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https://doi.org/10.4322/dilemas.v15n1.

40621

Tecendo olhares sobre a gestão dos conflitos na escola


Maria Cristiane Lopes da Silva1
1
Secretaria da Educação do Estado do Ceará, Fortaleza, CE, Brasil
Rosemary de Oliveira Almeida2
2
Universidade Estadual do Ceará, Fortaleza, CE, Brasil
Sinara Mota Neves de Almeida3
3
Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira, Redenção, CE, Brasil

Os conflitos e as violências no espaço escolar são Conflicts and violence in the school environment are
compreendidos neste artigo a partir de reflexões understood in this article from reflections woven
tecidas pelos olhares de docentes e estudantes. through the perspectives of teachers and students. In
Nosso objetivo, nesse sentido, é refletir sobre o this sense, our aim inf Weaving Perspectives on
entendimento que os sujeitos escolares constroem Conflict Management at School is to reflect on the
em relação aos conflitos e violências no cotidiano understanding that school subjects build in relation
escolar. Metodologicamente, optamos pela to conflicts and violence in school daily life.
abordagem qualitativa, utilizando técnicas de Methodologically, we have opted for a qualitative
observação direta, entrevista semiestruturada, approach, using techniques of direct observation,
grupo de discussão e diário de campo. Em síntese, semi structured interview, discussion group and field
os achados deste estudo são reflexões de olhares diary. In short, the findings of this study are reflections
de sujeitos escolares, não exaurindo a from the perspectives of school subjects, not
complexidade da discussão, mas buscando exhausting the complexity of the discussion, but
contribuir para outros possíveis debates. seeking to contribute to other possible debates.
Palavras-chave: educação, professor, estudante, Keywords: education, teacher, student, conflict,
conflitualidade, violências violence

Introdução

O
s conflitos e as manifestações de violências 1 no espaço escolar são há muito tempo
objeto de discussão, como se pode observar nos vários trabalhos pautados nesse
sentido (ABRAMOVAY, 2006). Contudo, entendemos que suscitar reflexões a partir
das narrativas dos sujeitos escolares pode ser uma forma de subsidiar o fazer pedagógico, no
sentido de agregar elementos de debate para possíveis estratégias a serem adotadas no manejo dos
conflitos e na prevenção das violências.
Lançar olhares sobre a escola é partir do pressuposto de que ela é um espaço dinâmico, um
lugar sociocultural que abarca duas dimensões: por um lado, é uma instituição pautada por regras
e normas que a tornam um sistema escolar; por outro, é constituída por sujeitos imersos em redes
de relações, tramas sociais de acordos, confrontos e interesses, espaços de apropriação constante
de práticas e saberes entre a instituição e os indivíduos. A escola é, portanto, um espaço
sociocultural (DAYRELL, 2001).
Porém, ela nem sempre foi vista dessa maneira. Conforme Dayrell (Ibid.), somente a partir dos
anos 1980 a escola passou a ser analisada considerando seus sujeitos como atores sociais no vínculo com

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a estrutura, observando-se uma relação constante de conflitos e negociações perante as condições


determinantes do seu cotidiano. Assim, a escola, para além de sua institucionalização, passa a ser vista
como formada por e formadora de docentes e discentes, sujeitos ativos e diversos social e culturalmente
que constroem e desconstroem suas relações, aceitam e resistem diante das circunstâncias estabelecidas.
Portanto, uma análise educacional ampla evidencia, para além das estruturas formais, uma
natureza socializadora da escola, um espaço de encontro que fortalece os vínculos e torna meninos
e meninas, professores e professoras, em sua diversidade, sujeitos ainda mais participantes no
contexto escolar. Tem-se, dessa forma, a percepção de que o velho se reconstrói e o novo se
constrói sem que haja condições rigorosas e definitivas, mas sim uma busca por “processos reais,
cotidianos, que ocorrem no interior da escola ao mesmo tempo em que resgata o papel ativo dos
sujeitos, na vida social e escolar” (Ibid., p. 137). Nesse espaço com sujeitos ativos, inúmeros
impasses surgem nas relações cotidianas; os conflitos se intensificam, as convergências e
divergências de opiniões se constroem. Porém, vicissitudes também se apresentam nessa viva
realidade escolar, como as violências, que são construídas e/ou oriundas de situações externas.
Entre os casos de violências que se embrenham no ambiente escolar, há, por exemplo, aqueles
que ocorrem nos bairros e cidades esquadrinhados em territórios dominados por grupos rivais
que disputam o tráfico de drogas. De acordo com um estudo realizado pelo Comitê Cearense pela
Prevenção de Homicídios na Adolescência (CCPHA), em articulação com o Fundo das Nações
Unidas para a Infância (Unicef), a Assembleia Legislativa do Estado do Ceará (Alce) e o Governo
do Estado do Ceará, mais de 70% das pessoas assassinadas em 2015 eram adolescentes que
estavam fora da escola há pelo menos seis meses e sequer tinham concluído o ensino médio ou
mesmo chegado a ele (CEARÁ, 2017). Nesse cenário, as violências geram e intensificam
incertezas, impulsionam desgastes nas relações de convivência e as sufocam, sendo materializadas
de várias formas, como agressões, insultos diversos, danos e depredações do patrimônio público.
Quando não, os(as) estudantes se desmotivam, fazendo valer comportamentos que os(as)
aterrorizam e os(as) maltratam, reverberando em atitudes que afastam a sociabilidade e
comprometem o próprio processo de ensino-aprendizagem.
Com esse olhar, o objetivo deste artigo é refletir sobre o entendimento que os sujeitos
escolares constroem em relação aos conflitos e violências no chão da escola. Em termos teóricos,
o texto baseia-se na noção de escola construída por Bourdieu (2003), Dayrell (2001) e Freire
(1996), na concepção de conflito de Simmel (1983) e na ideia de violências de Abramovay (2006,
2008, 2012), dialogando também com outros autores. Partindo desse arcabouço teórico e da trilha
metodológica, buscamos suscitar reflexões a fim de ampliar o leque de discussões sobre conflitos
e violências no contexto da escola pública.

