRICO DAS CONFERÊNCIAS E DECLARAÇÕES EM POLÍTICAS DE SAÚDE
Já discorremos sobre os aspectos que implicam o processo saúde‑doença. Com isso, vimos o quão
importante é a relação de fatores sociais, pois estes condicionam a saúde da população. Agora falaremos
dos espaços onde são feitas essas discussões, que são as conferências de saúde, apresentando os
documentos que nascem como “produtos” dessas interações coletivas.
Durante a década de 1960, o amplo debate realizado em várias partes do mundo realçando a
determinação econômica e social da saúde abriu caminho para a busca de uma abordagem positiva
nesse campo, visando superar a orientação predominantemente centrada no controle da enfermidade.
Houve necessidade, portanto, de discussões que começassem a tratar os aspectos que envolvessem a
promoção da saúde, e não a doença em si (BUSS; FERREIRA, 2000).
Esses autores ainda afirmam que entre os inúmeros intentos registrados com tal orientação
merecem destaque especial a abertura da China Nacionalista ao mundo exterior. Nesse contexto,
foram observadas grandes e primeiras missões de observação de especialistas ocidentais
promovidas pela OMS, sob a liderança de Halfdan Mahler (1973‑1974), e o movimento canadense
desenvolvido a partir do Relatório Lalonde (1974), posteriormente reforçado no relatório de 1986,
que tratava de saúde para todos.
Com isso, iniciam‑se as conferências internacionais sobre promoção da saúde. Além da OMS,
setores representativos de vários países participam desses eventos, tais como a Organização
Pan‑Americana de Saúde (Opas) e Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), em defesa
da ampliação dos campos de ação em saúde e abordagens mais efetivas para o real alcance dos
objetivos traçados.
O objetivo principal dessas conferências é promover o suporte das ideias e medidas necessárias para
as ações em saúde. O resultado da discussão aberta e organizada em cada conferência é expresso por
meio da elaboração final de um documento em defesa da promoção da saúde, salientando o bem‑estar
de todos os povos como requisito essencial para o desenvolvimento dos países e, consequentemente,
para a manutenção da paz mundial.
pela OMS e Unicef a Primeira Conferência Internacional sobre Cuidados Primários de Saúde, na
cidade de Alma‑Ata, no Cazaquistão. Assistida por mais de 700 participantes, dessa reunião resultou a
elaboração da Declaração de Alma‑Ata, um documento que reafirmou o significado de saúde como um
direito humano fundamental e como uma das mais importantes metas mundiais para a melhoria social.
De acordo com a Declaração de Alma‑Ata, ações no sentido de limitar a desigualdade social deveriam
ser estimuladas e adotadas por todos os países. Isso deveria ocorrer para que a meta de saúde universal
fosse atingida, diminuindo a lacuna existente entre os países em desenvolvimento e os desenvolvidos.
Para tanto, o investimento em atenção primária seria a chave para uma promoção da saúde
equânime e abrangente, por meio de medidas de prevenção e educação em saúde. Chegou‑se, então, ao
consenso de que a promoção da saúde é essencial ao contínuo desenvolvimento econômico e social, à
manutenção da melhoria da qualidade de vida dos homens e à manutenção da paz mundial.
• III Conferência Latino‑americana de Promoção da Saúde e Educação para a Saúde (São Paulo, 2002);
Certamente, uma das primeiras observações relativas ao cuidado da saúde que extrapola a tradicional
abordagem da atenção médica constitui o relato das missões enviadas à China em 1973 e 1974, referindo
um conjunto de atividades para a melhoria da saúde, predominantemente realizadas em ambiente rural
e desenvolvidas pelos chineses desde 1965, com a inclusão das seguintes ações:
É importante notar que a proposição era correta e desde o princípio apontava na direção da
nova concepção de promoção da saúde, embora não totalmente delineada, porém já valorizando a
saúde como componente central do desenvolvimento humano, ressaltando, sem usar a terminologia
de determinantes da saúde, os fatores necessários para assegurar a qualidade de vida e o direito ao
bem‑estar social.
Entretanto, estes últimos instintivamente concediam maior prioridade à perpetuação das atividades
com as quais estavam mais familiarizados, que eram justamente aqueles que estão referidos no item V
(destacado a seguir). Além disso, mais diretamente relacionados com os problemas de saúde – são e estão
consideradas no seu sentido clássico de ausência de enfermidade, e não como o completo bem‑estar físico,
mental e social que a própria OMS havia considerado antes, em um gesto, talvez, de excesso de otimismo.
Destacamos a seguir alguns pontos principais da Declaração de Alma‑Ata que demonstram sua clareza:
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EPIDEMIOLOGIA E SAÚDE PÚBLICA
No que diz respeito à atenção primária em saúde, não há dúvida da importância da Declaração de Alma‑Ata.
Foi a primeira vez na história da saúde pública que se considerou o seguinte fato: se os países de fato
investissem nesse eixo de atenção em saúde, muitos dos problemas e demandas de saúde da população
poderiam ser minimizados, principalmente se levarmos em consideração a abordagem de prevenção
defendida por Leavel e Clark (1976), conforme já estudamos.
Assim, podemos dizer que a Declaração de Alma‑Ata foi formulada por ocasião da Conferência
Internacional sobre Cuidados Primários de Saúde, reunida em Alma‑Ata, na República do Cazaquistão
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Unidade II
Tal documento apresenta dez itens que enfatizam a atenção primária à saúde (cuidados de saúde
primários), salientando a necessidade de atenção especial aos países em desenvolvimento.
Defende a busca de uma solução urgente para estabelecer a promoção de saúde como uma das
prioridades da nova ordem econômica internacional, responsabilizando os governos, a OMS, a Unicef e
as demais entidades e organizações.
Com esse perfil e essa característica de “olhar” para a atenção primária em saúde é que a declaração
é eleita pela OMS como sendo um marco, ou melhor, a chave para que seja estabelecida a promoção de
saúde em caráter universal.
Mesmo que os primeiros itens da declaração reafirmem a definição de saúde defendida pela
OMS, como o completo bem‑estar físico, mental e social, e não simplesmente a ausência de doença
ou enfermidade, tais itens são defendidos como direito fundamental e como a principal meta social
de todos os governos. Dessa forma, notamos que já existe nela a proposta de que a desigualdade
social poderá interferir na adoção de políticas de saúde e que os países “em desenvolvimento”
estão muito distantes dos desenvolvidos quando se trata de medidas governamentais que possam
diminuir essa distância.
O documento enfatiza que os países devem buscar como objetivo comum a saúde, ressaltando‑a
como um fator que contribui para a qualidade de vida e paz mundial. Também responsabiliza todos os
países para que esse “bem” seja enxergado como direito e dever de todos, seja nos âmbitos sociais, seja
nos aspectos coletivos.
A temática principal dessa conferência era a Promoção da Saúde nos Países Industrializados. O
evento realizou‑se em Ottawa, Canadá (1986). Havia grande expectativa mundial por uma saúde pública
eficiente, partindo dos países industrializados e estendendo tal necessidade aos demais países.
O que se pôde perceber é que essa Conferência deixa claro a inter‑relação existente entre os
conceitos de atenção primária de saúde, promoção da saúde, cidades saudáveis e, além disso, estabelece
itens de grande importância, como: a abordagem intersetorial, a participação e a responsabilidade da
sociedade na formulação de políticas favoráveis à saúde e a uma melhor qualidade de vida, com ênfase
em ambientes saudáveis e equidade, campos que até hoje constituem importantes desafios em se
tratando de SUS.
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EPIDEMIOLOGIA E SAÚDE PÚBLICA
Por último, observa‑se que é o primeiro “espaço” onde se discute também a reorientação do
sistema de serviços de saúde; mesmo não sendo o foco principal, a Conferência estabelece que é muito
importante essa redefinição e fortalecimento dos serviços para que sejam alcançados a efetividade, a
eficácia e a resolutividade das demandas de saúde da população.
Mesmo que a Conferência tenha sido, antes de tudo, uma resposta à crescente demanda por
uma nova concepção de saúde pública no mundo, observou‑se que as discussões foram centradas
nas necessidades dos países industrializados e, além disso, foram levados em consideração também os
problemas que atingem as demais regiões. Isso reafirma o conteúdo democrático de tal documento.
Os países que estiveram representados nessa Conferência foram os seguintes: Antígua, Austrália,
Áustria, Bélgica, Bulgária, Canadá, Checoslováquia, Dinamarca, Escócia, Espanha, Estados Unidos da
América, Finlândia, França, Gana, Holanda, Hungria, Inglaterra, Irlanda do Norte, Islândia, Israel, Itália,
Iugoslávia, Japão, Malta, Nova Zelândia, Noruega, País de Gales, Polônia, Portugal, República Democrática
da Alemanha, Republica Federal da Alemanha, República da Irlanda, Romênia, Saint Kitts e Nevis, Suécia,
Sudão, Suíça e União Soviética.
Um dos pontos mais relevantes desse documento é a promoção da saúde, que é definida como uma
maneira de proporcionar às populações as formas e meios necessários para que seja efetivado o processo
de melhora de sua saúde, além de conferir ao indivíduo o poder de exercer maior controle sobre ela.
A proposta da carta está voltada para a questão do alcance ao completo bem‑estar físico, social e
mental, pois isso é condição fundamental para que se reconheça na prática a capacidade de um grupo
de indivíduos ou uma única pessoa de identificar e realizar seus objetivos e/ou aspirações, bem como
satisfazer às suas necessidades, mudando ou adaptando‑se ao meio ambiente. Dessa forma, a proposta
de alcance é bem factível.
Para tal, a Carta de Ottawa oferece subsídios e discute um pouco sobre quais são os pré‑requisitos,
ou seja, quais as formas, trâmites e meandros que deverão ser levados em consideração para que as
condições de saúde sejam atingidas. No quesito coletividade, podemos destacar: a paz, a educação, a
moradia, a alimentação, a renda, um ecossistema estável, a justiça e a equidade social. Para que esses
processos de melhora da saúde ocorram, é preciso seguir os pré‑requisitos descritos.
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Unidade II
Aprofundando essa questão, temos a necessidade de discutir o conceito relacionado a uma boa
saúde. Nesse debate, devemos estabelecer qual a melhor forma ou modo de se conquistar recursos para
o progresso pessoal, econômico e social, pois isso vai repercutir‑se numa dimensão importante, que é a
da qualidade de vida, o que implica boa saúde.
