Livro Completo - Novo Testamento II

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GUILHERME BURJACK DE CARVALHO

NOVO TESTAMENTO II

GOIÂNIA
2022
CRÉDITOS INSTITUCIONAIS

Instituição Mantenedora
Organização Cultural Educacional Filantrópica (OCEF)

Instituição Mantida
Faculdade Assembleiana do Brasil (FASSEB)

Curso de Graduação em Teologia a Distância

Diretor Geral Lucas Luiz Almeida Costa


Diretor Acadêmico Rogeh Alves Bueno
Coordenador do Curso de Teologia a Distância Eurípedes Pereira de Brito
Coordenador do programa de Pós-Graduação Eurípedes Pereira de Brito
Coordenadora da Área de Extensão Diessyka Fernanda Monteiro
Secretária acadêmica Paula Rudimila de Jesus Veríssimo
Bibliotecário Dannilo Ribeiro Garcês Bueno

Coordenador do Ensino a Distância Eurípedes Pereira de Brito


Administrador e Coordenador Tecnológico Izaque Carriço Ferreira
Analista de Sistemas Izaque Carriço Ferreira
Tutoria a distância e presencial Corpo docente da FASSEB

Coordenador da equipe multidisciplinar Eurípedes Pereira de Brito


Materiais didáticos Equipe multidisciplinar

Webdesigner e Webdiagramador Carmelo Ardaya


Orientadora pedagógica Equipe Pedagógica
Revisão de conteúdo Equipe Teológica
Revisão pedagógica Equipe Pedagógica
Suporte Moodle Alessandro Carlos Nogueira
SUMÁRIO

MÓDULO I: ESCRITURAS CANÔNICAS E INTRODUÇÃO ÀS


EPISTOLAS PAULINAS 8

UNIDADE I: ANTECEDÊNCIA 9
AULA 1: A GÊNESE PAULINA 9
AULA 2: PERSEGUIÇÃO E MISSÃO 17
UNIDADE II: INTRODUÇÃO ÀS EPÍSTOLAS PAULINAS 25
AULA 3: CANONICIDADE DAS EPÍSTOLAS PAULINAS 25
AULA 4: EPÍSTOLA AOS GÁLATAS 35

MÓDULO II: CARTAS ÀS IGREJAS 46

UNIDADE III: O RETORNO DO REI 47


AULA 5: I EPÍSTOLA AOS TESSALONICENSES 47
AULA 6: II EPÍSTOLA AOS TESSALONICENSES 56
UNIDADE IV: EMBAIXADORES DO REI 64
AULA 7: I EPÍSTOLA AOS CORÍNTIOS 64
AULA 8: II EPÍSTOLA AOS CORÍNTIOS 77

MÓDULO III: CARTAS PASTORAIS 89

UNIDADE V: JUSTIFICAÇÃO PELA FÉ 90


AULA 9: EPÍSTOLA AOS ROMANOS – PARTE 1 90
AULA 10: EPÍSTOLA AOS ROMANOS – PARTE 2 101
UNIDADE VI: CARTAS DA PRISÃO 110
AULA 11: EPÍSTOLA A FILEMON 110
AULA 12: EPÍSTOLA AOS EFÉSIOS 117

MÓDULO IV: CARTAS DA PRISÃO 129

UNIDADE VII: CARTAS DA PRISÃO 130


AULA 13: EPÍSTOLA AOS COLOSSENSES 130
AULA 14: EPÍSTOLA AOS FILIPENSES 139
UNIDADE VIII: EPÍSTOLAS PASTORAIS 149
AULA 15: EPÍSTOLA A TITO 149
AULA 16: EPÍSTOLAS A TIMÓTEO 159

6
REFERÊNCIAS 174

MINICURRÍCULO DO AUTOR 178

7
MÓDULO I: ESCRITURAS CANÔNICAS E
INTRODUÇÃO ÀS EPISTOLAS PAULINAS

8
UNIDADE I: ANTECEDÊNCIA

Nesta unidade iremos estudar sobre a trajetória do apóstolo Paulo em


sua atuação na defesa do Judaísmo, sua conversão e entrada no cenário
cristão, seu serviço missionário entre os gentios, bem como a relevância de
suas epístolas na vida das Igrejas locais do primeiro século na constituição
da história do Cristianismo primitivo. Para tanto, utilizaremos as duas aulas
assinaladas abaixo:
AULA 1: A GÊNESE PAULINA
AULA 2: PERSEGUIÇÃO E MISSÃO

AULA 1: A GÊNESE PAULINA

META

Examinar o contexto no qual foram elaboradas as epístolas paulinas.

OBJETIVOS

• Notar a distinção do gênero literário “carta” nos dias de Paulo e


atualmente;
• Identificar no farisaísmo as razões para visão equivocada da Fé
cristã;
• Conciliar diferentes textos para a compreensão do testemunho
paulino.

PARA INÍCIO DE CONVERSA

1 EPÍSTOLAS - O QUE SÃO?

No Mundo Antigo era dado grande valor às epístolas para a


interlocução entre pessoas e/ou grupos. As epístolas eram cartas, mas não
como as de hoje. Dentre os mais instruídos as “cartas imitavam as formas

9
orais da retórica”, em outras palavras, eram aplicadas na escrita as mesmas
regras utilizadas na arte do “falar bem em público”. As epístolas possuíam
diferentes características, tais como: carta de repreensão; carta de amizade;
carta familiar; carta estética, destinada à elite; carta oficial.
Keener (2004), explica que, embora os escritores das epístolas do Novo
Testamento não necessariamente tenham recorrido aos elementos
retóricos, é certo que parte do recurso formal daquele tempo já continha
em si certas normas da retórica, por isso, mesmo que os autores não se
dessem conta disso, seus escritos, ou parte deles, em certa medida, foram
elaborados respeitando os protocolos literários da época. Naturalmente os
escritores do Novo Testamento fizeram uso do conhecimento que tinham
para escrever, isso associado, sobretudo, à inspiração divina, resultou nos
livros que conhecemos. Sobre o propósito no envio de epístolas a Igrejas e
a pessoas específicas, o autor diz:

Algumas foram escritas com finalidade de longo prazo, destinadas à


publicação e à ampla circulação, mesmo quando dirigidas a uma só
pessoa. As epístolas proféticas do Antigo Testamento (2 Cr 21.12-
15; Jr 29; 36) demonstram que nos círculos judaicos as cartas podiam
ser vistas como inspiradas, quando ditadas por um profeta (1 Co
7.40; 14.37).

Keener (2004), ainda argumenta que apenas cerca de 10% de pessoas


no Império Romano eram alfabetizadas e que era mais comum para esse
grupo de pessoas, a leitura do que a escrita. As Escrituras e as epístolas eram
normalmente lidas em voz alta nos cultos para que toda a congregação
pudesse ouvir. Para Gingrich e Danker (1984), epístola é “documento, peça
de escrita na forma de uma carta; as Escrituras Sagradas do Antigo
Testamento; meio de informar ou instruir”. As cartas eram ferramentas de
instrução que podiam beneficiar muitas comunidades, além daquelas para
as quais estavam sendo endereçadas, porque já no primeiro século cópias
informais das epístolas circulavam nas Igrejas locais. As epístolas não eram
divididas por capítulos e versículos e a leitura era feita por completo, ainda
não havia, portanto, o hábito de retirar trechos (versículos) de seu contexto,
como fazemos hoje.

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2 AUTOR DAS EPÍSTOLAS

As epístolas paulinas, de Romanos a Filemon, treze no total, são assim


chamadas por terem como autor – Paulo, o apóstolo. Paulo não consta na
lista original dos doze escolhidos por Cristo (Mc 3.13-19; Mt 10.1-4), sendo
um deles, Judas Iscariotes, que foi posteriormente substituído por Matias
(At 1.26). Mas de acordo com seu testemunho em Atos e Gálatas, ele não
tinha dúvida de que havia sido comissionado, enviado (apóstolo) pelo
próprio Senhor, para levar o Evangelhos aos gentios. Conforme o livro de
Atos (1.21, 22) conhecer a Jesus e ser testemunha de sua ressurreição eram
requisitos para o apostolado. Paulo o viu e o ouviu ressurreto, no caminho
de Damasco, foi salvo por Cristo e estabeleceu com ele um vínculo de
devoção e profundo temor reverencial (obediência), entregando sua vida
completamente à serviço do Senhor.

3 PAULO – SUA ORIGEM

A Bíblia nada diz sobre o ano de nascimento do apóstolo, mas alguns


teólogos defendem que ele pode ter nascido cerca de dez anos depois de
Jesus, porque em sua primeira aparição nas Escrituras é retratado como “o
jovem” (At 7.58). Por outro lado, há teólogos que defendem que Saulo tinha
pelo menos trinta anos no período em que começou a perseguir a Igreja
(eklessia, no grego = assembleia, “chamados para fora” – Mt 16.18), pois
interpretam o texto de Atos 26.10 “... e quando os matavam eu dava o meu
voto contra eles” (itálico nosso), como sendo uma alusão à possível atuação
dele no sinédrio, atividade não permitida a homens com menos de 30 anos
de idade.
Saulo era natural de Tarso na Cilícia, principal Província Romana da
Cilícia-Síria no século I, situada na parte oriental da Ásia Menor (atual
Turquia), cuja posição geográfica favorecia o fluxo do comércio por terra e
mar, garantindo prosperidade à comunidade local. Segundo Tenney e White
(1980), o general romano Marco Antonio, concedeu à cidade o privilégio
de libera civitas (cidade livre) em 42 a.C. tornando-a autônoma e isenta do
pagamento de impostos.
Em algum momento, não há uma data fixa para isso, Paulo se mudou
de Tarso, pois segundo ele, cresceu em Jerusalém, aos “pés de Gamaliel” (At
22.3), membro do sinédrio, doutor da Lei, importante mestre da época que

11
o instruiu nos estudos da Fé e tradição judaica. O relacionamento mestre-
aluno pode ter se iniciado a partir do evento do Bar mitzvah, cerimônia que
acontecia quando o menino completava 13 anos de idade. O Bar mitzvah
declarava a maioridade e responsabilidade religiosa do garoto e o introduzia
na comunidade judaica.
Paulo era a exemplo de seu mestre, fariseu, zeloso da Lei. O farisaísmo
era uma das facções do Judaísmo que remetia ao período
intertestamentário, já bem estabelecida por volta de 135 a.C. Os fariseus
constituíam a maior e mais influente seita do primeiro século e competiam
com os saduceus e os essênios. Diferentemente dos saduceus, criam na
imortalidade da alma, ressurreição do corpo e na existência de seres
espirituais. Os fariseus detinham princípios extremamente elevados. O que
chamamos de: Antigo Testamento, e os judeus de: Lei, Profetas e Escritos,
eram a base de sua teologia.
De acordo com Tenney (2008), os fariseus “usavam o método alegórico
de interpretação e, assim, dispunham de bastante elasticidade na aplicação
dos princípios da Lei às novas questões que pudessem ser levantadas.
Davam muita importância à Lei Oral, ou Tradição, que observavam
escrupulosamente”. Eram rigorosos quanto a observância das práticas
litúrgicas: oração, jejum, dízimos e a guarda do sábado. De acordo com a
“teologia do remanescente”, linha de pensamento do Judaísmo ortodoxo
da época, um verdadeiro israelita era aquele que obedecia à Lei de Moisés.
Paulo autodenominava-se hebreu de hebreus, não apenas por sua
origem judaica (Fl 3.15), mas também por sua fidelidade à tradição
intelectual e religiosa dos antepassados, mesmo tendo vivido parte de sua
vida em Tarso, cidade inevitavelmente influenciada pela cultura helenista.
Por sua dedicação aos princípios do Judaísmo e o contato com pessoas
importantes como seu mestre Gamaliel, é de se esperar que um futuro
promissor lhe aguardava na sociedade judaica, principalmente na capital da
nação, Jerusalém, onde se encontrava a suprema liderança religiosa.
Saulo possuía cidadania romana por direito de nascimento (At 22.28),
o que sugere que esse privilégio tenha sido obtido por seu pai ou avô, seja
pela retribuição de serviços prestados ao Império ou mesmo pela compra.
“Raramente os judeus se tornavam cidadãos romanos. Quase todos os
judeus que alcançaram a cidadania moravam fora da Palestina (Tenney e
White, 1982). Em pelo menos três momentos Paulo fez uso dessa
providencial prerrogativa: na ocasião da prisão em Filipos (At 16.37-39); em

12
Jerusalém quando orava no templo, antes de ser enviado a pregar aos
gentios (At 22.23-29); ao defender-se perante um tribunal romano quando
apelou para César (At 25.10-12). Por causa da dupla cidadania, ele tinha
dois nomes: Saulo, a forma helenizada do nome hebraico Shaul (ou Saul =
emprestado); e Paulo, o nome gentio, Paulus, cujo significado é:“ pequeno”.
Como apóstolo (enviado) aos gentios, parece ter sido mais adequado optar
pelo nome de origem romana em suas viagens missionárias pelo Império,
sendo apresentado como tal por Lucas, a partir do capítulo treze.
Segundo Carson (1997), a cidade natal de Paulo pode tê-lo conduzido
à sua profissão, por causa de um produto local, o cilicium, muito utilizado
para o feitio de tendas. Lucas o apresenta como fabricante de tendas (At
18.3), ofício que Paulo exerceu mesmo depois de haver iniciado sua jornada
missionária. Era comum os mestres itinerantes receberem pousada,
alimentação e dinheiro dos moradores das cidades pelas quais passavam
compartilhando seu conhecimento, mas Paulo, embora tendo ele mesmo
dito que “...digno é o obreiro do seu salário” (1 Tm 5.18) e eventualmente
recebido ofertas, se recusava a ser “pesado” aos irmãos (1 Ts 2.9).
Paulo falava o aramaico, língua corrente na Palestina do primeiro
século; o grego que era o idioma principal em Tarso; e o hebraico, vernáculo
das Escrituras, que ele tão acuradamente estudou (Gl 1.14). Existe ainda a
possibilidade de que fosse hábil no latim, idioma dos romanos. adquiriu
profundo conhecimento teórico das Escrituras e, depois de sua conversão,
pleno entendimento acerca das verdades divinas contidas no texto sagrado
(Gl 1), “... conforme a revelação do mistério que desde tempos eternos
esteve oculto...” (Rm 16.25). Fato que podemos observar na exposição
doutrinária em suas epístolas.

4 O PERSEGUIDOR DA IGREJA

A primeira aparição de Paulo no cenário cristão está registrada no livro


de Atos dos Apóstolos (7.58). Ele é descrito como Saulo, o jovem que
guardou as capas dos homens que apedrejaram o diácono Estevão, o
protomártir cristão. No capítulo oito ele é apontado como aquele que
consentiu publicamente nesta execução. A já iniciada perseguição à Igreja
culminou com a morte de Estevão, irrompendo mais acirradamente depois
de seu sepultamento. Neste segundo momento, a perseguição ganhou um
elemento fortalecedor – Paulo, como um de seus mais contumazes

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perseguidores, assolando “a Igreja que estava em Jerusalém, entrando nas
casas, arrastando homens e mulheres e os encerrando na prisão” (8.3),
perseguindo-os “até a morte prendendo, e pondo em prisões, tanto homens
como mulheres” (22.4), forçando-os a blasfemar (26.11).
Esta primeira perseguição sofrida pelos cristãos não procedeu do
Império Romano, mas dos próprios judeus, que zelosos da Lei, tal como
Saulo, não aceitavam a Fé dos do “Caminho” (19.9, 23; 22.4; 24.14, 22). Por
anunciar a Jesus de Nazaré como o Messias (Ungido) de Deus, morto e
ressurreto, “... todos, exceto os apóstolos, foram dispersos pelas terras da
Judeia e Samaria (8.1). Todavia, embora perseguidos, os fiéis não cessaram
de testemunhar acerca de Cristo “os que andavam dispersos iam por toda a
parte, anunciando a palavra” (8.4), num primeiro momento apenas às
pessoas de origem judaica.
Dentro e fora dos limites de Israel a Igreja estava crescendo e para os
opositores do Evangelho, sobretudo para Saulo, o avanço da Fé em Jesus
era um grande perigo para a manutenção do Judaísmo. Aquela nova
“crença” era diferente das outras surgidas até então (5.34-39), a dispersão
não seria suficiente para contê-la. A Fé cristã era vista como subversiva,
portanto, além do zelo religioso, e aqui vale lembrar das palavras de Jesus:
“Expulsar-vos-ão das sinagogas; vem mesmo a hora em que qualquer que
vos matar cuidará fazer um serviço a Deus” (Jo 16.2), havia também o
temor pela fragmentação e enfraquecimento da sociedade, já sob o domínio
romano desde a ocupação da Judeia por Pompeu em 63 a.C.
Na perseguição de judeus a judeus, Saulo solicitou cartas oficiais que o
autorizava a perseguir, manietar e extraditar para Jerusalém, os convertidos
das localidades sob jurisdição do Sinédrio. O historiador Justo González
assinala que havia distinção no tratamento aos judeus palestinos e aos
judeus helenistas (como em relação às viúvas de “fala grega”). Ele
argumenta que a decisão do Concílio judaico no caso de Pedro e João após
a cura do coxo (5.40), contrasta com a resolução a respeito de Estevão.
Ainda segundo González:

Tanto uns como os outros eram de origem judaica. E não há dúvidas


de que os membros do Concílio viam no Cristianismo uma heresia
que era necessário combater. Mas ao princípio essa oposição parece
ter sido dirigida principalmente contra os judeus "gregos" que se
haviam feito cristãos. É posteriormente, no capítulo doze de Atos,
que a perseguição desaba a contra os apóstolos.

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5 A CONVERSÃO DE PAULO

Saulo, acompanhado por oficiais do Templo, encaminhou-se para


Damasco, na Síria, onde havia uma comunidade de “dezenas de milhares
de judeus” (Keener, 2004), na qual já se encontrava pessoas convertidas ao
Evangelho. As cartas do sumo sacerdote, líder do Sinédrio, deveriam achar
guarida nas comunidades de sinagogas, e os judeus não conversos seriam
de grande ajuda na identificação dos crentes.
O grupo seguia, certamente, levando consigo animais para o transporte
pessoal e carregamento de bagagens para a estadia na cidade, além da
provisão necessária enquanto percorriam os cerca de 240 km de distância,
aproximadamente uma semana de viagem entre Jerusalém e Damasco.
Quando estavam perto de chegar Saulo teve um encontro com o Senhor.
Sua conversão tem uma descrição “histórica geral” no capítulo nove de
Atos, “como parte do movimento da Igreja” e duas pessoais que “foram
dadas como defesa da vida e da doutrina de Paulo perante auditórios ou
audiências hostis e questionadoras” (22:4-16 e 26:12-18), há ainda textos
epistolares que podem ser agregados ao seu testemunho pessoal (Tenney,
2008). Ao harmonizar o conteúdo destes textos, o que se depreende é que
Saulo e os homens que estavam com ele: 1) viram a luz; 2) ouviram a voz;
3) e caíram (como em Dn 10.7). Porém somente ele viu a Cristo; perdeu a
visão; e entendeu a mensagem a qual acedeu com a pergunta: “quem és
Senhor?” (At 9.17; 1 Co 9.1; 15.5-8).
Saulo foi levado à cidade e na casa do compatriota Judas, onde esteve
em oração e jejum total por três dias, provavelmente numa manifestação de
arrependimento, até que o Senhor enviou para lá um discípulo, Ananias.
Mesmo temendo aquele cuja fama de perseguidor já havia se espalhado,
depois do anúncio do próprio Senhor de que Saulo era escolhido por Deus
para levar seu nome “diante dos gentios, e dos reis e dos filhos de Israel”
(9.15), Ananias obedeceu e foi à rua chamada Direita a fim de orar por ele.
Paulo teve a visão restaurada e foi cheio do Espírito Santo, de maneira que
depois de alguns dias começou a anunciar a Cristo nas sinagogas locais.

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SÍNTESE DA AULA

• Nesta aula aprendemos uma definição de epístola que a apresenta


com cunho documental e como um meio de informação e
instrução, não apenas de comunicação. E como era valorizada na
sociedade do primeiro século, o que fica claro pelo cuidado com
que eram elaboradas visando a boa compreensão dos leitores e
ouvintes, já que segundo o costume eram lidas publicamente,
beneficiando assim, a grande parcela da população do Império
Romano não alfabetizada.
• Aprendemos sobre o contexto religioso, social e político em que
Saulo nasceu e cresceu. Como se dedicou aos estudos da Lei
tornando-se um fariseu zeloso e num segundo momento,
perseguidor da Igreja.
• Aprendemos como aconteceu o encontro de Saulo com o Senhor
no caminho de Damasco, a partir das diferentes narrativas do livro
de Atos.

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AULA 2: PERSEGUIÇÃO E MISSÃO

META

Ponderar sobre a importância da experiência pessoal e ministerial de


Paulo na consolidação do Cristianismo Primitivo.

OBJETIVOS

• Atentar para a transição da Missão Cristã de Jerusalém para


Antioquia;
• Identificar as dificuldades enfrentadas na propagação da Fé Cristã;
• Refletir sobre a importância do Concílio de Jerusalém e das
epístolas paulinas para a expansão do Cristianismo.

PARA INÍCIO DE CONVERSA

1 DE PERSEGUIDOR A MISSIONÁRIO PERSEGUIDO

Não demorou muito para que Saulo experimentasse a perseguição dos


judeus que habitavam em Damasco, estes conseguiram o apoio da liderança
local, empossada pelo rei Aretas que de 9 a.C. a 40 d.C. governou a
Nabateia. A Nabateia incorporava o Sul da Síria, parte do deserto do Egito
e da Arábia Saudita; além de alguns territórios de Israel, como o Neguebe,
a Península do Sinai e o Jordão. Este rei, acredita-se que era na realidade, o
governador Aretas IV, sogro de Herodes Antipas, governante da Galileia e
Pereia de 4 a.C. a 39 d.C. Sob ordens do regente de Damasco, os portões
da cidade eram vigiados por guardas e, temendo os irmãos que Saulo fosse
preso e morto, o retiraram da cidade (At 9.25; 2 Co 11.32,33).
Segundo o relato de Paulo aos Gálatas (1.17-23), depois de sair de
Damasco, ele foi para a Arábia, “não a península da Arábia, mas o reino
Nabateu a nordeste do mar morto” Carson (1997), e retornou para
Damasco. De acordo com Tenney e White (1980), foi no final desta
segunda estadia de Saulo em Damasco que ele precisou escapar da cidade,

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indo para Jerusalém, quando na ocasião, viu somente a Pedro e a Tiago,
irmão do Senhor, neste momento já contava três anos desde sua conversão.
Na epístola aos Gálatas Paulo fez a defesa: do seu apostolado; do chamado
que partiu unicamente do Senhor; e do seu ministério que já se desenvolvia
sem que tivesse recebido nenhuma orientação por parte das lideranças da
Igreja, sendo essa, portanto, a razão de sua descrição mais detalhada.
Lucas por sua vez, introduziu Saulo no cenário cristão numa
abordagem histórica dos pontos mais relevantes, como a conversão; a
rejeição de sua mensagem; a fuga de Damasco; a chegada em Jerusalém; a
desconfiança dos discípulos; e a intervenção de Barnabé no relacionamento
de Saulo com os apóstolos, como vemos em Atos (9.1-27). Para Marshall
(1980), os “muitos dias da narrativa de Lucas” estão em conformidade com
os três anos passados antes da visita a Jerusalém de que Paulo fala.

2 O CRISTIANISMO EM ANTIOQUIA

A dispersão dos judeus helenistas após a morte de Estevão contribuiu


com uma mais rápida disseminação do Evangelho, primeiramente entre os
judeus de outras regiões, e finalmente entre os gentios (gentes = Goym no
hebraico, os que não eram judeus) quando alguns homens de Chipre e
Cirene, entraram em Antioquia da Síria e pregaram aos gregos, que creram
em Jesus (At 11.19-21). “Gregos”, as vezes é a forma como Lucas nomeia
os gentios. Os povos alcançados pela Fé cristã nos primeiros séculos depois
de Cristo, habitavam no território governado pelo Império Romano.
Providência que não é de se estranhar já que, de acordo com Isaías (45.22)
e muitos outros textos do Antigo Testamento, sempre esteve nos planos de
Deus salvar aos gentios, assim como aos judeus. Na plenitude dos tempos
o Redentor (litrotês, no grego = libertador) entrou na história (Gl 4.4) e a
Salvação passou a contemplar todas as nações da terra. Saindo dos limites
de Israel, o Evangelho “passou” por Antioquia da Síria e se espalhou pelo
mundo.
Antioquia da Síria (hoje Antakya) foi fundada em 300 a.C. por Seleuco
Nicátor, um dos generais de Alexandre Magno. O nome dado por Seleuco
à cidade foi uma homenagem ao seu pai Antíoco. Após a morte de
Alexandre o Império Grego foi dividido entre seus quatro generais, tendo
ficado a encargo de Seleuco, o reino da Ásia, no qual estabeleceu Antioquia
como uma das capitais (Arruda, 1996). A população local que no início era

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essencialmente grega, se tornou ao longo do tempo, uma sociedade mista,
com a chegada dos sírios e “judeus descendentes de colonizadores vindos
da Babilônia” (Tenney, 2008).
Os judeus que habitavam na cidade possuíam autonomia religiosa,
conservavam seus costumes e os cultos. Havia sinagogas na cidade, usadas
para a prática da religião, como local de estudo, assembleias e serviços
tribunais. Nos registros de Lucas iremos observar que a maioria das regiões
visitadas por Paulo possuíam sinagogas, isso se deu nas antigas diásporas
(dispersões). Os judeus haviam sido feitos cativos e espalhados por “quase
todas as cidades do antigo mundo greco-romano” (Nichols, 1985). Como
na tradição judaica era permitida a construção de uma sinagoga desde que
houvesse na comunidade um número mínimo de dez homens judeus, elas
foram construídas sempre que se fizeram necessárias.
Com a ascensão do Império Romano, Antioquia da Síria tornou-se uma
Província Romana, depois de Roma, uma das cidades mais importantes do
Império (Ariès e Duby, 2009). Em 64 a.C. “Pompeu entrou na Síria e depôs
Antíoco XIII, o último da dinastia selêucida” (Harrison, 2010). Em meados
do primeiro século, os judeus de Antioquia ainda gozavam da liberdade
religiosa adquirida por seus antecessores, o Judaísmo era praticado em meio
a uma sociedade politeísta. A Fé num único Deus antagonizava com a
religião greco-romana que, embora não preservasse mais a “robustez” do
período clássico, se mantinha viva no culto ao imperador, “certos cultos
primitivos e a adoração a divindades associadas a certas localidades,
ocupações ou profissões, aspectos da vida etc.” (Nichols, 1985). Neste
contexto, entre 33 e 40 d.C. (Tenney 2008), uma comunidade cristã
começou a se formar em Antioqu ia.
Segundo Keener (2004), “o movimento de Jesus passa de
predominantemente rural na Galileia, para um movimento urbano em
Jerusalém, e daí para um movimento cosmopolita em Antioquia”. Em
algum momento a Igreja que se desenvolvia chamou a atenção dos
apóstolos, e enviaram para lá Barnabé que era natural de Chipre. Ele era um
homem cheio do Espírito Santo e de Fé. Ao chegar em Antioquia exortou
os irmãos “a que permanecessem no Senhor, com propósito de coração”.
Barnabé foi buscar Saulo em Tarso para juntar-se a ele, na cidade que
iria se tornar a base da Missão a outros povos, línguas e nações. Durante
um ano permaneceram ali ensinando aos irmãos, fato que pode ter
contribuído para a constituição de um centro de ensino, onde havia

19
profusão dos dons como nos mostra o capítulo treze de Atos. É certo que
a mensagem centrada no Cristo e o testemunho dos convertidos geraram
tal repercussão nesta cidade que “foram os discípulos, pela primeira vez,
chamados cristãos” (At 11.22-26). Sobre isso Tenney (2008), diz: ‘“Cristão ’
significa ‘que pertence a Cristo ’[...] o nome foi dado evidentemente com
sentido pejorativo, mas o caráter dos discípulos e o testemunho dado por
eles, deu-lhe um significado lisonjeiro”.
Findado o período de um ano, vemos Saulo numa nova viagem a
Jerusalém, desta feita acompanhado por Barnabé e Tito, levando uma ajuda
financeira dos discípulos para os irmãos da Judeia. Se este auxílio ocorreu
em 44 a 46 d.C. como se acredita, então já havia passado cerca de doze a
catorze anos desde sua conversão (At 11.27-30; Gl 2.1-10). Lucas termina
o capítulo doze de Atos, falando do retorno a Antioquia: “havendo
terminado aquele serviço, voltaram de Jerusalém, levando também consigo
a João, que tinha por sobrenome Marcos” (v.25).

3 PRIMEIRA VIAGEM MISSIONÁRIA (ENTRE 46 E 47 d.C)

A escolha de Barnabé e Saulo para a obra missionária foi prerrogativa


do Espírito Santo, mas o envio foi feito por intermédio da liderança da
Igreja em Antioquia, que impuseram as mãos sobre eles em oração e os
despediram. Os dois partiram levando João Marcos, parente de Barnabé,
como auxiliar. João Marcos era filho de Maria, na casa de quem os irmãos
se reuniam para orar (At 12.12), provavelmente convertido pela pregação
de Pedro que o chama de “filho” (1Pd 5.13). Do Porto Marítimo de
Selêucia, na costa de Antioquia, navegaram para a ilha de Chipre. Lá
anunciaram o Evangelho nas sinagogas de Salamina e seguiram para a
capital Pafos, no outro extremo da ilha.
Em Pafos, o procônsul Sérgio Paulo, possivelmente o mesmo que
administrava a região durante o reinado do Imperador Cláudio (41 a 54
d.C.), creu no Senhor depois de ver como Saulo, expulsou o diabo,
proferindo uma sentença que deixou cego, um certo mágico judeu por
nome Barjesus (Elimas) que o acompanhava e que tentava atrapalhar sua
conversão.
A ação de Saulo na resolução daquela adversidade parece ter
confirmado seu ministério de liderança, pois começou a ocupar uma

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posição mais proeminente no relato de Lucas. A partir disso ao invés de
Barnabé e Saulo, a comitiva recebeu o nome de: Paulo e Barnabé. Saindo dali,
seguiram viagem para a Ásia Menor (hoje Anatólia, que corresponde à
grande parte da Turquia).
A Ásia Menor comportava na época diversos reinos subordinados ao
Império. A chamada Ásia; Bitínia; Ponto; Galácia; Lícia; Panfília; Cilícia; Psídia;
e Licaônia. A primeira cidade que entraram foi Perge, na Panfília, foi de onde
(Lucas não diz a razão) Marcos decidiu voltar. Paulo e Barnabé seguiram
para Antioquia na Pisídia e como de costume, foram até a sinagoga onde
houve conversões, mas foram perseguidos e expulsos por judeus. Tendo
partido para a região da Licaônia propagaram o Evangelho em Icônio, Listra
e Derbe.
Em Icônio Paulo e Barnabé foram perseguidos pelos judeus e fugiram
para Listra. Em Listra Jesus operou um milagre, e em agradecimento,
mesmo dissuadidos pelos apóstolos, muitos gentios tentaram oferecer
sacrifício em culto a Paulo e Barnabé. Mais uma vez enfrentaram a oposição
dos judeus que apedrejaram Paulo. Ele sobreviveu ao ataque e voltou à
Listra onde se encontrou com Barnabé e partiram para Derbe.
Em Derbe não houve resistência ao Evangelho, dentre os irmãos
designaram obreiros para as Igrejas e retornaram pelo mesmo caminho,
desta vez, pregando em Perge. Depois de concluída a Missão retornaram
para Antioquia (At 13 e 14). Tenney (2008), considera esta primeira viagem
extremamente importante para o ministério de Paulo e para a vida da Igreja
porque “dos acontecimentos desta jornada é que saiu a doutrina paulina da
Justificação pela Fé”.

4 O CONCÍLIO DE JERUSALÉM (ENTRE 48 E 49 d.C)

Foi depois da primeira viagem missionária, que durou por volta de dois
anos, que chegaram em Antioquia, judaizantes que tentavam conciliar a Fé
dos gentios à observância da lei mosaica, ensinando que a circuncisão era
requisito para a Salvação. Os gentios anteriormente convertidos ao
Judaísmo conheciam as Escrituras, mas os que se convertiam diretamente
do paganismo, acolhiam aquilo que do Antigo Testamento aprendiam com
Paulo e Barnabé, eles exerciam o Cristianismo pela Fé e Graça no Salvador
e estavam bem com isso.

21
Paulo e foram então enviados a Jerusalém para expor a grave situação
aos apóstolos. Isso resultou no primeiro Concílio da Igreja. Pedro também
havia sido contestado sobre sua interação com o gentio Cornélio, sendo
somente com a declaração de que após a pregação do Evangelho o Espírito
Santo viera sobre todos, que os apóstolos foram tranquilizados (At 11.18).
Este testemunho teve relevância a favor da causa. Tiago, irmão do Senhor,
um dos líderes da Igreja, também deu seu parecer a favor da evangelização
dos gentios sem a imposição de encargos desnecessários à Fé cristã.
A deliberação final do Concílio foi registrada em carta para Antioquia
e enviada pela Igreja por Judas e Silas, reafirmando a procedência da decisão:
“Na verdade pareceu bem ao Espírito Santo e a nós, não vos impor mais encargo
algum, senão estas coisas necessárias: Que vos abstenhais das coisas
sacrificadas aos ídolos, e do sangue, e da carne sufocada, e da fornicação,
das quais coisas bem fazeis se vos guardardes” (At 15 - itálico nosso).

5 SEGUNDA VIAGEM MISSIONÁRIA (ENTRE 49 E 50 d.C)

Na segunda viagem missionária Paulo não foi acompanhado por


Barnabé porque houve uma dissensão entre eles, sobre se deveriam ou não,
levar Marcos. Barnabé e Marcos se dirigiram para Chipre. Paulo e Silas
seguiram pelo continente, visitando as Igrejas fundadas na primeira viagem.
Atravessaram a Síria e Cilícia e chegaram à Licaônia. Em Listra, Paulo
conheceu Timóteo, e o convidou para se unir a eles, então prosseguiram
para as cidades da região da Frigia e da Galácia. Foram impedidos pelo
Espírito Santo de entrar, tanto na Província da Ásia como na da Bitínia.
Desceram a Trôade, um Porto Marítimo da Mísia ao sul de Troia,
imortalizada por Homero. Lucas se inclui na viagem a partir de Trôade
usando as expressões: “fomos, estivemos”. Depois de uma visão em que
Paulo recebeu um chamado específico para a Macedônia, seguiram até
Filipos, onde Paulo e Silas foram presos como consequência da libertação
espiritual de uma escrava usada em adivinhações. Na cidade houve duas
conversões marcantes: o carcereiro que os mantinha presos, e uma
vendedora de púrpura, Lídia, juntamente com sua família.
Paulo e Silas retomaram a viagem, indo para Tessalônica pregando o
Evangelho na sinagoga. Houve conversões de judeus e gentios, mas foram
perseguidos por alguns judeus. Então seguiram para a Bereia, ainda na

22
Macedônia, nesta cidade o Evangelho foi recebido de bom grado. Judeus e
gentios se converteram e se aplicaram a examinar as Escrituras para verificar
se o ensino recebido era correto. Porém judeus de Tessalônica foram até a
Bereia e agitaram as multidões contra eles. Então Paulo partiu sozinho para
a região da Acaia. Em Atenas Paulo “disputava na sinagoga com os judeus;
na praça (Ágora) com os que se apresentavam, inclusive filósofos; e no
Areópago, (supremo tribunal de justiça). “Alguns homens creram; entre os
quais Dionísio, areopagita, uma mulher por nome Damaris, e com eles
outros” (17.34).
Paulo seguiu para Corinto, onde encontrou o casal Áquila e Priscila, e
ficou ali por cerca de um ano e meio, trabalhando na construção de tendas
e pregando o Evangelho. Uniu-se a Silas e Timóteo e retornou à base
missionária na Antioquia da Síria (At 15.40 a 18.22).

6 TERCEIRA VIAGEM MISSIONÁRIA (ENTRE 51 E 52 d.C)

Paulo saiu de Antioquia da Síria pelo Continente na direção da Galácia


e Frígia, confirmando a Fé dos irmãos e entrou em Éfeso na Província da
Ásia. O trabalho lá resultou num grande número de convertidos. Em Éfeso
Paulo foi fortemente perseguido, três anos depois de chegar, partiu para a
Macedônia, juntando-se a Lucas em Filipos. No caminho de volta, em
Trôade, um jovem – Êutico, morreu ao cair de uma janela, durante um
longo discurso de Paulo. O rapaz milagrosamente voltou à vida depois de
ser abraçado por Paulo.
Paulo partiu de Trôade chegando a Mileto, onde se reuniu com anciãos
da Igreja de Éfeso para falar sobre sua prática entre eles e para orientá-los
sobre os falsos obreiros e a fidelidade ao Senhor. Então se despediu dizendo
que não mais os veria e tomou o caminho de volta via mar. Chegou a
Cesareia e na casa do evangelista Filipe foi avisado pelo Espírito Santo de
que seria preso em Jerusalém (At 18.23 a 21.33). Sobre as prisões e martírio
de Paulo, falaremos no estudo das epístolas correspondentes.
Eckhard (2008, apud Carriker) fez um cálculo do que teria sido o
percurso, a caminhada de Paulo em Missão no perímetro intercontinental
(Ásia e Europa) e chega a uma média de “24.780 km em 663 dias”.
Independentemente da precisão destes números, no que diz respeito às
viagens missionárias, ressaltamos que, pelo menos dois fatores cooperaram

23
com o ministério paulino e todos os demais missionários que transitaram
por terra e mar no primeiro século, sobretudo no período anterior à
perseguição sob Nero em 64 d.C., culminando consequentemente com a
expansão do Cristianismo. O primeiro fator é a Pax Romana que foi
instituída por ser o Império Romano, naquele momento da história,
invencível. O poder unificado em mãos romanas favorecia a interação dos
povos que estavam sob o mesmo domínio, dando aos obreiros, liberdade
de ir e vir sempre que achavam necessário. Outro fator é a condição das
vias: os mares mais seguros com a extinção do fluxo de piratas e as estradas
bem administradas e monitoradas para impedir os assaltos tão comuns no
mundo antigo (Nichols, 1985).
O ministério de Paulo foi além das viagens missionárias e implantação
de Igrejas. Enquanto escrevia para as comunidades da Fé ou para ministros
em particular, ele estava se tornando um missionário literário. Em número
de livros (as epístolas), Paulo ocupa o primeiro lugar entre os autores do
Novo Testamento, ficando em segundo, logo depois de Lucas apenas em
relação à porcentagem de conteúdo escrito por um único autor. De
qualquer maneira a contribuição do ministério paulino para a expansão da
Fé cristã, bem como a influência direta de suas epístolas sobre os cristãos,
é incomensurável. Suas palavras ainda ensinam, alertam, corrigem, exortam,
inspiram crentes de todo o mundo e, assim permanecerá até a volta do
Senhor.

SÍNTESE DA AULA

• Nesta aula aprendemos que as aparentes divergências nos escritos


de Lucas e Paulo, são na realidade, a apresentação de diferentes
perspectivas históricas e que, por isso, não se autoexcluem.
• Aprendemos sobre o contexto no qual teve início a base missionária
em Antioquia da Síria.
• Aprendemos, a partir de uma apresentação panorâmica, sobre o I
Concílio da Igreja e sua relevância para as comunidades gentílicas.
• Aprendemos de forma resumida sobre a chegada de Paulo nas
Igrejas-alvo das epístolas que iremos estudar neste curso.

24
UNIDADE II: INTRODUÇÃO ÀS EPÍSTOLAS
PAULINAS

Nesta unidade iremos aprender sobre o processo de canonização das


Escrituras do Novo Testamento e sua implicação na história da Igreja.
Também iremos iniciar a jornada pelas Escrituras a partir da epístola aos
Gálatas que se tornou um dos importantes livros da pequena biblioteca que
é a Bíblia Sagrada. Para tanto, utilizaremos as duas aulas assinaladas abaixo:
AULA 3: CANONICIDADE DAS EPÍSTOLAS PAULINAS
AULA 4: EPÍSTOLA AOS GÁLATAS

AULA 3: CANONICIDADE DAS EPÍSTOLAS


PAULINAS

META

Verificar o processo histórico da canonização da Bíblia.

OBJETIVO

• Refletir sobre a incidência da inspiração nos autores e livros do


Novo Testamento;
• Assinalar a crucialidade da autoridade das Escrituras;
• Destacar a Bíblia como um livro no qual podemos confiar para nos
guiar à vontade de Deus.

PARA INÍCIO DE CONVERSA

1 A INSPIRAÇÃO NAS ESCRITURAS DO NOVO TESTAMENTO

Os sessenta e seis livros que compõem a Bíblia foram escritos por


aproximadamente 40 autores, provindos de diferentes classes e contextos
político-sociais, num período de cerca de 1600 anos. Está dividida em

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Antigo e Novo Testamento, neste encontramos a subdivisão: biografia;
história; epístolas; e revelação. As epístolas também podem ser divididas
em: epístolas paulinas e epístolas gerais. As epístolas paulinas, assim como
os demais livros, foram admitidas no cânon do Novo Testamento por serem
consideradas inspiradas.
Erickson (1992), define inspiração como: “a influência sobrenatural
do Espírito Santo sobre os autores das Escrituras, que converteu seus
escritos em um registro preciso da revelação o que faz com que seus escritos
sejam realmente a Palavra de Deus”. A inspiração permitiu que a revelação
saísse da esfera privada, para chegar à comunidade da Fé. Podemos ver um
exemplo disso no acesso que temos às doutrinas paulinas - a revelação
somente chegou à Igreja porque Paulo foi inspirado pelo Espírito Santo a
escrever aquilo que, conforme sabemos, é literatura inspirada – as epístolas.
Conforme González (1995), “apesar de todo o labor missionário”, as
epístolas são o elemento de maior relevância no ministério de Paulo, mais
importante ainda do que a atividade evangelística exercida por ele, pois “o
trabalho missionário já era levado a cabo por pessoas cujo nome
conhecemos [...], mas também por centenas de cristãos anônimos”. Sendo
assim, guardada as devidas proporções, a expansão do Evangelho nas
localidades por ele percorridas bem poderia ter ocorrido por intermédio
dos evangelistas contemporâneos. Enquanto as epístolas, estas “vieram a
formar parte de nossas Escrituras”, exercendo através dos séculos “sua
influência na vida da Igreja”.

2 TEORIAS DE INSPIRAÇÃO DA BÍBLIA

Algumas teorias foram elaboradas a fim de explicar como se deu a


inspiração das Escrituras. Vejamos algumas delas, abaixo:
• Teoria da Inspiração Parcial - Segundo esta teoria alguns textos
bíblicos seriam inspirados e outros não.
• Teoria da Intuição - Os adeptos desta teoria ensinam que os autores
bíblicos já possuíam habilidades intelectuais como a dos “grandes”
nomes da história, eram, portanto, “gênios religiosos” (Erickson,
1992). Sendo assim, o resultado obtido foi o mesmo que teria os
escritos de quaisquer outros gênios.

