A Utilizacao Do Toque No Contexto Terapeutico Alexandre Alvarenga
A Utilizacao Do Toque No Contexto Terapeutico Alexandre Alvarenga
A Utilizacao Do Toque No Contexto Terapeutico Alexandre Alvarenga
São Paulo
2019
Alexandre Guimarães Alvarenga
São Paulo
2019
RESUMO
Esta monografia tem como objeto de estudo a utilização do toque em contextos terapêuticos, e
como esta ferramenta pode ser útil na construção de caminhos que levam à conscientização
emocional e ao desenvolvimento. Os seres humanos são animais racionais, e também são
sensíveis ao toque. Os mamíferos lambem seus filhotes recém nascidos para estimular o início
do funcionamento dos sistemas respiratório e gastrointestinal. A pele possui variadas funções,
e uma delas é funcionar como o sistema nervoso externo. O sistema nervoso central e a pele
derivam do mesmo tecido embrionário: ectoderme. O bebê humano não nasce completo e
precisa de mais tempo para se desenvolver: o quarto trimestre da gestação. A amamentação
proporciona a primeira experiência de prazer fora do útero materno. Mamar direto no seio
materno garante um bom desenvolvimento dos músculos que trabalham na articulação da fala.
A integração entre mente (razão) e corpo (vivência sensível) deve ser a constante busca do
terapeuta com seu cliente. A saúde está relacionada com a livre circulação energética, e a
presença de vibrações harmoniosas no corpo. A couraça muscular serve como uma armadura
rígida, e tem a função de bloquear o acesso ao sentimento e às sensações corporais. Existem
sete segmentos da couraça, que funcionam como anéis de contenção. O bloqueio é vivenciado
como dor ou desconforto. A liberação dos bloqueios é alcançada através do toque preciso e
firme. Existem várias metodologias que aplicam o toque com o objetivo terapêutico. É preciso
compreender o entendimento sobre o toque antes de aplicar uma metodologia dentro do
consultório. Existem toques para carregar e para descarregar o sistema energético do cliente.
Os toques variam quanto ao tipo, frequência, intensidade e método.
1 INTRODUÇÃO ............................................................................................................................. 04
3 O TOQUE ...................................................................................................................................... 05
5 A PELE ......................................................................................................................................... 06
6 A AMAMENTAÇÃO ................................................................................................................... 08
11 DISCUSSÃO ................................................................................................................................. 23
12 CONCLUSÃO ............................................................................................................................... 27
REFERÊNCIAS .................................................................................................................................... 29
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1. INTRODUÇÃO
A pele foi feita para ser tocada. A presença de milhares de receptores na epiderme
evidencia o argumento que somos seres relacionais. Cada vez mais a ciência se depara com o
fato de que o ‘dentro’ e o ‘fora’ não são ideias tão concretas materialmente. Um sistema poroso,
que está em constante troca com o meio ambiente, se torna cada vez mais a visão atual do ser
humano.
O toque sempre foi utilizado como método de cura e alívio de sintomas. Quando uma
pessoa se machuca, leva as mãos automaticamente até a parte que dói, na tentativa de levar
calor e irrigação sanguínea até o local. A dor é sanada na medida que o sistema começa a
retornar à harmonia.
Curiosamente, não utilizamos o toque apenas para amenizar dores físicas. Quando um
amigo está triste, dizemos que está precisando de um abraço. Se a pessoa não tiver intimidade
para um abraço, costuma-se dar um ‘tapinha nos ombros’, gesto que comunica firmeza, apoio,
força.
Esta monografia tem como objetivo a compreensão dos fenômenos energéticos que dão
base para o adoecimento psíquico e emocional, e da utilização de toques e manobras corporais
para restabelecer a saúde e a vitalidade.
Esta pergunta traz uma variedade de respostas. Existem diversas maneiras de tratar
terapeuticamente através do uso das potencialidades do corpo. No entanto, todas abordam um
ponto em comum: a movimentação do fluxo de energia vital para alcançar saúde e bem estar.
A doença seria o bloqueio ou estagnação do movimento natural de circulação energética. Nesse
contexto, o conceito de doença passa a ser mais do que somente físico e material e passa a
incluir o domínio da energia e do sutil.
