FICHAMENTO Vigiar e Punir Foucault

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FICHAMENTO

Vigiar e Punir de Michel Foucault, pensador francês, é uma obra que faz uma
análise científica sobre a legislação penal e o sistema punitivo adotado para os que praticam
alguma modalidade de crime ao longo dos séculos.
O livro é formado por quatro partes: Primeira Parte: Suplício, dividida em dois
capítulos – O corpo dos condenados e A ostentação dos suplícios; Segunda Parte: Punição,
dividida em dois capítulos – A punição generalizada e A mitigação das penas; Terceira Parte:
Disciplina, dividida em três capítulos – Os corpos dóceis, Os recursos para um bom
adestramento e O panoptismo; Quarta Parte: Prisão, dividida em três capítulos – Instituições
completas e austeras, Ilegalidade e delinqüência e O carcerário.
A primeira parte do livro "Vigiar e Punir" examina o sistema de suplício como
método de punição utilizado na Idade Média. Foucault explora a natureza do suplício, suas
formas e rituais, bem como seu objetivo de demonstrar o poder do soberano e de manter a
ordem social. O autor também analisa a transformação gradual do suplício e suas
consequências para a punição. "O suplício era um cerimonial, mas era também uma série de
manobras calculadas; ele pertencia à ordem do poder que é mais do que espetáculo, mas é
cerimônia, não tanto como função teatral, mas como mecanismo político." (p. 27)”.
No primeiro capítulo da Primeira Parte, apresenta-se o exemplo de suplício e o uso
do tempo. Foucault relata o esquartejamento de Damiens, em 1757, que havia sido condenado
por cometer parricídio. O processo é descrito com detalhes, bem como a dificuldade do
carrasco em executar o seu ofício. A rotina de uma prisão também é descrita, no final do
século XVIII, por meio do regulamento redigido por Léon Faucher para a “Casa dos jovens
detentos em Paris”, nos quais o autor estabelece a seguinte relação: “Eles não sancionam os
mesmos crimes, não punem o mesmo gênero de delinqüentes. Mas definem bem, cada um
deles, um certo estilo penal.”. (p. 13).
O autor destaca a importância do espetáculo e do ritual no suplício. As punições
eram realizadas publicamente, com a participação ativa do público, como forma de exibir o
poder do soberano e criar um efeito de dissuasão sobre os demais. Além disso, Foucault
argumenta que o suplício é uma manifestação física do poder, com foco no corpo do
condenado. O corpo era submetido a uma série de torturas e mutilações, evidenciando a
relação entre o poder soberano e o controle sobre os corpos dos indivíduos.
Depois, o autor discute como o suplício gradualmente perdeu sua eficácia como
método de punição. Ele examina as mudanças sociais, políticas e culturais que contribuíram
para o declínio do suplício, incluindo a emergência de novas formas de poder e controle
social.
Em apenas três décadas, estilos penais distintos, sendo que a modificação mais
significativa foi a extinção dos suplícios, que eram rituais que tinham dois aspectos
característicos: o espetáculo e a dor. “Desapareceu o corpo como alvo principal da repressão
penal.” (p.12). A punição deixa de ser uma atração popular e violenta, passando a ser
burocrática e moral: “é a própria condenação que marcará o delinqüente com sinal negativo e
unívoco”. (p.14).
No começo do século XIX, que se começa a suprimir gradativamente o espetáculo
punitivo. “Punições menos diretamente físicas, uma certa discrição na arte de fazer sofrer, um
arranjo de sofrimentos mais sutis, mais velados e despojados de ostentação.” (p. 13). O
espetáculo teatral passou ter um caráter negativo fazendo com que o cerimonial da pena passe
a ter um novo procedimento. “a certeza de ser punido é o que deve desviar o homem do crime
e não mais o abominável teatro.” (p. 14).
Também houve a mudança do objeto do ato punitivo, não sendo mais o corpo, mas
a alma, tornando-se a perda de um bem ou de um direito o principal foco. Entretanto, a certeza
de que privação pura e simples da liberdade não deveria ser o único meio eficaz, mas que
deveria vir complementada de punições referentes ao corpo. “ainda que não recorram a
castigos violentos ou sangrentos, mesmo quando utilizam métodos ‘suaves’ de trancar ou
corrigir, é sempre do corpo que se trata – do corpo e de suas forças, da utilidade e da
docilidade delas, de sua repartição e de sua submissão.” (p.28). “O castigo passou de uma arte
das sensações insuportáveis a uma economia dos direitos suspensos.” (p. 16).
No segundo capítulo, intitulada "A ostentação dos suplícios", Foucault explora o
papel central do corpo nas práticas de punição e no exercício do poder. Ele examina como o
suplício visava atingir e controlar o corpo do condenado, destacando a relação entre o poder
soberano e o corpo como alvo da punição.
Foucault enfoca o valor atribuído às penas físicas. Define-se o que é um suplício
“Pena corporal, dolorosa, mais ou menos atroz [dizia Jacourt]; e acrescentava: ‘é um
fenômeno inexplicável a extensão da imaginação dos homens para a barbárie e a crueldade.”
(p. 35).