26
• Teoria da Iluminação - Os teóricos explicam a inspiração como uma
percepção expandida, como um reforço mental. Os autores
receberam maior estímulo do que outros crentes, o que os capacitou
a escrever.
• Teoria da Inspiração por Ditado ou Mecânica - Esta teoria sugere
que o Espírito Santo ditou aos autores o que deveriam escrever e,
eles escreveram palavra por palavra mecanicamente sem nenhum
envolvimento intelectual.
• Teoria da Inspiração Conceitual ou Dinâmica - Para os adeptos
desta teoria, o Espírito Santo inspirou os autores com os conceitos
que desejava comunicar, deixando a encargo deles, a escolha das
palavras e a forma de transmitir a mensagem.
• Teoria da Inspiração Verbal e Plena - Esta teoria é assim
denominada por ensinar que foram inspirados os autores: (2 Pe 1.21);
e o texto bíblico: (2 Tm 3.16,17). Para os que assim creem, o Espírito
Santo inspirou os conceitos e as palavras, capacitando os autores a
escolher no arcabouço cultural de cada um, as palavras e os meios para
expressar aquilo que o Senhor queria manifestar. Erickson (1992),
explica que:

[...] os autores das Escrituras, pelo menos em todos os casos em que


lhes conhecemos a identidade, não eram novatos na fé. Eles
conheciam a Deus, aprendiam dele e praticavam a vida espiritual
havia algum tempo. Portanto, Deus estava trabalhando na vida deles
por algum tempo, preparando-os mediante uma ampla variedade de
experiências familiares, sociais, educacionais e religiosas, para a
tarefa que desempenhariam. [...] E, por meio das experiências,
digamos, do pescador Pedro, Deus estava criando o tipo de
personalidade e de cosmovisão que mais tarde seriam empregados
na escrita da Escritura. O vocabulário de Lucas resultou de sua
formação e de toda sua vasta gama de experiências; em tudo isso,
Deus estava trabalhando, preparando-o para sua tarefa.

Entendemos que as Escrituras não são o resultado de um trabalho


improvisado, mas um projeto minucioso e providencial. A Bíblia é um
empreendimento que se originou em Deus, e que, a convite do próprio
Deus, envolveu os homens, para apregoar a toda a humanidade, o Grande
Plano da Redenção.

27
3 AUTORIDADE DAS ESCRITURAS

A autoridade das Escrituras se refere à revelação autorizada de Deus


cujo reconhecimento resultou, dentre outras coisas, no cânon. A Bíblia, não
apenas alguns trechos ou livros, mas toda ela é inspirada. Esta inspiração
não é “poética, mas de autoridade divina” (Geisler e Nix, 1997). “A
Escritura é nossa suprema autoridade legislativa. Ela nos dá o conteúdo de
nossa crença e nosso código de conduta e prática” (Erickson,1992).
Não se sabe exatamente quando, mas os primeiros livros do Novo
Testamento “foram colocados em igualdade com os textos do Antigo
Testamento” e posteriormente as epístolas apostólicas passaram a ser “lidas
publicamente, para prover resposta para muitos problemas que surgiam
com frequência” (Tenney, 2008), tornando evidente o reconhecimento
entre os irmãos, da autoridade do Novo Testamento.
O uso corrente dos livros pelos Pais da Igreja Primitiva e as citações
feitas por eles também validam a autoridade do Novo Testamento. Tenney
(2008), diz que: “o documento mais antigo contendo citações de qualquer
dos livros do Novo Testamento foi provavelmente 1 Clemente [...] escrita
em Roma [...] sendo-lhe atribuída a data de aproximadamente 96 d.C.”. Há
citações de Clemente I do livro de Hebreus; do Evangelho de Mateus; e das
epístolas paulinas de 1 Coríntios e Romanos.
Livros do Novo Testamento foram citados pelos Pais da Igreja no
primeiro século e nos séculos subsequentes em livros e Concílios
Eclesiásticos, num “vínculo ininterrupto da reivindicação do Novo
Testamento a favor de sua inspiração divina, desde os tempos dos
apóstolos, passando pela fundação da Igreja e, sem quebra nem interrupção,
pelos séculos e milênios que se seguiram” (Geisler e Nix, 1997).
Na Dieta de Worns (1521), Lutero declarou a autoridade das Escrituras
em contraposição à autoridade vigente - da Igreja e dos Concílios. Outros
reformadores também reconheceram a autoridade única da Bíblia. “Tanto
os reformadores, como também a ortodoxia protestante até meados do
século XVIII, estavam absolutamente convencidos de que a doutrina da
Bíblia estava em perfeita consonância com os ensinamentos de Fé e as

28
confissões da Igreja antiga” (Kummel, 2003). Sobre uma das bases da
Reforma, o Sola Scriptura, Stott e Reeves (2017), argumentam:
Se a justificação pela fé é o elemento essencial da Reforma, a
autoridade suprema da Bíblia é seu meio. [..] A Bíblia precisava ser
reconhecida como autoridade suprema e autorizada a contradizer e
anular todas as outras afirmações, ou ela mesma seria anulada. [...] A
simples reverência pela Bíblia e o reconhecimento de que ela tem
alguma autoridade jamais seriam suficientes para provocar a Reforma
(itálico nosso).

4 DESENVOLVIMENTO DO CÂNON DO NOVO


TESTAMENTO

“Cânon”, do grego, Kanon (cana, ou régua usada em medidas) é um


termo ao qual é atribuído o sentido metafórico de “regra, norma ou
padrão”. Não é uma palavra de cunho religioso, há cânones para a filosofia,
a literatura, a arquitetura, dentre outros. Quando relacionado à Bíblia, na
prática, é o conjunto de livros normativos que compõem as Escrituras
inspiradas. O cânon do Novo Testamento elaborado por Atanásio em 367
d.C. foi reconhecido oficialmente no Concílio de Cartago em 397 d.C.,
quando o Império Romano estava nas mãos de Honório e Arcádio, filhos
e herdeiros de Teodósio I.
Antes disso “nos primeiros séculos do Cristianismo, foram propostos
vários cânones das Escrituras, desde o do herege Marcião, em 140 d.C.”
(Higgins,1997). Estas listas canônicas não oficiais contendo vários livros eram
produzidas, geralmente, como recurso apologético. Desde o primeiro
século grande parte dos livros que compõem o Novo Testamento já
possuíam valor canônico (mesmo que o termo “cânon” nunca tivesse sido
usado para referir-se a eles) e eram lidos nas Igrejas.
Inácio de Antioquia; Policarpo de Esmirna; Justino Mártir; Irineu;
Tertuliano de Cartago; Orígenes; além de outros, fizeram importantes
alusões aos textos bíblicos. Eusébio de Cesaréia (aprox. 260-340),
historiador da Igreja, catalogou os trinta e nove livros do Antigo
Testamento e os vinte e sete do Novo Testamento em sua obra “História
eclesiástica”. Para Higgins (1997), “o cânon foi formado por um consenso, e
não por um decreto. A Igreja não resolveu quais livros deveriam estar no
cânon sagrado, mas limitou-se a confirmar aqueles que o povo de Deus já
reconhecia como a sua Palavra” (itálico nosso).

29
5 CONTEXTO DO ESTABELECIMENTO DO CÂNON

No final do século I a literatura inspirada não era a única a circular nas


Igrejas, havia muitos livros e textos, não necessariamente perigosos, que
eram lidos nas comunidades. Porém, é fato que, heresias já permeavam a
teologia cristã acrescentando ou subtraindo elementos das doutrinas
fundamentais e confundindo a Fé de muitos cristãos sinceros. Eusébio
(aprox. 260-340), inicia sua obra, assim:

É meu propósito consignar as sucessões dos santos apóstolos e os


tempos transcorridos desde nosso Salvador até nós [...] assim como
o número daqueles que em cada geração, de viva voz ou por escrito,
foram os embaixadores da palavra de Deus; e também quantos, quais
e quando, absorvidos pelo erro e levando ao extremo suas fantasias, proclamaram
publicamente a si mesmos introdutores de um mal chamado saber e devastaram
sem piedade, como lobos cruéis, o rebanho de Cristo (itálico nosso).

Em meados do século IV as seitas, cujos ensinos heréticos


“importunavam” a ortodoxia já se multiplicavam. À título de informação,
citaremos algumas abaixo:
• Ebionismo (séc. II) – Era uma seita cristã judaica que dentre outras
coisas, negava a divindade de Jesus; adotava apenas o Evangelho de
Mateus e acusava Paulo de apostasia.
• Docetismo (séc. II) – Dentre outras coisas, principalmente por ser
um subgrupo do gnosticismo, negava a humanidade do Senhor,
ensinava que o corpo de Cristo era apenas aparente, refutando,
consequentemente, a crucificação.
• Gnosticismo (séc. II e III) - Dentre outras coisas, ensinava que a
matéria era essencialmente má e que somente através do
conhecimento o ser humano poderia transcender.
• Montanismo (séc. II) - Montano se dizia o “Consolador”; dentre
outras coisas, ensinava que Jesus voltaria em sua geração;
supervalorizava o martírio cristão e colocava seus ensinamentos
acima dos de Cristo.

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• Marcionismo (séc. I e II) - Dentre outras coisas, ensinava que o
“deus” do Antigo Testamento era inferior ao do Novo Testamento.
Marcião (ou Márcion), seu fundador, desenvolveu e divulgou um
“cânon” particular, no qual constava apenas dez das epístolas
paulinas e uma versão modificada do Evangelho de Lucas.
• Arianismo (séc. III e IV) - Dentre outras coisas, ensinava que Jesus
era um semideus, logo, inferior a Deus. Segundo González (1995),
esta heresia que “deu lugar a controvérsias acaloradas sobre a
Trindade”, em 379 d.C “ainda gozava do apoio do poder político”.
• Eusébio (aprox. 260-340), revela que as doutrinas heréticas dos
primeiros séculos tiveram tanta influência que houve entre seus
seguidores, muitos mártires. “Os primeiros ao menos, os que se
chamam Marcionitas por seguir a heresia de Márcion, também eles
dizem que têm inúmeros mártires, mas ao próprio Cristo não
confessam conforme a verdade”. As heresias elencadas acima e
ainda outras, justificam a necessidade da constituição do cânon do
Novo Testamento. O primeiro a usar o termo “cânon” em referência
à Bíblia foi Atanásio de Alexandria (295-373). Ele se opunha
fortemente aos ensinamentos de Ário e era um perseverante
defensor da doutrina da Trindade.

[...] havia um pequeno grupo que estava convencido de que as


doutrinas de Ário punham em perigo o próprio cerne da fé cristã, e
que por isto era necessário condená-Ias. O Iíder deste grupo era
Alexandre de Alexandria. Junto a ele estava um jovem diácono que
depois ficaria famoso como um dos gigantes cristãos do século IV,
Atanásio (González, 1995).

6 CONFIABILIDADE DAS ESCRITURAS

Confiabilidade é “a qualidade do que inspira confiança porque tem boa


reputação; é a qualidade daquilo em que se pode confiar porque tem
credibilidade” (Dic. Houaiss e Unesp, 2011). Em relação às Escrituras
refere-se à integridade dos fatos nela registrados, à inerrância e infalibilidade
de seu conteúdo. No artigo “Quantos por cento o Novo Testamento é confiável?”,
o apologeta Norman Geisler menciona que: “o Novo Testamento tem cerca
de 5.700 manuscritos que fornecem centenas, e em alguns casos até mesmo
milhares, de confirmações de cada linha dele”.

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Concernente aos fatos em si, algumas ciências nos fornecem recursos
valiosos para a autenticação dos escritos bíblicos, como a Historiografia; a
Antropologia; a Arqueologia etc. A Bíblia, porém, é um livro que vai muito
além dos relatos factuais, seu cerne é espiritual, neste quesito não
encontraremos nos registros históricos, antropológicos, arqueológicos etc.,
provas cabais de sua veracidade. Para tanto, nos valemos do irrefutável: o
testemunho. O “efeito moral” (Tenney, 2008) observado no testemunho
dos cristãos de todos os tempos, permeia a história e vai além das
comprovações históricas, das análises antropológicas e dos achados
arqueológicos que surgem a cada nova “escavação”.
A Bíblia é o livro que conta a história da Redenção. Falando
especificamente sobre o Novo Testamento, a inspiração “pode ser apoiada
pelo seu conteúdo intrínseco” que é a pessoa e obra do Redentor. Cristo é
a chave hermenêutica para a interpretação, o âmago “desses documentos”,
e essa constatação dá credibilidade ao livro como sendo a Palavra de Deus
(Tenney, 2008). Sendo a Bíblia o livro da Redenção, como diz Erickson
(1992):

Há poucas informações acerca de assuntos não diretamente ligados


à obra redentora de Deus e ao seu relacionamento com a
humanidade. [...] A Bíblia não faz digressões sobre assuntos de
interesse puramente histórico. Ela não preenche as lacunas no
conhecimento do passado. Ela não se concentra em detalhes
biográficos. O que Deus revela é principalmente a si mesmo, como
pessoa e, em especial, suas dimensões mais significativas para a fé.

7 PRESERVAÇÃO DAS ESCRITURAS

Os livros do Novo Testamento, antes e depois do estabelecimento do


cânon, foram exaustivamente copiados. Obviamente que, ao longo da
história Cristã, as cópias correram o risco de extinção, como no período de
perseguição romana, por exemplo. A prática de copiar foi, em certa medida,
interrompida e reiniciada nos tempos do Imperador Constantino (272 – 337
d.C). O trabalho dos copistas chegou ao auge durante a Idade Média.
Geisler e Nix encadeiam fatores importantes da revelação de Deus para
nós: a inspiração da revelação; a canonização dos livros inspirados; e a
transmissão desses livros à humanidade. Além do que já foi dito até aqui, a

32
respeito da transmissão da Bíblia vale lembrar que, segundo cremos, a
Providência Divina operou diretamente na difusão do grego comum - Koiné
dialektos. O Koiné dialektos se formou a partir da mistura de vários dialetos
gregos e se tornou idioma oficial do Oriente Próximo, do Egito, da Grécia
e da Macedônia. Nele o Novo Testamento foi escrito, e a partir dele
traduzido.

8 CÓPIAS E TRADUÇÕES

Os textos originais da Bíblia são chamados de autógrafos, nenhum deles


foi preservado, o que temos são cópias, e cópias de cópias dos manuscritos.
Por manuscritos entende-se que são as cópias feitas diretamente do idioma
original, O Koiné Dialektos. As cópias, bem como as traduções não são em
si mesmas, inspiradas, mas são um testemunho importante da
autenticidade, da existência, em tempos remotos, dos textos originais.
Em meados do século XV, Johannes Gutenberg inventou a Imprensa
de Tipos Móveis que foi um recurso extremamente significativo para a
Reforma Protestante do século XVI. Conforme supracitado, um dos
pontos vitais da Reforma foi o reconhecimento da autoridade e supremacia
das Escrituras como livro inspirado, fonte do conhecimento de Deus e de
sua vontade. A invenção da Impressa de Gutenberg associada ao trabalho
de tradução viabilizou o alargamento da transmissão das Escrituras.

9 A BÍBLIA HOJE

Tenney (2008), argumenta que não há indícios de que Jesus era


considerado importante pelos ensinadores de seu tempo a ponto de os
escritos a seu respeito sobreviverem ao Império Romano. “Se a literatura
que lhe diz respeito resistiu e se tornou poderosa, deve ter havido qualquer
coisa para produzir semelhante efeito”. A mensagem do Cristo Ressurreto,
do Redentor prometido no capítulo três de Gênesis, morto desde a fundação
do mundo (Ap 13.8), que nos elegeu nEle antes da fundação do mundo (Ef
1.4), não chegou a nós acidentalmente, sua preservação também procede da
Providência Divina.

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A Bíblia é inerrante e infalível - leva “luz às nações, possui poder
para guiar os homens a Deus e transforma-lhes o caráter […]. É um
dos livros mais antigos do mundo e, ao mesmo tempo, o mais
moderno. […] Enquanto os homens tiverem fome, desejarão o pão
para o corpo, e enquanto anelarem por Deus e pelas coisas eternas,
desejarão a Bíblia (Pearlman, 2009).

A Bíblia ainda ocupa o primeiro lugar no ranking de livros mais


traduzidos, vendidos e doados no mundo. É um livro distinto, não pela
diversidade de autores, nem pelo hiato temporal entre um escrito e outro,
ou mesmo pelo tempo levado até ter reunidos em si todos os livros que
fizeram dela uma pequena biblioteca. Ela não discrimina etnias nem status
social; é encontrada nos países onde há liberdade religiosa e nos países onde
há forte perseguição; está nos palácios e nas casas mais simples; é lida por
intelectuais e por semianalfabetos; proferida por “grandes” mestres e por
quem pouco sabe; é oportuna nos momentos mais felizes da vida e nos de
maior infortúnio. É fato que onde quer que ela seja efetivamente
reconhecida como Palavra de Deus, seu fruto será notório.

SÍNTESE DA AULA

• Nesta aula aprendemos sobre a inspiração divina nas Escrituras as


teorias existentes a respeito dela;
• Aprendemos que a Bíblia é detentora de autoridade divina, nossa
regra de Fé e Prática;
• Aprendemos sobre questões básicas da canonização dos livros do
Novo Testamento;
• Aprendemos sobre a influência das Escrituras na Igreja como um
importante meio de constatação de que ela é a Palavra inspirada de
Deus;
• Aprendemos, a partir de uma observação panorâmica, sobre como
a Bíblia chegou até os nossos dias.

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AULA 4: EPÍSTOLA AOS GÁLATAS

META

Refletir sobre a liberdade que temos em Cristo.

OBJETIVO

• Entender a função da Lei na vida do povo de Israel;


• Reconhecer os equívocos do legalismo;
• Identificar o meio para a Justificação no Antigo e Novo
Testamento;
• Compreender a diferença entre a Lei e a Graça.

PARA INÍCIO DE CONVERSA

1 APRESENTAÇÃO

A epístola aos Gálatas será a primeira que iremos estudar neste curso.
Vamos seguir o que alguns estudiosos supõem ser a ordem cronológica dos
escritos paulinos, diferente daquela que encontramos no Novo Testamento.
Cientes de que sobre este assunto não há consenso, diante da necessidade
de estabelecermos um ponto de partida, optamos por esta ordem.

2 AUTORIA, DATA E DESTINATÁRIO

Logo no início do livro, a epístola aos Gálatas composta por 06


capítulos e 149 versículos tem como autor, Paulo. “Paulo, apóstolo enviado,
não da parte de homens nem por meio de pessoa alguma, mas por Jesus
Cristo e por Deus Pai, que o ressuscitou dos mortos. E todos os irmãos que
estão comigo, às Igrejas da Galácia” (1.1,2). Como o texto bíblico já declara,
a epístola foi destinada aos cristãos Gálatas. Segundo Carson (1997), a
epístolas aos Gálatas foi bem aceita no cânon e “aparece em primeiro lugar

35
em listas das epístolas paulinas (como a de Marcião) o que demonstra o
reconhecimento de sua importância bem como de sua autenticidade”. Não
se sabe ao certo se Paulo escreveu ele mesmo (em letras grandes) toda a
epístola ou se fez uso do trabalho de um amanuense (escriba), ficando a seu
próprio encargo apenas a conclusão, pois destaca “as letras grandes” com
as quais escreveu de próprio punho, as orientações do último capítulo.
Conjectura-se que as “letras grandes” de que Paulo fala, estão relacionadas
a uma dificuldade de enxergar por causa de uma enfermidade desenvolvida
desde a primeira viagem missionária (4.13-15).

3 QUEM ERAM OS GÁLATAS

No século III a.C. os gauleses invadiram a Macedônia na Grécia e Ásia


Menor. Eles se instalaram no território que veio a se chamar - Galácia. Ao
longo dos séculos, “a população gaulesa foi absorvida por outros povos que
ali viviam, e, após várias transformações políticas, o seu território passou
para as mãos dos romanos” (Tenney, 2008). Nos tempos de Paulo o nome
“Galácia” tinha duas designações: a primeira se referia a um dos reinos
(outrora território gaulês) subordinados ao Império Romano; e o outro a
uma grande área que, desde a chegada dos romanos em 25 a. C. abrangia
partes da Frígia; da Licaônia; da Psídia, até a fronteira com a Panfília.
A epístola aos Gálatas tem como alvo as Igrejas gentílicas fundadas por
Paulo e Barnabé na primeira viagem missionária: Icônio, Derbe e Listra na
Licaônia e Antioquia na Psídia. De acordo a maioria dos especialistas da
atualidade, a epístola foi escrita de Antioquia da Síria, por volta de 48/49
d.C. antes do Concílio de Jerusalém, já que, tendo em vista seu conteúdo,
Paulo não deixaria de aludir àquela Assembleia, para corroborar seus
argumentos, o que não acontece.

4 EPÍSTOLA AOS GÁLATAS

O tema principal da epístola aos Gálatas é a “Liberdade Cristã”. “Foi


para a liberdade que Cristo nos libertou. Portanto, permaneçam firmes e
não se deixem submeter novamente a um jugo de escravidão” (5.1). Mas
esta liberdade somente é desfrutada por aqueles que foram justificados pela Fé

36
(pístis, no grego). A epístola aos Gálatas é considerada a base da doutrina da
Justificação que Paulo irá sistematizar na epístola aos Romanos.
O início da epístola aos Gálatas é peculiar, antes mesmo da saudação,
Paulo reivindica o reconhecimento de seu chamado, procedente, não dos
homens, mas de Cristo e do Pai, e por que não dizer, do Espírito Santo, visto
que, ao que tudo indica, apela para os frutos de seu ministério quando diz:
“os irmãos que estão comigo”. Como “vaso escolhido” para levar o nome
de Jesus “diante dos gentios, e dos reis e dos filhos de Israel” (At 9.15), seu
apostolado foi sancionado Pelo Espírito Santo: “E, servindo eles ao Senhor,
e jejuando, disse o Espírito Santo: Apartai-me a Barnabé e a Saulo para a obra
a que os tenho chamado” (At 13.2 - itálico nosso). Com firmeza Paulo defende
seu ministério apostólico cujo avanço não contava com a influência dos
irmãos judeus. E sustenta que não esteve submetido às ordens ou
orientação dos apóstolos (1.17-24).
Paulo faz uma grave acusação: aquelas comunidades cristãs estavam
deixando de lado os ensinamentos acerca do Evangelho para dar ouvidos a
perturbadores da Fé, a quem caberia o nome de anátema, ou maldito (1.6-
9). Embora as Igrejas da Galácia fossem compostas em sua maioria, por
gentios, os que tentavam perverter o Evangelho, eram judeus, isso fica claro
pelo rigor em relação à Lei.
Esses judeus, geralmente chamados de “judaizantes”, consciente ou
inconscientemente tentavam transformar a Fé cristã em mais uma das seitas
do Judaísmo, como a dos fariseus, saduceus, essênios e zelotes. Eles eram
“cristãos” provindos do Judaísmo, habituados à observância da Lei, que ao
entrar no âmbito da Igreja, não compreendendo a ação graciosa de Deus na
Salvação, a Justificação pela Fé, ensinavam que os gentios não poderiam ser
salvos a menos que obedecessem a Lei (At 15.1).
Os judaizantes não duvidavam de que a Graça de Deus se manifestara
em Jesus, porém, para eles, a Graça deveria ser conservada pela obediência
à Lei, e esta obediência à Lei era uma marca distintiva dos filhos de Deus.
Ou seja, os judaizantes não viam futuro para uma comunidade
fundamentada no Cristo, se isso significasse a renúncia ao legalismo judaico.

37
5 A TEOLOGIA DOS JUDAIZANTES

Há séculos a teologia dos judeus (pelo menos a ala mais ortodoxa)


mesclava a Lei e a Tradição e a obediência cega, tanto a uma como à outra,
os mantinha escravos. Os rabinos haviam extraído da Lei 613 preceitos,
sendo 248 positivos (tarefas) e 365 negativos (proibições). Jesus condenou
a diligência dos judeus em obedecer a Tradição (Mc 7.8,9,13) em detrimento
dos Mandamentos, que ele resumiu em amor a Deus e ao próximo, dos
quais “dependem toda a Lei e os profetas” (Mt 22.37-40). Segundo Carson
(1997):

Com frequência o Cristianismo tem sido entendido como nada mais


do que um sistema de moralidade, como uma cuidadosa observação
de um sistema sacramental, como uma conformidade a padrões,
como uma reunião com outras pessoas na igreja e assim por diante.
Sempre se faz necessária a exposição clara e direta que Paulo faz da
verdade de que a justificação vem somente pela fé em Cristo. Deve-
se dizer isso em oposição àqueles que enfatizam a importância de
obras realizadas conforme a Torá ou quaisquer outros feitos do
pecador. A senda cristã ressalta o que Deus fez e não o que os
pecadores fazem para alcançar a salvação. Nenhuma realização
humana pode aprimorar a ação divina, seja mediante a observância
de rituais seja mediante o aprimoramento moral. A cruz é o único
meio de salvação, e parte alguma das Escrituras deixa isso mais claro
do que Gálatas.

A circuncisão, ponto apresentado pelos judaizantes como essencial, era


um sinal externo da Aliança de Deus com Abraão, uma marca que
identificava os seus descendentes, mas que não tivera participação na
Justificação, já que era posterior a ela, que sempre foi pela Fé (Rm 4.11). Na
epístola aos Colossenses Paulo vai dizer que a circuncisão dos salvos é
aquela operada por Cristo, “não por operação física, e sim espiritual, na qual
foi removido o domínio de sua natureza humana” (2.11 NVT).

6 UM SÓ EVANGELHO

Os judaizantes questionavam a autoridade apostólica de Paulo, porque


ele não fazia parte dos primeiros discípulos de Jesus, nem tinha sido
oficialmente escolhido pela Igreja. Ainda, segundo diziam, Paulo pregava

38
um Evangelho para os judeus e outro para os gentios (5.11), o que, se fosse
verdade, faria dele um manipulador, um corrupto da Fé. As acusações
contra Paulo, implicava na descrença ao Evangelho que Ele pregava.
Paulo argumenta que o Evangelho que prega é uma revelação do
Senhor. Não entendamos com isso que Paulo fosse contrário ao ensino dos
apóstolos, ou que a revelação a que se referia fosse a respeito dos fatos
ocorridos no ministério de Jesus. Paulo conhecia profundamente o Antigo
Testamento, e a ignorância acerca da trajetória de Cristo, não duraria muito
tempo, depois de sua conversão, se é que ele já não sabia de tudo
detalhadamente quando começou a perseguir a Igreja (1.11-16).
A revelação de que Paulo fala é o entendimento pleno que o Senhor
lhe dera no tocante ao que as Escrituras diziam sobre o Messias, e de como
tudo convergia nEle. O Evangelho de Paulo é a síntese - do que o Antigo
Testamento apresentava e o que tinha sido a vida, a morte, a ressurreição e
ascensão de Jesus. Seu Evangelho é a Palavra de Deus que ele vai chamar
de “o mistério que esteve oculto durante épocas e gerações, mas que agora
foi manifestado a seus santos” (Cl 1.26). As doutrinas paulinas, portanto,
resultam da Palavra de Deus, foram elaboradas a partir de tudo o que o
Senhor o fez compreender do Plano da Redenção.
Paulo não prega um Evangelho diferente daquele ordenado por Jesus
(Mc 16.15), nem se julga o único depositário dos mistérios de Deus (1 Co
4.1). Ele afirma que está cumprindo o chamado do Senhor entre os gentios,
assim como Pedro, entre os judeus (2.7,8,11-14). Embora oponha-se a
atitude de Pedro e também de Barnabé em Antioquia que, estando eles à
vontade com os irmãos gentios, não tiveram coragem de assumir diante dos
judeus vindos de Jerusalém, a igualdade entre todos.
Para Keener (2004), “o fato de se afastarem da comunhão em torno
das mesas com os gentios tornava-os cidadãos de segunda classe, violava a
unidade da Igreja e insultava a cruz de Cristo”. A atitude deles não condizia
com o que havia acontecido quando Paulo esteve em Jerusalém
acompanhado por Barnabé e Tito. Na ocasião alguns “falsos irmãos”, os
espionavam por causa da liberdade que tinham em Cristo. Apesar disso e
do fato de Tito ser gentio, nenhum dos apóstolos exigiu que fosse
circuncidado (2.1-4).

39
7 AS FUNÇÕES DA LEI

Para ilustrar o término da vigência da Lei Paulo usou a figura do “aio”


(3.19-25). Nas sociedades grega e romana, o aio era um tutor, geralmente
escravo, que ficava responsável por cuidar dos filhos de seus senhores até
que atingissem a maioridade, assumissem seu papel na sociedade e
desfrutassem dos bens destinados a eles. Da mesma forma a Lei havia
protegido o povo de Israel, até Cristo. Paulo não menospreza a Lei, pelo
contrário, reconhece seu valor enquanto tutora, mas esclarece que ela já
cumpriu sua função.
Há outro aspecto da Lei que nos ajuda a entender melhor o
antagonismo entre a Lei e a Fé. A Lei revelava o pecado, mas não anulava a
sentença de morte que estava sobre o pecador (3.19; Rm 7.7). Paulo diz que
quando tentou viver pela Lei, ela o condenou. “Portanto, morri para a lei a
fim de viver para Deus. Fui crucificado com Cristo; assim, já não sou eu
quem vive, mas Cristo vive em mim. Portanto, vivo neste corpo terreno
pela Fé no Filho de Deus, que me amou e se entregou por mim” (2.19,20
NVT). Assim como Abraão que é anterior à Lei foi justificado pela Fé,
somente pela Fé o pecador pode ser justificado.

8 JUSTIFICAÇÃO

Justificação é um termo jurídico que, em relação à Salvação, tem o


sentido de absolvição, de tornar o homem justo, inocente, segundo a
medida ou padrão de justiça de Deus. Através da Graça (χάρη, khári no
grego = disposição favorável de Deus em relação ao pecador), há uma
mudança de posição, na qual o pecador é transportado das trevas para o
Reino de Cristo. “Esta posição não constitui simplesmente uma ficção legal
aplicada apenas externa ou cerimonialmente, antes se torna parte integrante
da vida interior mediante a união com Cristo”, Tenney (2008).
A Justificação pela Fé nivelava judeus e gentios. “Considerem o
exemplo de Abraão: ‘Ele creu em Deus, e isso lhe foi creditado como
justiça’. Estejam certos, portanto, de que os que são da Fé, estes é que são
filhos de Abraão. Prevendo a Escritura que Deus justificaria pela Fé os
gentios, anunciou primeiro as boas novas a Abraão: ‘Por meio de você
todas as nações serão abençoadas’” (3.6-8). Todos aqueles que como

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Abraão cressem, pela Fé seriam justificados (2.15,16). Se a Lei podia
justificar, então não tinha valor algum a morte de Cristo (2.21). Segundo
Keener (2004): “Embora muitos judeus acreditassem que os gentios
poderiam ser salvos desde que não fossem idólatras, quase ninguém
acreditava que eles pudessem participar da aliança em situação de igualdade
com os judeus enquanto não fossem circuncidados”. Dessa forma, a
imposição da Lei e mais especificamente da circuncisão, contradizia a
essência do Evangelho, da Justificação, não pelas obras da Lei, mas pela Fé
em Cristo.
Ao falarmos sobre Justificação unicamente pela Fé e não por obras,
não podemos nos isentar da responsabilidade de trazer à tona, ainda que
mui brevemente, o texto de Tiago, sobre a Fé e as obras: “Vejam que uma
pessoa é justificada por obras, e não apenas pela Fé. [...] Assim como o
corpo sem espírito está morto, também a Fé sem obras está morta” (Tg
2.24-26). Precisamos atentar para o fato de que o livro de Tiago é
essencialmente prático. Ele aborda Fé e obras no contexto da práxis cristã.
Enquanto Paulo fala da Fé e obras no que concerne à Salvação. Tenney
(2008), chama os dois escritos de “complementares [...] duas faces da
mesma moeda. [...] Em Tiago há uma austera insistência sobre a ética de
Cristo, exigindo-se que a Fé prove a sua existência mediante a produção de
frutos. No entanto, Tiago, não menos do que Paulo, acentua a necessidade
da transformação do indivíduo pela Graça de Deus”. Paulo por sua vez,
“acentua a dinâmica do Evangelho, que produz a ética”.

9 ADOÇÃO

Na figura do “aio” ou tutor, Paulo completa dizendo que, “vindo a


plenitude dos tempos, Deus enviou seu Filho, nascido de mulher, nascido
sob a lei, para remir os que estavam debaixo da lei, a fim de recebermos a
adoção de filhos”. “Adoção” (hiothessia, no grego = filiação), assim como
“Justificação”, é um termo que remete a um ato jurídico. No Novo
Testamento “descreve o fato de Deus receber alguém que, legal e
espiritualmente não goza do direito de recebê-lo como Pai” (Andrade,
1996). Na adoção o crente se torna membro da família de Deus. Esta
também é uma ação graciosa de Deus, que os judaizantes não entendiam,
eles associavam a filiação à observância da Lei. Enquanto a Justificação
torna pecadores justos, a adoção restaura o relacionamento rompido na

41
queda. (4.4-7). De escravo, o cristão se torna filho e consequentemente
herdeiro das promessas, e templo do Espírito Santo “o qual clama: Aba Pai”
(4.1-7).

10 LEI E GRAÇA

Deus estabelecera uma Aliança com Abraão na qual estavam incluídas


todas as famílias da terra. Para o cumprimento da promessa, seria necessário
que o povo fosse preservado até a Plenitude dos Tempos quando chegaria
o Redentor. Por isso, 430 anos depois, o Senhor fez uma Aliança com Israel
no Sinai, dando-lhes a Lei. A Lei iria exercer um controle moral externo
sobre o povo a fim de, como tutora, salvaguardá-lo, até que chegasse o
descendente de Abraão, que é Cristo, quando uma Nova Aliança seria
celebrada, na cruz. Vindo o Redentor, a promessa feita à Abraão culminou
na Salvação para todos os povos (Gn 12.3). Enquanto “os judeus
acreditavam que seriam salvos em Abraão, Paulo mostra que os gentios
serão salvos com Abraão” (Keener, 2004).
A fim de ensinar aos Gálatas sobre a impossibilidade de coexistência
entre a Lei e a Graça, Paulo propõe uma alegoria com os dois filhos que
Abraão teve, um com a escrava Hagar e o outro com a esposa Sara. Hagar
a escrava de Abraão lhe deu um filho escravo, Ismael. E Sara, a esposa lhe
deu um filho livre, Isaque. Hagar representa a Aliança do Sinai, e Sara, a
Nova Aliança. Assim como o filho escravo não pode coexistir com o filho
livre, a Lei não pode coexistir com a Graça. A Lei que gera escravos, é
substituída pela Graça, que gera filhos (4:23-31).

11 LIBERDADE VERSUS SERVIDÃO

A liberdade cristã (eleutheria, no grego) consiste no fato de que, em


Cristo, o ser humano justificado é livre de sua situação de escravo do
pecado. Enquanto na Lei as pessoas viviam sob rígido controle, na Graça
elas são libertas. Libertos pelo Filho de Deus, os seres humanos se tornam
livres para não mais pecar (Jo 8.31-36). Aqueles que anteriormente estavam
sob o domínio do pecado, agora em Cristo são guiados, conduzidos pelo
Espírito Santo (5.18).

42
Paulo adverte os Gálatas de que vindo Jesus, eles passaram de escravos
a filhos e, portanto, herdeiros. Mas estão se permitindo outra vez escravizar
quando se apegam a costumes (provavelmente impostos pelos judaizantes)
que nada acrescenta, observando “dias especiais, meses, ocasiões específicas
e anos.” Seu zelo por eles é tal que alega estar novamente “sofrendo dores
de parto até que Cristo seja formado neles” (4.4-19).
Enquanto censura aqueles que buscam ser justos mediante a Lei, o que
Paulo chama de “cair da graça” (5.4), orienta que a liberdade não deve ser
usada levianamente, eles são livres para não mais pecar, não para satisfazer
os desejos da natureza humana, antes a liberdade deve ser o meio de servir
uns aos outros em amor (5.13). Esses desejos levam as pessoas a produzir
as obras da carne. Por “carne” devemos entender: a inclinação para o
pecado que a natureza humana adquiriu na queda. As obras da carne não
condizem com a Fé cristã pois os “que pertencem a Cristo Jesus
crucificaram as paixões e os desejos de sua natureza humana” (5.24). As
obras da carne se contrapõem ao fruto que o Espírito quer produzir nos
filhos de Deus (5.17, 22,23) tornando-os mais parecidos com Cristo.

12 O RELACIONAMENTO ENTRE IRMÃOS

No capítulo final da epístola aos Gálatas, Paulo aborda a conduta que


os irmãos devem ter na comunidade da Fé. Eles não devem concordar com
o pecado, mas ajudar o irmão que pecar, lembrando que qualquer um pode
acabar incorrendo no mesmo erro. Em seguida refere-se a dificuldades que
alguém porventura esteja passando, ele não especifica quais, mas diz que os
irmãos devem se ajudar mutuamente. E pontua a responsabilidade que cada
crente tem sobre seus atos (6.1-5).
Paulo também ensina sobre o apoio financeiro àqueles que
compartilham da Palavra de Deus, reforçando o assunto com o que se
costuma chamar de “lei da semeadura”. Keener (2004), lembra que “Paulo
usou essa imagem em relação à coleta em 2 Coríntios 9.6” (6.6-10). Paulo
declara que não se gloria em nada a não ser na cruz de Cristo, o mundo já
não lhe interessa, e que ninguém o perturbe porque ele traz em si, em seu
corpo as cicatrizes causadas pelos perseguidores do Evangelho (6.10-18).

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SÍNTESE DA AULA

• Nesta aula aprendemos sobre o autor e os destinatários da epístola


aos Gálatas.
• Nesta aula aprendemos sobre os motivos para que a epístola fosse
escrita.
• Nesta aula aprendemos sobre a diferença entre a Graça e a Lei.
• Nesta aula aprendemos sobre Justificação, adoção e liberdade cristã.

44
45
MÓDULO II: CARTAS ÀS IGREJAS

46
UNIDADE III: O RETORNO DO REI

Nesta unidade iremos aprender sobre a escatologia paulina nas


epístolas aos Tessalonicenses, e conhecer algumas teorias que permeiam o
estudo escatológico, a fim de ao longo deste e de futuros estudos, elaborar
e/ou firmar nosso entendimento sobre o assunto. Para tanto, utilizaremos
as duas aulas assinaladas abaixo:
AULA 5: I EPISTOLA AOS TESSALONICENSES
AULA 6: II EPISTOLA AOS TESSALONICENSES

AULA 5: I EPÍSTOLA AOS TESSALONICENSES

META

Refletir a respeito da Volta de Cristo como a consumação do Plano da


Redenção.

OBJETIVOS

• Identificar o perigo que o contexto sociocultural representava para


a Igreja de Tessalônica;
• Reconhecer os problemas enfrentados pelos irmãos
Tessalonicenses;
• Conhecer os conceitos preliminares da doutrina das últimas coisas
apresentados na primeira epístola aos Tessalonicenses.

PARA INÍCIO DE CONVERSA

1 APRESENTAÇÃO

Paulo saiu de Antioquia da Síria com Silas, em Listra se uniram a


Timóteo e em Trôade a Lucas. Em Trôade Paulo teve uma visão na qual
um homem dizia: “passe à Macedônia e ajude-nos” (At 16.9). Então

47
seguiram para Macedônia, entrando primeiramente em Filipos e depois em
Tessalônica. Nesta cidade pregou nas sinagogas por três semanas, não se
sabe exatamente por quanto tempo permaneceu ali, apenas que foi tempo
suficiente para receber ajuda destes, duas vezes (Fl 4.16) e para intercalar a
pregação do Evangelho com o trabalho exaustivo (ele era fabricante de
tendas) para não dar gastos aos irmãos. Houve conversões de judeus e
gentios em Tessalônica, quando Paulo precisou partir por causa da
perseguição dos judeus, deixou ali uma Igreja.

2 AUTORIA, DATA E DESTINATÁRIO

A primeira epístola aos Tessalonicenses contém 5 capítulos e 89


versículos e foi escrita por Paulo, na companhia de Silas (ou Silvano) e
Timóteo, por volta de 50/51 d.C. Foi destinada aos cristãos da Igreja
fundada por Paulo em sua segunda viagem missionária (entre 49 e 50 d.C.).
A epístola teve sua autoria e conteúdo inspirado bem aceitos nos
primórdios da Igreja, fazia parte do cânon do herege “Marcião, do
Fragmento Muratoriano e foi citada por um dos Pais da Igreja, Irineu”
(Carson,1997).
Paulo estava em Atenas quando enviou Timóteo para averiguar como
estavam os irmãos, ele mesmo queria ir visitá-los, mas disse que foi
impedido pelo diabo de retornar à região. Quando Timóteo, acompanhado
por Silas lhe informou sobre a Igreja de Tessalônica, Paulo já se encontrava
em Corinto onde permaneceu por cerca de um ano e meio pregando o
Evangelho (2.18; 3.2-6; At 18.5).

3 QUEM ERAM OS TESSALONICENSES

Os Tessalonicenses eram os habitantes de Tessalônica, hoje, Salônica,


importante cidade grega. A cidade foi fundada no século IV a.C., estava
situada no centro da Macedônia da Antiga Grécia, no continente Europeu.
Capital da Província da Macedônia desde meados do século II a. C.,
Tessalônica era uma cidade portuária com grande fluxo militar e comercial,
que foi declarada livre em 42 a.C. por conta do apoio dado a Marco Antonio
e Otaviano numa importante batalha. Por ela passava a via Egnatia,

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importante estrada que ligava Roma a Ásia. Sua localização estratégica
possibilitou rico intercâmbio cultural e crescimento econômico. O nome da
cidade foi dado por Cassandro em homenagem a sua esposa Tessalonike, que
era irmã de Alexandre, o Grande. Cassandro foi um dos quatro generais
herdeiros de Alexandre.
Em Tessalônica habitavam gregos, romanos e judeus, uma população
total de aproximadamente 200 mil pessoas. A cidade era a maior da
Macedônia e possuía ao menos uma sinagoga, onde Paulo por três sábados
discutiu sobre as Escrituras (At 17.1,2). Em Tessalônica havia a prática da
idolatria, segundo Keener (2004), os deuses egípcios Ísis e Serápis, o grego,
Dionísio e o da ilha Egeia da Samotrácia, Cabirus, eram venerados. Além
disso, a sociedade greco-romana era em sua grande parte, promíscua,
práticas hoje questionadas, eram tidas como normais na época. Esta
informação é importante para compreendermos o tom da epístola.
Sabemos que no Mundo Antigo, muitos cultos pagãos incluíam a
imoralidade sexual e, é visível o temor que Paulo tem de que a Igreja se
contamine com a licenciosidade local, de onde os crentes, ainda novos
convertidos, tinham saído. Embora houvesse na Igreja tantos judeus como
gentios (At 17.4), questões ligadas à idolatria, já não era um problema na
comunidade judaica desde o cativeiro babilônico do século VI a.C.