Cabe aqui fazer uma diferenciação de energia sutil para o conceito místico de energia
utilizado em algumas religiões e também no senso comum. O termo ‘energia’ está muito
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desgastado fora do âmbito acadêmico científico e quando um profissional diz que trabalha para
a liberação do fluxo de energia, costuma ser associado a um xamã ou a um ser que possui dons
maravilhosos. É interessante lembrar que antes da descoberta da energia elétrica, fenômenos
observados pela passagem dessa corrente eram associados à magia e ao mundo fantástico.
3. O TOQUE
Somos mamíferos por natureza. Animais racionais, sim, no entanto também temos
impulsos e instintos que não encontram explicação no mundo racional. A vida existe, apesar da
razão. Primeiro, nascemos, nos alimentamos, crescemos e somente depois de um tempo,
começamos a exercitar o pensamento. A abstração de símbolos é uma função refinada da psique
humana e precisa de tempo para se desenvolver.
revidar as ofensas podem ser consideradas ‘espinhosas’. As que possuem uma resiliência forte,
‘casca grossa’; se perseguem um objetivo com firmeza, dizem que ‘tem garra’. Quando
compreendo um discurso complexo, digo que se tornou ‘palpável’. Experiências emocionais
profundas geralmente são chamadas de ‘tocantes’, por exemplo: ‘me senti tocado quando você
disse que gosta de mim’. Por fim, quando me relaciono com alguém digo que estou ‘em
contato’.
5. A PELE
A pele é o mais extenso órgão dos sentidos do corpo humano. Por um tempo, a proteção
dos órgãos internos era considerada a sua função mais importante. No entanto, novas
descobertas científicas apontam que a pele também exerce a função de comunicação com o
meio externo.
Tanto a pele quanto o sistema nervoso se originam da camada mais externa do tecido
embrionário: a ectoderme. Uma parte se diferencia em cérebro, medula espinhal e sistema
nervoso central. O restante, em cabelos, unhas, dentes e órgãos do sentido (olfato, paladar,
audição, visão e tato). Por esse motivo, a pele é também considerada o sistema nervoso externo
(ou porção exposta do sistema nervoso), e está em conexão constante com o sistema nervoso
central ou interno.
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Ao falar de números, nos surpreendemos. As células da pele caem a uma razão de mais
de um milhão por hora. A cada quatro horas a pele forma duas novas camadas de células. Um
pedaço de pele com três centímetros de diâmetro contém mais de três milhões de células, entre
cem e trezentas e quarenta glândulas sudoríparas, cinquenta terminações nervosas e noventa
centímetros de vasos sanguíneos. Existem aproximadamente seiscentos e quarenta mil
receptores sensoriais na pele. Corresponde sozinha a doze por cento do peso total do corpo.
As marcas na pele registram as experiências de vida de uma pessoa. Assim como o solo,
que possui várias camadas e sofre influência do clima e meio ambiente, a nossa pele responde
a variados estímulos como: deslocamento de ar, gases, partículas, parasitas, vírus, bactérias,
mudanças na pressão, temperatura, umidade, luz, radiação, etc. Um exemplo relacionado à
temperatura: no verão a pele fica mais macia, poros maiores, lubrificação mais intensa; no
inverno, é compacta e firme, poros se aproximam mais.
Segue um breve resumo das inúmeras funções que a pele exerce no corpo humano: base
dos receptores sensoriais; localização do tato; organiza e processa informações; mediadora de
sensações; barreira entre organismo e ambiente externo; fonte imunológica de hormônios para
diferenciação de células protetoras; camada de proteção contra radiação e lesões mecânicas;
barreira contra matérias tóxicos e organismos estranhos; papel de destaque na regulação da
pressão e fluxo de sangue; órgão reparador e regenerativo; produtora de queratina; eliminação
de resíduos através do suor; regula temperatura; metabolismo e armazenamento de gordura;
metabolismo de água e sal, através da transpiração; reservatório de alimento e água; auxilia a
respiração e facilita a entrada e saída de gases; sintetiza compostos importantes como vitamina
D, que controla o raquitismo; barreira ácida que protege contra bactérias; isolamento contra
chuva e frio; auto purificadora.
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6. A AMAMENTAÇÃO
O ato de colocar o bebê junto à sua mãe logo após o nascimento traz um enorme
benefício. A mãe se acalma ao ver o seu filho recém-nascido, ao tocá-lo, a escutar os seus gritos
e desta maneira o seu corpo pode começar a se recuperar do processo difícil do parto. A
sensação do toque do bebê no corpo da mãe estimula o útero dela a reduzir de tamanho e ajuda
na expulsão da placenta. A sucção no peito estimula a produção e a expulsão do leite (reflexo
de descida).