Evidente que os fatores relacionados à prevenção são de suma importância. Vimos que tais aspectos
seriam aqueles associados às implicações políticas, econômicas, sociais, culturais, e biológicas, de
meio ambiente e de conduta. Então, a proposta é de perceber e proporcionar que os fatores estejam
exclusivamente voltados para que as condições de saúde sejam sempre favoráveis, positivas e, de fato,
possam configurar a promoção de saúde.
Um dos patamares a serem alcançados pela promoção da saúde é justamente a equidade sanitária.
Com isso, sua ação tem o objetivo de reduzir as diferenças no atual estado da saúde e assegurar a
igualdade de oportunidades, promover os meios que permitam a toda população desenvolver ao máximo
seu potencial de saúde potencial. Dessa forma, considera o potencial residual, ressaltando as diferenças
individuais e promovendo condições iguais e reais de desenvolvimento e progresso.
A saúde plena também poderá ser alcançada, desde que o indivíduo tenha condições de assumir o
controle de tudo e de todas suas atividades. Se isso de fato não for possível, algumas questões podem
prejudicar e impactar seu estado de saúde.
Observação
A promoção da saúde exige a ação coordenada de todos os envolvidos: representantes dos governos,
dos setores sanitários e de outros setores sociais e econômicos, bem como as organizações beneficentes,
as autoridades locais, a indústria e os meios de comunicação estarão envolvidos em conjunto com o setor
sanitário, já que não se pode responsabilizar somente este último. Essa ação integrada e coordenada
será realizada na perspectiva de proporcionar as condições prévias para que sejam estabelecidos os
requisitos favoráveis para haver saúde.
Famílias, comunidades, indivíduos de todos os meios sociais podem participar desse processo,
portanto, não existem restrições de pessoas na participação. Obviamente, caberá aos grupos sociais
e profissionais e ao pessoal do grupo sanitário assumir a responsabilidade de atuar como mediadores
entre os interesses que são divergentes.
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EPIDEMIOLOGIA E SAÚDE PÚBLICA
A participação ativa na promoção da saúde implica, sobretudo, a participação ativa, o que exige a
elaboração de uma política pública saudável e aplicável.
Então, a saúde deve ser pauta institucional da agenda do governo em todas suas instâncias. Com isso,
não se deve somente cuidar da saúde, mas reconhecer que, para promovê‑la, é preciso transcendê‑la. O
Poder Público deve se conscientizar de que é totalmente responsável por suas ações. Se atuar devidamente,
pode mudar a vida de muitas pessoas para melhor; porém, se houver omissão, pode causar calamidades.
Fica claro que a ação conjunta contribui para assegurar a existência de bens e serviços mais seguros,
melhor higiene nos serviços públicos e um meio ambiente mais limpo. Portanto, a política de promoção
da saúde deve combinar enfoques múltiplos, permitindo que os diversos aspectos que a compõem
se complementem e configurem a legislação, as medidas fiscais, o sistema tributário e as mudanças
organizacionais. É a ação coordenada que promove a prática da política sanitária, monetária e social,
ensejando uma sociedade equânime.
Essa política requer que se identifiquem e eliminem os obstáculos que impeçam a adoção de medidas
políticas que favoreçam a saúde nos setores não diretamente intrínsecos a ela, fazendo que a sociedade
possa desfrutar das ações de promoção de saúde.
Portanto, nesse contexto, surge um princípio que deverá ser o grande norteador, ou seja, deverá
guiar o mundo, as nações e as comunidades, com o dever de fomentar o apoio recíproco, para que
protejamos uns aos outros, assim como nossas comunidades e meio natural. Além disso, deve‑se
destacar que a conservação e manutenção dos recursos naturais, isso em todo o mundo, é e sempre será
uma responsabilidade mundial.
É sabido que o trabalho e o lazer devem ser fonte de saúde para a população. Assim, as mudanças
desses cenários afetam sobremaneira os aspectos relacionados à saúde. Nesse sentido, a sociedade
deverá organizar o trabalho de forma que contribua para a criação e manutenção de uma sociedade
saudável. O que se espera quando se tem uma promoção da saúde bem estabelecida e planejada é que
ela possa criar condições agradáveis, seguras e estimulantes, que de fato dignifiquem a figura humana.
De uma forma geral, a proteção de ambientes naturais e artificiais, assim como a conservação dos
recursos naturais, deve fazer parte das prioridades de todas as estratégias de promoção da saúde. Assim,
é essencial que se realize uma avaliação sistemática do impacto que as mudanças do meio ambiente
produzem na saúde, particularmente nos setores da tecnologia, trabalho, energia, produção e urbanismo.
Essa avaliação deve ser acompanhada de medidas que garantam o caráter positivo dos efeitos dessas
alterações. Quando bem empregada, especialmente pelos governantes, a promoção da saúde poderá
assumir essa interface.
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Unidade II
Nesse processo, destaca‑se a contribuição para que a participação efetiva e concreta da comunidade
seja voltada para a determinação e eleição de prioridades na tomada de decisões e na elaboração
e desenvolvimento de estratégias para alcançar melhor nível de saúde. Por isso que o engajamento
político na participação popular e nas comunidades é de extrema importância.
Para tal prática, deve ficar claro que o desenvolvimento da comunidade baseia‑se nos recursos
humanos e materiais com que conta tanto para estimular a independência e apoio social, quanto para
desenvolver sistemas flexíveis, que reforcem a participação pública e o controle das questões sanitárias.
Esse processo exige um total e contínuo acesso à informação e às medidas sanitárias, assim como a
auxílio financeiro, já que o cuidado e a manutenção dos recursos hídricos são fundamentais para que
essa proposta seja efetivada.
Ter os meios necessários é essencial para que a população se prepare para as diferentes etapas
e enfrente as enfermidades e lesões crônicas. Isso só será possível por meio de escolas, lares, locais
de trabalho e ambiente comunitário. Contudo, é preciso que haja participação ativa por parte das
organizações profissionais, comerciais e beneficentes. Nesse processo, as atividades socioeducativas
mais uma vez têm grande valor.
A responsabilidade deve ser compartilhada, e todos devem trabalhar em conjunto para se conseguir
um sistema de proteção da saúde. Nesse contexto, incluímos que a responsabilidade pela promoção da
saúde por parte dos serviços sanitários também poderá ser dividida.
O setor sanitário deve exercer um papel cada vez maior na promoção da saúde, de tal forma que
transcenda a mera responsabilidade de proporcionar serviços clínicos e médicos que não ofereçam
risco sanitário. Esses serviços devem tomar uma nova orientação, que seja sensível às necessidades
culturais e respeite as particularidades dos indivíduos; devem, inclusive, estar passíveis às adaptações
que a sociedade, cultura e comunidade permitem.
Atualmente, pretende‑se gerar uma mudança que produza efeito expressivo na atitude e na
organização dos serviços sanitários, o que exige maior atenção à investigação sanitária, assim como às
mudanças na educação e na formação profissional.
A comunidade, baseada na coletividade, e o indivíduo que a compõe precisam saber que a saúde vive
e se cria na vida cotidiana, ou seja, nos centros educacionais, no trabalho e no lazer.
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EPIDEMIOLOGIA E SAÚDE PÚBLICA
Lembrete
Para o desenvolvimento de estratégias para a promoção da saúde, os cuidados com o próximo, assim
como o planejamento integral e ecológico da vida são essenciais. Tais fatores representam a premissa
básica para iniciar as ações em saúde coletiva.
Dessa forma, o comprometimento dos participantes da Conferência fica restrito a uma série de
ações, que resultarão no planejamento da promoção da saúde e, assim, eles se comprometem a:
• Exigir, do ponto de vista político, que o compromisso firmado entre gestão e comunidade seja
efetivo e coerente, principalmente no que concerne à saúde e equidade em todos os setores.
• Lutar por situações que se afastam dos maus produtos, meios e condições de vida insalubres, má
nutrição e destruição dos recursos naturais, comprometendo‑se, ainda, a focar sua atenção em
questões de saúde pública, que recaem em aspectos de impacto ambientais, sociais e de trabalho, tais
como: a contaminação, riscos profissionais, invasão e crescimento desordenado de áreas não povoadas.
• Proporcionar que não haja diferenças entre as diversas sociedades e entre os indivíduos que fazem
parte delas, bem como tomar medidas contra as desigualdades, inclusive em termos de saúde, que
sejam resultado do que se pratica nessas sociedades.
• Saber e reconhecer na prática que os indivíduos são a principal fonte de saúde. Com isso, permitir
que as ações, de uma forma geral, possam apoiá‑los e capacitá‑los em todos os níveis para que
eles, suas famílias e amigos mantenham um bom estado de saúde, essa é a prerrogativa das
ações de promoção em saúde pública. Em se tratando de coletividade, esses indivíduos devem se
comprometer a aceitar que a comunidade é o porta‑voz fundamental no quesito saúde, condições
de vida e bem‑estar geral.
• Considerar a questão ambiental e ecológica, bem como seu impacto em nossas formas e modos
de vida.
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Unidade II
A prerrogativa da Carta da Conferência era atingir a “Saúde para Todos no Ano 2000”, se os povos,
as organizações governamentais e não governamentais, a Organização Mundial de Saúde (OMS) e todos
os demais organismos interessados juntassem esforços para a promoção da saúde e em conformidade
com os valores sociais e morais inerentes a esta.
Além desses aspectos, o encontro favoreceu um diálogo aberto entre leigos e profissionais
da saúde e de outros setores, entre representantes dos órgãos governamentais, comunitários e
associações beneficentes, assim como entre políticos, administradores e técnicos sanitários,
configurando um movimento democrático e de participação popular que extrapola o controle
social. A reunião respeitou as posições de cada eixo representativo em destaque nas ações de
promoção da saúde.
Como resultado, percebeu‑se que os esforços dos participantes promoveram a coordenação para
elaboração de um documento que claramente traduziu os interesses individuais e coletivos, que foi o
lançamento da proposta Saúde para Todos no ano 2000.
O evento foi considerado um avanço enorme, porque se criou um novo conceito de saúde pública, e
reconhecido em nível internacional. Quando implantando por alguns países, trouxe experiências exitosas
para as comunidades que conseguiram se organizar nesse processo e que hoje discutem a promoção de
saúde como prerrogativa da organização do cuidado e dos serviços de saúde, melhorando o acesso, a
resolutividade, a efetividade e qualidade da assistência prestada.
Observação
Então, estabeleceu‑se que a periodicidade para realização dessas reuniões deveria ser de quatro
anos. Para tal, é preciso que haja a participação dos movimentos sociais organizados, das entidades
ligadas à área da saúde, dos gestores e dos prestadores de serviços de saúde.
