Transdisciplinaridade No Ensino Das Ciências
Transdisciplinaridade No Ensino Das Ciências
Transdisciplinaridade No Ensino Das Ciências
Reitora
Carmen Lúcia de Lima Helfer
Vice-Reitor
Eltor Breunig
Pró-Reitor de Graduação
Elenor José Schneider
Pró-Reitora de Pesquisa
e Pós-Graduação
Andréia Rosane de Moura Valim
Pró-Reitor de Administração
Dorivaldo Brites de Oliveira
Pró-Reitor de Planejamento
e Desenvolvimento Institucional
Marcelino Hoppe
Pró-Reitor de Extensão
e Relações Comunitárias
Angelo Hoff
EDITORA DA UNISC
Editora
Helga Haas
COMISSÃO EDITORIAL
Helga Haas - Presidente
Andréia Rosane de Moura Valim
Felipe Gustsack
Hugo Thamir Rodrigues
Marcus Vinicius Castro Witczak
Olgário Paulo Vogt
Rafael Eisinger Guimarães
Vanderlei Becker Ribeiro
Dados eletrônicos
Texto eletrônico.
Modo de acesso: World Wide Web: <www.unisc.br/edunisc>
Inclui bibliografia.
ISBN: 978-85-7578-457-0
CDD: 372.8507
PREFÁCIO
Dra. Rosana Maria Gessinger .......................................................................................7
ESTE LIVRO...
Mônica da Silva Gallon, Sabrina Isis Brugnarotto Dopico,
João Bernardes da Rocha Filho .................................................................................. 8
TRANSDISCIPLINARIDADE
José Francisco Flores, Luciano Denardin de Oliveira ................................................10
Recebi, com muita alegria, o convite para escrever o prefácio deste livro,
organizado e escrito por professores, alunos e egressos do Programa de Pós-
Graduação em Educação em Ciências e Matemática, da Pontifícia Universidade
Católica do Rio Grande do Sul (EDUCEM/PUCRS). Com alguns dos autores tive
o privilégio de conviver como professora, tanto no curso de graduação como no
programa de pós-graduação, o que me possibilitou significativas aprendizagens. Com
outros, tenho a honra de conviver como colega, seja em disciplinas compartilhadas,
em grupos de pesquisa, em bancas, enfim, em diferentes contextos, e este convívio
quase diário me enriquece pessoal e profissionalmente. Todos os autores têm em
comum o interesse por esta temática tão importante e desafiadora. Alguns são
estudiosos sobre a transdisciplinaridade há muito tempo, o que confere credibilidade
à obra.
O título do livro, Transdisciplinaridade na prática escolar do ensino de ciências e
matemática, por si só já é um convite à leitura, não apenas por parte de pesquisadores,
mas também por professores interessados em aprofundar a compreensão sobre
este assunto que gera tantas interrogações, principalmente no que se refere à sua
prática. Nesse sentido, o livro traz importantes contribuições, pois não se restringe
à abordagem teórica nem prescritiva, mas socializa resultados particulares com
potencialidade para iluminar novas experiências. Não há uma resposta exata para um
interesse especial do leitor. Cada um fará sua leitura e a utilizará a partir do significado
que nela descobrir. Fica, portanto, o desejo de que os leitores se sintam desafiados
pelas reflexões apresentadas no livro e que possam colocar em prática a atitude
transdisciplinar.
Boa leitura!
1 Licenciada em Matemática pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul e Mestra e Doutora em
Educação pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Atualmente, é professora
adjunta da Escola de Humanidades e do Programa de Pós-Graduação em Educação em Ciências
e Matemática (EDUCEM) da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Tem experi-
ência na área de Matemática, com ênfase em Educação Matemática, atuando principalmente nos
seguintes temas: Educação Matemática, Formação de Professores, Ensino e Aprendizagem de
Matemática.
Este livro...
Com este livro propusemos a diversos pesquisadores o desafio de trazerem a
transdisciplinaridade para a prática educativa no ensino de ciências, física, química
e biologia, pois há muito ouvíamos perguntas sobre a efetiva aplicabilidade dessa
atitude. De fato, historicamente muito se escreveu sobre transdisciplinaridade, mas
quase sempre do ponto de vista teórico da complexidade, e pouco ou nada do
cotidiano escolar.
Para atingir nosso objetivo procuramos professores das disciplinas científicas, de
diversas áreas, que reconhecidamente manifestam atitudes transdisciplinares em suas
práticas educativas, e os convidamos para compartilhar conosco essas práticas e seus
resultados. Nosso intuito foi o de disseminar a cultura transdisciplinar, permitindo que os
demais professores compreendam, de maneira objetiva, como a transdisciplinaridade
se aplica no fazer educativo cotidiano e pode contribuir para sua melhoria.
É certo que a globalização e a pós-modernidade trouxeram ganhos para a
humanidade, mas ampliaram e complexificaram o conhecimento a tal ponto que uma
pessoa, hoje, jamais pode se considerar formada. Há um avanço permanente em
todas as áreas do conhecimento, e isso ocorre em uma taxa crescente, de modo que
a carreira docente exige aperfeiçoamento constante paralelamente ao trabalho, seja
por meio de leituras individuais ou de cursos institucionalizados. Nesse contexto, a
transdisciplinaridade surge como o reconhecimento da natureza como ela é, sem
simplificações, sugerindo a conveniência dos professores das áreas científicas, a
quem este livro é destinado, a manifestarem um sentimento de reverência e humildade
perante a ciência e a realidade.
Desejamos que a leitura das páginas deste livro cumpra essa função de
disseminar a transdisciplinaridade de uma forma prática e objetiva, e esperamos
que todos os professores se tornem capazes de efetivá-la em sala de aula, trazendo
melhorias para o ensino das ciências e matemática.
Introdução
Em contraposição a um modelo de apreensão da realidade que leva os
sujeitos a não se perceberem em sua integralidade, incentivando distanciamentos
da natureza e isolamentos das pessoas, apresenta-se, como uma possibilidade,
a transdisciplinaridade (TD) propondo outra forma de pensar os problemas
contemporâneos (NICOLESCU, 1999). Esclarecemos, desde já, que nossa
compreensão a respeito da TD não passa pelo questionamento daquilo que se
tem chamado de disciplinarização do conhecimento. Não pretendemos apresentar
argumentações em favor da TD a partir da rejeição da disciplinaridade e não estamos
considerando esta última como causadora da segmentação do conhecimento que
impede compreensões amplas da realidade. De outra parte não se quer negar o risco
da perda de visão do todo quando se privilegiam aprofundamentos “nas minúcias e
detalhes associados a disciplinas, subdisciplinas e especialidades” (D’AMBROSIO,
2001).
Nossa posição é a de que as disciplinas devem ser cada vez mais aprofundadas
e qualificadas, pois a especialização também está relacionada com a complexidade
das interações naturais entre os seres e agentes físicos do universo. A TD motiva as
Por isso concordamos que o termo TD, apesar das limitações e incompletudes
próprias das palavras, traduz a intenção de seus proponentes, pois o prefixo
‘trans’ significa ‘estar entre e ir além de’. E a expressão ‘disciplinaridade’ indica o
reconhecimento da importância das disciplinas e suas especializações. A proposição,
então, é a de que os indivíduos, enquanto conhecedores de suas áreas realizem o
movimento de transitarem por outras áreas com o intuito de enriquecer-se, ampliando
a compreensão de natureza e sua relação pessoal com o mundo. Assim, não há
significado na produção de conhecimentos transdisciplinares, mas sim o incentivo
para que as pessoas realizem a transdisciplinaridade em si mesmos.
A crítica que a TD vem fazer não se direciona aos conhecimentos específicos
e suas peculiaridades, mas à atitude de quem, sendo investigador, define seus
objetos de pesquisa sem relacionar-se com eles, acreditando numa possibilidade
de conhecimento independente dessa relação. Essa atitude mantém o sujeito que
investiga enclausurado em sua disciplina, já que a vê como um fim em si mesmo
realizando, quando muito, algumas relações com outras áreas, no sentido de apoiar
seu trabalho. Conforme afirma Nicolescu (1999, p. 52):
objetos e as pessoas, naquilo que são em essência, não como algo pronto, mas em
seu eterno movimento e transformações. A consciência em atitude fenomenológica
não quer interpretar com base em pressupostos não refletidos; quer o que é, sem
colocar antecipadamente uma roupagem no percebido.
Diante dessas considerações expressamos nossas compreensões a fim de
configurar as aproximações entre a fenomenologia e a TD. Tais compreensões
poderão ser melhores analisadas a partir do que Nicolescu define como os três pilares
da TD: a existência de diferentes níveis de realidade; a lógica do terceiro incluído; a
complexidade. É o que pretendemos apresentar na próxima seção, quando trataremos
das origens e fundamentos da TD.
As origens e fundamentos
A expressão TD teria surgido quase que simultaneamente nos trabalhos
de pesquisadores como Jean Piaget, Edgar Morin e Eric Jantsch “para traduzir a
necessidade de uma jubilosa transgressão das fronteiras entre as disciplinas,
sobretudo no campo do ensino e de ir além da pluri e interdisciplinaridade”
(NICOLESCU, 1999, p. 9).
Segundo Santos (2008), Göedel, matemático, em 1931, propôs a possibilidade
de se estabelecerem níveis de realidade, em contraposição ao modelo clássico que
pregava a existência de apenas um nível. “O teorema de Gödel nos diz que um sistema
de axiomas suficientemente rico leva, inevitavelmente, a resultados quer indecidíveis,
quer contraditórios” (NICOLESCU, 1999, p. 58). Dessa forma, a possibilidade de
soluções estaria num outro plano de explicações, apoiadas em outras compreensões
de realidade. A partir daí outros cientistas, como Stéphane Lupasco (1900 – 1988),
ampliaram a ideia de níveis de realidade para outras áreas da ciência, como na Física.
A constatação causada pela mecânica quântica, sugerindo que a matéria tem
uma natureza dual, ora se comportando como onda, ora como partícula corrobora
com a ideia de níveis distintos de realidade na natureza. O físico francês Louis de
Broglie, em 1924, postula que elétrons apresentavam especificidades ondulatórias ou
corpusculares, dependendo do experimento realizado. Em 1927, Davisson e Germer
conduzem um experimento de difração de elétrons observando, pela primeira vez,
um comportamento ondulatório para partículas.
Essas constatações promoveram uma revolução no pensamento clássico,
que se havia constituído a partir das concepções de Galileu e Newton, para quem o
universo poderia ser comparado a uma máquina - metáfora característica da ciência
moderna, cujos postulados, segundo Nicolescu, são os seguintes:
Analisados esses axiomas se conclui que a lógica clássica admite um único nível
de realidade, “uma vez que o axioma número 3 exclui a possibilidade de articulação”
(SANTOS, 2008, p. 75). Dessa forma, um único nível de realidade só pode provocar
posições antagônicas, ou seja, “um terceiro termo, digamos T, que esteja situado
num mesmo nível de Realidade que os opostos A e não A, não pode realizar sua
conciliação” (NICOLESCU, 1999, p. 37). Para Nicolescu, o pensamento clássico não
é considerado absurdo, mas suas proposições são restritas.
O questionamento dessa lógica já irá aparecer com Hegel (1770-1831), em sua
obra A Fenomenologia do Espírito, quando postula a derrubada da impossibilidade
da contradição. “O raciocínio hegeliano é de que a contradição não é um obstáculo
para o pensamento, como afirmou Aristóteles em sua Metafísica. Esse enunciado
(Satz) opera uma função importante para o entendimento do mundo” (CASTRO, 2014,
p. 241). Também encontraremos em Stéphane Lupasco a proposta de superação da
lógica da não contradição; este físico e filósofo apresenta a lógica do terceiro incluído
(T) afirmando que existe um outro nível de realidade onde A e não-A podem ser
conciliados (NICOLESCU, 1999).
Conforme citado acima, a mecânica quântica trouxe contribuições para
formulações de uma nova lógica a fim de que se resolvessem os paradoxos que
apresentava. A lógica quântica introduz inovações definindo um terceiro termo
incluído que pode ser A e não A: a dualidade onda-partícula. A compreensão desse
axioma fica totalmente clara quando é introduzida a noção de níveis de realidade
(NICOLESCU, 1999). Daí a importância das análises de Husserl, com a fenomenologia,
e das investigações de Gödel.
Esses aspectos nos ajudam a compreender os fundamentos da
transdisciplinaridade, conforme nos salienta Santos:
suas sensações, suas formas de expressão. Revelam o que são para si mesmos.
Incentivam a perceber que não são feitos para elaborar conclusões definitivas, mas
para transpor, transgredir, transdisciplinar.
O professor pode propor para si mesmo, realizar a arte de ouvir, de apreciar,
de ler. O que é o conhecimento senão experimentar com os próprios sentidos, ter
os próprios pensamentos? O que é fazer arte senão uma busca de cada vez melhor
perguntar? O que significam as pesquisas e indagações do investigador senão o
esforço de encontrar respostas a perguntas pertinentes a si mesmo?
Enquanto elabora suas questões de pesquisa, seus objetivos, suas justificativas
e metodologias o professor está realizando tentativas de buscar respostas para
suas indagações visando o autoconhecimento. E este conhecer-se vai se ampliando
conforme vai percebendo o mundo e as pessoas a sua volta, pois o desafiam e
provocam permanentes a descobertas sobre sua vida e sua relação com as demais. A
descoberta de si mesmo se dá enquanto estamos tentando entender o mundo e suas
supostas leis; enquanto estamos tentando entender nossas relações com as outras
pessoas; enquanto estamos descobrindo nossos potenciais criativos. Percebemos
que essa atitude nos encaminha para a procura de compreender os demais em suas
possibilidades de serem autores e criadores.
Imbernón (2011, p. 117) nos adverte que o professor que não realiza movimento
de analisar a si mesmo aceita a falsa premissa de que “[...] se trata de uma profissão
incapaz de criar conhecimento profissional, que se limita a reproduzir a cultura e
o conhecimento que outros cultivaram e desenvolveram”. A formação das próprias
compreensões sobre a profissão não se constitui em atitude solitária, individual.
A superação de concepções dogmáticas e de atitudes pré-determinadas acontece
com a percepção de si mesmo como ser social, cultural, histórico, psicológico. Por
isso, todo aprendizado é cooperativo, interativo, solidário e integrativo. Também
podemos afirmar que todo aprendizado é processo criativo, é obra de arte que pode
ampliar a atitude transdisciplinar.
REFERÊNCIAS
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Mônica da Silva Gallon, Sabrina Isis Brugnarotto Dopico, João B. da Rocha Filho
22 (Org.) – Transdisciplinaridade no ensino das ciências
Pertença ao cosmos
Este indicador pode ser subentendido na argumentação de Paul (2002, p. 136),
que pensa essa característica como fundamental a um educador transdisciplinar. A
ideia proposta gira em torno do conhecimento de si mesmo, como uma porta para o
conhecimento do cosmo, pois há uma interligação permanente entre ambos.
Morin e Kern (2011) afirmam que os seres humanos aprenderam a respeitar
os limites de seus conglomerados nacionais, como pátria, vivendo, respeitando,
sentindo afeto e comungando seus valores comuns, admitindo, em muitos casos,
verter seu próprio sangue e morrer na defesa de interesses nacionais. A proposição
de Morin e Kern é a da transferência dessa comunhão da pátria para a mátria, com
a expansão da fraternidade para além das fronteiras entre países, para considerar o
Planeta Azul como lar de homens e mulheres que compartilham com o astro o seu
destino.
A Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO)
tem produzido estudos para tentar estabelecer parâmetros para uma educação
global para a cidadania, para promover a paz, os direitos humanos, a aceitação
da diversidade e o desenvolvimento sustentável (UNESCO, 2011). A UNESCO não
considera a cidadania global como um status jurídico, e sim como um sentimento
individual de pertença à comunidade global.
Uma educação global, portanto, teria como objetivo capacitar os cidadãos para
que se envolvam ativamente para o enfrentamento e resolução de problemas locais
e globais, construindo uma sociedade mais justa e tolerante (UNESCO, 2011, p. 4).
De acordo com D’Ambrosio (2001, p. 82) as inserções na comunidade familiar,
na comunidade local (a tribo) e na comunidade nacional são etapas preparatórias para
a inserção na comunidade global, indicando que a integração na totalidade cósmica
se dá primeiro pela integração pessoal dos indivíduos na totalidade, eliminando a
arrogância, a inveja e a prepotência (D’AMBROSIO, 2001, p. 83).
Celso Pessanha Machado, Regis Alexandre Lahm –
Indicadores de atitudes Transdisciplinaridade 25
Presença do sagrado
Outro indicador apontado por Nicolescu (2011) é a presença do sagrado,
entendido como “[...] a presença de algo irredutivelmente real no mundo.”
(NICOLESCU, 2011, p. 59). A não presença do sagrado, para Nicolescu (2011), está
na raiz do totalitarismo, levando a situações em que a vida perde completamente seu
valor, conduzindo povos a caminhos sombrios, como os dos campos de concentração
nazistas de Sobibor, Treblinka ou Auschwitz, que tinham a finalidade de exterminar
Mônica da Silva Gallon, Sabrina Isis Brugnarotto Dopico, João B. da Rocha Filho
26 (Org.) – Transdisciplinaridade no ensino das ciências
Transcultural
O indicador transcultural é proposto por Nicolescu (2011) “mediante a decifração
do sentido que as une e, ao mesmo tempo vai além delas” (NICOLESCU, 2011, p.
