Técnicas Expressivas Na Psicologia Analitica

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Lista de material para aula de argila:

Argila
Pote para água
Jornal (ou qualquer outro papel) para forrar
Panos ou papel toalha para limpeza
Tinta guache (opcional; para quem quiser experienciar a pintura na argila, mesmo com ela
úmida)
Instrumentos para auxiliar a modelagem na argila (ex: palitos, espátulas, faquinhas de
plástico, etc)
Obs: Vá com roupas confortáveis e que não tenham problema com a possibilidade de sujar;
ou leve um avental.

Técnicas Expressivas - Argila

Maria Cristina Mariante Guarnieri


[email protected]

O propósito da análise é ajudar a redirecionar a energia psíquica para o desenvolvimento


com o auxílio de uma experiência simbólica de material inconsciente. As maiores
contribuições de Jung foram: a insistência na função simbólica e criativa do material
inconsciente, o poder curativo das imagens e a tendência prospectiva da psique à
regressão durante o estresse e o crescimento. (SALMAN, S., 2002, p.81)

A psicologia junguiana nos possibilita um relacionamento criativo com o


inconsciente. Podemos considerar essa uma das contribuições mais importantes
de Jung e que acaba desdobrando-se no valor e na utilização das técnicas
expressivas no processo analítico. Isso porque, a saúde psicológica é dependente
de um processo contínuo de confronto entre consciência e inconsciência. O intuito
não é apenas tornar consciente o material inconsciente, mas sim manter a tensão
criativa entre consciente e inconsciente, pois é essa que pode facilitar a integração
criativa da experiência psicológica.

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(...) porque somente quando a consciência é confrontada com os produtos do
inconsciente é que se produz uma reação provisória a qual, entretanto, determina
todo o processo subsequente. Só́ a experiência prática é capaz de dizer alguma coisa
sobre o que aconteceu. Até onde alcança minha experiência, parece-me que são duas
as principais tendências neste campo. Uma delas vai na direção da formulação
criativa e a outra na direção da compreensão. (JUNG, 1984, §172)

Em Jung, o inconsciente é elemento inicial, do qual brota a condição


consciente. A consciência tem o ego como referência; só atinge a consciência aquilo
que se relaciona com o ego. Consciência pode, então, ser definida como a relação
dos fatos psíquicos com o ego. O ego é

um dado complexo formado primeiramente por uma percepção geral do nosso corpo
e existência e, a seguir, pelos registros de nossa memória. Todos temos uma certa
ideia de já termos existido, quer dizer, de nossa vida em épocas passadas. Todos
acumulamos uma longa série de recordações. Esses dois fatores são os principais
componentes do ego, que nos possibilitam considerá-lo como um complexo de fatos
psíquicos. A força de atração desse complexo é poderosa como a de um imã: é ele
que atrai os conteúdos do inconsciente, daquela região obscura sobre a qual nada
se conhece. Ele também chama a si impressões do exterior que se tornam
conscientes ao seu contacto. Caso não haja esse contacto, tais impressões
permanecerão inconscientes. (JUNG, 1983, §18)

Os processos inconscientes revelam-se através de seus produtos. Se o


material é pessoal, aquisições do indivíduo ou produtos de processos instintivos
que completam a personalidade, temos o inconsciente pessoal. Há também os
conteúdos reprimidos ou esquecidos, mais os dados criativos; na realidade não há
nada que seja necessariamente inconsciente. Porém, se os dados são de origem
totalmente desconhecida, de caráter mítico, não atribuído a aquisições pessoais,
de natureza coletiva, temos o que Jung denominou de inconsciente coletivo. São
padrões arquetípicos, um agrupamento de caráter arcaico, com motivos
mitológicos, seus elementos não são manejáveis pela vontade.