4 PRIMEIRA EPÍSTOLA AOS TESSALONICENSES

O grande tema da primeira epistola aos Tessalonicenses é o “Retorno


de Jesus e a Ressurreição dos mortos”, mas ele também aborda a
perseguição vivenciada pela Igreja e orienta sua conduta cristã. Diferente da
epístola aos Gálatas em que Paulo faz uma denúncia contra o legalismo,
esta é uma carta de exortação. De acordo com Gingrich e Danker (1984),
exortar significa: encorajar, orientar, advertir. Gundry (1998), chama a
atenção para como Paulo inicia a epístola (1.3):

Uma bem conhecida tríada de virtudes figura em fé, amor e


esperança. A fé produz as boas obras. O amor resulta em labor, ou
seja, feitos de gentileza e misericórdia. E a esperança, uma palavra
escatológica referente à expectação confiante quanto à volta de
Jesus, gera a constância debaixo dos testes e das perseguições”.

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Paulo havia recebido a notícia de como tinham abandonado a idolatria
(1.9) e se voltado para Cristo, sendo “imitadores daqueles de quem ouviram
a Palavra, se tornando um exemplo para os irmãos da Macedônia e Acaia
(onde se encontrava Corinto), fazendo com que o Evangelho fosse
propagado nessas regiões. O testemunho deles, em tão pouco tempo, já
tinha se espalhado “por toda parte” (1.6-8). A despeito da grande parcela
de gentios entre os convertidos, Paulo diz que Deus os escolheu (1.4), ainda
que “escolhidos” fosse um termo até então aplicado exclusivamente em
referência aos judeus (Keener, 2004). Esses escolhidos, a exemplo dos
irmãos da Judeia que foram perseguidos pelos judeus, também eram
perseguidos por seus compatriotas e permaneciam no Senhor.
Sabe-se que havia judeus perseguidores do Evangelho em Tessalônica
(At 17.5,13), Keener (2004), Lembra que os judeus se opunham “à missão
judaico-cristã entre os gentios”. Por outro lado, não está descartada a ideia
de que entre os perseguidores houvesse também muitos gentios, como as
autoridades locais, dentre outros (At 17.8). Principalmente porque era
comum aos gentios (em época anterior ao Cristianismo), quando
convertidos ao Judaísmo, abandonarem, não apenas a idolatria, mas
também outros aspectos da cultura e até a família, se a prática se repetia em
relação à Fé cristã, bem poderia resultar na ira de gentios contra gentios.
Paulo os lembra de como ele e Silas chegaram à cidade depois de
terem sido maltratados e presos em Filipos. Defende o trabalho deles na
cidade, provavelmente de acusações falsas da parte dos perseguidores
daquela Igreja. Ele diz ter Deus como testemunha de como
desinteressadamente se conduziram entre eles em amor, compartilhando o
Evangelho. Também os recorda de como eles receberam a Palavra de Deus
de bom grado.

5 ENCORAJANDO E ADVERTINDO A IGREJA

No geral, os irmãos estavam em Cristo, davam testemunho de sua Fé


e permaneciam fiéis em meio a perseguição, mas conforme revela o capítulo
quatro da epístola, também havia problemas naquela comunidade. Paulo
fala da imoralidade sexual, os crentes não deveriam submeter seus corpos à
impureza, mas à santidade. Santidade é separação do pecado para a
consagração, para a adoração e serviço a Deus. Diferentemente dos pagãos,
os irmãos Tessalonicenses conheciam a Deus, e para Ele deveriam viver.

50
Os gentios novos convertidos eram isolados dos antigos amigos e os
judeus não os aceitavam de pronto, então são orientados a “trabalhar
industriosamente e se comportarem com honestidade entre os que estão de
fora” (Tenney, 2008). Paulo exorta: cada um deve cuidar de seus próprios
negócios, os irmãos devem trabalhar com suas próprias mãos, para não
depender de ninguém. Este ensino vai na contramão da cultura local, pois
para gregos e romanos, o trabalho braçal era desonroso, destinado aos
escravos, ou para aqueles que tendo sido escravos alcançaram a liberdade,
mas permaneciam nas camadas mais baixas da sociedade.
Há, portanto, duas possibilidades, a Igreja local seria composta por
pessoas de uma posição mais elevada, nesse caso a mensagem de Paulo
pode ter encontrado resistência ou, de acordo com Richards (2008), é
possível que se tratasse de uma comunidade de pessoas da classe baixa, mas
que confusos acerca do assunto, estavam se portando ociosamente. De
qualquer forma, não é difícil de saber a quem essas orientações estavam
sendo dirigidas – aos irmãos gentios, porque como diz Tenney, (2008), a
imoralidade sexual e a ociosidade “tinham muito menos probabilidade de
surgir numa comunidade judaica”, por causa do controle exercido pela Lei
a que eram submetidos “desde a infância.
Outra situação, ainda mais delicada naquela Igreja era o temor a
respeito da Vinda do Senhor, sobretudo, em relação aos amados já
falecidos. Numa sociedade gentílica, composta por romanos e gregos, a
ressurreição dos mortos era um assunto de pouco ou quase nenhum
entendimento. Os gregos cuja cultura fora assimilada pelos romanos, não
criam na ressurreição, para eles o corpo se constituía num empecilho, pois
a matéria era essencialmente má. Os judeus, por sua vez, mesmo não tendo
total compreensão, sempre tiveram certa noção, ainda que superficial, sobre
a ressurreição. Elwell (1997), divide os irmãos Tessalonicenses em dois
grupos:

De um lado, alguns ficaram confusos sobre quem iria beneficiar-se


com a Volta de Cristo, supondo que só os vivos seriam incluídos -
assim, os que morressem antes de Ele voltar seriam simplesmente
deixados de lado. Do outro, estavam aqueles preocupados com a
ideia de quando Cristo voltaria, chegando ao ponto de abandonar
seus ofícios e tornar-se um peso para a igreja.

51
6 A VINDA DE CRISTO

O termo grego: parousía, “presença, vinda e advento”, referindo-se a


“Cristo e seu Advento Messiânico no fim desta era” repete-se pelo menos
quatro vezes na epístola aos Tessalonicenses (2.19; 3.13; 4.15; 5.23), além
das aparições na segunda epístola.

As duas epístolas paulinas aos Tessalonicenses destacam-se pelo


modo no qual elas são dominadas pelo futuro. A essência da
conversão está em que as pessoas não apenas sirvam a Deus no
presente, mas também esperem por seu Filho que virá do céu [...]. A
parousía é assim uma importante sanção para a vida cristã em termos
de recompensa e alegria, mas também de destruição e julgamento
(Marshall, 2007).

O Novo Testamento, contém “mais de trezentas” alusões à segunda


Vinda, mostrando que “a Igreja Primitiva vivia em meio à expectação do
retorno” de Jesus. Menzies e Horton (1995), completam dizendo que:

Por que esta doutrina é tão estratégica e importante? Por um grande


motivo: é a chave para a história da humanidade. Estamos nos
movendo inexoravelmente para a consumação de todas as coisas. A
maioria das religiões e filosofias não-cristãs têm um ponto de vista
cíclico da história [...], mas a visão bíblica é linear. Houve um
começo, um evento central – a cruz. Quando Jesus bradou: “Está
consumado!” [...] Assegurava-nos Ele, por intermédio de sua paixão
e morte, a nossa salvação. Mas ainda não possuímos a plenitude de
nossa salvação e da herança que Cristo nos conquistou. Estas tornar-
se-ão plenas quando Ele retornar para levar a sua Igreja.

7 A RESSURREIÇÃO DO CORPO

Paulo diz pouco tempo depois que já lhes tinha ensinado sobre a vinda
de Jesus quando estiveram juntos (2 Ts 2.5), evidentemente, pelo pouco
tempo em que permaneceu em Tessalônica, não com a profundidade
necessária, a ponto de explicar-lhes sobre a ressurreição do corpo. Eles
acreditavam, tinham esperança no retorno de Cristo, mas o que seria

52
daqueles cristãos que já haviam morrido? Ao contrário do que pensavam, o
crente vivo não desfrutava de nenhum privilégio em relação aos já mortos,
no Senhor.

É difícil compreendermos como os homens e mulheres do século I


entendiam a morte. [...] A nossa perspectiva sobre a morte foi
formada por dois fatores que não estavam presentes naquela época.
O primeiro deles é que a nossa perspectiva foi formada por séculos
de tradição cristã que afirma a certeza da ressurreição. O segundo é
que a nossa perspectiva também é formada pela vida longa que a
maioria das pessoas vivem. [...] Para o homem ou a mulher do século
I a morte era um espectro [...] que insistia em visitar os seres
humanos muito antes de sua hora (Richards, 2008).

Paulo diz que: “se cremos que Jesus morreu e ressurgiu, cremos
também que Deus trará, mediante Jesus e juntamente com ele, aqueles que
nEle dormiram (4.14). A palavra grega anástasis significa: ressurreição. Por
ressurreição não entendamos como o “simples voltar à vida”, como nos
casos milagrosos ocorridos no Antigo e Novo Testamento, nos ministérios
de Elias, Eliseu, Jesus ou dos apóstolos. Nesses casos, os milagres
glorificaram a Deus, mas aquelas pessoas voltaram a morrer depois de
algum tempo.
Na epístola aos Tessalonicenses, particularmente, Paulo tampouco se
refere à ressurreição espiritual, na qual os que outrora mortos em suas
ofensas e pecados, ao crer no Redentor, justificados pela Fé, ressuscitaram
em Cristo (Cl2.12; 3.1; Ef 2.6). Ele está falando da ressurreição do corpo, que
já havia sido ensinada por Jesus (Mt 22.31; Lc 20.35; Jo 11.24).
De acordo com o ensinamento de Jesus, e também de Paulo, a
ressurreição do corpo é definitiva, e haverá dois tipos dela: a ressurreição
dos justos e a ressurreição dos injustos (Jo 5.28,29; At 24.15). Os justos
ressuscitarão para a vida e os injustos, para a condenação eterna. Aos
Tessalonicenses, nesta primeira epístola, Paulo foca na ressurreição dos
salvos. Ela ocorrerá na ocasião do Arrebatamento da Igreja.

53
8 O ARREBATAMENTO DA IGREJA

O vocábulo grego: arpázo tem o sentido de “arrebatar, raptar, tomar à


força”, é um termo usado para representar a forma com que os salvos serão
levados repentinamente na ocasião da segunda Vinda de Jesus. Paulo
conforta os Tessalonicenses dizendo que, “nós, os que estivermos vivos, os
que ficarmos até a vinda do Senhor, certamente não precederemos os que
dormem. Pois, dada a ordem, com a voz do arcanjo e o ressoar da trombeta
de Deus, o próprio Senhor descerá do céu, e os mortos em Cristo
ressuscitarão primeiro. Depois disso, os que estivermos vivos seremos
arrebatados juntamente com eles nas nuvens, para o encontro com o
Senhor nos ares. E assim estaremos com o Senhor para sempre” (4.15-17).

Paulo diz, “[nós]” os que ficarmos vivos” quando Cristo voltar? Será
que Paulo esperava que Jesus viesse ainda durante a sua época? [...]
Paulo pode estar simplesmente identificando duas categorias, os
mortos e os vivos. Ele deve estar entre os vivos porque é lógico que
ele não tinha morrido. É mais provável, porém, que Paulo tivesse a
esperança de que Cristo viesse durante seu tempo de vida. Jesus
deixou bem claro que ninguém sabe a data (Mt 24.36). [...]
Considerando, então, que a Volta de Jesus seria iminente, Paulo, na
verdade, nos dá um exemplo. Como o apóstolo, vemos a nós
mesmos como membros daquela última e feliz geração que não verá
a morte, mas que estará viva quando o Senhor Voltar (Richards,
2008).

Em suma, Paulo ensina que os mortos, por estarem mortos deverão


primeiramente ressuscitar. Depois de ressuscitados, se juntar aos que
estiverem vivos a fim de se encontrar com o Senhor nos ares.

9 O DIA E A HORA NINGUÉM SABE

Jesus vem! Este é um fato do qual o cristão convicto não poderá


duvidar. O Senhor virá pessoal, física e literalmente buscar seus filhos para
levar para junto de si (Mt 24.36-44). Nenhum cristão, por mais intimidade
que julgue ter com o Senhor, poderá jamais, saber quando ele voltará. Desde
os primórdios da Igreja até os dias atuais, muitos tentaram se enveredar por

54
este caminho e ficaram envergonhados. Jesus não marcou dia nem hora, na
realidade deixou claro que este assunto era prerrogativa do Pai. Mas
destacou que haverá sinais indicativos de seu retorno. (Mt 24.15, 21,29). O
objetivo desses sinais é manter a Igreja alerta (Mt 25.1-13; 2 Pe 3.3,4),
exatamente como Paulo diz aos irmãos de Tessalônica: “Portanto, não
durmamos como os demais, mas estejamos atentos e sejamos sóbrios” (5.1-
6), porque o Senhor virá inesperadamente, “mas os cristãos que sabem de
sua ocorrência não serão apanhados de surpresa” (Marshall, 2007). E uma
coisa é certa, aqueles que permanecerem no Senhor, não terão o que temer.
Paulo finaliza a epístola orientando os irmãos a amarem e respeitarem
aqueles que ministram (servem) entre eles. Os cristãos precisam se
submeter ao Espírito, receber as profecias, examinar tudo e reter o bem.
Afastar-se de toda a aparência do mal, sendo santificados no corpo, alma e
espírito. Finalmente os responsabiliza de colocar toda a Igreja local a par
do conteúdo da carta (5.11-28).

SÍNTESE DA AULA

• Nesta aula aprendemos sobre a epístola à Igreja de Tessalônica.


• Nesta aula aprendemos sobre como as dúvidas de uma Igreja local
acabou beneficiando toda a Igreja de Cristo desde então.
• Nesta aula aprendemos sobre a importância do conhecimento das
Escrituras para o bom funcionamento das comunidades cristãs.
• Nesta aula aprendemos alguns conceitos que nos serão úteis na
próxima aula e em todo estudo futuro sobre a doutrina das últimas
coisas.

55
AULA 6: II EPÍSTOLA AOS TESSALONICENSES

META

Refletir sobre a Segunda Vinda de Cristo e os eventos que a cercam e


a antecedem.

OBJETIVOS

• Compreender a importância do ensinamento adequado para o bom


desenvolvimento da Igreja de Cristo;
• Conhecer algumas linhas interpretativas a respeito da escatologia
paulina;
• Observar no direcionamento de Paulo aos Tessalonicenses, como
devemos proceder com os irmãos que estão em desobediência.

PARA INÍCIO DE CONVERSA

1 APRESENTAÇÃO

Paulo escreveu uma primeira epístola aos Tessalonicenses na qual


exortava os irmãos a permanecerem fiéis em meio à perseguição, na
expectação da Vinda do Senhor. Ele já havia lhes falado pessoalmente sobre
o retorno de Jesus (2 Ts 2.5), mas visto que restavam dúvidas sobre o
assunto, naquela carta deu breves explicações sobre a Ressurreição dos
Mortos em Cristo e o Arrebatamento da Igreja. No entanto, o ensino não
foi devidamente assimilado por eles, e Paulo decide corrigir as distorções
nesta segunda epístola. Carson (1997), lembra que “Paulo evita o
paternalismo. Ele havia deixado Tessalônica pouco depois da fundação da
Igreja e, embora estivesse pronto a escrever cartas que ajudassem seus
novos convertidos, confiava que dependeriam do Senhor e não dele”.

56
2 AUTORIA, DATA E DESTINATÁRIO

A segunda epístola aos Tessalonicenses tem apenas 3 capítulos e 47


versículos. Foi escrita por Paulo, ainda na companhia de Silas (ou Silvano)
e Timóteo, por volta de 50/51 d.C., da cidade de Corinto, pouco tempo
(alguns dizem semanas, outros, meses) depois da primeira epístola àquela
Igreja. As duas epístolas tiveram boa aceitação desde o início quanto à
autoria e canonicidade, esta, além de sua inclusão no cânon de Marcião, no
Fragmento Muratoriano, e do reconhecimento de Irineu, foi também
atestada por Policarpo, outro dentre os Pais da Igreja (Carson,1997).

3 SEGUNDA EPÍSTOLA AOS TESSALONICENSES

O tema da segunda epístola é o mesmo da primeira aos


Tessalonicenses, a “Vinda de Jesus”, ainda que o assunto tenha uma
abordagem um pouco diferente. Como diz Shedd (1983), “a epístola foi
escrita para acalmar os irmãos que pensavam que Paulo havia ensinado que
a volta de Jesus aconteceria a qualquer momento”.
Paulo inicia a epístola com manifestações de gratidão pela perseverança
daquela comunidade, que ainda estava sob perseguição. Eles tinham a Fé e
o amor mútuo em crescente desenvolvimento, o que lhe era um enorme
prazer testemunhar às outras Igrejas. Ao mesmo tempo em que exalta a
firmeza dos Tessalonicenses, Paulo anuncia o juízo de Deus sobre os
injustos, no qual os inimigos daquela Igreja são colocados como exemplo
imediato. Os injustos serão julgados na Vinda do Senhor (1.3-10).
Então, Paulo dá prosseguimento ao ensino sobre as últimas coisas
(eschatos (no grego), porque os irmãos estavam sendo incitados por falsos
mestres, a questionar o ensinamento recebido: “não se deixem abalar nem
alarmar tão facilmente, quer por profecia, quer por palavra, quer por carta
supostamente vinda de nós, como se o dia do Senhor já tivesse chegado”
(2.2). Quando esteve com eles, Paulo parece ter falado sobre dois
importantes sinais do final dos tempos, que não cita na primeira epístola: a
apostasia e a revelação do “homem do pecado, o filho da perdição, o
iníquo” (2.3), que João irá chamar de o “anticristo”.

57
Paulo não lhes teria ensinado uma revelação que não partisse das
Escrituras do Antigo Testamento, ou do ensino de Jesus. Como já foi
esclarecido em outra aula, o Evangelho pregado por Paulo, ia de encontro
a tudo o que Deus já havia falado, mas que estava envolto em mistério até
que o Espírito Santo lhe revelou e ensinou profunda e sobrenaturalmente
(Jo 14.16). Richards (2008), acredita que, se esses irmãos sabiam das
palavras dos profetas do Antigo Testamento e de Jesus, sobre a “Grande
Tribulação” como um evento do fim dos tempos, dada a angústia sentida
pela perseguição e o “rumor de que Paulo havia dito que seus problemas
eram uma evidência de que este era o tempo do fim, e que Jesus estava
prestes a voltar”, não é difícil entender a razão de eles acreditarem estar
vivendo o “Dia do Senhor”.
Paulo quer que os Tessalonicenses deixem de lado os rumores em
benefício da verdade. “Portanto, irmãos, permaneçam firmes e apeguem-se
às tradições que lhes foram ensinadas, quer de viva voz, quer por carta
nossa” (2.15). “Tradições” aqui, “significava antes um conjunto de
doutrinas que, orais embora, foram cuidadosamente preservadas e
formuladas com exatidão. Esta tradição, além disso, era não só autêntica
como caracterizada pela autoridade [...] (3.14)” - Tenney (2008).

4 O DIA DO SENHOR

Paulo não contradiz as palavras da primeira epístola, é verdade que o


“Dia do Senhor virá como ladrão de noite”, ou seja, repentinamente, mas
alguns eventos devem ocorrer, antes disso. Paulo não foi o primeiro a falar
do Dia do Senhor, são muitas as passagens no Antigo Testamento em que
ele aparece como um “grande e terrível dia” que breve virá. O Novo
Testamento também o cita, Pedro, por exemplo, fala sobre isso em seu
discurso no dia de Pentecostes e em sua segunda epístola, onde corrobora
o ensino já dado por Paulo “segundo a sabedoria que lhe foi dada”. Para ele
assim como para Paulo, este será um dia de destruição para os incrédulos,
mas de vitória para os salvos (At 2.20; 2 Pe 3.9-15; 1 Ts 5.1-10).
O Dia do Senhor, porém, não é um dia de 24 horas, é um período de
tempo que a Bíblia não diz exatamente quanto durará. Muitos teólogos
dispensacionalistas (disp. - Darby, início do século XIX) costumam
interpretá-lo como um período de mais de mil anos. A partir de uma
interpretação dispensacionalista, o Plano da Redenção se desenvolve em

58
períodos de tempo ou, dispensações, em que as ações e exigências de Deus
são pontualmente distintas. Sobre os acontecimentos relacionados ao fim
dos tempos não nos é possível no momento, citar todas as interpretações
existentes, nem suas variantes mais atuais, mas vamos compartilhar algumas
a seguir:
I. Argumento pré-tribulacionista - pré-milenista (dispensacionalista): Segundo
esta interpretação, o Dia do Senhor começa com o arrebatamento
da Igreja que, é invisível para os não salvos e ocorre antes da Grande
Tribulação, no final da Dispensação da Graça. Neste momento
acontece a primeira ressurreição dos santos, para que sejam juntamente
com os vivos transformados, arrebatados. Terminado os sete anos
da Grande Tribulação, Jesus desce sobre o monte das Oliveiras
(Zc14.4) de forma visível e em Glória. Então vence o anticristo e o
falso profeta (bestas de Apocalipse 13). Cristo prende Satanás; e
então ocorre a segunda ressurreição dos santos que, foram mortos
durante a Grande Tribulação e juntos com os remanescentes do
julgamento das nações irão participar do Milênio. Depois de mil
anos Satanás é solto e volta a enganar as nações; luta contra Deus;
é derrotado e lançado no lago de fogo e enxofre, assim como a
morte, o falso profeta e os ímpios de todos os tempos (que
ressuscitam na terceira ressurreição, esta, para a vergonha e desprezo
eterno - Dn 12.2). O lago de fogo e enxofre é o que João chama de
“a segunda morte” (separação eterna de Deus); e finalmente os
santos desfrutam da eternidade com Deus (Ap 20 e 21).
II. Argumento midi-tribulacionista – pré-milenista - Segundo esta
interpretação, Jesus virá no final dos primeiros três anos e meio da
Grande Tribulação, que segundo creem, durará ao todo, sete anos.
Os salvos serão levados antes que comece o momento mais
tormentoso, e depois Cristo estabelecerá o milênio.
III. Pós tribulacionista – pré-milenista – Esta linha interpretativa se divide
em duas, a primeira afirma que a Grande Tribulação já está em
curso e que no final dela Cristo virá. A segunda afirma que a Grande
Tribulação ainda não começou e que sua ocorrência será tão terrível
como em Mateus 24, Marcos 13 e Apocalipse 7 e somente no final
dela, ou seja, sete anos depois é que, num momento único, Cristo
voltará. Para eles, o milênio é literal e começa quando Cristo descer
sobre o montes das Oliveiras (Zc14.4).
IV. Argumento pós-milenista – Esta corrente interpretativa defende que o
milênio é o reinado “espiritual e não geográfico de Jesus”, sendo

59
assim, onde houver salvos “que reconhecem sua soberania sobre
suas vidas, aí está o reino de Deus (Shedd, 1983).
V. Argumento amilenista – Nem todos concordam com a existência de
um reino milenar de Cristo na terra, seja antes ou depois de sua
Vinda. Conforme a definição de Menzies e Horton (1995), “não
haverá um reino terreno de Cristo [...] os amilenistas veem o retorno
de Cristo como um único evento”. “Para os amilenistas, o milênio
não virá no fim do mundo, mas é um símbolo do período da
existência e da ação da Igreja na história, no fim do qual acontecerão
a segunda vinda de Cristo, a ressurreição, o juízo final e a vida
eterna” (Kaschel e Zimmer, 1999). O pós-milenismo foi muito
“popular” no séc. XIX, mas “é “defendido por poucos intérpretes
contemporâneos” (Tenney, 2008).

4 APOSTASIA

Apostasia, do grego: apostasía, significa: queda, revolta, Richards (2008),


a define como “a humanidade [...] abertamente hostil a Deus e a seu povo”,
e Keener (2004), chama de “o derradeiro insulto do mundo contra Deus”.
Mas nem todos concordam que seja uma rebelião do mundo (humanidade)
contra Deus. Muitos entendem que se trata do afastamento das Igrejas, do
Evangelho puro, o que teria acontecido com a “Igreja Católica Romana e a
Igreja Ortodoxa”, ou que seria algo mais recente como o “modernismo
humanista protestante” (Shedd, 1983). Enquanto o fim não vem, muitas
outras definições poderão se unir a estas. O que podemos dizer é que a
apostasia é um afastamento consciente e deliberado de Deus.

5 O HOMEM DO PECADO

Aquele que João irá chamar de anticristo, (antichristos, no grego), é


“aquele que se opõe a Cristo” ou “aquele que se coloca em lugar de Cristo”
(1 Jo 2.18, 22; 4.3; 2 Jo 7). Ao longo da história este título foi atribuído a
perseguidores da Igreja no período do Império Romano e até a homens
como Hitler na ocasião da Segunda Guerra Mundial, dentre outros. Estas
atribuições não estão totalmente erradas se considerarmos o que João fala:

60
“muitos anticristos têm surgido” ou o “espírito do anticristo que já está no
mundo”.
Para Richards (2008), “a nota adicional de que ele ‘se assentará, como
Deus, no templo de Deus, querendo parecer Deus ’claramente identifica
este evento com uma predição sobre o fim dos tempos, manifestada por
Daniel em sua profecia (11.31,32) e confirmada pelo próprio Senhor Jesus”
(Mt 24.15). No que diz respeito à Israel, pelos registros históricos do
período interbíblico sabe-se que Antíoco Epifânio se encaixa perfeitamente
no perfil apresentado em Daniel 11 (1 Macabeus; Flávio Josefo séc I d.C).
Em sentido restrito, o anticristo é alguém que será “levantado” no fim
dos tempos para cumprir os desígnios do mal no período conhecido como
a “Grande Tribulação”. Ele não é Satanás, mas um homem que virá
segundo a sua eficácia, é a personificação de tudo o que se opõe a Deus. O
anticristo costuma ser entendido como a besta que subiu do mar como João
descreve no último livro do Novo Testamento (Ap 13.4-8). Este homem
“não é chamado de homem do pecado em nenhum outro livro da Bíblia”,
a não ser na segunda epístola aos Tessalonicenses. Ele, porém, não surgirá
até “que seja retirado o obstáculo que bloqueia” o seu aparecimento.
Quando finalmente ele vier o ‘“Senhor o matará com o sopro da sua boca’,
isto é, com sua palavra, uma simples ordem divina” (Shedd,1983).
Aparentemente, Paulo não tem dúvidas a respeito do que ou de quem
impede que o anticristo se levante, ele também demonstra acreditar que os
Tessalonicenses entenderão do que se trata, ele provavelmente tinha lhes
falado pessoalmente, porque não dá explicações, somente diz que eles
sabem. Há diversas interpretações sobre este texto, iremos registrar algumas
delas abaixo:
I. A primeira teoria é a de que era a autoridade do Império Romano,
referindo-se à ordem geral da lei e do bom governo (Carriker, em
Fides Reformata, 2002).
II. A segunda teoria é a de que era a autoridade de um ser celestial,
como um anjo.
III. A terceira teoria é a de que seria o fato de não ser ainda o tempo de
Deus permitir sua manifestação.
IV. A quarta teoria é a de que seria o poder do Evangelho.
V. A quinta teoria é a de que seria o ministério da Igreja de Cristo.
VI. A sexta teoria e mais aceita na interpretação dispensacionalista,
ainda que não seja um consenso, é a de que seria o Espírito Santo

61
que, embora continue agindo entre os filhos de Deus no período da
Grande Tribulação, por ser “como a alma do Corpo de Cristo que
é a Igreja”, não estará na terra como antes do arrebatamento
(Henry).
Há também muitas teorias sobre quem seria o anticristo, alguns
acreditam que ele seja um líder político de importância mundial; ou um
carismático líder religioso, etc., mas a verdade é que, o esforço para
identificá-lo neste ou naquele, não é necessariamente produtivo. O mais
importante não é saber ao certo quem ele é, ou quando irá aparecer, mas
estar pronto para a Vinda do Senhor.

6 CRISTO VEM

Muitas são as interpretações sobre a Vinda do Senhor, no qual estão


envolvidos os temas tratados nesta aula. É muito importante adotarmos
uma linha interpretativa, geralmente escolhemos aquela ensinada por nossa
denominação cristã, mas também é mister que sejamos humildes e
respeitemos as diferentes análises e se possível, aprendamos com elas.
Lembrando sempre de que há mais opiniões que “unem” os membros do
Corpo de Cristo do que aquelas que os “dividem”.
Em outras palavras, há temas centrais no Plano da Redenção em que
os cristãos em geral, concordam, quais sejam: a humanidade caiu e precisa
de um Redentor; Deus prometeu e enviou o Redentor, que é Cristo, na
Plenitude dos Tempos, nascido de mulher; Ele morreu na Cruz e
Ressuscitou; ascendeu aos céus prometendo que voltará; em seu nome o
Pai enviou o Espírito Santo sobre a Igreja capacitando-a a levar o
Evangelho a todas as pessoas do mundo, ensinando-as a guardar tudo o
que Jesus ensinou; os que creem no Redentor são aqueles que foram
convencidos pelo Espírito Santo, do pecado, da justiça e do juízo; estes são
justificados e santificados para servir ao Senhor enquanto aguardam seu
retorno.
Finalmente Cristo voltará para buscar os salvos, julgar e condenar os
ímpios, que estarão eternamente separados de Deus, juntamente com o
diabo e seus anjos no lago de fogo e enxofre; o triunfo sempiterno da
Trindade na Redenção planejada antes da fundação do mundo será
oficialmente declarado diante de tudo e de todos; haverá novos céus e nova
terra onde habita a justiça e os salvos estarão para sempre com o Senhor.

62
Shedd, (1983), lembra que a “nossa prioridade”, enquanto Cristo não vem,
deve ser servir “como Cristo serviu, dentro do mundo como sal e luz.
Aguardar a vinda implica na santificação da Igreja de Cristo”.

7 SAUDAÇÕES FINAIS

Paulo termina esta epístola convidando aquela comunidade a fazer


parte de seu ministério, através da oração. Também externa o desejo de que
pela oração dos irmãos, Deus os livre, a todos, da perseguição infligida
(3.1,2). Defende que se afastem daqueles que usam de pretextos para não
trabalhar e para se intrometerem na vida alheia. Para Paulo, quem não
trabalha, também não deve comer. Ele se coloca, como exemplo neste
quesito, pois nunca lhes impôs encargos materiais, mesmo sabendo que
seria justo receber o sustento como obreiro do Senhor. Paulo os exorta a
se distanciar dos que rejeitam os ensinamentos dispostos na carta, mas que
façam isso em amor, visando o arrependimento e uma mudança de conduta,
desses irmãos. Então, como de costume, assina a carta de próprio punho
confirmando a sua autoria (3.6-16).

SÍNTESE DA AULA

• Nesta aula aprendemos sobre como o mal entendimento de


verdades fundamentais é prejudicial à Fé cristã.
• Nesta aula aprendemos sobre como Paulo resolveu o problema da
Igreja de Tessalônica através do ensino.
• Nesta aula aprendemos que devemos permanecer vigilantes acerca
da Vinda do Senhor.
• Nesta aula aprendemos que o cristão deve ter a disposição para
aprender e a humildade para entender aqueles que não têm o
mesmo conhecimento ou entendimento.
• Nesta aula aprendemos que há temas em que não há consenso entre
os estudiosos e cabe ao cristão convicto se firmar nas questões
fundamentais de sua Fé.

63
UNIDADE IV: EMBAIXADORES DO REI

Nesta Unidade iremos aprender sobre como uma Igreja pode ao


mesmo tempo ser carnal e abençoada. E como um obreiro sério deve lidar
com uma comunidade cristã a fim de ajudá-la a entender deu papel como
corpo de Cristo no contexto no qual está inserida, influenciando o meio,
mas não sendo influenciada por ele. Para tanto, utilizaremos as duas aulas
assinaladas abaixo:
AULA 7: I EPISTOLA AOS CORÍNTIOS
AULA 8: II EPÍSTOLA AOS CORÍNTIOS

AULA 7: I EPÍSTOLA AOS CORÍNTIOS

META

Refletir sobre os problemas da Igreja de Corinto, e a resposta de Deus


a eles, através do ensino ministrado por Paulo.

OBJETIVOS

• Inferir sobre os problemas da Igreja de Corinto;


• Identificar a influência da cultura greco-romana na cosmovisão dos
irmãos Coríntios;
• Reconhecer no ensino de Paulo, o cuidado pastoral.

PARA INÍCIO DE CONVERSA

1 APRESENTAÇÃO

Foi em Corinto que Paulo reencontrou Silas e Timóteo depois que estes
saíram da Bereia e com quem retornou à base missionária em Antioquia da
Síria, também foi onde conheceu o casal Áquila e Priscila, judeus que

64
exerciam a mesma atividade econômica que ele, a construção de tenda e
com quem estabeleceu forte ligação. Na sinagoga de Corinto, Paulo se
reunia com judeus e gentios todos os sábados para lhes transmitir a Palavra
de Deus, porém muitos judeus rejeitaram o Evangelho, então Paulo decidiu
focar seus esforços nos gentios, mas não antes de ver Crispo, o principal da
sinagoga entregar sua vida a Cristo e ser batizado juntamente com sua
família. Paulo pregou a mensagem de Salvação na casa de Tício Justo, um
gentio temente a Deus, naquela casa muitos outros ouviram o Evangelho,
creram e foram batizados (At 17,18).

2 AUTORIA, DATA E DESTINATÁRIO

A primeira epístola aos Coríntios contém 16 capítulos e 437 versículos,


ela foi escrita por Paulo, por volta de 54 a 56 d.C., durante a terceira viagem
missionária, da cidade de Éfeso, quando a Igreja de Corinto, fundada na
segunda viagem já contava com cerca de cinco anos de existência.
Estéfanas, Fortunato e Acaico chegaram a Éfeso levando uma oferta dos
irmãos de Corinto e possivelmente a carta dos da família de Cloé,
comunicando a situação da Igreja. Ao retornarem à cidade na companhia
de Timóteo, levaram a conhecida primeira epístola aos Coríntios com o
ensinamento a que temos acesso hoje. Esta carta foi bem aceita quanto à
autoria e canonicidade desde os primórdios da Igreja, segundo Carson
(1997), “já é citada na última década do século I por Clemente e Inácio”.

3 QUEM ERAM OS CORÍNTIOS

Os Coríntios eram os habitantes de Corinto, cidade localizada no istmo


que ligava o Peloponeso à Grécia. A cidade possuía dois portos marítimos,
Lequeu a leste e Cencreia a oeste. Dada sua localização estratégica, além do
comércio marítimo, os negócios via terra também afluíam prosperamente.
A antiga cidade de Corinto fora destruída pelos romanos em 146 a.C. e, os
habitantes que não morreram nesse evento, foram escravizados e vendidos.
A cidade reconstruída por Júlio César, se tornou capital da Província da
Acaia na Grécia, em 29 d.C. Lá havia gregos; escravos libertos de Roma e
possivelmente soldados jubilados/ou ativos; judeus, etc. Dentre os

65
artefatos encontrados na escavação da Corinto do primeiro século foi
encontrado parte da inscrição de uma sinagoga (Price, 2006 – At 18.4).
Na cosmopolita Corinto, o contraste social era bem acentuado, os
escravos estavam na classe mais baixa da sociedade; pouco acima deles
estavam os escravos libertos que, em sua maioria tinham se mantido na
pobreza; e no topo estava a aristocracia estabelecida sobretudo, por conta
da prosperidade das atividades comerciais. A cidade possuía templos às
divindades gregas, dentre elas, Afrodite (a Vênus dos romanos) deusa do
amor, dos prazeres e do riso. Os cultos a essa divindade eram compostos,
dentre outras coisas, por orgias sexuais, oferecidas pelos fiéis com as
“prostitutas sagradas” do templo. Embora não haja um consenso, muitos
estudiosos acreditam que esta forma de culto ainda existia nos tempos de
Paulo. O que se pode afirmar é que, Corinto combinava elementos da
cultura greco-romana, às religiões de mistério da Pérsia e Egito com a
riqueza ascendente, tornando aquela sociedade, profundamente idólatra,
soberba e imoral.

4 PRIMEIRA EPÍSTOLA AOS CORÍNTIOS

É praticamente impossível traçar um tema geral para esta epístola, mas


podemos destacar alguns como: “A unidade da Igreja”; “A conduta cristã”;
A “esperança da Ressurreição”. Estes temas trazem em si, proposições
extremamente relevantes que Paulo irá tratar com os irmãos Coríntios
Sobre isso, Tenney (2008), diz que:

Em conteúdo e em estilo é a mais variada de todas as epístolas de


Paulo. Os assuntos vão do cisma às finanças, e do decoro a observar
na igreja, à ressurreição. Nas suas páginas ocorrem todos os recursos
literários conhecidos na arte de escrever – a lógica, o sarcasmo, a
imploração, a censura, a poesia, a narrativa, a exposição. [...] Reflete
o conflito que teve lugar quando a experiência e os ideais cristãos de
conduta se chocaram com os conceitos do mundo pagão.

Em certo momento os irmãos fizeram a Paulo alguns questionamentos,


as dúvidas estão relacionadas a problemas vivenciados na comunidade,
então ele aproveita para respondê-los e também ensiná-los no tocante a
coisas que lhe foram comunicadas. As palavras iniciais de Paulo
demonstram que a Igreja de Corinto era abençoada, e que ele esperava

66
notícias melhores a respeito deles. Pelo tempo em que Paulo esteve na
cidade teve a oportunidade de lhes ensinar a Palavra, mesmo assim eles
tinham muitos problemas espirituais e sociais. Paulo denuncia a existência
de facções naquela comunidade, ele considera as divisões como algo tão
grave que ocupa boa parte da epístola falando disso (1.1-12).

5 UMA IGREJA, VÁRIOS PARTIDOS

Chegou até Paulo, a notícia de que havia na Igreja uma divisão. Quatro
grupos de pessoas disputavam entre si, buscando a primazia. Paulo combate
as divisões dizendo que embora os servos de Deus atuem diretamente na
obra da evangelização, ensino e cuidado da Igreja, Deus é o responsável por
seu crescimento. Os facciosos estavam organizados dessa forma:
Partido A – O grupo que dizia “eu sou de Paulo”, quiçá, era formado
pelos que o valorizavam pelo fato de ser ele o fundador. Paulo rejeita
prontamente toda e qualquer preeminência entre os irmãos.
Partido B – O grupo que dizia “eu sou de Apolo” parece ser o que
priorizava a retórica daquele que Lucas define como “eloquente e
poderoso nas Escrituras” (At 18.24). Paulo diz nesta epístola (16.12),
que insistiu com Apolo para que fosse até Corinto, mas ele se recusou
por não crer ser o momento certo. A atitude de Apolo demonstra que
ele não concordava com a sublimação que lhe era atribuída.
Partido C – O grupo que dizia “eu sou de Cefas”, teoricamente, buscava
um retorno às raízes judaicas, e por isso era evocado o nome aramaico
“Cefas” ao invés de Pedro, numa tentativa de mostrar afinidade com a
“Igreja mãe” em Jerusalém. O grupo poderia ser formado por judeus
que questionavam a autoridade apostólica de Paulo, destacando a figura
de Pedro como o apóstolo que andou com Jesus. Tenney (2008), diz
que ainda que não haja registro de uma visita de Pedro a Corinto é
“quase improvável que certa facção da Igreja Coríntia o invocasse
como seu campeão se naquela altura não tivesse havido qualquer
contato pessoal com ele”.
Partido D - O grupo que dizia “eu sou de Cristo” era, como se pode
depreender, exclusivista, desprezava toda e qualquer liderança humana.
Por não se submeter aos irmãos, estava também desprezando a
liderança de Cristo, manifesta na boa aplicação dos diferentes dons
dados para o crescimento.

67
A maioria daqueles irmãos era composta por pessoas de pouco
conhecimento e de origem simples, Paulo os lembra de como lhes pregou
uma mensagem que podiam entender, o Cristo crucificado. Ele contrasta
a sabedoria humana tão valorizada pela cultura greco-romana à divina, que
procede de Deus. Aquela comunidade cristã não resultava do poder de
discursos pautados na sabedoria terrena, mas do Evangelho pregado no
poder do Espírito Santo (1.13-2.16).
Paulo atribui as dissensões ao fato de eles serem ainda carnais
(carne=sarkikós, no grego), “sua perspectiva e comportamento expressam a
natureza pecaminosa da humanidade” (Richards, 2008). Ele ainda não
poderia lhes falar como a maduros na Fé, porque eram meninos. Ele
compara a Igreja a uma plantação (lavoura de Deus) e a uma construção
(edifício). Cristo é o alicerce, a pedra estrutural da construção, sobre a qual
está o fundamento dos apóstolos. Este fundamento é o ensino, a doutrina
com que os apóstolos, inclusive ele, servem o corpo de Cristo. Nenhum
deles se sobrepõe ao outro, todos são igualmente necessários e importantes
na obra do Senhor (3.11; Ef 2.20). Paulo alerta sobre o valor que tem o
corpo de Cristo, que é a Igreja, como habitação do Espírito Santo. Portanto,
não apenas os apóstolos, mas todos os cooperadores de Deus que, com
seus dons atuam sobre ela, terão o seu trabalho avaliado por Cristo.
Da mesma forma que os apóstolos servem a Igreja do Senhor, os
demais crentes também são chamados a servir uns aos outros, inclusive no
trabalho de liderança (12.28). Paulo se diz cônscio de estar cumprindo o seu
ministério com fidelidade e os convida a imitá-lo. Também diz que está
enviando Timóteo para ajudá-los enquanto ele mesmo se prepara para ir ter
com eles, quando poderá verificar as ações dos arrogantes (3.1-4.21).

6 LITÍGIO ENTRE IRMÃOS

Os Coríntios estavam em tal situação de discórdia que alguns chegavam


ao cúmulo de procurar os tribunais fora do âmbito cristão para a resolução
de suas demandas. Paulo os adverte de que a contenda em si já é uma
derrota para eles, e levar o caso para tribunais de “injustos” não é a coisa
certa a fazer. Ele ensina que seria melhor para a parte ofendida, arcar com
o prejuízo do que levar um irmão ao tribunal, mas no caso de não haver a
possibilidade, que resolvessem o caso entre eles e pergunta: “Acaso não há
entre vocês alguém suficientemente sábio para julgar uma causa entre
irmãos?” (6.1-8).