70). Isso não significa a aceitação do estabelecimento de uma cultura única por todo
o Globo, que torne homogênea a sociedade. Tal possibilidade existe, e pode ser
Celso Pessanha Machado, Regis Alexandre Lahm –
Indicadores de atitudes Transdisciplinaridade 27
Imaginário e imaginação
De acordo com Paul (2002) a imaginação pode tornar possível o diálogo proposto
na Carta da Transdisciplinaridade, pois se trata de um território no qual os níveis de
realidade podem ser observados (PAUL, 2002, p. 152). A carta da Transdisciplinaridade
foi redigida no Convento de Arrábida, em Portugal, e expressa no seu artigo quinto a
necessidade do diálogo entre as ciências exatas e sua reconciliação não somente com
as ciências humanas, mas também com a arte, a literatura, a poesia e a experiência
espiritual (FREITAS; MORIN; NICOLESCU, 1999). É nesse diálogo que a imaginação
Mônica da Silva Gallon, Sabrina Isis Brugnarotto Dopico, João B. da Rocha Filho
28 (Org.) – Transdisciplinaridade no ensino das ciências
3 Segundo Carrol e Tober (2005), a expressão crianças índigo foi formulada por Nancy Ann Tappe,
referindo-se à cor azul emitida pela suposta aura desses indivíduos. São crianças especiais que
têm “habilidades que vão além do mental e do emocional” (CARROL; TOBER, 2005, p. 27).
Celso Pessanha Machado, Regis Alexandre Lahm –
Indicadores de atitudes Transdisciplinaridade 29
Transcendência
Para D’Ambrosio (2001), as espécies são dotadas de características que
possibilitam a sua sobrevivência. A humanidade tem, além dessa capacidade, outra
peculiaridade - a transcendência -, que permite suplantar a sua própria existência
e extrair fundamentos do passado, de seus ancestrais, e projetá-los, com suas
contribuições, nas gerações futuras. A transcendência é fruto da possibilidade
que a espécie humana tem de mudar o seu comportamento, “princípio essencial
que é chamado, nas diferentes tradições de espírito, alma, carma e várias outras
denominações” (D’AMBROSIO, 2001, p. 166).
Teixeira, Barbosa e Silva (2014) afirmam que ao cuidar de uma pessoa submetida
a algum tipo de tratamento clínico para a saúde, devem-se evitar procedimentos
mecanicistas. Uma abordagem acolhedora leva em conta diferentes níveis da realidade,
pois “sabe-se que outros níveis envolvendo energias sutis e o transcendente também
entram em cena no mundo vivenciado” (TEIXEIRA; BARBOSA; SILVA, 2014, p. 325).
Moraes (2014) recorda os experimentos quânticos com elétrons que derrubaram
conceitos clássicos, já que a partir dessas experiências não foi mais possível
determinar se o elétron é onda ou partícula, pois eles apresentam características que
transcendem as dimensões cotidianas, ou pelo menos não podem ser compreendidas
com base nessas dimensões. Outra lógica deve ser aplicada, com a construção
da transdisciplinaridade, capaz de provocar a derrubada da fragmentação do
conhecimento, transcendendo “as fronteiras disciplinares” (MORAES, 2014, p. 56).
Celso Pessanha Machado, Regis Alexandre Lahm –
Indicadores de atitudes Transdisciplinaridade 31
Solidariedade
Outro indicador advindo da ética da diversidade proposta por D’Ambrosio (2001)
é a solidariedade. A prática desse indicador ajuda a estabelecer a paz social, todavia
não se pode pensar em solidariedade apenas em termos materiais, e sim também
em termos emocionais, de viver em conjunto com o outro as alegrias e tristezas, as
vitórias e as derrotas. Ganha sentido no campo do solidário as manifestações de
comunhão presentes nas religiões, como na eucaristia e na “comida de santo depois
do culto do candomblé” (D’AMBROSIO, 2001, p. 154).
Os PCNs tratam do tema solidariedade em uma subseção do conteúdo ética,
no interior do livro dedicado aos temas transversais. Delimitando o sentido do termo,
os parâmetros afirmam que pode haver enganos se não houver uma apreciação
do contexto onde a palavra solidariedade é aplicada, pois elementos de um grupo
de traficantes podem ser solidários entre si, na defesa de seus interesses ilícitos.
Membros de um mesmo grupo também podem ser solidários uns com os outros,
blindando a sua associação, mesmo em situações que tragam prejuízos aos que
não pertencem ao grupo. O enfoque previsto nos PCNs “é muito próximo da ideia
de ‘generosidade’: doar-se a alguém, ajudar desinteressadamente” (BRASIL, 1997,
p. 69).
Para Vieira (2012), a participação na dança, atuando diretamente como ator
ou indiretamente como apreciador, pode ser um campo propício à solidariedade,
especialmente quando os partícipes emitem suas opiniões com justiça, com respeito
e sem agressividade, nas “análises, interpretações e juízos sobre o trabalho feito ou
assistido” (VIEIRA, 2012, p. 61).
Segundo Moraes (2010), as atividades educacionais devem ser pensadas tendo
como referência a ética, com o objetivo de que haja sentido nas atividades. A ética
não pode ser mais uma teoria, e sim deve ser vivida no cotidiano escolar, “centrada na
diversidade, no multirreferencial, pautada na solidariedade” (MORAES, 2010, p. 69).
Viana e Oliveira (2011) assumem a ética da diversidade proposta por D’Ambrosio,
pela qual a solidariedade deve ser exercida entre os indivíduos não só para atendimento
das necessidades materiais, mas deve prover necessidades espirituais, nas ocasiões
em que o falar e o escutar assumem o papel de protagonistas. As autoras consideram
que o amor é responsável pela existência do Universo, e o ser humano tem um
potencial latente para manifestação de qualidades positivas que podem ser ativadas
pela educação, pois “a generosidade, a fraternidade, a solidariedade e o amor, todos
[estão] presentes em cada pessoa, esperando apenas as condições favoráveis para
Celso Pessanha Machado, Regis Alexandre Lahm –
Indicadores de atitudes Transdisciplinaridade 33
Cooperação
O terceiro pilar da ética da diversidade proposta por D’Ambrosio (2001) é a
cooperação, num sentido amplo, que inclui o ato cooperativo entre humanos
de produzir ferramentas e desenvolvimento de processos que possibilitaram a
configuração do modo de vida da humanidade e também considera a relação entre
os diferentes elementos naturais que cooperam entre si de maneira radical, pois no
processo cooperativo alimentício “uma vida – planta ou animal – se extingue para que
outra continue” (D’AMBROSIO, 2001, p. 154).
Cruz e Costa (2015) afirmam que os serviços sociais devem cooperar entre si
para atender às necessidades das crianças, contribuindo para que seus saberes e
suas características específicas sejam considerados. Eles ressaltam que há entraves
para realizar um trabalho cooperativo, pois os profissionais tiveram uma formação
que privilegia a especialização, sem que houvesse um preparo para trabalho com
grupos cujos integrantes receberam diferentes formações, além de “falta de tempo
para as reuniões de equipe e para as consultas de colaboração” (CRUZ; COSTA,
2015, p. 210).
A perspectiva proposta por D’Ambrosio, de cooperação entre as espécies por
meio dos alimentos, pode ser observada na implementação de hortas em escolas
urbanas. Silva e Fonseca (2011) lembram que há um distanciamento entre o
consumidor e o processo de produção dos alimentos que consome, em virtude do
afastamento da população dos centros urbanos das atividades de cultivo. A execução
de projetos que contemplem a agricultura, utilizando um viés agroecológico, com
respeito ao ambiente e discussão sobre o uso de defensivos agrícolas, pode ser
uma ferramenta que contribua para o rompimento das fronteiras disciplinares e a
percepção dos diferentes aspectos que “constituem o hábito alimentar e as relações
humanas com os demais componentes do ambiente” (SILVA; FONSECA, 2011, p.
50).
Aprender a aprender
Random (2002) afirma que devemos repensar o modo mecanicista pelo qual
se entende o Universo, pois as consequências de manter-se a visão dogmática da
Ciência podem ser graves. Degradação do ecossistema e novas doenças são alguns
dos problemas advindos da mentalidade que desconsidera a complexidade do
Planeta, embora “talvez, ainda haja tempo para aprender a aprender e escapar do
desastre” (RANDOM, 2002, p. 33).
Segundo Schmidt (2012), a aprendizagem acontece na relação com o outro, na
Mônica da Silva Gallon, Sabrina Isis Brugnarotto Dopico, João B. da Rocha Filho
34 (Org.) – Transdisciplinaridade no ensino das ciências
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Artes, Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas. Porto Alegre, 2012.
Mônica da Silva Gallon, Sabrina Isis Brugnarotto Dopico, João B. da Rocha Filho
36 (Org.) – Transdisciplinaridade no ensino das ciências
que é subjetiva. Primeiro porque nem todo o sujeito consegue perceber outras
possibilidades para o tratamento ao conhecimento e à produção de saberes senão
àquelas mais tradicionais. Em segundo lugar, é preciso destacar que, uma vez
inserido no discurso transdisciplinar, alteram-se as configurações sobre os modos
de saber e, talvez, seja essa mesmo a sua função: produzir não o conhecimento
que nasce – necessariamente – no interior das disciplinas, mas diferentes formas
de saber, que, talvez, se permanecessem apenas encerradas dentro dos territórios
disciplinares permaneceriam reduzidas.
Assim, o que pretendemos foi demonstrar uma complementaridade possível
entre o discurso disciplinar e o transdisciplinar, observando este como possibilidade
de ampliação dos saberes que passam a ser produzidos a partir dos conhecimentos
que são, essencialmente, disciplinares. Nesse sentido, não existe exclusão de um
ou outro discurso: ambos são válidos. Apenas quisemos esboçar uma espécie de
percepção sobre como a transdisciplinaridade opera, sobre como acreditamos que
ela tem funcionado, ao contrário de textos que apenas tentam caracterizá-la.
Ao escrevermos estas linhas, nosso interesse foi o de fomentar a discussão
em torno da percepção da relação entre disciplinaridade e transdisciplinaridade não
a partir de um antagonismo que nos textos – principalmente relacionados à área
da educação – lhes é imputado, mas pelo contrário, a partir de uma posição mais
complementar e menos agonística devido suas condições de existência e coexistência.
A contraposição de perspectivas propostas, a partir desse caráter complementar
que propusemos ao tratamento deste tema, foi justamente no intuito de fazer
ver que - embora distintos – ambos os discursos reconhecem sua legitimidade e
reinvindicações enquanto diferentes maneiras dos sujeitos de se relacionarem com
o conhecimento e com as formas de saber. E assim sendo não há motivos para que
um dos discursos deva preponderar sobre o outro: a questão é sempre subjetiva,
paradigmática. A disciplinaridade e a transdisciplinaridade devem ser vistas como
possibilidades que acabam por oferecer-nos diferentes maneiras de enxergarmos,
percebermos e nos posicionarmos no mundo.
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2008.
OBSTÁCULOS AO ESTABELECIMENTO DA TRANSDISCIPLINARIDADE
NA EDUCAÇÃO CIENTÍFICA
Apesar disso, no âmbito das ciências exatas, as imagens são tidas como meros
aspectos secundários dos fenômenos materiais – aparências, com pequeno valor
intrínseco, já que não participam diretamente do trânsito das energias nos processos
físicos. A imagem seria o aspecto mental das entidades materiais ou energéticas,
estas sim com graus maiores de importância ou validade. Essa noção se traduz,
por exemplo, na convicção equivocada de que o observador científico (o cientista)
é passivo quanto ao fenômeno observado. Isso nunca acontece, por duas razões: a
primeira diz respeito ao conteúdo afetivo que o fato observado tem para o pesquisador,
que impede sua neutralidade. Isso, evidentemente, não implica má fé na investigação
científica, na medida em que o cientista tem obrigação ética de considerar o resultado
de suas observações, ainda que elas contradigam suas expectativas. A segunda,
mais complexa e relacionada ao estudo da natureza microscópica da matéria, tem
relação com o princípio quântico de que o ato de medir introduz flutuações que não
podem ser quantificadas precisamente nas variáveis medidas.
Em que pese a noção equivocada de neutralidade, é possível mostrar que
o sistema nervoso humano está contido no mundo material, e não o contrário
(BERGSON, 1999), de modo que o ato de observar une observador e observado em
um sistema ilimitado de mútua interação cuja ação é sempre de autoconhecimento.
Disso decorre que não existe possibilidade de conhecimento isento, nem total.
Todo conhecimento somente pode tender a um limite menor que a unidade, pois
decorre de intervenções iterativas do ser sobre si próprio, estando sempre a parte
exploradora oculta à própria exploração. Em decorrência do mecanismo radical que
as une, cada parte mostra às outras suas múltiplas e simultâneas faces, criando
linhas de comunicação elementares que não chegam a atingir o limiar da consciência
(BERGSON, 1999).
Um pressuposto básico da ciência é o de que o mundo é compreensível, e seus
mecanismos podem ser deslindados, porém essa crença não é demonstrável, não
necessariamente existe correspondência ontológica da imagem com seu objeto, e
nem mesmo é possível provar que existe uma realidade objetiva subjacente. Desde o
ceticismo de Pirro (SOUZA FILHO, 1994) são conhecidas alegações sobre a fragilidade
dos argumentos a favor desta ou daquela tese. A rigor, a ciência lida com presunções
chamadas de princípios e axiomas, dos quais derivam inferências, como a própria
objetividade do mundo natural, acessado exclusivamente por intermédio dos sentidos,
instrumentos, modelos, teorias e técnicas. Mais além do que a impossibilidade do
autoconhecimento completo, então, outro limite paira sobre a ciência: não há como
provar sequer uma ontologia do universo, que aparece unicamente como imagem.
Em especial no século XX muito trabalho intelectual foi realizado com o objetivo
de associar a limitação humana quanto ao conhecimento da totalidade a características
biológicas que, em tese, poderiam ser superadas, como as limitações dos sentidos e a
falibilidade da consciência. Sem dúvida, os sentidos humanos são falhos e limitados,
Mércio J. Lunkes, Diego M. Ozelame, João B. da Rocha Filho –
Obstáculos ao estabelecimento da transdisciplinaridade na educação científica
47
podendo ser aprimorados, o que se pode concluir do estudo de outros seres vivos,
alguns dos quais têm sentidos mais aguçados. Quanto à consciência, porém, jamais
foram encontradas evidências de existência de seres humanos superiores. De fato,
há poucos registros antropológicos que indiquem que aconteceu evolução na
consciência humana desde o surgimento da espécie, podendo-se argumentar que a
capacidade consciente do ser humano não se modificou ao longo de todos os seus
cem mil anos de idade. Houve, sim, aperfeiçoamentos tecnológicos e culturais. Isso
não significa, entretanto, que a consciência humana seria o ápice da perfeição, já que
vida consciente como a nossa, ou mesmo muito diferente e superior à nossa, pode
ter surgido em outros lugares do universo, e dela nada sabemos.
Apesar dos limites da consciência e dos sentidos humanos, porém, estas
são as ferramentas de que a humanidade dispõe para viver no universo, em sua
complexidade, sendo a educação, institucionalizada ou não, o processo que permite
que a cultura sobreviva a cada pessoa, individualmente, mantendo vivo o espírito
humano através das eras.
mais abrangente, mas sim uma contingência que tem consequências negativas e,
portanto, deve ser utilizada com sabedoria e parcimônia. Infelizmente, não é o que
ocorre (GUSDORF, 1976).
A especialização poderia ser utilizada como uma forma de ampliar o
conhecimento – e isso seria benéfico –, mas sua utilização principal tem sido
aumentar a eficiência de processos de todos os tipos, maximizando lucros, com
consequências malignas para o meio ambiente, para a vida de forma geral, e para
a saúde das pessoas, em especial. Como é comum as consequências nefastas da
ação especialista fugirem ao âmbito da própria especialização, é fácil compreender
que o profissional especialista sinta-se isento e livre de culpa ao realizar seu trabalho.
Uma decisão técnica, porém, cobre um horizonte muito restrito – semelhante a
uma engrenagem em uma máquina complexa – sendo natural que essa decisão
seja tomada a partir de premissas próximas ao universo estreito da especialização,
não raro completamente desalinhadas de reflexões que incluam consequências
de alcance estendido. Isso ocorre de forma generalizada, e seria possível listar
numerosas especializações cuja única função, em última análise, é econômica. Por
isso há muitas situações nas quais o Estado tem que intervir para evitar que os
interesses econômicos se sobreponham à vida e ao bom senso.
É evidente que há exceções: um especialista em meio ambiente que trabalhe
como fiscal em um serviço público, e que, além disso, atue eticamente, não
compactuaria com uma ação predatória do agente a quem deve fiscalizar. Mas
quantos especialistas podem ter essa isenção perante uma pressão econômica
como, por exemplo, a possibilidade de ficarem desempregados? Afinal, a função
histórica primária da especialização tem sido saber tudo o que há para saber sobre
determinado assunto, isolado de qualquer outro, quase sempre para usar esse
conhecimento com o objetivo de ampliar o lucro daquele que paga o salário do
especialista.