A amamentação sugere uma atitude ativa por parte da mãe, que quer abraçar e acarinhar
o seu filho. Desta maneira não é um ato puramente fisiológico mas também emocional.
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Lembrando aqui do desenvolvimento pós-natal que ocorre fora do útero da mãe, mas que é
essencial nos primeiros momentos de vida do recém-nascido. Lembrando que ele não nasce
‘pronto’ mas que precisa ainda de ajuda e estímulos favoráveis para crescer com saúde (por isso
esse período é chamado de quarto trimestre da gestação).
7. A ORGONOTERAPIA REICHIANA
Orson Bean, famoso ator norte americano da década de 70, passou pelo processo
terapêutico denominado por Reich de Orgonoterapia. Ele morava em Nova Iorque e conheceu
um terapeuta reichiano, chamado Elsworth Baker. Antes disso, Orson passou por um tratamento
psicanalítico clássico freudiano que durou cerca de 10 anos. No entanto, ele sentia um vazio
dentro de si e se sentiu insatisfeito com os resultados da terapia.
Em uma de suas conversas com amigos do teatro, Orson soube da existência de Reich.
Conseguiu um exemplar do livro “Função do Orgasmo” e pouco tempo depois começou a se
encontrar com Elsworth Baker, aluno direto de Reich e orgonomista. Baker passou a tratá-lo
utilizando toques e manobras corporais, no sentido de liberar a respiração e assim entrar em
contato com os sentimentos represados.
Logo após essa sessão exploratória, Baker pede que ele faça movimentos exploratórios
com os olhos, ao mesmo tempo que respira profundamente. Aos poucos a dor começou a
desaparecer e dar lugar a uma gostosa sensação de prazer, que tomou conta de seu corpo todo.
Nas palavras de Orson:
[...] respirava mais profundamente que em qualquer outra ocasião, e senti a passagem
de cada respiração através dos pulmões e até a pélvis. Pouco a pouco, senti-me
suspenso fora do quarto cor de chocolate de Baker e levado aos céus. Respirava em
ritmo astral. Não sei quanto tempo fiquei assim. (BEAN, 1973, p. 28).
E conclui:
Vida é sinônimo de pulsação. Se o coração não pulsar, os tecidos e órgãos corporais não
recebem a nutrição adequada para exercer as suas funções. Os pulmões se enchem de ar puro
(rico em O2) e depois expulsam o ar impuro (rico em CO2), ajudando na eliminação de resíduos
e toxinas. Os intestinos só conseguem movimentar o bolo fecal porque há a presença de
contrações musculares involuntárias: o peristaltismo.
Para compreender a razão dos terapeutas começarem a tocar os seus clientes, deve-se
entender com mais profundidade o conceito reichiano de ‘couraça muscular’. A couraça é a
tensão acumulada nos músculos, que fica retida, e não se desfaz com facilidade. Observando o
reino animal, percebemos como os mamíferos reagem à uma ameaça. Os músculos recebem
uma alta carga de energia (adrenalina) e tensionam para poder se movimentar: correr, fugir.
Caso a fuga não funcione, a energia dos músculos é voltada para outro tipo de movimento, a
luta: mordidas e arranhões, cabeçadas, etc.
de sobrevivência. O animal sente medo e, então, começa a fugir. Vemos como o medo é
importante para a autopreservação. Se ele não existisse, a presa não fugiria e seria alvo fácil
para o predador.
No caso dos animais, o medo é vivenciado apenas enquanto a ameaça está presente.
Quando não há mais perigo, o animal consegue se livrar do medo, retornando a um estado
relaxado, livre de tensões. O animal humano é o único que consegue segurar o medo no próprio
corpo, basicamente por meio de dois mecanismos: o ‘controle’ da respiração e a criação de
tensões musculares, que com o tempo se tornam crônicas. O medo retido no corpo se torna
temor. A pessoa passa a sentir medo mesmo quando a ameaça não está presente. Em casos mais
patológicos, não sai de casa, por temer que algo perigoso possa acontecer.