Assim como o suplício, a confissão, por meio do interrogatório, é a peça
complementar para arrancar a verdade, sendo cruel mas não selvagem, pois trata-se de uma
procedimento definido e regulamentado. “Sofrimento, confronto e verdade estão ligados uns
aos outros na prática da tortura” (p. 42). Dessa forma, o corpo continua sendo peça essencial
na cerimônia do castigo público. “O ciclo está fechado: da tortura à execução, o corpo
produziu e reproduziu a verdade do crime.” (p. 47).
O suplício também tem função jurídico-política, com a finalidade de restabelecer o
poder soberano lesado. “A cerimônia do suplício coloca em plena luz a relação de força que
dá poder à lei.” (p. 50).
“O suplício não restabelecia a justiça; reativava o poder”, pois tinha uma função
política de amedrontar e reafirmar a vontade do soberano sobre o criminoso, sendo o carrasco
como “um pouco como o campeão do rei”. (p.67)
O povo é o personagem principal das cerimônias de suplício. Envoltos ao
espetáculo com o objetivo de aterrorizá-los, podiam alterar os rumos da punição: impedindo a
execução, perseguindo os executores, fazendo tumulto contra a sentença e etc.
O autor então expõe diversos relatos publicados em jornais, pasquins, folhetins que
narravam essas “emoções de cadafalso”. E encerra o capítulo apresentando a literatura em que
o crime é glorificado, porque revela a monstruosidade dos fortes e dos poderosos. Passa-se da
busca pela confissão para o lento processo de descoberta, do confronto físico à luta intelectual.
“Os grandes assassinatos tornaram-se o jogo silencioso dos sábios”. (p. 67).
Na segunda parte, chamada “Punição”, Foucault mostra que na segunda metade do
século XVIII, houve protestos contra os suplícios, pois aquele espetáculo tornou-se
inaceitável, revoltante e vergonhoso. Passou a encarado como revelador da tirania, do excesso,
da sede de vingança e do “cruel prazer de punir”. Surge então a campanha a favor de uma
punição generalizada, que nomeia o primeiro capítulo dessa parte. “Que as penas sejam
moderadas e proporcionais aos delitos, que a de morte só seja imputada contra os culpados
assassinos, e sejam abolidos os suplícios que revoltem a humanidade”. (p. 94).
No capítulo “Punição generalizada”, prega-se que é preciso que a justiça criminal
puna em vez de se vingar. A “humanidade” deveria ser respeitada ao se punir. “O castigo deve
ter a ‘humanidade’ como ‘medida’.” (p. 72). O autor passa então a contar a história dessa
suavização das penas, creditando-a aos grandes reformadores - Beccaria, Servan, Dupaty,
Duport, Pastoret, Target, Bergasse – por terem imposto esse abrandamento a um aparato
judiciário.
Os reformadores atacam a justiça penal tradicional que, além de exceder na
penalidade, é caracterizada pela irregularidade na tomada de decisões; pela diferença nos
procedimentos dos magistrados, que variam conforme interesses políticos e econômicos,
tornando as intervenções, embora menos graves, mais numerosas. A reforma do direito
criminal na verdade busca uma melhor distribuição da aplicação do poder de punir, tornando-
o mais regular e constante: “não punir menos, mas punir melhor; punir talvez com uma
severidade atenuada, mas para punir com mais universalidade e necessidade; inserir mais
profundamente no corpo social o poder de punir”. (p. 102).
O ato de punir mudou da vingança do soberano para a defesa da sociedade e o
infrator passou a ser considerado o inimigo comum. Nesse momento, os efeitos do castigo
sobre a instância que pune e o poder que ela pretende exercer que necessitam ser modelados e
calculados. “Punir será então uma arte dos efeitos” (p.89). É preciso punir exatamente o
suficiente para impedir que o delito se repita.
Seis regras do poder de punir: regra da quantidade mínima (a pena faz com que
seja desvantajoso arriscar-se a praticar o crime), regra da idealidade suficiente (eliminação do
corpo como sujeito do sofrimento), regra dos efeitos laterais (a pena é mínima para quem
sofre, mas máxima para quem a imagina), regra da certeza perfeita (clareza e transparência
nas leis que definem os crimes e nos castigos a serem aplicados; vigilância para que não
ocorra impunidade), regra da verdade comum (necessidade de evidências válidas e reprovação
da tortura, presunção de inocência do acusado), regra da especificação ideal (obrigação de um
código que especifique com precisão as ilegalidades e que fixe penas de maneira
individualizada, levando em conta as singularidades de cada criminoso).
Desta forma, termina o capítulo destacando uma nova anatomia política em que
busca classificar as ilegalidades e limitar o poder punitivo, o corpo novamente será o
personagem principal, mas numa forma inédita. O criminoso passa a ser qualificado como
inimigo social, e as intervenções do poder punitivo tem a função de prevenir novos crimes. Os
ideais dos filósofos, juristas e parlamentares contribuem para a “reorganização do poder de
punir; codificação, definição dos papéis, tarifação das penas, regras de procedimento,
definição do papel dos magistrados”. (p. 122).