A especialização tem seus problemas até mesmo na medicina, onde o glamour
da profissão ofusca as adversidades aos olhos da maior parte da população,
que vê no especialista sua única salvação perante uma doença mais grave. Mas,
é preciso olhar longe. A especialização convive intrinsecamente com a possível
incapacidade do especialista de identificar problemas que ultrapassem os limites
de seu âmbito de conhecimento, o que produz o fenômeno – no mínimo curioso –
de um médico especialista típico depender, ele mesmo, de vários outros médicos
especialistas para diagnosticar e tratar das próprias doenças. Essa visão parcial,
inerente à especialização, pode causar problemas também para os pacientes, que
podem ter seus sintomas confundidos, e tratamentos ineficazes e até prejudiciais
podem ser instituídos desnecessariamente (MOREIRA, 2005). Em maior ou menor
grau, é claro, cada especialista também é um ser humano e um cidadão completo,
e se tiver sabedoria pode compreender os limites de seu conhecimento, evitando o
Mônica da Silva Gallon, Sabrina Isis Brugnarotto Dopico, João B. da Rocha Filho
50 (Org.) – Transdisciplinaridade no ensino das ciências
cometimento de equívocos.
Outro desvio notório da especialização ocorre por seu mau uso no campo do
desenvolvimento ou promoção do uso de medicamentos ou equipamentos médicos,
e se relaciona com o poder exercido diretamente pelas corporações sobre os
especialistas. A cooptação de um especialista geralmente é mais eficaz, no tocante
ao aumento das vendas de determinado produto, do que a simples propaganda que
tenta disseminar uma ideia, pois aquela tem um efeito multiplicador cuja dimensão
acompanha a crença que a sociedade deposita em seus especialistas. Também por
isso Edgar Morin (MORIN, 2002) e Paul Feyerabend (FEYERABEND, 1977) defendem
a limitação do poder de decisão dos especialistas. Ainda assim, a propaganda é, ela
mesma, um campo fértil de trabalho para o especialista, que com seu conhecimento
especializado pode impulsionar as vendas de qualquer produto utilizando o marketing
como ferramenta para o convencimento. A mãe de todas as propagandas na pós-
modernidade é aquela que associa a felicidade ao consumo.
Pode-se criar uma especialização sobre qualquer tema e, recentemente
na história do Brasil, se conheceu a especialização em corrupção corporativa-
governamental em níveis que nem o mais crítico opositor aos sistemas de poder
poderia imaginar. Desse triste episódio da república restou uma constatação
constrangedora para os brasileiros: não importa quanto dinheiro um político corrupto
já tenha amealhado dos cofres públicos, esse valor nunca chegará a ser suficiente
para saciar sua ganância. Enquanto um trabalhador assalariado pode trabalhar uma
vida inteira sem que o total líquido de seus proventos atinja a casa do milhão de Reais,
em uma única operação os envolvidos na corrupção brasileira somavam dezenas de
milhões de Reais a suas contas internacionais ocultas. Nunca parece ser o bastante.
Que vazio essas pessoas tentam preencher com dinheiro que nunca poderão gastar,
pois para isso teriam que viver muitas vidas?
A especialização serve, portanto, principalmente a este fim: arranjar modos
mais eficientes de produzir, lucrar ou até amealhar. Mas não se trata de produzir para
o bem comum. De modo algum. A especialização trata principalmente de produzir
com mais eficiência para aumentar o lucro de poucos, sem considerar os prejuízos
globais. É uma manifestação da ganância.
Um exemplo que esclarece isso de modo retumbante é a opção humana
pelo consumo de carne, quando por todas as razões imagináveis isso não deveria
ocorrer. Apesar disso, há fortes incentivos governamentais para a produção pecuária,
e interesses trilionários de corporações globais que tratam de fornecer carne e os
produtos industrializados feitos a partir deles. Alguém imagina que estes governos e
empresas usam a especialização para o objetivo magnânimo de eliminar a fome no
mundo, reduzir a incidência de doenças ou reduzir desigualdades sociais? Se fosse
assim não se produziria um só quilo de carne no mundo.
Mércio J. Lunkes, Diego M. Ozelame, João B. da Rocha Filho –
Obstáculos ao estabelecimento da transdisciplinaridade na educação científica
51
casos são aqueles cujas pré-condições já apontavam isso desde o início. Da mesma
forma, os perdedores tendem a serem sempre os mesmos, que jamais tiveram as
mesmas condições iniciais, reduzindo mais e mais suas autoestimas e ampliando
seus conformismos. É possível ver isso nas disputas por territórios ou acasalamento
em bandos de animais selvagens. É da natureza animal, sendo, portanto, também da
natureza humana. A questão que se coloca: é isso que almejamos para o futuro da
espécie? Queremos reforçar os aspectos competitivos animais de nossa natureza?
A resposta não pode ser outra que um rotundo não, porque a faceta humana
de nossa espécie não manifesta, exceto por uma decisão individual consciente,
qualquer das qualidades que atribuímos aos santos e às divindades. Nossa natureza
não é magnânima, mas sim competitiva, cruel, vingativa e invejosa, principalmente
em relação a qualquer um que não pertença à nossa família consanguínea, que
carrega nossos genes. Se isso não fosse verdade, todo esforço que determinados
setores da sociedade fazem para incentivar as pessoas a serem gentis, colaborativas
e solidárias seria desnecessário. Por isso a transdisciplinaridade, que inclui uma
atitude de humildade e cooperação perante o conhecimento do outro, e com o
objetivo de alcançar objetivos benéficos a todos, depende de esforço individual
contra os próprios instintos.
Pelo mesmo motivo a transdisciplinaridade, apesar de ter sido proposta em 1970,
até hoje se propaga lentamente na educação. Ela não encontra eco no inconsciente
das pessoas. É um pressuposto epistemológico que a humanidade tem que assumir
para garantir a própria sobrevivência, mas em nosso íntimo é difícil compartilhar,
cooperar, se doar e partilhar os benefícios de um trabalho cooperativo. Parece mais
lógico competir e subjugar os outros, trazendo para si a vitória e o prêmio. Claro,
quem diz isso são nossos instintos animais.
As escolas, em especial, praticam ações baseadas em uma crença bem
simples: formar um estudante para ser altamente competitivo é bom, porque ele
obterá um melhor posicionamento no mercado de trabalho. Infelizmente, essa é uma
crença ingênua ao extremo, e equivocada também. Em primeiro lugar, ao incentivar a
competição a escola simplesmente cria uns poucos ganhadores que terão sucesso à
custa dos outros, enquanto gera uma multidão de perdedores, com baixa autoestima,
que tenderão a jamais alcançar qualquer destaque porque aprenderam, desde cedo,
que estão destinados a perder. Mas, qual a vantagem real de uma escola ter um ex-
aluno que chegue à presidência da república, enquanto todos os outros ex-alunos
são apenas números na multidão medíocre?
Em segundo lugar, a escola erra ao promover a competição porque com isso
está confirmando que seu papel é a de mantenedora do status quo. É a confirmação
de que trabalha para reproduzir o mundo que está aí, e não para transformá-lo. O
problema é que o mundo está sempre mudando, e é um erro formar pessoas bem
adaptadas a este mundo, pois amanhã elas serão superadas.
Mônica da Silva Gallon, Sabrina Isis Brugnarotto Dopico, João B. da Rocha Filho
56 (Org.) – Transdisciplinaridade no ensino das ciências
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TOLEDO PIZA, A. F. R. Mecânica quântica. São Paulo: Edusp, 2003.
PARA ALÉM DO BIOCENTRISMO E SINGER: POR UMA VISÃO
COSMOCÊNTRICA NA EDUCAÇÃO CIENTÍFICA
Introdução
É ético viver. Mais do que isso, é ético viver e deixar viver. Ainda mais,
é ético viver, deixar viver e promover a vida. Eis aí uma escala de ética
ascendente. (AZEVEDO, 2010, p. 8)
Uma vez que a ética (NACONECY, 2006, p. 15) “[...] justifica a existência da
moral e oferece orientação para as decisões humanas”, compreende-se a importância
do seu estudo para o desenvolvimento da sociedade. Morin (2013, p. 108), quando
trata da antropoética – a ética em escala humana como um dos sete saberes – nos
coloca que essa “[...] exige que desenvolvamos simultaneamente nossas autonomias
pessoais, nosso ser individual, nossa responsabilidade e nossa participação no
gênero humano”.
Considerando os assuntos abordados nas aulas das Ciências, que pretendem,
na sua essência, estudar a vida, o universo e seus fundamentos, destaca-se a
necessidade de discutir a ética sob o ponto de vista não humano. Deve-se considerar
Nathália F. Albuquerque, Carla M. da Silva, João B. da Rocha Filho – Para além do
Biocentrismo e Singer: por uma visão cosmocêntrica na educação científica 59
Dessa forma, a ética animal é um tema que pede espaço na educação científica.
Além da possibilidade de encaixar esse assunto nos demais conteúdos curriculares
das aulas das Ciências, é importante abordar esses aspectos na Educação Básica,
visando a formar cidadãos críticos e reflexivos acerca de suas ações no mundo,
fazendo com que os estudantes compreendam as desigualdades entre os seres
vivos.
Segundo Godoy et al. (2013), devido à falta de conhecimento e ao desserviço
de alguns setores da mídia, existe a perpetuação de um discurso antropocêntrico,
especista e utilitarista nas escolas da Educação Básica. O próprio termo, ética animal,
pode ser contestado como uma forma de diferenciação dos seres humanos dos não
humanos:
Nathália F. Albuquerque, Carla M. da Silva, João B. da Rocha Filho – Para além do
Biocentrismo e Singer: por uma visão cosmocêntrica na educação científica 61
Conforme o autor também justifica, utiliza-se aqui, o termo ética animal, no intuito
de realizar uma comunicação eficaz, uma vez que não existem, ainda, soluções para
essa problemática que estejam mundialmente difundidas.
Ao ignorar o verdadeiro panorama acerca da forma como os animais são tratados
em nossa sociedade, a Educação perpetua o processo de priorização do Homem
em relação aos demais seres vivos, reforçando esse modelo em seus documentos
oficiais, livros didáticos, currículos e ações dos docentes em sala de aula.
o principal preconceito que permeia o ensino da ética animal nas ciências atualmente
e, simplificadamente, suas consequências para o mundo. Em seguida, observemos
outras correntes que abordam a consideração da vida.
Na visão antropocêntrica, o Homem é o centro do universo, desvalorizando
assim as outras espécies no planeta. Esse tipo de atitude, sendo a mais observada
na mídia e na Educação, carrega consigo uma série de consequências, entre elas,
a promoção de todos os aspectos que envolvem a degradação ambiental, uma
vez que esse pensamento não contempla o entendimento de um equilíbrio entre
as espécies, ou de que estas precisam ser respeitadas para que o todo esteja em
harmonia. Segundo Lima (1996, apud MOTA JUNIOR, 2009):
Conclusões
Sem desconsiderar a ideia de que é ético viver e deixar viver, que todos os
seres vivos são interdependentes como no biocentrismo, assim como merecem ter
seus interesses igualmente respeitados independentemente de suas condições não
humanas, como defende Singer, propõe-se uma educação científica que vá além
desses discursos, que transcenda esses valores que observamos atualmente nas
aulas das Ciências. É no chão da escola, o espaço dessa transformação. Como
pretendemos formar sujeitos críticos e autônomos se lhes é apresentado apenas uma
visão, ou às vezes, nenhuma? E, quando são propostas abordagens diferenciadas,
será ela a melhor escolha para embasar o respeito pela vida e tudo que ela envolve?
Quem é responsável por buscar meios e formas de que essa transformação ocorra
de forma efetiva?
Não podemos esperar que essa situação se modifique, considerando a forma
como a humanidade encaminha-se atualmente. É responsabilidade de todos os
educadores a promoção de discussões que façam os indivíduos refletirem sobre a vida.
A partir de uma Educação baseada em valores cosmocêntricos e transdisciplinares
podemos ensinar aos alunos que a vida é algo sagrado, e está presente em todas as
instâncias da realidade do universo que, juntos, constituímos.
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Toxicologia, Risco Ambiental e Sociedade, Perdizes, v. 3, n. 2, mar/jun, 2010.
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Nathália F. Albuquerque, Carla M. da Silva, João B. da Rocha Filho – Para além do
Biocentrismo e Singer: por uma visão cosmocêntrica na educação científica 69
Giselle Watanabe1
Universidade Federal do ABC
[email protected]
João Batista Siqueira Harres2
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul
[email protected]
Introdução
Esse capítulo se propõe a apresentar alguns aspectos da metadisciplinaridade,
noção fortemente apoiada na complexidade, como uma perspectiva enriquecedora
para a educação e cujas implicações parecem ser complementares àquelas
apontadas pela transdisciplinaridade, tal como referência às ideias de Rocha Filho,
Basso e Borges (2007), apresentadas na obra “Transdiciplinaridade: a natureza
íntima da Educação Científica”. Para a discussão da metadisciplinaridade tomamos
como referência as ideias do professor José Eduardo García Diaz, da Universidade
de Sevilha (US), a qual tem sido investigada, aplicada e desenvolvida em escolas e
na formação docente pela rede espanhola de professores inovadores Investigación y
Renovación Escolar (IRES)3 (GARCÍA PÉREZ; PORLÁN, 2000).
As ideias que orientam o trabalho dessa rede surgiram no final dos anos 80 do
século passado, a partir de um grupo de professores da Escola de Magistério da US
que, em interação com professores das escolas da região, promoviam encontros
regulares para discussão e reflexão sobre as práticas escolares e a busca da
1 Licenciada em Física pelo Instituto de Física da Universidade de São Paulo. Doutora e Mestra
em Ensino de Ciências, modalidade Física, pelo Programa Interunidades (IFUSP/ FEUSP) da
Universidade de São Paulo. Pós-doutora pelo departamento de Departamento Didáctica de las
Ciencias Experimentales y Sociales da Universidad de Sevilla. Atualmente, é professora efetiva da
Universidade Federal do ABC. Linhas de pesquisa: Ensino-aprendizagem em Ciências e Formação
de Professores de Ciências. Investiga elementos da Abordagem Temática, Educação Ambiental,
Complexidade e Física do não equilíbrio para o tratamento da questão socioambiental.
2 Bacharel em Física pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Mestre em Educação pela
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (1990). Doutorado em Educação pela
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Pós-doutorado na Universidade de Sevilha.
Atualmente, é professor adjunto da Faculdade de Física da Pontifícia Universidade Católica do
Rio Grande do Sul, onde atua como professor permanente no Programa de Pós-Graduação em
Educação em Ciências e Matemática. Atua principalmente no ensino de Física e na formação
inicial e continuada de professores em toda a área de ciências. Suas pesquisas se concentram
no ensino, na aprendizagem de ciências e no desenvolvimento profissional de professores e suas
interrelações com a epistemologia, a história da ciência, a cultura e a educação científica. Exerce
ainda a função de Coordenador de Ensino da Diretoria de Graduação da PUCRS.
3 http://www.redires.net
Giselle Watanabe, João B. S. Harres – Metadisciplinaridade e Transdisciplinaridade na
perspectiva da Complexidade: contribuições para o Ensino de Ciências
71
Aspectos da transdisciplinaridade
Na obra de Rocha Filho, Basso e Borges (2007), a transdiciplinaridade se
situa em um status que vai além das dimensões epistemológica, psicológica,
didática, política, etc., já bastante discutidas isoladamente. A partir de uma tessitura
na qual muitas relações são estabelecidas, os autores apresentam a essência da
transdiciplinaridade que, assim, alcança o âmago da educação, tal como enfatiza o
subtítulo da obra. Nesse processo, vai sendo construída uma visão que não isola o
aluno, as pessoas, a sociedade, a vida e até o que a ela transcende. Pelo contrário, a
articulação entre estas diferentes perspectivas da realidade apresenta uma estrutura
bastante coerente e coesa para a posterior elaboração de propostas educacionais.
Como consequência, a lógica disciplinar é invertida, isto é, parte-se das questões
relevantes da vida naturalmente de cunho transdisciplinar, para as disciplinas, ao
contrário do que tradicionalmente se propõe para os currículos. Assim, podem ser
vislumbradas alternativas para uma efetiva mudança nas escolas, rompendo com a
tendência em disciplinar/especializar o ensino. Essa questão também é discutida por
Delizoicov, Angotti e Pernambuco (2002), pautando-se em uma perspectiva freireana.
Ainda na direção oposta à disciplinaridade, a qual “[...] inscreve-se num
único nível de realidade, restringindo sobremaneira o campo de possibilidades de
ação”, a transdisciplinariedade envolve uma atitude vinculada à complexidade, isto
é, “[...] à disposição e à capacidade de posicionar-se ativamente perante os diversos
níveis da realidade” (DELIZOICOV; ANGOTTI; PERNAMBUCO, 2002, p. 36). Assim,
a noção de transdisciplinariedade toma por base as ideias de D’Ambrosio (1997, p.
9, apud ROCHA FILHO et al., 2007, p. 35 e 36) a qual “Repousa sobre uma atitude
aberta, de respeito mútuo e humildade em relação a mitos, religiões, sistemas de
explicação e conhecimento, rejeitando qualquer tipo de arrogância e prepotência”.
Ela é defendida como uma “[...] alternativa epistemológica à compartimentalização
do saber, representando atitudes diferentes em níveis diferentes da realidade”.
