Emílio, 2010 - o Grupo Psicanalítico de Discussão Como Dispositivo de Aprendizagem e Compartilhamento
Emílio, 2010 - o Grupo Psicanalítico de Discussão Como Dispositivo de Aprendizagem e Compartilhamento
Emílio, 2010 - o Grupo Psicanalítico de Discussão Como Dispositivo de Aprendizagem e Compartilhamento
APRENDIZAGEM E COMPARTILHAMENTO
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Psicóloga, Mestre em Distúrbios do Desenvolvimento (UPM) e Doutora em Psicologia
Escolar e do Desenvolvimento Humano (USP). Professora, Supervisora e responsável
pelo Núcleo de Apoio Temático “Fundamentos Teóricos” do Curso de Psicologia da
Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM). Membro efetivo e docente do NESME e
da SPAGESP
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its use as a space for learning and exchanging. This paper aims to explore these features
from a few scraps of the use of this group modality in different institutional settings
such as schools, health institutions, communities, emphasizing the importance the
coordinator’s preparation and presenting some differences among other group
modalities, such as the reflexion groups, the focus groups and thematic ones.
Key-words: Discussion Group; Learning and Group; Operative Group
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1. Introdução
A discussão em grupo é algo que tem sido divulgado como estratégia para
tomadas conjuntas de decisão, como oportunidade de trocas entre profissionais e como
auxiliar nos processos de aprendizagem. Percebe-se, no entanto, uma popularização da
expressão “grupo de discussão” que pode tornar o seu uso indiscriminado e pouco
específico. Em uma rápida consulta pela internet, realizada com o uso da ferramenta
Google, encontramos aproximadamente 198.000 páginas como resposta ao termo exato
“Grupo de Discussão” 2 . A partir de algumas visitas às primeiras páginas listadas, já foi
possível perceber o uso da mesma terminologia para as mais variadas configurações de
grupos e com distintos objetivos. O que aparece como eixo central em todos eles, como
o próprio nome diz, é a concepção de discussão de forma coletiva, como nos grupos de
discussão virtuais, que têm estado em bastante evidência nos últimos tempos.
A consulta redirecionada a artigos científicos aponta que a denominação “Grupo
de Discussão” aparece muitas vezes associada a instrumentos de coleta de dados em
pesquisas, como nos trabalhos de DAL'IGNA (2007), TRINDADE & FERREIRA
(2009), MESSA e FIAMENGHI JR (2010). Pode também aparecer como parte do
procedimento que antecedeu a coleta dos dados de uma pesquisa, como visto em
ALMEIDA, FILASI, e ALMEIDA (2010). Nos artigos encontrados, porém, não há
definição exata do que os autores consideram como “Grupo de discussão”, havendo
inclusive a utilização da terminologia como sinônimo de “Grupo de Cuidado”, como o
que é percebido no artigo de TRINDADE & FERREIRA (2009). Ainda no que se refere
ao uso da terminologia como referência a dispositvo de coleta, pode aparecer como
correlato de “grupo focal”, como visto em GERSCHMAN e colaboradores (2007). Um
artigo encontrado (CAVALCANTE & MINAYO, 2009) faz alusão à diferença entre
grupo de discussão e grupo de reflexão, apesar de ambos estarem descritos como
métodos de pesquisa. No entanto, não há esclarecimentos no referido artigo sobre quais
seriam essas diferenças.
Sabemos, porém, que não basta a proposição de discussão e a organização em
grupo para que os objetivos previstos sejam alcançados a contento e não raramente
aquilo que parecia uma boa estratégia de construção conjunta e compartilhamento acaba
se convertendo em espaço para disputas de poder, brigas, criação ou manutenção de
problemas de relacionamento interpessoal ou até para a imposição de algum ponto de
vista ou defesa inflamada de alguma ideia. A definição do termo “discussão” já contém,
em si, esta contradição, pois refere-se tanto ao “exame minucioso (de um assunto,
problema etc.), levantando-se os prós e os contras”, como ao “debate, polêmica, em que
cada participante defende pontos de vista opostos”; também, à “defesa apaixonada de
pontos de vista contrários, desentendimento, briga, altercação” (HOUAISS, 2007).
O objetivo do presente artigo é discutir uma modalidade de grupo de discussão
que tem sido bastante estudada e utilizada, tanto em pesquisas como em intervenções
em diferentes instituições e que, por suas especificidades, tem sido denominada por
alguns autores, como Fernandes (2003), como Grupo Psicanalítico de Discussão. A
partir da experiência na participação, coordenação e co-coordenação desta modalidade
grupal em diferentes contextos e do estudo sistemático realizado junto aos colegas do
NESME (Núcleo de Estudos em Saúde Mental e Psicanálise das Configurações
Vinculares) nos últimos doze anos, serão apresentadas algumas de suas aplicações e
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Consulta realizada em 02 de junho de 2010, às 17:54h.