Quanto aos toques, Baker diz que a pressão direta realizada em um músculo
cronicamente tenso é a maneira mais efetiva para alcançar o relaxamento. Geralmente é
realizada com os polegares, pressionando e estimulando a musculatura até que a tensão não
consiga ser mais mantida. Este ponto sensível ao toque é chamado por ele de ‘ponto nevrálgico'.
No entanto, o relaxamento em si não trará a resposta terapêutica a menos que sejam liberadas
as emoções, sentimentos e pensamentos reprimidos que estão relacionados diretamente com a
contenção muscular.
do corpo que não podem ser tocados diretamente (como os olhos e o diafragma) o terapeuta
deve buscar maneiras mais criativas para mobilizar a área encouraçada. Segue abaixo os tipos
de toques e manobras recomendados para cada segmento da couraça muscular, segundo Baker.
Segmento Torácico. Instruir o cliente para seguir seu próprio ritmo respiratório,
enquanto terapeuta exerce uma pressão no peito ao longo da expiração. Eliciar movimentos de
soco, de arranhar, gritos, e soluços e depois pedir que estenda os braços à frente, desejando
algo.
Segmento Diafragmático. Como não há como tocar o diafragma, deve-se encontrar uma
outra maneira de atingir esse segmento da couraça. Pode-se que o cliente elicie o reflexo do
vômito, colocando um dedo no fundo da garganta e deixando a expiração livre. O diafragma
fará um forte movimento como um ‘tranco’ e haverá a mobilização de parte da bioenergia
retida, aliviando a tensão.
Segmento Abdominal. Baker diz que a estase pode ser aliviada pela liberação da tensão
dos músculos da área, mas não especifica o toque utilizado para esse objetivo.
Segmento Pélvico. Por se tratar de uma das área erógenas do corpo mais facilmente
excitáveis, é necessário cautela do terapeuta. Baker sugere trabalhar a mobilização da pelve
para chegar à ansiedade e à raiva que se encontram por detrás da couraça.
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8. A ANÁLISE BIOENERGÉTICA
Alexander Lowen observou no seu trabalho que a medida que seus clientes ganhavam
familiaridade com os seus sentimentos, tendo consciência e vivenciando a expressão no seu
próprio corpo, seu senso de responsabilidade aumentava. Quando entro em contato com meu
próprio sofrimento, passo a ter consciência do sofrimento alheio e assim, tomo uma atitude
interna de evitar as causas que levaram ao início da dor.
Ao entrar em contato com estímulos, externos e internos, nosso corpo processa essas
informações e as traduz em sensações corporais. Estas podem ser agradáveis ou desagradáveis,
dependendo da reação aos estímulos, e posteriormente podem desencadear os sentimentos.
Por exemplo, o toque de um namorado pode trazer calor, bem estar e agradabilidade
(sensações corporais) e desencadear a alegria (sentimento). Já o toque inesperado, de uma
pessoa não conhecida, pode trazer sensações de frio, retenção muscular, associados a um mal
estar, desencadeando assim o sentimento de medo.
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Todo sentimento apresenta duas facetas. Uma relacionada ao sentir e outra relacionada
à expressão. Posso sentir a tristeza (sensações de aperto no peito, falta de energia, vontade de
recolhimento, etc.) e escolher, ou não, expressá-la (o choro e o pranto).
Este é o motivo principal que levou os psicanalistas clássicos a não utilizar o toque no
consultório. Segundo uma abordagem mais clássica psicanalítica, o terapeuta não pode tocar
seu cliente porque isso irá interferir na relação transferencial com ele. Por exemplo: o cliente
pode entender errado o toque do terapeuta e chegar a se apaixonar por ele, ou vice-versa. No
entanto, poderíamos argumentar que o terapeuta que se apaixona pelo seu cliente pode estar
suprindo uma carência afetiva profunda e inconsciente e que se estivesse em terapia, poderia
distinguir com mais facilidade o afeto verdadeiro daquele baseado na neurose de caráter.
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Importante lembrar que todo toque realizado pelo terapeuta deve estar baseado em uma
hipótese clínica e ser fundamentado em um objetivo claro. Nem sempre o toque trará os
resultados que o terapeuta espera, mas isso faz parte do trabalho terapêutico. Neste caso, o
profissional deve aceitar a informação que vem do cliente e reformular o seu entendimento
sobre a história emocional dele. Nada que vem do cliente pode estar ‘errado. O terapeuta aceita
a realidade que se apresenta a ele e formula as estratégias adequadas, de acordo com o momento
da terapia.