Para os autores, a transdisciplinariedade se diferenciaria da multidisciplinaridade
ou pluridisciplinaridade e da interdisciplinaridade. A multidisciplinaridade envolve a
focalização da atenção de várias disciplinas sobre o objeto de estudo de uma única
disciplina, simultaneamente. Já a interdisciplinaridade consiste na transferência de
métodos de uma disciplina para outra. Porém, a transdisciplinaridade envolve a
superação da fase interdisciplinar, adotada quando os especialistas, no âmbito da
Giselle Watanabe, João B. S. Harres – Metadisciplinaridade e Transdisciplinaridade na
perspectiva da Complexidade: contribuições para o Ensino de Ciências
73
[...] é o caminho por onde se pode educar para a reflexão valorativa dos
saberes especialistas, reconstruindo seres capazes de transcender
às perspectivas sectárias que bem conhecemos, e que representam
o grande desafio à instauração de um mundo melhor. (ROCHA FILHO
et al., 2007, p. 126).
8 Ver reflexões sobre os conhecimentos cotidiano, científico e escolar em García (1997) e também,
mais recentemente no número 75 da revista Investigación en la Escuela (2011).
Mônica da Silva Gallon, Sabrina Isis Brugnarotto Dopico, João B. da Rocha Filho
76 (Org.) – Transdisciplinaridade no ensino das ciências
9 Segundo García (1998, p. 108), “a existência dessa hierarquia de níveis devolve a relevância da
natureza dos elementos que interagem, pois definem a organização do sistema (com os mesmos
elementos pode-se organizar sistemas diferentes com interações diferentes), embora também
dependa do tipo de interação e de organização da natureza dos elementos que interagem. Assim,
a interação entre átomos que gera uma molécula não determina o aparecimento das mesmas
propriedades emergentes que a interação entre as moléculas que constituem uma célula. [...]
ainda que todas as interações compartilhem algumas propriedades que lhe dão unidade (influência
mútua, causalidade circular, aparecimento de restrições e emergências, entre outros), também há
que reconhecer uma grande diversidade de interações [...]”.
Mônica da Silva Gallon, Sabrina Isis Brugnarotto Dopico, João B. da Rocha Filho
78 (Org.) – Transdisciplinaridade no ensino das ciências
isolados são perdidas; no entanto, outras surgem devido à interação. Nesse contexto,
a diversidade aparece como consequência do caráter dinâmico do sistema. García
(1998) discute a possibilidade do trabalho a partir de um sistema capaz de impedir a
dispersão de seus elementos, assegurando sua autonomia e complexidade, sendo
aberto aos processos de troca e comunicação, entre outros. O que produziria os
limites desse sistema, assim como a sua organização, são as interações que, por sua
vez, estabelecem o equilíbrio dinâmico.
A diversidade seria responsável por englobar e integrar uns sistemas a outros.
Nesse sentido, quando o sistema evolui, sucessivos níveis de organização são
gerados, acarretando grande variedade de elementos. Evidentemente, a diversidade
de sistemas vivos pertence a determinados níveis que, por sua vez, relacionam-se
com outros níveis de organização, caracterizando a hierarquia que vai estabelecer a
diversidade de sistemas concretos.
O conceito estruturante metadisciplinar de troca está relacionado com a
capacidade do sistema de se abrir e fechar para sua manutenção, trocando elementos,
como matéria, energia e informação, com o mundo exterior ou com outros sistemas.
Segundo Morin (apud GARCÍA, 1998, p. 112-113), um sistema pode ser aberto na
mesma medida em que é fechado, sendo capaz de impedir a dispersão de seus
elementos componentes e delimitar uma fronteira ao seu entorno, o que leva a um
processo recursivo. Essas trocas ocorrem num sistema dinâmico (no caso dos seres
vivos ou dos sistemas sociais), no qual as interações podem ser fortes (quando as
trocas ocorrem intrassistema) ou fracas (quando as trocas ocorrem entre sistemas).
O último conceito estruturante metadisciplinar refere-se à reorganização
permanente o qual está intrinsecamente relacionado ao autocontrole e auto-
organização do sistema (ou autopoiese10 que aparece como uma propriedade
emergente essencial nos biossistemas e possivelmente nos sociossistemas). Os
seres vivos são capazes de se reproduzirem e organizarem mediante um processo
de desorganização-reorganização. Eles estão organizados de tal modo que a sua
manutenção é tão mais viável quando não estão funcionando separadamente. No
entanto, existe certa indeterminação em sua constituição, o que garante a adaptação
dos seres vivos em um meio incerto e dinâmico. A configuração desse sistema é
dada pelas trocas que ocorrem entre os elementos. Vale lembrar a importância
da causalidade nos processos que envolvem os sistemas vivos. A reorganização
permanente está relacionada com o princípio organizacional, que compreende a
10 Para Maturana e Varela, “[...] em um sistema autopoiético existe uma rede de processo de
produção, transformação e destruição de componentes, que constituem uma organização capaz
de gerar esses componentes e processos, e que define o sistema enquanto uma unidade. Ou seja,
se trata de uma causalidade recursiva, na medida em que o próprio sistema cria as condições para
a sua estabilidade. [...] A autopoiese, como princípio complexo, implica que não há distinção entre
produtor e produto (o sistema se produz a si mesmo), nem entre estrutura e função, na medida
em que a função é a própria estrutura no processo de troca” (MATURANA; VARELA, 1980, apud
GARCÍA, 1998, p. 119).
Giselle Watanabe, João B. S. Harres – Metadisciplinaridade e Transdisciplinaridade na
perspectiva da Complexidade: contribuições para o Ensino de Ciências
79
11 Em relação ao Critério Psicológico, o autor adota a visão construtivista, destacando que a atividade
do sujeito está em função de sua organização cognitiva, o que permite tanto o processamento
e armazenamento da informação como o ajuste e o ‘controle’ da atividade do próprio sujeito.
Também alerta que as trocas cognitivas que possibilitam o desenvolvimento são dadas pela
interação do sujeito com o meio físico e social. No que se refere aos Critérios Epistemológico
e Sociológico, destacam-se a importância de considerar uma determinada opção filosófica e
ideológica que definem a visão de mundo presente nas intenções educativas. Isso imprime uma
lógica na organização dos conteúdos, promovendo coerência nas decisões curriculares (GARCÍA,
1998, p. 139). Vale ressaltar, como já salientado, que essa visão baseia-se na perspectiva complexa
que caracteriza o conhecimento como sistemas de ideias em contínua interação, reorganização e
evolução.
Mônica da Silva Gallon, Sabrina Isis Brugnarotto Dopico, João B. da Rocha Filho
80 (Org.) – Transdisciplinaridade no ensino das ciências
conteúdos que mantém relações fortes com o tópico que está sendo tratado. Tais
relações se constituem por meio das hierarquizações. Assim, como os conceitos
se integram em diferentes níveis de hierarquia, há a necessidade de considerar as
diferentes dimensões de uma trama conceitual12. Nota-se que a trama de conteúdos
proposta pelo professor deve adotar um enfoque global e considerar a integração de
diferentes áreas do conhecimento para tratar o tema em questão.
O terceiro elemento de organização da proposta refere-se à aproximação do
aluno ao problema proposto, considerando tanto suas ideias sobre o tema quanto
as suas dificuldades de aprendizagem. Nesse momento se define uma hipótese
sequencial sobre como se constrói o conhecimento na aula que, integrando a trama
proposta com os dados que se têm sobre o pensamento dos alunos, dote de uma
dimensão dinâmica a organização do conhecimento escolar (GARCÍA, 1998, p. 148).
Essa dimensão dinâmica refere-se a um conhecimento submetido a um processo
de reorganização contínua que remete a uma evolução, submetida a um processo
aberto e irreversível em que o novo é elaborado a partir do observável ou mediante
alguns ajustes no sistema de ideias (assimilação, reestruturação fraca) ou por
uma reorganização mais ampla (acomodação, reestruturação forte). Para o autor,
analisando as ideias primeiras dos alunos é possível identificar os diferentes níveis
de formulação.
Os níveis de formulação referem-se aos sucessivos estados pelos quais o
pensamento de um indivíduo passa durante a evolução do seu conhecimento. Eles
podem ser utilizados tanto para orientar o professor na escolha e desenvolvimento
dos conteúdos, quanto para explicitar os níveis de conhecimento dos alunos. Ao
definir os níveis de formulação são considerados: (i) os dados provenientes da
epistemologia científica, em especial, os obstáculos que foram encontrados durante
o desenvolvimento da ciência; (ii) os dados provenientes da investigação didática,
considerando tanto as ideias dos alunos quanto as dificuldades de aprendizagem
apresentadas; e (iii) os dados concretos, que evidenciam a evolução cognitiva de
determinados alunos.
Conforme Rodriguez-Marín, Fernández-Arroyo e García (2014), os níveis de
formulação determinam a organização dinâmica do conhecimento escolar que estão
vinculados às hipóteses de transição13 do conhecimento. Tais hipóteses servem como
referência para a construção do conhecimento, já que contribuem para a organização
12 Segundo Giordan e De Vecchi (1995, apud GARCÍA, 1998) existe uma dimensão horizontal, que
corresponde ao conjunto de conteúdos relacionados, constituindo o campo conceitual concreto (a
amplitude da trama). Também há uma dimensão vertical, na qual se estabelecem as relações entre
as distintas noções consideradas, ou seja, os níveis hierárquicos.
13 No artigo Rodriguez-Marín et al (2014), García e seus colaboradores discutem a pertinência de
mudar a expressão “hipótese de progressão”, usada inicialmente no livro publicado em 1998, por
“hipótese de transição”. Assim, nesse texto adotamos a forma atual sugerida por eles de se referir
a esta ideia.
Giselle Watanabe, João B. S. Harres – Metadisciplinaridade e Transdisciplinaridade na
perspectiva da Complexidade: contribuições para o Ensino de Ciências
81
14 Segundo García (1988, p. 151), a partir desse enfoque, o conhecimento escolar se entende como
um conhecimento organizado e hierarquizado, processual e relativo, como um sistema de ideias que
se reorganiza continuamente na interação com outros sistemas de ideias – relacionados a outras
formas de conhecimento – e que se concretiza, curricularmente, na hipótese de progressão que se
referem tanto a um conteúdo concreto (a construção gradual e progressiva de uma determinada
ideia) como a um conjunto de conteúdos conectados entre si em uma trama (representação
curricular de mudança na organização de um sistema de ideias). Portanto, ainda que uma hipótese
de progressão possa referir-se unicamente a possível evolução de um determinado conteúdo, há
de ter presente que os conteúdos só adquirem significado se considerados em relação aos outros,
como nós em uma rede do saber [...].
15 Essa metodologia, também conhecida como modelo didático investigativo, já foi mencionada no
início desse trabalho.
Mônica da Silva Gallon, Sabrina Isis Brugnarotto Dopico, João B. da Rocha Filho
82 (Org.) – Transdisciplinaridade no ensino das ciências
aprendam a visão científica, mas promover situações de sala de aula nas quais os
alunos possam ir se apropriando da linguagem científica sem romper com questões
do cotidiano, complexificando sua visão de mundo.
Vale ressaltar, por outro lado, que o conhecimento cotidiano enriquece o
conhecimento escolar, de forma que há a possibilidade de que um mesmo assunto
seja revisitado mediante diferentes perspectivas e em distintos momentos. Além disso,
no contexto da complexificação, o conhecimento científico se aplica no contexto
científico, assim como o conhecimento cotidiano se aplica no contexto cotidiano.
No entanto, o conhecimento escolar, além do contexto escolar pode ser aplicado
no contexto cotidiano. E é nesse sentido que o conhecimento cotidiano deve ser
enriquecido e complexificado. Isso tudo embasa o discurso de que o objetivo da
escola não é buscar um ensino estritamente científico, mas escolar.
Por fim, salientamos que há de se considerar, na perspectiva da complexidade,
que o conhecimento escolar é dinâmico e pautado pela complexificação. Isso leva
à defesa de que não existe apenas uma realidade a ser alcançada (por exemplo, a
linguagem científica, ou cultura elaborada), mas inúmeras, as quais se justificam e
se adaptam a múltiplas situações. Diante disso, nos parece essencial pensar em um
processo de seleção e organização de temas a serem tratados em sala de aula que dê
liberdade ao diálogo e seja dinâmico o suficiente para construções e reconstruções.
Tal como salienta Freire (2005, p. 90) “[...] Existir, humanamente, é pronunciar o
mundo, é modificá-lo. O mundo pronunciado, por sua vez, se volta problematizado
aos sujeitos pronunciantes, a exigir deles novo pronunciar”.
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Renovación Escolar” (IRES): uma proposta para inovar no ensino de ciências.
Giselle Watanabe, João B. S. Harres – Metadisciplinaridade e Transdisciplinaridade na
perspectiva da Complexidade: contribuições para o Ensino de Ciências
85
A palavra ‘espelho’ vem do latim mirare que quer dizer ‘olhar com
espanto’. A ação de ‘olhar’ pressupõe dois elementos: o que olha e o
que é olhado. De onde vem o espanto, se não da inclusão do terceiro?
(NICOLESCU, 1999, p. 76)
Introdução
Nicolescu (1999), em seu livro Manifesto da Transdisciplinaridade, remete a
Jean Piaget o uso inicial da palavra transdisciplinaridade, que para este autor seria
uma etapa posterior às relações interdisciplinares. A transdisciplinaridade, sob essa
argumentação, estabeleceria as ligações existentes entre as disciplinas, construindo
dessa forma um sistema global. Após esta primeira conceituação, vale destacar
que outros pesquisadores, como Edgar Morin (2001) e Eric Jantsch (1980) também
contribuíram para que os estudos transdisciplinares fossem para além das clássicas
concepções disciplinares, pluridisciplinares e interdisciplinares, principalmente na
área da educação, que os incorpora em suas práticas pedagógicas.
Para este ensaio, buscaremos uma aproximação conceitual ao campo da
Educação Estatística. Nesse campo, as pesquisas atualmente abrangem diversas
áreas do conhecimento. Pesquisadores de diferentes áreas, além de educadores e
estatísticos, estão contribuindo para a difusão da relevância dos estudos estatísticos e
probabilísticos, adquirindo significativa visibilidade a noção de “educação estatística”
(JACQUES, 2003; DANCEY; REIDY, 2013; LOPES; COUTINHO, 2009; LOPES, 2010;
BATANERO, 2001; BATANERO; DÍAZ, 2011).
De acordo com Lopes (2010), a ampliação dos estudos na área da Educação
Estatística indica que os estudantes, independentemente da área do conhecimento,
necessitam em sua formação adquirir conhecimentos que envolvam conceitos
1 Licenciada em Matemática pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS). Especialista em
Estatística Aplicada pela Universidade de Caxias do Sul (UCS). Mestra em Educação em Ciências
e Matemática pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Doutoranda em
Educação em Ciências e Matemática pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul
(PUCRS). Atuou na Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões - URI, campus
Erechim, no departamento de Ciências Exatas e da Terra de 2012 a 2015. Atua, desde o ano 2000,
como professora da Rede Pública Estadual do Rio Grande do Sul. Tem experiência na docência e
na pesquisa em Educação Matemática, com ênfase nos seguintes campos: estatística, matemática,
educação estatística, educação em ciências, Ensino Médio e docência na Educação Básica.
Alessandra de Abreu Correa – A educação estatística e suas possíveis conexões
com a transdisciplinaridade: um estudo exploratório 89
3 Neste contexto, a palavra inferência adquire o sentido de operação intelectual que, para ser
reconhecida como verdadeira, precisa da recorrência com outras proposições verdadeiras.
Alessandra de Abreu Correa – A educação estatística e suas possíveis conexões
com a transdisciplinaridade: um estudo exploratório 93
presentes nos fenômenos aleatórios quando estes são expressos pela linguagem
estatística:
Cuando tenemos en cuenta el tipo de estadística que queremos
enseñar y la forma de llevar a cabo esta enseñanza debemos
reflexionar sobre los fines principales de esta enseñanza que son:
• Que los alumnos lleguen a comprender y a apreciar el papel de
la estadística en la sociedad, incluyendo sus diferentes campos
de aplicación y el modo en que la estadística ha contribuido a su
desarrollo.
• Que los alumnos lleguen a comprender y a valorar el método
estadístico, esto es, la clase de preguntas que un uso inteligente de
la estadística puede responder, las formas básicas de razonamiento
estadístico, su potencia y limitaciones. (BATANERO, 2001, p. 118).
Batanero (2001, p. 119) defende ainda que é importante que haja ênfase
nos estudos matemáticos dos fenômenos aleatórios na educação básica, já que
situações do tipo aleatório estão presentes no cotidiano. Primeiramente, é preciso
que “el alumno valore el papel de la probabilidad y estadística, es importante que los
ejemplos y aplicaciones que mostramos en la clase hagan ver de la forma más amplia
posible”.
Ao tratar sobre a fenomenologia estocástica4, um dos muitos campos da
Estatística que, conforme Lopes (1998), designa o ensino de Probabilidade e
Estatística quando interligados, como usado na Europa. Batanero (2001) apresenta
que as situações que rodeiam o homem podem contribuir para que o estudante
perceba e aplique os conceitos probabilísticos e, consequentemente, estatísticos
em problemas reais. Assim, classifica as diversas situações humanas em grupos de
fenômenos separados como: o homem no mundo biológico, social e físico.
Explicando: por exemplo, no campo biológico o estudante pode notar
que herdamos características físicas diferentes (sexo, cor do cabelo, o peso de
nascimento), outras como altura e batimentos cardíacos dependem do momento em
que foram medidas. Na medicina, a possibilidade de sofrer o contágio de uma doença,
a possibilidade de um diagnóstico estar correto e os efeitos possíveis de uma vacina
são exemplos de situações aleatórias. Ou ainda, quando são realizadas previsões
sobre a população global, sobre a extinção de uma espécie de animal, estas são
feitas por meio de modelos probabilísticos, da mesma maneira que as estimativas
da dimensão de uma doença ou expectativa de vida de um ser (BATANERO, 2001).