O inconsciente coletivo é a formidável herança espiritual do desenvolvimento


da humanidade que nasce de novo na estrutura cerebral de todo ser humano. A
consciência, ao invés, é um fenômeno efêmero, responsável por todas as adaptações
e orientações de cada momento, e por isso seu desempenho pode ser comparado
muitíssimo bem com a orientação no espaço. O inconsciente, pelo contrário, é a
fonte de todas as forças instintivas da psique e encerra as formas ou categorias que
as regulam, quais sejam precisamente os arquétipos. Todas as ideias e
representações mais poderosas da humanidade remontam aos arquétipos. Isto
acontece especialmente com as ideias religiosas. Mas os conceitos centrais da
Ciência, da Filosofia e da Moral também não fogem a esta regra. Na sua forma atual
eles são variantes das ideias primordiais, geradas pela aplicação e adaptação
conscientes dessas ideias à realidade, pois a função da consciência é não só a de
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reconhecer e assumir o mundo exterior através da porta dos sentidos, mas traduzir
criativamente o mundo interior para a realidade visível. (JUNG, 1984, §342)

O Inconsciente coletivo é a camada mais profunda da nossa alma. É coletivo


porque não pertence ao indivíduo, mas a humanidade. Assim como o ser humano,
independente da raça, etnia ou cultura possui, via de regra, uma anatomia comum,
ele possui também um substrato psíquico comum que é constituído pelos
arquétipos.

O arquétipo pode ser compreendido como uma espécie de matriz, de alto


potencial energético, que atua como força motriz na estruturação da alma.
Arquétipos são tendências psíquicas universalmente herdadas, via evolução da
espécie, para representar imagens semelhantes; são virtuais, imateriais, “formas
sem conteúdo”, só acessíveis indiretamente por intermédio de suas “filias”, a saber,
as imagens arquetípicas, que podem ser observadas em projeções e personificações
encontradas nos sonhos, nos mitos, nos contos de fadas, nas religiões, nas artes
dramáticas, plásticas e esculturais, nas peças publicitárias e nos relacionamentos
humanos.

O Arquétipo central é denominado Self, “Si mesmo”, um princípio gerador e


unificador dos arquétipos com o ego. Do Self, surge o ego, um complexo, que como
tal implica em um núcleo central e de coisas que são atraídas por ele, isto é, ele é
uma força que atrai. Os arquétipos e o ego existiam potencialmente no Self.

A relação ego-self, então, expressa o seguinte: uma unidade que cada vez que
se manifesta, se parte, se divide, se expressa por meio de polaridades e, como
consequência, a nossa busca seria a união dos polos novamente. Crescer é
perceber que esses polos são complementares. O ego só trabalha em um dos polos,
ou em um ou em outro, o que faz com que o trabalho da consciência seja
discriminar. Um trabalho que é redutivo por si só, mas necessário, o que resulta
na base do trabalho terapêutico que é levar o indivíduo a buscar encontrar todas
as suas possíveis potencialidades que possam ser expressas. O caminho da
individuação, isto é, da evolução da consciência, de sua harmonização com o
inconsciente, implica no reencontro do ego com o Self, ou seja, do sujeito com suas
raízes.

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É importante observar que a psique inconsciente sempre se exprime através
da consciência

A consciência é como uma superfície ou película cobrindo a vasta área inconsciente,


cuja extensão é desconhecida. [...] é impossível estabelecermos continuamente uma
imagem de totalidade devido a própria limitação da consciência. A nossa
possibilidade restringe-se à percepção de instantes de existência. Seria como se
observássemos através de uma fenda e só víssemos um momento isolado – o resto
seria obscuro, inacessível à nossa percepção. A área do inconsciente é imensa e
sempre continua, enquanto a área da consciência é um campo restrito de visão
momentânea. (JUNG, 1983, § 13)

É através do ego que adquirimos consciência das coisas tanto do mundo


interno como do mundo externo, ampliando assim nosso campo da consciência, o
que refletirá a nossa existência. Somos o que conhecemos, percebemos,
reconhecemos e pensamos. Em certos momentos algo se infiltra na consciência
como ideia, uma imagem, uma crença, uma formação autônoma; um conteúdo que
recebe a denominação de Jung de complexo autônomo. O complexo autônomo é
dotado de energia.