No segundo capítulo, “A mitigação das penas”, o autor inicia apoiando a criação de
sinais-obstáculos para a não realização de um crime. É preciso que se encontre um castigo
com uma desvantagem que torne sem atração a ideia de um delito. Nesse sentido, o autor
apresenta algumas condições para que estes sinais funcionem de fato.
1) A punição ideal será transparente ao crime que pune e o poder responsável por
ela se esconderá. “Que o castigo decorra do crime; que a lei pareça ser uma necessidade das
coisas, e que o poder aja mascarando-se sob a força suave da natureza.” (p. 102).
2) Esses sinais devem diminuir o desejo que torna o crime atraente e aumentar o
interesse que torna o crime temível. E, assim, fazer funcionar contra ela a força que levou ao
delito.
3) A pena deve ser responsável por transformar, modificar, estabelecer sinais e
organizar obstáculos. E o tempo deve ser o seu operador.
4) Pelo lado do condenado, a pena deve ser uma mecânica dos sinais, dos
interesses e da duração. É preciso que o castigo seja natural e interessante e que não haja mais
aquelas penas ostensivas e inúteis. “O ideal seria que o condenado fosse considerado como
uma espécie de propriedade rentável: um escravo posto a serviço de todos” (p. 105). Enquanto
no sistema antigo o corpo dos condenados se tornava propriedade do rei, agora ele será um
bem social. Daí têm-se, na visão dos reformadores, as obras públicas como uma das melhores
penas possíveis. “Obra pública quer dizer duas coisas: interesse coletivo na pena do
condenado e caráter visível, controlável do castigo. O culpado assim paga duas vezes: pelo
trabalho que ele fornece e pelos sinais que produz.” (p. 105).
5) Enquanto no suplício corporal o terror, o medo físico, o pavor coletivo eram o
suporte do exemplo, agora é a lição, o discurso, o sinal decifrável, a encenação e a exposição
da moralidade pública que devem dar o exemplo. Cada elemento do ritual de punição deve
falar, dizer o crime, lembrar a lei, mostrar a necessidade da punição e justificar sua medida.
6) O crime deve aparecer como uma desgraça e o malfeitor como um inimigo a
quem se re-ensina a vida social, apagando assim a glória duvidosa dos criminosos. E que cada
castigo seja um apólogo.
Neste ponto do livro, a prisão, embora seja a punição em vigor, não consegue
refletir as singularidades dos crimes, não tem efeitos educativos e tem um custo alto ao
restante da sociedade, pois mantém os condenados na ociosidade. “A prisão em seu todo é
incompatível com toda essa técnica da pena-efeito, da pena-representação, da pena-função
geral, da pena-sinal e discurso. Ela é a escuridão, a violência e a suspeita”. (p. 134). Além
disso, ela acabava por fundamentar os excessos do poder do soberano, que a utilizava como
prática repressiva.
O autor então põe em debate: “Como pôde a detenção, tão visivelmente ligada a
esse ilegalismo que é denunciado até no poder do príncipe, em tão pouco tempo tornar-se uma
das formas mais gerais dos castigos legais?” (p. 116).
A pena deixa de ter publicidade. A condenação e o crime são públicos, mas a
execução da pena não. “O castigo e a correção que este deve operar são processos que se
desenrolam entre o prisioneiro e aqueles que o vigiam”. (p. 144).
No final do capítulo, o autor estabelece uma comparação entre os modelos inglês,
flamengo, americano e os “reformatórios” e os castigos imaginados pelos reformadores.
Apresentam-se como pontos convergentes: função de evitar a repetição do delito (voltada para
o futuro) e de transformar (corrigir) o criminoso, ajuste da duração da pena conforme o caráter
individual, que vai sendo moldado através de hábitos, regras e ordens “em sua duração, sua
natureza, sua intensidade, a maneira como se desenrola, o castigo deve ser ajustado ao caráter
individual, e ao que este comporta de perigo para os outros.” (p. 123).
Na terceira parte intitulada “Disciplina”, Focault inicia o primeiro capítulo fazendo
uma analogia com o modo que se vê a figura do soldado e o ponto a ser abordado. No início
do século XVII, a figura do soldado tinha características físicas que o definiam como apto
para a função. Na segunda metade do século XVIII, os indivíduos que não tinham esse perfil
eram moldados através do hábito. Os processos disciplinares de controle do corpo eram
observados nos conventos, nos exércitos e nas oficinas. “Forma-se então uma política das
coerções que são um trabalho sobre o corpo, uma manipulação calculada de seus elementos,
de seus gestos, de seus comportamentos”. (p. 164)
Trata-se de uma coerção constante, que se realiza conforme uma codificação que
modela ao máximo o tempo, o espaço, os movimentos. “Esses métodos que permitem o
controle minucioso das operações do corpo, que realizam a sujeição constante de suas forças e
lhes impõem uma relação de docilidade-utilidade, são o que podemos chamar as
‘disciplinas’”. (p. 133).
As disciplinas se tornaram ao longo dos séculos XVII e XVIII fórmulas gerais de
dominação. Forma-se uma política de coerção, uma manipulação calculada do corpo, de seus
elementos, de seus gestos e de seus comportamentos. “O corpo humano entra numa
maquinaria de poder que o esquadrinha, o desarticula e o recompõe” (p. 133). A disciplina
fabrica corpos submissos e exercitados,”corpos dóceis” – termo que nomeia o primeiro
capítulo.