Sobre o homem no mundo físico, podemos elucidar o tempo como uma
fonte inesgotável de exemplos de fenômenos aleatórios, como os fenômenos
meteorológicos, como a intensidade e duração de chuvas, de tempestades ou de
granizo. Batanero (2001, p. 119) segue com o raciocínio “también lo son las posibles
4 Fenômeno estocástico é aquele que está relacionado ao estudo cujo objetivo é a aplicação de
cálculo de probabilidade a dados estatísticos (BORBA, 2001).
Alessandra de Abreu Correa – A educação estatística e suas possíveis conexões
com a transdisciplinaridade: um estudo exploratório 95
5 Conhecimento disciplinar, para D’Ambrosio, é “um arranjo, organizado segundo critérios internos
à própria disciplina, de um aglomerado de modos de explicar (saber) de manejar (fazer), de refletir,
de prever, e dos conceitos e normas associados a esses modos” (D’AMBROSIO, 1993, p. 82).
Mônica da Silva Gallon, Sabrina Isis Brugnarotto Dopico, João B. da Rocha Filho
98 (Org.) – Transdisciplinaridade no ensino das ciências
Considerações finais
Após revisar algumas considerações teóricas apresentadas neste texto, e
analisando a epígrafe, é possível ressaltar alguns pontos que se tornam importantes
sobre o tema tratado. Como primeiro ponto, ressalta-se que a transdisciplinaridade
se situa em todos os campos do conhecimento e reflete uma transformação do
ser. É a conscientização da existência de outro nível de realidade que vai além das
percepções sensoriais, emotivas e dos sentidos, na medida em que entende que
há mais do que se pode ver, tocar ou medir. Opera na ordem do respeito mútuo,
através de uma atitude aberta (D’AMBROSIO, 1993) que, entre outros elementos,
fundamentam a transdisciplinaridade tornando o ser capaz de praticar e pensar
transdisciplinarmente, levando-o à construção do discernimento dos fatos, onde as
potencialidades do ser são percebidas e valorizadas.
Como segundo ponto, a Educação Estatística busca formar, por meio de suas
concepções, cidadãos capazes de escolher temas significativos a sua realidade, a
questionar e formular hipóteses sobre essa realidade e, por fim, estabelecer conexões
para alcançar um resultado que venha a auxiliar na tomada de suas decisões.
Seguindo esse raciocínio, destacamos o terceiro e último ponto. Se analisarmos,
mesmo que de forma resumida, percebemos que os interesses de ambas as
áreas se encontram, pois é possível aplicarmos os conceitos da Estatística e da
Probabilidade no ensino e na aprendizagem e, ao mesmo tempo, utilizarmos os
elementos da transdisciplinaridade - como a interdisciplinaridade, que antecede a
transdisciplinaridade - e que um dos meios de encontro dessas áreas pode ocorrer
por meio de projetos, como explorado no presente texto. Cabe ressaltar que na
Alessandra de Abreu Correa – A educação estatística e suas possíveis conexões
com a transdisciplinaridade: um estudo exploratório 101
REFERÊNCIAS
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COOB, G.; MOORE, D. Mathematics, Statistics, and Teaching. The American
Mônica da Silva Gallon, Sabrina Isis Brugnarotto Dopico, João B. da Rocha Filho
102 (Org.) – Transdisciplinaridade no ensino das ciências
1 Formado no Curso Normal pelo Instituto Estadual de Educação Miguel Calmon (IEEMC) em
1995, Graduado em Ciências Físicas e Biológicas pela Universidade de Cruz Alta - Unicruz - e em
Pedagogia pela Universidade Estadual do Rio Grande do Sul - UERGS. Especialista em Mídias na
Educação pela Universidade Federal de Santa Maria - UFSM. Mestre em Educação em Ciências e
Matemática - PUCRS. Professor da rede estadual de ensino desde de 2000, ocupando o cargo de
vice-diretor do IEEMC de 2002 a 2003. Orientador Educacional na mesma instituição de ensino no
ano de 2014. Atualmente é professor de Física no Ensino Médio, História da Educação e Filosofia
da Educação no curso Normal.
2 Licenciada em Física pela PUCRS, Mestra em Educação em Ciências e Matemática pela PUCRS.
Professora de Eletricidade I do curso técnico de Eletrotécnica da Escola Técnica Estadual Parobé e
da escola Estadual Protásio Alves em Porto Alegre/RS. Professora de Física do Grupo Educacional
Verbo Enem (produção de videoaulas).
3 Licenciada em Física pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Mestranda no
Programa de Pós-Graduação em Educação em Ciências e Matemática pela PUCRS. Participou
do programa gerenciado pela Capes, Pibid - Programa Institucional de Iniciação à Docência, e do
Programa Ciências Sem Fronteiras (CNPq).
Alvori Vidal Rodrigues, Adriana Otaki Schier, Thaísa Laiara Prediger –
A função pedagógica das TIC numa perspectiva Transdisciplinar 105
Outro fator considerável em relação a uma nova tendência com fortes influências
na educação foi o positivismo, que tem em Augusto Comte um dos principais
representantes no século XIX.
A transdisciplinaridade na educação
No século XVI, com Descartes, o conhecimento racionalizado por meio do
método cartesiano aumenta o número de áreas de abrangência, acentuando a
especialização e uma ordem na forma de pensar, do particular para o geral.
A escola que ainda vive sob um espectro cartesiano na maneira como conduz o
conhecimento, dispondo as disciplinas de forma hierarquizada dentro do seu alcance,
atinge não mais do que a área que lhe foi conferida, sem ligação das mesmas. Sendo
essa a fonte de muitas das mazelas na compreensão dos conteúdos abordados na
escola. Da mesma forma, a falta de conhecimento por parte dos docentes de conceitos
como a complexidade (MORIN, 2006) e o da transdisciplinaridade (NICOLESCU, 1999),
justificaria a resistência dos professores na mudança de paradigma educacional.
Não é difícil encontrar professores utilizando livros de décadas passadas como
material didático, com o argumento de que os livros novos trazem tudo misturado.
Essa visão dos professores se explica pela forma como o conhecimento é tratado
na escola, por meio de um sistema de disciplinas no qual cada professor seria
responsável pelos conteúdos que lhe conferem autoridade em sua área. Não cabe
ao professor de Física estudar a célula, por exemplo.
Apesar dos autores que se contrapõem à fragmentação do conhecimento,
Mônica da Silva Gallon, Sabrina Isis Brugnarotto Dopico, João B. da Rocha Filho
108 (Org.) – Transdisciplinaridade no ensino das ciências
mente da ciência, mas como criação do homem e da cultura por ele criada, rompe
com o paradigma das disciplinas, e ganha uma grande aliada nessa apresentação
do conhecimento, que são as TIC. Quer seja pelo mero caráter informativo, em re-
lação às imensas possibilidades de informação, como se utilizando de sua função
pedagógica, ao dar ao professor e aluno ferramentas que ampliem a visão do todo,
se torna possível estender a tela por onde os diversos campos do saber transitam,
quebrando qualquer hierarquização do conhecimento.
Um bom exemplo, da utilização das TIC de forma transdisciplinar, como função
pedagógica, dar-se-ia quando um professor aborda o conteúdo Higiene e saúde. Em
uma perspectiva interdisciplinar, o professor poderia, na web com seus alunos, buscar
em variadas fontes, na biologia, na física, na educação física ou em obras literárias
que tratassem do assunto. Mas, de maneira transdisciplinar, sua visão se voltaria à
utilização das TIC de maneira que o ser humano fosse encarado de maneira integral,
com o conteúdo indo para além da higiene e saúde. Talvez o professor pudesse
enfocar as relações do ‘meu corpo comigo’, com o outro e com o mundo. Agora, sua
busca na web ganharia uma perspectiva mais global, com uma mudança de atitude
em relação ao currículo disciplinar instituído.
Considerações finais
Ao analisar um pouco da trajetória seguida pela fragmentação do conhecimento,
de suas possíveis implicações em como o saber é compartilhado nas escolas,
em caixas separadas, sem conexões entre as diversas disciplinas, uma melhor
compreensão de como a origem das disciplinas contribuiu para isso é percebida.
Da mesma forma, o imperativo das disciplinas faz surgir uma contracultura, na
tentativa de religar conhecimentos e saberes. Não seria o caso de demonizar as
disciplinas, mas entender suas fragilidades e as alternativas a elas: a interdisciplinaridade
e a transdisciplinaridade, esta última própria do pensamento complexo.
Contudo, conceitos como o da transdisciplinaridade podem se valer de recursos
como das TIC para contribuir na atitude transdisciplinar do educar e do educando.
Sendo assim, não se esgotam aqui tais discussões sobre um conceito relativamente
novo, mas com muito espaço para ser explorado.
REFERÊNCIAS
ARANHA, M. L. A. Filosofia da educação. São Paulo: Moderna, 1989.
BOTO, C. A escola do homem novo: entre o iluminismo e a revolução francesa. São
Paulo: Unesp, 1996.
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unisinos/textos/textos/carta.pdf . Acesso em 12 de abril de 2016.
Alvori Vidal Rodrigues, Adriana Otaki Schier, Thaísa Laiara Prediger –
A função pedagógica das TIC numa perspectiva Transdisciplinar 111
Introdução
A utilização da pesquisa ainda na Educação Básica, sob um enfoque
transdisciplinar, vem sendo vivenciada em uma escola pública de ensino médio no
Rio Grande do Sul desde 2012. Com um objetivo de trazer aspectos da investigação
por meio de projetos de pesquisa oriundos do cotidiano dos alunos, o Ensino Médio
Politécnico, modelo adotado no Estado desde então, prevê um espaço específico para
a realização da pesquisa, denominado de Seminário Integrado (SI). Em tal espaço
os alunos dessa etapa escolar têm a oportunidade de relacionar conhecimentos em
diferentes contextos que ultrapassam a fragmentação do saber, sendo estimulados a
percebê-lo de forma a cooperar na preservação do bem comum em sociedade. Com
isso, o enfoque transdisciplinar veio ao encontro das atividades dessa escola de forma
mais significativa e abrangente, pois a transdisciplinaridade, conforme D’Ambrosio
(2001, p. 9) “repousa sobre uma atitude aberta, de respeito mútuo e humildade em
relação a mitos, religiões, sistemas de explicações e conhecimentos, rejeitando
qualquer tipo de arrogância ou prepotência”. Diante disso, a transdisciplinaridade,
por possuir um viés mais humanista, respeitando as diferenças e as incluindo no
mesmo sistema complexo de forma harmoniosa com a natureza, vem possibilitando
aos educandos alcançarem uma visão mais ampla e crítica do saber.
1 Licenciada em Matemática pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Licenciada em Física
pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Mestra em Educação em Ciências e Matemática
pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Doutora em Educação em Ciências e
Matemática na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Atualmente, leciona na rede
estadual de educação do Rio Grande do Sul, professora do Centro de Ensino Médio Pastor Dohms,
professora da rede municipal de educação de Porto alegre, da Faculdade Decision de Negócios -
FGV e tutora da Unisinos. Tem experiência na área de Ensino de Física e Educação Matemática.
2 Bacharel em Análises Clínicas pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Bacharel em
Farmácia pela Universidade Católica de Pelotas. Licenciado em Química pela Universidade
Católica de Pelotas. Especialista em Docência em Saúde pelo CBES Porto Alegre. Especialista em
PROEJA pela UFRGS. Mestre em Educação em Ciências Química da Vida e Saúde (UFRGS). Atua
principalmente no seguinte tema: Ensino de Química, Bioquímica, Projetos de Pesquisa. Doutor em
Educação em Ciências.
Ana Paula Santos Rebello, Paulo José Menegasso –
A Transdisciplinaridade e a pesquisa no Ensino Médio Politécnico 113
A transdisciplinaridade na Educação
Para Nicolescu (2000), físico e educador contemporâneo, a definição de
transdisciplinaridade, na sua etimologia, permite, através da sua fragmentação, a
essência da sua compreensão. Para o autor:
Dessa forma, para que a pesquisa esteja presente na sala de aula das escolas,
os participantes desse processo de construção do conhecimento devem assumir
papéis diferentes daqueles preconizados pela educação tradicional. Com isso, os
professores deixam de ser meros transmissores do saber e passam a ser parceiros
de seus alunos, na busca de novos conhecimentos. Para tanto, a autonomia e a
criticidade devem estar presentes em todas as etapas desse processo de construção.
reflexão, já que o tema precisa ser assumido por todos os componentes do grupo
e ser realmente relevante para a comunidade. A opção por aspectos que estejam
embasados nas concepções da transdisciplinaridade é estimulada pelos professores
orientadores, pois esta “se interessa pela dinâmica gerada pela ação de vários níveis
de realidade ao mesmo tempo” (NICOLESCU, 2000, p. 12), característica presente no
Ensino Médio Politécnico quando considera, juntamente com a pesquisa, a relação
entre a parte e totalidade dos saberes envolvidos.
Após a escolha do tema, os alunos vão à procura de apropriação do assunto.
Nesta etapa os alunos entram em contato tanto com os procedimentos de pesquisa
exigidos em trabalhos científicos quanto à impregnação do tema. É neste momento
que eles percebem que realizar pesquisa transcende a busca de informações, mas
que requer a compreensão do que está sendo investigado. O reconhecimento da
existência de diferentes facetas do mesmo tema torna a pesquisa ao mesmo tempo
limitante e abrangente, pois a busca da resposta inicialmente formulada pelo grupo
os coloca na posição de constante reflexão sobre suas ações. A tomada de decisão
é necessária para a realização da pesquisa e cabe ao aluno-pesquisador prever e
escolher os caminhos que devem ser trilhados na busca de respostas.
Vale destacar que o constante questionamento reconstrutivo dos saberes está
presente em todo o processo, tanto na elaboração do projeto quanto na sua execução.
Os alunos, ao se depararem com as dificuldades inerentes a qualquer pesquisa se
percebem como agentes do seu próprio conhecimento e, consequentemente, se
sentem valorizados em participar nas decisões do que querem aprender.
No decorrer do ano letivo os alunos vivenciam todas as etapas de uma
pesquisa, desde a escolha do tema, a elaboração da problemática, a definição dos
participantes de pesquisa, a coleta de dados e a análise dos dados. Todo o processo
é acompanhado e orientado pelo professor, que procura estimular a investigação
considerando os aspectos da transdisciplinaridade embasados no projeto.
Após a realização da pesquisa, os alunos apresentam seus projetos, através de
banners, como produto final para a comunidade escolar. Este momento é importante,
pois serve de motivação para outros trabalhos, uma vez que os alunos passam por
uma comissão julgadora composta tanto por professores da própria escola quanto
por professores convidados de outras instituições. Outro aspecto relevante é a
tomada de consciência de seus projetos através do olhar crítico dos professores e
dos colegas que realizaram outros trabalhos. Com isso, a diversidade é garantida e o
respeito pelo conhecimento individual é preservado.
É importante destacar que o modo de educação fragmentada do saber
limita a visualização do todo por parte dos alunos. A proposta de trazer aspectos
transdisciplinares associados às questões de pesquisa é desafiadora, uma vez que os
alunos pouco ou até mesmo nunca tiveram acesso a esta dinâmica antes do modelo
Mônica da Silva Gallon, Sabrina Isis Brugnarotto Dopico, João B. da Rocha Filho
118 (Org.) – Transdisciplinaridade no ensino das ciências
Politécnico vem trazendo à tona reflexões sobre o fazer pedagógico dos professores,
modificando o modo de aprendizagem dos alunos. No entanto, para que tenhamos
uma sociedade mais justa e igualitária, consciente de suas ações, é necessário que
tanto a comunidade escolar quanto o Governo assumam responsabilidade pela
educação dos nossos jovens.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Diretrizes
Curriculares Nacionais para Educação Básica. Brasília: MEC/SECB/DICEI, 2013.
BRASIL. Parecer CEEd nº 545/2015 - Conselho Estadual de Educação. Disponível
em: <www.ceed.rs.gov.br/upload/1438180324_pare_0545.pdf>. Acesso em: 15 mar.
2016.
D’AMBROSIO, U. Transdisciplinaridade. São Paulo: Palas Athena, 2001.
ROCHA FILHO, J. B.; BASSO, N. R. S.; BORGES, R. Transdisciplinaridade: a natureza
íntima da educação científica. Porto Alegre: Edipucrs, 2007.
DEMO, P. Educar pela pesquisa. Campinas: Autores Associados, 2005.
NICOLESCU, B. et al. Um novo tipo de conhecimento–transdisciplinaridade. Educação
e transdisciplinaridade, v. 1, 2000.
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2008.
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Pedagógica para o Ensino Médio Politécnico e Educação Profissional Integrada
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STOKOLS, D. The Future of Interdisciplinarity in the School of Social Ecology.
School of Social Ecology, University of California, Irvine, CA, 1998. Disponível em:
<http//eee.uci.edu/98f/50990/readings.htm>. Acesso em: 15 fev. 2016.
REFLEXÕES SOBRE A TRANSDISCIPLINARIDADE
E O ENSINO SUPERIOR EAD
Daniel Kolling1
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul
[email protected]
Gisele Marcon de Souza2
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul
[email protected]
3 Desenvolvido por René Descartes, o método cartesiano abrange o Ceticismo Metodológico, onde
se coloca em dúvida qualquer ideia que porventura possa sofrer algum questionamento. Para
Descartes, a dúvida é importante, pois só poderemos dizer que algo existe no momento que for
provado. O método também prevê a análise, ou seja, a decomposição do todo em partes, para
efeitos de estudo.