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características e, em função dos motivos expostos acima, destacadas as diferenças em
relação aos grupos de reflexão, grupos temáticos e grupos focais.
dessa forma ao invés de utilizar o nome original? Sabemos que a técnica operativa é
caracterizada por Pichon-Rivière (1994) como sendo centrada na tarefa grupal e que tem
como finalidade que os integrantes do grupo aprendam a pensar de forma conjunta. No
entanto, existem algumas especificidades nos Grupos Psicanalíticos de Discussão que,
se conhecidas e respeitadas pelos seus coordenadores, podem contribuir para a sua
realização e para a obtenção dos resultados desejados, não se apresentando em outras
modalidades de grupos operativos. Abaixo, destaco algumas dessas especificidades:
3.1. Eles partem sempre de alguma atividade prévia, que variará conforme o contexto,
os participantes e os objetivos ou temas para discussão. Como exemplos de atividades,
temos uma apresentação de trabalho ou mesa em evento científico; uma aula; a exibição
de um filme, de parte dele ou de uma música; a leitura de um texto; a realização de uma
atividade lúdica, etc. A atividade que antecede o grupo pode ser compreendida como
um recurso de mediação, pois além de apresentar a função de fornecer elementos para a
discussão que a seguirá, também contribui para a diminuição das ansiedades básicas que
são apontadas por Pichon-Rivière (1994) como presentes em toda a situação de
aprendizagem: o medo da perda e do ataque, a ansiedade frente à mudança e a
resistência à mudança. Assim, este dispositivo grupal contém ou aborda um tema
específico e, ao mesmo tempo, desperta associações que estão vinculadas à história do
sujeito e do grupo em questão. Apesar de permitir a emergência de conteúdos
reprimidos, estes podem projetados nos conteúdos presentes na atividade inicial
mobilizadora, o que é bastante recomendável dependendo do contexto e do momento
institucional, pois permite que tais conteúdos sejam abordados sem que isso se torne
muito ameaçador.
3.2. Cada grupo de discussão é único, pois inclusive nos casos em que o encontro é
repetido com as mesmas pessoas, a atividade prévia sempre será diferente, o que o
caracteriza como um grupo de tempo limitado, com começo, meio e fim.
3.3. A forma de constituição desta modalidade grupal pode variar muito também: alguns
são constituídos por pessoas que não se conhecem ou que têm pouco contato; outros,
por pessoas que apresentam rivalidades pessoais e profissionais; há os formados por
subgrupos de amigos; o coordenador pode ser amigo ou conhecido de um ou mais
participantes; e dentro de um mesmo grupo a coordenação pode ser rodiziada em cada
encontro. As diferentes configurações e origens de seus membros mobilizam fantasias,
que podem se manifestar na forma de silêncios prolongados, falas polarizadas entre dois
ou mais participantes, ataques pessoais ou a alguma ideia e a solicitação ao(s)
coordenador(es) de posicionamento ou de respostas a questões formuladas.
3.4. Não há um limite pré-estabelecido de participantes para a realização deste tipo de
grupo e podem ocorrer grupos psicanalíticos de discussão com um grande número de
pessoas, o que pode dificultar a comunicação e até a visualização de todos os
participantes, mobilizar resistências e tornar bastante difícil o trabalho do coordenador.
4. Desafios à coordenação
de espaço e exercício de poder entre os coordenadores e o consequente afastamento dos
objetivos do grupo.
É fundamental a circulação das idéias no grupo. As contribuições de cada
membro são importantes e a participação de todos deve ser autorizada, uma vez que os
diferentes saberes têm a mesma importância e não é necessário que se chegue a um
consenso ou uma única “verdade”. No entanto, o(s) coordenador(es) tem o desafio de
abrir espaço para a participação, sem que isso se transforme em exigência para que
todos falem ou em convocações individuais que podem trazer constrangimento àqueles
que optam por não falar. Apesar de sabermos que o silêncio excessivo pode mobilizar
defesas e prejudicar o andamento do grupo, o silêncio precisa poder também ser
compreendido como uma forma de comunicação. Cabe à coordenação o papel de tentar
compreender e nomear a comunicação presente.
Por ser um grupo com tempo limitado, alguns cuidados precisam ser tomados,
tais como o esclarecimento sobre as finalidades do grupo, o modo de funcionamento e
sobre a hora do término, logo no início; a preparação do grupo para o encerramento,
com a pontuação ao grupo sobre a proximidade do término (às vezes, a elaboração de
uma pequena síntese do que foi discutido até aquele momento ajuda o grupo a se
organizar para a finalização). Também, o cuidado com as tentativas não raras de
negação do fim. É muito comum ocorrerem nos momentos finais do grupo, quando
pontuado que há tempo somente para uma última fala ou que o grupo precisa se
encerrar, tentativas de abertura de novos tópicos de discussão ou perguntas a algum
membro, o que provocaria o não cumprimento do término. É claro que não é necessário
e nem recomendável cortar a fala do participante ou encerrar deixando em aberto uma
colocação ou pergunta feita. No entanto, cabe ao coordenador levar em conta o risco de
se realizar tal postergação e se houver a clareza de que as discussões não precisam
nunca se encerrar com o encerramento do grupo e podem ser retomadas pelas mesmas
pessoas em outro contexto e momento, ele poderá se basear nisso para fazer a
finalização.
