Brandalise, Musicoterapia Musico-Centrada
Brandalise, Musicoterapia Musico-Centrada
Brandalise, Musicoterapia Musico-Centrada
MT André Brandalise1
RESUMO:
Este trabalho objetiva fazer uma reflexão do Movimento de Musicoterapia Músico-
centrada (de sua origem, seus pensamentos, de sua teoria, de sua prática e de sua
filosofia) no Brasil e no mundo. O que vem propondo e para onde aponta não
somente como uma forma de pensar processos musicoterápicos mas como forma de
buscar melhor compreensão sobre Homem, Criatividade, Arte, Saúde.
ABSTRACT:
This article aims to do a reflection about the Music-centered Music Therapy
movement (its origin, thoughts, theories, practice and philosophy) in Brazil and in
the world. What does it propose, what is the future of the movement? These
questions do not intend to discuss a way of thinking Music Therapy processes only
but a way of better comprehend Mankind, Creativity, Art, Health.
PALAVRAS-CHAVE:
Musicoterapia Músico-centrada – Musicalidade - Saúde
KEYWORDS:
Music-centered Music Therapy – Musicality - Health
1
André Brandalise é bacharel em Música (UFRGS), especialista em Musicoterapia (CBM-RJ) e Mestre em
Musicoterapia (NYU-EUA). É diretor-fundador do Centro Gáucho de Musicoterapia (CGM), em Porto
Alegre, RS, onde trabalha com clínico, supervisor e orientador. É um dos fundadores da AGAMUSI
(Associação Gaúcha de Musicoterapia) e atual vice-presidente. É autor dos livros “Musicoterapia Músico-
centrada” (2001: Apontamentos, SP) e “I Jornada Brasileira sobre Musicoterapia Músico-centrada” (2003:
Apontamentos, SP), este último como organizador. Tem apresentado seu trabalho em vários Estados
brasileiros, nos Estados Unidos, Argentina, Uruguai, Chile, Inglaterra, Noruega e Colômbia.
1
Em primeiro lugar gostaria de expressar minha imensa alegria e orgulho de estar
participando como organizador (representando o Centro Gaúcho de Musicoterapia) e,
também como palestrante, da II Jornada Brasileira sobre Musicoterapia Músico-centrada,
evento que foi presidido pelo meu estimado colega MT Gregório Pereira de Queiroz. Desde
a I Jornada, realizada em Porto Alegre, passaram-se cinco anos. Era momento de
novamente a comunidade músico-centrada brasileira se encontrar e dividir pensamentos,
construções, projetos. Necessidades e desejos. Valeu, Gregório!
Em um determinado momento na organização da II Jornada, Gregório, nosso
anfitrião, lança o título: O MÚSICO-CENTRAMENTO EM AÇÃO. Pediu-me que o
traduzisse, então, para o inglês. Foi um primeiro desafio. Tal pedido remeteu-me
primeiramente a pensar sobre a palavra em inglês que é a tradução do termo “Músico-
centrado” (Music-centered). Trata-se de um adjetivo. Porém, “Músico-centramento” é um
substantivo, um nome. Recorri a um termo bastante novo, utilizado recentemente pelo
musicoterapeuta norte-americano Kenneth Aigen: MUSIC-CENTEREDNESS (2005, p.
22). Penso estar aí nossa tradução. Esta dinâmica, além de me lançar o desafio da tradução
em si, provocou também outras reflexões.
Fiquei pensando: ser um musicoterapeuta músico-centrado implica “ativar músico-
centramento”, colocá-lo em ação. Praticá-lo, tornando-o “verbo”. Do que se trata este
fenômeno? Tem a ver com o pensar a história da prática da Musicoterapia no mundo,
pensar o fenômeno “Música”, tem a ver com conhecimento sobre sua aplicação clínica.
Clair diz que “é essencial saber aplicar a música, saber porque funciona terapeuticamente
em sendo música, não por ser associado com teoria de outro modelo.” (apud Aigen, 2005,
p. 31).