Os indivíduos podem ser convocados pelo Poder Executivo, ou de forma extraordinária, pelos
Conselhos de Saúde. E o fato de serem importantes instrumentos de participação da sociedade nas
questões que implicam organização, deliberações e definições de diretrizes, faz com que sirvam, por
meio dos seus documentos, de base para e elaboração, construção e execução de planos de saúde em
cada uma das instâncias governamentais, definindo ações que são prioritárias e específicas nos âmbitos
municipais, estaduais e federal.
Pode‑se concluir que nesses espaços criados pelas conferências é que a sociedade se articula para
garantir os interesses e reais necessidades da população na área da saúde, assegurando, assim, que os
princípios, doutrinas e diversas formas de pensar o SUS possam ser asseguradas, ampliando junto à
sociedade, de forma segura e correta, informações que são importantes, inclusive para o fortalecimento
do sistema.
Também vamos estudar o impacto que a gestão participativa representa nas questões de saúde
pública do país e, além disso, como tudo isso poderá fortalecer os aspectos e participação na organização,
planejamento e execução do SUS, situações que são de extrema importância para que o nosso “patrimônio”
possa de fato estar assegurando as necessidades e demandas de saúde da população brasileira.
Observação
135
Unidade II
Saiba mais
Exemplo de aplicação
Você será gestor em saúde de um município brasileiro com quase 200 mil habitantes, atuando
como secretário municipal de saúde. Sabemos que uma das ações que fazem alusão à participação
da população nos processos de implantação e implementação do SUS é justamente a organização da
Conferência Municipal de Saúde. Baseando‑se nessa premissa, faça um esquema simples para organizar
esse evento, fazendo que este seja participativo e democrático.
Agora vamos construir uma base teórica e histórica que discorrerá sobre como foram se desenvolvendo,
ao longo dos anos, as políticas de saúde no Brasil, compreendendo qual foi a real necessidade da proposta
do nosso SUS.
Deve‑se ressaltar o fato de que o atual modelo de prestação de serviços de saúde do Brasil hoje
visto e entendido como o SUS é resultado de um processo histórico de lutas do Movimento Sanitário
Brasileiro, intensificado a partir dos anos 1970 e 1980, em consonância com as lutas pelo processo de
redemocratização da sociedade brasileira (PEREIRA, 2003).
Segundo Polignano (2012), para analisarmos a história das políticas de saúde no país, é preciso
definir alguns itens importantes. A princípio, destaca a relevância de se entender como a evolução
histórica das políticas de saúde está relacionada diretamente à evolução político‑social e econômica da
sociedade brasileira. Defende, ainda, que o processo evolutivo sempre obedeceu à ótica do avanço do
capitalismo na sociedade nacional.
Concluindo, o autor designa que a saúde jamais foi o foco principal de nosso país, sempre
sendo relegada a um papel secundário. Nesse contexto, esta obra vai discorrer sobre a trajetória do
desenvolvimento das políticas públicas de saúde no Brasil até o momento em que o SUS foi idealizado,
como foi implantado e a forma como tem sido aplicado no Brasil.
136
EPIDEMIOLOGIA E SAÚDE PÚBLICA
Em nosso processo de colonização não havia qualquer modelo de saúde, e isso não foi sequer
cogitado pelo governo de Portugal.
Desse modo, a atenção à saúde limitava‑se aos próprios recursos da terra (plantas, ervas) e
àqueles que, por conhecimentos empíricos (curandeiros), desenvolviam as suas habilidades na
arte de curar.
A vinda da família real ao Brasil criou a necessidade da organização de uma estrutura sanitária
mínima, capaz de dar suporte ao poder que se instalava na cidade do Rio de Janeiro.
Até 1850 as atividades de saúde pública estavam limitadas à delegação das atribuições sanitárias
perante as juntas municipais e ao controle de navios e saúde dos portos.
O tipo de organização política daquela época era de um regime de governo unitário e centralizador,
que era incapaz de dar continuidade e eficiência na transmissão e execução a distância das determinações
emanadas dos comandos centrais.
A carência de médicos no Brasil Colônia e no Brasil Império era enorme. No Rio de Janeiro, em 1789,
só havia quatro médicos exercendo a profissão. Em outros estados brasileiros eram mesmo inexistentes
(POLIGNANO, 2012).
A inexistência de uma assistência médica estruturada fez com que proliferassem pelo país os
boticários (farmacêuticos). Aos boticários cabiam a manipulação das fórmulas prescritas pelos médicos,
mas a verdade é que eles próprios tomavam a iniciativa de indicá‑los, fato muito comum e observado
até hoje.
Em 1808, Dom João VI fundou o Colégio Médico‑Cirúrgico no Real Hospital Militar, na cidade de
Salvador. No mês de novembro do mesmo ano foi criada a Escola de Cirurgia do Rio de Janeiro, anexa
ao real Hospital Militar.
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Unidade II
Dessa forma, as questões de saúde não foram prioridade, pois essa nova organização do aparelho
estatal assegurou apenas as condições formais da representação burguesa clássica, especialmente a
adoção do voto direto promovida pelo sufrágio universal.
Observação
Mesmo que tenha havido dezenove organizações políticas que atuaram até o movimento de 1930,
de fato nenhuma excedeu a disciplina imposta pela defesa de interesses regionais, embora pudessem
compor, eventualmente, alianças que dominaram as práticas políticas até aquela data. Os programas
partidários nunca chegaram a se configurar numa perspectiva de âmbito nacional.
Além do contexto político, ressalta‑se que nesse momento as cidades brasileiras eram assoladas por
epidemias, pois não havia um modelo sanitário implantado no país.
No início do século XX, principalmente no Rio de Janeiro, por conta da situação sanitária existente
na cidade, os navios estrangeiros não queriam mais atracar no porto carioca, situação sanitária essa
que estava configurada no caos, ou seja, caracterizada pela presença de diversas doenças graves que
acometiam à população, como a varíola, a malária, a febre amarela e, posteriormente, a peste, o
que acabou gerando sérias consequências tanto para saúde coletiva quanto para outros setores, por
exemplo, do comércio exterior.
Nesse momento, o presidente do Brasil em exercício, Rodrigues Alves, nomeou Oswaldo Cruz como
Diretor do Departamento Federal de Saúde Pública.
Então, Osvaldo Cruz se propôs a erradicar a epidemia de febre amarela na cidade carioca, criando
verdadeiro exército para tal empreitada, o que assustou muita gente naquela ocasião. Cerca de 1.500
“recrutas” passaram a exercer atividades de desinfecção no combate ao mosquito causador dessa
doença. A falta de esclarecimentos e as arbitrariedades cometidas pelos “guardas‑sanitários” causaram
revoltas na população, e esse modelo de intervenção ficou conhecido como campanhista. Na história
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EPIDEMIOLOGIA E SAÚDE PÚBLICA
do Brasil, tem‑se descrita uma verdadeira revolução sobre tal medida adotada, sendo que esse modelo
de campanha, adotado dentro de uma visão militar, em que os fins justificam os meios, utilizava o uso
da força e da autoridade como instrumentos preferenciais de ação.
Existe um episódio que caracteriza muito bem essa prática militar adotada por Osvaldo Cruz. O
próprio presidente Rodrigues Alves solicita que o assistente pare com tais medidas. Os mecanismos
empregados eram vistos como extremistas pela população, como a queima de colchões e de roupas de
doentes. Por conta dessas medidas de desinfecção, o trabalho realizado pelo serviço sanitário municipal
começou a ser questionado, e alguns levantes populares marcaram a época.
Nesse momento, destaca‑se a Revolta da Vacina. O que promoveu tal movimento foi outra medida
imposta por Oswaldo Cruz, a criação da Lei Federal nº 1.261, de 31 de outubro de 1904, que instituiu a
vacinação antivaríola obrigatória para todo o território nacional.
Esse modelo adotado, mesmo com todos os problemas, e apesar das arbitrariedades e dos abusos
cometidos, obteve importantes vitórias no controle das doenças epidêmicas. Uma delas foi erradicar a
febre amarela na cidade do Rio de Janeiro, o que fortaleceu o modelo proposto, tornando‑o a melhor
proposta de intervenção na área da saúde coletiva.
Osvaldo Cruz, ainda nessa época, procurou organizar a diretoria geral de saúde pública, criando uma
seção demográfica, um laboratório bacteriológico, um serviço de engenharia sanitária e de profilaxia
da febre amarela, a inspetoria de isolamento e desinfecção, e o instituto soroterápico federal, e depois
fundou o Instituto Oswaldo Cruz. Atualmente, é um importante órgão de saúde pública, contribuindo
para criação de políticas públicas e tecnologia que implementam o SUS.
De fato, Osvaldo Cruz foi pioneiro em ações de saúde pública. Ele introduziu o registro demográfico,
que permitiu conhecer a composição e os fatos vitais de importância da população, criou o laboratório
como auxiliar do diagnóstico etiológico e propôs a fabricação organizada de produtos profiláticos para
uso em massa.
Em 1920, destaca‑se um grande sucessor de Osvaldo Cruz, Carlos Chagas. Esse mineiro inovou o
modelo campanhista, tornando‑o menos policial e fiscalizador. Com isso, o novo diretor reestruturou o
Departamento Nacional de Saúde, então ligado ao Ministério da Justiça, e introduziu a propaganda e a
educação sanitária na técnica rotineira de ação, que são as primeiras ações de educação em saúde na
história da saúde pública brasileira.
Como havia a eclosão de outras doenças, era preciso criar outros órgãos especializados. À época,
destacam‑se os equipamentos criados na luta contra a tuberculose, a lepra e as doenças venéreas.
A visão de saúde pública era então mais evidente, principalmente se levarmos em consideração
o fato de que a assistência hospitalar, infantil e a higiene industrial estavam cada vez mais
destacadas como problemas individualizados. Foi nesse momento em que houve expansão das
atividades de saneamento para outros estados. É criada uma nova escola, a Escola de Enfermagem
Anna Nery.
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Unidade II
Vale lembrar que a economia vigente no Brasil nessa época era a agroexportadora. O produto principal
produzido era o café, portanto, as ações do sistema de saúde estavam voltadas para as questões de
saneamento, sobretudo nos locais onde se tinha a circulação de mercadorias que eram exportadas. A
grande preocupação era a qualidade da mercadoria, que não deveria ser contaminada nem transmitir
doenças (MENDES, 1994 apud POLIGNANO, 2012).
Como o modelo atingiu resultados positivos, foi adotado desde o fim do século passado até o início
dos anos 1960. Então, houve o deslocamento das ações para o campo e para o combate das doenças
endêmicas da área rural. Essa expansão se deu porque adquiriu força e conhecimento, com o controle
das epidemias nas grandes cidades brasileiras.