Mônica da Silva Gallon, Sabrina Isis Brugnarotto Dopico, João B. da Rocha Filho
122 (Org.) – Transdisciplinaridade no ensino das ciências
4 É uma organização de cunho internacional, composta por 34 países que concordaram com
conceitos da democracia representativa e também compactuam da economia de livre mercado,
fornecendo plataformas comparativas entre as diversas políticas econômicas, na busca de soluções
aos problemas semelhantes.
5 Organização fundada em novembro de 1946, em Paris, visando à melhoria na educação, ciência,
cultura e as comunicações a partir da disseminação da paz no mundo.
Daniel Kolling, Gisele Marcon de Souza –
Reflexões sobre a Transdisciplinaridade e o Ensino Superior EAD 123
justaposição de diversas disciplinas, formando uma rede, mas não ocorrendo uma
efetiva integração das mesmas. Esse é o problema da multidisciplinaridade, pois o
sistema estabelecido por ela não alcança a complexidade, e é algo a ser superado
na contemporaneidade. Exemplo disso é o nosso currículo escolar, no qual existem
várias disciplinas, mas não há uma comunicação efetiva entre elas. Não há uma real
interação, uma cooperação entre as disciplinas (MORIN, 2011).
Também surge nessa época o termo pluridisciplinaridade, que é a justaposição
de disciplinas mais ou menos vizinhas, não ocorrendo a integração dos conteúdos,
pois se busca apenas o acúmulo de conhecimentos. Nos cursos de formação
inicial conhecemos a pluridisciplinaridade na forma de especializações. Os alunos
tornam-se especialistas em uma determinada área, mas não conseguem integrar
conhecimentos (MORIN, 2011).
Em Japiassu (1976) - um dos pioneiros do estudo da interdisciplinaridade no Brasil
- podemos perceber que, tanto na multidisciplinaridade como na pluridisciplinaridade
existe um acúmulo de conhecimentos, mas não há uma tentativa de síntese. O
problema aqui é que o sujeito parte de certos conhecimentos e vai acumulando
novos, mas não os sintetiza em torno de um núcleo comum relevante.
A expressão interdisciplinaridade, criada por Piaget, compreendendo que os
esforços multidisciplinares e pluridisciplinares eram insuficientes, e chegando à
conclusão de que a interdisciplinaridade não poderia ser apenas uma justaposição
de disciplinas, pois o termo inter nos leva à compreensão de integração, conexão ou
troca entre duas ou mais disciplinas.
Podemos exemplificar isso com as Olimpíadas Rio 2016, que ocorreram no
Brasil. Para que possamos estudar este tema, podemos analisá-lo pelos aspectos
da geografia, história, educação física, biologia, etc. Como estamos falando de um
evento que ocorreu em uma cidade que pertence a um estado, que por sua vez,
pertence a um país, a um continente e assim sucessivamente, também falaremos de
esportes e dos aspectos naturais que irão decorrer da realização dos jogos.
No estudo disciplinar cada professor trabalharia apenas os seus conteúdos.
O professor de Geografia, por exemplo, abordaria somente cartografia, história do
descobrimento do Brasil, e assim por diante. O professor que trabalha dessa maneira
exerce a docência de uma forma disciplinar, e deve ter consciência disso.
No entanto, o ideal seria transformar as Olimpíadas num tema global, que levasse
o aluno a desenvolver uma visão ampliada do evento, situando-o geograficamente,
historicamente, emocionalmente, economicamente e cientificamente, por exemplo.
Assim, seria mais fácil compreender qual o impacto que uma Olimpíada pode causar
na sociedade.
Então, quando unimos esse tema global em uma única atividade, quando
derrubamos as barreiras epistêmicas e unimos os conhecimentos dentro de uma
Mônica da Silva Gallon, Sabrina Isis Brugnarotto Dopico, João B. da Rocha Filho
124 (Org.) – Transdisciplinaridade no ensino das ciências
humano - tudo aquilo que nós produzimos historicamente, e não apenas na ciência.
A ciência utiliza isso como subsídio para suas explicações. Então, quer
dizer que as pessoas conseguem buscar conhecimentos, causas mais globais
ainda, mais complexas, que vão além da interdisciplinaridade. Aí chegamos à
transdisciplinaridade, como uma atitude que transcende a disciplina, que permite ir
além e entre as disciplinas, que permite buscar soluções que estão além do alcance
da própria interdisciplinaridade.
Na transdisciplinaridade, ao analisarmos o conhecimento e as disciplinas em
si mesmas nós não abrangemos somente a contribuição científica de cada um. Os
princípios comuns dentro das disciplinas resultam num axioma comum a um conjunto
de disciplinas. Quando falamos em axiomas, nos referimos a princípios gerais, ou
valores. Então, podemos dizer que são os princípios ou valores que são comuns às
disciplinas, avançando para além das barreiras existentes entre estas.
Quando entendermos os valores e princípios dentro de cada área, aí sim
poderemos superar as barreiras, porque a partir deste entendimento o conjunto de
disciplinas se mostra como constituindo um todo: um sistema global. Mas, e qual
seria a dificuldade de trabalhar dessa forma? A resposta não é tão simples, mas ao
analisarmos a educação, percebemos que temos um currículo pré-moldado, com
base em disciplinas e tópicos que são estudados dentro de cada disciplina. Para que
possamos integrar esses tópicos necessitamos utilizar a interdisciplinaridade.
Para que haja o trabalho transdisciplinar precisamos desenvolver temas globais,
sendo necessário observar algumas categorias sugeridas. Um exemplo seria aprender
a respeitar e cuidar do planeta. Não podemos só falar em disciplinas isoladas, estamos
falando de tudo. O que a Física contribui, o que a Geografia contribui, o que a História
e a Matemática contribuem para o entendimento do assunto. Todas elas oferecem
valores comuns a aprender a respeitar e cuidar do planeta.
Nesse caso não estamos mais falando de disciplinas, mas estamos falando de
valores comuns para todos. Falamos de questões mais significativas do que trabalhar
com disciplinas, porque, daí sim, haverá razões mais reais que vão contribuir não
apenas com o conhecimento do indivíduo, mas para que todos possam se unir em
propósitos mais humanos, sociais e ambientais. As pessoas aprenderão em prol de
algo que será benéfico para todos, para que possamos superar as crises citadas
anteriormente.
Nicolescu (1999) acrescenta, ainda, outro aspecto que estabelece as bases
da transdisciplinaridade: a complexidade. Nas ciências, nas relações sociais, nas
artes o desenvolvimento da complexidade é espantoso. Conforme afirma Nicolescu
(1999), a complexidade nutre-se da explosão da pesquisa disciplinar e promove a
multiplicação das disciplinas, e a Física tem demonstrado tal fato com partículas
subatômicas. Sobre os níveis de complexidade nas várias áreas de conhecimento,
Daniel Kolling, Gisele Marcon de Souza –
Reflexões sobre a Transdisciplinaridade e o Ensino Superior EAD 127
salienta Nicolescu:
com materiais impressos (para cursos teóricos) junto com instrumentos, ferramentas
e outros apetrechos (para cursos técnicos), tudo enviado pelo correio. Ambas as
instituições permanecem ativas até hoje, incorporando as tecnologias informacionais
a seus cursos.
No ano de 1979 surgiu no Brasil a segunda geração da EAD, onde os materiais
impressos em folhas eram a principal tecnologia, mas também surgiram fitas de vídeo
(VHS) e alguns programas de televisão associados. O Telecurso 2000, pertencente à
Fundação Roberto Marinho, foi um exemplo dessa geração. As primeiras Universidades
Abertas dos Estados Unidos e da Europa também surgiram nesta época.
A terceira e atual geração é caracterizada pela integração das tecnologias, onde
os alunos utilizam diversos aparelhos eletrônicos conectados à Internet. Além disso,
percebe-se um crescimento no número de usuários. Para se ter uma noção desse
crescimento, segundo o INEP6, no ano de 2014 mais de 1,6 milhões de brasileiros
cursaram alguma universidade em modalidade EAD.
O funcionamento da EAD é simples e prático. A entrada do aluno na EAD ocorre
com qualquer dispositivo conectado à internet. A partir da escolha da universidade,
graduação preferida e posterior aprovação no vestibular, o aluno terá acesso ao seu
ambiente de estudo em modalidade EAD, que geralmente proporciona condições
dinâmicas e inovadoras, onde encontrará todos os seus conteúdos das disciplinas,
avaliações e eventuais tarefas.
Algumas Instituições também oferecem encontros presenciais durante o curso,
porém a organização das disciplinas ocorre virtualmente, e por decorrência disso o
aluno precisa ser dedicado, organizado, disciplinado e constantemente ser motivado.
Essa postura dedicada demonstrada pelos alunos na EAD acaba sendo valorizada,
pois as empresas visualizam um colaborador possivelmente apto a aprender sozinho,
determinado e muito disciplinado.
A EAD acaba atraindo alunos que dispõem de pouco tempo e que na sua
maioria conciliam os estudos com o trabalho, além de diversas atividades da sua
rotina, como filhos e vida social. A vantagem de ser aluno da EAD é a flexibilização da
educação, pois o acadêmico gerencia o local e o horário de seu estudo, superando
empecilhos como as questões geográficas ou profissionais que atrasam a realização
do sonho de cursar uma universidade de qualidade.
Para finalizar, Rocha Filho et al. (2007, p. 36) nos diz que:
REFERÊNCIAS
BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Média e Tecnológica.
Parâmetros Curriculares Nacionais: Ensino Médio. Brasília: Ministério da Educação,
2002.
D’AMBROSIO, U. Transdisciplinaridade. São Paulo: Palas Athena, 1997.
DEMO, P. Educar pela pesquisa. Campinas: Autores Associados, 2011.
FAZENDA, I. C. A. Interdisciplinaridade: história, teoria e pesquisa. Campinas:
Papirus, 1994.
JAPIASSU, H. Interdisciplinaridade e patologia do saber. Rio de Janeiro: Imago,
1976, 220 p.
KOLLING, D. EAD: possibilidades de um futuro profissional mais perto de você. Porto
Alegre: Jornal Floresta, 2015.
LÜCK, H. Pedagogia interdisciplinar: fundamentos teóricos-metodológicos.
Petrópolis: Vozes, 2007.
MORIN, E. Introdução ao pensamento complexo. Porto Alegre: Sulina, 2011.
NICOLESCU, B. O manifesto da transdisciplinaridade. São Paulo: Triom, 1999.
REALE, G. História da filosofia antiga: léxico, índices, bibliografia. São Paulo: Loyola,
1995.
SEVERINO, A. J. O conhecimento pedagógico e a interdisciplinaridade: o saber
como intencionalização da prática. In: FAZENDA, I. C. A. (Ed.). Didática e
interdisciplinaridade. Campinas: Papirus, 1998, p. 31-44.
SOMMERMAN, A. Inter ou transdisciplinaridade? Da fragmentação disciplinar ao
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TEIXEIRA, H. O que é Transdisciplinaridade? Disponível em: <www.helioteixeira.
org/ciencias-da-aprendizagem/o-que-e-transdisciplinaridade/>. Acesso em: 14 mar.
2017.
ZILLES, U. Teoria do conhecimento. Porto Alegre: Edipucrs, 1998.
ANÁLISE FENOMENOLÓGICA HERMENÊUTICA: PESQUISA QUALITATIVA
EM EDUCAÇÃO E A ATITUDE TRANSDISCIPLINAR DO PESQUISADOR
Introdução
A pesquisa descrita ao longo destas laudas, cuja estrutura foi elaborada para
conceber a Análise Fenomenológica Hermenêutica (AFH), pretende disponibilizar
a educadores dialógicos e pesquisadores a oportunidade de realizar uma análise
observacional (por exemplo, do cotidiano de sala de aula) sem a necessidade da
fragmentação dos fenômenos e suspensão/supressão de suas concepções. O objetivo
é propor uma pesquisa compreensiva e integrativa, cuja análise está baseada na
fenomenologia hermenêutica, e a metodologia como “[...] caminho e o instrumental
próprios de abordagem da realidade” (MINAYO, 1992, p. 22) auxílio a pesquisadores
em níveis avançados de pesquisa qualitativa, como é esperado nas investigações de
doutoramento e pós-doutoramento.
se, inicialmente, como uma “psicologia descritiva”, ou seja, o ato de retornar “às
coisas mesmas”, à percepção do mundo anterior ao conhecimento e em relação à
“qual toda determinação científica é abstrata, significativa e dependente” (MERLEAU-
PONTY, 1999, p. 4). Nesse âmbito, a argúcia é o palco para o desenvolvimento das
atitudes e hipóteses, não estando relacionada à cientificidade nem ao posicionamento
de decisões nas quais pensamentos e percepções explícitas estão concatenadas
ao mundo, considerado como meio natural. Trata-se de considerar o mundo como
nossa representação antes de sermos homens ou seres baseados somente em nossa
experiência, “[...] mas enquanto somos todos uma única luz e participamos do Uno
sem dividi-lo” (MERLEAU-PONTY, 1999, p. 7).
A fenomenologia, para educadores dialógicos, se apresenta como instrumento
essencial na avaliação crítica e na construção das diferentes visões de mundo, às quais
conduzem a educação. Esta, por sua vez, possibilita a verificação dos fenômenos
em sala de aula (aspectos físicos, comportamentais e psicológicos dos alunos e
professores), bem como os relacionados às perspectivas e orientações do professor
e do pesquisador na educação, para ao próprio fenômeno esclarecê-lo e estudá-lo
em si mesmo. Não apenas o que é dito sobre ele, trazendo-o à luz do conhecimento,
colocando-o sob jurisdição da totalidade do que se mostra diante do observador, e
não da parcialidade inerente a qualquer pretensão analítica (GALEFFI, 2000).
Concomitante à verificação do próprio fenômeno pela fenomenologia, para sua
articulação é aplicável a hermenêutica, na compreensão da realidade, mediante a
observação reflexiva/refletiva e descritiva dos fenômenos, com consciência intencional
e objeto intencionado.
A hermenêutica serve como base quando algo possui seu sentido obscuro
ou duvidoso, objetivando o alcance de uma nova compreensão do que estava
corrompido por distorção, deslocamento ou mau uso (GADAMER, 2002), contendo
“[…] sem necessidade de acréscimos teóricos como apoio central, a questão do
diálogo” (STEIN, 2000, p. 121).
Heidegger (2005) torna a compreensão como um “existencial”, isto é, um
elemento constitutivo de toda constituição ontológica da existência (o ser-aí) humana,
considerada como o próprio “ser da existência”, na medida em que a existência é
marcada com a compreensão do ser, “[…] o existencial que nos permite pensar a
partir da compreensão, o modo de ‘fundamentação’ pela circularidade” (STEIN, 2000,
p. 108). Assim, propõe uma análise existencial-ontológica da existência humana,
objetivando a descoberta e a exposição fenomenológica da constituição original da
compreensão ontológica fundada na existência, de onde nasce a “hermenêutica da
existência”, ou seja, a interpretação compreensiva do ser-aí e de si mesmo (CORETH,
1973).
Desta forma, esses dois instrumentos – fenomenologia e hermenêutica –
enquanto correntes sociológicas e filosóficas, são possibilidades para suprir as
Mônica da Silva Gallon, Sabrina Isis Brugnarotto Dopico, João B. da Rocha Filho
134 (Org.) – Transdisciplinaridade no ensino das ciências
3 Expressão principalmente usada no contexto da filosofia de Husserl, eidética significa aquilo que se
refere às essências, por oposição àquilo que é fato, estudado por outras áreas do saber. A eidética
é a ciência das formas ou do espírito.
Geisa da S. Medeiros, João B. da Rocha Filho – Análise Fenomenológica Hermenêutica:
Pesquisa Qualitativa em Educação e a Atitude Transdisciplinar do Pesquisador 135
Trazidas essas constatações para a área da educação, isso significa que dados
obtidos em pesquisas qualitativas, não importando os instrumentos por meio dos
quais tenham sido obtidos, podem ser utilizados para a constituição de imagens
da realidade igualmente válidas, embora possam ser conflitantes. Além disso, ao
transcrever uma entrevista, por exemplo, o pesquisador terá, por força do método,
que fixar-se nas palavras ditas, e não conseguirá trazer para a análise informações
paralinguísticas que o entrevistado forneceu simultaneamente à fala, nem considerar
a miríade de variáveis intervenientes. Mesmo no caso de observações, o dado
convertido em texto não refletirá, nem de longe, a complexidade da realidade
investigada. Alegação análoga pode ser feita em relação a dados resultantes de
questionários, embora neste caso não haja alternativa outra que analisar as respostas
que estão dadas em palavras escritas.
Muitas pesquisas acadêmicas em educação incluem como fontes primárias
observações dos próprios pesquisadores, que estão imersos nos casos estudados
a tal ponto que a análise assume características etnográficas e de observações
participantes. São estudos de caso, entendidos de forma ampla. Em uma averiguação
típica, um pesquisador analisa certo aspecto de determinada situação educacional,
recolhendo informações que ele próprio transforma diretamente em textos, às vezes
aplicando sobre estes textos as metodologias de análises textuais supracitadas.