A Musicoterapia Músico-centrada mostra-se, hoje, à comunidade brasileira e
internacional apresentando:
- UMA HISTÓRIA (UMA ORIGEM): surgem nas práticas chamadas "músico-
centradas" (mais especificamente faço referência aqui aos trabalhos dos
musicoterapeutas norte-americanos Paul Nordoff2 e Helen Bonny3, realizados nas
décadas de 60e 70);
2
O período de 1959 a 1974 (15 anos) marca a maturidade e reconhecimento da abordagem Nordoff-Robbins
como um Modelo de Musicoterapia bem como suas origens conceituais, advindas do trabalho prático e
teórico da dupla Paul Nordoff-Clive Robbins.
2
- UM ALERTA: o tópico, lançado por um grupo de musicoterapeutas
internacionais reunidos em Nova York, no ano de 1982, regeu o II Simpósio
Mundial de Musicoterapia cujo título foi: Music in the Life of Man (A Música na
Vida do Homem). Foi ele: “o que é único sobre a experiência com música que a
torna importante para a terapia?
- ALGUNS PEDIDOS: destaco as questões das musicoterapeutas Barbara
Hesser e Helen Bonny, que clamaram por teoria própria pela e para
Musicoterapia;
“Agora é nosso desafio fortalecer nossa identidade
como um disciplina independente. É hora de
focalizarmos no desenvolvimento de uma
fundamentação teórica própria utilizando linguagem e
metodologia de pesquisa que contemplem a experiência
única da música como terapia. É hora de sintetizar e
integrar tudo o que aprendemos em nosso próprio corpo
de conhecimento.”4
E Helen Bonny postula uma das questões que considero das mais
significativas da e para a história da Musicoterapia:
“Os paradigmas
cuidadosamente pesquisados que embasam a ciência
médica, que é diariamente praticada e aceita pela
nossa sociedade, não tornam-se verdadeiros por si
mas por um número de explicações...assim como o
aventureiro, que buscava um tesouro ao redor do
mundo, acabou por encontrá-lo em seu quintal,
podemos encontrar os diamantes que procuramos
em nossa casa.” 5
3
É considerado um importante marco do Método GIM de Musicoterapia as duas monografias de autoria da
MT Helen Bonny (de 1974).
4
Hesser apud Hesser, 1996, p. 13.
5
Bonny apud Hesser, 1996, p. 14.
3
- ALGUMAS METODOLOGIAS DE TRABALHO CLÍNICO: que incluem,
cada vez mais, dinâmicas e técnicas específicas baseadas na literatura e na prática
músico-centradas;
- ALGUMAS METODOLOGIAS DE ANÁLISE: a literatura divulga algumas
propostas de análise tais como a Filmagem clínica (Brandalise e Nordoff-Robbins),
relatórios cronometrados de acordo com a FC (Brandalise e Nordoff-Robbins),
análise musical que inclui escrita e leitura musicoterápica de partitura (diversos
autores), relatórios convencionais (diversos autores);
- RESULTADOS: a literatura da Musicoterapia Músico-centrada mundial
apresenta casos clínicos de resultados significativos. Entre eles: Audrey, Terry,
Edward, Linda, Francis e outros;
- ABRANGÊNCIA: atualmente pensamos diferentes maneiras de entender o
alcance e a extensão do setting terapêutico (discutido mais à frente neste artigo).
Estes conceitos são formulados a partir do diálogo da Musicoterapia Músico-
centrada com propostas recentes da Musicoterapia centrada na cultura e da
Musicoterapia Comunitária.
Foi no ano de 2001 que lancei meu livro “Musicoterapia Músico-centrada: Linda –
120 sessões”. Foi o momento onde divulguei o “Músico-centramento” como uma
possibilidade de se pensar e de se praticar de uma outra forma a Musicoterapia. Foi um
convite a repensarmos alguns conceitos, algumas técnicas, algumas práticas. Repensarmos
alguns pensamentos (nesta frase, propositalmente redundante). Neste momento estabeleci o
que chamei de cinco pilares com os quais se poderia construir a Musicoterapia Músico-
centrada como um Modelo. São eles:
- a MÚSICA é uma ação de forças6;
- a MÚSICA trata (contendo as chamadas “forças essenciais”);
- a MÚSICA é o terapeuta principal (primary therapist7);
6
Zuckerkandl apud Nordoff apud Robbins & Robbins, 1998, p.32.