O capítulo subdivide-se em subcapítulos que descrevem melhor as técnicas da
disciplina.
A arte das distribuições: A disciplina surge com a distribuição dos indivíduos no
espaço. E para isso utiliza algumas técnicas:
1) Cerca: local heterogêneo e isolado dos demais, como os internatos, quartéis,
fábricas e prisões.
2) Quadriculamento: individualização, evitando distribuições por grupo, como
por exemplo as celas dos conventos.
3) Localizações funcionais: os locais têm que satisfazer a necessidade de vigiar os
indivíduos e de serem úteis. “Nas fábricas [...] importa distribuir os indivíduos num espaço
onde se possa isolá-los e localizá-los; mas também articular essa distribuição sobre um
aparelho de produção que tem suas exigências próprias”. (p. 171).
4) Disposição em filas: os indivíduos são classificados, e sua localização é a
posição que eles ocupam na fila. “As disciplinas, organizando as ‘celas’, os ‘lugares’ e as
‘fileiras’ criam espaços complexos: ao mesmo tempo arquiteturais, funcionais e hierárquicos”
(p. 142).
O controle da atividade:
1) Horários minuciosos garantem que o tempo seja empregado com qualidade e
exatidão.
2) Elaboração temporal do ato, através de elevado grau de precisão dos gestos e
movimentos. “Define-se uma espécie de esquema anátomo-cronológico do comportamento”.
(p. 178).
3) O corpo disciplinado é correlacionado com os gestos eficientes.
4) Conexão entre o corpo e o objeto manipulado, amarrando-os.
5) Utilização exaustiva, evitando ociosidade e desperdício de tempo
A organização das gêneses: “Como capitalizar o tempo dos indivíduos, acumulá-
lo em cada um deles, em seus corpos, em suas forças ou capacidades, e de uma maneira que
seja susceptível de utilização e de controle?” (p.151-152).
As disciplinas devem ser entendidas como aparelhos para adicionar o tempo. Isto
por quatro processos identificados na organização militar:
1) Divisão da duração em segmentos sucessivos, para que a aprendizagem seja
decomposta.
2) Sequências em que aumente a complexidade (dificuldade crescente).
3) Atestar mudança para um nível superior através de prova de aprendizagem.
4) Estabelecer séries de acordo com nível do indivíduo.
“O poder se articula diretamente sobre o tempo; realiza o controle dele e garante
sua utilização” (p. 154). Os procedimentos disciplinares integram um momento ao outro,
revelando um tempo linear que se orienta para um ponto terminal e estável. “O exercício,
transformado em elemento de uma tecnologia política do corpo e da duração, não culmina
num mundo além; mas tende para uma sujeição que nunca terminou de se completar” (p. 156).
A composição das forças: Por razões econômicas e técnicas (invenção do fuzil),
ocorreram modificações na maneira como as tropas militares eram configuradas durante o
avanço, de maneira a encontrar a melhor posição individual e do grupo. Essa nova exigência é
representada por:
1) Redução funcional do corpo, que se torna um elemento passível de articular com
outros, como peça de uma máquina multissegmentar.
2) As séries cronológicas estabelecidas também são peças que devem ser
combinadas.
3) É necessário um sistema de comando através de sinais.
“Em resumo, pode-se dizer que a disciplina produz, a partir dos corpos que
controla, quatro tipos de individualidade, ou antes uma individualidade dotada de quatro
características: é celular (pelo jogo da repartição espacial), é orgânica (pela codificação
das atividades), é genética (pela acumulação do tempo), é combinatória (pela composição das
forças)”. (p. 192)
No segundo capítulo, o autor descreve sobre “Os recursos para o bom
adestramento”. “O sucesso do poder disciplinar se deve sem dúvida ao uso de instrumentos
simples: o olhar hierárquico, a sanção normalizadora e sua combinação num procedimento
que lhe é específico, o exame.” (p. 164).
A vigilância hierárquica: O acampamento militar é um exemplo de
“observatório” onde técnicas de vigilância permitem a indução da disciplina através do
exercício do poder; a arquitetura é desenvolvida para que o controle interno opere de maneira
a adestrar, formando militares obedientes. Nas escolas, a vigilância é integrada à prática
pedagógica, e os alunos executam tarefas materiais e de fiscalização (vigilância
hierarquizada). “Nessas máquinas de observar, como subdividir os olhares, como estabelecer
entre eles escalas, comunicações? Como fazer para que, de sua multiplicidade calculada,
resulte um poder homogêneo e contínuo?” (p. 167). Foucault se põe então diante dessa
pergunta e propõe a ideia de um aparelho disciplinar perfeito que capacitaria um único olhar
tudo ver permanentemente.
“A vigilância torna-se um operador econômico decisivo, na medida em que é ao
mesmo tempo uma peça interna no aparelho de produção e uma engrenagem específica do
poder de disciplinar.” (p. 169). Com a vigilância hierarquizada, o poder de disciplinar torna-se
um sistema integrado, ligado à economia e aos fins do dispositivo onde é exercido.