68
7 A IMORALIDADE NA IGREJA

Paulo também fora avisado de um caso de imoralidade sexual no meio


deles, que nem ao menos entre os pagãos era comumente aceito. Segundo
Tenney (2008), embora os pagãos não fossem regidos por Leis em que
ecoassem um ‘assim diz o Senhor ’até eles impunham certos limites à
licenciosidade”. A Igreja de Corinto por sua vez, mesmo sabendo da
gravidade do caso, não tomava nenhuma medida restritiva. Um homem
mantinha um relacionamento íntimo com sua madrasta, neste caso, os
irmãos deveriam se reunir e decidir comunitariamente pelo seu
desligamento da comunhão. Assim ele ficaria à própria sorte, cada vez mais
sob a influência de Satanás, até que, quem sabe, viesse e arrepender-se.
O pecado de incesto foi comparado por Paulo a um pouco de fermento
que leveda toda a massa, o que significa dizer que se a comunidade não
tomasse as devidas providências, a prática seria naturalizada, abrindo espaço
para muitas outras formas de imoralidade. Paulo os tinha enviado uma carta
que foi extraviada, na qual ele já falava sobre a necessidade de uma vida
santa. Na ocasião os irmãos entenderam que Paulo se referia ao pecado dos
de fora, então Paulo explica que estes estão a encargo de Deus, quanto aos
de dentro é responsabilidade deles resolver (5.9-13).
Paulo os questiona: “Vocês não sabem que os perversos não herdarão
o Reino de Deus? Não se deixem enganar: nem imorais, nem idólatras, nem
adúlteros, nem homossexuais passivos ou ativos, nem ladrões, nem
avarentos, nem alcoólatras, nem caluniadores, nem trapaceiros herdarão o
Reino de Deus. Assim foram alguns de vocês. Mas vocês foram lavados,
foram santificados, foram justificados no nome do Senhor Jesus Cristo e
no Espírito de nosso Deus. ‘Tudo me é permitido’, mas nem tudo
convém”.
Para os gregos, não havia impedimento algum para o uso do corpo já
que era constituído de matéria, que segundo criam, era má e seria
completamente destruído após a morte. “O Livro das Curiosidades Romanas”
de Mc Keown (2013), traz relatos históricos deixados por importantes
nomes da literatura romana (séc. I) como Cícero, Tácito, Suetônio, em que
podemos constatar que os romanos, do mais alto escalão à classe mais
baixa, também não tinham qualquer pudor quanto ao uso do corpo.
Naturalmente, no que se refere aos escravos, sabe-se que muitos deles eram
submetidos à força a sordidez inimaginável. O mal entendimento dos

69
irmãos acerca da importância da santificação do corpo, os levava a
reproduzir aquilo que a cultura ditava, pecando contra o “santuário do
Espírito Santo”. Paulo os convoca a glorificar a Deus com seus corpos. “O
corpo, porém, não é para a imoralidade, mas para o Senhor, e o Senhor para
o corpo”. (6.9-20).

8 O MATRIMÔNIO

Kenner (2004), acredita que as repostas de Paulo foram elaboradas de


modo a contemplar as dúvidas dos cristãos daquela comunidade tendo em
vista o que era estimulado na sociedade na qual estavam inseridos. Sendo
assim, a resposta dada no início do capítulo sete pode estar desmistificando
um pensamento corrente entre os gregos de que o envolvimento sexual era
bom desde que não comprometesse a pessoa a ponto de levá-la ao
casamento. Paulo deixa claro que a vida sexual é restrita ao matrimônio,
então quem não quer se casar, não deve se envolver sexualmente.
Numa sociedade em que os pais arranjavam o casamento dos filhos
conforme lhes convinha, Paulo não impõe, mas orienta que o melhor seria
a esses pais avaliar todas as possibilidades antes de casá-los, já que os dias
são maus, se não se casam são poupados de muitos sofrimentos. Se os pais
lhes dão em casamento, não pecam, tampouco os filhos por se casarem, se
os mantêm solteiros, da mesma forma. Ele diz aos solteiros e viúvos que
bom seria que ficassem só, mas que é melhor se casar do que ficar “ardendo
em desejo”, termo que segundo Keener (2004): [...] “era empregado em
quase todas as narrativas amorosas da Antiguidade para descrever o
despertar da paixão, sempre (metaforicamente) através dos dardos
incendiados de Cupido”.
Apesar do aconselhamento de que não se casem aqueles que podem
ser felizes solteiros ou no estado de viuvez, Paulo não faz apologia do
celibato, ele reconhece que para muitas pessoas a vida conjugal será fonte
de maior felicidade, então para estes o casamento é a melhor escolha, pois
os desejos sexuais devem ser satisfeitos no casamento.
Para os casados, Paulo ensina que a vida conjugal não deve ser colocada
em segundo plano, a não ser por uma decisão mútua. Enquanto os solteiros
se dedicam a agradar ao Senhor, os casados são estimulados a agradar os
cônjuges. No caso de casamentos mistos, se não houver motivos para isso,

70
o cônjuge cristão não deve se separar, mas se for abandonado, fica livre
para contrair novo matrimônio, no Senhor. Os cônjuges incrédulos e os
filhos são santificados por meio daquele que serve a Deus. “Isso não quer
dizer, que um cônjuge crente pode salvar o outro, nem aos filhos” (Henry).
Mas que desfrutam das bençãos que Deus dá à família por causa daquele
que tem a Salvação. De acordo com o ensino de Paulo, o cônjuge salvo
deve buscar de todas as formas possíveis ser um exemplo dentro do lar, a
fim de ganhar sua família para Cristo (7.1-16, 25-40).

9 SALVOS, APESAR DAS CIRCUNSTÂNCIAS

Paulo faz um parêntese nas questões de casamento e ensina que cada


um deve permanecer na condição em que foi chamado por Deus, na Igreja
de Cristo não faz diferença se o homem é ou não circuncidado, por isso
eles não devem tentar se ajustar a um modelo de vida que agrade aos outros,
também não faz diferença se a pessoa é escrava ou não, embora não apoie
a escravidão, Paulo reconhece que não se pode fugir do sistema vigente,
então conforta os irmãos dizendo que os salvos são livres (do pecado), mas
servos (escravos) de Cristo, o que no final das contas, coloca todos no
mesmo nível (7.17-24).

10 OS DIREITOS DO APOSTOLADO

Paulo defende sua autoridade apostólica diante daqueles que não a


reconheciam. Ele se declara de posse dos mesmos direitos que os demais
obreiros, como os irmãos do Senhor e Pedro. Tanto para ser acompanhado
por uma esposa, caso tivesse, como para receber o sustento financeiro. Ele
cita a Lei de Moisés para dizer que todos os trabalhadores têm a
prerrogativa de desfrutar dos frutos de seu trabalho, embora ele a renuncie.
Ele sabe que faz a obra do Senhor por causa do chamado que o impele, e
por isso se diz honrado em fazê-lo gratuitamente, sem ser pesado a
ninguém. Também defende sua conduta entre os irmãos, na identificação
com os judeus, os gentios e os fracos a fim de aumentar as possibilidades
de lhes compartilhar o Evangelho. Ele se compara aos atletas que deixam
de lado o conforto em troca da vitória, que para ele é o prêmio eterno.

71
11 OS ÍDOLOS NADA SÃO

Paulo também responde a questionamentos sobre as comidas


sacrificadas aos ídolos. Havia no mundo pagão, situações distintas em que
os alimentos podiam ser oferecidos aos ídolos. Na primeira, a carne era
oferecida na declarada adoração nos templos; na segunda, cerca de um terço
do animal que pertencia aos sacerdotes pagãos, era vendida nos mercados
associados aos templos (as vezes o único lugar disponível para a compra);
na terceira, as refeições de gentios não convertidos eram dedicadas a alguma
divindade, segundo suas tradições (Richards, 2008); na quarta, a carne que
não era um privilégio dos pobres, era “distribuída às massas nos festivais
pagãos” (Keener, 2004).
O ensino de Paulo é que, embora os idólatras acreditem adorar a
deuses, os ídolos que adoram não são nada. Portanto, se um cristão comer
a carne comprada num mercado, ele não especifica o tipo de mercado; ou
comer o alimento na casa de um amigo ou parente, isso não lhe fará dano
algum. Porém comer desses alimentos diante de alguém que não tem a
mesma clareza de entendimento, pode causar danos à consciência da
pessoa. Para Paulo a liberdade cristã não deve sobrepujar o amor, então
neste caso ele diz: não coma.
Paulo resgata a história de como Israel se corrompeu no deserto com
a idolatria, a imoralidade e a murmuração, como exemplo do que não fazer.
E esclarece que, embora os ídolos em si, não sejam nada, a adoração não
destinada a Deus é consequentemente, adoração a demônios, portanto, um
cristão jamais deve participar “do cálice do Senhor e do cálice de demônios
[...] da mesa do Senhor e da mesa dos demônios”. [...] Assim, quer vocês
comam, bebam ou façam qualquer outra coisa, façam tudo para a glória de
Deus” (8 e 10).

12 AS MULHERES CRISTÃS

Na antiguidade o cabelo da mulher costumava ser erotizado, “em


grande parte do Mediterrâneo oriental esperava-se que elas cobrissem os
cabelos”. Os cabelos cobertos significavam na sociedade da época, que a
mulher, ou era casada, ou estava sob a tutela dos pais, e fora autorizada a
falar e trabalhar em público. Ao descumprir essas regras eram vistas como

72
levianas, infiéis, desobedientes. O costume era cumprido entre as mulheres
de algumas culturas, mas não era um hábito das de Corinto, ao chegar na
comunidade da Fé, aquelas que pertenciam à classe alta, “ansiosas por exibir
o penteado da moda, desprezavam esse costume. Paulo tinha de lidar com
um choque de cultura na Igreja, entre a moda da classe alta e a preocupação
da classe baixa com a violação da moralidade sexual” (Keener, 2004).
Paulo fala da “cabeça” como símbolo de autoridade e liderança, assim
como Cristo é a cabeça do homem, o homem é a cabeça da mulher. Do
mesmo modo que ao manter a cabeça coberta, a mulher honra a seu marido,
o homem ao mantê-la descoberta, honra a Cristo. Enquanto a mulher se
mantém no costume das Igrejas de Deus, com seus cabelos compridos, os
homens preserva-os curtos. Paulo diz que, “no Senhor, todavia, a mulher
não é independente do homem, nem o homem independente da mulher”
(11.1-16).

13 A CEIA DOS CORÍNTIOS E A CEIA DO SENHOR

Paulo denuncia a “estratificação social” na Igreja, ele estabelece “um


contraste irônico entre a ceia do Senhor e a ceia dos Coríntios” (Keener,
2004). As reuniões que fazem estão mais próximas das celebrações pagãs
do que do modelo estabelecido pelo Senhor, no qual todos são igualmente
agraciados no partir do pão. No culto Coríntio, na medida em que os mais
ricos se regalam, os mais pobres passam fome. Paulo lança a sentença:
“quem come e bebe sem discernir o corpo do Senhor, come e bebe para
sua própria condenação” (11.17-34).

14 OS DONS ESPIRITUAIS

Respondendo acerca dos dons, no primeiro capítulo desta epístola


Paulo diz que a eles não faltam dons espirituais (chárisma pneumatikós, no grego
- 1.7). Mesmo assim eles estão envoltos em vários tipos de problemas, o
que deixa claro que os dons não dão testemunho de quem são os crentes,
mas de quem os dá, que é Deus. Paulo os lembra de que antes eram pagãos,
adoradores de ídolos mudos, mas agora, pelo Espírito Santo podem

73
declarar Jesus como Senhor. Sobre os primeiros versículos do capítulo
doze, Richards (2008) entende que:

Provavelmente, Paulo está referindo-se ás “declarações espirituais”


ou a um “discurso de êxtase” daqueles que, segundo a cultura grega,
eram considerados inspirados por um dos “ídolos mudos” dos
pagãos. Isso lança muita luz sobre o problema de Corinto. Alguns
dos cristãos transportavam para sua nova fé suposições do
paganismo.

De acordo com Paulo, os dons procedem de Deus para “o que for útil”
e aqueles que os recebem, não os recebem por mérito próprio, não devem
por isso, ser a causa de vanglória entre os irmãos. Também não são
distribuídos na comunidade da Fé para a edificação particular, devem ser
audíveis e compreensíveis para a edificação de todos.
Havia em Corinto profícua atuação do Espírito Santo através dos dons
de línguas, mas Paulo alerta que os cristãos devem priorizar a profecia
quando as línguas não puderem ser interpretadas, principalmente para o
caso de haver pecadores entre eles, pois assim, não ficam confusos sobre o
que não entendem e podem ser alcançados pela mensagem. Ele sugere que
busquem os melhores dons, os quais em sentido geral, imaginamos, além
do de profecia, sejam os que ainda faltam, numa comunidade. Nisto
percebemos a importância da diversidade de dons, porque incide sobre as
necessidades do corpo de Cristo.
Richards (2008), acredita que a abordagem de Paulo nos capítulos doze
a quatorze não tem como foco apenas os dons, mas acima de tudo, a
espiritualidade. O relacionamento deles com o Senhor é o mote desses
capítulos, porque é o que norteia todas as ações da Igreja inclusive em
relação à administração dos dons. Paulo fornece a eles um teste de
espiritualidade. “Um teste [...] arrasador para aqueles que através de sua
arrogância e orgulho asseveram ser superiores. A pessoa verdadeiramente
espiritual é caracterizada pelo amor”. Podemos entender melhor essa
questão se a ligarmos ao fruto do Espírito de que Paulo fala aos Gálatas
(5.22). Paulo chama o amor de “um caminho ainda mais excelente” que “ao
contrário das “profecias, línguas e conhecimentos, nunca perece (12,13,14).

74
15 A RESSURREIÇÃO DOS MORTOS

Paulo inicia seu ensino sobre a ressurreição trazendo à baila uma prova
irrefutável, a ressurreição do próprio Jesus. Ele desafia os que duvidam da
realidade da ressurreição, pois se não existe ressurreição, logo, Cristo não
ressuscitou e, se Cristo não ressuscitou é tão inútil a sua pregação como a
Fé que um dia depositaram em Jesus. Então evoca o testemunho de
Salvação daquela Igreja, pois eles creram no Senhor ressurreto e tiveram
suas vidas transformadas, por conseguinte, se a mensagem de que Cristo
ressuscitou é verdadeira, os salvos também ressuscitarão.
Embora, assim como como acontece com a semente que é plantada na
terra, o corpo ressurreto trará em si a essência do que foi um dia, mas em
posse de atributos nunca antes experimentados, o corpo do salvo será
espiritual e incorruptível. É nisto que consiste a superioridade do corpo
ressurreto, ele é espiritual, semelhante ao corpo daquele que veio do céu,
que é Cristo, em contraposição ao corpo outrora natural, como daquele que
foi criado do pó da terra, Adão. Para Richards (2008):

A ressurreição de Cristo representa mais do que uma garantia de


nossa própria ressurreição. Ela é o acontecimento crítico de nossa
própria história, o evento que introduz uma ordem escatológica que
executará os propósitos de Deus e abolirá Satanás e a morte,
restaurando o universo a seu estado puro e original, revertendo o
curso do poder destruidor que foi liberado através do pecado de
Adão.

Deus pôs “todas as coisas” sob a autoridade de Cristo que venceu a


morte, e é “as primícias” da ressurreição. A ressurreição de Cristo é seguida
pela ressurreição dos salvos, e a transformação dos vivos, como uma grande
colheita na Volta do Senhor. Esses eventos “coroam de glória” o Redentor
vitorioso, quando o último inimigo for vencido, destruído - a morte. “Então
virá o fim, quando ele entregará o reino a Deus, o Pai, depois de ter
destruído todos os governantes e autoridades e todo poder” (15).

75
16 A CONTRIBUIÇÃO FINANCEIRA

Paulo dá orientações sobre a coleta dos recursos que irão ofertar aos
irmãos de Jerusalém, ele espera estar presente na ocasião quando irá
escrever cartas de recomendação para os mensageiros escolhidos por eles
para levar o dinheiro, nisto Paulo demonstra uma preocupação com a
transparência no trato com os recursos da Igreja.

17 SAUDAÇÕES

Paulo diz aos Coríntios que ainda pretende ficar um tempo em Éfeso
porque seu trabalho está sendo abençoado ali, mas que espera visitá-los. Ele
avisa que Timóteo irá até eles acompanhando Estéfanas, Fortunato e
Acaico, irmãos cuja visita muito o alegrou. Paulo pede que Timóteo seja
muito bem tratado enquanto estiver com eles. Também orienta a Igreja a se
submeter a pessoas como os da família de Estéfanas e a todos os
verdadeiros cooperadores de Cristo. Neste direcionamento Paulo não está
sugerindo que irá liderá-los de longe, através desses irmãos, mas que deseja
que a aquela comunidade da Fé seja assistida por pessoas alinhadas à
mensagem de Cristo. Ele se despede com saudações de Áquila e Priscila
que estão com ele (16).

SÍNTESE DA AULA

• Nesta aula aprendemos sobre a cultura na qual a Igreja de Corinto


estava inserida.
• Nesta aula aprendemos sobre como os Coríntios tiveram
dificuldades em entender a dinâmica da Igreja de Cristo.
• Nesta aula aprendemos sobre como a verdade deve ser
administrada a fim de corrigir a Igreja.
• Nesta aula aprendemos sobre a importância da verdadeira
espiritualidade da Igreja.

76
AULA 8: II EPÍSTOLA AOS CORÍNTIOS

META

Refletir sobre o arrependimento da Igreja de Corinto, a insistência de


alguns na rebeldia e a dedicação de Paulo na exortação à Reconciliação.

OBJETIVOS

• Verificar em que a Igreja de Corinto ainda estava sendo


influenciada;
• Atentar para a motivação da autodefesa de Paulo;
• Considerar a importância da Segunda epístola aos Coríntios para a
biografia paulina;
• Avaliar, a partir do testemunho de Paulo, o quanto estamos
dispostos a servir e a sofrer por Cristo.

PARA INÍCIO DE CONVERSA

1 APRESENTAÇÃO

Na terceira viagem missionária de Paulo, ele chegou a Éfeso e


encontrando ali “uma porta aberta para a evangelização” permaneceu três
anos na cidade. Depois disso saiu em direção à Macedônia e à Grécia,
ficando na região, por três meses (Atos 20.3). Sua intenção inicial era, em
sua viagem à Macedônia, visitar Corinto duas vezes, uma na ida e outra na
volta, mas mudou de ideia quanto a isso, por conta das atitudes dos irmãos
Coríntios (1.16-24). A explicação desta mudança de planos, explica-se na
alteração de tom no discurso de Paulo, observado a partir do capítulo dez.
De acordo com seu relato, Paulo esteve em Corinto duas vezes, já que
diz estar pronto a visitá-los pela terceira vez (12.14; 13.1). A primeira vez
foi na segunda viagem missionária, quando fundou a Igreja, a segunda pode
ter sido na ocasião relatada por Lucas (três meses na Grécia) ou em outro
momento. O que se sabe é que os problemas da Igreja não se resolveram
rápida ou facilmente. Nesta epístola, Paulo fala de formas distintas em
momentos distintos, dando margem até para que alguns conjecturem que

77
esta é, não uma, mas duas epístolas que foram posteriormente unificadas.
Para o nosso estudo este pormenor não será considerado, já que não há
evidências, somente teorias sobre isso.
O que se sabe com certeza é que, antes desta epístola, Paulo havia
escrito aos Coríntios, pelo menos duas vezes (sendo uma das cartas
extraviadas) e enviado a eles, primeiramente Timóteo e depois, Tito.
Mesmo depois desse esforço, as notícias recebidas por Tito o motivaram a
escrever de novo para demonstrar sua gratidão pela vida dos irmãos, mas
também para dar cabo do que ainda estava por resolver. Segundo Tenney
(2008): “Rivais que se intitulavam a si mesmos apóstolos, apoiados pelas
Igrejas, e que se gabavam da sua ascendência judaica e da sua atividade
como ministros de Cristo tinham invadido Corinto, e humilhado Paulo
perante a Igreja”.

2 AUTORIA, DATA E DESTINATÁRIO

A segunda epístola aos Coríntios é composta por 13 capítulos e 256


versículos. Paulo a escreveu da Macedônia, provavelmente de Filipos, por
volta de 57/58 d.C., enquanto ainda estava em curso a terceira viagem
missionária. Paulo a enviou por meio de Tito e outros irmãos que o
acompanharam para preparar os Coríntios para a contribuição financeira à
Igreja da Judeia. Esta epístola não teve “circulação tão ampla e rápida”
como a primeira. Pode ter sido aludida por Clemente I (96 d.C.), antes de
sua inclusão no cânon de Marcião. Apesar disso, há “evidências
incontestes” de que esta segunda epístola, pouco “depois do século II”, era
acatada como “parte da obra paulina” (Carson,1997).

3 SEGUNDA EPÍSTOLA AOS CORÍNTIOS

O tema desta epístola pode ser definido como, “Os embaixadores de


Cristo no ministério da Reconciliação”. Como embaixador de Cristo Paulo
suplica aos irmãos Coríntios: Reconciliem-se com Deus! Tenney (2008),
descreve esta segunda epístola aos Coríntios como “menos ensino
sistemático e mais expressão pessoal” que “permite que mergulhemos o
olhar na carreira de Paulo, de uma maneira que não é possível em qualquer
das suas outras epístolas”.

78
Paulo se apresenta como “apóstolo de Jesus Cristo pela sua vontade”
que escreve à “Igreja de Deus com todos os santos da Acaia”. Ele lhes conta
sobre as duras provações vividas em Éfeso, e de como chegou a duvidar se
sairia de lá vivo. E testemunha que a perseguição a que foi exposto lhe foi
útil para deixar de se fiar em si mesmo, depositando sua Fé unicamente em
Deus. Afirma sua sinceridade diante de Deus e dos irmãos Coríntios, na
missão executada entre eles na sabedoria divina e não na sua própria -
humana.
Paulo se defende de possíveis acusações da Igreja pela mudança de
planos para a ida à cidade. Ele sabia que se fosse enquanto estava triste com
a situação ainda persistente na Igreja, não seria bom para eles, quem sabe
se fosse dizer-lhes pessoalmente o que vemos nos capítulos dez a treze, a
situação resultaria em maiores contendas. Paulo age com sabedoria em
transmitir as verdades enérgicas por carta ainda que, se prontifique a ser tão
rígido pessoalmente caso seja necessário (1.1-2.4).

4 DISCIPLINA E PERDÃO

Paulo fala de um homem, cujo pecado o ofendeu assim como à Igreja,


mas aconselha que é hora de perdoá-lo e restituí-lo à comunidade da Fé.
Muitos comentaristas acreditam que este homem é o mesmo da primeira
epístola (5.1-5), mas não há conformidade de opinião sobre isso. Seja como
for, Paulo ensina que o objetivo da “disciplina” não é a destruição do
ofensor, mas seu arrependimento. Ele propõe o perdão como uma ação
combinada entre ele e a Igreja, em unidade, a fim de que Satanás, não
encontre neles, vantagem. Ele não explica, mas pode estar querendo dizer
que a falta de consideração ao irmão arrependido, seja vantajoso aos planos
do Maligno de entristecê-lo mais e mais, mantendo-o separado da
comunidade (2.5-13).

5 O BOM CHEIRO DE CRISTO

Paulo faz o que costumam chamar de “digressão”, e introduz uma


defesa ao seu ministério (diakonia, no grego) que se alonga por vários
capítulos. Para explicar que é como servo (escravo), conduzido por Cristo
em seu ministério, não visando em momento algum algo que seja para si

79
mesmo, ele faz uma analogia do triunfo de Cristo e de seus servos, com o
“desfile triunfal” dos romanos. Nestes desfiles, os generais vitoriosos nas
batalhas juntamente com seus soldados, conduziam os prisioneiros de
guerra, e “outros espólios tomados na campanha militar” (Richards, 2008).
Para os vitoriosos era um momento de glória, mas de profunda
humilhação para os vencidos. “Cristo havia triunfado e agora levava aqueles
que criam nEle como seus cativos [...]. Paulo se orgulha na imagem dos
cristãos como povos levados cativos por Cristo [...], e esse prisioneiro, ele
mesmo, oferece ações de graças”. Era comum tanto entre os hebreus,
conforme registrado “no Antigo Testamento como em outras expressões
de Fé, o uso do incenso durante os sacrifícios, para sufocar o mau cheiro
da carne queimada, podendo-se dizer o mesmo nas celebrações romanas”
(Keener, 2004). Paulo diz:

Mas graças a Deus, que sempre nos conduz vitoriosamente em


Cristo e por nosso intermédio exala em todo lugar a fragrância do
seu conhecimento; porque para Deus somos o aroma de Cristo entre
os que estão sendo salvos e os que estão perecendo. Para estes
somos cheiro de morte; para aqueles fragrância de vida. Mas, quem
está capacitado para tanto? Ao contrário de muitos, não negociamos
a palavra de Deus visando lucro; antes, em Cristo falamos diante de
Deus com sinceridade, como homens enviados por Deus.

Na Antiguidade, filósofos e mestres itinerantes costumavam manipular


a verdade de seus ensinos em troca de benefícios pessoais, alguns falsos
mestres cristãos também agiam dessa forma. Paulo defende que, como
ministro do Evangelho entre eles, não precisa de carta de recomendação
que ateste a seriedade de seu trabalho. Eles são o fruto de seu ministério, a
carta de Cristo escrita, não em pedras, mas nos corações, a ser lida por todos
(2.14-3.3).

6 MINISTROS DA NOVA ALIANÇA

Paulo se diz, juntamente com os salvos em Cristo, ministro de uma


Nova Aliança e relembra, provavelmente os judaizantes, que esta Aliança,
não é a da Lei escrita, que revelava o pecado, mas porque não fora
concebida para dar vida, resultava na morte e condenação. Mesmo sendo
um ministério de condenação, a Antiga Aliança fora gloriosa a seu tempo,
isso estava representado na glória passageira que havia no rosto de Moisés

80
coberto pelo véu. Os israelitas, no entanto, não puderam entender a Aliança
mediada por Moisés, por isso não podiam olhar para a glória que estava em
seu rosto. Da mesma forma que, por terem um véu em seus corações, ao
ler a Antiga Aliança não podiam ver a Cristo.
Paulo compara as duas Alianças dizendo que se era glorioso o
ministério que produzia condenação, muito mais será o que produz justiça.
A Nova Aliança resulta nos crentes, “um desenvolvimento e uma
glorificação duradoura” diferente, portanto, da “glorificação temporária de
Moisés quando recebeu a Lei do Senhor”, nisto consiste “a superioridade
da nova aliança” (Marshall, 2007). Somente quando alguém se volta para
Cristo é que o véu é retirado e a pessoa pode finalmente ver e refletir esta
glória. E o Senhor que é o Espírito, a transforma segundo à sua imagem
gloriosa, tornando-a mais parecida com Ele.
Como um dos ministros desta Nova Aliança, Paulo se coloca como
pregador, não de si mesmo, mas de Cristo, e servo dos irmãos por causa de
Cristo. Ele se considera depositário de um tesouro que é a glória de Deus
na face de Cristo, mas isso se mantém em vasos de barro, para que a glória
seja de Deus e não dos crentes. A figura do tesouro nos vasos de barro tão
comuns, frágeis, e facilmente substituídos remete à grandeza de Deus, em
contraste com a fraqueza e dependência dos seres humanos (3.4-4.11):

De todos os lados somos pressionados, mas não desanimados;


ficamos perplexos, mas não desesperados; somos perseguidos, mas
não abandonados; abatidos, mas não destruídos. Trazemos sempre
em nosso corpo o morrer de Jesus, para que a vida de Jesus também
seja revelada em nosso corpo. Pois nós, que estamos vivos, somos
sempre entregues à morte por amor a Jesus, para que a sua vida
também se manifeste em nosso corpo mortal.

Paulo reafirma a esperança na ressurreição do corpo, cuja garantia é o


Espírito, como resposta vindoura a todo o sofrimento e fraqueza humana,
cuja realidade se dará na vida daqueles que mantiverem os olhos fixos no
que é visto pela Fé e é eterno. Ele compara o corpo físico a um tabernáculo
ou tenda, uma moradia móvel, a uma construção sólida e permanente para
dizer que os salvos terão seus corpos ressuscitados e glorificados, elevados
a uma posição incomparável para habitar com Deus. Deixa claro que,
embora prefira estar com Cristo, seja no corpo mortal ou no celestial, seu
objetivo é agradar ao Senhor. A forma como vive, sua ação por meio do
corpo, será, no entanto, avaliada e julgada no Tribunal de Cristo (5.1-10).

81
7 NOVA CRIAÇÃO E RECONCILIAÇÃO

Paulo argumenta que, embora suas atitudes em relação aos Coríntios


sejam interpretadas como, loucura, elas são sim mediadas, não por seu amor
a Cristo, mas pelo amor de Cristo nele, que o constrange (sunechei = impelir,
controlar, no grego). Ele está sendo avaliado erroneamente, e orienta que
esta forma de qualificar as pessoas não se encaixa na nova criação. “Quem
está em Cristo é nova criatura, e isso provém de Deus que nos reconciliou
consigo mesmo por meio de Cristo e nos fez embaixadores do ministério
da Reconciliação” (katalaghe, no grego - 5.11-21). Vejamos abaixo a
definição de “nova criação” e “Reconciliação” neste texto, conforme
Marshall (2007):
Nova criação “ –Aqui o pensamento está relacionado ao modo pelo
qual as pessoas são avaliadas: na nova criação, Cristo não mais será visto de
um ponto de vista mundano, e o mesmo se aplicará a outras pessoas”.
Reconciliação “ –Na Reconciliação, Cristo é o agente por meio do qual
o próprio Deus age - de tal maneira que os pecados que haviam separado
as pessoas de Deus já não contam contra elas nem as afastam da afeição de
Deus -, ao se identificar com os pecadores e morrer por eles. Cristo tornou
possível aos pecadores serem justos e terem o direito de permanecer em
Deus”.

8 PADECER PELO NOME DE JESUS

Paulo enumera as lutas perseverantemente enfrentadas por ele na


jornada missionária. Confirmando o que foi testemunhado por Ananias (At
9.15,16), Cristo lhe chamou para, em sofrimento, levar Seu Nome aos
judeus e gentios. Paulo apela aos irmãos que abram o coração, porque eles
haviam rejeitado a Reconciliação com Paulo, agente de Deus e,
consequentemente, com Deus. “A questão por ele levantada é a de que eles
deveriam retomar seus laços íntimos com ele e com os outros fiéis
representantes de Deus” (Keener, 2004). Paulo os convida a amá-lo como
ele os ama, ele os convida à Reconciliação. (6.4-13).

82
9 JUGO DESIGUAL

A dificuldade dos Coríntios de permanecerem no Senhor estava


relacionada a sua união com os incrédulos, que remetia ao antigo estilo de
vida a que estavam ainda afeiçoados, então Paulo os instiga ao rompimento,
dizendo que não deveriam se colocar em jugo desigual. Alguns já usaram
este texto para justificar o abandono da família de um cônjuge convertido
a fim de que este não se contaminasse, mas não é o que Paulo está
sugerindo.
Se o texto for selecionado para tratar da questão do casamento,
entendemos que a fala de Paulo se refere aos critérios a se considerar para
a escolha de um cônjuge. Naturalmente que Paulo está falando sobre todas
as possibilidades em que os salvos associados à ímpios, possam abrigar além
da amizade pessoal, as práticas pecaminosas. E questiona, “que comunhão
pode ter entre a luz e as trevas?” (6.14-7.1). Paulo os convoca à separação
(santificação) para que desfrutem da promessa de serem feitos filhos e filhas
de Deus.

10 ARREPENDIMENTO

Apesar das lutas e angústias enfrentadas por Paulo, ele compartilha


com os irmãos Coríntios a alegria que sentiu ao encontrar-se com Tito,
depois de muito esperar por sua companhia e pelas notícias que traria deles.
Ele estivera inquieto sobre duas coisas, a primeira era a reação dos irmãos
à sua carta e a segunda, a situação em que a Igreja se encontrava no
momento. As notícias eram boas, mas, não de todo, como se pode perceber,
principalmente nos capítulos dez a treze. Ainda havia pessoas carecendo da
austeridade pastoral de Paulo, mas, ao que tudo indica, grande parte deles
já tinha entendido a mensagem.
Os irmãos haviam dado um bom tratamento a Tito, recebendo-o como
se fora o próprio Paulo, mesmo depois das palavras de correção lidas na
carta. Paulo sabia que os havia entristecido, mas a tristeza os levara ao
arrependimento. Paulo então lhes explica a diferença entre a tristeza
segundo o mundo e a tristeza segundo Deus. Enquanto a tristeza segundo
o mundo (pesar ou remorso) faz com que a pessoa se sinta culpada,
afastando-a de Deus, a tristeza segundo Deus a leva a reconhecer, confessar
e renunciar o pecado, isto é o arrependimento (7.4-16).

83
11 GENEROSIDADE

Paulo lembra os Coríntios de uma promessa feita por eles há pelo


menos um ano, de abençoar os irmãos da Judeia que passavam por
dificuldades. E orienta: “assim como vocês se destacam em tudo: na Fé, na
palavra, no conhecimento, na dedicação completa e no amor que vocês têm
por nós, destaquem-se também neste privilégio de contribuir”. Partindo do
exemplo de generosidade dos irmãos Macedônios, que mesmo em
tribulações e pobreza, contribuíram, não segundo as suas posses como era
de se esperar, mas além do que podiam, Paulo estabelece alguns princípios
para a coleta de ofertas.
A generosidade deve ser manifesta de acordo com as posses de cada
um – Quem tem mais contribui mais, ainda assim, alguns podem querer ir
além de suas condições.
A generosidade é um ato de amor – Ninguém deve ofertar por
obrigação, este deve ser um ato racional e voluntário porque Deus ama ao
que contribui com alegria.
A generosidade deve promover igualdade – Ninguém deve ficar em
dificuldades para ofertar, a contribuição deve ser feita com entendimento.
A generosidade é uma via de duas mãos – Aqueles que ajudam em
algum momento podem ser ajudados.
A generosidade da Igreja deve ser tratada com seriedade – Pessoas
responsáveis e honestas devem ficar encarregadas de fazer com que os
recursos cheguem até os necessitados.
A generosidade produz frutos – Aquele que contribui com os
necessitados é como o lavrador que colhe com abundância o que com
fartura semeou. O foco, no entanto, não está na quantidade da contribuição,
mas na motivação. Além disso, a colheita não é de particular benefício,
porque Deus dá semente e pão ao que semeia, enriquecendo-o para que
possa semear mais e mais, produzindo frutos de justiça.
A generosidade dos cristãos glorifica a Deus – Ao serem supridas suas
necessidades, os irmãos glorificam a Deus e não se esquecem daqueles que
os ajudaram, em suas orações (8 e 9).

84
12 DEFESA DO MINISTÉRIO

Paulo muda o tom de seu discurso nos capítulos que se seguem. Ele
avisa a alguns dentre os Coríntios de que não é sua intenção agir com dureza
quando for ter com eles, mas que pode fazê-lo se necessário. Ele se dirige
aos que o acusam de ser rígido por carta, mas tímido e desprezível
pessoalmente. Os inimigos de Paulo o avaliavam segundo seus próprios
critérios, inspirados na cultura da época, não nas Escrituras.
Para os gregos, a “brandura ou mansidão”, era considerado sinal de
“humilhação e só a consideravam própria para pessoas de condição social
inferior”. A opinião daqueles influenciados por esse pensamento era a de
que Paulo era mesmo inferior, porque era com os simples e com os pobres
que se identificava. Quanto à sua palavra, Paulo não se julga um orador
eloquente, mas sabe que tem conhecimento de Deus, e ensina com
propriedade, porque vive o que ensina. “Mesmo que os melhores oradores
depreciavam suas habilidades oratória visando com isso baixar as
expectativas da audiência. Seus escritos atestam um nível mais elevado do
que a maioria das pessoas de seu tempo” (Keener, 2004).
Os que o ofendem estão se deixando levar por conceitos mundanos.
Ele justifica que seu ministério não é baseado nos padrões humanos. As
armas com que enfrenta os argumentos desses falsos obreiros, não são
humanas, mas espirituais. Paulo decide que não irá fazer como aqueles que
se autoavaliam por seus próprios padrões. Tanto o reconhecimento como
a aprovação, devem vir de Deus e não de si mesmo. Ele espera ser
compreendido e aceito pela Igreja e rememora seu amor desinteressado,
não recebendo salário deles nem de outra Igreja, para ensiná-los. Paulo diz
que mesmo nos momentos de dificuldades, para não lhes ser pesado,
somente aceitou as ofertas voluntárias dos irmãos da Macedônia (10.1-
11.15).

13 GLORIANDO-SE NO SOFRIMENTO

Paulo alude a sua nacionalidade judaica, confirmando que dentre os


inimigos de seu ministério, há compatriotas judeus. “Mesmo na Corinto
greco-romana, a Igreja reconhecia suas raízes judaicas; e os cristãos judeus

85
itinerantes, especialmente os de raízes palestinas, podiam reivindicar a
autoridade numa tradição anterior a Paulo” Keener (2004).
Ele se gloria no sofrimento pela causa de Cristo, nas coisas que
mostram sua fraqueza e não sua força, e elenca: espancamentos; prisões;
risco de morte no apedrejamento e naufrágios; perigos em rios e com
assaltantes; nos ataques de gentios, judeus e falsos irmãos em Cristo; em
cidades, em desertos e no mar. E inclui a dificuldade enfrentada: nos longos
percursos em viagens; no trabalho árduo; nas noites sem dormir; na fome
e sede que passou; nos jejuns; e nas poucas roupas para se aquecer do frio.
Além das lutas e dificuldades pessoais, Paulo ainda se diz fortemente
consumido pelas dores dos irmãos (11.16-33).

14 EXPERIÊNCIAS ESPIRITUAIS

Paulo conta sem maiores detalhes, algumas experiências espirituais que


teve, ele afirma ter sido arrebatado, no corpo ou fora do corpo, até o
terceiro céu. Os judeus acreditavam que havia três céus e o terceiro era o
lugar da habitação de Deus, os gregos por sua vez, acreditavam na elevação
da “alma até o último céu”, sendo assim, os Coríntios “não tiveram
dificuldade de entender essas palavras” (Keener, 2004). Mas Paulo
acrescenta um elemento em sua narrativa, ele diz que para que não se
orgulhasse dessas experiências, foi lhe dado um espinho na carne, que ele
chama de “mensageiro de Satanás”. Paulo não especifica o que é, alguns
entendem que seja alguma enfermidade; outros que seja algum tipo de
ataque emocional ou espiritual. O que se sabe é que Deus não o livrou, mas
que, na fraqueza, lhe deu força para suportar (12.1-10).

15 ADVERTÊNCIA E SAUDAÇÃO FINAL

Paulo continua o argumento a favor de sua autonomia econômica (e a


de Tito), em relação àquela comunidade, e responde ironicamente,
provavelmente aos que o acusavam de não aceitar sustento da Igreja,
dizendo: “Em que vocês foram inferiores às outras igrejas, exceto no fato
de eu nunca ter sido um peso para vocês? Perdoem-me essa ofensa!” Ele

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avisa que irá visitá-los, mas se mostra apreensivo, pela situação em que
poderá encontrá-los:

Temo que haja entre vocês brigas, invejas, manifestações de ira,


divisões, calúnias, intrigas, arrogância e desordem. Receio que, ao
visitá-los outra vez, o meu Deus me humilhe diante de vocês e eu
lamente por causa de muitos que pecaram anteriormente e não se
arrependeram da impureza, da imoralidade sexual e da libertinagem
que praticaram.

Paulo deseja que a carta seja suficiente para alertá-los acerca da verdade,
de modo que não seja necessário aplicar-lhes a correção, mas declara que se
ainda houver problemas, ele irá resolvê-los, não pela própria força, mas pela
de Cristo que fala por seu intermédio. O mesmo Cristo que foi crucificado
em fraqueza, mas em poder, habita nele e lhe concede autoridade profética
para a edificação da Igreja. Ele os aconselha a fazerem um autoexame a fim
de que se certifiquem de terem sido aprovados por Deus. Paulo se despede
da Igreja conclamando-a ao aperfeiçoamento, à paz e unidade no Senhor
(12.11-13.13).

SÍNTESE DA AULA

• Nesta aula aprendemos sobre as dificuldades enfrentadas por Paulo


em seu Ministério.
• Nesta aula aprendemos que Paulo ajudou a Igreja de Corinto por
meio de cartas, além de visitas suas e de outros irmãos como,
Timóteo e Tito.
• Nesta aula aprendemos alguns importantes critérios para a
contribuição financeira da Igreja.
• Nesta aula aprendemos que, como embaixadores de Cristo,
devemos, a exemplo de Paulo, convocar os pecadores à
Reconciliação com Deus.

87
88
MÓDULO III: CARTAS PASTORAIS

89
UNIDADE V: JUSTIFICAÇÃO PELA FÉ

Nesta unidade iremos aprender sobre a Justificação pela Fé, uma


doutrina que revolucionou a Fé da Igreja Primitiva que por um lado,
contava com um grande contingente de judeus habituados ao rigor da Lei,
e por outro, uma comunidade gentílica maior ainda, provinda do paganismo
onde “tudo era permitido”. Para tanto, utilizaremos as duas aulas
assinaladas abaixo:
AULA 09: EPÍSTOLA AOS ROMANOS - PARTE 1
AULA 10: EPÍSTOLA AOS ROMANOS - PARTE 2

AULA 9: EPÍSTOLA AOS ROMANOS – PARTE 1


META

Refletir sobre o contraste entre a universalidade do pecado e a


Justificação pela Fé em Jesus Cristo.

OBJETIVOS

• Conhecer o contexto histórico da Igreja que Paulo tanto almejava


conhecer;
• Identificar o ensino de Paulo acerca da justificação para os judeus e
os não-judeus;
• Associar a liberdade de não mais pecar à justificação e à
reconciliação em Cristo.

PARA INÍCIO DE CONVERSA

1 APRESENTAÇÃO

Paulo estava prestes a iniciar o retorno de sua terceira viagem


missionária. Ele iria a Jerusalém para entregar as ofertas recolhidas pelos
Macedônios e Coríntios para os pobres da Judeia. Seu desejo era o de ir à

90
Espanha, passando primeiramente em Roma. Seria uma oportunidade para
conhecer os irmãos, desfrutar um pouco da companhia deles e receber
ajuda para chegar ao seu destino (15.24-29).