Uma questão que é sempre apresentada diz respeito a emissão ou não, por parte
do coordenador, das próprias opiniões sobre o que está sendo discutido. Não há
consenso sobre o assunto, mas o que já se evidenciou é que a defesa de algum ponto de
vista, por parte do coordenador ou a manifestação de sua concordância com a posição
de algum membro do grupo pode transmitir a ideia de que ali estaria a verdade ou
aquele deveria ser o caminho de discussão a ser seguido pelo grupo.
Alguns fenômenos que podem se manifestar nos diferentes grupos psicanalíticos
de discussão são possíveis cisões entre os que sabem e os que estão para aprender; entre
os que podem mais e os que podem menos; entre os que são mais antigos e os mais
novos na instituição. É importante que o coordenador fique atento a isso e possa apontar
ao grupo, quando ocorrerem. Algumas vezes, também, o tema a ser discutido ou algum
aspecto dele aparece de forma dramatizada e implícita no momento do grupo. Cabe ao
coordenador identificar esse fenômeno e poder pontuá-lo, relacionando-o ao tema ou ao
estímulo disparador que antecedeu o grupo. Por exemplo, em um grupo que seguiu uma
mesa que abordava a temática da violência em um congresso, o conteúdo trazido pelos
participantes ressaltava a importância da escuta, do respeito às diferenças, de se buscar
saídas para a prevenção à violência que ocorria nas ruas e nos contextos profissionais de
alguns deles e que não poderia ser tolerada ou negada. No entanto, a discussão se dava
por meio de falas ríspidas e em tom alto, por interrupções das falas e pela dificuldade de
escuta e de troca. O coordenador teve a sensação de que alguém iria partir para a
agressão física e pontuou que estava sendo trazido para a experiência grupal o que não
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estava podendo ser dito, que a violência estava também ali e não somente fora do grupo.
Então, puderam falar do incômodo de serem interrompidos, da estratégia de falarem
mais alto por não se sentirem escutados e o quanto não percebiam quando também eram
violentos. A discussão que seguiu parece ter adquirido um novo sentido para os
participantes.
Os grupos temáticos são grupos que podem facilmente ser confundidos com os
grupos psicanalíticos de discussão, já que em ambos os casos há um tema norteador. É
importante ressaltar que o que caracteriza o grupo temático é a existência de um tema,
como o próprio nome diz, mas não é necessário haver um acontecimento ou objeto
mediador vinculado a ele antes do início da discussão, como no caso dos grupos
psicanalíticos de discussão. Além disso, muitas vezes a denominação “grupo temático”
está vinculada a espaços de discussão a partir dos quais algumas decisões deverão ser
tomadas coletivamente e sínteses devem ser elaboradas para o compartilhamento entre
as pessoas envolvidas com tais decisões. São comuns em entidades de classe
profissional, grupos de pesquisa científica, grupos de trabalho, para citar alguns. Cabe
lembrar que os grupos psicanalíticos de discussão, pelas suas próprias características,
não comportam tomadas decisões e as posições contrárias entre os participantes podem
levar a um maior aproveitamento da discussão do que o consenso ou a homogeneidade
de ideias.
Os grupos focais também são semelhantes aos grupos psicanalíticos de discussão
por pressupor a discussão entre os participantes e muitas vezes têm em comum com
estes a característica de existir algum estímulo ou situação que os antecedem. No
entanto, em geral os grupos focais estão vinculados à coleta de dados por meio da
discussão, que está “focada em tópicos específicos e diretivos” (LERVOLINO &
PELICIONI, 2001).
Os grupos de reflexão, por sua vez, têm como meta o conhecimento que se pode
adquirir na vivência grupal (Fernandes, 2000a). Ocorrem de forma mais frequente entre
os participantes de cursos ou eventos para formação de coordenadores de grupo e
grupoterapeutas, de profissionais de saúde, como médicos, enfermeiros, psicólogos, ou
para a reflexão entre os participantes de uma instituição. Uma diferença bastante
importante em relação aos grupos psicanalíticos de discussão é o fato de não terem um
tema ou estímulo norteador ou mediador, o que possibilita aproximações com as
vivências em grupos psicoterápicos, facilitando projeções entre os membros e intensas
mobilizações emocionais em seus participantes (FERNANDES, 2003; FERNANDES,
2000a; OSÓRIO, 2003).
Para finalizar, cabe pontuar que os diferentes nomes adotados para essas
modalidades grupais estão vinculados aos objetivos específicos de cada uma delas e aos
cuidados necessários ao coordenador, apesar de em todas elas existir a possibilidade de
discussão, de reflexão, o surgimento ou o enfoque em um ou mais temas e,
principalmente, a importância de que ocorra entre seus participantes a possibilidade de
conviver, compartilhar e aprender junto.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-
81232010000200029&lng=en&nrm=iso>. Acessado em 19 de setembro de 2010. doi:
10.1590/S1413-81232010000200029.
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