A sanção normalizadora: Ocorre a existência de um pequeno instrumento penal
nos sistemas disciplinares, estabelecendo castigos para reprimir as condutas indesejáveis e
evitar a inobservância das regras, reduzindo os desvios. Ainda, o aspecto penal é duplo, pois
trabalha com recompensas que hierarquizam e classificam os “bons”, diferenciando os

indivíduos.

O exame: Combinam-se as técnicas da hierarquia que vigia e da sanção que


normaliza. Estabelece-se sobre os indivíduos uma visibilidade com que eles são diferenciados
e sancionados. O exame é um mecanismo que liga a formação do saber com o exercício do
poder.
1) O exame inverte a economia da visibilidade no exercício do poder: o poder
geralmente é o que se vê e se manifesta. O poder disciplinar, entretanto, torna-se invisível. E
em compensação impõe aos que submete uma visibilidade obrigatória. Essa inversão da
visibilidade no funcionamento das disciplinas é o que realizará o exercício do poder.
“Entramos na era do exame interminável e da objetivação limitadora” (p. 181).
2) O exame faz também a individualidade entrar num campo documentário: Além
de colocar os indivíduos sob vigilância constante, os procedimentos do exame são
acompanhados imediatamente por um sistema de registros e acumulação documentária. E
graças a isso, abrem-se duas possibilidades: constituição do indivíduo como objeto descritível,
analisável e a constituição de um sistema comparativo.
3) O exame, cercado de todas as suas técnicas documentárias, faz de cada
indivíduo um “caso”: um caso constitui ao mesmo tempo um objeto para se conhecer e um
poder para ser tomado. O caso, diferentemente do que é na casuística ou na jurisprudência, é
mais do que um conjunto de circunstâncias, é o próprio indivíduo tal como pode ser descrito.
“Finamente, o exame está no centro dos processos que constituem o indivíduo como efeito e
objeto de poder, como efeito e objeto de saber” (p. 183).
Pode-se dizer que as disciplinas marcam a troca do eixo político da
individualização. À medida que o poder se torna mais anônimo, aqueles sobre os quais se
exercem se tornam mais individualizados. “O indivíduo é sem dúvida o átomo fictício de uma
representação ‘ideológica’ da sociedade; mas é também uma realidade fabricada por essa
tecnologia específica de poder que se chama a ‘disciplina’”. (p. 185).
Capítulo III O autor inicia o terceiro capítulo descrevendo minuciosamente a rotina
de uma cidade invadida pela peste no século XVII onde várias medidas foram tomadas. Um
policiamento espacial estrito foi feito, inspeções eram constantemente feitas e todos os
acontecimentos eram registrados. Essa situação constitui um modelo compacto do dispositivo
disciplinar. A ordem responde à peste. “Contra a peste, que é mistura, a disciplina faz valer
seu poder que é de análise.” (p.188).
Foucault aborda então o Panóptico de Benthan que dá origem a “O Panoptismo” do
título do capítulo. Descreve sucintamente o princípio já conhecido da construção em anel com
uma torre no meio. No panóptico, o princípio da masmorra é invertido, das funções trancar,
privar da luz e esconder, só resta a primeira. A visibilidade torna-se uma armadilha.
Os detentos são uma fonte de informação e não de comunicação. A multidão,
individualidades fundidas, dão lugar a uma coleção de individualidades separadas. “Daí o
efeito mais importante do Panóptico: induzir no detento um estado consciente e permanente de
visibilidade que assegura o funcionamento automático do poder” (p. 191). Benthan inicia o
princípio de que o poder devia ser visível e inverificável. O detento não sabe se está sendo
vigiado, mas isso não importa, o que importa é que ele saiba que pode estar sendo vigiado. O
Panóptico dissocia o par ver-ser visto, automatizando e desinvidualizando o poder. “Vê-se
tudo, sem nunca ser visto.” (p. 191).
Além desses efeitos, o Panóptico pode ser utilizado como máquina de experiências,
modificando, treinando e retreinando os indivíduos e analisando as transformações obtidas
nesse processo. Benthan o apresentou como uma utopia do encarceramento perfeito, embora
muitas vezes o Panóptico aparecesse descrito como uma jaula cruel e sábia. Entretanto é
indubitável que ele tenha polivalentes aplicações: emendar os prisioneiros, cuidar dos doentes,
instruir escolares, guardar os loucos, fiscalizar os operários, fazer trabalhar os mendigos.
Enfim, é um tipo de implantação do corpo no espaço. O esquema panóptico assegura a
economia e assegura a eficácia e funcionamento de qualquer aparelho de poder em que for
implantado. E é válido frisar que não existe o risco de que a máquina panóptica se degenere
em tirania, pois seu dispositivo é democraticamente controlado.
A disciplina se apresenta em duas imagens: a disciplina-bloco (instituição fechada
e voltada para funções negativas) e a disciplina-mecanismo (dispositivo funcional que
melhora o exercício do poder. Têm-se um esquema de exceção e outro de vigilância
generalizada que acabam culminando numa extensão dessas instituições disciplinares sobre
todo corpo social. Essa extensão, entretanto, é somente o aspecto mais visível entre os
diversos processos mais profundos que também ocorreram.