Saiba mais
Nesse período, serão destacados os fatos que levaram ao processo de industrialização do Brasil e
urbanização das principais cidades brasileiras como Rio de Janeiro e São Paulo.
Nessa época, esses operários não possuíam garantias trabalhistas, ou seja, não tinham férias, jornada
de trabalho estabelecida, pensão, auxílio‑doença, tampouco aposentadoria.
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EPIDEMIOLOGIA E SAÚDE PÚBLICA
Nesse contexto, como muitos imigrantes tinham sido líderes de lutas anarquistas por direitos
trabalhistas, em especial os italianos, os levantes tomaram corpo. Assim, mobilizaram a classe operária
no Brasil, ajudando‑os na conquista de seus direitos trabalhistas.
Na história do movimento operário nacional, destacam‑se duas grandes greves, uma em 1917, e
outra em 1919. Ambas as reivindicações exigiam garantias de direitos trabalhistas, bem como melhorias
nas condições de trabalho.
Além dos direitos trabalhistas, o movimento avançou no campo social. Em 24 de janeiro de 1923, foi
aprovada pelo Congresso Nacional a Lei Eloy Chaves, marco inicial da previdência social no Brasil. Foi por
meio dessa lei que foram instituídas as Caixas de Aposentadoria e Pensão (CAP’s).
A respeito dessa lei, é preciso fazer algumas considerações importantes. Primeiramente, esse código
deveria ser aplicado somente ao operariado urbano, portanto os trabalhadores rurais não estavam
contemplados por ele. Isso ocorria justamente por interesses de membros do Congresso Nacional, que,
em sua maioria, faziam parte da oligarquia rural, não permitindo que tal benefício pudesse ser estendido
aos trabalhadores rurais.
Esse processo no Brasil tinha tanta intensidade que essa situação perdurou até a década de 1960,
período em que foi criado o Funrural (Fundo de Apoio ao Trabalhador Rural).
As caixas deveriam ser organizadas por empresas, e não por categorias profissionais. A criação de
uma CAP também ficava condicionada ao poder de mobilização e organização dos trabalhadores de
determinada empresa. Além disso, dependia da capacidade deles em reivindicar a sua criação. Nessa
época, devido à importância das ferrovias na economia no país, foram os ferroviários os primeiros a
serem contemplados por esse modelo de CAP.
Segundo Possas (1981), essas CAPs possuíam administração própria para os seus fundos, sendo
formadas por um conselho composto de representantes dos empregados e empregadores.
Além disso, era necessário haver uma comissão para administrar a CAP. Essa comissão era composta
da seguinte maneira: três representantes da empresa, com um deles assumindo a presidência, e os
outros dois representantes dos empregados, eleitos diretamente a cada três anos.
Por meio dos seus representantes, esse tipo de sistema garante aos empregados e empregadores
a participação direta na CAP. Ficou vigente até a criação do INPS (1967), quando foram afastados do
processo administrativo (POSSAS, 1981).
Oliveira e Teixeira (1985) afirmam que, de acordo com o determinado pelo artigo 3° da lei Eloy Chaves,
o Estado não participava propriamente do custeio das Caixas, sendo essas mantidas por: “2 empregados
das empresas (3% dos respectivos vencimentos); empresas (1% da renda bruta); e consumidores dos
serviços das empresas”.
141
Unidade II
Estava então formalizado o tal sistema de Caixas, e as próprias empresas deveriam recolher
mensalmente o conjunto das contribuições das três fontes de receita, depositando o valor diretamente
na conta bancária de sua CAP (OLIVEIRA; TEIXEIRA, 1985).
No artigo 9° da Lei Eloy Chaves, além das aposentadorias e pensões, os fundos proviam os serviços
funerários e médicos. Esse artigo também ressaltava que esses socorros médicos deveriam ocorrer em
caso de doença do indivíduo e de seus familiares ou, ainda, para quem habitasse o mesmo teto e
estivesse sob a mesma economia (BRASIL, 1923).
Os medicamentos disponibilizados eram obtidos com preço especial, o que era determinado pelo
Conselho de Administração. Por fim, tratava a questão da aposentadoria e pensão para os herdeiros, em
caso de morte.
No artigo 27° estavam relacionadas as questões de acidentes de trabalho, obrigando as CAPs a arcar
com a assistência aos acidentados.
Podemos dizer que essas CAPs são respostas das reivindicações operárias no início do século, assim
como a participação do empresariado e do Estado e a crescente importância da questão social, uma vez
que já estava bem fomentado o processo de urbanização no país.
Em 1930, o sistema já abrangia 47 caixas, com 142.464 segurados ativos, 8.006 aposentados, e
7.013 pensionistas.
A partir de 1930, uma nova forma de organização previdenciária se inicia por meio dos IAPs
(Institutos de Aposentadorias e Pensões), desta vez organizados por categorias profissionais e com maior
participação do componente estatal. São fundados os institutos dos marítimos (IAPM), dos comerciários
(IAPC), dos bancários (IAPB) e dos industriários (Iapi), entre outros. Nessa fase, há uma maior contenção
de gastos, tendo a Previdência atravessado um período de acumulação crescente, tornando a assistência
um item secundário dentro dos institutos.
Em 1942 cria‑se o Serviço Especial de Saúde Pública (Sesp), responsável por ações sanitárias em
regiões afastadas do país, mas com interesse estratégico para a economia, como a região de produção
de borracha na Amazônia (RONCALLI, 2003).
Não por acaso, o nascimento dos IAPs coincide com uma nova fase da política brasileira, estabelecida
com a Revolução de 1930. Com a ascensão de Getúlio Vargas e a queda das oligarquias do poder,
inicia‑se uma ampla reforma administrativa e política, culminada com a nova Constituição (1934) e a
ditadura imposta por Vargas com o Estado Novo (1937).
142
EPIDEMIOLOGIA E SAÚDE PÚBLICA
Assim, nessa fase do governo populista de Getúlio Vargas, marcado por crises que resultaram em
movimentos da classe trabalhadora, diversas outras medidas dentro das políticas sociais foram tomadas
a fim de conter as exigências das diversas categorias de trabalhadores, – estes estavam cada vez mais
organizados, em vez de tentar sanar ou melhorar os problemas estruturais da vida desses profissionais.
Nessa época criou‑se o Ministério do Trabalho, e então foram estabelecidas diversas medidas para a
regulação da atividade sindical, entre outras estratégias de manutenção da legitimidade.
Depois disso, já na década de 1960, com o advento do regime militar, consolida‑se o modelo
dicotômico de assistência e ações de saúde pública e a Previdência se estabelece como uma corporificação
da cidadania regulada.
Lembrete
O regime autoritário do golpe militar de 1964 trouxe como consequência imediata para as políticas
de saúde no Brasil um total esvaziamento da participação da sociedade nos rumos da Previdência.
De outro lado, também provocou uma centralização crescente da autoridade decisória, marcada pela
criação do Instituto Nacional de Previdência Social (INPS), resultado da fusão dos vários IAPs, em 1966
(OLIVEIRA; TEIXEIRA, 1985).
As políticas de saúde do primeiro período da Ditadura, que compreendeu a fase do “milagre brasileiro”
– entre 1968 e 1974, foram caracterizadas por uma síntese, produto de reorganizações setoriais do
sanitarismo campanhista do início do século e do modelo de atenção médica previdenciária do período
populista (LUZ, 1991).
143
Unidade II
A partir de então foi criada uma estrutura considerável em torno da Previdência Social, com uma
clara vinculação aos interesses do capital nacional e internacional. Nesse sentido, o Estado passa a ser o
grande gerenciador do sistema de seguro social, na medida em que aumentou o seu poder nas frentes
econômica e política, pela elevação nas alíquotas e também no controle governamental por meio da
extinção da participação dos usuários na gestão do sistema, antes permitida na vigência das CAPs e dos
IAPs (MENDES, 1994).
A lógica da prestação de assistência à saúde pelo INPS privilegiava a compra de serviços às grandes
corporações médicas privadas, notadamente hospitais e multinacionais fabricantes de medicamentos.
Estabelece‑se, então, o complexo previdenciário médico‑industrial do conveniado ou credenciado.
Dessa forma, esse modelo excludente provocou uma capitalização crescente do setor privado, no
entanto, a precariedade do sistema, não só da área da saúde, mas em toda a área social, provocava
insatisfação cada vez maior, comprometendo a legitimidade do regime. Os indicadores de saúde da
época, entre eles o coeficiente de mortalidade infantil, pioravam assustadoramente, mesmo em grandes
cidades, como em São Paulo e Belo Horizonte. Intensificam‑se movimentos sociais e as pressões de
organismos internacionais, de modo que, já no governo Geisel, entre 1974 e 1979, há uma preocupação
maior em minimizar os efeitos das políticas excludentes por meio de uma expansão na cobertura dos
serviços (LUZ, 1991; MENDES, 1994).
Ressalta‑se que nesse momento o país foi assolado por algumas epidemias de doenças
infectocontagiosas como a meningite, obrigando o governo a lidar com situações que careciam de
organização e planejamento de serviços de saúde. Devido a essa gestão autoritária, centralizadora e
desqualificada, com o consequente despreparo, muitas pessoas faleceram.
No auge das lutas por políticas mais universalistas e do processo de abertura política em fins dos
anos 1970, amplia‑se o movimento dos profissionais de saúde e de intelectuais da área de saúde
coletiva por mudanças no modelo em vigor. Com o crescimento da insatisfação popular, personificada,
politicamente, na vitória da oposição em eleições parlamentares, este movimento, que ficou conhecido
como Movimento pela Reforma Sanitária, cresce ainda mais. Há a incorporação de lideranças políticas
sindicais e populares e também de parlamentares interessados na causa.
Um dos marcos deste movimento ocorreu em 1979, durante o I Simpósio Nacional de Política de
Saúde, conduzido pela Comissão de Saúde da Câmara dos Deputados. Na ocasião, discutiu‑se uma
proposta de reorganização do sistema de saúde colocada pelo Centro Brasileiro de Estudos de Saúde
(Cebes), o representante legítimo do movimento sanitário. Nessa orientação, já há menção a um sistema
único de saúde, de caráter universal e descentralizado (TEIXEIRA, 1989).