7
Termo utilizado pela MT GIM norte-americana Madelaine Ventre, para descrever o papel da música na
dinâmica do processo musicoterápico, em 13 de outubro de 2000 durante X Simpósio Brasileiro de
Musicoterapia, Porto Alegre, RS, Brasil.
4
- a MÚSICA entendida como parte de uma “instalação triangular”, não mais
posicionada entre terapeuta e paciente (o Triângulo de Carpente e Brandalise)8;
- “Olhares” e “Escutas” na prática musicoterápica com ênfase aos sons e à música,
associados, entretanto, à necessidade do conhecimento sobre o ser humano em seu aspecto
bio-psico-social e espiritual.
Hoje vemos um legado que a nós foi deixado por musicoterapeutas como Helen
Bonny e Paul Nordoff, tornar-se movimento em várias partes do mundo e por vários
profissionais. Entre eles: Kenneth Aigen, Alan Turry e John Carpente (Estados Unidos),
Brynjulf Stige (Noruega), Gary Ansdell e Colin Lee (Inglaterra), Gregório Queiroz, Clara
Piazzetta, Maria Elena Gallicchio, Beatris Barbier, Juliana Carvalho e o autor deste artigo
(Brasil) entre outros.
Fazemos, hoje no mundo, MUSICOTERAPIAS MÚSICO-CENTRADAS. Há
diferenças e penso serem fundamentais para o crescimento. Porém, há semelhanças. Há
uma história e demandas de classe que são comuns (como mencionadas no início deste
artigo). E que pontos em comum encontramos em cada profissional musicoterapeuta que
encontra comunicação com a Musicoterapia músico-centrada? A resposta sintetizada
encontro na afirmação de Ken Aigen que diz que “ser um musicoterapeuta músico-centrado
implica posicionar idéias sobre música no núcleo da teoria musicoterápica” (2005, p. 31).
Acrescentaria que não somente música pode ser o núcleo da teoria mas o “fazer criativo-
transformacional”, em processo musicoterápico, na e com a música..
Penso estes fenômenos de transformação, em dinâmica de Musicoterapia,
provocados prioritariamente pelo envolvimento da relação terapêutica com o fazer criativo-
musical – o uso clínico-criativo da música como núcleo teórico da prática. O potencial
terapêutico habita a música. Cabe ao musicoterapeuta, a partir da instalação da relação
terapêutica, facilitar no fazer musical a potencialização das essências sonoro-musicais, que
tratarão o paciente. ESSÊNCIA é o que, da música (ou da forma), MOBILIZA
Acho importante ressaltar que fazemos parte de uma comunidade que busca melhor
entender, melhorar trabalhar e melhor divulgar a Musicoterapia como ciência, como
prática. E, que sim, entendemos que apesar de nossa característica interdisciplinar temos
8
Brandalise, 2001, p. 30.
5
singularidades enquanto profissão e enquanto profissionais. Somos nós que aprendemos, a
partir da educação de nossas musicalidades, a aplicar MÚSICA (e seus parâmetros) à
saúde.
Para finalizar minha contribuição na primeira mesa da II Jornada, gostaria de falar
sobre o que estou chamando de EXPANSÃO DO SETTING. A área da Musicoterapia,
como um todo, cresce e expandem-se suas possibilidades.
Na década de 80, conhecemos o conceito de Identidade Sonora.
* Identidade Sonora (Rolando Benenzon)
Benenzon diz que a Identidade Sonora “resume a noção de existência de um som,
ou de um conjunto de sons, ou fenômenos internos que nos caracteriza e nos individualiza.”