2 AUTORIA, DATA E DESTINATÁRIO

A epístola aos Romanos, escrita por volta de 57/58 d.C., contém 16


capítulos e 437 versículos. Paulo é seu autor, mas o responsável por escrevê-
la foi Tércio (16.22). O trabalho de copista (amanuense) era comum no
Mundo Antigo, não se sabe se Tércio exercia a profissão ou se apenas atuou
como tal, para auxiliar Paulo nesta e em outras ocasiões. “O hábito de
Paulo, de autenticar suas cartas colocando sua assinatura no fim [...] não é
seguido aqui; mas a autoria da Epístola aos Romanos não é posta em
dúvida” quanto à autoria e canonicidade. A epístola aos Romanos fazia
parte do cânon de Marcião, e foi citada por alguns dos Pais da Igreja como:
Clemente de Alexandria; Orígenes e Tertuliano, e o mais antigo deles,
Clemente I, do final do século I (Bruce, 1979).
A teoria mais aceita sobre o local de onde a epístola foi escrita e
enviada, é a de que foi de Corinto, porque Paulo cita Erasto, e Gaio.
Segundo Gundry (1998), há uma inscrição descoberta em Corinto e datada
do primeiro século da era cristã”, sobre certo “Erasto”, cuja função exercida
na cidade pode combinar com a do homem citado por Paulo. Quanto a
Gaio, ele pode ser o mesmo Gaio que foi batizado por Paulo juntamente
com Crispo na cidade de Corinto (1 Co 1.14). Outro fator que reforça esta
teoria é que a carta foi levada e entregue por Febe, uma irmã da Igreja da
Cencreia, cidade situada na Acaia.

3 QUEM ERAM OS ROMANOS

Diferentes povos vindos da Europa Central se fixaram na região do


Lácio, parte central da Itália, por volta de dois mil anos antes de Cristo.
Dentre os muitos povos, ou tribos, estavam os latinos e sabinos. Segundo
a tradição romana, essas muitas tribos fundaram a cidade de Roma no
século VIII, que foi, por volta de um século mais tarde conquistada pelos

91
etruscos. Os etruscos (da Etrúria, atual Toscana) fizeram de Roma uma
cidade fortificada dando-lhe a estrutura final (Arruda, 1996).
A civilização romana sofreu muitas transformações políticas:
Monarquia; República; e em 27 a.C., sob o governo de César - Augusto),
Império. “Em meados do primeiro século o Império Romano abrangia a
Europa ao sul do Reno e do Danúbio, a maior parte da Inglaterra, o Egito
e toda a costa ao norte da África, como também grande parte da Ásia, desde
o Mediterrâneo à Mesopotâmia” (Nichols, 1985). Os romanos eram
politeístas, não se incomodavam com a adoção de mais uma divindade em
seu rol de deuses, desde que não interferisse em seus costumes.
A Fé numa nova divindade não poderia se interpor ao culto ao
imperador, prática que visava acima de tudo, a centralização política e que
fora introduzida por Otávio (27 a.C. – 14 d.C), imperador que se
autodenominou “augusto”, por se achar digno de mais alta reverência. A Fé
em um Deus que exigisse exclusividade, promoveria um rompimento com
todos os outros “deuses” e consequentemente com a veneração ao
imperador, afetando diretamente a unidade do Império. O Império já tinha
sido “invadido” pela Fé cristã, desde os dias subsequentes ao Pentecostes.
Em algum momento, a Bíblia não diz quando, o Evangelho chegou à cidade
de Roma, e lá na capital do Império Romano, se formou uma comunidade
cristã.
Por volta de 180 d.C., Irineu, um dos Pais da Igreja, identificou Paulo
e Pedro como os fundadores da Igreja de Roma, “ao passo que tradição
posterior menciona Pedro como o fundador e primeiro bispo” daquela
comunidade cristã. Todavia, Paulo deixa claro na epístola, que ainda não
conhecia aqueles irmãos (1.10,13; 15.22). Quanto a Pedro, não há indícios
de que ele tenha fundado a Igreja de Roma, além disso, se assim fora, Paulo
não deixaria de citá-lo em algum momento. Sobre isso, Gundry (1998),
argumenta:

[...] o historiador romano Suetônio escreveu que o imperador


Cláudio baniu de Roma aos judeus em 49 d.C., por motivo das
agitações havidas por instigação de alguém chamado “Chrestus”,
provavelmente uma errônea soletração de “Christus” (forma latina
de Cristo). Se assim realmente sucedeu, então por esse tempo já
chegara a Roma o Cristianismo. No entanto, Pedro continuava em
Jerusalém por ocasião do Concílio de Jerusalém, que se desenrolou
em cerca de 49 d.C.

92
Áquila e Priscila faziam parte dos que saíram de Roma após o decreto
de expulsão dos judeus. Eles se estabeleceram em Corinto, onde
conheceram Paulo por ocasião da segunda viagem missionária. De acordo
com o último capítulo desta epístola (16.3), sabemos que enquanto a carta
era escrita, o casal já havia retornado à cidade. A respeito da fundação da
Igreja, embora não seja possível confirmar, acredita-se que o Evangelho
tenha chegado a Roma por intermédio de “judeus convertidos no Dia de
Pentecostes” (Carson, 1997).

4 EPÍSTOLA AOS ROMANOS

A Igreja de Roma era composta por gentios (1.5,6,13; 11.13-14.24;


15.14-21) e, por judeus (2.17; 16.3,7,11), ao menos uma minoria deles, já
que não se sabe quantos retornaram para lá após o término do decreto do
Imperador Cláudio. A mensagem contida na epístola, abarca a realidade
espiritual dos dois grupos de pessoas existentes naquela comunidade, hoje,
pode-se dizer que seu conteúdo é universal.
Não tendo sido escrita para responder a questionamentos dos irmãos
de Roma, segundo Carson (1997), “a epístola aos Romanos pode ser
considerada como uma carta-tratado, que tem como componente básico
um argumento teológico ou uma série deles [...]. É a mais longa e
teologicamente mais significativa das cartas de Paulo”. Ela foi escrita “como
preparação para a sua primeira visita àquela cidade e à comunidade cristã
dali [...] para preparar os leitores de Paulo para seu futuro ministério oral
entre eles” Gundry (1998). traz como tema, a “Justificação pela Fé”,
doutrina já tratada na epístola aos Gálatas, mas como concordam muitos
comentaristas, mais bem sistematizada. Keener (2004), admite que a
Justificação pela Fé seja o foco de Paulo, mas para ele:

[...] é importante compreender não apenas essa doutrina, mas


também a razão pela qual Paulo necessita destacá-la. A maioria dos
judeus já acreditava que o povo judeu como um todo era salvo pela
graça de Deus, e os cristãos judeus reconheciam que essa graça só
era disponível através de Cristo; a questão era saber em que termos
os gentios poderiam tornar-se parte do povo de Deus. Ao
argumentar em favor da unidade étnica do corpo de Cristo, Paulo
sustenta que todas as pessoas chegam a Deus nos mesmos termos,
não importa quais sejam seus fundamentos étnicos, religiosos,
educacionais ou econômicos; só Jesus é resposta ao pecado de toda
a humanidade.

93
A epístola aos Romanos foi uma aliada da Reforma Protestante do
século XVI. Martinho Lutero a valorizava muito, a ponto de dizer que ela
e o Evangelho de João já seriam suficientes para preservar o Cristianismo.
No contexto da Reforma, a Igreja estava sob a influência pagã, a relação de
Deus com as pessoas e das pessoas com Deus era tratada como uma relação
de troca, os fiéis eram ensinados a praticar boas obras, principalmente
aquelas que envolvessem ofertas à Igreja, como meio de agradar a Deus e
de “obter” a Salvação. Lutero foi impactado pela epístola aos Romanos por
ver nela, não apenas o retrato da humanidade, mas sobretudo, a forma
como a Fé era a única maneira pela qual o pecador poderia ser justificado
e, depois de justificado, viver.

5 DE UM SERVO DE CRISTO PARA OS ROMANOS

Paulo inicia a epístola se apresentando como servo (escravo) chamado


para ser apóstolo (enviado), separado para o Evangelho de Deus. Keener
(2004), lembra que “cartas e discursos persuasivos em geral começavam
estabelecendo a credibilidade do falante”, não para provar seu argumento,
mas para dispor “a audiência a ouvi-lo respeitosamente”. Sendo assim,
quando Paulo se coloca como tal os Romanos podem fazer uma conexão
com aquilo que conheciam da cultura local. Era comum os escravos do
imperador ocuparem cargos elevados do Império, e nesse caso, possuíam
mais “status, autoridade e liberdade do que um membro da gente comum
do povo”. Paulo não é escravo do imperador, mas de Cristo, o mais elevado
de todos os nomes. Paulo é emissário da mensagem que eles precisam ouvir.

6 A UNIVERSALIDADE DO PECADO

Paulo os denomina: amados de Deus e chamados para pertencerem a


Cristo e serem santos, irmãos cuja Fé dá testemunho por todo o mundo,
colocando-os na mesma posição de importância que ele. Ele demonstra
gratidão por suas vidas e comunica que deseja vê-los quando não somente
ele, mas também eles serão abençoados. Declara sua disposição em pregar
em Roma, visto que não se envergonha do Evangelho que “é poder de Deus
para a Salvação de todo aquele que crê”, tanto judeus como gentios.

94
Paulo cita o Antigo Testamento “o justo viverá pela Fé” (Hc 2.4), para
introduzir o argumento da “corrupção humana” em relação à justiça de
Deus, cuja base “do princípio ao fim é pela Fé”. “A Salvação é redefinida
em termos de Justificação, cuja experiência por meio da Fé se aplica a judeus
e gentios” (Marshall, 2007). A humanidade se corrompeu e “a ira de Deus
é revelada do céu contra toda impiedade e injustiça dos homens que
suprimem a verdade pela injustiça” (1.1-18).

7 A REALIDADE ESPIRITUAL DOS GENTIOS

Os versículos seguintes são mais específicos aos gentios, refletem o


modo de vida depravado deles e a maneira como rejeitaram a Deus. Eles
são tidos como indesculpáveis (anapologhetos, no grego) por sua rebeldia, pois
mesmo sem a Lei para os guiar, são testemunhas vivas, não apenas da
existência de um Deus, mas da glória e poder infinito deste que criou todas
as coisas. Ele apela para a natureza como ministra na manifestação da glória
de Deus, por meio da qual é possível ver tudo aquilo que de Deus se pode
conhecer.
Embora vendo a obra da criação, os gentios não glorificaram a Deus, e
substituíram o criador pela criatura, “dizendo-se sábios, tornaram-se
loucos”. A exaltação humana culminou na idolatria, na idolatria de si
mesmo, fazendo com que construísse para si, ídolos segundo a sua própria
imagem e à imagem dos seres criados. Ao rejeitar a Deus os gentios optaram
pela autorredenção, o que os levou a um estado de total embrutecimento,
praticando toda sorte de pecados contra Deus, e contra o próximo, sem se
darem conta da real situação em que se encontravam, ao que Deus os
entregou a uma “disposição mental reprovável”, à “impureza sexual,
segundo os desejos pecaminosos dos seus corações, para a degradação dos
seus corpos entre si”. (1.19-32).

8 A REALIDADE ESPIRITUAL DOS JUDEUS

Paulo, possivelmente antevendo refutação por parte de judeus, inicia


uma discussão como que com um “interlocutor imaginário”, sobre o
moralismo. Ele defende que os moralistas não dão conta de se manterem

95
fiéis nem aos seus próprios padrões, quanto mais aos de Deus, não
devendo, portanto, se colocarem como juízes dos demais. Todos e cada
um, receberá a justa compensação por suas ações, independentemente de
ser judeu ou gentio, quando o Senhor julgar “os segredos dos homens
mediante Jesus Cristo”.
Para Paulo a justiça é a motivação de Deus ao julgar os homens por
critérios diferentes, o que os faz igualmente inescusáveis: “todo aquele que
pecar sem a lei, sem a lei também perecerá, e todo aquele que pecar sob a
lei, pela lei será julgado”. Enquanto os gentios desprezam a Deus, os judeus
são a causa de o Seu nome ser blasfemado. Paulo questiona os judeus pela
soberba em relação ao sinal externo do pacto com Deus, a circuncisão,
como se fora uma prova de sua integridade espiritual. E completa: “Não!
Judeu é quem o é interiormente, e circuncisão é a operada no coração, pelo
Espírito, e não pela lei escrita. Para estes o louvor não provém dos homens,
mas de Deus”.
Paulo ressalta o privilégio dos judeus, não em relação à Salvação, mas
de serem o povo por meio de qual Deus confiou sua Palavra. Conquanto
muitos pudessem achar que Deus agia com injustiça com os judeus dada a
longa relação estabelecida com eles desde Abraão, Paulo diz que os judeus
é que não foram fiéis ao Pacto, e não Deus (2.1-3.20). A desobediência dos
judeus os coloca no mesma situação de pecaminosidade dos gentios “com
isso Paulo não quer dizer apenas que os pecadores podem ser encontrados
do mesmo modo entre judeus e gentios, ele quer afirmar que todo mundo,
sem exceção, é pecador, como afirma a Bíblia, e encontra-se sob
julgamento” (Marshall, 2007).

9 JUSTIFICAÇÃO PELA FÉ

“Todos pecaram e estão destituídos da glória de Deus”, e não há nada


que possam fazer para resolver a demanda. Então Deus provê aos
pecadores aquilo de que precisam para serem novamente unidos a Deus,
restaurando a relação perdida na queda. A Graça, atitude favorável de Deus,
possibilita aos pecadores a Redenção (litróssis, no grego = resgate, libertação)
do pecado. Os pecadores são justificados (dikaiossis, no grego = Justificação),
não pelas obras da Lei, mas pela Fé, mediante o sangue de Jesus. Gooding e
Lennox (2012), destacam a impossibilidade de alguém cumprir toda a Lei e
por ela ser justificado, porque todos pecaram, “todos transgrediram a Lei

96
divina” outorgada, não no Sinai, mas no Jardim, pelo primeiro casal,
representante da raça humana.

A solução de Deus para isso é que Seu próprio Filho como


Representante da humanidade, pagou e cumpriu a pena em nosso
lugar, sofrendo o julgamento de Deus contra o pecado e morrendo
sobre a cruz. Portanto, se colocarmos nossa fé em Jesus, Deus pode
considerar a morte dele como se fosse a nossa própria morte. Como
nossa pena foi paga por Jesus, Deus pode nos justificar, isto é, Ele
pode nos declarar justos perante o seu juízo (Gooding e Lennox,
2012).

O sangue de Jesus satisfaz plenamente a justiça de Deus e é, por


conseguinte, suficiente para cancelar o efeito do pecado e anular a sentença
de morte que paira sobre os pecadores (3.21-4.25).

10 A UNIÃO COM CRISTO

Paulo defende que se o pecado entrou na história humana por um


homem, levando a humanidade a morte, a Graça, por um homem
transbordou em vida. Keener (2004) indica que poderia haver entre os
leitores judeus desta epístola, uma possível argumentação “em favor de sua
descendência única do justo Abraão, mas ele, em lugar disso, lhes mostra a
descendência comum com os gentios da linhagem de Adão, o pecador”.
Estando judeus e gentios na mesma situação, carecem os dois grupos de
Justificação, e consequentemente, estando em Cristo, desfrutam juntamente
das mesmas bençãos da Salvação (Soteria, no grego).
“Sendo, pois, justificados pela Fé”, os seres humanos podem desfrutar
da “paz com Deus e como consequência, gloriar-se nas tribulações, porque
a tribulação produz perseverança; e a perseverança, um caráter aprovado; e
o caráter aprovado, esperança por meio do Espírito Santo que ele
concedeu”. Se Cristo morreu por pecadores, muito mais salvará da ira
aqueles que foram justificados por seu sangue. Sua morte trouxe
Reconciliação, isto é, não há mais inimizade entre os homens e Deus. Sua
vida trouxe Salvação para todos os que creem (5.1-21).

97
11 SANTIFICAÇÃO

Principalmente para os cristãos judeus que estavam acostumados ao


regime da Lei, era de difícil compreensão a lógica do viver na Graça. Paulo
explica que há Graça abundante, mas isso não é motivo para viver pecando,
aqueles que já estão mortos para o pecado. Estes, foram batizados em Cristo,
e unidos a Ele na semelhança de sua morte e também de sua ressurreição.
Richards (2008), aponta que o vínculo dos salvos “com Jesus é tão íntimo
e próximo que, à vista de Deus”, os salvos “morreram com Jesus no
Calvário e, quando Jesus ressuscitou dos mortos para uma nova vida” os
salvos ressuscitaram com ele. Para Marshall (2007):

O batismo em Cristo era entendido como a entrada do crente numa


relação espiritual com ele [...]. Da mesma maneira que Cristo
ressuscitou da morte para a vida, assim também os crentes que estão
unidos a ele partilham de sua ressurreição. Ao final de tudo
compartilharão de sua ressurreição quando forem elevados da morte
física para a nova vida, ou, se estiverem vivos na parousía, sendo
transformados.

Os salvos, por estarem mortos para o pecado, não estão mais sujeitos
ao seu domínio, são livres para não mais pecar. Paulo os exorta à
santificação (haghiasmos, no grego), e santificação tem o sentido de separação
do pecado. Ao invés de usarem seus corpos para pecar, devem entregar-se
a Deus como quem voltou da morte para a vida; oferecendo “os membros
de seus corpos a ele, como instrumentos de justiça”, pois enquanto a
recompensa pelo pecado é a morte, “o dom gratuito de Deus é a vida eterna
em Cristo Jesus” (6.1-23).

12 LIBERTOS DA LEI

Paulo faz uma analogia entre o casamento e a relação dos salvos com a
Lei. Assim como morrendo o marido, a esposa se torna livre para contrair
novo matrimônio; os salvos em Cristo, por não estarem mais debaixo da
Lei, estão livres servir a Cristo. A morte do marido representa, não a morte
da Lei, mas o fim de sua vigência, pois ela cumpriu seu papel. “A Lei é santa,
e o Mandamento é santo, justo e bom”, pois ao mesmo tempo que
condenava o pecador por haver pecado, era a responsável por torná-lo

98
ciente disso. Ao tomar conhecimento do pecado em si, o pecador poderia
recorrer a Deus pela Fé, e pela Fé, tal como aconteceu com Abraão, seria
justificado.
Os cristãos estão mortos, não apenas para o pecado, mas também para
a Lei. Por estarem mortos para o pecado, o pecado não tem mais nenhum
poder sobre eles, estão livres para não mais pecar e para viverem em
santidade. Por estarem mortos para a Lei, esta não mais lhes revela o
pecado, nem lhes impõe rígido controle moral. Os cristãos não estão
debaixo da Lei, mas da Graça, logo, não devem acreditar poder fazer algo
para agradar a Deus. O âmago da Fé cristã não é o que os salvos devem ou
não fazer, mas o que Cristo fez pelos pecadores (7,1-23).

13 VIVENDO NO ESPÍRITO

Apesar de não estarem mais sob o controle civil, religioso e moral da


Lei, os cristãos são convocados a viver em santidade. Contudo, essa nova
maneira de viver não é resultado de seu esforço pessoal, mas do poder do
Espírito Santo neles. Os que andam no Espírito não buscam satisfazer seus
desejos carnais, porque são guiados pelo Espírito Santo, são filhos de Deus,
e essa paternidade é confirmada pelo próprio Espírito em seus corações.
No meio de uma epístola escrita no idioma grego, Paulo introduz um termo
em hebraico para demonstrar com muita precisão o nível de intimidade que
os filhos de Deus desfrutam com ele ao chamá-lo, não apenas de Ahav (‫אָ הָ ב‬
= pai), mas de Aba (‫ = אַ בָ ה‬papai ou paizinho). Isto somente é possível
porque sobre os filhos de Deus não há condenação.
Paulo avisa que embora não estejam mais sob condenação, usufruam
dos privilégios de filhos de Deus, e sejam moradas do Espírito Santo como
antecipação da glória futura, os salvos, assim como a natureza, aguardam a
Redenção final. Os corpos mortais, cuja decadência os leva ao túmulo, irão
desfrutar da glória futura em sua plenitude, quando Jesus voltar. Os que
participam do sofrimento de Cristo, participam também de sua glória. Paulo
destaca o Espírito como agente nesse processo e como Consolador, ajuda
os crentes, intercedendo por eles com gemidos inexprimíveis. Paulo finaliza
o capítulo oito da epístola com um cântico de louvor a Deus, pois as
aflições, calamidades, perseguições, fome, miséria, perigo e ameaças de
morte, não podem fazer sucumbir, os filhos de Deus, eles são, a despeito
disso, mais do que vencedores por meio de Cristo (8.1-35).

99
SÍNTESE DA AULA

• Nessa aula aprendemos que Deus não faz acepção de pessoas,


todos pecaram e carecem de um Salvador;
• Nessa aula aprendemos que ninguém é justificado pelas obras da
Lei, mas somente pela Fé em Cristo Jesus;
• Nessa aula aprendemos que por estarem unidos com Cristo, os
salvos não são estão mais sujeitos ao domínio do pecado, antes são
livres para não mais pecar e para andar em santificação;
• Nessa aula aprendemos que o Espírito atua diretamente sobre os
filhos de Deus, confirmando em seus corações, a Salvação e os
ajudando a viver a vida cristã.

100
AULA 10: EPÍSTOLA AOS ROMANOS – PARTE 2

META

Refletir sobre a história espiritual de Israel e a chegada dos gentios nela,


no contexto da Eleição e da constituição da Igreja de Cristo.

OBJETIVOS

• Conhecer o objetivo principal para a Eleição de Israel, bem como


para sua rejeição e adoção dos gentios;
• Identificar a posição em que se encontram os judeus e gentios em
relação à Salvação;
• Verificar estilo de vida que Deus deseja para os seus filhos.

PARA INÍCIO DE CONVERSA

1 APRESENTAÇÃO

Paulo está se comunicando por carta com uma Igreja local composta
por gentios e judeus, a Igreja de Roma, não se sabe qual é a porcentagem
de um e do outro grupo, mas imagina-se que os judeus sejam minoria. Ele
tem a difícil missão de se fazer entender pelos dois blocos, judeus e gentios,
que mesmo sendo tão distintos nos costumes, professam a mesma Fé.
Gentios e judeus creram em Cristo e foram salvos por Ele, mas quantos
desses irmãos entendem sua própria Salvação e a dinâmica da nova família
de que fazem parte – o corpo de Cristo? Paulo vai ensiná-los acerca de
assuntos de vital importância para eles e para todos os demais crentes ao
longo da história desde então.

2 ISRAEL NO PASSADO - ELEIÇÃO

Nos capítulos nove a onze da epístola aos Romanos, Paulo traz à tona
a situação de Israel em três momentos: passado, presente e futuro. Ele se
diz profundamente entristecido com a situação de seus compatriotas

101
judeus. Eles foram escolhidos por Deus, mas o rejeitaram, ao não crer em
Seu Filho. Além da tristeza de ver os judeus se perdendo, é possível que
Paulo fosse questionado pelos gentios acerca da rejeição dos judeus a Jesus.
Por que não criam nEle se Ele era o Messias? (Marshall, 2007).
Paulo discorre sobre a Eleição (seleção, escolha = eklogí, no grego) de
Israel no passado. No capítulo nove, tanto no caso dos judeus como dos
gentios ele os trata no coletivo, e não como pessoas particularmente. Deus
elegera Israel com o propósito de, por meio da nação, introduzir o Redentor
na história e fazer cumprir seu Plano Redentivo. Paulo enumera as bençãos
dadas por Deus a Israel, por causa da Eleição: a adoção (IS 43.20,21); a
glória (Êx 24.16,17); as alianças (Êx 20.21,22; 2 Sm 7; etc.); a Lei; (Êx
19.5,6); as promessas ( Js 21.43; 23.14,15; 2 Cr 7.14; etc.) e os patriarcas (Êx
2.24; Dt 6.10; etc); a partir dos quais se traça a linhagem humana de Cristo,
que é Deus acima de tudo”. Eles, no entanto, não viram em Jesus, o
Messias, tampouco, o Deus de que Paulo fala.
Deus escolheu Israel e fez isso de acordo com sua vontade, mas ao
rejeitá-lo, Ele também os rejeitou. “Paulo sustenta que Deus tem o direito
de escolher ou rejeitar. [...] Os pecadores não têm o direito a quaisquer
méritos que Deus se veja forçado a reconhecer. Todavia, Deus não exerce
arbitrariamente suas prerrogativas” Gundry (1998). Deus não age por
impulsos caprichosos, mas em amor e em justiça, na realidade, os atributos
de Deus são perfeita e plenamente envolvidos em sua relação com a
humanidade e não há conflito entre eles.
Paulo se utiliza da fala do profeta Isaías para dizer que Deus não
rejeitou Israel completamente, Ele os poupou, embora pudesse tê-los
destruído por causa do pecado. Destarte, ainda que de um remanescente
apenas, haverá Salvação entre eles. O Senhor prometeu através dos
profetas, como Oseias, por exemplo, chamar também aqueles que
anteriormente não eram seu povo, os gentios (9.1-33).

3 ISRAEL NO PRESENTE – O PORQUÊ DA REJEIÇÃO

“A maioria dos judeus acreditava que o seu povo estava salvo como
um todo, ao contrário dos gentios. [...] A Salvação de Israel começou com
Deus escolhendo Abraão”, mas Paulo alerta que “etnia é base insuficiente
para a Salvação como também é ensinado no Antigo Testamento. [...] Deus
pode salvar em quaisquer condições que Ele deseje” (Keener, 2004). Paulo

102
mostra que a misericórdia (eleos, no grego = compaixão, piedade) de Deus
é um ato unilateral, pois como disse a Moisés: “terei misericórdia de quem
eu tiver misericórdia”, não havendo nisso, injustiça alguma, “porque seu
perdão não é dívida, mas Graça, que ele distribui a quem lhe apraz. E Graça
não pode ser cobrada, sequer sob o título de isonomia” (Rubem Amorese,
art.).
Os judeus tinham conhecimento das promessas de Deus em relação
aos gentios, eles as viam distribuídas por “todo” o Antigo Testamento, a
começar por aquelas contidas na Aliança com Abraão. Mas eles não se viam
atrelados a elas, ou seja, não imaginavam que Deus romperia a barreira entre
judeus e gentios e que faria dos dois povos, um em igualdade. A rejeição
dos judeus para com Deus, abre o caminho para os gentios, com a ruína
espiritual de Israel, Deus estende sua misericórdia a eles. Rubem Amorese,
em seu artigo “Carta de São Paulo aos Romanos”, diz:

O Apóstolo indica um possível propósito e uma possível razão de


haver Deus rejeitado a Israel e recebido os gentios: aqueles buscaram
a lei, e por ela foram condenados, porque se apoiaram apenas em
obras; estes, que não buscavam a justificação, acabaram por alcançá-
la, porque creram no Messias. Esse Messias acaba por se tornar na
pedra de tropeço para uns e salvação para outros.

“Todo aquele que invocar o nome do Senhor será salvo. Como, pois,
invocarão aquele em quem não creram? E como crerão naquele de quem
não ouviram falar? E como ouvirão, se não houver quem pregue? E como
pregarão, se não forem enviados? Como está escrito: Como são belos os
pés dos que anunciam boas novas! Consequentemente, a Fé vem por ouvir
a mensagem, e a mensagem é ouvida mediante a palavra de Cristo”. Paulo
lança a sentença: a mensagem foi transmitida em “alto e bom som”, Israel
a ouviu, mas não atendeu a ela (10.1-21).

4 ISRAEL NO FUTURO – O REMANESCENTE

Paulo alude ao profeta Elias para argumentar a favor da existência de


um “remanescente fiel” dentre o povo de Israel, para os quais Deus ainda
reserva promessas. Segundo Keener (2004), “nos profetas bíblicos, a volta
dos judeus aos caminhos de Deus coincidia com a restauração de Israel e o
fim dos tempos”. Quando Paulo fala que o remanescente será salvo, ele se

103
refere aos que creem no Messias, mas mais do que isso, ele se refere aos
judeus que creem (ou crerão) que Jesus é o Messias. Paulo defende que
Deus elegeu Israel, esta Eleição é pela Graça, Graça esta que incide também
sobre os gentios.
Para explicar a bondade e a severidade de Deus em relação aos judeus
e aos gentios na dinâmica da Eleição, ele faz a metáfora de duas árvores. A
primeira delas é uma oliveira, cuja raiz é santa e cujos ramos o serão, ela
representa Israel. A segunda árvore é a oliveira brava que representa os
gentios, cujos ramos foram cortados e enxertados na oliveira, no lugar dos
ramos que haviam sido cortados dela.
Do mesmo jeito que os judeus foram rejeitados por sua incredulidade,
poderão ser novamente enxertados se crerem. Da mesma forma, os gentios
foram enxertados, mas poderão ser rejeitados se não permanecerem na Fé.
Os judeus não devem se orgulhar, porque somente o remanescente (o que
resta) é que será salvo. Quanto aos gentios, Keener (2004), ressalta que “os
gentios cristãos têm que se lembrar de que estão enxertados em uma Fé
judaica, e [...] eles não só devem aceitar a história espiritual de Israel [...],
mas também os judeus como seus irmãos”. Assim sendo, nenhum dos dois
grupos deve gloriar-se porque no que concerne à Salvação, não há privilégio
dos judeus em relação aos gentios, nem dos gentios em relação aos judeus.
Paulo reconhece a sabedoria de Deus em todas as suas ações na história
e finaliza o capítulo onze com uma doxologia (elogio): “Porque Deus a
todos encerrou na desobediência, a fim de usar de misericórdia para com
todos. Ó profundidade da riqueza, tanto da sabedoria como do
conhecimento de Deus! Quão insondáveis são os seus juízos, e quão
inescrutáveis, os seus caminhos! Quem, pois, conheceu a mente do Senhor?
Ou quem foi o seu conselheiro? Ou quem primeiro deu a ele para que lhe
venha a ser restituído? Porque dele, e por meio dele, e para ele são todas as
coisas. A ele, pois, a glória eternamente. Amém! (11.1-36).

5 SACRIFÍCIO VIVO, SANTO E AGRADÁVEL

Nos primeiros oito capítulos da epístola aos Romanos, Paulo se dedica


ao ensino doutrinário, dos capítulos nove a onze ele fala sobre Israel e nos
capítulos de doze a quatorze ele assenta seus ensinamentos sobre a
espiritualidade e ética cristã. Se os cristãos estão realmente unidos a Cristo,
então devem viver da única maneira que os que estão em Cristo vivem. Ele

104
apresenta a linguagem sacrificial do Antigo Testamento para mostrar que
suas vidas devem ser integral e racionalmente entregues em adoração
contínua a Deus. Os salvos não vivem mais segundo os padrões do mundo,
antes, por terem recebido uma mente renovada, são transformados.
Ele retoma a metáfora do corpo para ensinar que a Igreja é uma
unidade, na qual servem-se uns aos outros em amor. Apesar de ser uma
unidade, a Igreja subsiste na diversidade, diferentes dons são concedidos
para a edificação e crescimento de todos. Todos os membros desse corpo
que é a Igreja, são importantes e as ações de cada um deles devem visar a
comunidade da Fé como um todo. Todos são igualmente responsáveis por
atuar segundo o dom recebido, “se o dom é servir, sirva; se é ensinar,
ensine...”.
Paulo estimula os irmãos à generosidade, à hospitalidade, à humildade,
à paz com todos, ao perdão e ao amor. Ele utiliza duas expressões gregas
para amor: storge e ágape (στοργή e αγάπη - 12.10). O primeiro termo trata-se
de um amor que agrada, é afetivo, talvez este seja o tipo mais elevado de
amor que os seres humanos podem manifestar, sem que haja uma atuação
direta do Espírito Santo sobre eles. O segundo é o termo pelo qual Deus é
definido por João, quando diz “Deus é amor... (3 Jo 4.16). Deus é amor, é
circundado pelo amor, e manifesta esse amor aos seres humanos. Paulo
espera que a Igreja seja praticante do amor mútuo, não apenas conforme as
suas próprias forças, mas pela ação do Espírito neles (12.1-21).

6 O CRISTÃO E O ESTADO

Os judeus haviam sido expulsos de Roma cerca de dez anos antes de


Paulo escrever a epístola aos Romanos, como já foi dito, supõe-se que, por
causa de agitações causadas por cristãos. Os judeus já haviam retornado à
cidade e juntos com os gentios, formavam a Igreja de Roma. O imperador
era Nero, que naquele momento ainda não perseguia os cristãos, mas o
clima local não era o mais favorável para os seguidores de Cristo. Sabe-se
que embora o Cristianismo ainda não fosse proibido no Império, havia
elementos da Fé cristã que não coadunavam com a lógica do Estado.
De acordo com Richards (2008), os cristãos se afastavam dos serviços
públicos, porque estes, de uma forma ou de outra, envolviam honrarias e
adoração aos deuses e ao imperador. “Pensadores pagãos” diziam que os

105
cristãos não compreendiam “seu dever cívico”. “A vida pública nas cidades
do Império Romano era pagã”. Paulo não sugere que os irmãos precisam
exercer cargos públicos ou participar de situações que os coloquem em
situação difícil, mas orienta que devem ser bons cidadãos. E como bons
cidadãos, pagar seus impostos, e obedecer às leis do Império e da cidade.
Paulo reconhece que a autoridade necessária para a constituição de um
governo que administre a sociedade, procede de Deus, porque autoridade
pressupõe poder, e o poder pertence a Deus (Sl 62.11; Jo 19.10,11). Então
ele diz que “não há autoridade que não venha de Deus”. Ele não quer dizer
com isso que, este, ou aquele governante foi escolhido por Deus, mas que
Deus estabeleceu um sistema matriz para a organização da sociedade, em
que sempre haverá a figura do líder e a dos liderados. A ideia não é a de
governos autoritários e opressores, mas a de líderes justos que atuem como
servos, ministros, a fim de que todos desfrutem da melhor maneira possível,
de tudo o que Ele disponibilizou na criação. A partir disso as sociedades
desenvolveram seu próprio jeito de se organizar e, em se tratando da
humanidade caída, as formas em que as sociedades se estruturaram ao longo
da história, foram diversas e, na maioria das vezes, injustas e cruéis.
Paulo adverte que os que se recusam a obedecer às autoridades
constituídas por Deus para o bem, “trazem condenação sobre si mesmos”.
Não condenação de Deus, naturalmente, mas das próprias autoridades,
como podemos inferir pelo contexto: “Pois os governantes não devem ser
temidos, a não ser pelos que praticam o mal” (13.2,3). Paulo não entrou em
pormenores sobre como a Igreja deve agir quando as autoridades agem com
injustiça, nem quando fazem exigências que entram em choque com a Fé
cristã, o que viria a acontecer alguns anos depois (13.1-7).

7 AMOR, RETIDÃO E VIGILÂNCIA

Para Paulo, o amor é determinante à vida cristã, e deve ser a força


motriz pela qual os salvos vivem, o meio com que interagem com todas as
pessoas. O amor ao próximo resume em si todos os mandamentos de Deus.
Ele os admoesta: Os salvos não são da noite, a noite já está acabando e logo
vem o dia, eles “devem se manter sempre prontos para a sua chegada. [...]
A imagem permite a Paulo condenar os tipos de pecados associados com a
noite e exigir que as pessoas se vistam com roupas apropriadas para o dia”
(13.8-14).

106
8 TOLERANDO OS CRENTES FRACOS

Paulo fala de dois tipos de crentes, o fraco e o forte. Ele ensina que os
irmãos não devem desprezar os fracos por não terem o mesmo modo de
pensar acerca dos costumes relacionados à alimentação, aos dias especiais,
etc. Numa Igreja mista como era a de Roma, não é de se admirar que
houvesse choque entre as culturas. Não se sabe quantas nacionalidades
havia ali, mas o fato de haver judeus, já anuncia certa dificuldade, visto
terem eles, costumes tão circunscritos.
Mesmo depois de crerem em Jesus, muitos dos judeus se mantinham
na observância do sábado, na seleção dos alimentos, dentre outras coisas.
Os judeus helenistas, por sua vez, vinham de um sistema religioso menos
rígido, sendo eles, alvo de críticas de seus compatriotas. Se entre os
próprios judeus podia haver divergência de opiniões, levando em conta que
entre os gentios haveria um mínimo de diversidade cultural, já pode-se
pensar em pelo menos três grupos diferentes, cada qual acreditando estar
com a razão em detrimento dos demais. Paulo diz: “nós, que somos fortes,
devemos suportar as fraquezas dos fracos, e não agradar a nós mesmos”.
Há quem acredite que Paulo estivesse sendo um pouco irônico ao dizer:
“nós que somos fortes”, como se quisesse dizer na realidade: os que se acham
fortes, suportem os fracos.
A liberdade cristã deve ser, portanto, mediada pelo amor, os cristãos
não podem fazer o que querem, sem se importar com o que sua atitude
resultará na vida de seus irmãos. “Pois o Reino de Deus não é comida nem
bebida, mas justiça, paz e alegria no Espírito Santo; aquele que assim serve
a Cristo é agradável a Deus e aprovado pelos homens”. Os membros do
corpo de Cristo devem “promover tudo quanto conduz à paz e à edificação
mútua”. Os costumes podem não ser pecaminosos, mas se a prática deles
fizer um irmão que seja, tropeçar, então aquele que praticou a ação, pecou.
Deste modo, no que diz respeito aos costumes, cada um deve manter suas
convicções entre si mesmo e Deus, agindo sempre pela Fé, porque o que
não é por Fé, é pecado. Os “fortes”, a exemplo de Cristo devem renunciar
a suas prerrogativas, se preciso for, a fim de garantir a edificação dos irmãos
mais fracos. (14.1-15.3).

107
9 CRISTO DOS JUDEUS E DOS GENTIOS

Paulo incentiva a Igreja à unidade, ainda que os cristãos sejam


respeitados em suas convicções, que podem ser, em certa medida, distintas.
A unidade em amor, deve levá-los a glorificar a Cristo juntos, à uma só voz.
“Portanto, aceitem-se uns aos outros, da mesma forma como Cristo os
aceitou, a fim de que vocês glorifiquem a Deus”. No capítulo quinze Paulo
destaca três tipos de ministérios, o primeiro ministério é o do Senhor. “Cristo
veio como servo dos judeus para confirmar as promessas de Deus a Abraão
e a seus outros antepassados, mas as promessas reservavam um lugar para
os gentios entre os adoradores de Deus” (Marshall, 2007).
Paulo se diz agraciado por ter sido escolhido para um ministério, O
serviço, no entanto, não é algo que Paulo faz. Antes, é Cristo quem opera
nele por meio do Espírito (Marshall, 2007). Ele é “ministro de Cristo Jesus
para os gentios, com o dever sacerdotal de proclamar o Evangelho de Deus,
para que os gentios se tornem uma oferta aceitável a Deus, santificados pelo
Espírito Santo”. Paulo acredita já ter cumprido a missão na Macedônia e
Acaia e se declara decidido a compartilhar o Evangelho, nos lugares onde
Cristo ainda não foi anunciado, esta é a razão de ele querer chegar à
Espanha.
O terceiro ministério de que Paulo fala é o dos gentios, na contribuição
financeira aos irmãos de Jerusalém. Conforme Keener (2004), os judeus do
Mediterrâneo, preservaram o costume de enviar o imposto anual do templo.
Dessa forma podiam ser solidários a Jerusalém e às terras vizinhas. “A
oferta do gentio cristão em favor de Jerusalém expressa solidariedade entre
o Cristianismo gentio e o judeu. Esse é um exemplo prático de reconciliação
racial, humilde, importante ao caso de Paulo em Romanos” (15.1-33).

10 SAUDAÇÕES FINAIS

Ao se despedir da Igreja de Roma, Paulo cita muitos nomes, são


pessoas pelas quais ele demonstra profunda gratidão. Destas, pelo menos
oito são mulheres, dentre as quais, ele destaca o trabalho de cinco, uma
delas é a emissária da carta, Febe. Pelos comentários a respeito delas, duas
coisas ficam nítidas. A primeira é que a Igreja deu continuidade ao que Jesus
tinha iniciado em seu ministério terreno, a valorização da presença e da

108
atuação das mulheres na comunidade da Fé; a segunda é que Paulo, não
apenas aceitava o ministério feminino, como o apoiava e valorizava muito.
A epístola é finalizada com a costumeira exaltação ao Senhor: “ao único
Deus sábio seja dada glória para todo o sempre, por meio de Jesus Cristo.
Amém” (16.1-27).

SÍNTESE DA AULA

• Nesta aula aprendemos que no contexto do Plano Redentivo Deus


elegeu Israel;
• Nesta aula aprendemos que apesar de eleitos, por não crerem em
Cristo, os judeus foram rejeitados por Deus;
• Nesta aula aprendemos que há um remanescente fiel dentre o povo
de Israel;
• Nesta aula aprendemos que Deus sempre planejou salvar os gentios
e com a rejeição de Israel, eles foram introduzidos em seu Projeto;
• Nesta aula aprendemos sobre como Deus deseja que os salvos
vivam.

109
UNIDADE VI: CARTAS DA PRISÃO

Nesta unidade iremos iniciar o estudo sobre as Igrejas alvo das


conhecidas “cartas da prisão”, e o contexto nas quais estão inseridas. Para
tanto, utilizaremos as duas aulas assinaladas abaixo:
AULA 11: EPÍSTOLA A FILEMON
AULA 12: EPÍSTOLA AOS EFÉSIOS

AULA 11: EPÍSTOLA A FILEMON

META

Refletir sobre o ensinamento de Paulo de que em Cristo “não há judeu


nem grego, escravo nem livre, homem nem mulher; pois todos são um em
Cristo Jesus”.

OBJETIVOS

• Inferir sobre a Providência divina para ida de Paulo à Roma;


• Observar a postura do “velho e preso” Paulo em relação às
necessidades dos irmãos;
• Identificar os princípios de perdão e igualdade na fala de Paulo.

PARA INÍCIO DE CONVERSA

1 APRESENTAÇÃO

Paulo desejava ir à Espanha evangelizar aqueles a quem o


Evangelho de Cristo não tinha sido anunciado. Durante a viagem
tencionava ficar algum tempo na cidade de Roma para conhecer os
irmãos da Igreja que havia ali. Não se sabe se o desejo de ir à Espanha
foi realizado, mas é certo que ele foi a Roma. Na cidade conheceu a
comunidade cristã local, para quem pôde ensinar a Palavra de Deus.