144
EPIDEMIOLOGIA E SAÚDE PÚBLICA
Embora inicialmente ignoradas pelo governo, as pressões populares e do movimento sanitário geraram algumas
mudanças significativas no sistema, em particular no campo da extensão de cobertura e da atenção primária,
resultado das repercussões da Conferência Internacional de Saúde de Alma‑Ata (1978), quando o quadro de saúde
brasileiro foi denunciado e as práticas de cuidados básicos de saúde foram estimuladas (WERNECK, 1998).
Por outro lado, houve movimentos populares internos pela democratização e por uma política
sanitária de caráter mais universalista para a concretização de novas alternativas para os sistemas de
saúde centradas na Atenção Primária, e muitos avanços foram conseguidos a partir da atuação
de componentes do movimento sanitário dentro da estrutura do governo.
A metade dos anos 1980 é marcada por uma profunda crise de caráter político, social e econômico. A
Previdência, ao fim de sua fase de capitalização, tinha problemas de caixa oriundos de uma política que estimulava
a corrupção e o desvio de verbas se apresentava sem capacidade para dar conta das demandas criadas. Do outro
lado, o regime autoritário teria que buscar formas de legitimação diante da insatisfação popular.
Na esteira desses acontecimentos, cresce o Movimento Sanitário brasileiro, que teve, como ponto
alto de sua articulação, a VIII Conferência Nacional de Saúde, em 1986, em Brasília.
O momento político propício, com o advento da Nova República, pela eleição indireta de um
presidente não militar desde 1964, além da perspectiva de uma nova Constituição, contribuíram para
que a VIII Conferência Nacional de Saúde fosse um marco dentro do Movimento pela Reforma Sanitária.
Com uma participação de cerca de cinco mil pessoas, entre profissionais de saúde, usuários,
técnicos, políticos, lideranças populares e sindicais, a VIII Conferência criou a base para as propostas de
reestruturação do sistema de saúde brasileiro a serem defendidas na Assembleia Nacional Constituinte,
instalada no ano seguinte.
O relatório da conferência, entre outras propostas, destaca o conceito ampliado de saúde, e este é
colocado como direito de todos e dever do Estado. Também se iniciou a relação do processo saúde‑doença
com as condições de alimentação, habitação, educação, renda, meio ambiente, trabalho, transporte,
emprego, lazer, liberdade, acesso e posse da terra e acesso a serviços de saúde. Além disso, tal relatório
apresenta a conquista relacionada a um sistema de saúde que fosse universal, equânime e integral.
Lembrete
Saiba mais
A criação do SUS é um marco para a saúde pública do Brasil e serviu de referência para uma série
de países, que também consideraram o nosso conceito para definir saúde e estabelecer os serviços de
saúde pública.
Participação da comunidade
O SUS tem como prerrogativa o distanciamento do modelo centralizador e autoritário, não mais
considerando as demandas espontâneas como foco na atenção em saúde.
146
EPIDEMIOLOGIA E SAÚDE PÚBLICA
Foi necessário fazer com que o Estado se comprometesse com o bem‑estar social, principalmente em
se tratando de saúde da coletividade, constituindo esse sistema público como um direito do cidadão e
um importante exercício de cidadania.
Dessa forma, nota‑se que o texto da constituição demonstra que a concepção do SUS estava baseada
na formulação de um modelo de saúde voltado para as necessidades da população, e não mais nas
demandas espontâneas, como acontecia antes de sua criação.
A sociedade, engajada pelo movimento das Diretas Já, procurou garantir na nova Constituição os
direitos e os valores da democracia e da cidadania. Evidente que isso estava de acordo com o momento
político que o país vivia na ocasião, ou seja, esta visão refletia o momento pelo qual passava a sociedade
brasileira, recém‑saída de uma ditadura militar, em que a cidadania nunca foi um princípio de governo.
Apesar de o SUS ter sido definido, concebido e descrito pela Constituição de 1988, somente foi
regulamentado em 19 de setembro de 1990 – por meio da Lei nº 8.080. Esta lei define o modus operandi
do SUS, propondo a sua forma de organização e de funcionamento. Mesmo assim, houve alguns vetos,
pelo presidente então recém‑eleito, Fernando Affonso Collor de Melo, que prorrogou ainda mais a
implantação desse sistema.
Observação
Agora vamos abordar algumas dessas concepções. O primeiro ponto que é retratado nessa nova
Constituição é justamente a forma como se define saúde, que é muito mais abrangente do que
qualquer outra:
Depois disso, houve a concepção de que esse sistema deveria ocorrer como um conjunto de ações
e serviços de saúde, prestados por órgãos e instituições públicas federais, estaduais e municipais, da
administração direta e indireta e das fundações mantidas pelo Poder Público. A iniciativa privada poderia
participar do SUS em caráter complementar.
Nesse contexto, com esses processos e definições, identificou‑se que o SUS, em sua concepção, devia
possuir objetivos e atribuições bem definidas e delineadas, como:
148
EPIDEMIOLOGIA E SAÚDE PÚBLICA
Observa‑se que a implantação do SUS não tem sido uniforme em todos os estados e municípios
brasileiros. Isso por conta da abrangência dos objetivos propostos e pela existência de desequilíbrios
socioeconômicos e regionais. Para que isso ocorra, é necessária uma grande disponibilidade de recursos
financeiros, de pessoal qualificado e de uma efetiva política em âmbito federal, estadual e municipal
para viabilizar o sistema.
A mesma lei, em outro artigo, estabelece como se dará a forma de repasse de recursos financeiros
e como eles seriam transferidos para os estados e municípios. Definiu‑se que os principais pontos
deveriam ser baseados nos seguintes critérios: perfil demográfico; perfil epidemiológico; rede de serviços
instalada; desempenho técnico; ressarcimento de serviços prestados (BRASIL, 1990b).
Houve modificação desse artigo da constituição. Com a edição das NOBs (Norma Operacional Básica),
algumas mudanças foram estabelecidas com a aplicação dessa lei. A NOB trata da edição de normas
operacionais para o funcionamento e operacionalização do SUS de competência do Ministério da Saúde.
Até hoje foram editadas as seguintes: NOB‑SUS 01/91; NOB‑SUS 01/93; NOB‑SUS 01/96.
De alguma forma, durante todo o processo de implantação do SUS, percebe‑se que este sofre com a
instabilidade e diminuição da capacidade da esfera federal na articulação de tomadas de decisão, o que
faz que todos pensem que isso se dá por falta de recursos financeiros.
149
Unidade II
Mesmo com todas as dificuldades, o país passou a ter um modelo de saúde hegemônico e universal
e, apesar dos problemas enfrentados, pode‑se afirmar que o SUS apresentou progressos significativos no
setor público no nível de atenção primária, mesmo sendo insuficientes para enquadrarmos esse sistema
no formato pelos qual foi concebido e descrito na legislação constituinte.
Observação
As doutrinas que regem o SUS são de extrema importância para que seu
processo de implantação seja efetivado. A hierarquização, regionalização,
descentralização (municipalização) e participação popular, além de estarem
descritas na Constituição de 1988, representam elementos importantes
para que se organize o sistema.
Exemplo de aplicação
Todo gestor em saúde deve estar atento para não ferir os princípios e doutrinas do SUS. Em se
tratando de serviços públicos de saúde no Brasil, não existem preferências de atendimentos, a não
ser aqueles classificados como emergenciais. Destaca‑se que não se pode preterir pacientes por terem
planos de saúde privados, por questões de gênero, credo ou raça, pois todos são iguais perante o SUS;
basta ser brasileiro para ter acesso ao sistema. Assim, o que podemos dizer do gestor público que impede
que determinada pessoa use o sistema porque possui convênio médico privado? Nesse caso, será que
o gestor está, de alguma forma, interferindo no processo democrático de acesso ao SUS? Faça essa
reflexão sobre o assunto apresentado.
Em relação à reforma sanitária brasileira, Roncalli (2003) afirma que a incorporação de boa parte das
propostas pela Assembleia Constituinte na elaboração da nova Carta Magna concretiza suas ações no
plano jurídico‑institucional. Essa lei, que ficou conhecida como Constituição‑Cidadã (embora acusada
de tornar o país “ingovernável” por alguns setores), incluiu, no capítulo da seguridade social, a saúde
como direito de todos e dever do Estado, moldando as diretrizes do SUS:
150
EPIDEMIOLOGIA E SAÚDE PÚBLICA
Nesse contexto, efetiva‑se a criação do SUS, inserido numa proposta de seguridade social. Sintetiza,
assim, uma política social universalista, que, “resultante de um desenho da Reforma Sanitária, rompeu
e transformou, para melhor, o padrão de intervenção estatal no campo social moldado na década de
1930” (CARVALHO; GOULART, 1998).
Em agosto de 1990, o Congresso Nacional aprova a primeira versão da Lei Orgânica da Saúde (LOS),
a lei nº 8.080, a qual é profundamente mutilada pelos vetos presidenciais, particularmente nos itens
relativos ao financiamento e ao controle social.
Resultado de negociações, uma nova lei, a 8.142, de dezembro do mesmo ano, recupera alguns vetos
e, hoje, o que conhecemos como a LOS é formada pelo conjunto das leis nos 8.080 e 8.142.
O SUS, garantido pela Constituição e regulado pela LOS, prevê um sistema com princípios doutrinários
e organizativos.
Vale relembrar que os princípios doutrinários dizem respeito às ideias filosóficas que permeiam a
implementação do sistema e personificam o conceito ampliado de saúde e o princípio do direito à saúde.
Os princípios organizativos (diretrizes) orientam a forma como o sistema deve funcionar e apresentam
como eixo norteador os preceitos doutrinários, conforme a figura a seguir:
Participação Descentralização e
popular comando único
Universalidade
Equidade
Integralidade
Regionalização e
hierarquização
Portanto, a lógica organizativa e doutrinária do SUS indica um modelo de assistência à saúde cujo
objetivo é o resgate da cidadania. Os preceitos constitucionais e a regulamentação pela lei orgânica
ainda precisavam ser mais claros para operacionalizar o sistema.
151
Unidade II
Desse modo, foram implantadas, a partir de 1991, as Normas Operacionais Básicas (NOBs), que, em
tese, refletem a intenção do Estado em cumprir a Constituição e que servirão para a normatização do
sistema (ROMANO, 1998).
Lembrete
A primeira norma operacional (NOB 01/91) foi editada ainda no âmbito do Inamps, instituindo‑se o
pagamento por produção, ou seja, de acordo com os procedimentos realizados no município, era feito
o repasse da verba para cobrir as despesas. Muitos consideraram a NOB 01/91 como um retrocesso
na política de descentralização e no processo de financiamento, pois, além de não ter avançado
nas propostas da lei orgânica de repasse com base em critérios populacionais e epidemiológicos,
transformou, por meio do pagamento por procedimento e na forma convenial, os estados e municípios
em meros prestadores de serviços, cerceando suas prerrogativas de gestão nos distintos níveis de
governo (NORONHA, 2001).