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A caminhada metodológica

O percurso metodológico pautou-se na abordagem qualitativa, que leva “em conta todos os
componentes de uma situação em suas interações e influências recíprocas” (ANDRÉ, 1995, p. 17).
Entendemos que a abordagem qualitativa da pesquisa possibilita compreender o fenômeno por
meio das perspectivas dos sujeitos, considerando seus pontos de vista e percepções (GODOY, 1995).
Como recorte do campo, escolhemos uma escola pública de ensino médio da educação básica
da rede estadual cearense que se dispôs a participar da pesquisa, considerando-se a aproximação
das pesquisadoras com essa unidade escolar por conta de um estudo em andamento. Essa
instituição localiza-se em Fortaleza, capital do Ceará, em uma área periférica conhecida no
imaginário social como um território violento. Os sujeitos foram selecionados entre docentes e
discentes da 1ª e 2ª séries do ensino médio diurno, valendo destacar que neste artigo eles
receberam nomes fictícios 2 para preservar a imagem e a confidencialidade das informações
referentes à identificação da escola e dos participantes.
Para a inserção no campo, combinamos as técnicas de observação direta, entrevista
semiestruturada, grupos de discussão e diário de campo. De acordo com Santos, Osterne e Almeida
(2014), esse conjunto de coleta de dados viabiliza uma aproximação mais precisa do fenômeno para
uma melhor interpretação das informações captadas. Cabe enfatizar, entre as técnicas escolhidas,
que o grupo de discussão foi realizado somente com os(as) estudantes, por conta do desencontro de
tempo com os(as) docentes. Além do mais, partimos do pressuposto de que o grupo de discussão
constitui um espaço que permite uma melhor articulação e aproximação com os(as) jovens,
fazendo-os(as) se colocarem de maneira espontânea com seus pares (WELLER, 2006).
As entrevistas foram realizadas por meio de questões semiestruturadas como forma de
nortear as discussões — “o pesquisador organiza um conjunto de questões (roteiro) sobre o tema
que está sendo estudado, mas permite, e às vezes até incentiva, que o entrevistado fale livremente”
(GERHARDT e SILVEIRA, 2009, p. 72). Entrevistamos nove professores, sendo seis mulheres e
três homens com idade entre 27 e 48 anos, e cinco estudantes, sendo três mulheres e dois homens
com idade entre 15 e 18 anos. As perguntas foram relacionadas à percepção que eles tinham sobre
os conflitos e a violência no contexto escolar, como: o que você entende por conflito? Como você
percebe os conflitos na escola? O que é violência? Há violência na escola?
A pesquisa não contou com etapas separadas; o percurso foi traçado simultaneamente. No
entanto, para efeito de compreensão, descrevemos os seguintes estágios: 1) reconhecimento e
apropriação do arcabouço teórico; 2) entrada no campo de pesquisa para aproximação com os
interlocutores e conhecimento do contexto; 3) realização das entrevistas e de dois grupos de
discussão; e 4) análise dos dados coletados.

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O diário de campo se apresenta nesta pesquisa como um instrumento que colaborou para a
compreensão das impressões no momento de imersão na escola e nas entrevistas, dando suporte
para o registro das primeiras percepções e questionamentos das pesquisadoras. Além disso,
provocou um constante processo de análise, em que avaliávamos o que havia sido feito e
planejávamos os passos seguintes da pesquisa. Zabalza (1994) aponta que a escrita no diário é o
ato de escrever sobre as ações que ocorrem e dão mais clareza sobre os fatos pesquisados. Para o
autor, o diário oferece perspectivas sincrônica e diacrônica, de forma a compreender o que
acontece no dia a dia e como os eventos vão evoluindo ao longo dos registros. Ele cumpriu, assim,
um duplo papel, permitindo construir um primeiro vínculo entre as pesquisadoras e o campo
estudado e trabalhar dados que seriam perdidos ou omitidos sem essa ferramenta.

Olhares sobre a escola pública

Dayrell (2001) compreende a escola como um espaço sociocultural intensamente dinâmico, com
sujeitos ativos diante do processo educativo interferindo e agindo diretamente nas tramas cotidianas.
Tais características mobilizam vínculos e estabelecem relações diversas que geram impasses, conflitos
e resistências. De acordo com Freire (1996), a escola é um espaço de relações e aprendizagens que
despertam para a formação crítica. Trata-se, assim, de um ambiente pautado na cumplicidade entre
educador e educando, em que pessoas se constroem coletivamente como formadoras e formandas no
cenário educativo, ao mesmo tempo aprendendo e ensinando — uma escola baseada na “convivência
amorosa com seus alunos e na postura curiosa e aberta que assume e, ao mesmo tempo, provoca-os a
se assumirem enquanto sujeitos sócio-histórico-culturais do ato de conhecer” (Ibid., p. 7).
Ao considerar a escola sob essa perspectiva, entendemos essa instituição como um tipo ideal 3
(WEBER, 1991), sem a intenção de esgotar as possibilidades de interpretações cabíveis e possíveis
de sua existência. Na perspectiva da sociologia compreensiva weberiana, essa análise é uma
apreensão interpretativa de compreender a escola como parâmetro racional, mas que não tem, de
maneira alguma, intenção de ser exaurida como modelo finito.
Conforme aponta Abramovay (2008), há escolas que excluem direta ou indiretamente os(as)
estudantes, inviabilizando diálogos participativos e indo em desencontro a esse modelo destacado
por Freire (1996); em outras palavras, encontra-se uma “escola que exclui os seus alunos, não
respeita as diferenças, é elitista, baseada em um modelo de escola que durante muitos anos
atendeu a elite brasileira” (ABRAMOVAY, 2008, p. 2). Os estudos de pesquisadores como
Abramovay, Dayrell, Freire e tantos outros são críticos das configurações sociopolíticas no campo
da educação que pressionam o sistema escolar a tomar rumos que atendam a determinadas