Toda pesquisa qualitativa pressupõe, em grau variável, conforme os diferentes
métodos, que há inevitavelmente certa subjetividade do investigador a influenciar
a investigação. Esse reconhecimento da subjetividade, porém, não transparece
nas metodologias analíticas textuais que pretendem refletir fielmente o corpus,
ou conjunto de dados da pesquisa, como se esse corpus não contivesse o viés
inerente do pesquisador, em toda sua complexidade, além de tudo o que não
pôde ser traduzido em palavras. Ora, não faz muito sentido aplicar um método
ultrarrigoroso de separação e concatenação de palavras ou ideias sobre um corpus
que é intrinsecamente enviesado, e esperar que isso garanta maior fidedignidade das
conclusões.
Pode-se questionar, portanto, se a aplicação de um método analítico sobre
as palavras ditas ou escritas pelos participantes de uma pesquisa, ignorando a
multiplicidade de variáveis envolvidas na situação estudada, é suficiente para
garantir um grau aceitável de fidedignidade na resposta às questões de pesquisa.
Por outro lado, a aplicação de um método de análise textual sobre as anotações
de um pesquisador que faz observações ou preenche um caderno de campo faz
ainda menos sentido, pois se supõe que este pesquisador fez as observações ou
anotações já visando aos seus problemas de pesquisa, ou seja, não deveria haver
arestas a aparar nem sínteses a fazer, e muito menos ideias ocultas que precisam ser
trazidas à luz.
Para começar, uma das modificações que a Análise Fenomenológica
Geisa da S. Medeiros, João B. da Rocha Filho – Análise Fenomenológica Hermenêutica:
Pesquisa Qualitativa em Educação e a Atitude Transdisciplinar do Pesquisador 139
REFERÊNCIAS
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Maturana e Francisco Varela. Griot - Revista de Filosofia, Amargosa, v. 6, n. 2, p.
98-121, dez. 2012.
ANDRÉ, M. E. D. A. Texto, contexto e significado: algumas questões na análise de
dados qualitativos. Cadernos de Pesquisa, n. 45, p. 66-71, 1983.
BARDIN, L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70, 1977.
BICUDO, M. A. V. (Org.). Pesquisa qualitativa segundo a visão fenomenológica. São
Paulo: Cortez, 2011.
CORETH, E. Questões fundamentais de hermenêutica. São Paulo: Editora
Geisa da S. Medeiros, João B. da Rocha Filho – Análise Fenomenológica Hermenêutica:
Pesquisa Qualitativa em Educação e a Atitude Transdisciplinar do Pesquisador 143
Introdução
A escolha de uma profissão não é tarefa fácil. As circunstâncias econômicas e
políticas que o Brasil atualmente enfrenta tornam essa decisão ainda mais criteriosa,
no sentido de aliar a gratificação, o prazer em trabalhar na profissão almejada e o
retorno financeiro. Infelizmente, as licenciaturas não são atrativas para os jovens
porque o salário dessa categoria profissional é baixo quando comparado ao de
outras profissões com formação superior. Assim, muitos professores são forçados
a trabalharem em duas, três ou quatro escolas para garantir o sustento familiar
(PEREIRA, 2016).
Esse cenário não é inspirador para os jovens optarem pela carreira no magistério.
Contrapondo-se a esse contexto, o país precisa de professores, pois os atuais estão
envelhecendo e um dia não exercerão mais suas atividades. Acrescente-se ainda
outro detalhe: já existe falta de professores, principalmente nas áreas de Ciências
Exatas e da Natureza (GATTI, 2010). Essas questões, realmente, apresentam-se
como um grande desafio aos gestores dos sistemas de ensino. E não basta formar
quantidade suficiente de professores, mas sim formar profissionais capazes de
exercer suas atividades num mundo globalizado e em constante mudança.
Segundo Pacheco (2010), o panorama da educação brasileira, e especificamente
1 Licenciada em Física pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Especialista em
Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Mestra em Educação em Ciências
e Matemática pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Atualmente, cursa
doutorado em Educação em Ciências: Química da Vida e Saúde, na UFRGS.
2 Bacharelado em Química Industrial pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Licenciado em
Química pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Mestre em Química pela Universidade
Federal do Rio Grande do Sul, com ênfase em Catálise e Polímeros. Doutor pelo Programa de Pós-
Graduação de Química da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, com ênfase em Educação.
Atualmente, é professor Associado 3 do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do
Rio Grande do Sul. Tem experiência na área de Turismo, com ênfase em Gastronomia, atuando
principalmente nos seguintes temas: alimentos, panificação e confeitaria, sorvetes, educação e
gastronomia. Tem experiência na área de educação em ciências, catálise e polímeros.
Mônica da Silva Gallon, Sabrina Isis Brugnarotto Dopico, João B. da Rocha Filho
146 (Org.) – Transdisciplinaridade no ensino das ciências
3 Fonte: http://www.poa.ifrs.edu.br/institucional/a-instituicao-teste/da-rede-federal-de-educacao-
profissional-e-tecnologica.
4 Fonte: Projeto Pedagógico. Disponível em: <<http://www.poa.ifrs.edu.br/wp-content/
uploads/2010/05/ppc_ciencias_natureza_ago2013.pdf>>. Acesso em 25/03/2016.
5 Conforme lema do manual do aluno. Disponível em: <<http://www.poa.ifrs.edu.br/wp-content/
uploads/2016/03/Manual_estudante_2016.pdf>>. Acesso em 25/03/2016.
Ione dos S. C. Araujo, Odoaldo Ivo R. Neto –
Formação de professores de Ciências e a Transdisciplinaridade no contexto do Instituto 147
Federal de Educação, Ciências e Tecnologia do Rio Grande Do Sul
Contexto do relato
O Curso de Licenciatura em Ciências da Natureza: Habilitação em Biologia e
Química, do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do
Sul (IFRS) – Campus Porto Alegre - foi criado em 2010. O curso é presencial, com
ingresso por meio de prova de seleção e SISU (Sistema de Seleção Unificada). As
principais informações do curso constam na tabela 1.
Este trabalho foi desenvolvido na componente curricular Fontes Energéticas
(UAC 41), a qual pertence à etapa estruturante Vida e Energia. Essa componente
é oferecida anualmente, no primeiro semestre. Desde a criação do curso, ela foi
planejada para ser compartilhada entre dois professores, sendo um de química e
outro de física. Entretanto, esse compartilhamento consistia em um plano de trabalho
construído por ambos os professores, mas trabalhado isoladamente, ou melhor,
o professor de química lecionava os assuntos referentes a sua área e fazia suas
avaliações. Semelhante era a prática do professor de física. O conceito final dos
alunos era criado a partir de discussões e consenso dos professores.
Participantes da pesquisa
Os participantes dessa pesquisa foram os alunos da LCN cursando Fontes
Energéticas (UAC 041) em 2015/1. No final do semestre, os estudantes foram
convidados a avaliarem a metodologia da componente curricular, com participação
espontânea. O quadro 1 apresenta alguns dados referentes aos participantes desse
objeto de estudo.
Delimitação do discurso
O conceito de interdisciplinaridade, transdisciplinaridade e outros termos
derivados, podem gerar estranheza entre os profissionais da educação quando
relatam ou dissertam sobre atividades em práticas pedagógicas. Assim, uma proposta
pedagógica interdisciplinar pode ser vista como não sendo interdisciplinar, mas sim
transdisciplinar por outro profissional.
Para auxiliar na compreensão e visão sobre a mesma perspectiva do tema, vamos
recorrer às definições defendidas por Pombo (2003) para os termos mais utilizados,
os quais aparecem com frequência quando se aborda o trabalho desenvolvido por
diferentes especialistas.
- Multidisciplinaridade ou pluridisciplinaridade: a autora aponta os prefixos pluri e
multi iguais, do ponto de vista etimológico, assim, não faz sentido distinguir, pois eles
são a mesma coisa. Os termos multidisciplinaridade e pluridisciplinaridade refletem
o primeiro nível da organização de trabalho entre diferentes especialistas. O objetivo
é estabelecer uma coordenação mínima, esclarecer alguns elementos em comum,
mas numa visão de mero paralelismo de pontos de vistas;
- Interdisciplinaridade: é um nível intermediário do trabalho conjunto de
profissionais de áreas diferentes, exige uma convergência de pontos de vista e aponta
para a combinação;
- Transdisciplinaridade: remete para uma fusão unificadora no trabalho
desenvolvido por diferentes profissionais, uma perspectiva holística. É o nível superior
da interdisciplinaridade, pois os limites das disciplinas desaparecem, dando lugar à
integração, à cooperação, na visão de objetivos e ideais comuns (POMBO, 2003).
Durante a realização desse trabalho a proposta abordada foi elaborada e
executada sob a perspectiva interdisciplinar. A mudança do ponto de vista ocorreu
durante a análise dos dados e estudo mais detalhado sobre o referencial teórico.
Esse fato justifica não aparecer o termo transdisciplinaridade nos dados
coletados. Alunos e professores da UAC 041 não perceberam o trabalho desenvolvido
sob esse ângulo.
Com fundamentação nas afirmativas de Pombo (2003) sobre o conceito de
transdisciplinaridade, optou-se por adotar essa terminologia, uma vez que representa
Ione dos S. C. Araujo, Odoaldo Ivo R. Neto –
Formação de professores de Ciências e a Transdisciplinaridade no contexto do Instituto 151
Federal de Educação, Ciências e Tecnologia do Rio Grande Do Sul
Metodologia
Este trabalho foi desenvolvido por meio do diálogo permanente entre os dois
docentes e a interação com os alunos de Fontes Energéticas. Inicialmente, foi
elaborado o plano de trabalho, com base na ementa da componente curricular, e
foi acordado entre os professores e coordenador do curso que o trabalho docente
seria desenvolvido interdisciplinarmente. Como exposto anteriormente, nas versões
anteriores da UAC 041 essa componente curricular era compartilhada entre professores
de química e física, mas cada um trabalhava separadamente. As avaliações eram
feitas separadas e o conceito final criado a partir do consenso dos docentes.
A versão da UAC 041, em 2015/1, diferencia-se porque os docentes estavam
presentes nas aulas juntos. As atividades propostas envolveram situações-problema
que necessitavam do conjunto de conhecimentos construídos e estratégias para
serem resolvidos. A figura 2 mostra um exemplo de atividade que os alunos receberam
para resolverem em aula.
Fonte: Os autores.
Fonte: Os autores.
Considerações finais
Em tempos de globalização todas as instituições mudaram. A escola, alvo
de críticas por ser considerada uma instituição ultrapassada, também passa por
processos de mudanças. Segundo Chassot (2003), o mundo exterior invadiu a escola
e pode-se afirmar que ela foi mudada. Nesse sentido, os cursos de licenciatura estão
se adaptando para formar docentes que irão atuar no mercado de trabalho altamente
tecnológico e conectado.
Aliado a esse aspecto, o grande desafio para as faculdades e universidades
que oferecem cursos de licenciatura é atrair e manter os jovens nesses cursos até a
formatura. Segundo D’Ambrósio (2009, p. 100):
REFERÊNCIAS
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POMBO, O. Epistemologia da interdisciplinaridade. Seminário Internacional
Interdisciplinaridade, Humanismo, Universidade. Porto: Universidade do Porto,
Ione dos S. C. Araujo, Odoaldo Ivo R. Neto –
Formação de professores de Ciências e a Transdisciplinaridade no contexto do Instituto 157
Federal de Educação, Ciências e Tecnologia do Rio Grande Do Sul
Introdução
Quem diria que algum dia aquelas aventuras de finais de semana
com os amigos, dos quais minha mãe acreditava não levar a caminho
algum, hoje estão sendo objeto de estudo para despertar o instinto de
criatividade nas pessoas perante a sociedade em que vivemos? Nada
é por acaso. (os autores)
Como somos duas pessoas distintas, relatando sobre motivações do uso desta
metodologia para a área do ensino, resolvemos dividir esta etapa em duas. Cada
trecho irá conter relatos dos diferentes autores, para posteriormente continuarmos
com o tema abordado neste capítulo.
O trecho a seguir é referente ao relato de motivação para o uso de Role Playing
Gaming (RPG) segundo a autora, Sabrina Isis:
Tudo começou em minha infância, quando observei meus primos, encantados,
lendo um pequeno livro que parecia lhes despertar boas discussões e risadas – eles
provavelmente não devem se recordar disso. Aproximei-me deles, pois nunca havia
lido um livro, eu era bem pequena e não possuia esse hábito, e observei que estavam
realmente se divertindo. Quando fiquei para ouvir o que faziam comecei a imaginar
cada traço da história incrível trancafiada nas páginas de um livro com um mago
desenhado em sua capa. Este foi meu primeiro contato com Role Playing Game,
mesmo não fazendo a menor ideia disso.
O tempo foi passando e eu acabei por me esquecer desse contato que despertou
meu primeiro interesse por um livro. Após muitos anos fui convidada, por alguns
amigos, a participar de uma sessão de RPG. Já tinha ouvido falar do termo, mas não
sabia como funcionava. Aceitei a proposta.
Foi horrível, não entendia direito o que tinha de fazer. Fiquei muito confusa e triste
por ver todos meus amigos sabendo como proceder e eu ali, simplesmente atordoada
por não saber como agir. Mesmo após esta experiência não muito agradável, eu
persistia nos encontros em que realizávamos as sessões de RPG. Muitas vezes eu
não jogava, apenas ficava olhando e me divertindo com a aventura de meus amigos.
Era um ambiente saudável.
Após algum tempo tomei coragem novamente para criar um personagem e
participar ativamente do jogo. Dessa vez estudei bastante sobre a história da qual
estávamos participando e criei meu primeiro personagem. A partir daí participei de
várias aventuras e pude conhecer um pouco melhor meu círculo de amizades e como
cada pessoa se portava diante de determinadas situações. Foi uma experiência
bastante instigadora.
Enfim, vamos falar da escola que estudei. Fiquei pensando, quantos momentos,
na escola, me sentia da mesma forma que jogando com meus amigos? A resposta
é nenhuma vez. Na escola era como se estivesse em um lugar que não fazia sentido
nenhum de se estar. Frequentava a escola para ver meus amigos e conversar com
eles. Até pensava, e me sentia mal por não gostar de estudar... Para mim, não havia
sentido decorar datas, realizar cálculos sem fundamentos e passar em provas. Pensei
que este sentimento podia ser normal, pois afinal, eu era adolescente. Quase todos
os adolescentes não se interessam por escolas – todos dizem isso. Aquela famosa
frase: – Não querem nada com nada! Ao contrário. Eu queria tudo com tudo!
Quando me formei no Ensino Médio, em escola pública, percebi que não estava
preparada para ir para o nível superior, portanto nem tentei vestibulares. Fiz um curso
técnico e logo o terminei, porém não consegui emprego naquela área. Tentei trabalhar
em todos os lugares possíveis nesse meio tempo... Mas, nada me fazia sentir completa
e feliz. Foi quando resolvi tentar fazer uma faculdade optando pela Física, mas a
dúvida era: bacharelado ou licenciatura? Pensei e escolhi a segunda possibilidade.
Motivos? Ainda não sabia, mas com certeza foram baseados em minhas vivências
no Ensino Médio. Queria ser uma boa professora, alguém que motivasse os alunos a
gostarem de Física e, talvez, tornarem-se também professores, futuramente.
Iniciei o curso e logo ofertaram a mim uma bolsa de iniciação à docência em um
programa chamado PIBID (Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência),
onde eu iria trabalhar em uma escola realizando projetos. Fiquei empolgada, pois
iria conhecer a rotina de um professor e ver como os alunos se comportavam. E
encontrei a semelhança com meu passado vivido na Educação Básica. Muitos alunos
frequentando a escola sem mesmo saber o motivo. E eu pensava: – Se tivesse de
cursar novamente o Ensino Médio, com estas mesmas circunstâncias, hoje, eu ficaria
em casa. Como isso não é percebido?
Acreditei que por estar mais madura eu iria enxergar a escola com outros olhos e
Mônica da Silva Gallon, Sabrina Isis Brugnarotto Dopico, João B. da Rocha Filho
160 (Org.) – Transdisciplinaridade no ensino das ciências
talvez pudesse entender o porquê de adolescentes não quererem nada com nada. Mas
a verdade é que eu continuei possuindo o mesmo pensamento que tinha do ensino
médio, quando o frequentava. Ops! Tem algo errado. Será que ainda sou adolescente?
Em uma dessas reuniões de grupo do PIBID dois alunos comentaram do uso de
RPG em sala de aula. Pensei, como assim? RPG e aula? E me interessei pelo assunto.
Conversei com os dois alunos sobre minhas experiências com RPG e compartilhei
minha perplexidade de nunca ter pensado antes nisso. Uma alternativa para ensinar,
não somente Física, mas qualquer tema empregando esta ferramenta incrível. A
capacidade de imaginar e solucionar problemas utilizando somente uma ferramenta:
o pensamento. Pensar... Muitas pessoas temem esta ação. É isso o que falta para os
adolescentes quererem tudo com tudo. Pensar.
Com o RPG podemos instigar a criatividade das pessoas de diversas idades.
RPG não é coisa de criança ou adolescente, muitos adultos utilizam-se deste como
um lazer ou, até mesmo, como nós, uma ferramenta de trabalho. O RPG estimula
a criatividade, cooperação, raciocínio lógico, ética, solidariedade, etc. Claro, isso
depende de como for empregado. Em nosso estudo, a principal preocupação
é despertar a criatividade de resoluções de problemas e estimular ações como
cooperação e solidariedade nos jovens que vivem em meio à sociedade atual, que
se demonstra totalmente individualista e conformista. “Será que isto poderia mudar
o futuro? Não custa tentar.”