É a partir da experiência com os testes de associações de palavras que Jung


observa o que ele denominou de complexo – “um conteúdo afetivamente acentuado,
que é constituído de um elemento central e de um grande número de associações
secundariamente consteladas”. (JUNG,2002,§18) O núcleo de um complexo “se
caracteriza por uma tonalidade afetiva que é, energeticamente falando, uma
quantidade de valor”. ( Ibid., §19, grifo do autor). O núcleo do complexo possui força
consteladora e corresponde à uma quantidade maior ou menor de energia envolvida
no processo. E mais, o transito dessa energia é variável, não só́ no âmbito
consciente, mas também inconsciente. Assim, Jung acabou concluindo que, como
modelo teórico, a psique deveria ser considerada como um sistema energético
relativamente fechado, com um quantum de energia limitado e com seu fluxo
variando entre consciência e inconsciência.
Portanto, saúde psíquica e a própria dinâmica psíquica deve ser
compreendida como o fluir de energia entre consciência e inconsciência e, com isso,
o conceito de energia será́ fundamental na teoria junguiana.
Jung, em seu modelo teórico, considerou que a energia psíquica se comporta
do mesmo modo que a energia física e, desse modo, a dinâmica da energia psíquica

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segue os mesmos princípios observados na energia física, a saber: constância,
equivalência e compensação.
Como princípio de constância: a quantidade de energia é relativamente fixa,
mas é possível a transformação da energia por meio dos símbolos. Como princípio
de equivalência observamos o intercâmbio entre consciência e inconsciência, os
sintomas que emergem tanto dos conflitos como da unilateralidade da consciência.
A partir do filósofo alemão Ludwig Buísse, Jung afirma que o princípio de
equivalência indica “que, para qualquer quantidade de energia utilizada em um
ponto qualquer, para se produzir uma determinada condição, surge em um outro
ponto igual quantidade dessa mesma ou de outra forma de emergia”. O princípio
da constância, pelo contrário, indica “que a energia total permanece igual a si
mesma, sendo, por conseguinte, incapaz de aumentar e diminuir”. (Ibid., §34)
É o princípio de compensação que indica a própria auto regulação da psique.
Essa busca pelo equilíbrio pode ser compreendia como uma entropia, um princípio
complementar a conservação de energia. O inconsciente, com objetivo de manter a
homeostase psíquica, busca compensar a atitude unilateral do ego. Essa busca
pode ativar no inconsciente o princípio contrário, a enantiodromia, um processo
inconsciente de mudança de perspectiva onde o conteúdo oposto negado emerge se
opondo ao conteúdo da consciência1. E é também pelo sistema de compensação
que podemos integrar os conteúdos do inconsciente à consciência. Aqui teremos
mais um conceito importante para a psicologia junguiana, a metanóia, uma
mudança de caminho, que para Jung, embora seja o mesmo movimento da
enantiodromia, a primeira possui a participação da consciência e por isso é de
fundamental importância no processo de individuação.
Jung observou que há um sentido final para a energia psíquica, um objetivo
a ser alcançado, diferenciado e integrado. Da energia mais instintiva e primitiva,
para a espiritualidade e transcendência, observaremos um constante confronto
entre natureza e psiquismo, que se desdobrará em crescimento, auto regulação e
equilíbrio psíquico.
Toda e qualquer doença é um símbolo, o qual revela uma disfunção no eixo
ego-Self, provocada por um complexo, que aponta para a correção a ser feita; qual
conteúdo deve ser integrado na consciência. Mais importante que a
causalidade, precisamos entender a finalidade de tal disfunção.

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A psicoterapia profunda ativa as imagens incipientes da psique, mantendo, a
seguir, diálogo com elas. Jung descreveu esse processo como a função
transcendente, através da qual, o Si-mesmo procura transcender as barreiras
existentes entre a consciência e o inconsciente. Em outras palavras, a psique
procura curar a si própria. Essa ideia da cura é, por conseguinte, mais homeopática
do que alopática; o semelhante cura o semelhante. A cura tem origem na
ressonância, na repercussão ou no reconhecimento da semelhança. (...) A cura
pessoal, a cura da alma, tem lugar através da evocação de imagens ou atos
simbólicos que ressoam e mediam a divisão. (HOLLIS, 1997, p.153).

A capacidade de simbolizar, nesse sentido, é um pré requisito para a saúde


psíquica. Na prática, fantasias, sonhos, sintomas, imagens que emergem do
inconsciente são vistos como a função criativa da psique e em sua teleologia, isto
é, devemos nos guiar no sentido dessa imagem, no que ela quer nos dizer. Jung
adota uma perspectiva fenomenológica em relação a produção inconsciente.
A capacidade de produzir imagens é considerada, por Jung, como a função criativa
da psique, que impulsiona o indivíduo ao processo de individuação. Uma imagem
com características mais despersonalizadas e que tendem ao coletivo, é uma
imagem arquetípica, que provém do inconsciente coletivo e está conectada a um
determinado arquétipo. Uma imagem com características mais pessoais, menos
despersonalizadas, é uma imagem proveniente do inconsciente pessoal.