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demandas, mercadológicas ou meramente cotidianas das necessidades materiais, que a própria


comunidade escolar passa a cobrar como necessárias, em detrimento de demandas do espírito do
conhecimento crítico, da aprendizagem integral e libertadora.
De fato, a escola na modernidade surgiu com interesses que enaltecem a lógica capitalista,
atendendo a objetivos de mercado. Na mesma congruência de pensamento, Saviani (2002)
completa que, na medida em que a humanidade desenvolveu o processo dos meios de produção
para a sua subsistência, a escola passou a servir a um interesse particular, ou seja, a ser
institucionalizada para atender aos interesses da estrutura dominante na formação de mão de obra
em benefício das necessidades do capital. Como argumentam Sposito e Galvão (2004), o processo
de urbanização acelerado no Brasil pressionou a abertura da escola voltada para preparar os
menos favorecidos para a demanda do mercado capitalista.
Todavia, cabe lembrar que diante dessa exigência exacerbada pela expansão da educação,
também houve movimentos de pressão social que clamavam por uma abertura mais ampla para
todos(as) na escola pública. Surgiram movimentos sociais pela educação no Brasil em uma
dimensão mais abrangente, que passaram a fazer parte da realidade histórica, como as lutas pela
garantia de acesso e permanência na escola para todas e todos, sem nenhuma distinção. Contudo,
não bastava o crescimento da expansão do ensino; era necessária também a educação de
qualidade, uma escola pública para além do discurso político. Desse modo, a escola passa a ser
fonte de reivindicações e protestos, por meio de mobilizações, visando à qualidade do ensino, à
luta por direitos e à construção da cidadania (GOHN, 2010).
Além da questão da qualidade, Bourdieu (2003) assevera que o papel de escola que objetiva
fazer o indivíduo ascender social e culturalmente, como elemento quiçá de transformação da
sociedade, perdeu a razão de ser. Ou seja, ela incorporou, sem dúvida, uma instituição que
legitima e mantém as desigualdades e os privilégios sociais das classes favorecidas socialmente,
desconsiderando a bagagem cultural dos(as) jovens das classes dominadas, tornando-se um
ambiente sem atrativo ou sentido para eles(as).
Vale destacar que esse ambiente compromete a teia de relações entre os sujeitos que
constroem um imaginário inconsciente de incertezas e/ou culpabilidades, sem saber ao certo o
que fazer e o que seguir, abalando o processo de ensino-aprendizagem. Na acepção de Galvão et
al. (2010, p. 427) isso significa que

[o]s alunos socialmente privilegiados se integram à cultura juvenil com os desafios à escola mantidos dentro
de certos limites, ao passo que os alunos das classes populares reagem às experiências de fracasso pela via da
afirmação pessoal, com rebeldia aberta contra a escola.

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Esse pensamento reflete-se nas vozes dos(as) estudantes da escola pesquisada: “fico
pensando, tia, [e] às vezes acho que a escola para pobre não faz sentido”, “me sinto culpada e ao
mesmo tempo penso ‘pra que tô aqui, o que vou fazer com isso?’” (Grupo de discussão).
Por assim dizer, a situação da escola em estudo não é diferente, especialmente quando se
observa a cultura da culpa, a falta de sentido, a necessidade de fazer algo e não saber o quê, a vida
vivida sob tensões de conflitos e violências. Ou seja, um espaço “competitivo-conflitual” em que
se confrontam culturas e saberes distintos (GALVÃO et al., 2010).

Breve olhar sobre os conflitos

Definir conflito não é uma tarefa simples. O conceito, muitas vezes, é traduzido sob uma
perspectiva negativa, como no caso do Dicionário Houaiss (HOUAISS e VILLAR, 2001, p. 797),
que traz a etimologia da palavra oriunda do latim conflictu, que quer dizer: “1 Embate de pessoas
que lutam. 2 Alteração. 3 Barulho, desordem, tumulto. 4 Conjuntura, momento crítico. 5
Pendência. 6 Luta, oposição (...)”.
O olhar sobre o conflito, neste artigo, foge desse viés negativo e baseia-se fundamentalmente
na concepção de Simmel (1983), que o entende como um fenômeno social comum presente nas
relações sociais: “todas as formas sociais aparecem sob nova luz quando vistas pelo ângulo do
caráter sociologicamente positivo do conflito” (p. 123). O conflito faz parte da vida social,
alterando e provocando mudanças sociais necessárias como força integradora dos indivíduos, que
move e dá vida ao processo relacional. A concepção do autor rompe com a visão do conflito como
elemento meramente dissociativo e instaura a ideia de ele ser o fator necessário no processo de
sociação. Para Simmel (Ibid.), esse processo significa que “toda interação entre os homens é uma
sociação” (p. 122), constituída de impulsos, motivações e interesses em que o conflito é uma das
formas mais presentes da relação, observado nessa complexa rede de relacionamentos que
divergem e se dissociam, em que o conflito é o modo de conseguir a unidade, de resolver os
dualismos entre os indivíduos. Desse modo, o conflito pode ser considerado benéfico para a vida
social, em que, mesmo diante das inúmeras divergências e turbulências entre os indivíduos, os
processos sociais permanecem (SIMMEL, 2005). Portanto, é nesse jogo de forças de atração e
repulsão que há a configuração social necessária para a existência do conflito.
Consideramos interessante também enfatizar a contribuição dos clássicos para se pensar as
diferentes concepções de conflito que se relacionam com as práticas sociais até hoje. O conflito
como anomalia em Durkheim (2007), por exemplo, diverge do conceito simmeliano, ao
compreender o conflito como uma anormalidade que causa desordem social, uma forma negativa