O trecho a seguir será referente ao relato de motivação para o uso de Role
Playing Gaming segundo o autor, Pedro Oselame:
É uma biblioteca de um colégio católico no centro de uma pequena cidade aos
arredores da grande Porto Alegre. A luz do sol atravessa com dificuldade as nuvens
de inverno que cobrem o céu. Um menino, aparentemente do Ensino Fundamental,
sétima série no máximo, vaga de prateleira em prateleira. Ele procura algo. Nada
em específico. Mas algo que não seja aquilo que ele deveria ler. Os livros que os
professores querem que ele leia são chatos e entediantes. Os dedos passam entre
os livros separados por categorias. Só os com adesivo azul podem ser locados
pelos alunos do Ensino Fundamental. Entre todos os livros e gêneros literários, um
exemplar em particular acaba por chamar a sua atenção. “O Livro jogo”, dizia na
capa. Um livro que ao mesmo tempo era um jogo. “Será possível?”. Ele pensou. Uma
estória interativa, onde as suas decisões definiam o final. A cada escolha ele deveria
pular para uma página diferente. Para solucionar o mistério era necessário fazer as
escolhas certas, um equívoco e a próxima página seria uma narração sobre a sua
morte e todas as respostas estariam perdidas. Era o melhor livro de todos!
Como mestre de RPG, seria assim que eu narraria o meu primeiro contato com
jogo para alguém. Infelizmente, depois de acabar aquele livro não consegui reservar o
outro. Aquele era o único que a escola possuía. E minha mãe acreditava que RPG era
coisa do demônio, e que se eu continuasse a ler aquele tipo de coisa acabaria num
Sabrina Isis Dopico, Pedro Oselame –
Na taberna: uma quest pela educação 161
cemitério realizando rituais satânicos à luz da lua. Minha mãe era professora, formada
em Psicopedagogia. Uma pessoa muito inteligente, mas ainda assim com alguns
preconceitos. Ninguém é perfeito. Mas quando entrei no Ensino Médio vieram os novos
amigos, e eu acabei encontrando um grupo de pessoas que não só sabia do que eu
estava falando, mas que me mostraram uma nova maneira de reviver aquela experiência.
Dessa vez não precisávamos de um livro com caminhos pré-estabelecidos, apenas sua
imaginação e um grupo de amigos. O Mestre do jogo, narrava sua estória baseada em
algum universo mágico, nós fazíamos nossos personagens e começávamos nossa
aventura na taverna. Mercenários, magos, cavaleiros, assassinos, samurais, ninjas,
podíamos ser qualquer um, com a biografia que quiséssemos. Heróis renegados em
busca de redenção, ou grandes guerreiros atrás de grandes feitos. Enfrentávamos
desde texugos raivosos a dragões ancestrais com bafos mentolados. Eram noites de
muita risada, momentos de vitória e muita imaginação.
Com o fim do Ensino Médio veio o afastamento das velhas amizades, e o fim das
noites de RPG. A vida universitária fez com que por vários anos, este meu lado ficasse
dormente, inativo. O curso de Física exigia bastante do meu tempo, e eu não tinha
mais pessoas que compartilhassem do mesmo hábito. No terceiro ano da faculdade
começaram as disciplinas específicas, e eu optei pela licenciatura já que algumas
experiências na área do bacharelado me frustraram. Inscrevi-me na disciplina de
Metodologia e Prática do Ensino de Física. Sem dúvida a melhor disciplina que fiz
no curso. Na mesma época, por coincidência, um amigo que conheci no início da
faculdade me convidou para uma sessão de RPG com os amigos, e eu, obviamente,
aceitei. Lembro-me que na primeira sessão todas aquelas sensações da infância
voltaram, como toda força. A aventura em mundo desconhecido, a tensão nos
confrontos, as risadas com os momentos inacreditáveis. Estava tudo ali. Ao fim da
sessão, meu amigo me pediu que eu preparasse uma história para mostrá-la em uma
próxima sessão. Eu topei o convite.
Paralelamente, um professor da faculdade propôs em uma das aulas que
nos próximos encontros cada um de nós, alunos, deveríamos apresentar uma aula
diferenciada de Física, preparada para o Ensino Médio. Eu me candidatei para ser
um dos primeiros a apresentar. Antes de mim, apresentou um colega, mostrando
uma aula sobre Física de Partículas utilizando dados do LHC*. Uma aula incrível, eu
lembro. Em minha cabeça só passava um pensamento: Como fazer alguma coisa
que seja no mínimo tão bom quanto o que eu acabei de ver? É a competição da
natureza humana. Faltava uma semana para minha apresentação e eu não tinha nada
pronto.
Era uma segunda-feira, a aula seria na quarta-feira. Eu não tinha muito tempo.
* LHC: Large Hadron Colider. Maior acelerador de partículas do mundo, localizado na fronteira franco-
suíça. Um de seus objetivos é estudar a origem da massa das partículas mais elementares.
Mônica da Silva Gallon, Sabrina Isis Brugnarotto Dopico, João B. da Rocha Filho
162 (Org.) – Transdisciplinaridade no ensino das ciências
Voltei para casa à noite, após as aulas, e decidi não dormir até bolar alguma coisa.
Mas nada parecia original e criativo o suficiente. Em algum momento da madrugada
minha mente começou a divagar e pensar na história que eu iria mostrar na próxima
sessão de RPG com meus amigos. Aos poucos comecei a sentir aquela sensação de
epifania, digna de um episódio de House (série televisiva). Uma história de RPG. Uma
aula em forma de uma sessão de RPG! Instantaneamente comecei a procurar na
internet por trabalhos sobre RPG e educação. E eles existiam. Rapidamente a ideia
tinha tomado conta de mim, e a história surgiu naturalmente. Investigadores forenses,
em uma cena de crime, uma maneira perfeita de inserir a ciência em uma estória.
Era a primeira vez que eu iria fazer o papel de Mestre, e seria para pessoas
que, a priori, nunca tiveram contato com o jogo. Foi caótico, desafiador, e uma das
melhores apresentações que já fiz. A aventura foi por um caminho que eu jamais
havia imaginado, mostrando as infinitas possibilidades da aplicação em uma sala de
aula. Não só meu professor gostou muito da ideia, como meus colegas. Em especial,
um que já possuía experiências com RPG. Aquele foi o momento que eu percebi que
estava fazendo a coisa certa no lugar certo e com as pessoas certas. Tudo pareceu
se encaixar perfeitamente. Naquela sala encontrei um orientador e um parceiro de
pesquisa. Foi através do RPG que encontrei minha paixão pela sala de aula e pela
docência, bem como amigos e memórias incríveis. “Por que não utilizá-lo para criar
um ambiente favorável à construção do conhecimento?”.
grupo de pessoas que utilizam somente papel, lápis, borracha e dados. Estes RPGs
possuem uma história criada pelo Mestre ou retirada de algum livro que deve ser
conduzida por ele e os jogadores realizando as ações. A aventura solo é conduzida
por algum tipo de livro (conhecido por livro-jogo) ou site no qual o jogador segue
um determinado roteiro. Jogos online são manuseados a partir de softwares, por
meio do qual um grupo de jogadores pode se aventurar. Os live actions são muito
semelhantes às peças de teatro, onde cada ação que o personagem tomar ele deverá
interpretar como um ator. PBeM e PBF3 são opções de jogos na web onde fóruns ou
e-mails são criados com as instruções do jogo. O famoso MMORPG vem se tornando
cada vez mais utilizado por jogadores do mundo todo. Este tipo de RPG é similar a
um mundo onde múltiplos jogadores podem acessá-lo, podendo fazer contato uns
com os outros conforme o objetivo do jogo. Já os RPGs eletrônicos são aqueles de
jogos de videogames que possuem uma missão final e o personagem tem de seguir
etapas para alcançar seu objetivo.
Nas escolas, desenvolvem-se trabalhos com RPGs do tipo de mesa e live
action que são mais apropriados para um ambiente de sala de aula. Mas isso não
quer dizer que os outros tipos não possam ser utilizados.
O RPG de mesa ou live action possui uma estrutura simples, porém deve
ser muito bem elaborada. Os sistemas de RPGs podem ser criados ou, também,
podem ser seguidos com base em livros que já possuem uma história encaminhada
com fichas prontas. A ficha consiste em todas as habilidades e aptidões que um
determinado personagem irá possuir. Temos na Figura 1 um exemplo de uma ficha
de RPG de D&D:
3 PBeM e PBF: PBeM significa Play-by-mail e é um estilo de RPG jogado por e-mail. PBF significa
Play by forum, onde os jogadores experimentam suas aventuras via fórum. Esses dois estilos
foram criados, pois muitos jogadores alegavam não possuir tempo para as reuniões com outros
jogadores. Assim os e-mails e fóruns facilitaram esta interação, em que pessoas de diferentes
cidades podem participar de um mesmo jogo.
Mônica da Silva Gallon, Sabrina Isis Brugnarotto Dopico, João B. da Rocha Filho
164 (Org.) – Transdisciplinaridade no ensino das ciências
Fonte: http://devagandofisica.blogspot.com.br/2015/10/uma-pequena-viajem-com-muitas-
reflexoes_6.html.
Para o jogador criar seus personagens ele necessita de pontos para serem
distribuídos em sua ficha. De acordo com as distribuições de seus pontos você
irá transformando seu personagem no que deseja. Por exemplo, para se criar um
personagem cientista o seu criador deverá investir em pontos de inteligência e perícias
que possam ser úteis para a profissão deste. Agora, se seu objetivo é ser um lutador
você deverá possuir pontos em resistência e força. A ficha poderá ser moldada de
acordo como o Mestre desejar. O Mestre possui um papel de formular e moldar a
história de acordo com as ações que os personagens irão demonstrar, portanto uma
história poderá ter inúmeros finais. A interpretação que cada personagem irá realizar
ao longo da história irá depender de como o Mestre irá destiná-la. Há Mestres que
preferem que os personagens apenas digam a ação que estão tomando para logo
seguirem a história. E mestres que preferem se deter na parte artística do jogo, onde
cada ação deverá ser tomada como uma peça de teatro, o que pode contribuir muito
para o desenvolvimento do gosto pelas artes nos alunos.
Sabrina Isis Dopico, Pedro Oselame –
Na taberna: uma quest pela educação 165
RPG e ensino
O Role playing game de fato se tornou ao longo dos anos um lazer para muitos
jovens adolescentes e também adultos. Mas de que modo o RPG e o ensino estariam
interligados? Duas coisas completamente diferentes? Aí que você se engana. RPG
tem muito a ensinar sobre qualquer assunto em qualquer lugar, seja numa sala de
aula ou uma saída de campo com os colegas.
Pensando sobre a mecânica do jogo sabemos que para criarmos um personagem
e seguirmos uma história devemos utilizar raciocínio lógico e criar hábitos por leituras,
pois, afinal, só lendo sobre um determinado tema para conhecê-lo profundamente.
Nas primeiras aventuras, o participante pode se sentir desfocado da história, por
não sabê-la. O desconhecimento desperta a busca por respostas, e esse é um dos
principais objetivos do RPG no ensino: instigar os estudantes à pesquisa e a pensar/
refletir sobre suas ações.
O RPG pode trazer outras inúmeras vantagens, dependendo de como está
sendo utilizado. Como por exemplo, muitas pessoas possuem dificuldades de
relacionamentos com outras pessoas. Quando você começa a interpretar as histórias
e a ter que se relacionar e pensar com outras pessoas, acaba percebendo que seus
medos vão embora, pois, a partir do momento em que se relaciona e percebe que
isto lhe traz benefícios para a vida, você perde o medo de algo que lhe faz se sentir
bem.
em alguns momentos o Mestre assuma o papel de algum antagonista, esta não é sua
função. O principal papel do Mestre é narrar a história, as consequências de cada
ação, mediar as interações. Ao mesmo tempo em que o Mestre expõe os jogadores
a uma situação de perigo, ele é o responsável por estabelecer um ambiente que
possibilite soluções. O Mestre age como um escritor que, ao mesmo tempo em que
põe o herói contra seu pior inimigo, também o instrumentaliza com a melhor arma
para o combate.
No ambiente educacional, cabe ao professor, na posição de mestre, direcionar o
foco da aventura nos desafios, na colaboração entre todos, para o prosseguimento da
história. Criar situações de conflito que possibilitem um número diverso de soluções.
Relação RPG-transdisciplinaridade
Hoje em dia vivemos com princípios cartesianos impregnados em nossas
identidades, que são baseados em fragmentação, descontextualização, simplificação,
redução, objetivismo e dualismo. Esses princípios fazem com que as pessoas se
baseiem em ideais mais centralizadas na razão, deixando de lado a emoção, a
intuição, etc.
Podemos perceber no mundo acadêmico que vivemos as semanas direcionadas
às áreas específicas, como a semana acadêmica da Física, Biologia, Química, etc.,
porém não ouvimos falar de momentos onde os diálogos entre as áreas possam ser
facilitados, como uma Semana das Humanidades. Sabemos que isto ocorre devido
à sociedade ser baseada em ideais totalmente especialistas, onde as disciplinas
estão priorizadas em primeira instância, mas quando vivemos nossas vidas somos
transdisciplinares.
A visão especialista estimula a adentrar em determinada área, construindo uma
visão parcial sobre o mundo real. Porém, o mundo é complexo, não podendo uma
ação especialista responder adequadamente a esta complexidade. Por essa razão,
mesmo sendo especialistas devemos possuir um olhar complexo para resolver os
desafios do mundo contemporâneo, para isso temos de fortalecer nossas atitudes
transdisciplinares. Como pensa Edgar Morin (2000), um especialista que somente é
especialista é um perigo para o mundo e para a humanidade.
A especialização respondeu pelos grandes progressos da ciência perante a
humanidade, porém, sem uma visão humana dos problemas que podem surgir, a
ação especialista sempre se torna perigosa. Por exemplo, o pior centro de pesquisa
humana que já existiu em toda história da humanidade provavelmente foi o campo de
concentração de Aushwitz, e há pessoas que acreditam que lá foram feitos grandes
progressos na medicina. Sob esse ponto de vista, se para haver progresso numerosos
seres de nosso planeta precisam sofrer atrocidades, seria preferível continuar na
Idade da Pedra.
Mônica da Silva Gallon, Sabrina Isis Brugnarotto Dopico, João B. da Rocha Filho
168 (Org.) – Transdisciplinaridade no ensino das ciências
a tomar suas ações perante seus sentimentos. Um exemplo disso é o fato de que
em um jogo de RPG você não precisa seguir qualquer tipo de roteiro específico,
apenas usa sua imaginação para resolver uma determinada situação para chegar a
seu objetivo.
Uma característica especial do RPG é seu caráter cooperativo. Enquanto outros
jogos de tabuleiro e corridas são de caráter competitivo, o RPG estimula a cooperação
e a solidariedade entre seus participantes. Muitas vezes, o Mestre pode fazer com que
situações possam ser resolvidas somente se houver a interação entre determinados
personagens, caso contrário, a missão se torna uma tarefa completamente impossível.
Para que haja a cooperação e tomada de decisões, um aspecto bem importante
é o da socialização entre os indivíduos. Quem já participou alguma vez de uma
roda de RPG pode ter ouvido as seguintes perguntas: Você não vai socializar com
ninguém? Vai ficar parado em um canto, enquanto todos os outros personagens estão
interagindo?
Há relatos de pessoas extremamente tímidas, que após participarem de uma
atividade assim, começaram a socializar-se mais com o meio, mudando suas atitudes.
Por que não utilizar tal ferramenta para ajudar nossos alunos?
As práticas RPGistas possuem muitos aspectos que trazem à tona as ideologias
transdisciplinares, como o uso de várias disciplinas em uma determinada aventura.
Pode-se criar uma história onde existe um biólogo, um físico, um intérprete, etc. E
estes têm o dever de dialogar entre si para chegarem a um consenso e progredirem
em sua missão. E, para que cheguem a um consenso, entra a lógica do terceiro
termo incluído, onde às vezes o certo e o errado não fazem sentido para a aventura.
Os personagens precisam transcender nesses tipos de impasses para chegar a
novas conclusões a partir de novas visões (níveis de realidade distintos). Muitas
vezes, acontece no jogo, de termos uma situação de respostas “sim” ou “não”,
porém os personagens entrarem em um consenso. E é aí que a história começa a
ficar interessante! Pois o Mestre não terá controle sobre a situação e terá de interagir/
mediar com os jogadores para saber qual melhor ação a ser tomada. Este exercício
faz com que não somente o aluno, mas também o professor aprenda novos níveis de
realidade.
Portanto, temos muita transdisciplinaridade envolvida nesse tipo de abordagem.
E, pelo método ser extremamente versátil, podemos criar o que quisermos em qualquer
contexto. Além desta transcendência às disciplinas, o RPG também possui um modo
chamado Live Action: cada ação que o personagem for tomar no decorrer da história
deverá ser interpretada de forma artística. Uma só aventura de RPG poderá abordar
História, Física, Matemática, Biologia, Sociologia, Filosofia, Geografia, exercícios
físicos, Artes, música, etc... Isto tudo dependerá de seu Mestre.
Mônica da Silva Gallon, Sabrina Isis Brugnarotto Dopico, João B. da Rocha Filho
170 (Org.) – Transdisciplinaridade no ensino das ciências
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