São variados os tipos de toque que podem ser utilizados em uma sessão bioenergética.
A escolha de um tipo será determinada pela situação emocional que o cliente apresenta no
momento. Existem toques para ‘carregar’ o sistema energético e também para ‘descarregar'.
Um cliente que se apresenta apático, com fala e movimentos lentos, e outros sinais de
desvitalização necessitará de toques que aumentem sua carga de energia. Falamos aqui em
toques que irão nutrir a energia do cliente. Geralmente são toques mais delicados, suaves, e que
trazem segurança e conforto. Para recarregarmos nossa energia, necessitamos de um ambiente
seguro, aconchegante. Lembremos do período de sono que nos revitaliza todos os dias, e da
cama macia e quentinha que favorece essa recarga. Lembremos também do ambiente intra
uterino que é quente e seguro e proporciona nutrição ao bebê, tanto física quanto emocional.
Um dos modos de enfrentar tais problemas é colocar o polegar da mão direita 2,5 cm
abaixo do ângulo do queixo enquanto que o dedo médio está localizado na posição
correspondente do outro lado do pescoço. Os músculos escaleno e
esternocleidomastóideo são assim aprisionados e se aplica uma pressão firme no local,
enquanto o paciente vocaliza uma nota alta e longa. Repete -se o mesmo procedimento
várias vezes no meio e na base do pescoço (...). Muitas vezes, isto provoca gritos de
agonia que se transformam em profundos soluços (...). A mágoa é expressa nos
movimentos (...) e o corpo todo vibra de emoção. A voz ganha vida e pulsa, enquanto
que o bloqueio da garganta se abre.
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Com o surgimento desses exercícios, o toque passa a ganhar outro entendimento dentro
do consultório. Algumas posturas levam à mobilização de grupos musculares envolvidos na
couraça. A vibração advinda da resistência em manter o corpo na mesma postura sensibiliza e
afrouxa o local da tensão, tendo o objetivo similar dos toques realizados pelos reichianos. No
entanto, o toque direto no corpo do cliente ainda é utilizado, a depender da situação apresentada.
9. A PSICOLOGIA BIODINÂMICA
Gerda Boyesen foi pioneira em uma nova maneira de tratar as neuroses. Ao contrário
de alguns terapeutas corporais de sua época, Gerda preferia trabalhar com suavidade. Segundo
o seu entendimento, a intensidade de força utilizada no toque poderia ter um efeito contrário à
expectativa do terapeuta. Ao invés de promover o fluxo da energia, poderia reforçar o bloqueio
e a contenção, através da criação de um novo reflexo de sobressalto.
O reflexo de sobressalto (startle-reflex pattern) surge sempre que temos que lidar com
uma situação de stress (físico, emocional ou psíquico). Nessas situações o corpo se torna tenso,
a respiração é alterada (inspiração maior do que a expiração), o tônus e a postura se modificam,
e o diafragma se contrai. Todas essas alterações tem a função de preparar o corpo para dar uma
resposta rápida à situação de perigo: gritar, espernear, bater, fugir, pedir ajuda, etc. Após a
descarga emocional espontânea, o corpo retorna ao estado de equilíbrio, relaxando os músculos
tensos e harmonizando o ritmo respiratório.
age a nível exterior, a outra age a nível interior. A ação das duas bloqueia a energia vital do
organismo, resultando na neurose.
9.2 O PSICOPERISTALTISMO
O trabalho de Gerda estava voltado para fazer a ansiedade neurótica desaparecer. Para
alcançar esse objetivo, ela buscava promover uma descarga vegetativa no corpo do cliente
(sendo a mais comum a diarreia). Os choros, gritos e suspiros também eram considerados como
descarga do corpo. Uma outra via de descarga emocional era alcançada através da fala, o
caminho da psicanálise clássica.
Ao aprofundar seu estudo, ela chegou à conclusão que a energia emocional é a energia
primitiva do corpo, e seria proveniente da endoderma. O canal alimentar é o canal mais
primitivo existente nos mamíferos, portanto o tubo digestivo seria o local primordial da
circulação da energia instintual. Em sua pesquisa, ela observou quatro vias de descarga desta
energia. Duas ascendentes: reação emocional pelo grito (forte) e a fala (suave). Duas
descendentes: a diarreia (forte) e o processo ao qual ela denominou peristaltismo (suave).