A imagem se apresenta com alteridade a consciência e, por isso, na prática clínica,


Jung estimulava a expressão simbólica por meio da pintura, do desenho, da
escultura, para promover uma descentralização do ego, valorizando assim as
imagens do inconsciente.
(...) Pintar aquilo que vemos diante de nós é uma arte diferente de pintar o que vemos
dentro de nós. O que importa é o indivíduo dar forma, mesmo que rudimentar, ao
inexprimível pela palavra: imagens carregadas de energia, desejos e impulsos. Somente
sob a forma de imagens a libido poderá ser apreendida viva, e não esfiapada pelo
repuxamento das tentativas de interpretações racionais. (SILVEIRA, 1992, p. 86)

A produção com argila, por exemplo, nos revela a importância das imagens na
estruturação da psique. O uso da técnica visa facilitar e promover a elaboração da
emoção oculta na imagem realizada. A argila é um material concreto, que auxilia
na construção do real, na materialização do subjetivo. Por ser um material
maleável, que proporciona fluidez entre sujeito e peça, possui uma plasticidade que
permite trabalhar a complexidade subjetiva. O trabalho com a argila é visceral, e
sua manipulação, o toque na terra, o frio e quente, possibilita a transformação,
assim como dar forma às imagens, sentimentos e emoções - um encontro consigo
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mesmo, em que se estimula o potencial criativo para a transformação de energias
bloqueadas. Ao transformar as coisas em terra, possibilitamos a concretização das
energias vitais, da ação, da práxis, o tornar matéria, ligar-se ao ego.
Essa transformação se dá por meio dos símbolos. O símbolo (Sim + balai,
significa colocar junto) é uma função integradora e reveladora do eixo ego e si-
mesmo; entre o que é desconhecido –inconsciente pessoal e coletivo – e a
consciência. O símbolo tem vida, alcança dimensões que o conhecimento racional
não consegue, é uma experiência de imagens e por imagens.
A argila é barro, elemento terra; com o uso do fogo, temos a cerâmica; a
modelagem pede o uso da água, e a secagem necessita do ar. No processo de
trabalho com argila, portanto, temos envolvidos o contato com os quarto elementos.
E mais, com a secagem, experimentamos um trabalho de desapego, que ajuda o
paciente a colocar ênfase no processo e não no produto.
Para o primeiro contato com a argila é importante amassá-la bem. Isso permite
não só prepará-la para uso, retirando as bolhas de ar, tornando-a mais plástica
para o trabalho, tornando-a mais homogênea, mas também proporcionar ao sujeito
um contato inicial para que ele se acostumar bem ao material
Além da manipulação para o conhecimento do material, o sujeito naturalmente
inicia um arredondamento da massa, formando com isso bolas e vasilhas,
primeiras construções que, em geral, observamos no primeiro contato.

As impressões que observamos no uso do material são: relaxamento; uma


experiência de limite, de interiorização, concentração, e criatividade; sensações de
prazer e bem estar; auto-estima experimentada com a produção realizada;

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percepção clara que um canal é aberto pela manipulação do material, seja pela
observação da produção ou pelo diálogo que o próprio processo estimula entre
analista e analisando.

Referências:

EDINGER, Edward. Ego e Arquétipo. São Paulo: Cultrix, 1995.

GOUVÊA, A. P. Sol da terra: o uso do barro em psicoterapia. São Paulo: Summus,


1989.

HOLLIS, James. Sob a sombra de Saturno: a ferida e a cura dos homens. São Paulo:
Paulus, 1997.
JUNG, CG. A natureza da psique. Petrópolis,RJ: Vozes, 1984.
______ . Energia Psíquica. Petrópolis, RJ: Vozes, 2002.

______. Fundamentos da Psicologia Analítica. Petrópolis, RJ: Vozes, 1983.

SALMAN, Sherry. “A Psique Criativa: as principais contribuições de Jung” In:


YOUNG-EISENDRATH, Polly e DAWSON, Terence (org). Manual de Cambridge para
estudos Junguianos. Porto Alegre: Artmed Editora, 2002.
SILVEIRA, Nise. Jung,vida e o obra, São Paulo: Paz e Terra, 1982.

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