1) A inversão funcional das disciplinas: antes as disciplinas tinham a função de
neutralizar os perigos, fixar as populações agitadas e evitar os inconvenientes de reuniões
muito numerosas. Agora, cabe-lhes o papel de aumentar a utilidade dos indivíduos,
modelando os comportamentos e fazendo os corpos entrarem numa máquina e as forças numa
economia. “As disciplinas funcionam cada vez mais como técnicas que fabricam indivíduos
úteis.” (p. 199).
2) A ramificação dos mecanismos disciplinares: os estabelecimentos de disciplina
se multiplicam, enquanto seus mecanismos tendem a se desinstitucionalizar, sair das fortalezas
fechadas e circular em estado livre. Processos flexíveis, transferíveis e adaptáveis de controle
dão lugar às disciplinas maciças e compactas.
3) A estatização dos mecanismos de disciplina: parte do papel das disciplinas na
França foi desencadeada pelo sistema policial. Os chefes de polícia transpunham a disciplina
para uma máquina administrativa, unitária e rigorosa. É a polícia também que no século XVIII
acrescenta funções disciplinares ao modelo: auxiliar a justiça na busca de criminosos e
controlar politicamente os complôs, movimentos de oposição e revoltas.
“Pode-se então falar, em suma, da formação de uma sociedade disciplinar nesse
movimento que vai das disciplinas fechadas, espécie de ‘quarentena’ social, até o mecanismo
indefinidamente generalizável do ‘panoptismo’”. (p. 204).
A formação dessa sociedade disciplinar está ligada a amplos processos históricos,
econômicos, jurídico-políticos etc.
1) As disciplinas asseguram a ordenação das multiplicidades humanas e tentam
definir em relação a elas uma tática de poder que responde a três critérios: tornar o exercício
do poder menos custoso, fazer com que os efeitos desse poder seja levado ao seu máximo e
ligar esse crescimento econômico do poder com esse maior rendimento. Enfim, fazer crescer a
docilidade e utilidade de todos os elementos do sistema das disciplinas. Esse triplo objetivo
apenas responde à grande explosão demográfica do século XVIII e ao crescimento do
aparelho de produção. “As disciplinas substituem o velho princípio “retirada-violência” que
regia a economia do poder pelo princípio “suavidade-produção-lucro”’. (p. 207). E com o
crescimento do capitalismo, surgiu um apelo à modalidade do poder disciplinar que pode ser
posto em funcionamento em instituições muito diversas.
2) A modalidade panóptica do poder não depende de nenhuma estrutura jurídico-
política da sociedade, porém ela não é absolutamente independente. A disciplina cria laços
privados diferentemente da obrigação contratual. Os sistemas jurídicos qualificam os sujeitos
de direito, segundo normas universais, já as disciplinas caracterizam, classificam,
especializam. A prisão se faz necessária no ponto em que se troca o poder codificado de punir
por um poder disciplinar de vigiar. “O que generaliza então o poder de punir não é a
consciência universal da lei em cada um dos sujeitos de direito, é a extensão regular, é a trama
infinitamente cerrada nos processos panópticos” (p. 211).
3) Atravessando o limiar tecnológico, as disciplinas puderam dar origem a
elementos como a medicina clínica, a psiquiatria, a psicologia da criança, a psicopedagogia, a
racionalização do trabalho. Inscrevendo-se, assim, os métodos disciplinares no processo
histórico de desenvolvimento de várias outras tecnologias. Constitui-se então um processo
disciplinar que multiplica os efeitos do poder graças à formação e à acumulação de novos
conhecimentos.
O autor reconhece que o panoptismo foi pouco celebrado, reconhecido como uma
utopia estranha, um sonho de maldade. Ele diz que se fosse preciso achar um equivalente
histórico ao que aconteceu com o panóptico seria a técnica “inquisitorial”. O inquérito foi a
peça fundamental para as ciências empíricas da natureza, assim como a análise disciplinar foi
para a ciência do homem. Porém, o inquérito deu lugar às ciências da natureza e destacou-se
do seu modelo político-jurídico, enquanto o exame continua preso à tecnologia disciplinar.
Foucault encerra a terceira parte ressaltando a mudança no ponto de aplicação
imposto à justiça penal. O objeto útil não é mais o corpo do culpado, mas o indivíduo
disciplinar. O ponto extremo da justiça penal antiga, o retalhamento do corpo do regicida, dá
lugar ao ideal de penalidade atual, a disciplina infinita.
Quarta Parte Capítulo I Foucault chega à quarta parte onde começa no primeiro
capítulo a tratar enfim da formalização da pena de detenção nas “Instituições completas e
austeras”. A forma-prisão, entretanto preexiste à sua utilização na lei, foi criada muito antes
que a lei a definisse como pena por excelência. “A prisão, peça essencial no conjunto das
punições, marca certamente um momento importante na história da justiça penal: seu acesso à
‘humanidade’”. (p. 217). A prisão é uma detestável solução para o sistema penal de que não se
pode abrir mão: conhecem-se todos os seus inconvenientes, mas não se vê o que pôr no lugar.