Em 1993, o Ministério da Saúde edita a NOB 01/93 por meio da Portaria nº 545, de 20 de maio de
1993. O Conselho Nacional de Saúde, a partir de um documento intitulado Descentralização das ações
e Serviços de Saúde: a Ousadia de Cumprir e Fazer Cumprir a Lei, discute as teses de descentralização
político‑administrativas vigentes. Com isso, há grandes avanços, principalmente no estabelecimento das
modalidades de gestão municipal (incipiente, parcial e semiplena).
Em novembro de 1996, após ser discutida durante mais de um ano na Comissão Intergestores
Tripartite e no Conselho Nacional de Saúde, é editada a NOB 01/96. Entre a sua edição e sua implantação
passaram‑se quase dois anos, pois houve morosidade no processo de municipalização durante a gestão
do ministro Carlos Albuquerque.
Com a NOB 01/96, nascem duas modalidades de administração municipal, a gestão plena da Atenção
Básica e a gestão plena do sistema, mas as principais características da nova norma operacional foram
o incremento do repasse fundo a fundo (direto do Fundo Nacional de Saúde para os Fundos Municipais
de Saúde) e a criação da modalidade de pagamento com base populacional, por meio da criação do Piso
Assistencial Básico (PAB).
152
EPIDEMIOLOGIA E SAÚDE PÚBLICA
A NOB 01/96, a despeito dos avanços que proporcionou, particularmente no incremento do processo
de municipalização, deveria ter sido mais bem interpretada no que diz respeito à manutenção do
pagamento por procedimento nos itens de maior complexidade tecnológica, o que poderia induzir
procedimentos de maior lucratividade aos prestadores (BUENO; MERHY, 1996).
Aliás, isso é um ponto que merece bastante atenção e sempre gera bastante discussão no Brasil.
Geralmente, muitos gestores acreditam que os serviços públicos não são empresas como as privadas
e, portanto, que não precisam obter lucro. Com essa visão desqualificada, acabam não inserindo essas
organizações na lógica do lucro e de metas a serem atingidas.
Lembrete
153
Unidade II
O Ministério da Saúde, por meio da Secretaria Nacional de Assistência à Saúde, em 1990, publicou
um documento que determina quais são as principais ações a serem desenvolvidas nos serviços de
saúde pública do Brasil.
Com nossos estudos até então, notamos que a atenção à saúde no Brasil vem sendo desenvolvida
com ênfase na prestação de serviços médicos individuais, de enfoque curativo, a partir da procura
espontânea aos serviços. Isso representa um modelo centralizado e muito pouco democrático.
O conceito de saúde deve orientar a mudança progressiva dos serviços, o que representa o foco no
atendimento às demandas e necessidades da população, num modelo de atenção integral à saúde, com
ênfase na promoção da proteção, em vez de medidas de recuperação.
Com isso, foram incorporados os conceitos dos processos saúde‑doença já discutidos neste livro,
assim como as formas em que o acesso pudesse ser democratizado. Então, vem à tona a necessidade
de definição dos eixos descritos na LOS: num primeiro momento, para o estabelecimento do SUS, com
orientação e norteamento; depois, para os processos de implementação e sua efetivação.
Em 1990, o Ministério da Saúde, por meio da Secretaria Nacional de Assistência à Saúde, publicou
um documento que determina quais são as principais ações a serem desenvolvidas nos serviços de
saúde pública do Brasil.
Nessa obra, notamos que a atenção à saúde no Brasil vem sendo desenvolvida com ênfase na
prestação de serviços médicos individuais, de enfoque curativo, a partir da procura espontânea aos
serviços. Isso representa um modelo centralizado e muito pouco democrático.
Para tal reconhecimento, existe a necessidade de melhor identificar quais os principais grupos de
ações de proteção e de recuperação da saúde a serem desenvolvidas, assim como sua prioridade.
Ações de promoção e proteção de saúde são grupos de ações que podem ser desenvolvidas por
instituições governamentais, empresas, associações comunitárias e indivíduos.
154
EPIDEMIOLOGIA E SAÚDE PÚBLICA
Tais ações visam à redução de fatores de risco, que constituem ameaça à saúde das pessoas, podendo
provocar‑lhes incapacidades e doenças que podem recair nas questões de reabilitação e no tratamento
de sequelas.
São exemplos de ações no campo da promoção: educação em saúde, bons padrões de alimentação
e nutrição, adoção de estilos de vida saudáveis, uso adequado e desenvolvimento de aptidões e
capacidades, aconselhamentos específicos, como os de cunho genético e sexual. Isso também foi
amplamente discutido quando falamos sobre as conferências internacionais de saúde, sobretudo a que
originou a Carta de Ottawa.
São ações de monitoramento e que inclusive fazem uma avaliação de percurso e criam uma série
histórica de como a doença aconteceu, se alastrou, foi contida e de que formas as medidas de prevenção
e controle foram estabelecidas.
Vejamos a seguir alguns exemplos de locais onde a vigilância sanitária poderá atuar: unidades
de saúde, restaurantes, academias de ginástica, institutos de beleza, piscinas públicas, entre outros.
O meio ambiente também poderá ser objeto de atuação desse eixo. Com isso, busca‑se evitar ou
controlar a poluição do ar, do solo, da água, a contaminação por agrotóxicos, o uso do mercúrio
nos garimpos etc.
155
Unidade II
Todas essas ações propostas e descritas devem contemplar as necessidades básicas da população.
É preciso que tudo esteja de acordo com a procura dessas pessoas pelos serviços, o que se denomina
demanda, além de considerar os estudos epidemiológicos que caracterizam determinada comunidade e
seu aspecto de vulnerabilidade social.
Quanto mais rápido e precoce for realizado esse diagnóstico, maior a probabilidade do tratamento
imediato proposto conter os avanços da doença.
Por conta desse cenário é que a atenção primária é a porta de entrada do sistema. Nesse nível, é
possível realizar ações de promoção e prevenção em saúde, além das ações voltadas à recuperação da
saúde, como o diagnóstico precoce e o tratamento imediato.
156
EPIDEMIOLOGIA E SAÚDE PÚBLICA
Uma vez feito o diagnóstico, o tratamento deve ser conduzido com o intuito de impedir o surgimento
de eventuais danos e/ou incapacidades decorrentes dos desdobramentos das doenças.
A reabilitação visa ao tratamento das sequelas que a doença pode ter desencadeado. Portanto,
consiste na recuperação parcial ou total das capacidades no processo de doença e na reintegração do
indivíduo ao seu ambiente social e à sua atividade profissional.
Para tais objetivos de recuperação, podemos utilizar os serviços hospitalares como os comunitários,
justamente para tentar a reinserção desse paciente na sociedade, no campo profissional, afetivo,
cognitivo e de saúde.
Por fim, sabe‑se que essas práticas que recuperam saúde podem estar associadas também com
o diagnóstico e tratamento científico da comunidade; quando as ações promotoras e protetoras são
integradas nesse processo, podemos chamar o movimento de moderna saúde pública.
Observação
Fica evidente que o SUS, além de ser descentralizado na sua gestão, ou seja,
cada esfera governamental possui responsabilidades bem definidas para com
os cidadãos, possui como prerrogativa as ações de saúde que compreendem os
processos de promoção, proteção e recuperação da saúde, tudo previsto em lei.
Saiba mais
157
Unidade II
Já discutimos todos os meandros que levaram a concepção do SUS e também apresentamos de uma forma
bem didática como o sistema público de saúde está configurado nos parâmetros da legislação e da assistência.
Agora precisamos saber quem de fato faz a gestão do sistema e quem são os atores do processo
de implantação e implementação das políticas públicas desenvolvidas, bem como as responsabilidades
e competências desses agentes, sobretudo da municipalidade, pois sabemos que é nessa esfera que as
ações serão desenvolvidas, embora muitas vezes planejadas e financiadas em outras instâncias.
Os gestores têm o objetivo de fazer com que o SUS seja implantado e trabalhe de acordo com os
parâmetros governamentais e seguindo, obviamente, uma lógica organizacional.
Haverá gestores nas três esferas do governo, isto é, no nível municipal, estadual e federal.
Nos municípios, os gestores são as secretarias municipais de saúde ou as prefeituras, sendo responsáveis
por sua administração os respectivos secretários municipais e prefeitos. Nos estados, os gestores são os
secretários estaduais de saúde; no âmbito federal, o Ministério da Saúde. No nível municipal, é dever
dos gestores programar, executar e avaliar as ações de promoção, proteção e recuperação da saúde. O
município deve ser o primeiro e o principal responsável pelas ações de saúde (BRASIL, 2004).
Dessa forma, sempre que a complexidade do problema extrapolar a capacidade do município em resolvê‑lo,
o próprio serviço municipal de saúde deve enviar o paciente para outro município mais próximo e que seja
capaz de fornecer a assistência adequada, ou então pode encaminhar a questão para suportes regionais e
estaduais nas áreas de alimentação, saneamento básico, vigilância epidemiológica e vigilância sanitária.
É muito importante que haja integração entre os municípios para sanar de forma mais rápida os
problemas. Se necessário, as secretarias estaduais de saúde ou o próprio Ministério da Saúde podem intervir.
Antes do início do SUS, havia uma assistência de característica excludente, mercantil, dicotômica e
pouco resolutiva. Esses modelos assistenciais estabelecidos no Brasil se constituíram num desafio para
a implantação do SUS pelo fato deste apontar para uma lógica totalmente oposta, de universalidade,
integralidade e promoção de saúde.
Alguns modelos alternativos já vinham sendo inseridos em certos locais mesmo antes do SUS, por
exemplo, algumas experiências de implantação do Suds (Sistema Unificado e Descentralizado de Saúde),
que nasceu como estratégia anterior ao SUS e que já trabalhava a partir da ideia de distritos sanitários.
Para Silva Jr. (1998), a base para seu desenvolvimento tem os seguintes princípios fundamentais:
• descentralização e desconcentração;
• participação social;
• intersetorialidade;
Outros modelos (ou propostas de modelos) podem ser resgatados na literatura em saúde coletiva. De fato,
todos são tentativas – algumas bem outras mal‑sucedidas – de implementar o SUS em nível municipal.
De uma forma geral, com todas essas tentativas frustradas, poderíamos dizer que o modelo em si
está dado, ou seja, é o SUS.