Em sua pesquisa, ela também descobriu que, ao tocar certas regiões do corpo, o
psicoperistaltismo se abria e os sons começavam a ser emitidos. Ela denominou esses locais de
“chaves”, por proporcionarem a abertura do psicoperistaltismo. Desta maneira, Gerda
introduziu o estetoscópio na sua clínica, não para escutar as batidas do coração, mas para escutar
melhor os sons do psicoperistaltismo dos seus clientes.
Para estarmos saudáveis é preciso que tenhamos liberdade no fluxo da energia. Gerda
deu o nome de ‘circulação libidinal’ a esse processamento interno da energia em que tanto o
ciclo ascendente quanto o descendente se harmonizam, proporcionando sensações de paz e
felicidade. O objetivo da terapia biodinâmica é ajudar a pessoa a entrar em contato com esse
estado de ser, que foi vivenciado quando ainda era um bebê. Ao observar a face de um bebê
satisfeito após a amamentação, podemos ter um vislumbre desse estado de júbilo interno.
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Eva Reich, filha de Wilhelm Reich, trabalhou como assistente de seu pai depois de se
formar em Medicina. Nesta fase da vida, Reich estava concentrado na prevenção das neuroses
(profilaxia) e não conduzia mais terapias individuais. Eva foi influenciada pelo lado suave da
vegetoterapia clínica, ou seja, pelos toques e manobras corporais que não traziam dor ao
paciente. Segundo ela, seu trabalho é conduzido pelo princípio do ‘estímulo mínimo’. Nenhum
paciente deve ser tocado mais do que o suficiente para ativar o processo de recuperação da sua
saúde. Desta maneira há uma forte confiança nos processos de auto regulação do corpo. O corpo
sabe onde quer chegar e mostra o melhor caminho para isto. Ao terapeuta, cabe aprender a
perceber os sinais que o corpo apresenta, e tocar no sentido de ajudar o fluxo natural da energia.
Segundo Eva, seu pai não podia entrar nos locais em que acontecia os partos, devido à
uma restrição de sua época. Esse dado é importante pois revela que Reich não teve contato com
o bebê logo após o nascimento. Eva, por outro lado, assistia aos partos e depois observava os
momentos em que a onda respiratória natural do recém-nascido se modificava, ou sofria uma
contenção. Seu método consistia em massagear as áreas do corpo do bebê que começavam a
apresentar este início de couraça.
Na verdade é delicado falar em couraça nos corpos de bebês porque este padrão de
contenção muscular é criado durante toda a fase de desenvolvimento psicossexual da pessoa,
tendo o seu ápice de atuação na fase pós púbere. No entanto, podemos observar momentos em
que a onda respiratória fica menor ou quando a pulsação do corpo parece diminuir. Esses
momentos indicam os primeiros sinais de contenção da energia vital (ou bioenergia).
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É recomendada para recém nascidos e bebês de até três (3) meses de idade, mas também
pode ser usada em adultos, como forma de prevenção. O terapeuta deve estar atento aos sinais
que o bebê traz. Se apresentar algum desconforto, a massagem deve ser interrompida. A duração
varia de cinco (5) a trinta (30) minutos, dependendo da resposta do bebê. A frequência indicada
é de uma vez por dia.
A massagem da borboleta começa de cima para baixo e do meio para o lado do corpo.
Os movimentos devem ser aplicados de maneira simétrica, duas ou três vezes seguidas. Os tipos
de toque são: 1-Deslizar: deslizamento suave porem rápido, os dedos do terapeuta devem estar
levemente esticados para que toda a superfície da pele seja tocada; 2-Sacudir: segurar o músculo
e sacudir, suave e rápido, de cima para baixo e nas extremidades (Eva compara à mexer numa
gelatina sem quebrá-la); 3-Circular: movimento circular e suave, com uma leve pressão (como
se estivéssemos massageando nossos próprios olhos, por cima das pálpebras).