110
2 COMO PAULO CHEGOU A ROMA

O livro de Atos (20 a 28) registra o caminho de volta de Paulo, anos


após ter iniciado a terceira viagem missionária, que culminou na
realização do desejo de chegar a Roma, conforme relatou na epístola aos
Romanos. Paulo foi conduzido à cidade de maneira diferente daquela
planejada por ele, Lucas finaliza seu Livro com a descrição da estadia de
Paulo em Roma.
Paulo se reuniu com irmãos em Trôade, em Mileto, em Tiro, e
chegou em Jerusalém, quando esta terceira viagem missionária foi
abruptamente interrompida. Ele foi espancado pelos judeus e preso
injustamente, acusado de ensinar contra a Lei e o Templo, profanando -
o ao levar para o lugar santo, gregos. Quando as autoridades romanas
souberam que, por causa dos judeus tinham prendido um cidadão de
Roma, o apresentaram ao Sinédrio, a fim de que se defendesse dos
judeus, já que, como cidadão romano não poderiam, sem motivos, detê-
lo. Houve na reunião do Sinédrio grande confusão, e para não ser morto
por seus compatriotas, os soldados de Roma o prenderam novamente.
Enquanto estava preso houve uma conspiração de judeus para matá-lo,
mas o caso foi descoberto e os romanos o enviaram em segurança para
Cesareia, onde ficou detido por dois anos (56-58 d.C).
A cidade portuária de Cesareia ou, Cesareia Marítima, foi fundada
por volta do ano 10 a.C. por Herodes, o Grande. O nome da cidade foi
dado em homenagem ao César – Otávio (Augusto). Ela “ficava ao sul
do monte Carmelo, na tribo ocidental de Manassés”, e está localizada
entre as modernas, Haifa e Tel-Aviv. A cidade tornou-se “capital política
do Império Romano no Oriente Médio. A residência oficial do
procurador romano era em Cesareia”. Por Cesareia passava uma
importante estrada que saía do Egito e chegava a Sidom pela Costa.
Importantes exércitos, como o dos “egípcios, assírios, babilônicos e
siros”, a atravessaram muitas vezes (Tognini, 2009).
Em Cesareia, Paulo teve a oportunidade de defender a causa do
Evangelho que pregava, diante dos governadores Félix e Pórcio Festo;
e do rei Agripa, depois foi enviado a Roma. As circunstâncias que o
levaram até a cidade não foram as que ele esperava, mas o Senhor lhe
avisara que ele daria testemunho de sua Fé em Roma, quando ainda

111
estava em Jerusalém (At 23.11). No momento certo, ele tomou a decisão
que o possibilitou a viajar - apelou para César.
Como prisioneiro, Paulo seguiu para Roma, num navio de
Adramítio, “um Porto bem ao norte da praia ocidental da Ásia Menor,
não muito longe de Trôade” (Marshall, 1980). Ele estava acompanhado
por Lucas e Aristarco de Tessalônica. A viagem levou um tempo bem
maior que o esperado, porque enfrentaram mal tempo, e depois de
vagarem sem rumo por quatorze dias, naufragaram. Nenhum dos
viajantes perdeu a vida na viagem, pois conseguiram se refugiar na ilha
de Malta. Durante os dias em que estiveram em alto mar, bem como
durante sua estadia na ilha, Paulo deu testemunho de Cristo aos que o
cercavam. Depois de três meses em Malta, embarcaram num navio
alexandrino que tinha passado o inverno na ilha, e finalmente chegaram
em Roma. Paulo permaneceu em prisão domiciliar por dois anos (58-60
d.C), numa residência alugada por ele mesmo, onde teve total liberdade
para receber os irmãos e ensinar a Palavra de Deus.

3 AUTORIA, DATA E DESTINATÁRIO

A epístola a Filemon, composta por um capítulo e vinte e cinco


versículos, foi escrita por Paulo na companhia de Timóteo, por volta de
59/60 d.C., quando ele estava em prisão domiciliar na cidade de Roma.
A epístola aparece no cânon de Marcião e no Fragmento Muratoriano.
Ela teve a aceitação de Tertuliano e foi citada por Orígenes “como um
texto oficial”. Posteriormente, no século IV, “teve firmes defensores
como Jerônimo e Crisóstomo. A canonicidade da carta é
inquestionável” (Carson, 1997).
O destinatário em primeiro plano é Filemon, mas tanto Áfia,
Arquipo e a Igreja na qual estão envolvidos. Não há consenso, mas
muitos estudiosos defendem que Áfia e Arquipo seriam esposa e filho
de Filemon. A carta pode ter sido enviada junto com a epístola aos
Colossenses, porque Filemon e Onésimo moravam em Colossos. Além
do ponto de partida e de chegada das cartas, as duas estão muito ligadas,
porque há vários nomes citados na saudação final de uma, que se repete
na outra.

112
4 QUEM ERA FILEMON

Filemon é um crente da cidade de Colossos, uma pessoa de posses,


pois possuía ao menos um escravo, Onésimo. Ele e Paulo devem ter se
conhecido durante o tempo em que esteve em Éfeso, cidade próxima,
na Província da Ásia, pois, presume-se, Paulo nunca esteve em
Colossos, já muitos não o conheciam (Cl 2.1). De acordo com o
testemunho de Paulo, Filemon era um homem justo, companheiro e
amoroso, um verdadeiro cooperador na obra de Deus.

5 A EPÍSTOLA A FILEMON

Esta é uma carta pessoal, cujo tema é o “Perdão”. Tenney (2008),


vê contemplados nesta epístola “todos os elementos do perdão: a ofensa
(11,18) a intercessão (10,18,19) a substituição (18,19) a restauração (15)
e a elevação para novas relações (16). Cada aspecto do perdão divino do
pecado encontra eco no perdão que Paulo solicitou para Onésimo”.
Paulo inicia a epístola como o “já velho, prisioneiro de Cristo”, com esta
apresentação ele apela para a amizade e o bom senso de Filemon para
atender o seu pedido. Ele exalta e agradece a Deus pela vida de Filemon:
“Seu amor me tem dado grande alegria e consolação, [...] tem reanimado
o coração dos santos”.

6 OS ESCRAVOS DO IMPÉRIO

Conforme Gundry (1998), “na sociedade pagã as camadas sociais


eram vigorosamente delineadas. Os aristocráticos proprietários de
terras, os contratadores do governo e outros indivíduos viviam no
luxo”. Acredita-se que o número de escravos no Império Romano era
maior do que o de pessoas livres. Isso porque além daqueles que já
nasciam sob escravidão, o costume de escravizar criminosos “comuns”
(não passíveis de pena de morte); pessoas endividadas; e prisioneiros de
guerra, provocava ano a ano, o crescimento do contingente.

113
Desde o Egito antigo, passando pela Babilônia, Assíria, Grécia,
Roma, Índia, China e em parte da Europa medieval, as sociedades
escravagistas elaboraram arcabouços jurídicos para definir o
escravo como coisa. Apesar disso, a escravidão e a identidade do
escravo não podem ser definidas pelo aspecto meramente
jurídico. Os próprios sistemas legais que definiram o escravo
como coisa, como o sistema romano, admitiram a face humana
do escravo ao puni-lo por delitos e ao reconhecer um mínimo de
proteção contra o assassinato e danos corporais graves por parte
do poder arbitrário de seus senhores. Os juristas romanos,
portanto, reconheceram abertamente que o escravo era tanto
uma coisa quanto uma pessoa. Os gregos antigos foram os
primeiros a atribuir um conceito mais racional e jurídico à
escravidão, e em vez de usarem estigmas físicos e tatuagens,
definiram o escravo, ou doulos, com maior precisão legal. O doulo
pertenceria, desse modo, a um grupo à parte, e seria um “tipo de
propriedade com alma”. Os romanos seguiram a mesma trilha
(Silva e Silva).

Os gregos e romanos da alta sociedade achavam indignas dos


“nobres” as atividades manuais, os escravos eram os responsáveis por
exercer as mais variadas funções, algumas extremamente humilhantes.
Mas o trabalho braçal não era a única modalidade de atividades exercidas
por eles. Os escravos podiam ser vistos atuando em tantas outras áreas.
“Muitos desses escravos - médicos, contadores, professores, filósofos,
gerentes, balconistas, escriturários - eram mais aptos e mais bem
educados que seus senhores” (Gundry,1998).
A escravidão era vista pela maioria das pessoas da elite, como uma
necessidade da qual não abriam mão. Além dos benefícios dos serviços
prestados, a posse de um grande número de escravos era um indicador
de prosperidade. Muitos escravos compravam a liberdade, outros a
ganhavam por ter a afeição de seus senhores, ou ainda pela prestação de
algum serviço especial, etc. Alguns alforriados ao alcançarem certa
estabilidade econômica, na tentativa de soerguimento do status social,
compravam para si, escravos.

114
7 IGUALDADE NO CORPO DE CRISTO

Os pagãos não eram os únicos escravistas, muitos cristãos possuíam


escravos, e Filemon era um deles. Paulo está escrevendo para esse
amigo-irmão que pode ter conhecido durante o tempo em que esteve
em Éfeso que, imagina-se, nunca esteve em Colossos (Cl 2.1). Seu
propósito é interceder por Onésimo, o escravo de Filemon que fugiu
para Roma, provavelmente levando algum bem de seu senhor, já que
Paulo se dispõe a pagar possíveis dívidas. Ele não deseja forçar o irmão
a nada, mas espera poder contar o amor, bondade e perdão de Filemon
em relação a Onésimo, que chama de filho na Fé.
Não se sabe como Onésimo e Paulo se conheceram, o que é certo
é que Paulo era vigiado em casa por um guarda, ele podia receber visitas,
mas não tinha liberdade de sair. Então é possível que Onésimo tenho
ido à casa, talvez na companhia de um amigo. Conjecturas à parte, o que
importa é saber que Onésimo em algum momento entregou sua vida a
Cristo e se tornou uma pessoa de grande utilidade no trabalho
missionário. Paulo faz um trocadilho com o nome de Onésimo, cujo
significado é “útil”, dizendo que no passado ele fora inútil à Filemon,
mas que no momento se mostrava era muito útil para os dois.
Ele manda Onésimo até Filemon com esta carta, esperando que
o escravo seja perdoado, e que possa voltar para ajudá-lo na obra
missionária enquanto estiver preso. Para Paulo, o tempo que Onésimo
esteve e ainda poderá ficar longe da casa de Filemon, não deve ser
considerado um prejuízo, porque agora, salvo em Cristo, ao retornar
definitivamente, não será mais um motivo de preocupação ou
desconfiança, já que se tornou servo de Cristo. Como servo de Cristo,
o escravo não é diferente de seu dono, a distinção entre as classes sociais
já não importam, sendo os dois salvos, tornam-se irmãos. Em Cristo
todos são servos de Cristo e uns dos outros, para Filemon o que antes
era perda, tornou-se em benesse.
Paulo sabia do risco que havia de Onésimo receber o castigo
previsto na legislação, que na época ia do espancamento, tortura e nos
casos em que a desobediência do escravo implicasse em maiores
“danos” aos seus senhores, até a crucificação. Paulo prefere crer que
Filemon é o cristão que demostra ser e, embora não diga com todas as
letras (até porque não pode exigir que o sistema vigente seja revogado),

115
parece sugerir a Filemon a libertação de Onésimo quando diz: “Para
mim ele é um irmão muito amado, e ainda mais para você, tanto como
pessoa quanto como cristão” (v.16 itálico nosso). Paulo não o aconselha a
receber o escravo como escravo, a utilidade de Onésimo não parece
mais assentada nos serviços anteriores, mas no serviço a Cristo.

8 SAUDAÇÕES FINAIS

Paulo comunica seu desejo de visitar Filemon depois que for liberto
da prisão. “Escrevo esta carta certo de que você fará o que lhe peço, e
até mais. Por favor, prepare um quarto para mim, pois espero que as
orações de vocês sejam respondidas e eu possa voltar a visitá-los em
breve”. Com a carta endereçada a Filemon, Onésimo segue viagem para
Colossos acompanhado por Tíquico. “Que a graça de nosso Senhor
Jesus Cristo esteja com o espírito de vocês”.

SÍNTESE DA AULA

• Nessa aula aprendemos, a partir de uma visão panorâmica sobre


o funcionamento do escravismo no Império Romano;
• Nessa aula aprendemos que em Cristo não há divisão de classes,
todos são iguais;
• Nessa aula aprendemos que independente das circunstâncias,
todas as ações dos cristãos devem ser mediadas pelo amor;
• Nessa aula aprendemos que os salvos devem, não apenas
perdoar, mas sempre que necessário, estimular outros a perdoar.

116
AULA 12: EPÍSTOLA AOS EFÉSIOS

META

Refletir sobre o papel de cada membro da Igreja - local e


universalmente - como corpo do qual Cristo é cabeça.

OBJETIVOS

• Conhecer o mistério de Deus;


• Conhecer o mistério de Cristo;
• Identificar na Unidade em amor, o fator determinante para a Igreja.

PARA INÍCIO DE CONVERSA

1 APRESENTAÇÃO

Em sua segunda viagem missionária Paulo planejava compartilhar o


Evangelho na Província da Ásia. Mas foi impedido pelo Espírito Santo de
entrar na região. Somente na terceira viagem é que ele finalmente pôde
empreender um trabalho ali, mais especificamente na cidade de Éfeso. Ele
passou três anos naquela cidade ensinando a Palavra de Deus e houve
muitas conversões. Lucas diz que “todos os judeus e os gregos que viviam
na Província da Ásia ouviram a palavra do Senhor” (At 19.10), mas
referindo-se muito provavelmente à Ásia Proconsular, a região das “sete
igrejas”, e “não ao continente asiático com o uso do termo “Ásia”, nem a
uma de suas imensas regiões, nem mesmo à Anatólia” (Tognini, 2009).
A missão de Paulo em Éfeso foi muito bem-sucedida, mas ele foi
perseguido pelos judaizantes e precisou sair da cidade. No caminho de volta
para Jerusalém, ele se reuniu com os obreiros de Éfeso em Mileto e lhes
abriu o coração, lembrando-os de como fora seu procedimento entre eles,
sempre visando o crescimento espiritual dos irmãos, nunca buscando seus
próprios interesses. Eles se despediram com muita tristeza ao saberem que
não voltariam a se encontrar.

117
2 AUTORIA, DATA E DESTINATÁRIO

A epístola aos Efésios foi escrita por volta de 59/60 d.C., seu autor é
Paulo, como aparece logo nos primeiros versículos. Ela é uma das quatro
“cartas da prisão” e teve Tíquico como emissário. Nos textos mais antigos,
não aparece o nome do destinatário, por conta disso acredita-se, dentre
outras coisas, que foi escrita não apenas para uma Igreja local, mas para
várias Igrejas da Província da Ásia, sendo, portanto, uma carta circular, e
que ao longo dos anos acabou se tornando uma tradição atribuir seu destino
aos irmãos de Éfeso. Segundo Carson (1997), embora tenha havido
disputas sobre a quem a carta era destinada, “não há registros de ninguém
na Igreja Primitiva que tenha questionado a canonicidade de Efésios”. A
epístola foi citada por Policarpo, Clemente I, Inácio e outros. Ela aparece
no cânon de Marcião e no cânon Muratoriano.

3 QUEM ERAM OS EFÉSIOS

Os Efésios eram os habitantes da cidade de Éfeso, capital da Província


Romana da Ásia, no território que corresponde à atual Turquia. A cidade
ficava na foz do Rio Caister, na costa do Mar Egeu. No século II a.C., foi
tomada pelos romanos, vindo a se tornar ao longo dos anos, o centro
administrativo e religioso da Ásia. “Em 41 d.C. Cláudio converteu-a no
grande centro político” (Tognini, 2009). Éfeso tinha um Porto Marítimo
que possibilitava o fluxo de comércio, também havia uma rota por terra, na
qual circulavam caravanas para o oriente. “De Éfeso partiam estradas que
estabeleciam comunicação com todas as outras grandes cidades daquela
Província e com as correntes de comércio que se iam ligar ao norte e ao
oriente”. Éfeso era uma cidade livre e dispunha de uma assembleia popular
que quando “legalmente convocada”, deliberava sobre os assuntos
pertinentes à comunidade (Tenney, 2008).
A cidade era politeísta como o era o mundo greco-romano, lá havia um
templo dedicado à Ártemis, deusa grega, Diana para os romanos. A
construção do primeiro templo fora concluída no século IV a.C., mas
depois de destruído em 365 a.C., foi reconstruído com maior grandiosidade,
a partir de recursos doados pela população da Ásia. O templo veio a ser
uma das sete maravilhas do Mundo Antigo, e um centro de peregrinações
e adoração. Além disso, “por serem seus átrios e terrenos considerados

118
sagrados e invioláveis, se tornou um asilo para os oprimidos e um depósito
de fundos” (Tenney, 2008). No capítulo dezenove de Atos, vê-se grande
confusão causada pelos artífices que produziam e vendiam ídolos da deusa.
A pregação de Paulo resultava em muitas conversões e, com isso a
venda dos ídolos caíam deixando os trabalhadores no prejuízo. Além da
adoração à Diana e a tantas outras divindades quantas os Efésios achassem
necessárias, o ocultismo era muito presente na cidade, como se pode
perceber na atuação dos filhos de “Ceva”, judeu principal entre os
sacerdotes. Esses sete homens tentaram expulsar demônios usando o nome
de Jesus, mas por não serem de Cristo, não tiveram autoridade de Cristo
para fazê-lo. O grande número de livros de magia queimados após as
conversões, também reflete o apego daquela comunidade às religiões de
mistério.
Ao chegar na cidade Paulo encontrou um bom número de seguidores
dos ensinamentos de João Batista, dentre eles, Apolo, que foi
posteriormente mais bem instruído por Áquila e Priscila. Ele experimentou
um crescimento que o levou a seguir servindo a Cristo na defesa do
Evangelho. Os “discípulos de João” tinham pouco conhecimento acerca de
Cristo e nada sabiam sobre o Espírito Santo. Então Paulo os orienta que
para viver a vida de Cristo é preciso ser cheio do Espírito Santo.

4 EPÍSTOLA AOS EFÉSIOS

Diferentemente do que aconteceu com outras epístolas, esta não parece


ser uma carta-resposta a questionamentos da Igreja, ou um meio de corrigir
graves problemas locais, ainda assim se levarmos em conta a possibilidade
de ela ter sido enviada a um grupo de Igrejas e não apenas à Igreja de Éfeso,
seria natural haver no conjunto, problemas e questionamentos a serem
atendidos. Se for esse o caso, pelo conteúdo da epístola, muitas demandas
podem ter sido resolvidas.
A epístola aos Efésios tem como tema principal, a “Igreja como Corpo
de Cristo”. Gundry (1998), a divide assim: a) capítulos um a três – doutrina
acerca dos privilégios espirituais da Igreja; b) capítulos quatro a seis –
exortação sobre as responsabilidades espirituais dos crentes. Quanto ao
estilo, segundo Marshall (2007), “o estilo de Efésios é muito mais o da
oração e meditação. O resultado é um dos documentos mais teológicos do
Novo Testamento”.

119
5 ELEITOS PARA A ADOÇÃO

Paulo se apresenta como “apóstolo de Jesus Cristo pela vontade de


Deus aos santos e fiéis”. Ele expressa sua gratidão pelo Deus fez e fará por
seu povo. Paulo ressalta o ensino cristalizado no Mundo Antigo sobre a
existência de regiões celestiais onde habitam seres espirituais, dizendo que
foi nos lugares celestiais, que Deus abençoou seu povo, com toda sorte de
benção espirituais em Cristo. E lhes apresenta o ensino sobre a benção da
Eleição e Predestinação para a adoção por meio de Cristo e em Cristo. De
acordo com Paulo, Deus escolheu (elegeu) seu povo para um fim específico
(predestinou) – a adoção como filhos. Ele realizou seu propósito por
intermédio de Cristo em sua morte, na qual o sangue derramado na cruz
proveu Redenção aos que creem. “Redenção é resgate, libertação.
Livramento proporcionado por Cristo ao oferecer-se para morrer” no lugar
do pecador. “Com sua morte vicária” Cristo liberta os pecadores que nEle
creem (Andrade, 1996 - 1. 1-3).
Na Aliança com Abraão Deus elegeu Israel e o adotou como filho,
apesar disso, Israel o rejeitou. “Uma das razões pelas quais Deus escolheu
Israel era para que o seu povo desse glória a Ele [...]. Era tão importante
revelar a sua glória que até mesmo os seus atos de julgamento deveriam ser
para levar as pessoas a Ele”. Os gentios também seriam contemplados na
Aliança, pois Deus prometeu a Abraão que nele seriam benditas, ou
abençoadas todas as famílias da terra, a promessa era para ele e à sua
descendência - Cristo (Gn12; 17; Gl 3.16). Paulo ensina que é “por meio de
Cristo que a pessoa se torna membro da Aliança” (Keener, 2004). Em
Cristo Deus faz convergir “todas as coisas, celestiais ou terrenas, na
dispensação da plenitude dos tempos”. Este é o mistério de Deus – o mistério
de Deus é Cristo. Todos os que estão em Cristo, tanto judeus como gentios
são, portanto, herdeiros da promessa e vivem para o louvor da glória de
Deus (1.4-12).

6 ELEIÇÃO E PREDESTINAÇÃO

De acordo com Andrade (1996), “Eleição é a escolha de Deus,


subentende-se que a pessoa, mediante o sacrifício de Cristo, já atendeu a
todos os requisitos exigidos pela justiça de Deus quanto ao perdão dos
pecados”. Predestinação por sua vez, é a finalidade para a qual as pessoas

120
são eleitas, “a decisão antecipada por parte de Deus, do destino humano”.
Para J.D., Bruce e Shedd (2006), a Eleição é graciosa, soberana e eterna,
uma escolha de pecadores para que sejam salvos em e por meio de Cristo,
assegura ao crente sua segurança eterna e remove toda base para temor e
desânimo e impulsiona o crente a um esforço ético”. Por se tratar de um
assunto até certo ponto, complexo, e tão debatido na Igreja desde os
primeiros séculos da Reforma Protestante, faremos breves considerações
sobre duas importantes interpretações acerca da Eleição e Predestinação,
apresentadas na epístola aos Efésios.
A - O Calvinismo é a linha teológica fundamentada na interpretação de
João Calvino (1509-1564), teólogo e reformador francês. Para os calvinistas
Deus elegeu pessoas e as predestinou à Salvação. A Salvação é unilateral
porque depende exclusivamente da vontade de Deus. A Fé é, por
conseguinte, tanto consequência como evidência da Eleição. Dentre os
calvinistas há duas interpretações sobre os não salvos. A primeira se explica
no conceito de reprovação - Deus escolhe alguns para a salvação e outros
para a perdição. A segunda defende que Deus elege os que deseja salvar,
quanto aos demais, lhes permite continuar em suas vidas de pecado, sendo
por consequência, condenados. No ano de 1618, no Concílio Ecumênico
Protestante conhecido como: Sínodo de Dort, na Holanda, Calvino
apresentou o que é conhecido como os “cinco pontos do Calvinismo”. São
eles:
1. Depravação Total - O ser humano nasce na condição de pecador,
por seu estado de total corrupção, não pode aceder à mensagem do
Evangelho, a menos que haja uma intervenção do Espírito Santo
(Jo 6.44; Rm 3. 2-23; 2Co 4.3,4; Ef 2. 1-3).
2. Eleição Incondicional – Deus, baseado tão somente em sua
soberania elege os que planeja salvar (Ef 1. 4, 5; Jo 6.37 /15.16; Rm
9. 15, 16).
3. Expiação limitada – a morte de Cristo foi exclusiva à Salvação dos
eleitos, que a seu tempo são libertos e efetivamente salvos.
4. Graça Irresistível – os eleitos, são chamados a arrepender-se de
forma especial e irresistível.
5. Perseverança dos Santos - Os eleitos sendo salvos, permanecem
salvos. Aqueles que porventura abandonam a Fé, assim o fazem
pelo fato de nunca terem sido realmente salvos.

121
B. O Arminianismo é a linha teológica originada na interpretação de
Jacobus Arminius (1560-1609). Ela foi exposta a partir do que ficou
conhecido como os “cinco pontos da Remonstrância”. Os arminianos
creem que Deus elegeu (escolheu) e predestinou (destinou com
antecedência) à Salvação aqueles que sabia por sua presciência que iriam
crer. Para os arminianos a Salvação é bilateral, porque depende tanto de
Deus como dos seres humanos. Vejamos abaixo os “cinco pontos da
Remonstrância”:
1. Os pecadores não foram completamente degenerados, por isso
podem, mesmo sem uma chamada especial, crer no Evangelho.
2. A eleição é baseada na presciência e não na soberania de Deus (Rm
8.29; 1Pe 1.1-12).
3. A expiação de Cristo concede a oportunidade de Salvação a todos.
Segundo a interpretação Wesley-arminiana, Deus provê uma graça
preveniente a todos e, porque existe alguma bondade nos seres
humanos, que se impõe contra o efeito do pecado, logo, todos são
capazes de “aceitar a oferta da Salvação” (2 Pe 3.9 1; Tm 2.3,4; Ez
33.11; At 17.30,31; Mt 11.28 Is 55.1).
4. Os seres humanos estão de posse do arbítrio, por isso são
perfeitamente capazes de rejeitar a Salvação, independente do
chamado divino.
5. Os seres humanos, mesmo depois de salvos, podem resistir ao
Espírito Santo e negar a Fé e perder a Salvação.

7 SELADOS PELO ESPÍRITO

Paulo reconhece que os judeus são os primeiros a crer em Cristo, mas


não são os únicos. Os gentios receberam a Cristo num segundo momento,
já que o Evangelho foi primeiramente apresentado aos judeus, mas eles não
estão em desvantagem, porque ao crerem, foram redimidos (resgatados,
libertos) pelo seu sangue, e selados em Cristo pelo Espírito Santo da
promessa. Paulo usa a figura do selo, tão comum do Mundo Antigo como
instrumento de autenticação de propriedade de bens, para ensinar que os
salvos não aguardam em vão, eles foram marcados, selados como
propriedade de Cristo, e este selo, que é o Espírito Santo habitando neles,
é a (nossa – judeus e gentios 1.14) herança dos salvos de que serão plenamente
resgatados (redimidos) para o louvor de sua glória (1.13, 14).

122
8 AÇÕES DE GRAÇAS

Paulo se diz grato pela vida dos irmãos, pois tanto a Fé como o amor
deles pelos santos é conhecida. Ele ora “pela sabedoria espiritual e
entendimento para que cresçam no conhecimento” de Cristo, e que lhes
sejam abertos os olhos espirituais para ver tudo o que Jesus está fazendo e
irá fazer neles e por eles. E conheçam o poder de Deus que é “o mesmo
que ressuscitou Cristo dos mortos” e o colocou em posição preeminente
nos “lugares celestiais acima de todo governo, autoridade e domínio, nesta
era e na que há de vir”, encerrando todas as coisas debaixo de seus pés.
Cristo é cabeça (governo) de todas as coisas, para o bem da Igreja. A fala
de Paulo dá esperança para os Efésios que vivem num ambiente
espiritualmente hostil e lhes fortalece a Fé para vencer o mal, Se Cristo é a
cabeça, a Igreja é o corpo por meio do qual Ele age (1.15-23).

9 A IGREJA – O CORPO DE CRISTO

Paulo usa os pronomes “vocês” (vós) e “nós” para mostrar que todos,
judeus e gentios estavam mortos em ofensas e pecados, vivendo segundo
as inclinações da natureza humana em obediência ao “príncipe do poder do
ar, o espírito que agora está atuando nos que vivem na desobediência”.
Keener (2004), lembra que a maioria do povo judeu acreditava que Satanás
[...] governava o mundo inteiro exceto Israel”, mas Paulo inclui a todos,
judeus e gentios, como filhos da ira. Mas os que outrora estavam mortos,
ao crerem desfrutaram da misericórdia de Deus. Muitos judeus ainda
guardavam na lembrança as denúncias do Antigo Testamento acerca do
relacionamento com os gentios. Mas o que Deus condenava não era os
gentios, por questões étnicas, mas por sua espiritualidade pagã. Porque a
Salvação é pela Graça por meio da Fé, não sendo exigido dos pecadores
mérito algum, no momento em que eles criam no Senhor e passavam a fazer
parte da Igreja, entre judeus e gentios já não havia mais separação. Por
intermédio da cruz, com seu sangue Cristo reconciliou judeus e gentios em
um só corpo lhes dando acesso ao Pai. Aqueles que anteriormente eram
“forasteiros” se tornaram “concidadãos” dos santos e membros da família
de Deus. Cristo, de ambos os povos (judeus e gentios) fez um, a Igreja
(2.1.22).

123
10 O MISTÉRIO DE CRISTO

Paulo uso o termo mistério diz que o mistério de Deus é Cristo (1.10),
e apresenta o mistério de Cristo que esteve oculto aos seus antepassados,
“mas agora foi revelado pelo Espírito aos santos apóstolos e profetas de
Deus, significando que, mediante o Evangelho, os gentios são co-herdeiros
com Israel, membros do mesmo corpo, e co-participantes da promessa em
Cristo Jesus” – o mistério de Cristo é a Igreja. Embora Paulo acredite ser
comissionado para comunicar o mistério de Deus entre gentios, de modo que
eles venham a fazer parte do corpo de Cristo, que é a Igreja, ele entende
que os santos apóstolos e profetas de Deus também o são.
A Igreja se torna a manifestação da multiforme sabedoria de Deus,
diante dos poderes e autoridades nas regiões celestiais” cumprindo assim,
um dos propósitos de Deus, outrora exclusivo de Israel – dar glória a Deus.
Paulo se posiciona como ministro de Cristo junto aos irmão, intercedendo
por eles. Ele sabe que o fato de estar preso por causa do Evangelho, pode
deixá-los tristes e desanimados, ele espera que “estando arraigados e
alicerçados em amor”, em unidade, venham a “compreender a largura, o
comprimento, a altura e a profundidade, e conhecer o amor de Cristo que
excede todo conhecimento”, enchendo-os de toda a plenitude de Deus.
(3.1-21).

11 UNIDADE DO CORPO DE CRISTO

A Igreja é um só corpo, mas possui membros diversos e


interdependentes. Paulo vê nela uma vocação, um chamado para a unidade,
este deve ser o paradigma da Igreja. A unidade, porém, não é apenas de
sentido, mas prática, os membros do corpo de Cristo atuam juntos pelo
bem comum. Para que isso aconteça eles são equipados com dons, mas os
dons são pessoas que “receberam a graça [...] como sendo em si mesmas
dons de Deus para a Igreja” (Marshall, 2007). Paulo enumera os chamados
dons ministeriais dados para a edificação dos santos. Vejamos abaixo uma
síntese das definições de Keener (2004), Marshall (2007) e Tenney (2008):
1. Apóstolo - O apóstolo (missionário) e não o apostolado é um dom
dado a Igreja, ele é aquele que é enviado e autorizado a cumprir uma
missão, a de propagar o evangelho.

124
2. Profeta - O profeta é o porta-voz de Deus, no Novo Testamento,
é aquele que recebe a mensagem através da Palavra escrita e a
transmite ao povo de Deus, para edificação, encorajamento e
consolação (1 Co 14.3).
3. Evangelistas – Os evangelistas participavam da expansão
missionária os evangelistas parecem ter sido pouco diferentes dos
apóstolos. Eles eram vistos como precursores, mensageiros.
4. Pastores e Mestres - Os mestres são chamados pastores um termo
que sugere cuidados gerais de uma congregação local, bem como
instrução. Eles compartilham um foco comum e um fundamento
de autoridade como portadores da mensagem de Cristo.

Essas pessoas dons têm uma tarefa importante no corpo de Cristo,


“edificar os santos para a obra do ministério”. Na atuação desses dons,
todos são edificados e se tornam aptos a servir a Deus e aos irmãos para
que todos se tornem parecidos com Cristo, “até que todos alcancemos a
unidade da fé e do conhecimento do Filho de Deus, e cheguemos à
maturidade, atingindo a medida da plenitude de Cristo [...] seguindo a
verdade em amor, cresçamos em tudo naquele que é a cabeça, Cristo. Dele
todo o corpo, ajustado e unido pelo auxílio de todas as juntas, cresce e
edifica-se a si mesmo em amor, na medida em que cada parte realiza a sua
função” (4.1-16).

12 VIVENDO COMO CRISTÃOS

A Igreja é orientada a não vivam mais como os gentios, nesse caso ele
está se referindo ao estilo de vida pagão, dissociado dos ensinos de Cristo.
Para os gentios que anteriormente estiveram acostumados à praticas
pecaminosas, Paulo enumera algumas dentre elas, a imoralidade sexual que
muitas vezes estava associada aos cultos pagãos. Logo, era necessário, que
abandonassem completamente qualquer resquício delas e adotassem uma
nova maneira de viver. Despindo-se da velha natureza e revestindo-se de
uma nova natureza, que Paulo chama de “velho e novo homem”. Para que
porventura não venham a entristecer a pessoa do Espírito Santo.
Paulo argumenta que os cristãos precisam ser mutuamente bondosos,
compassivos e perdoadores, da mesma forma que foram perdoados por
Cristo, devem também perdoar. Para aqueles que vivem uma nova vida não

125
há condenação, porque “a ira de Deus vem sobre os filhos da
desobediência”, como filhos da luz devem manifestar os frutos da luz:
bondade, justiça e verdade. Paulo ainda os estimula ao discernimento
daquilo que agrada a Deus. Paulo diz qual é o caminho para que os crentes
possam se manter em obediência: encher-se do Espírito (4.17-5.20).

13 SUJEIÇÃO E AMOR

Paulo introduz uma sentença: “sujeitai-vos uns aos outros”. E em


seguida convoca a sujeição das esposas aos maridos, o amor dos maridos às
esposas; a obediência dos filhos aos pais, e a tolerância dos pais aos filhos
de modo a não os irritar; a obediência voluntária dos escravos a seus
senhores, e o tratamento justo dos senhores aos escravos, porque para Deus
são todos de igual importância, Ele não faz acepção de pessoas. Paulo parte
das estruturas sociais existentes na época para mostrar que no contexto da
Igreja, embora as pessoas não estejam sob um rígido sistema de Leis, Deus
espera que elas excedam em amor, aos costumes e todo o tipo de Lei
estabelecida, seja a do Estado, ou aquela a que judeus estiveram submetidos
por séculos - a mosaica. Os cristãos estão debaixo de uma Lei primordial, a
Lei do amor. Paulo “fala diretamente às pessoas e a convoca a viverem uma
vida de amor dentro das estruturas da sociedade” (Richards, 2008).

Embora fosse assumido que os maridos deveriam amar suas


esposas, os códigos antigos de família nunca listaram o amor como
sendo tarefa do marido. Tais códigos diziam aos maridos apenas
para fazerem suas esposas se submeterem. Embora Paulo defenda o
ideal antigo de submissão da esposa para a sua cultura, ele o qualifica
colocando-o no contexto de submissão mútua: os maridos devem
amar suas esposas como Cristo amou a Igreja dando sua vida por
elas. Ao mesmo tempo em que ele relaciona o Cristianismo com os
padrões da cultura, ele subverte os valores dessa cultura indo mais
além deles. Os maridos e esposas devem ambos submeterem-se e
amarem-se” (Keener, 2004).

O modelo de casamento que Paulo apresenta contrasta com o que se


vê na sociedade do primeiro século. Ele usa duas analogias para demonstrar
a relação entre os cônjuges – a interrelação de Cristo e a Noiva (Igreja), e a

126
interrelação de Cristo e seu corpo (Igreja). Paulo diz: “Este é um mistério
profundo; refiro-me, porém, a Cristo e à igreja”. Segundo Richards, 2008:
Nas cartas de Paulo, um mysterion é a revelação atual de uma verdade
não revelada no Antigo Testamento. O seu uso aqui é inesperado, até que
percebamos que o ensino de Paulo sobre o relacionamento entre marido e
esposa é verdadeiramente uma exposição surpreendente e inesperada da
verdadeira natureza do objetivo de Deus no casamento. Em Gênesis 2.24,
a que Paulo faz referência, está a fundação da união matrimonial. Mas as
implicações dessa união somente ficaram claras quando Cristo apareceu e
modelou o casamento para nós em seu relacionamento com a sua noiva.
As relações paterno-filiais também são alvos do ensino de Paulo,
enquanto no mundo romano a figura do pai era soberana, os filhos lhes
deviam obediência, seus sentimentos nunca eram considerados. Na Igreja
ambos são estimulados a agir em amor. Da mesma maneira no
relacionamento senhorio-servidão, em que os escravos eram propriedade e
tinham poucos direitos na sociedade, enquanto os senhores tinham plenos
poderes sobre eles, dependendo das circunstâncias, até de vida e morte.
Paulo indica o amor mútuo como princípio regulador (5.1-6-9).

14 ARMADURA DE DEUS

Paulo convida a todos os seus destinatários a se posicionarem diante


de uma luta, que não é carnal (entre pessoas), mas espiritual, “contra os
poderes e autoridades, contra os dominadores deste mundo de trevas,
contra as forças espirituais do mal nas regiões celestiais”. Para vencer esses
poderes a Igreja precisa estar municiada de armas de defesa e de ataque. “O
soldado retratado em Efésios 6.11-17 é uma pessoa em armadura completa
(panoplia), usando um cinto ou cinta, um peitoral ou couraça de escama,
sapatos ou sandálias, um capacete, e empunhando uma espada e um
escudo” (Tenney, 2008). Para seus leitores não era difícil visualizar a
imagem do guerreiro cristão, por causa dos destacamentos militares do
Império. A Igreja deve estar pronta, não para se ocupar, ora da defesa, ora
do ataque, mas para operar de ambas as formas simultaneamente. Ele
acrescenta a oração como fator importante à Igreja, se esta parte estiver
incluída na “armadura de Deus”, pode fazer alusão à dinâmica militar,
Keener (2004) explique que: “um soldado romano por si só é vulnerável,

127
mas, com um exército unido, uma legião romana era virtualmente
invencível” (6.10-18).

15 SAUDACÕES FINAIS

Paulo se despede dos irmãos reforçando sua situação atual, ele está
preso, porém não deixou de ser um embaixador do mistério do Evangelho.
Ele os avisa de que Tíquico, o emissário da carta, os colocará a par de tudo
o que ele está vivendo e fazendo. “Paz seja com os irmãos, e amor com fé
da parte de Deus Pai e do Senhor Jesus Cristo. A graça seja com todos os
que amam a nosso Senhor Jesus Cristo com amor incorruptível” (6.19-24).

SÍNTESE DA AULA

• Nesta aula aprendemos os conceitos de Eleição e Predestinação.


• Nesta aula aprendemos que é a Igreja é o corpo de Cristo.
• Nesta aula aprendemos que a Igreja carrega em si o princípio da
sujeição mútua cuja força motriz é o amor.
• Nesta aula aprendemos que os salvos estão numa batalha espiritual
que só poderão vencer com as armas que Deus dá.

128
MÓDULO IV: CARTAS DA PRISÃO

129
UNIDADE VII: CARTAS DA PRISÃO

Nesta unidade daremos continuidade ao estudo sobre as Igrejas alvo


das conhecidas “cartas da prisão”, e o contexto nas quais estão inseridas.
Para tanto, utilizaremos as duas aulas assinaladas abaixo:
AULA 13: EPÍSTOLA AOS COLOSSENSES
AULA 14: EPÍSTOLA AOS FILIPENSES

AULA 13: EPÍSTOLA AOS COLOSSENSES

META

Refletir sobre a supremacia de Cristo em relação a tudo e a todos, sejam


os seres humanos ou os seres espirituais.

OBJETIVOS

• Conhecer os argumentos paulinos acerca da preeminência e


divindade de Cristo;
• Identificar o ministério para o qual Paulo foi comissionado;
• Observar a maneira com que Paulo ministra na defesa da verdade
do Evangelho de Cristo.

PARA INÍCIO DE CONVERSA

1 APRESENTAÇÃO

Na primeira tentativa de Paulo de entrar na Província da Ásia, por


ocasião da segunda viagem missionária, o Espírito Santo o impediu.
Somente na terceira viagem é que o seu propósito se concretizou. Ele ficou
três anos em Éfeso e durante este tempo, ele deve ter ensinado, preparado
obreiros para a expansão do Evangelho nas cidades circunvizinhas.
Colossos é uma das cidades próximas de Éfeso e que foi, acredita-se,
evangelizada como consequência do ministério paulino

130
2 AUTORIA, DATA E DESTINATÁRIO

A epístola aos Colossenses composta por quatro capítulos e noventa e


cinco versículos, foi escrita por Paulo na companhia de Timóteo, por volta
de 59/60 d.C., enquanto estava preso em Roma. “Foi aceita por Marcião,
está incluída no cânon Muratoriano e é citada por autores como Irineu,
Clemente de Alexandria e Tertuliano. Parece que na Antiguidade não se
levantou nenhuma dificuldade em reconhecer Colossenses como Escritura”
(Carson, 1997). Devido às muitas semelhanças entre as epístolas aos Efésios
e aos Colossenses, muitos críticos modernos defendem que a epístola aos
Efésios não foi escrita por Paulo, mas é uma cópia posterior com algumas
alterações, da epístola aos Colossenses.

3 QUEM ERAM OS COLOSSENSES

Os Colossenses eram os habitantes de Colossos na Província Romana


da Ásia, atual Turquia. Estava situada entre Laodiceia e Hierápolis, na rota
principal que ligava Éfeso ao Oriente, em cuja estrada havia uma bifurcação
que levava a Sardes e a Pérgamo. O Fluxo comercial que existia na região
levou grande prosperidade ao comércio de Colossos, principalmente no
século V a.C., historiadores desde Heródoto (séc. V) fizeram “referência a
ela em suas descrições dos movimentos militares de generais, como Xerxes
e Ciro” (J.D., Bruce e Shedd, 2006).
Sob o governo do Império Romano, novas estradas foram construídas
por todo o Império, uma nova estrada foi construída na região, o que
favoreceu mais a Hierápolis e Laodiceia. Colossos experimentou um
declínio crescente no comércio, apesar disso, nos tempos de Paulo ainda
mantinha seu vasto território. A população de Colossos era composta por
frígios, gregos e judeus, instalados ali por volta de 200 a.C. por Antíoco III.
Por ser “uma cidade cosmopolita, na qual diversos elementos culturais e
religiosos se encontraram e se misturaram – um fato que é importante
lembrar quando se busca as origens da ‘heresia de Colossos’” (Tenney,
2008).
É de se esperar que houvesse judeus na Igreja, mas é certo que aquela
era uma comunidade predominantemente gentílica, que conheceu o
Evangelho durante o ministério de Paulo em Éfeso, quando “todos os que
viviam na Província da Ásia ouviram a Palavra” (At 19.10). Mas Paulo pode

131
nunca ter ido a Colossos (2.1), ao que parece o responsável pela
evangelização dos Colossenses foi Epafras, que pode ter sido enviado por
Paulo à cidade. Epafras era membro daquela comunidade assim como
Filemon, Áfia, Arquipo e Onésimo.

4 EPÍSTOLA AOS COLOSSENSES

Enquanto na epístola aos Efésios, Paulo trabalha a temática da “Igreja


como corpo de Cristo”, em Colossenses o tema é “A supremacia de Cristo
como cabeça da Igreja”. Nela, Cristo não é apenas o Filho de Deus, Ele é
Deus, e é nEle que tudo subsiste. A epístola aos Colossenses foi escrita
para, em primeiro lugar corrigir erros doutrinários introduzidos por heresia,
no seio da Igreja. Em segundo lugar, para ensinar sobre a prática cristã. Pelo
desenrolar do texto, subentende-se que a Igreja estava exposta ao
sincretismo religioso, nada incomum ao contexto em que estava inserida.
Paulo inicia sua carta com expressões de gratidão a Deus pelo
testemunho dado a respeito da Igreja, inclusive do amor que eles têm no
Espírito. Mas não propõe um debate filosófico com aqueles que estavam
influenciando a Igreja com a filosofia pagã. Ele apresenta argumentos tanto
da superioridade, como da divindade de Cristo, para ensinar e fortalecer a
Fé da Igreja a fim de que ela não se desvie da Verdade. Para Paulo, uma
vida digna do Senhor é resultado do pleno conhecimento e entendimento
da vontade de Deus, e é esta a sua oração por eles (1.1-12).