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que interfere na harmonia da sociedade e, por isso, precisa ser controlada para não desarmonizar
o funcionamento social. Weber (1998), contrapondo-se à visão durkheimiana, percebe o conflito
como uma ação cotidiana, excluindo a visão patológica a ele conferida por Durkheim, apesar de
não ter deixado discussão mais profunda sobre a temática. Destarte, o conflito, por mais paradoxal
que pareça, argumenta o autor, significa unidade dos contrários, pois não existe amor sem ódio,
harmonia sem desarmonia, associação sem competição; pelo contrário, são as discordâncias que
sedimentam a formação social e mantêm os indivíduos juntos. Essa unidade é entendida como
consenso entre as pessoas que interagem, como a “síntese total do grupo de pessoas, de energias
e de formas” (SIMMEL, 1983, p. 125).
Logo, tecendo o olhar sobre o conflito nessa concepção, não há motivos para restringi-lo ou
evitá-lo, tendo ainda como outra característica o “fato de superar os ‘hiatos’ e os limites
socialmente estabelecidos pelos intervalos dicotomizados” (ALCÂNTARA JÚNIOR, 2005, p. 9).
Trata-se de uma força impulsora para as interações sociais, estando presente em quaisquer grupos
ou instituições, como as escolares.

Dialogando sobre conflitos escolares e violências

A partir da concepção simmeliana do conflito como sociação, destacamos que a escola é um


lugar privilegiado de interação que une e desagrega, constrói e desconstrói; trata-se de um
ambiente propício para consenso e dissenso. Nesse sentido, é um espaço propício para diversos
conflitos, “provenientes de ações próprias dos sistemas escolares ou oriundos das relações que
envolvem os atores da comunidade educacional mais ampla” (CHRISPINO, 2007, p. 21), que
também acontecem espontaneamente, em situações mais inesperadas.
Destarte, a escola pode ser vista como instituição privilegiada de formações, em que várias
facetas do conflito vão se apresentando de maneira espontânea na convivência social e
impulsionando divergências e incertezas. Contudo, isso pode tomar proporções que tornam os
conflitos cada vez mais intersubjetivos, podendo se transformar em situações violentas de cunho
negativo (ABRAMOVAY, 2012). Constatamos esse pensamento de Abramovay no relato de
Alisso, um estudante na escola pesquisada, quando ele diz que muitas vezes a situação conflituosa
começa com uma simples brincadeira na sala de aula e depois os ânimos ficam acirrados: “Um
amigo quer fazer uma brincadeira e o outro não diz que não gosta, aí tem uma hora que perde a
paciência e vai pra briga mesmo na sala”.
O que acontece nas escolas é resultado das múltiplas perspectivas que os sujeitos escolares
(estudantes) constroem sobre as violências, definindo-as de acordo com suas percepções e

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significados, não esquecendo que isso se relaciona com a complexidade do sistema escolar, que
produz a própria violência; ou seja, trata-se de um fenômeno produzido na escola e pela própria
escola (Idem, 2006). Isso ocorre quando desavenças e desentendimentos são agravados por falta de
diálogo ou por não serem levados em consideração, como se fossem comuns no espaço escolar. Em
outras palavras, “os desentendimentos no ambiente escolar, agravados pela ausência de espaço
adequado para a resolução de conflitos e, até mesmo, pela eventual naturalização dos problemas
cotidianos das escolas, podem acarretar situações de extrema violência” (Idem, 2012, p. 36).
É preciso compreender que o ambiente escolar, com suas relações tensas e seus desafios,
reproduz as violências presentes na sociedade, mas também produz suas próprias formas: “a
violência na escola é um fenômeno com muitas facetas que assume determinados contornos em
consequência das práticas que acontecem” (Idem, 2015, p. 9), práticas essas de diferentes ordens
e tipos que se refletem no cotidiano, afetando as relações sociais.
Para Bourdieu (1989), a própria infraestrutura da organização escolar representa violência
simbólica; a dinâmica da rotina do seu funcionamento, a disposição das salas de aula, os “sistemas
simbólicos” construídos no sentido de incorporação por parte dos sujeitos sem que eles
reconheçam essa imposição. Segundo o autor, essa é uma “violência suave, insensível, invisível a
suas vítimas, que é exercida essencialmente pelas vias puramente simbólicas da comunicação e do
conhecimento” (BOURDIEU, 2003, pp. 7-8). A concepção de Bourdieu se materializa nos gestos
sutis da comunidade escolar, com comportamentos discretos que não se explicitam
declaradamente. De acordo com Silva e Silva (2018), isso acontece, de certa forma, porque o
processo de ensino e aprendizagem desenrola-se em meio a tensões de caráter social, relacional e
pedagógico, fazendo emergir diversos problemas e violências.
Portanto, violência e conflito estão presentes no processo civilizatório. Se a primeira é
conceitualmente ambígua por não partir de um só ponto de vista — tem “sua utilidade e sua
destrutividade simultaneamente” (MAFFESOLI, 1987, p. 32) —, é preciso não a confundir com o
conflito. A violência, apesar de sua ambiguidade conceitual e polifônica, aparece como prática na
constituição das relações sociais, sendo impossível conceituá-la a partir de uma única visão (FREITAS,
2003), pois há um alargamento de sentidos e significados mediados por diferentes usos e dualidades.