“Como não seria a prisão a pena por excelência numa sociedade em que a
liberdade é um bem que pertence a todos da mesma maneira e ao qual cada um está ligado por
um sentimento ‘universal e constante’?”. (p. 218). A prisão é um castigo igualitário. O tempo
retirado do condenado traduz a ideia que a infração lesou, além da vítima, a sociedade inteira.
“A prisão: um quartel um pouco estrito, uma escola sem indulgência, uma oficina sombria,
mas, levando ao fundo, nada de qualitativamente diferente” (p. 219). A prisão aparece então
como a forma mais imediata e civilizada de todas as penas. Engana-se quem a vê como uma
instituição sacudida por freqüentes movimentos de reforma. A “reforma” da prisão não adveio
de um atestado fracasso. Esta foi contemporânea da própria prisão.
A prisão deve ser um aparelho “onidisciplinar” exaustivo: cuidar de todos os
aspectos do indivíduo, seu treinamento físico, sua aptidão para o trabalho, seu comportamento
cotidiano, sua atitude moral, suas disposições. Diferindo-se da pura privação jurídica da
liberdade e das mecânicas representações com que sonhavam os reformadores.
1) Isolamento. Em relação ao mundo exterior, ao que motivou a infração, às
cumplicidades que a facilitaram. Têm-se dois sistemas de encarceramento que propõem duas
idéias quanto ao isolamento. O primeiro é o modelo de Auburn que prescreve uma cela
individual durante a noite e o trabalho e refeições em comum, sob a regra do silêncio absoluto.
O segundo é o da Filadélfia que opta por um isolamento absoluto, prezando a relação do
indivíduo com sua própria consciência e com a muda arquitetura. E dessa oposição nascem
conflitos religiosos, médicos, econômicos, arquiteturais e administrativos em volta da prática
individualizante coercitiva das prisões.
2) Trabalho. Agente de transformação carcerária, gerando efeitos na mecânica
humana: transforma um prisioneiro violento, agitado em uma peça que desempenha seu papel
com perfeita regularidade. “A utilidade do trabalho penal? Não é um lucro; nem mesmo a
formação de uma habilidade útil; mas a constituição de uma relação de poder, de uma forma
econômica vazia, de um esquema da submissão individual e de seu ajustamento a um aparelho
de produção.” (p. 230).
3) Modulação da pena. A justa duração da pena deve decorrer não só do ato e das
circunstâncias, mas também de como a própria pena se desenrola. É o julgamento, a sua
constatação, diagnóstico, caracterização, precisão, classificação diferencial que passa a
modular a pena, sua atenuação ou mesmo sua interrupção.
Conclui-se que a prisão sempre foi útil com sua privação de liberdade, realizando
transformações nos indivíduos. Para isso, usou três esquemas: político-moral, isolamento
individual e hierarquia, econômico, força aplicada a um trabalho obrigatório e o técnico-
médico, cura e normalização. Chama-se de penitenciário, pois, o conjunto de todos esses
suplementos disciplinares.
O Panóptico de Bentham pôde tomar forma material na prisão. Vigilância,
observação, segurança, saber, individualização, totalização, isolamento, transparência. A
prisão também deve ser um local que sirva de observação dos indivíduos punidos e assim
formar um saber clínico sobre eles. Trata-se de um sistema de documentação individualizante
e permanente que serve de princípio regulador da prática penitenciária.
Outro papel importante que o aparelho penitenciário desempenha é a substituição
do infrator pelo delinqüente. Eles se distinguem pelo fato do delinqüente ser caracterizado
mais pela sua vida, não sendo somente autor do ato: está ligado ao seu delito por instintos,
tendências, impulsos. Surge a necessidade de caracterizar o ato como delito e o indivíduo
enquanto delinqüente. E daí a possibilidade de uma criminologia. “Onde desapareceu o corpo
marcado, recortado, queimado, aniquilado do spuliciado, apareceu o corpo do prisioneiro,
acompanhado pela individualidade do ‘delinquente’”. (p. 241).
O delinquente consegue unir as duas linhas divergentes da justiça penal promovida
pelos reformadores no século XVIII: monstros morais e políticos e sujeitos jurídicos
requalificados pela punição. Ao se fabricar a delinqüência, a prisão deu à justiça criminal um
campo de objetos, autentificado por “ciências”, que lhe permitiu trabalhar num horizonte geral
de “verdade”.
Inicia-se o capítulo II:
A passagem dos suplícios, com seus rituais de ostentação, com sua arte misturada à
cerimônia do sofrimento, a penas de prisões enterradas em arquiteturas maciças e
guardadas pelo segredo das repartições, não é passagem a uma penalidade
indiferenciada, abstrata e confusa; é a passagem de uma arte de punir a outra, não
menos científica que ela. (p. 243).

A importância que a cadeia adquiriu como espetáculo talvez se deva ao fato dela
juntar dois modos de castigo: a ida para a detenção também se desenrolava como um
cerimonial de suplício.