5 A SUPREMACIA DE CRISTO

Paulo contrapõe a heresia que ameaçava a Igreja de Colossos, a partir


da defesa da supremacia de Cristo, vejamos seus argumentos:
Cristo é o Redentor – Os salvos foram perdoados e o Pai os
transportou das trevas para o Reino de Cristo.
Cristo é a imagem do Deus invisível – Ele é Deus entre os seres
humanos.
Cristo é o Primogênito da criação – Ele é primogênito, no sentido
da posição de autoridade, prioridade e supremacia em relação a obra
criada.

132
Cristo é Criador tanto do mundo material como do espiritual –
Todas as coisas estão sob sua autoridade, sejam principados ou
potestades, estão todas sujeitas a Ele, porque tudo foi criado por Ele e
para Ele.
Cristo é Preexistente – Ele é anterior a tudo e todos.
Cristo é Sustentador de todas as coisas – Sua morte garantiu a
existência e a manutenção de todas as coisas.
Cristo é Cabeça da igreja – Ele reina na Igreja e atua por meio dela.
Cristo é o princípio e o primogênito dentre os mortos – Ele é o
primeiro a ressuscitar e “todo o poder de Deus reside nEle, não
havendo sua distribuição entre outras entidades” (Marshall, 2007).
Cristo é aquele em que habita toda a plenitude – Nenhum outro
ser pode reivindicar a presença, os atributos e o poder que habita nEle,
porque Ele é Deus.
Cristo é o Reconciliador – Sua morte pôs fim à divisão entre judeus
e gentios e entre os seres humanos e Deus.
Cristo é o Pacificador pelo seu sangue derramado na cruz –
Depois de reconciliar os pecadores, Ele os transforma de inimigos, em
amigos de Deus.
Cristo é o Mistério de Deus – Nele estão escondidos todos os
tesouros da sabedoria e do conhecimento.
Cristo é aquele em que habita corporalmente toda a plenitude da
divindade – O acesso para tudo o que Deus é e faz está disponível
somente através de Cristo” (Keener, 2004).
Cristo é Cabeça de todo poder e autoridade - Ele é tanto a fonte do
poder e autoridade, como também aquele que faz pleno uso deles (1.13-
28; 2.2,3,9).

6 MINISTRO DO EVANGELHO, MINISTRO DA IGREJA

Diante da grandeza e supremacia de Cristo, Paulo se apresenta como


escolhido para servi-lo. Ele é um ministro (diakonia = ministério, serviço
ajuda – 1.23,24; 2.2,3,9):

133
• Paulo é ministro do Evangelho – Ele está comprometido com a
proclamação das boas novas de Cristo.
• Paulo é ministro da Igreja - Paulo foi comissionado a apresentar
plenamente a Palavra, a fazer conhecido dos gentios, o mistério de
Deus que é Cristo.
Como ministro, Paulo proclama “advertindo e ensinando a cada um
com toda a sabedoria”, a fim de que sejam apresentados perfeitos “em
Cristo”. Ele luta pelo crescimento e entendimento dos irmãos de quem
Cristo é e de quem eles são nEle. Depois da demonstração da preeminência
de Cristo, ele investe contra as vãs filosofias. Se os irmãos creram em Cristo,
então devem se arraigar na Palavra de Deus para discernir os ensinamentos
que não procedem de Cristo, pois estão em Cristo e foram nEle
aperfeiçoados (1.28-2.7).

7 A HERESIA COLOSSENSE

A heresia Colossense era uma mistura de crenças e cerimoniais que


estavam sendo introduzidas na Igreja. Paulo começa advertindo os irmãos
acerca do legalismo, subentende-se que a circuncisão estava sendo colocada
por falsos mestres como um requisito para o relacionamento com Deus.
Paulo explica que a circuncisão corporal como um sinal “externo da
purificação do coração” tinha sido superada pelo batismo cristão, que
simbolizava não apenas a purificação do pecado, mas também “a união com
Cristo na sua morte e, portanto, a morte para o pecado” (Marshall, 2007).
Paulo esclarece que os ritos judaicos acerca da alimentação, das festividades,
guarda do sábado, etc., eram apenas sombra da realidade que Cristo traria,
e não tinha sentido algum para eles.
Paulo também combate a adoração aos anjos e o ascetismo, que ele chama
de falsa humildade. Keener (2004), lembra que “o ascetismo estava
crescendo no paganismo, e muitos viam isso como um significado de
realizações do poder espiritual ou experiências reveladoras”. Paulo está se
dirigindo a gentios e judeus, acontece que essas não eram práticas do
Judaísmo tradicional. De qualquer forma não há dúvida de que o
sincretismo religioso de Colossos continha fortes elementos judaicos.

134
Os Manuscritos do Mar Morto encontrados nas cavernas de Qumram
trouxeram à tona uma enorme gama de literatura da seita judaica dos
essênios que se desenvolveu a partir do século II a.C., onde pode-se
confirmar o caráter ascético de seus adeptos. Alguns estudiosos creem que
a heresia dos essênios, fazia parte da religiosidade local, mas não há
consenso sobre isso. A heresia entre os Colossenses, conforme Keener
(2004), “reflete uma síntese de diferentes correntes de pensamento que mais
tarde se desenvolveu como uma possibilidade totalmente gnóstica”.

Os aspectos deste amálgama religioso eram formas de prática e


disciplina ascética, adoração de anjos e o orgulho de uma sabedoria
e um conhecimento superior (grego, gnõsis). Foi esta última
característica que deu nome ao florescimento completo da heresia
no 2º séc.: o Gnosticismo, contra o qual Irineu e Tertuliano
escreveram. Em seu aspecto cristológico, a “heresia de Colossos”
sugeria que havia poderes espirituais que controlavam o mundo
natural e que deviam ser reverenciados como mediadores entre Deus
e sua criação. Tanto a pessoa como também a obra de Cristo eram
depreciados por este sistema de mediadores angélicos, e seu ofício
único como Senhor da criação e Redentor suficiente da Igreja foi
seriamente posto em perigo (Tenney, 2008).

Fato é que falsos mestres estavam sugerindo aos cristãos de Colossos


que essas práticas podiam levar à purificação. Paulo os lembra de que ao
morrerem com Cristo foram libertos dos princípios espirituais do mundo.
Essas regras alimentam o orgulho, mas nada podem contra os desejos da
natureza pecaminosa (2.8-22).

8 EXORTAÇÃO À SANTIDADE

Paulo exorta os Colossenses a viverem em conformidade com a nova


vida que receberam ao ressuscitar com Cristo. Aqueles que desfrutam dessa
nova vida, buscam “as coisas que são do alto, onde Cristo está assentado à
direita de Deus”. Richards (2008), explica que o termo grego para buscar (as
coisas que são de cima) é “zeteite, e seu tempo verbal no imperativo presente
indica uma ação contínua”. Isso não quer dizer que o cristão está
desconectado da realidade em que vive, mas que vive ininterruptamente a
partir da perspectiva da eternidade.

135
As obras que a natureza terrena produz, suscitam a ira de Deus, por
isso é preciso mortificá-la e revestir-se da nova natureza. Este não é um
convite à “severidade com o corpo”, é uma postura espiritual diante da nova
situação em que os crentes se encontram, antes viviam na desobediência,
mas agora se morreram e ressuscitaram com Cristo, em Cristo estão. “Se
despiram do velho homem com suas práticas e se revestiram do novo” (3.1-
10).

9 CRISTO É TUDO EM TODOS

A ética cristã está ligada ao fato de que Cristo é tudo em todos, por isso
na nova vida os salvos podem viver em unidade e amor. Esta nova vida
reflete a vida de Cristo em todos os âmbitos do relacionamento com o
próximo. O próximo é, ao mesmo tempo: a família; os irmãos em Cristo;
as pessoas que estão acima ou abaixo no status e hierarquia social, em suma,
todas as pessoas com quem os cristãos interagem. “Aristóteles desenvolveu
‘códigos domésticos ’direcionando o homem a como comandar sua
mulher, crianças e escravos corretamente. [...] Paulo assume o comando,
mas modifica os códigos consideravelmente”. Enquanto naquela sociedade
se esperava que o marido fosse inflexível no comando da esposa, Paulo
ensina que ele deve amá-la e tratá-la bem. A esposa por sua vez, deve
submeter-se ao marido. “Todos os moralistas antigos insistiam que as
mulheres se ‘submetessem ’aos seus maridos, mas poucos dariam uma
breve parada para usar o termo ‘submeter’, como Paulo faz”, (Keener,
2004).
Os filhos devem ser obedientes aos pais, a fim de agradar a Deus. Não
é uma obediência cega e obrigatória, mas consciente e proposital. Ao fazê-
lo com esse objetivo a obediência aos pais se torna um culto a Deus, ao
invés de um fardo. Os pais não devem irritar seus filhos para que eles não
fiquem desanimados, diferentemente dos costumes da época em que os pais
tinham total poder sobre seus filhos, mas Paulo os incentiva a pensar nas
consequências do tratamento dado a eles.
Os escravos devem obedecer a seus senhores com sinceridade, e os
senhores devem tratar seus escravos com igualdade e justiça. Este ensino ia
na contramão da cultura que autorizava os proprietários de escravos a puni-
los severamente quando essa punição pudesse ser “justificada”. Os castigos
incluíam o espancamento, a marcação com ferro, no caso de escravos

136
fugitivos e até a morte. No corpus de inscrições latinas há registros de “coleiras”
usadas por escravos romanos, com inscrições que orientava quem os
encontrasse fora de “seus limites”, a devolvê-los aos seus proprietários,
porque eram considerados fugitivos. Nestas coleiras eram colocadas o
nome do escravo e de seu dono, bem como o endereço de “entrega”. É
neste contexto que Paulo apresenta o seu ensino, mais revolucionário do
que o dos filósofos moralistas da época.

10 EXORTAÇÃO À ORAÇÃO

Paulo exorta os Colossenses à uma vida de oração, vigilância e gratidão.


Ele pede oração por si mesmo, não para ser solto da prisão, mas para que
as portas para a evangelização sejam abertas e que ele possa evangelizar da
maneira que Deus lhe determinou que fizesse. Também os orienta a uma
conduta com os que estão de fora, os que não fazem parte da comunidade
da Fé, com sabedoria, “remindo o tempo” ou fazendo bom uso do tempo,
quem sabe para a evangelização dos que “estão de fora”. “O seu falar seja
sempre agradável e temperado com sal, para que saibam como responder a
cada um”. O sal era usado para dar sabor e conservar os alimentos, ao lerem
esta sentença, os Colossenses podem ter entendido que Paulo se referia, ao
tratamento gracioso com os não-cristãos, porque os gregos costumavam
chamar o sal de: χάρη, khári – graça, por conta de suas propriedades tão
importantes para os alimentos (Wiersbe, 2009).

11 SAUDAÇÕES FINAIS

Paulo se despede da Igreja dizendo que a mesma pessoa encarregada


de lhes entregar a carta, Tíquico, que foi, ao que tudo indica,
simultaneamente, um dos emissário das epístolas de Efésios e Filemon, lhes
dará notícias mais detalhadas sobre sua situação pessoal e ministerial. Ele
irá acompanhado de Onésimo, escravo de Filemon, os dois serão um alento
para os irmãos. Paulo cita outros, como: Aristarco, de Tessalônica,
possivelmente; e Marcos, primo de Barnabé, o mesmo que fora no passado,
a causa da separação de Paulo e Barnabé no trabalho missionário; Jesus,
chamado Justo; Lucas, o médico amado; Demas; Ninfa; e Epafras,
habitante da cidade e provavelmente o fundador daquela comunidade, de

137
quem Paulo dá testemunho do esforço entre os irmãos de Laodiceia e
Hierápolis. Epafras, manda saudações, porque continuará preso. Paulo
manifesta o desejo de que a epístola aos Colossenses seja lida para os irmãos
de Laodiceia, e a que ele enviara a Laodiceia seja conhecida dos Colossenses
também. “Eu, Paulo, escrevo esta saudação de próprio punho. Lembrem-
se das minhas algemas. A graça seja com vocês” 4.2-18).

SÍNTESE DA AULA

• Nessa aula aprendemos sobre a supremacia de Cristo em relação à


toda a obra da criação;
• Nessa aula aprendemos que Cristo não é apenas superior, mas o
próprio Deus, criador e sustentador de todas as coisas;
• Nessa aula aprendemos como a Igreja de Colossos estava sendo
espiritualmente atacada;
• Nessa aula aprendemos que Paulo corrigiu as distorções
doutrinárias, por meio da aplicação da verdadeira doutrina.

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AULA 14: EPÍSTOLA AOS FILIPENSES

META

Refletir sobre a primordialidade da obediência de Cristo no


esvaziamento e encarnação, para a concretização do Plano da Redenção.

OBJETIVO

• Aprender que a vida do cristão não deve ser pautada nas


circunstâncias;
• Atentar para as adversidades como oportunidades de testemunhar
de Cristo a fim de fazer florescer, em todo tempo e lugar, o
Evangelho;
• Ponderar sobre o paradigma de esvaziamento de Cristo como mote
para o procedimento cristão.

PARA INÍCIO DE CONVERSA

1 APRESENTAÇÃO

A primeira cidade da Europa visitada por Paulo e seus companheiros


foi Filipos, na Macedônia. Ele chegou a Filipos depois de uma visão que
teve enquanto se encontrava em Trôade. Na visão foi lhe feito um chamado
específico para a Macedônia. Para lá se dirigiu imediatamente, na
companhia de Silas, Timóteo e Lucas. Ali uma mulher chamada Lídia se
converteu juntamente com sua família; uma moça que fazia adivinhações
foi liberta; e como consequência disso, Paulo e Silas foram presos. A prisão
lhes causou profundo sofrimento, mas não se deixaram desanimar e perto
da meia-noite louvavam a Deus, quando houve um terremoto que abriu as
portas da prisão. Esse evento possibilitou a evangelização do carcereiro que,
até então, os mantinha sob vigilância. Paulo saiu de Filipos, mas ao que
parece, deixou Lucas ali para fortalecer a Fé dos irmãos através do ensino.

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2 AUTORIA, DATA E DESTINATÁRIO

A epístola ao crentes de Filipos “juntamente com seus bispos e


diáconos”, composta por quatro capítulos e cento e quatro versículos, foi
escrita por Paulo por volta de 60/61 d.C., na companhia de Timóteo. Esta
é uma das “cartas da prisão”, enviada, presumivelmente, pouco depois das
epístolas aos Efésios, Filemon e Colossenses e próximo de sua libertação.
Não existem evidências de contestação da canonicidade e autoria de Paulo.
“Ecos da epístola foram percebidos em 1 Clemente e Inácio, ao passo que
Policarpo diz que Paulo escreveu cartas à Igreja de Filipos. Está incluído no
cânon de Marcião” (Carson, 1997). Quando Paulo a escreveu, a Igreja de
Filipos já tinha cerca de dez anos de existência.

3 QUEM ERAM OS FILIPENSES

Os Filipenses eram os habitantes da cidade de Filipos, a leste da


Macedônia - Província Romana da Ásia, no território da atual Grécia.
Estava situada entre os rios Estrimom e Nestos, e ligada ao Porto de Neápolis
pela via Egnatia, importante estrada na Antiguidade. Sua localização
estratégica a favoreceu economicamente sobretudo por causa das minas de
ouro nas montanhas ao norte. No século IV a.C. foi reconhecida sua
importância por Filipe II da Macedônia, pai de Alexandre, o Grande. Foi
Filipe II quem mudou o nome da cidade de Krenides, para Filipos. Segundo
Tenney (2008), “as minas, embora quase esgotadas, ainda proveram para
Filipe mais de mil talentos por ano”.
Em 146 a.C. a cidade se tornou parte da Província da Macedônia, cuja
capital era Tessalônica. A religião praticada na cidade de Filipos era a mesma
daquela praticada no Império Romano, crenças na divindade greco-
romano, com elementos da magia, como pode-se perceber no episódio da
escrava que tinha um espírito de adivinhação. Dentre os achados
arqueológicos de Filipos, são identificados “dois grandes templos [...]
juntamente com numerosas edificações públicas e privadas do 2º séc. d.C.”
Há ali também ruínas de “um Teatro Romano do mesmo período [...] ao
lado da Acrópole” (Tenney, 2008).
A Igreja de Filipos foi fundada por Paulo na segunda viagem
missionária, era composta por uma esmagadora maioria de gentios, embora
houvesse judeus na cidade, não chegava a ser uma colônia já que não havia

140
ali nenhuma sinagoga por ocasião da chegada de Paulo. Sua presença na
cidade não durou muito tempo, mas a Igreja sobreviveu. Paulo nunca mais
se esqueceria das experiências que teve ali: perseguição, espancamento e
prisão; mas sobretudo, êxito na evangelização que resultou numa
comunidade cristã, cujos frutos de generosidade e liberalidade, foi socorro
e ajuda para ele e para a Igreja.

4 EPÍSTOLA AOS FILIPENSES

Os temas da epístola aos Filipenses são a “Alegria” e o “Evangelho”. A


alegria é percebida ao longo da epístola em referência aos Filipenses e em
referência ao próprio Paulo: “ao lembrar-se deles; por Cristo ser pregado
quer em sinceridade quer em hipocrisia; pelo crescimento da humildade
entre os seus seguidores; pelo sacrifício pessoal por amor a Cristo; e pelos
donativos e boa vontade dos seus amigos”. O Evangelho é mencionado nove
vezes na carta: “comunhão do Evangelho; confirmação do Evangelho;
defesa do Evangelho; comportamento digno do Evangelho; no combate
pela fé do Evangelho; em serviço do Evangelho; em trabalho do
Evangelho; e no princípio do Evangelho” (Tenney, 2008).
Paulo escreve a epístola para expressar gratidão pela ajuda financeira da
Igreja enviada por Epafrodito. E para dar notícias desse obreiro que
demorava a voltar por ter adoecido gravemente. Ele esclarece que “o
mensageiro que haviam enviado tinha-se desincumbido bem da sua tarefa
e que tinha corrido grande perigo ao realizá-la. Paulo está enviando-o de
volta com um elogio cordial” (Carson, 1997). Também são motivos para o
envio da carta, a exortação à unidade da Igreja e o alerta contra os falsos
mestres. Alguns estudiosos ainda acreditam que ele visava a recomendação
de Timóteo que faria uma visita antes que ele, Paulo, também pudesse fazer,
quando deixasse a prisão.

5 GRATIDÃO PELA COOPERAÇÃO

Paulo inicia a epístola com a costumeira saudação e gratidão pelos seus


leitores, mas demonstra desde o primeiro capítulo, um sentimento de
profunda identificação e amor para com os Filipenses, que não se vê nas
demais epístolas. Apesar de não ser esta, uma carta pessoal, sua leitura vai

141
demonstrar uma forte pessoalidade nos seus escritos. De acordo com
Tenney (2008), isso é percebido na forma como ele utiliza “a primeira
pessoa do pronome pessoal, explícita ou implicitamente nada menos do que
cem vezes”. Todavia, a exposição de Paulo não é pautada no egocentrismo,
mas na liberdade de quem está entre amigos. Ele manifesta isso: “Deus é
minha testemunha de como tenho saudade de todos vocês, com a profunda
afeição de Cristo Jesus”.
Paulo diz interceder por eles sempre, ele os abençoou na pregação do
Evangelhos, e agora os abençoa com suas orações, em breve eles serão mais
enriquecidos ainda quando tiverem acesso à carta. Na realidade, como
supracitado, um dos Pais da Igreja, Policarpo, segundo a Tradição, discípulo
de João, escreveu falando sobre cartas de Paulo aos irmãos de Filipos,
indicando que Paulo os abençoou dessa forma distinta, mais de uma vez, e
Paulo mesmo diz já ter escrito para eles anteriormente (3.3). Paulo diz que
eles são cooperadores do Evangelho, o que pode significar que estava se
referindo não apenas em relação à contribuição espiritual, mas também
financeira.
Paulo declara estar ciente de que Deus irá completar a boa obra que
começou neles, até o Dia de Cristo. Para Keener (2004), ao citar o “Dia de
Cristo”, Paulo faz uma adaptação do que o Antigo Testamento chama de
“Dia do Senhor”, assumindo assim sua convicção na divindade de Cristo.
Eles são co-participantes da graça de Deus que está nele, quer esteja preso,
quer na defesa e confirmação do Evangelho. Paulo também ora para que
eles tenham discernimento do bem a fim de se manterem irrepreensíveis,
cheios de frutos de justiça para a gloria e louvor de Deus (1.1-11).

6 O PROGRESSO DO EVANGELHO

Enquanto outros em situação parecida, poderiam estar murmurando,


Paulo reconhece em sua prisão, um movimento missionário de Deus, para
o progresso do Evangelho. Sua realidade atual mostrava à guarda
pretoriana, que ele está ali por sua fidelidade a um Deus por quem vale a
pena sofrer, testemunho que pode ter gerado entre esses soldados,
conversões. Os comentaristas se dividem na opinião sobre quem são os da
guarda pretoriana. O que se sabe é que são soldados a serviço direto ou
indireto de César, já que ele é a maior autoridade, e todos, por via direta ou
indireta respondem a ele. Enquanto isso seu testemunho está fortalecendo

142
a Fé dos irmãos de Roma e eles se dispõem a anunciar a “Palavra com maior
determinação e destemor”. Mesmo que alguns, movidos por razões outras,
Paulo diz que o que importa é que Cristo seja anunciado.
Paulo acredita que será solto, caso aconteça, será mediante a oração
deles e a ação do Espírito Santo e do Senhor Jesus. Mas se coloca à mercê
da vontade de Deus, ainda que para ele, partir para a eternidade seja melhor,
por poder unir-se a Cristo. Sabe que por ora, Deus o quer vivo, para por
meio de seu ministério, promover “progresso e alegria na fé” da Igreja.
Paulo sabe dos riscos que corre diante da peculiaridade de sua situação, ali
em Roma, ele não é apenas um cidadão Romano, é também um cristão
(1.12-26).
Para Gundry (1998), “se a vida de Paulo correu perigo durante o
julgamento. Por conseguinte, tal julgamento deve ter ocorrido na presença
de César, em Roma, porquanto em qualquer outro lugar Paulo poderia ter
sempre apelado para César, como era de seu direito”. Paulo tinha apelado
para César no final dos dois anos da prisão em Cesareia, este fato, vindo de
um cristão, o tornou de certo modo, conhecido. Conforme Tenney (2008):

O seu apelo a César levou o Cristianismo diretamente à atenção do


governo Romano, obrigando as autoridades civis a pronunciarem-se
quanto à sua legalidade. Se fosse considerado uma “religio licita”,
persegui-lo seria ilegal, e a sua segurança ficaria garantida. Se, por
outro lado, fosse considerado “religio ilicita” então a perseguição
que se seguisse só serviria para o proclamar e deparar uma
oportunidade de demonstrar o seu poder.

7 PERSEVERANÇA

O imperador da época, Nero, ainda não tinha se posicionado


contrariamente aos cristãos, o que fará após o ano 64 d.C.
Independentemente do que vier a acontecer Paulo os estimula a viver de
maneira digna do Evangelho de Cristo. Sem se deixar intimidar por seus
opositores pois a vocês foi dado o privilégio de, não apenas crer em Cristo.
A identificação entre eles é tal que Paulo diz, que o privilégio de crer, bem
como de sofrer por Cristo, não é só dele, os Filipenses estão no pelo mesmo
combate que ele (1.27-30)

143
8 O PARADIGMA DO ESVAZIAMENTO DE CRISTO

Paulo convoca os Filipenses à unidade, igualdade, amor e humildade a


partir do paradigma de Cristo, cujo descrição contrasta diametralmente com
a contenda e vanglória:

Seja a atitude de vocês a mesma de Cristo Jesus, que, embora sendo


Deus, não considerou que o ser igual a Deus era algo a que devia
apegar-se; mas esvaziou-se a si mesmo, vindo a ser servo, tornando-
se semelhante aos homens. E, sendo encontrado em forma humana,
humilhou-se a si mesmo e foi obediente até à morte, e morte de cruz!
Por isso Deus o exaltou à mais alta posição e lhe deu o nome que
está acima de todo nome, para que ao nome de Jesus se dobre todo
joelho, no céu, na terra e debaixo da terra, e toda língua confesse que
Jesus Cristo é o Senhor, para a glória de Deus Pai (2.1-11).

Paulo não diz que Cristo foi esvaziado, como se Ele tivesse sido
forçado à encarnação e a todas as consequências dela. Ele diz que Cristo se
esvaziou, ou seja, o auto esvaziamento foi um ato, como o próprio termo
indica, voluntário de Cristo. Paulo usa o termo kenõsis - o “auto
esvaziamento de Cristo quando Ele se tornou homem e esvaziou-se das
expressões externas da sua glória” (Horton, 1998).

Jesus [...] é descrito como um ser que possuía a natureza de Deus,


renunciou os privilégios dessa condição e assumiu a forma de um
servo humano de Deus, demonstrando uma obediência a Deus que
se estendeu até a voluntariedade para a morte – a mais sórdida das
mortes. [...] Deus passa a ser o ator, e a sua ação consiste em exaltar
aquele ser à posição mais elevada que se poderia conceber: ao seu
lado, e exigir de toda a criação que o reconhecesse como Senhor
(Marshall, 2007).

“Em sua essência Cristo Jesus era igual a Deus, mas diante de Deus
estava disposto a abandonar essa igualdade e assumir a forma de existência
humana, a qual significa uma escravização sob os poderes deste mundo”
(Kummel, 2003). “Apesar de não deixar de ser como o Pai no que diz
respeito à natureza, ele se tornou funcionalmente subordinado ao Pai
durante o período de encarnação” (Erickson, 1992). Tanto o esvaziamento

144
como a encarnação de Cristo foram atos voluntários, mas também
propositais, Cristo visava obedecer ao Plano elaborado pela Trindade da
qual Ele é parte, para a Redenção dos seres humanos.
O ensino de Paulo é que os irmãos priorizem os interesses uns dos
outros em detrimento do seus próprios interesses. A lógica se contrapõe
frontalmente com os sistemas humanos, ainda que muitos moralistas
tentassem viver numa aparência de humildade. Paulo lhes apresenta o que
Cristo fez, e diz: façamos o mesmo. Ele próprio se coloca como um
exemplo prático de entrega e voluntariedade. Ele espera poder ver os frutos
de seu serviço no Dia de Cristo, ainda que em sofrimento, Paulo se regozija
neles: “Estejam vocês também alegres, e regozijem-se comigo” (2.1-18).

9 RECONHECIMENTO DO TRABALHO DOS IRMÃOS

Paulo conta aos irmãos sobre a ida de Timóteo àquela comunidade, e


os lembra de que ele é um imitador de Cristo, “Não tenho ninguém como
ele, que tenha interesse sincero pelo bem-estar de vocês, pois todos buscam
os seus próprios interesses e não os de Jesus Cristo”. Na busca dos
interesses de Cristo, Timóteo identifica a necessidade dos irmãos. Paulo
também pretende enviar-lhes Epafrodito que estivera com ele enquanto se
recuperava da doença que o acometeu. Ele deve ser recebido com alegria e
honra porque se excedeu em amor, colocando sua vida em segundo plano
para que a ajuda financeira que levava chegasse às mãos de Paulo (2.12-30).

10 ADVERTÊNCIA CONTRA OS FALSOS MESTRES

Paulo alerta os Filipenses do perigo iminente dos falsos mestres. Não


parece haver perturbadores da Fé atuando diretamente sobre a Igreja, mas
com a possibilidade de que, quem sabe, mestres itinerantes cheguem até
eles ameaçando a sã doutrina, Paulo se adianta, ele diz: “escrever-lhes de
novo as mesmas coisas não é cansativo para mim e é uma segurança para
vocês”. Em algum momento ele já tinha abordado o assunto, mas reforça
o ensino. O ponto alto da exigência de judeus em relação aos gentios, era a
circuncisão, Paulo alerta que eles, cuja Fé está firmada no Cristo e não na

145
carne, é que são a verdadeira circuncisão, a verdadeira marca de
identificação do povo de Deus, e não a mutilação do corpo.
Ao chamar de “cães” a esses falsos obreiros, Paulo destrói todo
argumento de pureza e superioridade que os judeus dissociados da verdade
ostentavam. “Para eles todos os cães eram extremamente impuros [...] os
cachorros eram carniceiros e [...] portadores de muitas doenças,
mecanicamente ou como um vetor” (Tenney, 2008). Essa era a forma com
que chamavam os gentios, por causa do paganismo, sobretudo. Era o termo
usado para retratar o ápice da imoralidade sexual, sempre ligada à
religiosidade dos pagãos no tempo do Antigo Testamento.
Paulo ressalta sua raiz judaica “pura”, quando diz ser hebreu de
hebreus. Ele fora fariseu, zeloso da Lei e por conta disso, perseguidor da
Igreja. Se alguém pudesse se gloriar na carne, ele seria essa pessoa. Mas o
que antes ele considerava lucro, passou a considerar, perda. “Paulo teve que
sacrificar toda a sua formação espiritual anterior para seguir a Cristo, que
era o que realmente importava” (Keener, 2004). Isso porque ao contrário
de se basear na justiça própria, procedente da Lei, ele usufrui da justiça que
vem de Deus pela Fé em Jesus.

Paulo diz que a fé é um atitude na qual as pessoas estão de tal modo


unidas a Cristo que ele as participam de sua morte e ressurreição, e
podem esperar para experimentar uma ressurreição final dos
mortos. A morte é uma experiência complexa de morrer para o
pecado, para as razões egoístas e as ações decorrentes. A
ressurreição leva a uma nova vida de obediência a Deus pelo poder
do Espírito Santo que ressuscitou Jesus dos mortos. Mas acima de
tudo, há a experiência de conhecer Cristo, que aqui aparece como o
elemento central da religião empírica de Paulo (Marshall, 2007).

Paulo se coloca como exemplo prática daquilo ensina, em


contraposição ao estilo de vida daqueles cujo deus é o “estômago”, ou o
“ventre”, em outras palavras, enquanto o destino daqueles que vivem
segundo seus próprios desejos é a perdição, Paulo os orienta a como eles,
buscar a cidadania celestial. O Salvador, o Senhor Jesus Cristo,
“transformará os nossos corpos humilhados, para serem semelhantes ao
seu corpo glorioso” (3.1-21).

146
11 ALEGRIA E COROA

Para Paulo, os Filipenses são motivo de alegria, eles são a sua coroa, ou
seja, a recompensa pelo seu trabalho, consiste no fato de que sua pregação
resultou na Salvação deles. Ele evoca mais uma vez a unidade e igualdade
como princípio vital da Igreja. E os convida ao regozijo, à alegria, como já
fizera antes. Como se pode verificar, Paulo se reporta à alegria (com as
variações do termo) ao menos quatorze vezes na epístola, o que demonstra
não apenas sua alegria, a mas também a que ele espera ver nos seus leitores.

E a paz de Deus, que excede todo o entendimento, guardará os seus


corações e as suas mentes em Cristo Jesus. Finalmente, irmãos, tudo
o que for verdadeiro, tudo o que for nobre, tudo o que for correto,
tudo o que for puro, tudo o que for amável, tudo o que for de boa
fama, se houver algo de excelente ou digno de louvor, pensem nessas
coisas (Filipenses 4.1-9).

12 SAUDAÇÕES FINAIS

Paulo salienta o amor e generosidade da Igreja em lhe atender as


necessidades, numa disposição e voluntariedade sem precedentes. Ele se
alegra com o cuidado deles para com ele, apesar de estar apto a “qualquer
circunstância”. Pois sabe “o que é passar necessidade e ter fartura; a viver
contente em toda e qualquer situação, seja bem alimentado, seja com fome,
tendo muito, ou passando necessidade”, pois, ele diz: “Tudo posso naquele
que me fortalece”.
Apesar disso, ele está, ao menos no momento, suprido de todas as
coisas, principalmente depois da as ofertas recebidas deles. Segundo Keener
(2004), ’“eu recebi ’Era a frase-padrão mais comum em recibos; Paulo
reconhece o dom dos Filipenses relativamente a compromissos”. As ofertas
recebidas têm “aroma suave, um sacrifício aceitável e agradável a Deus”.
“O meu Deus suprirá todas as necessidades de vocês, de acordo com as
suas gloriosas riquezas em Cristo Jesus. A nosso Deus e Pai seja a glória
para todo o sempre. Amém”.
Paulo se despede enviando saudações pessoais e dos que estão com
ele “especialmente os do palácio de César”. Não se sabe a quem ele se refere

147
quando diz “os da casa”, ou “do palácio” de César, mas pode se tratar de
qualquer pessoa ligada direta ou indiretamente à cúpula Romana, tendo em
vista que, desde os escravos até a guarda pretoriana já citada por ele, todos
estão sendo expostos ao Evangelho por causa de sua presença ali.

SÍNTESE DA AULA

• Nessa aula aprendemos que a vida de Paulo não estava pautada nas
circunstâncias, de modo a poder se alegrar, mesmo em prisão.
• Nessa aula aprendemos que na prisão de Paulo, Deus fez o
Evangelho avançar.
• Nessa aula aprendemos sobre o esvaziamento de Cristo.
• Nessa aula aprendemos que Paulo fez aos Filipenses um alerta
preventivo sobre o ensino dos falsos mestres.

148
UNIDADE VIII: EPÍSTOLAS PASTORAIS

Nesta unidade iremos estudar nas cartas paulinas comumente


chamadas de “Epístolas Pastorais”, sobre o ensino ministrado por Paulo a
jovens pastores, responsáveis pela preparação e designação de obreiros para
a liderança eclesiástica. Para tanto, utilizaremos as duas aulas assinaladas
abaixo:
AULA 15: EPÍSTOLA A TITO
AULA 16: I E II EPÍSTOLAS A TIMÓTEO

AULA 15: EPÍSTOLA A TITO

META

Refletir sobre as características definidas para os líderes que atuam na


Igreja de Cristo.

OBJETIVOS

• Verificar como o ensinamento dos falsos mestres foi combatido na


Igreja Cretense;
• Conhecer algumas das características que devem permear o
ministério de liderança;
• Identificar o ensino que Paulo chama de sã doutrina.

PARA INÍCIO DE CONVERSA

1 APRESENTAÇÃO

Paulo foi absolvido das acusações que o mantiveram em prisão


domiciliar em Roma por dois anos. Ele foi liberado pelas autoridades
Romanas por volta de 60/62 d.C., e depois disso retomou o trabalho
missionário por um período que os estudiosos acham difícil precisar. Mas

149
foi tempo suficiente, acredita-se que dois ou três anos, para visitar algumas
regiões, além de Creta, quando deixou ali a Tito. São elas: Éfeso (1 Tm1.3);
Nicópolis (Tt 3.12); Corinto (2 Tm 4.20); Mileto (2 Tm 4.20;); Trôade (2
Tm 4.13); até ser novamente preso em Roma.

2 AUTORIA, DATA E DESTINATÁRIO

A epístola a Tito, composta por três capítulos e quarenta e seis


versículos, foi escrita por Paulo por volta de 63/64 d.C. e tem como
destinatário Tito que se encontrava em Creta. Não é fácil identificar o local
de onde Paulo a enviou, alguns sugerem que tenha sido de Nicópolis, capital
de Étiro (Tt 3.12), mas o que Paulo diz no texto é que pretende passar o
inverno ali. Imagina-se que com a intenção de durante sua estadia na cidade,
estender a evangelização até Étiro. Outros sugerem a Macedônia, assim
como acontece com a primeira a Timóteo (1.3), tendo em vista a
proximidade temporal em que as duas cartas foram escritas. Esta epístola
como as duas a Timóteo são as da literatura judaica que (mais) suscitaram
questionamentos acerca da autoria, mas não há registros que tenha sido
questionada quanto à inspiração divina.
Estudiosos modernos apontam diferenças entre as epístolas pastorais
e o restante da literatura paulina – em estilo, vocabulário e conteúdo.
Quanto ao conteúdo, ele é, em alguns assuntos, semelhante ao das epístolas
“da prisão”, como as orientações sobre a família e os escravos, no mais, é
de se esperar que haja diferenças entre as pastorais e as demais, já que estas
são, na realidade, cartas pessoais, como a epístola a Filemon, porém com
propósito pastoral, como em nenhuma outra. O vocabulário e o estilo, por
sua vez, os que defendem a autoria paulina argumentam – Paulo era um
homem idoso, e pode tê-los mudado com a idade. Segundo Carson (1997),
a epístola a Tito pode ter sido citada por Clemente de Roma, e foi
referendada por Tertuliano, Irineu e Taciano. Ela consta no cânon
Muratoriano, mas não foi incluída no cânon de Marcião. Sendo
universalmente aceita após o século II d.C.

3 QUEM ERA TITO

O nome de Tito não aparece nos registros de Lucas, no livro de Atos


dos Apóstolos, apesar disso, incluindo a epístola que leva seu nome, há doze
citações a seu respeito no Novo Testamento. Sua primeira aparição se

150
encontra na epístola aos Gálatas, quando foi junto com Paulo e Barnabé
para Jerusalém (Gl 2.1-3). Se esta é uma alusão à época do Concílio de
Jerusalém, então Tito pode ter sido levado para demonstrar os frutos do
Evangelho pregado entre os gentios, se for esse o caso, o fato é mais um
testemunho da Fé e conduta dele em Cristo. Na ocasião, apesar da
hostilidade e forte oposição dos judaizantes ao ministério de Paulo,
principalmente no que se refere a isenção dos gentios do rito da circuncisão,
Tito, grego como era, não foi constrangido pelos apóstolos a circuncidar-
se.
Tito aparece em várias situações em que é indicado por Paulo como
um servo fiel e valoroso. É certo que Tito foi grande amigo e, companheiro
de Paulo em muitas situações, vindo a se tornar um cooperador de
fundamental importância para o ministério paulino, por mais de 15 anos.
Como em suas ações na Macedônia, Corinto e o apoio aos irmãos da Judeia
quando na preparação de recursos para as ofertas.

A presença de uma carta endereçada a Tito no Novo Testamento


tem sido, entre outras coisas, uma grande inspiração aos ministros
do Evangelho por toda a história da igreja. Apesar dos dados
concernentes a Tito no Novo Testamento serem exíguos, todavia
muito pode ser aprendido de suas atividades pastorais e a carta
endereçada a ele como um modelo e manual para um pastor
(Tenney, 2008).

4 A ILHA DE CRETA

Creta é uma ilha de grandes proporções, situada no Mediterrâneo


Oriental, a sudeste da Grécia. Creta foi originalmente habitada pela
civilização Minoica (3000-1450 a.C.), vindo a se desenvolver prosperamente
durante a “Média e Nova Idades do Bronze”. No seu auge estabeleceu
relações de comércio com o Egito, a Grécia e o Oriente. No período
clássico, sob o domínio dos Micenas (1450-1120 a.C.), “Creta foi em grande
parte uma área de recrutamento de soldados mercenários, particularmente
arqueiros”. Judeus se instalaram ali por volta do século II a.C.,
principalmente na cidade conhecida como: Gortyna.
A ilha foi conquistada pelos romanos em 68-66 a.C., e futuramente
anexada a Cirene como uma Província. Achados arqueológicos da ilha de

151
Creta, revelam uma cultura rica e gloriosa, com “seus palácios enormes
(labirintos), vasos magnificamente decorados, afrescos pintados em
paredes, e grandes jarros para armazenamento de óleo, vinho e grãos da
burocracia”. Na cidade de Cnossos foi encontrado o Palácio do rei Minos,
e nas escavações de uma cidade Romana, muitos prédios públicos, além das
“ruínas da igreja de Ágios Tito”, erigida em homenagem ao pastor Tito
(Tenney, 2008).
A religião local era uma mistura da cultura das antigas civilizações
minoica e micênica. Agregava a crença aos deuses gregos clássicos a
elementos do animismo. Figuras mitológicas como a de “Teseu e o
Minotauro”, dentre outros, permeavam o imaginário da sociedade de Creta,
como se pode verificar nas representações de afrescos encontrados na
região. A citação que Paulo faz do “profeta” cretense Epimênides de 600 a.C.,
revela que “a depravação dos Cretenses era proverbial. [...] Uma opinião
compartilhada por muitos dos antigos” (Tenney, 2008). Foi nesta cidade
que Tito foi designado a trabalhar, o que ele fez muito bem e por tempo
suficiente para deixar uma marca profunda na Tradição religiosa local.

5 A IGREJA CRETENSE

Não se tem confirmação sobre quem fundou a Igreja de Creta, alguns


sugerem que tenha sido Paulo, em vista de seu empenho em equipar Tito
com o ensino necessário para aquela comunidade (1.5). Outros acreditam
que o mais acertado é que uma Igreja tenha sido fundada ali, pelos
habitantes de Creta e Cirene que estavam presentes no Dia de Pentecostes
(At 2.11).

6 EPÍSTOLA A TITO

Paulo inicia a epístola que tem como tema principal “A Administração


Eclesiástica”, se apresentando como servo de Deus e apóstolo (enviado) de
Jesus Cristo. as duas formas com que ele se identifica pode ser um sinal de
que ele estivesse evocando sua autoridade ministerial, para
consequentemente validar a autoridade de Tito, diante das congregações.
Seu apostolado, bem como o serviço consiste na divulgação da mensagem

152
dada por Deus para conduzir os que creem à “piedade” (prática da
santidade), na esperança da vida eterna. O que Deus prometeu desde a
eternidade, mas que a seu tempo, revelou, na linguagem de Paulo aos
Gálatas (4.4) - “na plenitude dos tempos”.
O destinatário é finalmente apresentado, como “Tito, meu filho
conforme a Fé comum”, Paulo não se coloca em posição superior em
relação aos demais irmãos, apesar do apostolado, a Fé é aquela de Tito, e
dos irmãos Cretenses, de todos os salvos. A linguagem paternal em relação
a Tito reflete o amor e confiança depositados nele.
O propósito pelo qual a epístola a Tito foi escrita, segundo o texto é:
“colocar em ordem o que ainda falta” e a “constituição de presbíteros em
cada cidade”. A Igreja cretense (como um todo) era nova, pois ainda não
tinham sido separados os administradores locais. Ela estava organizada em
diferentes congregações e não se sabe como estavam sendo conduzidas.
Não há consenso, mas acredita-se que as Igrejas de Creta eram autônomas,
porque não se vê no livro, nada que sugira a existência nem a recomendação
para a instituição de uma figura central entre os futuros presbíteros (1.1-5).
De acordo com Tenney, (2008):

Não existem registros para indicar quando o ofício de “presbítero”


(πρεσβύτεροι) foi instituído. Presbíteros são encontrados logo no
início das comunidades cristãs da Judéia (At 11.30); Paulo e Barnabé
os indicaram para ficarem encarregados das congregações que os
dois estabeleceram em sua primeira viagem missionária (At 14.23).
O ofício foi tomado emprestado, embora modificado, da sinagoga
judaica, onde uma equipe de anciãos dirigia a vida religiosa e civil da
comunidade.