As tecnologias que deverão ser desenvolvidas, as formas como a demanda deve ser organizada,
as estratégias de inclusão, o incentivo à participação popular, entre outros, são desdobramentos
importantes, e cada nível deve pensar a melhor maneira de colocá‑los em prática. Aliás, isso são desafios
que constituem o SUS até hoje!
Uma proposta relevante de modelo assistencial que vem sendo desenvolvida é a do Programa Saúde
da Família e dos Agentes Comunitários de Saúde (PSF/Pacs) (RONCALLI, 2003).
Trata‑se da introdução de uma nova lógica na prestação de serviços, particularmente com relação à
atenção primária, segundo os pressupostos do Ministério da Saúde.
Observação
O PSF foi introduzido no Brasil pelo Ministério da Saúde em 1994. Enquanto proposta concebida
dentro da vigência do SUS, teve como antecedente o Pacs, lançado em 1991, o qual já se trabalhava com
a família como unidade de ação programática.
Com os bons resultados do Pacs, particularmente na redução dos índices de mortalidade infantil,
buscou‑se ampliá‑lo e lhe conferir maior resolutividade das ações. Assim, a partir de janeiro de 1994,
começaram a ser formadas as primeiras equipes de Saúde da Família (BRASIL, 1997).
Inicialmente, o PSF ficou sob responsabilidade da Fundação Nacional de Saúde (Funasa), com a
criação da Coordenação de Saúde da Comunidade (Cosac). Em 1995, o programa foi transferido para a
Secretaria de Assistência à Saúde (SAS), e no ano seguinte já estava em vigor o sistema de financiamento
a partir da tabela de procedimentos do Siasus.
Com a implementação da NOB01/96, no início de 1998, foram criados, além do pagamento per
capita, os incentivos para o Pacs e o PSF. Esses impulsos fazem parte da fração variável do PAB, de
acordo com a faixa de cobertura populacional.
Abordaremos todos os meandros dessa transição nos próximos tópicos desta obra.
Saiba mais
De acordo com o documento oficial do Ministério da Saúde, no qual estão explicitados os princípios
do PSF, a ESF ressalta e incorpora os princípios básicos do SUS: universalização, descentralização,
integralidade e participação da comunidade.
160
EPIDEMIOLOGIA E SAÚDE PÚBLICA
A base operacional desse novo sistema é a Unidade de Saúde da Família (USF), que tem como
princípios o seguinte:
Concebido inicialmente como programa dentro da Funasa, em pouco tempo o PSF foi considerado
prioritário dentro dos modelos propostos para a Atenção Básica. Atualmente, fala‑se em ESF, embora a
denominação PSF persista.
161
Unidade II
Decerto, a “estratégia” de falar em estratégia, e não mais em programa, foi uma forma de responder
às críticas que eram dirigidas ao programa, taxado de “foquista” e de ser uma medida impositiva, que
não considera as realidades locais.
Não se trata de economia de recursos, de uma medicina de pobre para pobres, com utilização de
baixa tecnologia. É uma prática complexa, que requer novos campos de conhecimento, desenvolvimento
de habilidades e mudanças de atitudes.
Em certa medida, políticas assistenciais voltadas para grupos vulneráveis e com baixa tecnologia
se esbarram com a lógica “eficientista” que vem sendo imposta para a criação e execução de políticas
sociais nos países de economia dependente.
Em tese, centrar as ações em setores da sociedade expostos a um maior risco à saúde (e este é um
dos critérios para a priorização de implantação de equipes de PSF) não deixa de ser um princípio de
equidade. A questão imposta nesse raciocínio é que, no mais das vezes, não se trata de uma perspectiva
da implementação de um modelo equânime, mas de uma lógica racionalizadora, em que a contenção
dos gastos regula o acesso aos serviços.
Além disso, como são colocadas as propostas de promoção, prevenção e educação em saúde
nas estratégias, o modelo em questão acaba por privilegiar também aqueles que não são do grupo
vulnerável e que não possuem doença, portanto, pode ser sim uma forma democrática de acesso o
fato de priorizar grupos vulneráveis baseados em condições sociais, geográficas e de levantamentos
epidemiológicos (indicadores de saúde).
Por outro lado, para Dal Poz et al. (1999), existem sim méritos no PSF exatamente pelo fato de expor
certas fragilidades do modelo tradicional. Para os autores, a dualidade universalismo x focalização não
se constitui num problema, na medida em que é possível haver práticas evidenciadas dentro de uma
política universal e não há necessariamente conflito entre focalização e universalização, isto é, os dois
conceitos não precisam ser excludentes, muito pelo contrário, podem ser sinérgicos, o que resultará
numa atenção em saúde mais democrática e com acesso priorizado.
162
EPIDEMIOLOGIA E SAÚDE PÚBLICA
Nesse sentido, o PSF pode ser um instrumento de reorganização da política universal. Então,
diferentes dimensões a respeito dessa estratégia podem ser resgatadas atualmente na literatura
e no discurso da saúde coletiva, que vão desde a interpretação do PSF como uma oportunidade
única (a qual não se deve perder) de resgatar uma prática mais humanista, que gere vínculo,
responsabilização e que dinamize o processo de trabalho, à leitura do processo em seu caráter mais
abrangente e de longo prazo.
Lembrete
De acordo com a PNAB (2012), o objetivo da ESF é reorganizar a Atenção Básica no Brasil. O Ministério
da Saúde a considera como estratégia de expansão, qualificação e consolidação da Atenção Básica,
pois, além de ampliar a resolutividade e impacto na situação de saúde das pessoas e coletividades,
proporciona relevante relação custo‑efetividade.
Além dessas composições descritas que configuram a inserção do médico na equipe das ESF, existe
também a possibilidade, conforme a PNAB (2012), de se fazer modificações na carga horária desse
profissional, desde que sejam de caráter transitório e não comprometam o escopo preconizado pelas
estratégias adotadas em Saúde da Família, e que o município se adeque às especificidades citadas
anteriormente num período curto. Essa situação também implica mudanças nos incentivos realizados
pelo Ministério da Saúde, que acabam sendo menores do que os convencionais, justamente por haver
flexibilização da carga horária desses profissionais.
É muito importante que essas equipes de Saúde da Família estejam devidamente cadastradas. Todo
o processo e a combinação das jornadas de trabalho das UBS precisam garantir o maior vínculo e acesso
entre usuários e profissionais.
164
EPIDEMIOLOGIA E SAÚDE PÚBLICA
Lembrete
Saiba mais
Muitos autores consideram esses profissionais como os grandes atores da realidade e da lógica de
assistência que ocorre quando as ESF estão configuradas.
Vale ressaltar que esse profissional, obrigatoriamente, precisa fazer parte da comunidade, ou seja,
ele é um sujeito que deverá residir no território de abrangência da UBS, já que é por meio dele que a
165
Unidade II
equipe pode conhecer as particularidades de cada localidade e as interferências sociais que deixam a
comunidade vulnerável, incidindo nas questões do processo saúde‑doença.
Além das atribuições de atenção à saúde e de gestão comuns a qualquer enfermeiro da atenção
básica descritas nesta portaria, os ACS têm o dever de planejar, coordenar e avaliar as ações comuns aos
enfermeiros da Estratégia Saúde da Família.
Observação
Os Núcleos de Apoio à Saúde da Família (Nasf) foram criados com o objetivo de ampliar
a abrangência e o escopo das ações da atenção básica, bem como sua resolubilidade.
Os Nasf fazem parte da atenção básica, mas não se constituem como serviços com
unidades físicas independentes ou especiais, e não são de livre acesso para atendimento
individual ou coletivo (estes, quando necessários, devem ser regulados pelas equipes de
atenção básica). Devem, a partir das demandas identificadas no trabalho conjunto com as
equipes e/ou Academia da Saúde, atuar de forma integrada à Rede de Atenção à Saúde e
seus serviços (exemplo: Caps, Cerest, ambulatórios especializados etc.), além de outras redes
como Suas, redes sociais e comunitárias.
166
EPIDEMIOLOGIA E SAÚDE PÚBLICA
O Nasf 1 deverá ter equipe formada por uma composição de profissionais de nível superior
escolhidos entre as ocupações listadas a seguir e que reúnam as seguintes condições:
I – a soma das cargas horárias semanais dos membros da equipe deve acumular, no
mínimo, 200 horas semanais;
II – nenhum profissional poderá ter carga horária semanal menor que 20 horas; e
O Nasf 2 deverá ter equipe formada por uma composição de profissionais de nível superior
escolhidos entre as ocupações listadas a seguir e que reúnam as seguintes condições:
167
Unidade II
I – a soma das cargas horárias semanais dos membros da equipe deve acumular, no
mínimo, 120 horas semanais;
II – nenhum profissional poderá ter carga horária semanal menor que 20 horas; e
Observação
Dados atuais do Ministério da Saúde indicam que há grupos que estão mais expostos a riscos na sua
saúde, por exemplo, crianças com menos de 1 ano, gestantes, idosos, trabalhadores urbanos e rurais etc.
É nesse ponto que devem atuar os programas de saúde. Contudo, são eficazes apenas quando as
diretrizes vigentes respeitam as condições sociais, epidemiológicas, institucionais e culturais existentes
em âmbito regional ou microrregional.
Além da ESF, o Portal da Saúde dispõe alguns programas e ações específicos para a população do
Brasil. Alguns deles são solidificados, outros nem tanto, e ainda há aqueles em fase de implantação, ou
seja, dependem da adesão dos municípios para executá‑los nas cidades brasileiras.
A seguir, serão descritos os principais programas de saúde do Brasil e as principais ações voltadas
uma vez que são implantados:
168
EPIDEMIOLOGIA E SAÚDE PÚBLICA
8.4.1.1 Histórico
O Portal da Saúde (2015) fala sobre como se estabeleceu o esquema de saúde suplementar no Brasil.
Coube à Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) cumprir a Lei nº 9.656, editada em junho de
1998, e então empregá‑lo.
A ANS iniciou suas atividades por meio da Lei nº 9.961, de 28 de janeiro de 2000, como instância
reguladora de um setor da economia sem padrão de funcionamento. A exceção ficava por conta do seguro
de assistência à saúde e das seguradoras, sob o controle econômico‑financeiro da Superintendência de
Seguros Privados (Susep).
A saúde suplementar passou a conviver com o sistema público, consolidado pelo SUS, nascido a
partir da CF de 1988. Com o SUS, a saúde foi legitimada como um direito da cidadania, assumindo
status de bem público. Muitos autores e sanitaristas dizem que foi criado um sistema de saúde
paralelo no Brasil e que este muitas vezes é um concorrente para o SUS, principalmente no que diz
respeito ao controle social.