Há também movimentos combinados, quando dois desses tipos de toques são realizados
ao mesmo tempo (exemplo: fazer um movimento circular sacudindo o músculo)
11. DISCUSSÃO
O estudo da pele e suas funções, desde os primeiros dias do recém-nascido, nos mostra
que o toque é essencial para o desenvolvimento e manutenção da vida. A noção de que há o
quarto trimestre da gestação, isto é, um período de formação após o nascimento, evidencia o
fato que não nascemos completos, prontos. O acolhimento amoroso, as palavras carinhosas, o
toque confortável que passa segurança, são fatores tão essenciais que se um bebê não tiver esses
cuidados, corre o risco de morrer.
terapêutico, deve-se lembrar que todo trabalho é voltado para o cliente, para o seu momento de
vida e suas potencialidades. Desse modo, o toque não pode servir às necessidades do terapeuta
mas sim, às do seu cliente. Como todas as ferramentas, deve ser utilizado com parcimônia e
apenas nos momentos em que se torna necessário. Caso contrário, perde sua função de auxílio
e pode se tornar excessivo e até prejudicial.
A Análise Bioenergética permite uma nova integração entre trabalho corporal (vivência
energética) e compreensão dos padrões neuróticos de comportamento (análise racional). Assim,
o terapeuta possui uma maior flexibilidade no consultório, e não precisa realizar toques em
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todas as sessões. Quando não for o momento de prática, é estimulado o raciocínio interpretativo
partindo da experiência somática vivenciada.
Um aspecto importante a ser discutido está relacionado com os diferentes tipos de toque.
Na Análise Bioenergética há a distinção entre toques para ‘carregar’ ou para ‘descarregar’ o
sistema energético. Quando o cliente se apresenta cansado, fraco, ou aparenta muita fragilidade,
pode ser um sinal de que falta energia para o corpo trabalhar corretamente. Nesses casos, toques
mais suaves ajudam na nutrição e no restabelecimento, servindo para dar carga. São chamados,
às vezes, de pré-verbais pois levam a pessoa a memórias de prazer anteriores ao aprendizado
da fala. Do contrário, se o cliente se apresenta agitado, ansioso, falando muito, ou dá a
impressão de que tem uma força aprisionada dentro de si, toques específicos, de maior
intensidade, ajudam a ‘descarregar’ o excesso que está prejudicando.
Outra diferença central nesses tipos de trabalho corporal está na intensidade do toque.
A experiência vivida por Orson Bean na sua primeira sessão com Baker evidencia o alto grau
de intensidade utilizado pelos terapeutas reichianos. Ao utilizar a metodologia de abordagem
direta à couraça, com pressões firmes, é comum o cliente sentir dor. Importante ressaltar que
essa dor não é criada pelo terapeuta, mas sim o resultado de anos e anos de um padrão de
contenção muscular. O que antes era inconsciente, torna-se consciente com o objetivo de aliviar
as tensões crônicas e as atitudes neuróticas advindas do caráter. Neste contexto terapêutico,
especificamente, a dor precede o prazer. Mais do que isso, a dor (aguda) é o veículo que leva
ao alívio da própria dor (crônica).
Eva Reich foi uma das terapeutas que começou a se opor a metodologia de
enfrentamento direto com a couraça. Ao trabalhar com mulheres grávidas e bebês, Eva
descobriu uma maneira suave de trabalhar, condizente com o tipo de clientes que atendia.
Começou a participar de partos, observou os primeiros passos do surgimento da couraça em
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bebês e desenvolveu uma técnica de massagem suave para agir na prevenção do processo de
encouraçamento.
Assim como Eva, Gerda Boyesen firmou seu trabalho corporal na linha mais suave.
Segundo ela, toques mais bruscos podem ter um efeito indesejado e desencadear o reflexo de
sobressalto, mantendo o cliente em um estado constante de ansiedade. Ela aprendeu a escutar o
corpo de seus clientes e encontrou lugares ‘chaves’ para poder agir com toques e descarregar o
excesso de resíduos metabólicos, advindos da couraça tissular. Desenvolveu uma metodologia
de massagem terapêutica, visando a liberdade dos padrões neuróticos. Tanto Gerda quanto Eva
perceberam a importância de trabalhar na prevenção da neurose, contribuindo assim para a
evolução do conhecimento no campo da psicologia corporal.
Apesar de se contrapor aos toques utilizados por terapeutas reichianos clássicos, Gerda
fez uma contribuição preciosa à teoria de Reich. A descoberta da couraça tissular nos ajuda a
ter uma maior compreensão sobre o processo de adoecimento psíquico. Longe de se sobrepor a
ideia da couraça muscular, a couraça tissular explica com mais facilidade os processos
metabólicos que ocorrem dentro das células. Vemos aqui um exemplo interessante de como a
pesquisa e o novo conhecimento podem servir para complementar uma teoria anterior, e não
necessariamente negá-la.
