3675-Texto Do Artigo-11815-1-10-20201208
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Resumo
O artigo está inserido no campo da Educação de Jovens e Adultos (EJA) e objetivou analisar os
discursos de educandas sobre a inclusão da população LGBTI+ no Ensino Fundamental da EJA. Trata-
se de uma pesquisa de abordagem qualitativa, cujos dados foram coletados através da realização de
entrevistas semiestruturadas por bolsistas do Programa de Iniciação Científica da Universidade
Federal da Paraíba, em escolas públicas municipais de João Pessoa-PB. Os dados foram analisados
pelas lentes da Análise do Discurso Crítico de Faiclough (2016) e dialogou com os estudos de
Junqueira (2009; 2012), Louro (2000; 2003), Silva (2016), Natividade e Oliveira (2009), entre outros
que discutem e estudam os temas relacionados à população LGBTI+ de modo geral,
especificamente, na educação e, em especial, na EJA. Os resultados enunciaram que a inclusão da
população LGBTI+ na modalidade em tela ainda é desafiante para a escola, especialmente por ser um
tema grávido de preconceitos e resistências por parte da sociedade conservadora e que tem
repercussão no espaço escolar da EJA. Concluímos que essa discussão requer investimento no
processo formativo de professores (inicial e continuada) e inclusão de temáticas vinculadas às
questões LGBTI+ no currículo escolar da EJA.
Palavras-chave: EJA. LGBTI+. Inclusão Escolar.
Abstract
The article is inserted in the field of Youth and Adult Education (EJA) and it aimed to analyze the
discourses of female students on the inclusion of the LGBTI + population in EJA Elementary School.
This is a qualitative research, whose data were collected through semi-structured interviews, by
scholarship holders of the Scientific Initiation Program of the Federal University of Paraíba, in
municipal public schools in João Pessoa-PB. The data were analyzed through the lens of Faiclough's
Critical Discourse Analysis (2016) and they dialogued with the studies of Junqueira (2009; 2012),
Louro (2000; 2003), Silva (2016), Natividade and Oliveira (2009), among others who discuss and
study topics related to the LGBTI + population in general, specifically, in education and, in particular,
in EJA. The results stated that the inclusion of the LGBTI + population in the modality on screen is still
challenging for the school, especially because it is a theme full of prejudice and resistance on the
part of the conservative society and that reverberates in the school space of EJA. We conclude that
this discussion requires investment in the teacher training process (initial and continuous) and
inclusion of themes related to the LGBTI + issues in the school curriculum of EJA.
Keywords: EJA. LGBTI +. School Inclusion.
Os Discursos de Educandas sobre a Inclusão de Estudantes Lgbti+ na Educação de Jovens e
Adultos
Introdução
A inclusão de temas relacionados à discussão de gênero e de orientação sexual
passou a encontrar seu espaço no currículo escolar no final da década de 1990,
especialmente com a implantação dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) que
orientavam a organização do conhecimento escolar através de áreas e temas transversaisi,
entre eles, a orientação sexual, “eleitos por envolverem problem|ticas sociais atuais e
urgentes, consideradas de abrangência nacional e até mesmo de car|ter universal” (BRASIL,
1997, p. 45).
A inserção de tais temas no cenário educacional brasileiro alimentou os movimentos
sociais na luta por suas demandas no espaço escolar. Logo, movimentos indígenas,
movimentos negros, movimentos LGBTI+ii, movimentos feministas, para não citar outros,
sentiram-se motivados a pautarem suas temáticas no currículo escolar, agora respaldados
por um Parâmetro Curricular Nacional. No entanto, essas questões encontraram resistências
no processo de formação dos professores (inicial e continuada), na cultura conservadora
cristã, na sociedade e na própria escola, que não sabia (ou ainda não sabe) lidar com uma
perspectiva de trabalho pedagógico interdisciplinar, multicultural e com temáticas que
transversalizam os conteúdos propedêuticos das linguagens, das ciências exatas e da
natureza, das ciências humanas e sociais e da ciência das religiões.
Com a criação da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e
Inclusão (SECADI), vinculada ao Ministério da Educação (MEC), no governo do Presidente
Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010), várias pautas foram reunidas nessa secretaria e
motivaram ainda mais a participação dos movimentos sociais, entre eles o movimento
LGBTI+, que incitado, sobretudo, por uma onda de violência que acomete essa população,
buscou no currículo da escola a possibilidade de combater, entre outras coisas, a homofobia
no espaço escolar.
Uma das tentativas de política pública de promoção da cidadania LGBTI+ e de
combate à homofobia foi a criação do Brasil Sem Homofobia, que consiste em um:
Programa de Combate à Violência e à Discriminação contra GLTB e de Promoção da
Cidadania Homossexual, com o objetivo de promover a cidadania de gays, lésbicas,
travestis, transgêneros e bissexuais, a partir da equiparação de direitos e do
combate à violência e à discriminação homofóbicas, respeitando a especificidade de
cada um desses grupos populacionais (BRASIL, 2004, p. 11).
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Tenho não. Mas eu acho que não é da vontade de Deus porque quando
Deus fez o homem e viu que ele não vivia sem a mulher, ele foi e da
costela do homem fez a mulher, né? Porque ele viu que não era para
existir o homem só. Era para ter o casal para poder reproduzir, né isso?
Poder trazer gente para vir para Terra, que nós só estamos aqui através
de Adão e Eva. Até tipo, porque às vezes esse pessoal acha bonito, eles
dão valor, acha que isso é uma coisa que eles fazem e acham bonito, né?
