Modos de Gestão, Saúde
Modos de Gestão, Saúde
Modos de Gestão, Saúde
TRABALHO.
jean-françois chanlat
até agora, quando se aborda a saúde e a segurança no trabalho, fala-se geralmente mais da segurança do que
da saúde K a ênfase recai de preferência sobre os fatores mecânicos, físicos e biológicos que provocam os
acidentes, minimizando-se os fatores psicossociais' ou organizacionais que poderiam ser responsáveis por tais
acidentes. essa insistência é legítima quando conhecemos custos que são ocasionados, direta ou indiret£iii\ente,
pêlos acidentes, os ferimentos, as doenças profissionais, o sistema de indenização, as compensações, e a
readaptação. nos estados unidos, por exemplo, calcula-se que os custos sociais dos acidentes e dos ferimentos
corporais ocorridos no trabalho são cinquenta vezes superiores, em termos de dias de trabalho perdidos, aos
acarretados pelas greves, e de 50% a um terço mais importantes que aqueles engendrados pelo desemprego (lanoi,
1991). alguns analistas prevêem igualmente que, no final do século, as doenças ligadas à produtividade
representarão 50% das indenizações por enfer--midades típicas da profissão (la presse, 1991). em quebeque não se
fala há alguns anos de centenas de milhões de déficit acumulado pela csst(le devoir, 1991)? mesmo que as cifras
americanas devam ser manipuladas com bastante cautela, e mesmo se o déficit da csst não seja forçosamente
devido a um aumento de acidentes, permanece o fato que a questão da sst é importante demais para
continuar confinada a um círculo limitado de especialistas em engenharia, toxi-cologia ou medicina do
trabalho. É necessário sairmos de uma perspectiva frequentemente limitada e tecnicista demais para doravante
apreender essa questão em toda a sua complexidade e "reajustá-la" em sua própria dinâmica organizacional, a
saber, o que aqui chamo de modo de gestão.
conceder um lugar central ao método de gestão dentro da problemática da sst me parece importante não só
porque diversas pesquisas se encaminham nesse sentido - terei oportunidade de retomar a isso ao longo deste
capítulo- mas porque também cerca de três quartos da mão-de-obrade quebeque trabalham, atualmente,no setor
terciário, um setor que, apesar dos problemas de saúde que o afetam, não é ainda prioritário para as
instituições públicas concernentes. o objeto deste trabalho incidirá portanto sobre o papel que o método de
gestão desempenha no dossiê da sst. ele se articulará em tomo de quatro indagações: l) o que se entende por modo
de gestão? 2) quais são os principais métodos de gestão contemporâneos? 3) o que se sabe acerca da relação
entre modo de gestão e sst? 4) o que pode ser feito para melhorar o modo de gestão?
por modo ou método de gestão entendemos o conjunto de práticas administrativas colocadas em execução
pela direção de uma empresa para atingir os objetivos que ela se tenha fixado, e assim que o método de gestão
compreende o estabelecimento das condições de trabalho, a organização do trabalho, a natureza das relações
hierárquicas, o tipo de estruturas organizacionais, os sistemas do avaliação e controle dos resultados, as políticas
em matéria de gestão do pessoal, e os objetivos, os valores e a filosofia da gestão que o inspiram.
todo método de gestão é influenciado ao mesmo tempo pêlos fatores internos (estratégia perseguida, recursos,
tipo de pessoal, tecnologia utilizada, culturas, história, tradições, personalidades dos dirigentes, etc.) c por
fatores externos: contexto económico, mundialização, concorrência, ciclo económico, etc.); contexto político
(políticas governamentais, legislação, papel do estado, etc.); contexto cultural (valores dominantes); contexto
social (movimentos sociais, sindicatos, grupos de pressão).
todos os modos de gestão possuem dois componentes: um componente abstraio, prescrito, formal e
estático, o que eu chamo de modo de gestão prescrito, e um componente concreto, real, informal e dinâmico, o
que qualifico de modo de gestão real. É realmente cia relação entre esses dois componentes e notadamente da
dinâmica entre os principais agentes internos (administração, empregados, sindicato), até externos
(representantes públicos, governantes, etc.), que nascerá uma tensão mais ou menos intensa entre o pessoal da
organização concernente, que repercutirá a nível da gestão da sst e, por meio de consequências, sobre os
resultados materiais.
este método de gestão, ainda que apresente determinados aspectos muito positivos para as pessoas
(valorização, reconhecimento, individualização dos desempenhos, etc.) pode ser uma importante fonte de
tensão. se ele satisfaz os desejos pessoais de segurança, reconhecimento, sucesso, e pode dar um sentido às
atividades profissionais, por outro lado fazcom que os membros da organização empresarial fiquem em
permanente supertensão (Àubert e de gaulejac, 1991). assim como a organização empresarial pode satisfazer
aos desejos de uns e de outros, os executivos ou não-executivos podem participar desse comprometimento. eles
estão de qualquer maneira retidos na armadilha da estrutura estratégica, para retomarmos uma formulação feita
por e. enriquez (1989), tornando-se na realidade verdadeiros drogados da empresa (schaef e fassel, 1988). em
compensação, quando a organização não pode mais agir assim por motivos diversos (concorrência
desenfreada, declínio do mercado, mudança de direção, etc.), o pessoal da organização torna-se
particularmente vulnerável, principalmente os que investiram mais nessa relação com a organização (pagès e
colaboradores, 1979; Àubert e de gaulejac, 1991). se disso pode resultar o esgotamento profissional, podemos
encontrar igualmente problemas cardiovasculares, úlceras, insónias, enxaquecas, até mesmo suicídios. o caso dos
trabalhadores japoneses que morrem subitamente a cada ano e às centenas, o célebre keimshi, acha-se igualmente
enquadrado nesse método de gestão (lê. monde, 1990). a qualidade total à japonesa parece, portais motivos,
distanciar cada vez mais os jovens japoneses desse género de empresas (pons, 1992).
este processo de identificação total com a empresa não deixa de ter relação com a explosão social que se
observa em nossas sociedades. num ambiente que vivência este estilhaçamento e o desaparecimento de
antigas solidariedades, pode-se compreender que a empresa se converta, para um certo número de nossos
contemporâneos, num dos principais centros identificadores (sainsaulieu, 1990). para outros, o desabrochamento
dá-se alhures.
além do mais, no plano da segurança, este método de gestão pode incentivar uma imagem de poder total e
de invulnerabilidade que pode, por si mesma, desembocar numa negação dos riscos de acidentes (mitroff e
pauchant, 1990). o caso do navio de guerra americano vinceiuiex que confundiu um avião de carreira com um
avião de caça, confiando totalmente em sua onipotência tecnológica, pode ser facilmente inserido nessa categoria.
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