Porém, com seus efeitos visíveis, a prisão foi denunciada como o grande fracasso
da justiça penal. As prisões não diminuiam a taxa de criminalidade, a taxa de criminosos
permanece estável ou, ainda pior, aumenta. A detenção provoca a reincidência e fabrica
delinqüentes. Favorece também a formação de grupos de delinqüentes solidários entre si
prontos para cumplicidades futuras. As críticas eram constantemente feitas em duas direções:
contra o fato da prisão não ser efetivamente corretora e contra o fato de que, ao querer ser
corretiva, ela perde sua força de punição. E é assim que há um século e meio a prisão vem
sendo dada como a única maneira de reparar seu próprio fracasso. Constituindo as sete
máximas universais da “boa penitenciária”:
1) Princípio da correção: A detenção penal tem como objetivo principal a
recuperação e reclassificação social do condenado.
2) Princípio da classificação: Os detentos devem ser isolados e repartidos de
acordo com a gravidade da sua pena, sua idade, técnicas de correção aplicadas etc.
3) Princípio da modulação das penas: As penas podem ser modificadas segundo a
individualidade dos detentos, os resultados obtidos, os progressos ou recaídas.
4) Princípio do trabalho como obrigação e como direito: O trabalho é uma das
peças essenciais na transformação progressiva dos detentos.
5) Princípio da educação penitenciária: A educação do detento é uma precaução no
interesse da sociedade e obrigação para com o detento.
6) Princípio do controle técnico da detenção: O regime da prisão deve ser
controlado por pessoas moralmente especializadas em zelar pela boa formação dos detentos.
7) Princípio das instituições anexas: O encarceramento deve ser acompanhado de
medidas de controle e assistência até a total readaptação do antigo detento.
“O sistema carcerário junta numa mesma figura discursos e arquitetos,
regulamentos coercitivos e proposições científicas, efeitos sociais reais e utopias invencíveis,
programas para corrigir a delinquencia e mecanismos que solidificam a delinqüência” (p.
257).
A penalidade é um meio de gerir as ilegalidades, riscar limites de tolerância, dar
espaço a alguns e pressionar outros. É ingenuidade pensar que a lei é feita para todo mundo
em nome de todo mundo. A penalidade exclui uns e torna útil outros. A lei é feita para alguns
e se aplica a outros, dirigindo-se principalmente às classes mais numerosas e menos
esclarecidas.
O autor então afirma que se deve substituir o atestado de fracasso da prisão pela
hipótese de que ela produziu a delinquência, “tipo especificado, forma política ou
economicamente menos perigosa – talvez até utilizável – da ilegalidade” (p. 262). O sucesso
da prisão é tamanho que ela continua a existir produzindo os mesmos efeitos.
No fundo, a existência do crime manifesta felizmente uma incompreensibilidade da
natureza humana; deve-se ver nele, mais que uma fraqueza ou uma doença, uma
energia que se ergue, um ‘brilhante protesto da individualidade humana’ que sem
dúvida lhe dá aos olhos de todos seu estranho poder de fascínio. (p. 274).
Capítulo III: Viu-se que, na justiça penal, o processo punitivo era transformado em
técnica penitenciária pela prisão. O instituto carcerário vai além e transporta essa técnica para
o corpo social inteiro. Com vários efeitos:
1) O encarceramento funciona de acordo com um princípio de relativa
continuidade. Continuidade das próprias instituições, dos critérios e mecanismos punitivos.
2) O carcerário permite o recrutamento dos delinqüentes. Numa sociedade
panóptica em que o delinqüente não está fora da lei, mas sim na própria essência da lei, no
meio dos mecanismos que fazem passar da disciplina à lei, do desvio à infração.
3) O sistema carcerário consegue tornar natural e legítimo a punição. Acha-se no
contrato a teoria que fundamenta a aceitação do poder de punir, pois ele cria um sujeito
jurídico que dá aos outros o poder de exercer sobre ele o poder que ele próprio detém sobre
eles.
4) Tem-se uma nova forma de lei, a norma: misto de legalidade e natureza, de
prescrição e constituição. Uma nova série de efeitos: deslocamento interno do poder
judiciário, dificuldade em julgar, vergonha em condenar. “A rede carcerária, em suas formas
concentradas ou disseminadas, com seus sistemas de inserção, distribuição, vigilância,
observação, foi o grande apoio, na sociedade moderna, do poder normalizador.” (p. 288).
5) O carcerário realiza as captações reais do corpo e a perpétua observação. Assim,
sua rede e armaduras de um poder-saber tornaram historicamente possíveis as ciências
humanas.
6) A prisão apresenta um extrema solidez. Portanto, se há algum desafio em torno
dela, não é saber se ela será não corretiva. “O problema atualmente está mais no grande
avanço desses dispositivos de normalização e em toda a extensão dos efeitos de poder que eles
trazem, através da colocação de novas objetividades” (p. 290).
O autor encerra o livro com a afirmação de que na genealogia do sistema prisional
contemporâneo, baseado no binômio “vigiar e punir”, há um ronco surdo de uma batalha a ser
ouvido.
Nessa humanidade central e centralizada, efeito e instrumento de complexas relações
de poder, corpos e forças submetidos por múltiplos dispositivos de ‘encarceramento’,
objetos para discursos que são eles mesmos elementos dessa estratégia, temos que
ouvir o ronco surdo da batalha (p. 291).

E assim, Foucault interrompe o livro, que, segundo ele mesmo, serve como pano
de fundo histórico para diversos estudos sobre o poder de normalização e sobre a formação do
saber na sociedade moderna.

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