Análise dos resultados

A compreensão dos sujeitos da pesquisa sobre os conflitos e as violências no contexto da


escola pesquisada é perpassada por diversos olhares e significados que se cruzam ou divergem

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entre si. Inicialmente, verifica-se o sentido do conflito em uma dimensão negativa, como algo que
prejudica e atrapalha a sala de aula. Na entrevista com os(as) estudantes, um(a) deles(as) descreve:

— Aqui na escola eu particularmente percebo alguns conflitos, aqui na escola. Mas sim, eles existem. É, eu
percebo na minha própria sala que existem conflitos que prejudicam até o professor dar aula, atrapalha a gente
que quer estudar, virando uma bagunça que atrapalha, às vezes só por causa que um menino não gosta do
que o outro falou. Esses conflitos, sabe, [são] coisas que são simples, mas chegam a atrapalhar.

Essa é uma percepção que também permeia os sentidos dos(as) professores(as): “A gente até
evita conflitos [risos], porque a gente sofre muito”; “Os conflitos a gente tenta resolver, chama pra
convites e tenta de todo jeito, assim”. São falas que manifestam significados destrutivos do conflito
e esforços para evitá-los ou resolvê-los de qualquer maneira. Docentes demonstram uma grande
preocupação, comumente relatando que os conflitos logo são resolvidos, que na escola se tem uma
atenção demasiada quanto a isso. Quando não há a resolução dos conflitos, isso causa uma
insatisfação enorme para a comunidade escolar.
Para os(as) professores(as), a situação já foi muito pior. Hoje consideram que muita coisa
melhorou na escola pesquisada, mas ainda se lembram de situações que causaram preocupações:

— Sim, eu acho que aqui (...) já teve mais conflitos, bem mais conflitos. A gente tá em uma situação agora que eu
diria que dá pra conduzir melhor o trabalho pedagógico, até porque já não tem tanta briga de posicionamento...
A gente ainda tem, é claro. As pessoas sempre têm essa diferença e precisam soltar, né? Mas assim, eu acredito
que agora a gente tenha um respeito maior pelo jeito de pensar do outro. (Professora Hortência)

— Teve épocas que os alunos deixaram de frequentar a escola porque ocorreu um assassinato bem em frente
[à escola] e [havia] muito assalto, umas gangues assaltavam aqui (...). Esse ano não percebi nenhum assalto ou
tentativa de furto de celular. Já teve uma época que teve um... não sei se era de gangue ou não, entrou aqui na
escola [um homem] armado, querendo um celular que uma aluna havia comprado (...). Ele [o celular] era, sei lá,
de última geração, está com uns oito anos mais ou menos... nove, pronto. Agora esse ano ficou tranquilo, não
teve mais problema de assalto, de aluno deixar de ir na escola por medo. (Professor Narciso)

Esses relatos revelam que o contexto educativo não está isento de situações de conflito mais
complexas. Por mais que reconheçam uma amenização na escola, os(as) professores (as)
compartilham experiências das quais se lembram e que marcaram negativamente essa realidade.
Contudo, Santos (2001) adverte que é necessário reconhecer o conflito escolar como algo positivo,
dinâmico, para não convergir com a violência, vista como uma das “novas questões sociais
mundiais”. Isso porque a escola não está fora dessa ordem social e seu ritmo é consequentemente
afetado pelo horizonte globalizante que impacta e encadeia diferentes fenômenos sociais.
Observamos em algumas falas e episódios observados que os(as) professores(as) e os(as)
estudantes confundem conflito e violência, como revelam estes trechos de entrevistas: “Quando
acontece conflito há violência, né? Ela tá embutida” (Professora Rosa); “Acho que também ficar

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olhando pra pessoa, a outra pessoa pensa que você quer briga com ela, ou então tá falando dela
pra outra pessoa. Temperamento, no caso, já é um conflito” (estudante em grupo de discussão).
Esses relatos apontam significados semelhantes entre conflito e violência como se ambos fossem
a mesma coisa, chegando até a inverter seus sentidos. No relato da professora, é evidente que ela
equipara o conflito e violência: o fato de haver conflito implica haver violência. Essa concepção é
ratificada na visão dos(as) discentes, uma vez que todos revelam um mal-estar no cotidiano
escolar resumido em violências, anulando, por sua vez, outros sentidos dos conflitos. Para
Abramovay (2006), isso representa a perda do sentido da violência: “se considerar que há violência
cada vez que se encontra uma situação que causa mal-estar, que incomoda, frustra, machuca, ter-
se-á de admitir que a vida toda é uma violência” (p. 18). Desse modo, tudo se resumirá à
perspectiva das violências, fazendo irreflexivamente uma subtração dos conflitos.
Fazendo uma comparação das percepções dos sujeitos escolares com a concepção de
Maffesoli (1987), os sentidos acima são compreensíveis, na medida em que o autor concebe que é
muito delicado conceituar a violência, já que esta não se define em um único discurso, sendo um
fenômeno paradoxal que representa certo papel na sociedade e, ao mesmo tempo, causa certa
desordem. Portanto, violência e conflito fazem parte da vida social. De um lado, a violência
assume sentido ambíguo de utilidade e destruição (Ibid., p. 32); de outro, o conflito, como afirma
Simmel (1983), é elemento estruturante nas relações sociais, com aspectos positivos e negativos
na constituição dos sujeitos, entendida na lógica da unidade e das mudanças, principalmente no
instante em que se instauram novas configurações sociais no contexto escolar: com docentes com
queixas de discentes e vice-versa, desmotivações diversas e dificuldades de os jovens se
subjetivarem como estudantes (LEÃO, DAYRELL e REIS, 2011).
Simmel (1983) afirma que os conflitos promovem unidade na divergência, fazendo surgirem
novas ideias para as mudanças. Percebe-se, segundo os achados da pesquisa, algumas narrativas
de professores(as) afirmando que os conflitos existem e são constitutivos das interações sociais:

— Os conflitos, eles são inerentes da natureza humana, né? E até da forma como você trabalha os conflitos, é
até saudável. (Professor Jacinto)

— A gente tem muito conflito, principalmente por causa das diferenças de opinião. A gente também tem
conflito porque um aluno quer defender outro e se envolve em um conflito que inicialmente nem era dele.
(Professora Clívia)

Em muitos relatos, é forte a percepção do conflito no sentido de não ser possível evitá-lo.
Professores(as) mostram que não conseguem eliminar os conflitos no ambiente escolar: eles são
“inerentes da natureza humana”, diz a professora Clívia, surgem por conta das contradições, das
“diferenças de opiniões”. Essa posição é consoante com a visão simmeliana do conflito como força

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integradora do antagonismo existente no processo de sociação, sendo constitutivo do próprio


processo de interação (SIMMEL, 1983). Segundo o autor (Ibid.), essa repulsão que surge da força
dos contrários, das diferenças de opiniões, retratada pelos(as) professores(as), constitui os
elementos que mantêm o grupo unificado.
Outra questão pertinente a essa discussão diz respeito aos sentidos e significados que tudo
isso provoca nos(as) professores(as) e nos(as) estudantes:

— Temos até vontade de fazer mais alguma coisa, mas não dá. Ficamos muitas vezes perdidas nesse
emaranhado de problemas, uma loucura que até amedronta, sem saber o que fazer e para onde correr, nem a
quem recorrer. Apenas precisamos saber lidar com a situação. (Professora Hortência)

— Quando eles começam a aparecer, na verdade, eles começam a extinguir, aparecer realmente nas pessoas, elas
começam a demonstrar com raiva, com encrencas, quando não gostam do outro colega. (Estudante Azaleia)

Nessas narrativas, fica claro que as questões de conflito que emergem no âmbito educacional
revelam um mal-estar para os sujeitos, pois denotam a responsabilidade moral de tentar lidar com
as situações, de cumprir um dever na tentativa de manter sem abalo os constitutivos relacionais,
bem sabendo que tais conflitos são oriundos das relações e podem gerar um ganho pessoal e
coletivo no sentido visto (Ibid.). Sobre a questão moral, é relevante entendê-la como constitutiva
das relações sociais: “isso mostra que os seres humanos são orientados não só segundo seu
proveito próprio e pessoal, mas também pela necessidade que sentem sempre de cumprir
obrigações morais” (SOUZA, 2009, p. 284). Nesse raciocínio, compreende-se que as práticas
morais são inerentes à vida de cada um desses sujeitos, muitas vezes sendo vistas como obrigações
que fundamentam as ações cotidianas na escola, na construção dos vínculos, nas relações que se
formam, sempre fazendo surgirem outros desafios para a escola e seus sujeitos.
Sposito (2003) expõe a perspectiva de Durkheim sobre a moral como essência e fundamento
da vida social, que considera a escola como lugar que poderia ensinar os princípios morais para a
vida em sociedade — isto é, uma visão durkheimiana da ação escolar como uma dimensão de
“instituição em suas funções socializadoras mais amplas” (Ibid., p. 213). Evidencia-se, na escola
pesquisada, esse agir pautado nos princípios e regras ali determinados. Entretanto, o corpo
docente baliza uma distância entre as atitudes e os comportamentos dos(as) discentes e os
princípios atribuídos como civilizatórios da organização escolar. Constitui-se um sentido
divergente entre o que se espera do(a) educando(a) e o que a escola tem como compromisso
moral, sendo este reforçado cotidianamente nos discursos, nas atividades rotineiras. Observa-se
isso na escola, nas posturas e atitudes que lembram o dever de cumprir os princípios morais:
“Aqui as pessoas, na verdade, se abrem, se relacionam de maneira cordial”; “A gente tem alguns

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conflitos também... a dificuldade que eles têm de acatar as ordens, as regras da escola”;
“Conversando com os estudantes, orientando para não fazer as coisas erradas” (Professor Lírio).
De maneira até irreflexiva, esse discurso é compartilhado por muitas pessoas na escola
pesquisada, que se orgulham estampando o slogan da instituição, “Educando por uma cultura de paz”,
como algo assertivo para acentuar os valores considerados basilares para a harmonização do chão
escolar. Isso pode ser observado neste relato de um professor: “A gente teve a feliz ideia de colocar esse
slogan e se encaixou perfeitamente. A gente consegue realmente chamar as partes que estão envolvidas
e, na grande maioria das vezes, a gente consegue resolver os conflitos” (Professor Lírio).
Interpreta-se que esse relato destaca o comportamento moldado nos(as) estudantes e nos
demais sujeitos escolares, como os(as) funcionários(as), não significando dizer que são
respeitadas e cumpridas as normas, como revela este trecho de fala: “Geralmente, [se pensa que]
exatamente com o discurso de que a gente tem que ficar em paz e ser leve aí os conflitos são
resolvidos, e não é bem assim” (Professor Cravo). Estudantes também expressam a mesma
opinião: “(...) chama os pais, às vezes, conversa, né? E... não sei, mas acaba no final tudo resolvido,
mais ou menos assim” (Estudante Violeta).
Tais narrativas convergem para o pensamento de Abramovay (2008), quando discute e
afirma que as normas são impostas para manter a ordem social, por meio de medidas, a exemplo
do slogan da escola, para lidar com as diversas situações heterogêneas do ambiente escolar, nem
sempre conseguindo o ideal desejado, como afirma a autora: “tais medidas, para que possam surtir
o efeito desejado, devem ser amplamente conhecidas, o que também não assegura que elas serão
respeitadas e cumpridas” (p. 3).
Apesar de a escola buscar mecanismos normativos para manter a ordem, com um
contingente amplo e heterogêneo dos sujeitos escolares, carregado por uma gama de repertórios
de dilemas sociais, a questão moral, os conflitos e as contradições explicitam-se cotidianamente
com mais fervor, tornando os percursos escolares mais desafiantes e complexos de serem
analisados. Não que isso não seja natural. Pelo contrário, provoca mudanças significativas, sendo
a grande questão, posta ainda por Abramovay (Ibid.), o fato de os estudantes não se reconhecerem
dentro do espaço escolar — “assim os jovens não se sentem sujeitos do que acontece na escola”
(pp. 3-4) —, consequentemente burlando o que se estabelece de uma maneira ou de outra.
Outro elemento relevante refere-se à violência simbólica, reproduzida em algumas práticas
estabelecidas no contexto escolar. Na pesquisa de campo, identificamos que nem sempre os(as)
estudantes podem cursar determinadas disciplinas optativas 4, mesmo que tenham vontade.
Eles(as) são induzidos a cursar certas disciplinas sob fortes argumentos de convencimento, como
se observa nesta fala:

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— Não, eu não continuei a disciplina optativa dos círculos. Eu só vim um dia como visitante mesmo, porque
eu pedi autorização, porque eu tinha que variar a eletiva... Aí não tinha como, eu não podia ficar, por mais que
eu quisesse, e eu queria, na verdade, ainda tá [cursando a disciplina]. De vez em quando eu peço permissão
para participar, nos dias que eu tô mal, de mau humor, aí eles deixam. (Estudante Azaleia)

Desse modo, Bourdieu (2003) assevera que a violência simbólica se constitui sutilmente
direcionada aos dominados; é uma “violência suave, insensível, invisível a suas próprias vítimas”
(Ibid., p. 7), sem que estas percebam que certas posturas são violências simbólicas que prejudicam
tanto quanto a violência física. Trata-se de uma violência simbólica reproduzida quase
inconscientemente por aqueles que a praticam e por quem a sofre, sem que se perceba de fato a
violência praticada, aceitando o que acontece como se fosse algo espontâneo. Assim sendo, é
notório nas vozes dos estudantes que, por mais que sintam vontade de participar de outras
disciplinas, são sutilmente convencidos(as) a participar de algumas específicas. Nas palavras de
uma estudante: “De qualquer forma você é incentivado para fazer outra eletiva, mesmo gostando
de outra” (Grupo de discussão).
De acordo ainda com Abramovay (2015), há diversas formas de manifestação das violências
na escola, entre as quais podem ser citadas a violência institucional expressa nos problemas de
infraestrutura e na falta de docentes ou mesmo de funcionários, as regras e normas determinadas
sem que sejam discutidas ou combinadas com a comunidade escolar, a “violência dura” 5,
manifestada nas agressões físicas, além de outras oriundas de fora do contexto das escolas,
destacando-se as gangues, drogas e armas, entre outras.
Existem também as “microviolências”, aquelas que são despercebidas e até naturalizadas sem
que haja uma preocupação acentuada a respeito, mas que impacta direta ou indiretamente o
público escolar, causando uma convivência fragilizada e um clima inseguro. As microviolências
se manifestam no espaço escolar com ofensas diversas, ridicularizações, insultos, apelidos,
difamações e/ou palavrões, enfim, uma variedade de expressões que perturba o ambiente das
escolas, sem contar as violências referentes às discriminações, como racismo, homofobia e outros
preconceitos presentes no chão da escola (Ibid.). Isso se confirma nestes trechos de entrevistas:

— Violência no sentido mais cru da palavra [eu] não [percebo], mas percebo violências ainda piores, que são aquelas
de um invadir o outro, né? De atravessar o espaço do outro, numa perspectiva mais sociológica. Então existe violência
de negação, né? Dos colegas, assim, é violento, não é? Permitir que o professor de uma turma não participe de uma
festa da qual ele faz parte. Isso aconteceu recentemente, e eu achei de uma violência tremenda. (Professor Cravo)

— Tipo, xingar, falar do pai e da mãe, né... E só ameaçar o outro, coisas mesmo bem complicadas. (Estudante Violeta)

— Tipo, violência física não, né? Verbal sim. É, física não, mas verbal eu já vi, existe e muito. Acho que daquela
de racismo, né? De pele, de cabelo ou de onde você mora. (Grupo de discussão)

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Em vista disso, percebe-se que há inúmeras manifestações das violências no campo escolar que
são produzidas e/ou reproduzidas no próprio espaço institucional que geram “impacto direto na
qualidade da educação, no modo como os professores e os estudantes desenvolvem seu trabalho em
sala de aula, no ambiente escolar e no rendimento dos alunos” (ABRAMOVAY, 2015, p. 18). Por
outro lado, também há práticas de enfrentamento dos conflitos e das violências, seja por meio de
punições, com a aplicação de regras instituídas pela escola, ou por outros meios, como conversas
aconselhadoras, busca de atividades diferentes, brincadeiras e jogos, enfim, tentativas de os sujeitos
escolares cotidianamente buscarem construir uma narrativa escolar mais significativa.
A dimensão da luta por outras significações dos conflitos e das formas de enfrentamentos
destes e da violência permanece desafiadora na escola. Por assim dizer, entende-se que os sujeitos
escolares, nesta pesquisa, perguntavam-se por que não buscar práticas que os auxiliassem no dia
a dia escolar para o manejo dos conflitos a partir do seu protagonismo e autonomia, sem ações
punitivas e coercitivas que não trazem mudanças e nem significados propositivos.