(1985, p. 43). O musicoterapeuta brasileiro costumava aplicar, em entrevista com o
paciente ou com responsável, no início do processo, a chamada ficha musicoterapêutica
(um tipo de anamnese onde busca-se informações sobre interesses e possíveis aversões
sonoras e musicais do sujeito bem como elementos sonoro-musicais da infância. O
musicoterapeuta, de posse destes dados, partia para o início do processo de “fazer musical”
propriamente dito. Prioritariamente o musicoterapeuta trabalhava com o material sonoro-
musical informado como sendo de interesse do sujeito entendendo que seria, a partir deste
contato, que o acesso poderia ocorrer.
Já o Modelo de musicoterapia Nordoff-Robbins pontuou a importância de um
fenômeno chamado “musicalidade”, considerando-a inata e singular. O núcleo da
musicalidade: Music child.
* Music Child (Nordoff-Robbins)
“O termo faz referência à universalidade da sensibilidade musical – herança
complexa que diz respeito à sensibilidade às ordens e relacionamentos de movimentos
tonais e rítmicos; aponta também para as diferentes maneiras do indivíduo responder
musicalmente.” (1977, parte 1, I). O musicoterapeuta de formação Nordoff-Robbins não
utiliza fichas de investigação de interesse. Prioriza o chamado “aqui-e-agora” do fazer
musical (musicing) com o sujeito em processo. A técnica musicoterápica prioritária é a
improvisação e o entendimento de que a música que poderá acessar o indivíduo pode estar
relacionada a qualquer cultura, a qualquer universo sonoro.
6
* Musicoterapia Músico-centrada (atualmente desenvolvendo as chamadas
Musicoterapia centrada na cultura e Musicoterapia Comunitária)
Queiroz, a partir do filósofo da Música Victor Zuckerkandl, abrange a idéia de
Musicalidade. Diz: “a musicalidade deve ser considerada como um modo de percepção (...)
Musicalidade não é simpatizar com sons, melodias e ritmos, mas é um modo de perceber a
realidade do mundo, modo este que difere por completo daquele da intelecção verbal.”
(2003, p. 20). Musicalidade entendida como uma habilidade para se relacionar com o
mundo.
E o setting encontra caminhos teóricos para expandir-se. Stige acredita que “o
caminho humano em direção à individualidade implica inserção na cultura e no coletivo.
Há que se considerar a relevância dos processos culturais em terapia. A noção relacional de
saúde mencionada acima nos conduz a uma averiguação do aprendizado através da
participação em contextos culturais e sociais.” (2002, p. 214). Ou seja, o CRIAR
transforma, o descobrir novos caminhos criativos transforma. Settings brasileiros já vêm
apresentando possibilidades (caminhos) de expansão. Alguns exemplos: pensar a capoeira9
como fenômeno musicoterápico10, a parceria entre dinâmica musicoterápica e Teatro
(Projeto Companhia Teatro Íntegro)11, que inclusive demanda da co-terapia uma produção
musical eletrônica que deve ser realizada em estúdio, ou seja concretamente extra-setting
utilizando programas como Reason (interface digital) e Sonar (gravador multi-pista). As
quatro paredes da sala de Musicoterapia já buscavam a expansão e, certamente este
fenômeno já ocorria subjetivamente com os agentes envolvidos. Agora, há a possibilidade
de se vivenciar teoricamente esta abrangência do potencial da Musicoterapia no mundo
contemporâneo.
9
"Capoeira, identidade sonora brasileira e músico-centramento, ou 'o setting na rua, no meio do
redemoinho...'" (Queiroz, VIII Encontro Nacional de Pesquisa em Musicoterapia, Rio de Janeiro, 2008)
10
Queiroz, Gregório (em comunicação pessoal).
11
Projeto criado em 2001 no Centro Gaúcho de Musicoterapia sob a direção do musicoterapeuta André
Brandalise. O Projeto consiste na criação, montagem e apresentação de peças teatrais e musicais que são
apresentadas anualmente em teatros na cidade de Porto Alegre. Os objetivos gerais: a inserção social e
profissionalizante da pessoa com Transtorno do Desenvolvimento.
7
Considerações Finais
Referências bibliográficas:
8
9
10