Aí ninguém vai poder proibir dele ser assim, contanto que tem muitos
que vão assim por interesse de coisas materiais, muitos que eu já vi por
aí o amor deles mais, o chama deles mais é bem material, entendeu?
Você pode ver que a maioria desse povo que tem esse defeito, eles não
procuram um pé rapado nem uma pé rapada, eles procuram sempre
uma costela que seja cheia. Eles quererem se achar mulher e homem e
homem mulher e homem (ENTREVISTADA 4, EMEF. ZUMBI DOS
PALMARES, CICLO I/EJA, em 08/11/2018, grifos nossos).
Sim, teve, mas eu não lembro quem foi, mas esse assunto já foi
comentado aqui na sala, muitas vezes, muitas vezes mesmo! As vezes, a
gente estava conversando de outra coisa, mas entrava no assunto e tal,
mas não lembro quem foi o professor, mas sempre a gente comenta
sobre isso (ENTREVISTADA 6, EMEF. INDIO PIRANGIBE, CICLO III/EJA,
em 12/11/2018, grifos nossos).
Percebe-se por meio dos relatos acima que a discussão sobre a temática LGBTI+ em
sala de aula, quando ocorre, não se configura no currículo escolar. Trata-se de uma
discussão momentânea, possivelmente gerada por um fato, como relata a Entrevistada 6,
ou ocorre em forma de conversas para aconselhar e conscientizar que pessoas
homoafetivas também são seres humanos iguais às pessoas héteros. Apesar da intenção ser
positiva, não há uma discussão mais substancial sobre o tema em sala de aula, deixando-o
Os Discursos de Educandas sobre a Inclusão de Estudantes Lgbti+ na Educação de Jovens e
Adultos
na superficialidade, na vitimização das pessoas que sofrem preconceitos por terem uma
orientação diferente do padrão socialmente aceito, bem como o reforço da invisibilidade.
Essa postura reforça o que Junqueira (2009) assevera, a saber:
Temos visto consolidar-se uma visão segundo a qual a escola não apenas transmite
ou constrói conhecimento, mas o faz reproduzindo padrões sociais, perpetuando
concepções, valores e clivagens sociais, fabricando sujeitos (seus corpos e suas
identidades), legitimando relações de poder, hierarquias e processos de
acumulação (JUNQUEIRA, 2009, p. 14).
Assim, a escola como lócus privilegiado de fomento à tolerância ainda não foi capaz
de dialogar com as diferenças presentes em seu espaço e muito menos capaz de romper
com determinadas concepções pedagógicas as quais estão alicerçadas em práticas
tradicionais e desconectadas da realidade em que essa mesma escola se situa, garantindo a
permanência do currículo com traços sexistas, heteronormativos e de afastamento das
realidades sociais.
A partir desses argumentos, sigamos para as considerações finais.
Os Discursos de Educandas sobre a Inclusão de Estudantes Lgbti+ na Educação de Jovens e
Adultos
Considerações Finais
Os resultados nos fazem concluir que, apesar de não ser a maioria, as estudantes
expressaram preconceito contra os/as alunos/as de orientação sexual diferente do que
estabelece o padrão heteronormativo. Tal evidência reforça as práticas discursivas e as
práticas sociais pelas quais as relações de força se encontram presentes no binômio héteros
versus homoafetivos.
Sobre o acolhimento de LGBTI+ na escola, as entrevistadas foram maioria em afirmar
que não há um tratamento hostil, pelo contrário, a escola acolhe bem esses/as
educandos/as. Porém, não é unânime, pois uma das entrevistadas afirmou que há
indiferença no trato entre os colegas de turma quanto aos/às estudantes que não escondem
sua orientação sexual homoafetiva.
Em relação à discussão da temática LGBTI+ em sala de aula, o que se constatou foi
que a maioria das entrevistadas nunca teve a oportunidade de discutir essa questão, exceto
por um grupo minoritário que já o fez/faz por meio de conversas informais e de conversas
que abordam o tema do respeito ao outro, mas, apesar disso, não se configura em um
discurso de emancipação e inclusão dos/as LGBTI+ no espaço escolar e, muito menos, faz
parte do currículo oficial. Trata-se de posições de alguns professores que assumem a
temática.
Logo, ainda é desafiante para a escola trabalhar essa discussão em seu currículo, seja
por ausência de formação continuada para os professores ou porque a escola não prioriza
ou visibiliza essa problemática. Seu distanciamento social, com temas sociais atuais, como
também a influência de grupos conservadores fora e dentro dessa instituição silenciam
ainda mais tais discussões e inserções.
E quanto à importância de temáticas que promovam a inclusão e o combate à
LGBTfobia na escola, o que se observou é que essa questão não é consenso, apesar de uma
maioria pequena concordar. Outro grupo, não tão minoritário, é contra essa discussão, seja
porque “não cabe { escola abordar o assunto”, porque “os meios de comunicação j| fazem
isso” ou porque “não h| preconceito na escola”, e, ainda, pela forte presença do discurso
religioso e que tais assuntos devem ser discutidos e circunscritos à família.
Por fim, entendemos que essa temática é, ainda, uma questão de luta para aqueles
que tomam como desafio inseri-la no currículo escolar, pois dentro da escola a questão da
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inclusão e da homofobia se faz presente, porém muitas vezes é invisibilizada e silenciada por
professores, alunos e demais sujeitos que compõem a estrutura humana da escola.
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