Considerações finais

A escola pública, sendo um espaço dinâmico e intenso de relações, não se exime de conflitos, até
porque estes são inerentes à sociabilidade, assegurando o processo de crescimento e transformação.
Por outro lado, o contexto das escolas é afetado pelas manifestações das violências, sob diversas
formas e sentidos, sejam elas simbólicas, físicas ou microviolências, interferindo substancialmente
nas relações e convivências sociais e, por consequência, no processo de ensino-aprendizagem.
Nessa acepção, percebe-se que tudo isso não está isento dos olhares dos(as) professores(as) e
dos(as) estudantes; pelo contrário, suas narrativas revelam inúmeros significados por eles
construídos, desde o sentido negativo a respeito do conflito até a similaridade que formulam entre
este e as violências. Em outras palavras, os achados deste estudo são baseados nas percepções
desses sujeitos no contexto escolar, em suas subjetividades, não exaurindo a complexidade da
discussão, mas buscando contribuir para outros debates.
Afinal, o ato de tecer olhares sobre a gestão dos conflitos na escola objetiva refletir sobre o
fato de que os entendimentos, a partir dos sujeitos escolares, são bastante significativos, revelando
que os conflitos são inevitáveis e que as violências também estão presentes como elementos
desafiadores e passíveis de estratégias que possam corroborar seu manejo. Em resumo, tais
reflexões são questões que não se esgotam e merecem outros raciocínios.

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Notas

1
Recorre-se ao conceito de violências, no plural, partindo-se da fundamentação de Abramovay (2015), que assim emprega
esse vocábulo “para mostrar os diferentes significados da violência e como afetam a ordem, a motivação, a satisfação e as
expectativas de todos os que frequentam a escola” (p. 7).
2
Optou-se por nomes de flores, pois simbolizam a beleza, a delicadeza e a diversidade, bem pertinente à fala de cada
entrevistado: Alisso, Crisanto, Narciso, Hortência, Rosa, Jacinto, Clívia, Azaleia, Lírio, Cravo e Violeta.
3
Parte-se da concepção weberiana de tipo ideal: “acentuação unilateral de um ou vários pontos de vista, e mediante o
encadeamento de grande quantidade de fenômenos isolados dados, difusos e discretos, que se podem dar em maior ou
menor número ou mesmo faltar por completo, e que se ordenam segundo pontos de vista unilateralmente acentuados,
a fim de se formar um quadro homogêneo de pensamento” (WEBER, 1991, p. 106).
4
As disciplinas optativas fazem parte da base diversificada do currículo do ensino médio em escolas de tempo integral,
contempladas no campo flexível de disciplinas eletivas. Foi instituída pela política de ensino médio em tempo integral da
rede estadual de ensino do Ceará. Para mais informações, ver (on-line): https://belt.al.ce.gov.br/index.php/legislacao-do-
ceara/organizacao-tematica/educacao/item/5883-lei-n-16-287-de-20-07-17-d-o-21-07-17
5
“O termo ‘violência dura’ se refere a atos e episódios que podem resultar em danos irreparáveis aos indivíduos e, por
isso, exigem a intervenção estatal (...). Um exemplo de ‘violência dura’ que se encontra no código penal, as ameaças
presentes em todas as escolas mostram-se sob várias formas e intensidades, podendo causar danos físicos e morais para
as vítimas” (ABRAMOVAY, 2015, p. 14).

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MARIA CRISTIANE LOPES DA SILVA


([email protected]) é mestre pelo Programa
de Pós-Graduação em Sociologia (PPGS) da
Universidade Estadual do Ceará (Uece, Fortaleza,
Brasil), especialista em administração escolar

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Maria Cristiane Lopes da Silva, Rosemary de Oliveira Almeida e Sinara Mota Neves de Almeida
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pela Universidade Estadual Vale do Acaraú (UVA,


Sobral, Brasil) e graduada em serviço social e em
filosofia pela Uece. É pesquisadora do
Laboratório de Estudos da Conflitualidade e da
Violência (Covio) e do Laboratório de Ensino e
Práticas Sociais (Lapráticas), ambos da Uece. É
professora da rede pública estadual do Ceará,
lotada na Secretaria da Educação do Estado do
Ceará (Seduc).

https://orcid.org/0000-0002-2800-5634

ROSEMARY DE OLIVEIRA ALMEIDA


([email protected]) é doutora e mestre
pelo Programa de Pós-Graduação em
Sociologia (PPGS) da Universidade Federal do
Ceará (UFC, Fortaleza, Brasil) e tem graduação
em ciências sociais pela mesma universidade. É
pesquisadora do Covio/Uece.

https://orcid.org/0000-0002-9897-5353

SINARA MOTA NEVES DE ALMEIDA


([email protected]) é professora adjunta
da Universidade da Integração Internacional da
Lusofonia Afro-Brasileira (Unilab, Redenção,
Brasil) e coordenadora e professora permanente
do Programa Associado de Pós-Graduação em
Ensino e Formação Docente (PPGEF) do Instituto
Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do
Ceará (IFCE) e da Unilab-IFCE. É membro do
Grupo de Pesquisa e Extensão Educação e
Cooperação Sul-Sul (Eloss) da Unilab. Tem
doutorado pelo Programa de Pós-Graduação em
Educação (PPGE) da UFC, mestrado em educação
em saúde pela Universidade de Fortaleza (Unifor,
Brasil) e graduação em pedagogia pela UFC.

https://orcid.org/0000-0002-8183-1636

Colaboradores

MCLS trabalhou na concepção, análise e


interpretação dos dados. ROA trabalhou na
revisão crítica da análise dos dados. SMNA fez a
revisão e a redação final do artigo.

Recebido em: 05/01/2021


Aprovado em: 17/06/2021

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