Historicamente, o ano de 1923 é tido como o marco do início da Previdência Social no Brasil. A Lei
Eloy Chaves, conforme citado anteriormente, promulgada nesse mesmo ano, criava, “[…] em cada uma
das estradas de ferro existentes no país, uma caixa de aposentadorias e pensões para os respectivos
empregados” (BRASIL, 1923).
Essas caixas funcionavam como fundos geridos e financiados por patrões e empregados que, além
de garantirem aposentadorias e pensões, como destacado em suas denominações, também financiavam
serviços médico‑hospitalares aos trabalhadores e seus dependentes.
Embora esse marco histórico não seja comumente apontado como a origem dos planos de saúde
no Brasil, é difícil não notar a similaridade das antigas caixas com as atuais operadoras da modalidade
de autogestão. De fato, em 1944, o Banco do Brasil constitui sua caixa de aposentadoria e pensão
(Cassi), que é o mais antigo plano de saúde no Brasil ainda em operação.
O sistema de saúde brasileiro seguiu a trajetória de outros países latino‑americanos (México, Chile,
Argentina e Uruguai), desenvolvendo‑se a partir da Previdência Social.
Em meados da década de 1950, planos de saúde comerciais, com clientelas abertas, também nascem
no ABC como planos coletivos empresariais por meio da modalidade da medicina de grupo.
Hoje, o setor brasileiro de planos e seguros de saúde é um dos maiores sistemas privados de
saúde do mundo.
171
Unidade II
Pietrobon (2008), baseada na obra de Duarte (2001), indica que o sistema de atenção médica
suplementar cresceu a passos largos durante a década de 1980, de tal modo que, em 1989, cobria
22% da população total do país. Somente no período 1987/89 incorporaram‑se a esse subsistema
7.200.000 beneficiários.
Alguns autores afirmam que existem atualmente um pouco mais de 2.080 operadoras ativas, ou
seja, com beneficiários, tornando o mercado da saúde suplementar concorrencial. Por outro lado, é
preciso repensar e construir modelos de atenção à saúde sob novas bases para aumentar a eficiência,
por meio da otimização de gastos; ampliar a eficácia, elevando e qualificando os resultados; e aumentar
a efetividade, contribuindo mais para uma melhoria da saúde (SCAFF, 2008).
Desde que o sistema privado de atenção à saúde foi regulamentado, em 1988, com a publicação
da Lei nº 9.656/98 e suas sucessivas alterações, foi necessária a implantação da ANS. Com esta, as
empresas operadoras têm procurado se ajustar e se enquadrar aos padrões e normas estabelecidas,
visando a um equilíbrio financeiro interno e à satisfação de seus usuários e prestadores de serviços.
Essa tarefa não tem sido fácil, tendo em vista os desafios e exigências impostos pela agência reguladora
(PIETROBON, 2008).
A ANS é uma autarquia sob regime especial vinculada ao Ministério da Saúde e responsável pela
regulação, normatização, controle e fiscalização das atividades que garantam a assistência suplementar
à saúde. Tem por finalidade institucional
172
EPIDEMIOLOGIA E SAÚDE PÚBLICA
Segundo Pietrobon (2008), os objetivos da regulamentação podem ser resumidos da seguinte forma:
• definir e controlar as condições de ingresso, operação e saída das empresas e entidades que
operam no setor;
A ANS desenvolve e aprimora inúmeros mecanismos para gerar informações relativas ao setor de
saúde suplementar: a constituição de câmaras técnicas; consultas públicas; disque ANS e portal ANS; e
o acesso por meio dos núcleos regionais. Para as ações de fiscalização, existem dois grandes blocos de
atuações estratégicas: medidas preventivas e os regimes especiais (LIMA, 2005).
As medidas preventivas são os processos de ajuste acordados entre a ANS e as operadoras de planos
de saúde e os planos de recuperação. Os regimes especiais são as direções técnicas e fiscais, que são
processos instaurados pela ANS quando as empresas descumprem os mecanismos de ajuste e realizam
processos de monitoramento das anormalidades administrativas. A ANS desenvolve, ainda, dois projetos
para a fiscalização e instrumentos de transformação de comportamento do mercado de planos de
saúde: Cidadania Ativa e Olho Vivo (CONASS, 2007).
Segundo o Conselho Nacional dos Secretários de Saúde – Conasems – (2007), a instituição da ANS
possibilitou um maior conhecimento do setor e a definição de critérios para a entrada no mercado,
funcionamento e acompanhamento econômico‑financeiro das operadoras de planos e seguros de saúde
(LIMA, 2005).
Essa fiscalização não precisa ser unicamente exercida pela ANS, apesar de sua legitimidade e
competência, e pode ser auxiliada pelos Procons, que possuem atividades estaduais e municipais,
bem como por outros órgãos privados, por exemplo, com as experiências de autorregulação
(PIETROBON, 2008).
174
EPIDEMIOLOGIA E SAÚDE PÚBLICA
Com todo o conteúdo exposto, notamos que o número de beneficiários ultrapassou os 40 milhões,
portanto concluímos que a ANS é uma realidade e uma necessidade no setor no Brasil.
Entretanto, há também a necessidade de que a ANS amplie seu escopo de atuação a todos os
tipos de contratos de planos de saúde, já que fica evidente que há necessidade premente de que a
entidade atue mais diretamente nas relações conturbadas entre as operadoras de planos de saúde,
prestadores de serviços e beneficiários, mediando as tensões e contribuindo ativamente para a
melhoria do sistema de saúde como um todo.
Saiba mais
Exemplo de aplicação
Como um gestor em saúde de um município, você é responsável pela configuração de uma Unidade
de Saúde da Família (USF) para quase 12 mil habitantes. Então, deverá planejar quantas equipes seriam
necessárias para compor e atender à demanda dessa comunidade. Além dessas ações, você deve
responder à seguinte questão: é possível configurar um Nasf nesse território?
Resumo
175
Unidade II
Por fim, foi feita uma breve discussão sobre a ANS no Brasil. Explicamos
o seu papel regulador no que diz respeito à saúde privada no país,
relatando que o Governo Federal é responsável por regular e coordenar
os planos de saúde privados, bem como os procedimentos, consultas e
exames por eles ofertados.
Exercícios
Questão 1. (FCC, 2015) A promoção de saúde foi tema de conferências mundiais (Canadá, 1986;
Austrália, 1988; Suécia, 1991; Colômbia, 1992; México, 2000; Tailândia, 2005; Quênia, 2009), que deram
origem a importantes documentos com compromissos a serem assumidos por todos os países. A Carta
de Ottawa (1986) define a promoção de saúde como o processo de capacitação da comunidade para
atuar na melhoria de sua qualidade de vida e saúde, incluindo uma maior participação no controle
desse processo, e enfatiza que para atingir um estado de completo bem-estar físico, mental e social os
indivíduos e grupos devem saber identificar:
B) Processos saudáveis no âmbito das organizações de trabalho e ingressar nos serviços de saúde de
rede pública.
E) Sintomas psicológicos e os métodos de cura, obtendo acesso aos serviços necessários para seu
atendimento em clínicas especializadas.
177
Unidade II
A) Alternativa incorreta.
B) Alternativa incorreta.
C) Alternativa incorreta.
D) Alternativa correta.
Justificativa: para atingir um estado de completo bem-estar físico, mental e social, os indivíduos e os
grupos devem saber identificar aspirações, satisfazer necessidades e modificar favoravelmente o meio
ambiente. A saúde deve ser vista como um recurso para a vida, e não como objetivo de viver.
E) Alternativa incorreta.
Questão 2. (Anvisa 2013) Segundo dispõe a Lei nº 8.080/1990, o orçamento da Seguridade Social
destinará ao Sistema Único de Saúde (SUS), de acordo com a receita estimada, os recursos necessários
à realização de suas finalidades, previstos em proposta elaborada pela sua direção nacional, com a
participação dos órgãos da Previdência Social e da Assistência Social, tendo em vista as metas e prioridades
estabelecidas na Lei de Diretrizes Orçamentárias. Porém, na composição do referido orçamento, existe
a possibilidade de contar com recursos denominados por lei como “de outras fontes”. É correto afirmar
que são considerados de outras fontes os recursos provenientes de:
A) Serviços que possam ser prestados sem prejuízo da assistência à saúde; alienações patrimoniais e
rendimentos de capital; rendas eventuais, exceto comerciais e industriais.
D) Serviços que possam ser prestados sem prejuízo da assistência à saúde; alienações patrimoniais e
rendimentos de capital; ajuda, contribuições, doações e donativos.
178
EPIDEMIOLOGIA E SAÚDE PÚBLICA
A) Alternativa incorreta.
Justificativa: serviços que possam ser prestados sem prejuízo da assistência à saúde; alienações
patrimoniais e rendimentos de capital; rendas eventuais, inclusive comerciais e industriais.
B) Alternativa incorreta.
C) Alternativa incorreta.
Justificativa: taxas, multas, emolumentos e preços públicos arrecadados no âmbito do SUS, e não
imobiliário; alienações patrimoniais e rendimentos de capital; ajuda, contribuições, doações e donativos.
D) Alternativa correta.
Justificativa: serviços que possam ser prestados sem prejuízo da assistência à saúde; ajuda,
contribuições, doações e donativos; alienações patrimoniais e rendimentos de capital; taxas, multas,
emolumentos e preços públicos arrecadados no âmbito do SUS; rendas eventuais, inclusive comerciais
e industriais.
E) Alternativa incorreta.
Justificativa: taxas, multas, emolumentos e preços públicos arrecadados no âmbito do Sistema Único
de Saúde (SUS); ajuda, contribuições, doações e donativos; alienações patrimoniais e rendimentos de
capital, e não alienações patrimoniais de bens públicos integrantes do Sistema Único de Saúde (SUS).
179
FIGURAS E ILUSTRAÇÕES
Figura 2
HAY, S. I. et al. The global distribution and population at risk of malaria: past, present, and future.
Lancet Infectious Diseases, v. 4, n. 6, p. 327-336, 2004.
Figura 3
Figura 4
Figura 8
BAHIA (Estado). Secretaria da Saúde do Estado da Bahia. Hospital Geral Prado Valadares. 2009.
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www.inca.gov.br
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Exercícios
Unidade II – Questão 2: CETRO CONCURSOS PÚBLICOS. Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
Concurso Público 2013: Todo os cargos de Nível Superior. SUS, Políticas de Saúde e Epidemiologia.
196
197
198
199
200
Informações:
www.sepi.unip.br ou 0800 010 9000