No início de meu trabalho clínico como terapeuta corporal, sentia ansiedade em propor
exercícios para o cliente. Sentia-me na obrigação de fazer um trabalho corporal intenso. Só
assim tinha a impressão que a sessão era proveitosa para o cliente. A descoberta do toque mais
suave me despertou para um novo mundo terapêutico. Este conhecimento me tirou da imagem
do “fazedor” para me colocar de volta no mundo do “sentir”, que é a essência da terapia. Por
apresentar traços esquizoides em minha personalidade, não gosto de tocar e ser tocado sem ter
a sensação que o toque faz sentido. Aprendi aos poucos que todo toque, intenso ou suave,
precisa ser associado ao respeito, que deveria ser voltado em primeiro lugar a mim e aos meus
limites.
12. CONCLUSÃO
Apesar das diferenças, a ideia de uma saúde vibrante, positiva e harmônica perpassa
todas as abordagens citadas. Independentemente de estar certo ou não, o terapeuta deve colocar
o seu cliente como foco da terapia. Mais do que encontrar respostas para questionamentos
pessoais, o entendimento de ‘como’ me comporto no mundo é essencial para adquirir
autoconsciência e, com isso, autodomínio. Talvez uma pessoa se adapte melhor a certa prática
corporal, enquanto outra não obtenha os mesmos resultados. A clínica terapêutica é uma arte.
Podemos ver também que o toque é uma ferramenta essencial para atingir a saúde. Nesse
sentido, o terapeuta que dominar técnicas corporais tem um recurso a mais para usar no seu
trabalho. A frequência e intensidade dos toques é delimitada pela personalidade do próprio
terapeuta e também pelo tipo de cliente que temos à nossa frente. Algumas pessoas precisam
ser preparadas antes de se deixarem tocar. Outras não darão permissão para isso. O terapeuta
deve ter paciência e flexibilidade para escolher o direcionamento adequado de acordo com cada
caso.
Quero ressaltar também que o olhar é um tipo de toque. Os olhos são a porta para a
alma. Na amamentação, mesmo enlaçado nos braços da mãe, o bebê busca o seu olhar. É como
a luz guiada de um farol que ilumina tudo que toca. Esta luz é absorvida pelo bebê e então ele
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se sente “tocado”. O olhar da mãe dá a capacidade para ele sentir que existe, que tem o seu
valor como ser. Essa experiência é a base para o desenvolvimento da identidade e do
fortalecimento do ego saudável.
A intenção que colocamos em nosso olhar afeta o mundo interno do cliente. Dessa
maneira, mesmo quando não estamos utilizando toques diretos no corpo, podemos ajustar nosso
olhar para que tenha o efeito desejado: confiança, calma, aceitação, entre outros. Estar
consciente da força do olhar é tomar consciência da força positiva do ego que age no mundo
afim de transformá-lo. Transformação que é buscada por todos aqueles que entram em nosso
consultório.
Por fim, reconheço que o terapeuta é livre pra buscar as ferramentas que lhe trazem
conforto no momento de atender. Busco neste trabalho demonstrar que o corpo é uma delas. A
simplicidade deve ser o foco, pois mesmo em meio a tantas ferramentas, é o simples sentir do
terapeuta que será a bússola em meio a tantos caminhos desconhecidos. A aventura no campo
emocional é sempre perigosa mas os que se aventuram acabam por encontrar a fonte e a essência
da vida. Não percebo nada mais valoroso do que essa sublime experiência.
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REFERÊNCIAS
BAKER, Elsworth F. O labirinto humano. Causas do bloqueio da energia sexual. 4. ed. São
Paulo: Summus Editorial, 1980.
BOYESEN, Gerda. Entre psiquê e soma. Introdução à psicologia biodinâmica. 3. ed. São
Paulo: Summus Editorial, 1986.
MONTAGU, Ashley. Tocar, o significado humano da pele. 2. ed. São Paulo: Summus
Editorial, 1988.
REICH, Eva. Energia vital pela bioenergética suave. 1. ed. São Paulo: Summus Editorial,
1998.