7 CARACTERÍSTICAS DOS DESPENSEIROS DE DEUS

Richards (2008), argumenta que ao dizer a Tito a razão de ele ter sido
deixado em Creta, Paulo usou o termo grego kathistemi “estabelecesses” ou
“constituísses”, o mesmo usado em Atos (6.3), quando os irmãos em
Jerusalém foram orientados a escolher os primeiros diáconos. Para este
autor, o termo, dá margem para a ideia de que os crentes das congregações
de Creta pudessem (em certa medida) opinar acerca dos presbíteros
destinados a elas. Se assim for, é possível que Tito encontrasse entre os

153
irmãos algum apoio na verificação do comportamento de seus futuros
líderes. Mas diante do quadro apresentado nos possíveis problemas
existentes ali, há que se perguntar se alguém seria confiável para de uma
forma ou de outra auxiliar Tito em tão árdua tarefa.
Admite-se que, os irmãos - homens, mulheres, jovens e idosos, tinham
um procedimento reprovável. A conduta moral dos irmãos e os ensinos
contrários à sã doutrina, arriscavam o bom êxito do trabalho de Tito, se ele
encomendasse as pessoas erradas, as comunidades ficariam seriamente
prejudicadas. Entretanto, se deduz que havia em Creta pessoas piedosas,
comprometidas com Cristo e com o Evangelho, já que era dentre os irmãos
Cretenses que os obreiros seriam escolhidos. Paulo então estabelece os
critérios para a escolha dos obreiros e, porque não dizer, de suas respectivas
famílias. Ele apresenta a lista de características esperadas dos futuros líderes.
O presbítero deve ser - um bom administrador em seu próprio lar antes
de se tornar um administrador das coisas de Deus, para tão importante
missão ele precisa: ser marido de uma só mulher, esta talvez seja uma
exigência mais específica da fidelidade conjugal; ter filhos crentes que não
sejam acusados de libertinagem ou de insubmissão, aqui se trata de filhos
adultos que, no sistema Romano são submetidos à autoridade legal dos pais.
O presbítero deve ser portador de um caráter - irrepreensível;
hospitaleiro; amigo do bem; sensato; justo; consagrado; temperante;
convicto da mensagem fiel da maneira como foi ensinada.
O presbítero - como bom despenseiro (administrador, dirigente,
encarregado) da obra de Deus, deve ser capaz de encorajar outros pela sã
doutrina; capaz de refutar os opositores do Evangelho, falsos mestres que
ao perverterem a verdade, estão destruindo “famílias inteiras”.
O presbítero não deve ser - orgulhoso, briguento, apegado ao vinho,
violento, ávido por lucro desonesto.
Tito é orientado a trabalhar em duas frentes - na escolha dos obreiros
e no combate imediato dos ensinamentos espúrios. Paulo chama os
opositores da Fé, de: “faladores e enganadores”, e destaca “especialmente os
do grupo da circuncisão”. Não se pode afirmar categoricamente que há em
Creta dois grupos de falsos mestres. Mas é certo que há mais de um tipo de
ensino contrário à verdade do Evangelho. É possível que exista ali apenas
um grupo, quem sabe de judeus “liberais”, cuja proposta englobe desde as
práticas do Judaísmo até um modo leviano de viver. Também não se
descarta a interpretação de que sejam dois grupos distintos, um de judeus,

154
não necessariamente judaizantes, legalistas, como defendem alguns
estudiosos; já que não aparece no texto nada relativo a cobranças da parte
deles acerca da circuncisão. E um outro grupo composto, por pessoas (de
origem judaica ou não), em que a imoralidade seja não apenas aceita, mas
defendida.
É fato que existe na Igreja Cretense, distorções da verdade em relação
à liberdade cristã, razão essa de haver tanta imoralidade no meio dos
crentes. E também a ameaça no tocante a ensinamentos judaicos, com suas
“lendas e mandamentos de homens que rejeitam a verdade”. As “lendas”
abordadas por Paulo podem ser as da hagadah judaica. É a mistura de textos
bíblicos com ampliações explicativas provindas de interpretações
talmúdicas, que eram lidas principalmente em datas específicas como no
Pessach (Páscoa judaica). Quanto aos mandamentos de homens, podem ser
os mesmos impostos pelos judaizantes em outras Igrejas gentílicas: regras
referentes à alimentação, a observância de dias especiais, recitações
genealógicas, etc (1.6-10).

8 PROVIDÊNCIAS CONTRA OS FALSOS MESTRES

Tito é orientado a repreender os dissidentes “severamente para que


sejam sadios na Fé”. Os que introduzem falsos ensinamentos devem ser
contestados frontalmente. Paulo declara: “Para os puros, todas as coisas são
puras; mas para os impuros e descrentes, nada é puro. De fato, tanto a
mente como a consciência deles estão corrompidas”. Richards (2008),
considera essa declaração duplamente impactante, pois:

[...] de acordo com o ensino de Cristo (Mt 15.10,1; Lc 11.37-41),


Paulo lembra-nos que pureza não é qualidade das coisas. Pureza é
questão do coração, de modo que os objetivos e as atividades
assumam o caráter do objetivo da pessoa que os usa ou se envolve
neles. Da mesma maneira, a noção dos falsos mestres de que se
envolvendo em certas atividades ou evitando tocar em certos
objetos a pessoa torna-se santa não faz sentido.

Aqueles que dizem conhecer a Deus, praticam ações dissociadas dEle.


“Seus atos o negam; são detestáveis, desobedientes e desqualificados para
qualquer boa obra” (1.7-16).

155
9 ÊNFASE NO ENSINO

Paulo deixa claro a necessidade da repreensão dos falsos ensinadores,


mas também que, é necessário mais do que isso. Para o combate a falsos
ensinos é mister que seja dado o verdadeiro ensino. “Você, porém, fale o
que está de acordo com a sã doutrina [...] exortando-os e repreendendo-os
com toda a autoridade. Ninguém o despreze”. Paulo indica os grupos que
deveriam ser alcançados pelo ensino de Tito:
Os homens idosos – Na Antiguidade os homens mais velhos,
sobretudo, em sociedades patriarcais, eram muito respeitados, mas os
cristãos deveriam fazer jus a isso, no Senhor.
As mulheres idosas – Paulo instrui as mulheres idosas acerca do
comportamento e do testemunho para assim poderem instruir às
jovens, futuras esposas e mães, acerca dos costumes relativos à conduta
social/familiar das mulheres, a fim de que o Evangelho não seja
difamado.
Os homens jovens – Devem ser prudentes, Tito, a partir de suas boas
obras, é o exemplo a ser seguido, para isso, até no modo de ensinar,
tem que demonstrar a prática daquilo que ensina.
As mulheres jovens – Segundo Keener (2004), eram quase sempre as
esposas, “porque a sociedade judaica e greco-romana geralmente
desaprovavam as mulheres solteiras”. Paulo se dirige a elas
indiretamente na orientação dada às mulheres idosas.
Os escravos – Eram obrigatoriamente submetidos a seus senhores,
mas Paulo orienta que eles devem ser honestos e submeter-se. Não
sendo, portanto, uma sujeição forçada, mas voluntária.
Os cidadãos – A submissão às autoridades constituídas era
imprescindível “na debilitação da calúnia sobre subversão, porque nada
havia que os romanos odiassem mais do que os cultos que eles julgavam
sediciosos” (Keener, 2004). Assim como com os demais grupos, a
submissão que Paulo ensina, é a voluntária (2.1-10).

156
10 A SÃ DOUTRINA - BASE DO ENSINO AOS CRETENSES

Paulo não pode ensinar os Cretenses pessoalmente, mas confia que por
intermédio da carta a Tito, os irmãos serão ensinados e preparados para as
boas obras, e para o serviço. Todas as pessoas da Igreja são contempladas
no ensino da sã doutrina, que será também o parâmetro para os
“despenseiros” na obra do Senhor. Embora Paulo não sistematize as
doutrinas, algumas aparecem implícita ou explicitamente e podem ser
destacadas do texto (1.13-3.7). Vejamos a seguir:
Pecado – Outrora os salvos eram escravos de sua natureza humana,
até que veio o Salvador (3.3).
Salvação – Os homens são pecadores e carecem de um Salvador. Num
ato de misericórdia e não pelos méritos humanos Deus enviou ao
mundo, o Salvador (Soter, no grego – 3.4-6).
Redenção – Cristo se entregou pelos pecadores a fim de redimi-los de
toda a maldade e purificá-los, tornando-os aptos à prática das boas
obras (2.14).
Graça – Deus manifesta uma disposição favorável à Salvação dos seres
humanos (2.11).
Fé – Deus disponibiliza Fé para por meio dela, salvar os pecadores. A
Fé comum passa a ser uma constante na vida daqueles que creem (1.13;
2.2).
Justificação – Pela Graça (por meio da Fé), os salvos são justificados
e feitos herdeiros da vida eterna (3.7).
Regeneração – os que creem são em Cristo, gerados para a vida, numa
nova criação (3.5).
Santidade – Os salvos renunciam o pecado e os desejos mundanos a
fim de viverem justa e piedosamente no presente (2.12).
Boas obras e testemunho cristão – Os salvos são estimulados à
prática das boas obras, como consequência de sua Salvação; e ao
testemunho cristão a fim de tornar atraente aos pecadores, o Evangelho
(2.10 e 14).
Vida Eterna – Os salvos aguardam a bendita esperança futura: a
gloriosa manifestação do Salvador, Jesus Cristo. Para Paulo, embora a
vida eterna, propriamente dita, esteja intimamente ligada à ressurreição
dos mortos, a esperança fora “inaugurada com a ressurreição de Cristo”
(2.13).

157
11 SAUDAÇOES FINAIS

Paulo se despede comunicando seus planos para o futuro e,


estimulando o ensino sobre a generosidade e liberalidade para com os
irmãos em Cristo, a fim de que sejam supridas as necessidades daqueles que
as tiver, dando assim oportunidade para que todos os crentes sejam de
alguma forma produtivos na obra do Senhor. (3.12-15).

SÍNTESE DA AULA

• Nessa aula aprendemos sobre, Tito, companheiro de Paulo e pastor


da Igreja Cretense;
• Nessa aula aprendemos quais são as características dos presbíteros
para a Igreja Cretense;
• Nessa aula aprendemos como foi combatido o ensino dos falsos
mestres;
• Nessa aula aprendemos sobre o que vem a ser a sã doutrina
defendida por Paulo.

158
AULA 16: EPÍSTOLAS A TIMÓTEO

META

Refletir sobre a gênese da Organização Eclesiástica e seu papel na


história da Igreja.

OBJETIVOS

• Conhecer as dificuldades enfrentadas por Timóteo na Igreja de


Éfeso;
• Atentar para as diferenças e semelhanças no trato das lideranças
eclesiásticas para com a Igreja do primeiro século e a de hoje;
• Verificar qual era o método de Paulo para corrigir as distorções
doutrinárias.

PARA INÍCIO DE CONVERSA

1 APRESENTAÇÃO

As duas epístolas a Timóteo são cartas pessoais e afetuosas, de um “pai


espiritual” a seu “verdadeiro filho na Fé”. No período da primeira epístola
a Timóteo, Paulo já estava livre da primeira prisão em Roma, e dava
prosseguimento à obra missionária, indo às Igrejas e na maioria das vezes
deixando ali pessoas de sua confiança para liderá-las. Também instituiu
líderes que iriam preparar obreiros para darem continuidade à obra do
Senhor. A segunda carta, por sua vez, foi escrita da prisão em Roma,
quando estava próximo de sua condenação e consequente morte, quando
já contava com 60 anos ou mais e, se for assim, cerca de 30 anos de serviço
prestado a Cristo. Duas datas são sugeridas para o martírio de Paulo, a
primeira seria em 64 d.C., logo após o incêndio de Roma, embora não haja
concordância em relação a Paulo, todavia “pode-se afirmar que foi durante
o principado de Nero que a extinção da igreja se tomou medida política
oficial”. A outra sugestão a coloca em meados de 67 d.C., sendo Paulo “de
acordo com a tradição, decapitado em Roma por ordem de Nero” (Tenney,
2008).

159
2 AUTORIA, DATA E DESTINATÁRIO – PRIMEIRA EPÍSTOLA

A primeira epístola a Timóteo, composta por seis capítulos e cento e


treze versículos, foi escrita por Paulo, por volta de 63/64 d.C.,
provavelmente da Macedônia. Esta epístola, assim como as duas outras
cartas pastorais, foi alvo de dúvidas acerca da autoria paulina, mas aceita
pela maioria nos primeiros séculos da Igreja. A autoria, bem como a
canonicidade da carta foi aceita por Policarpo, Atenágora e escritores
posteriores, mas rejeitada por Taciano e Marcião, Carson (1997).

3 QUEM ERA TIMÓTEO

Timóteo foi um fiel companheiro de Paulo desde a segunda viagem


missionária, quando retornou à cidade de Listra na Licaônia, para confirmar
a Fé dos irmãos. Acredita-se que Timóteo tenha conhecido Paulo na
primeira vez que ele esteve na cidade por ocasião da primeira viagem.
Timóteo foi recomendado a Paulo pelos irmãos das cidades de Listra e
Icônio, por causa de seu testemunho de vida. Em sua primeira aparição no
cenário cristão, ele é chamado de discípulo. Paulo o convidou a fazer parte
de sua comitiva missionária. Para Paulo, o convite não foi por obra do
acaso, mas pela vontade de Deus (Tm 1.18; 4.14). Antes de retomar a
viagem, Paulo providenciou para que Timóteo fosse circuncidado, mesmo
que o Concílio de Jerusalém já tivesse registrado a liberação dos gentios de
qualquer dos ritos judaicos ainda observados pelos judeus. Entretanto,
como Timóteo era filho de mãe judia, Paulo, não querendo criar problemas
com os judeus, achou por bem fazê-lo. De acordo com Tenney (2008),
“aparentemente Paulo julgou que esta concessão seria necessária para a
eficácia máxima da obra de Timóteo”.
Eunice e Lóide, mãe e avó de Timóteo eram mulheres fiéis à Fé de seus
antepassados, por conta disso, ele recebeu delas o ensinamento das
Escrituras do Antigo Testamento. Em algum momento essas mulheres se
converteram a Cristo, e o jovem Timóteo, também. Ele era ainda jovem
quando Paulo lhe escreveu a primeira epístola, pois assim se dirige a ele,
mais jovem ainda quando iniciou sua jornada missionária. Se as datas a
respeito da segunda viagem e o martírio de Paulo estiverem razoavelmente
corretas, Timóteo pode ter convivido com Paulo por cerca de 15 anos.

160
Ele auxiliou Paulo na evangelização da Macedônia e Acaia e em Éfeso
durante os três anos em que Paulo lá esteve, Timóteo estabeleceu com
aquela Igreja uma relação de confiança, fato que pode ter sido de grande
ajuda durante sua estadia ali como pastor. Além disso, esteve com Paulo em
outras localidades, como Filipos, Jerusalém entre outras. Na primeira prisão
de Paulo, principalmente nos últimos dois anos em Roma, há uma presença
marcante de Timóteo ao seu lado, de modo que foi coautor de pelo menos
três das quatro cartas enviadas por Paulo da prisão: Filemon; Colossenses e
Filipenses. Após a libertação de Paulo da prisão de Roma, Timóteo foi para
Éfeso, e lá estava quando Paulo lhe escreveu a primeira carta.

4 PRIMEIRA EPÍSTOLA A TÍMOTEO

O tema da primeira epístola a Timóteo é “A Organização e


Administração Eclesiástica”, função para a qual ele foi comissionado por
Paulo. No exercício de sua função, Timóteo deveria designar obreiros
qualificados para a atuação junto as Igrejas de Cristo, mas não antes de
resolver os problemas existentes causado por falsos mestres à Igreja de
Éfeso.
Paulo inicia a epístola se apresentando como o apóstolo de Jesus, por
ordem de Deus que endereça a Timóteo seu “verdadeiro filho na Fé”, a
carta. Ao se referir a ele deste modo, Paulo demonstra a afinidade que tem
com o jovem Timóteo, mas também, diante da possibilidade de a carta ser
lida publicamente, ainda que, contendo assuntos especificamente pessoais,
Paulo pode estar enfatizando a “autorização apostólica de Timóteo”,
quando, ’“meu verdadeiro filho” soaria como uma terminologia para um
herdeiro legal” (Keener, 2004 – 1.1-3).

5 ADVERTÊNCIA ACERCA DOS FALSOS ENSINAMENTOS

Paulo declara o motivo de ter deixado Timóteo na cidade – ele precisa


agir com firmeza em relação aos falsos mestres que perturbam a Igreja,
cujos ensinamentos devem ser banidos. “A heterodoxia tinha infestado a
igreja - um tipo de legalismo e um tipo de teologia especulativa baseada em
mitos e genealogias” (Tenney, 2008). Os falsos mestres arrogam para si o

161
conhecimento e autoridade como se fossem doutores da Lei, mas Paulo
reconhece suas debilidades. A Lei é boa, mas não tem nenhum efeito sobre
os justos, sendo útil apenas para os pecadores, e para todos aqueles que se
opõem à sã doutrina, na medida em que revela o pecado deles: contra as
autoridades; a religião; a moral; a família - Paulo aborda o assassinato dos
pais, que até na cultura Romana, tida como profundamente reprovável, era
inadmissível, sendo punida com a morte; e os “roubadores de homens”,
aludindo aos sequestros de adultos e crianças, de ambos os sexos, para a
escravização, inclusive sexual. Não há indícios de que todos esses pecados
estivessem incluídos no estilo de vida dos crentes daquela região, mas Paulo
os usa para ilustrar seu argumento.
Paulo resgata seu testemunho pessoal para demonstrar que em Cristo
há esperança de perdão. Ao dizer que fora blasfemador, ele se coloca como
sendo outrora, merecedor de condenação, “dos quais eu sou o pior”, tendo
em vista, o pensamento judaico sobre essa categoria de pecado, e por ser
essa uma afronta direta contra o próprio Deus: mas pela misericórdia de
Deus, “Cristo Jesus veio ao mundo para salvar os pecadores”. Paulo
completa convocando Timóteo a combater o bom combate, mantendo a
Fé e a boa consciência que outros (Himeneu e Alexandre) rejeitaram, vindo
a ser excluídos da comunidade da Fé a fim de que se arrependam e não mais
blasfemem (1.1-20; 1Co 5.5).

6 ORGANIZAÇÃO ECLESIÁSTICA

Paulo exorta que se faça orações públicas por todos os homens e pelas
autoridades constituídas, dentre elas, o imperador, obviamente, para que
em sendo abençoadas, toda a sociedade também o seja. De acordo com
Keener (2004):

Roma permitia que os judeus orassem pela saúde do imperador [...]


preces eram oferecidas para ele regularmente nas sinagogas,
mostrando a lealdade dessas instituições judaicas com o Estado
Romano. [...] As preces públicas cristãs para o imperador provincial
e locais oficiais mostravam os cristãos como bons cidadãos da
sociedade em que eles viviam. O motivo de Paulo é mais do que
manter a paz; é também proclamar o Evangelho.

162
Deus, o Salvador: “deseja que todos os homens sejam salvos e cheguem
ao conhecimento da verdade. Pois há um só Deus e um só mediador entre
Deus e os homens: o homem Cristo Jesus, o qual se entregou a si mesmo
como resgate por todos”. A razão de Paulo ter sido designado pregador e
apóstolo, mestre dos gentios na Fé e na verdade, é que todos tenham igual
acesso ao Evangelho (2.1-8).
Paulo orienta que os homens vivam em unidade entre si, orando em
todo o tempo sem manifestações de ira e contendas. Da mesma forma as
mulheres, as verdadeiras adoradoras devem ter um comportamento sóbrio,
vestindo-se apropriadamente, não sendo reconhecida sua beleza pelo uso
de adornos. Elas devem antes, valorizar e preservar a beleza interna que se
reflete nas boas obras e não no uso de adereços.

Moralistas judeus e greco-romanos, ridicularizavam as mulheres que


se enfeitavam para chamar a atenção [...]. Os escritores judeus
advertem especialmente sobre as tentações sexuais em tais enfeites.
Os escritores greco-romanos também condenam as mulheres que
exibem o custo de seus adornos. O cabelo era às vezes trançado com
ouro, o que Paulo deve ter visto aqui; os homens eram atraídos
especialmente pelas mulheres de cabelos enfeitados. Como muito
dos escritores que condenavam tais ostentações, Paulo entendia
como excesso de atração, não uma lei contra todo adorno (Keener,
2004).

A atuação das mulheres na Igreja de Éfeso, neste primeiro momento,


e em certa medida, parece ser limitada, elas são estimuladas ao aprendizado,
mas não a ensinar nem a exercer autoridade sobre os homens, ainda que
Paulo não deixasse de valorizar o ministério feminino (Rm 16. 1-7; Fl 4.2,3).

As mulheres devem orar com um comportamento apropriado,


expresso em sua aparência externa. Num adendo que é claramente
importante em si mesmo, declara-se que as mulheres não devem
ensinar homens, embora lhes seja permitido aprender, e que elas
serão salvas “dando à luz a filhos”. A conexão entre essas instruções
e o problema da oposição em 1 Timóteo 1 pode não ser
imediatamente evidente. É provável que a oração congregacional
estivesse sofrendo por causa da dissensão nas reuniões e que
algumas das mulheres se mostrassem afetadas pelo ensino dos
opositores de Paulo, precisando ser contidas (Marshall, 2007).

163
7 CARACTERÍSTICAS DOS BISPOS

Paulo enumera os atributos exigidos daqueles que seriam colocados a


serviço de Cristo e da comunidade como bispos (epískopos, no grego =
supervisor). O termo grego é muito provavelmente um sinônimo de
presbítero (presbiteroi, no grego), as vezes traduzido como ancião, como o
da religião judaica. “Este foi o primeiro papel de liderança local na Igreja
Primitiva, mas era um papel compartilhado, pois a passagem do livro de
Atos e outros indicam que as Igrejas locais eram guiadas por uma equipe de
anciãos [ou presbíteros] e não por um único “pastor’” (Richards, 2008).
O bispo deve ser - Marido de uma só mulher; governar bem sua
própria família, tendo os filhos sujeitos a ele, com toda a dignidade.
O bispo deve ser - Portador de um caráter irrepreensível; sóbrio;
prudente; respeitável; hospitaleiro; amável; ter boa reputação perante
os de fora, para que não caia em descrédito nem na cilada do diabo.
O bispo deve estar - Apto para ensinar a Palavra
O bispo não deve ser - Apegado ao vinho, nem violento, mas sim,
pacífico e não apegado ao dinheiro.
O bispo não pode ser - Recém-convertido, para que não se
ensoberbeça e caia em descrédito nem na cilada do diabo (3.1-7).

8 CARACTERÍSTICAS DOS DIÁCONOS

Os diáconos (diákonos, no grego = ministro, servo, ajudador) escolhidos


pela Igreja de Jerusalém, conforme se encontra no livro de Atos (6.3),
tinham como exigência: a boa reputação; ser cheios do Espírito Santo; e
cheios de sabedoria. Paulo também estabelece critérios para aqueles que
exercem o ofício:
O diácono deve ser - Marido de uma só mulher e governar bem seus
filhos e sua própria casa.
Os diáconos devem ser - Dignos, homens de palavra, não amigos de
muito vinho nem de lucros desonestos.

164
Os diáconos - Devem apegar-se ao mistério da fé com a consciência
limpa.
Os diáconos - Devem ser primeiramente experimentados; depois, se
não houver nada contra eles, podem atuar como diáconos.
As diaconisas, tal como Febe (Rm 16.1), mulheres que exercem
atividade igual à dos diáconos, também devem manifestar atributos que as
legitimem. Elas devem ser igualmente dignas; não caluniadoras, mas
sóbrias; e confiáveis em tudo. “Os que servirem bem alcançarão uma
excelente posição e grande determinação na fé em Cristo Jesus”. “Os
estudiosos debatem se ‘mulheres ’aqui se refere às diaconisas ou às esposas
dos diáconos, embora até o Governo Romano estivesse atento às diaconisas
cristãs por volta de 112 d.C.” (Keener, 2004).
Paulo pretende ir até Timóteo quando poderá orientá-lo pessoalmente,
mas a carta vai adiante dele, levando as prementes exortações, visto ser a
conduta dos líderes de tão grande relevância para a prática da Igreja e,
consequentemente seu testemunho no mundo. A piedade (a santidade na
prática) esperada da Igreja se justifica no fato de ser ela, tanto resultado da
obra realizada por Cristo no conjunto de suas ações, desde a encarnação,
até sua glorificação, como responsável por manifestá-lo (3.1-16). “Esse é o
‘grande mistério ’confiado à custódia e proclamação da Igreja” (Marshall,
2007).

9 DOUTRINAS DE DEMÔNIOS

Paulo explica qual é a procedência dos falsos ensinamentos que estão


colocando em risco a integridade espiritual da Igreja - são doutrinas de
demônios. Elas podem ter aparência de piedade quando incentivam o uso
de determinados alimentos em detrimento de outros, ou na imposição do
celibato como um requisito para a pureza e santidade, mas são frutos do
engano daqueles que abandonam a fé. Timóteo é convocado a viver
exemplarmente, dedicando-se à leitura pública das Escrituras, à exortação e
ao ensino (4.1-16).

165
10 ADMINISTRAÇÃO ECLESIÁSTICA

Timóteo deve tratar os irmãos na Fé como membros de sua própria


família – o ancião, como se fosse seu pai; a anciã, como se fosse sua mãe; o
moço, como se fosse seu irmão; a moça, como se fosse sua irmã. Ele dá
conselhos práticos referentes às viúvas; aos presbíteros (ou anciãos); aos
crentes em geral; aos escravos.
As viúvas jovens – Ficam a encargo de suas famílias no tocante ao
sustento. Devem se casar novamente para não caírem em tentação,
vindo a praticar a imoralidade.
As viúvas idosas – As piedosas que tenham mais de 60 anos, se não
houver quem da família que as atenda, devem ser assistidas pela Igreja
no tocante ao sustento financeiro.
Os presbíteros (ou anciãos) – Os que lideram bem a Igreja
principalmente os que são responsáveis pela pregação e ensino, devem
receber sustento financeiro.
Os crentes em geral – Devem priorizar suas famílias, pois “aquele que
não cuida de seus parentes, principalmente os de sua família, negou a Fé
e é pior que os infiéis”.
Os escravos – Devem ser respeitosos e justos com seus senhores,
inclusive os que forem também irmãos em Cristo (5.1-6.2).

11 COMBATE AO MATERIALISMO

Paulo faz uma conexão com a atitudes dos falsos mestres e o amor ao
dinheiro, pois se envolvem em todo tipo de problemas enquanto
corrompem a sã doutrina, cujo objetivo final é o “lucro”. Paulo então
defende que, o lucro é viver uma vida santa e feliz, quanto às coisas
materiais, elas são úteis para a preservação da vida terrena, mas não devem
ser o foco do cristão. O amor ao dinheiro é um pecado que desqualifica as
pessoas para o ministério, e Paulo se encarregou de deixar isso bem claro.
Os ricos por sua vez, são incitados à generosidade e liberalidade, eles não
são acusados por serem ricos, mas a riqueza deve ser fonte de partilha
contínua, de outra forma, constitui-se pecado (6.3-6.19).

166
12 SAUDAÇÕES FINAIS

Antes de finalizar a carta Paulo demonstra preocupação com a saúde


de Timóteo e o aconselha sobre isso. Seu desejo é que ele esteja bem e que
guarde o que lhe foi confiado – a verdade do Evangelho, e se proteja do
falso conhecimento e da apostasia (5.23; 6.20,21).

SEGUNDA EPÍSTOLA A TIMÓTEO

1 AUTORIA, DATA E DESTINATÁRIO – SEGUNDA EPÍSTOLA

A segunda epístola a Timóteo, composta por quatro capítulos e oitenta


e três versículos, foi escrita por Paulo a Timóteo por volta de 66/67 d.C.,
durante sua segunda prisão em Roma. Por estar ciente de sua morte
iminente Paulo escreveu uma carta pessoal - com caráter testamental e
objetivo pastoral. Segundo Carson, (1997), ela parece ter sido citada em
1Clemente e por Inácio e Policarpo. “Não há a menor dúvida de que Irineu
refere-se à carta, citando-a como escrita por Paulo a Timóteo. Clemente de
Alexandria faz o mesmo, e desses primeiros dias em diante a carta foi
universalmente aceita”. Mas ao que tudo indica foi rejeitada por Taciano e,
naturalmente, recusada por Marcião, “que não colocou no seu cânon
nenhuma das pastorais”.

2 SEGUNDA EPÍSTOLA A TIMÓTEO

A segunda epístola de Paulo a Timóteo é permeada por “reminiscências


da chamada divina de Timóteo e de Paulo” (Gundry, 1998),
“interpenetração de sentimentos pessoais e de política administrativa, [...]
de tristeza e confiança (Tenney, 2008). “Paulo olha para a frente e descreve
desafios que ele prevê para o movimento cristão” (Richards, 2008). O seu
principal objetivo era preparar Timóteo para a tarefa árdua que Paulo ia em
breve abandonar” (Tenney, 2008). O Tema da epístola é, portanto, “A
Continuidade da Obra de Cristo na Igreja”.

167
3 EXORTAÇÃO À PERSEVERANÇA NO MINSTÉRIO

Paulo inicia sua última epístola como o “apóstolo de Cristo” segundo


a vontade de Deus a Timóteo, “filho amado”. Ele ressalta suas orações pelo
jovem pastor e se lembra de um momento em especial em que Timóteo
chorou, provavelmente na última vez em que se separaram, já que o
trabalho missionário de um e do outro seguia avante em locais distintos.
Paulo o encoraja a despertar o “dom” charisma (no grego - mesmo termo
usado acerca dos dons espirituais), que ele recebeu pela imposição das mãos
de Paulo, o que sugere se tratar de um dom que o capacita para o ministério,
a “imposição das mãos simboliza a continuação do ministério de Paulo [...]
não era em si mesma ‘eficácia sacramental’” (Henry).
É possível que Timóteo, estivesse sendo intimidado pelos opositores
do Evangelho, cujos ataques perduravam desde o início do ministério de
Paulo, e do seu próprio, ou ainda pela nova onda de perseguição, agora, do
Império, na pessoa de Nero. porque Paulo o exorta, a como ele, não se
envergonhar de testemunhar de Cristo. Nem de Paulo, mas a dividir com
ele os sofrimentos pelo Evangelho, pois para isso Deus comunicou ao seu
espírito - poder, amor e equilíbrio, não covardia.
Paulo remete à santa vocação recebida pela graça e não por méritos
próprios, desde a eternidade, e revelada pela manifestação e ressurreição de
Cristo. Este é o Evangelho para o qual Paulo diz ter sido vocacionado e
“constituído pregador, apóstolo e mestre [...] porque sei em quem tenho
crido e estou bem certo de que ele é poderoso para guardar o meu depósito
até aquele dia”. Para Wiersbe (2008), ao falar do “depósito”, Paulo quer
dizer que “sabe que pode confiar em Cristo para guardar a ele e a sua alma”
e que “Cristo o capacitará a permanecer no que ele designou para Paulo [...]
o “Evangelho”, Cristo “o capacitaria a guardá-lo e mantê-lo”. Timóteo por
sua vez, tem um bom depósito a guardar – a Fé em Cristo e o Evangelho
que ele recebera de Paulo e deveria transmitir a outros também fiéis e
capazes de ensinar (2.2), tal como ele, conforme a sã doutrina (1.1-14). “Os
mestres judeus sentiam que eles estavam passando um depósito sagrado aos
seus discípulos, pois era esperado que o passassem em troca para outros”
(Keener, 2004).

168
4 O TRATAMENTO RECEBIDO PELOS IRMÃOS DA ÁSIA

Paulo demonstra gratidão pela casa de Onesíforo, referindo-se muito


provavelmente a ele e sua família. Para Keener (2004), a expressão (ele me)
reanimou, remete à “hospitalidade que incluía hospedagem aos viajantes;
Onesíforo deve ter tido uma casa grande e hospedado Paulo sempre que
ele vinha a Éfeso”, na Província da Ásia. Este irmão também o visitou em
Roma, não se envergonhando da situação em que Paulo se encontrava.
Por outro lado, outros irmãos daquela região, não lhe dedicaram o
mesmo amor, embora não os condene, Paulo deixa claro seu sentimento de
abandono, o texto parece indicar que “alguns líderes cristãos na província
cuja capital era Éfeso haviam sido convidados por Paulo para vir a Roma
[...] como testemunhas em seu favor” (Guthrie, apud Henry), se for esse o
caso, talvez por medo, não foram (1.7-18).

5 O SOLDADO, O ATLETA E O LAVRADOR

Paulo usa as metáforas do soldado, do atleta e do lavrador para ensinar


sobre qual deve ser a dinâmica daqueles que se dispõem a servir a Cristo
com suas vidas.
O soldado – A vida do cristão deve ser uma vida de renúncia e
fidelidade. No Império Romano, o soldado, em geral, não tinha
autorização para se casar, ele se dedicava fielmente ao serviço militar
por pelo menos vinte anos de sua vida. Sua recompensa – agradar
aquele que o alistou.
O atleta – A vida do cristão deve ser uma vida de obediência e
autodisciplina. Os atletas gregos faziam juramento em que se
comprometiam ao árduo treinamento físico para as provas dos jogos
olímpicos. Sua recompensa – uma coroa de louros.
Lavrador – o lavrador trabalha laboriosamente, por muitas horas do
dia, seja no sol, ou na chuva. Sua recompensa – ele é o primeiro a comer
de seus frutos.
O soldado, O atleta e o lavrador - Paulo se encaixa nestas descrições,
sua vida de renúncia, disciplina, fidelidade, obediência e trabalho árduo
tem como fundamento, o Cristo ressuscitado – Sua recompensa – A
salvação dos eleitos (2.1-13).

169
6 ORIENTAÇÃO ACERCA DOS QUE SE AFASTAM DA SÃ
DOUTRINA

Paulo enfatiza o comportamento de Timóteo: “Procure apresentar-se a


Deus aprovado, como obreiro que não tem do que se envergonhar, que
maneja corretamente a palavra da verdade”. Richards (2008), explica que o
termo grego para manejar é orthotomounta, e “significa ‘manter um curso
correto’. [...] “Paulo definia o ‘curso direito ’nas Escrituras e também o uso
‘fora do curso ’da Palavra. A ‘sã doutrina ’das Escrituras pretende conduzir
a uma vida de amor e santidade. Timóteo deve se manter fiel à sã doutrina
para corrigir aqueles que estão pervertendo a verdade”.
Paulo fala de dois falsos mestres que ensinam que a ressurreição já
ocorreu. Um desses hereges, é Himeneu, provavelmente o mesmo corrigido
por Paulo anteriormente (1 Tm 1.20), em se tratando da mesma pessoa,
subentende-se que, mesmo depois de duramente advertido, ele não se
arrependeu. Os hereges provavelmente aludem à ressurreição espiritual que
os salvos experimentam em Cristo. Porém, assim fazem para distorcer a sã
doutrina da ressurreição do corpo. Os gregos não criam na ressurreição do
corpo e esses homens parecem ter manipulado a verdade a fim de agradar
os seus ouvintes. Com esse ensino estavam pervertendo a Fé de muitos. O
Senhor sabe quem são os seus, estes devem se afastar do pecado e assim
serão como os vasos de uso especial, santificados, úteis para serem usados
pelo Senhor.
Timóteo deve corrigi-los, mas com mansidão, para que venham a se
arrepender, e voltar para o Senhor, contudo, deve ele mesmo, fugir da
imoralidade, evitar as controvérsias fúteis e seguir “a justiça, a fé, o amor e
a paz, juntamente com os que, de coração puro, invocam o Senhor” (2.14-
26).

7 A CORRUPÇÃO DOS ÚLTIMOS DIAS

No Antigo Testamento os “últimos dias” estão relacionados à


manifestação do Messias. No Novo Testamento, “o fim (eschaton) foi
inaugurado com a encarnação e morte e ressurreição de Jesus Cristo, o
Messias. Os ú‘ltimos dias (Hb1.2) já começaram. Paulo afirma: ‘vindo,
porém, a plenitude dos tempos, Deus enviou o seu filho ’(Gl 4.4)
apontando para o início de uma nova época” (Shedd, 1983). Paulo descreve

170
o caráter dos seres humanos dos últimos dias, características típicas dos
ímpios (que não temem a Deus), que são facilmente encontradas nos falsos
mestres de seu tempo.
Os falsos mestres geralmente têm “aparência de piedade”, ou seja, são
religiosos, mas enganadores, que resistem à verdade tal como fizeram os
opositores de Moisés. A partir do conhecimento oral da cultura judaica e
de textos antigos conservados na época de Paulo, ele os nomeia - Janes e
Jambres -, se referindo aos sacerdotes egípcios que fizeram uso do
ocultismo, trazendo confusão para à missão libertadora de Moisés (Êx 7 e
8). Paulo avisa que, como aconteceu com eles, assim será com todos que se
opuserem à verdade - serão desmascarados (3.1-9).

8 EXORTAÇÃO À PERSEVERANÇA NA SÃ DOUTRINA

Paulo lembra Timóteo de sua jornada na missão na obra do Senhor e


de como foi por isso, perseguido. O próprio Timóteo teve suas experiências
na missão, “sua fé foi testada em condições semelhantes às de Paulo”
(Henry). Paulo o orienta a perseverar naquilo que aprendeu, é como irá
prevalecer diante da oposição. “Toda a Escritura é inspirada por Deus e útil
para o ensino, para a repreensão, para a correção e para a instrução na
justiça, para que o homem de Deus seja apto e plenamente preparado para
toda boa obra”. Diferentemente dos moralistas greco-romanos que
discutiam frequentemente o tempo ‘apropriado ’para fala, fala
especialmente franca. Paulo diz que Timóteo deveria anunciar a sua
mensagem se as pessoas estivessem dispostas a ouvir ou não”
(Keener,2004). Porque haverá um tempo em que as pessoas não ouvirão,
mas enquanto isso “faça a obra de um evangelista, cumpra plenamente o
seu ministério” (3.1- 4.5).

9 O VIVER É CRISTO E O MORRER É LUCRO

Paulo anuncia sua morte: “o tempo da minha partida está próximo”,


então usa duas metáforas para ilustrar a sua partida, a do sacrifício em que
sua vida é a oferta; e a das competições atléticas de combate e corrida, para
dizer que conseguiu ir até o fim, guardou a Fé e aguarda a recompensa – a
coroa da justiça (4.6-8).

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Paulo está preso, próximo da morte, mas ainda está atuando no
trabalho missionário. Enviou Tíquico para Éfeso, acredita-se que levando a
carta, e muito provavelmente para auxiliar Timóteo, substituindo-o na
Igreja enquanto ele se dirige à Roma; Tito para a Dalmácia, região sul da
Província romana do Ilírico, onde Paulo pode ter fundado Igrejas (Rm
15.19). Trófimo, ele deixou (doente) em Mileto; Erasto permaneceu em
Corinto; Lucas continua com ele, talvez (quem sabe) tenha sido o
responsável pela redação desta carta, dependendo da situação de Paulo.
Marcos que outrora fora rejeitado para acompanhá-lo na segunda viagem
missionária, com razão até certo ponto justificável, após tantos anos de
experiência, já não era mais o “indeciso” Marcos, mas o cooperador
Marcos. Ele é agora requisitado: “porque ele me é útil para o ministério”.
(4.9-12; At 15.37-40).

10 ÚLTIMAS RECOMENDAÇÕES – SAUDAÇÕES FINAIS


Paulo foi até Trôade, provavelmente no período entre as duas prisões
em Roma, e lá deixou pertences importantes, e Timóteo deveria trazê-los –
a capa, Paulo gostaria de recebê-la antes do inverno; e os livros,
especialmente os pergaminhos, Gundry (1998), defende que esses
pergaminhos poderiam ser documentos pessoais, como os que
comprovariam sua cidadania romana, mas não há consenso sobre isso,
Keener (2004), defende que o termo “pergaminho” “já estava em uso para
códices, coleção de folhas de papiro com uma capa, em vez de rolos, uma
forma de livros já em existência, mas popularizada pelos cristãos [...] os
cristãos rapidamente começaram a usá-los para a Bíblia”.
Paulo faz uma última recomendação a respeito de Alexandre,
provavelmente aquele citado na primeira epístola, deve-se ter cuidado com
ele, pois é opositor do Evangelho. Questiona o fato de ter sido abandonado
em sua primeira defesa, possivelmente sob a autoridade de Nero. Paulo
ainda testifica que Deus o livrou da “boca do leão”, ao que tudo indica
referindo-se a Nero, e não à morte nas arenas, porque como cidadão
Romano ele já estava “destinado” à decapitação. Paulo faz as costumeiras
saudações juntamente com os que estão com ele. “O Senhor me livrará de
toda obra maligna e me levará a salvo para o seu Reino celestial. A ele seja
a glória para todo o sempre. [...] O Senhor seja com o seu espírito. A graça
seja com vocês (4.13-22).

172
SÍNTESE DA AULA

• Nesta aula aprendemos Como Paulo orientou as ações pessoais e


ministeriais de Timóteo.
• Nesta aula aprendemos que muitos dos problemas da Igreja de
Éfeso tratados na primeira Epístola a Timóteo, ainda perduravam
por ocasião da segunda epístola.
• Nesta aula aprendemos que a correção foi uma importante
indicação para a resolução de problemas na Igreja, mas ela nunca
esteve dissociada do ensino da sã doutrina.
• Nesta aula aprendemos que Paulo se importou com Timóteo e não
apenas com o trabalho que ele iria executar.
• Nesta aula aprendemos que Timóteo foi orientado a cuidar de
problemas graves, mas também a atentar para as questões mais
corriqueiras da vida eclesiástica.

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WEBSITE:

As distâncias viajadas por Paulo – Blog do Tim Carriker (ultimato.com.br)

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MINICURRÍCULO DO AUTOR

Prof. Me. Guilherme Burjack de


Carvalho
CV: http://lattes.cnpq.br/0310107721505204

É mestre em Ciências da Religião


pela PUCGO, bacharel em Teologia
pela UMESP e Seminário Teológico
Batista Goiano. Atua como
Missionário transcultural na
Espanha em parceria com a
MISIÓN Asamblea De Dios
Andaluza. Também é escritor e
conferencista. Mantém um
ministério digital em apoio a
pastores, professores e líderes na
capacitação teológica.

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