CAVALCANTI, R. FRANCISCO, A. Freud e As Ressonânciasdo Monismo Sexual
CAVALCANTI, R. FRANCISCO, A. Freud e As Ressonânciasdo Monismo Sexual
CAVALCANTI, R. FRANCISCO, A. Freud e As Ressonânciasdo Monismo Sexual
O modelo do sexo único foi criado no Século II d.C. por Galeno, médico grego,
nascido por volta do ano 129. Segundo este modelo, haveria um único sexo, o
masculino, e a mulher seria a versão defeituosa do homem. Afirmava que a falta de um
determinado calor vital teria sido responsável pela permanência dos órgãos, que nos
homens seriam externos, na parte interna das mulheres. As mulheres não possuíam o
que se conhece atualmente como vagina e ovários, mas, sim, pênis e testículos internos.
“Nesse mundo, a vagina é vista como um pênis interno, os lábios como o prepúcio, o
útero como o escroto e os ovários como os testículos” (LAQUEUR, 2001, p.16). Na
verdade, os órgãos femininos, não existiam por si mesmos, mas apenas em função
dos masculinos.
.....os olhos da toupeira têm a mesma estrutura dos olhos dos outros animais,
só que a toupeira não enxerga. Seus olhos não abrem, “não se projetam, mas
continuam ali imperfeitos.” A genitália da mulher também “não abre” e
1
Psicanalista; Doutoranda em Psicologia Clínica
2
Professora do Programa de Pós-Graduaçao em Psicologia Clínica da Universidade Católica de
Pernambuco.
permanece em uma versão imperfeita do que seria se fosse projetada para
fora. Os olhos da toupeira “permanecem como os dos outros animais quando
ainda estão no útero,” portanto, seguindo a lógica para uma conclusão, o
ventre, a vagina, os ovários e as partes pudendas externas permanecem para
sempre como se ainda estivessem dentro do ventre. Espalham-se
vertiginosamente dentro de si próprios, a vagina um pênis eternamente
precário e por nascer, o ventre um escroto mirrado, e assim por diante
(LAQUEUR, 2001, p.43).
Embora, nunca ninguém na história da Grécia, houvesse relatado ter sentido tal
calor, este modelo prevaleceu até o Século XVIII, momento histórico no qual, sobretudo
através da influência da revolução Francesa e do Pensamento Iluminista, foi possível o
surgimento do Modelo dos Dois Sexos.
Foi no mundo do sexo único que se falou mais diretamente sobre a biologia de
dois sexos, que era mais arraigada no conceito do gênero, na cultura. Ser
homem ou mulher era manter uma posição social, um lugar na sociedade,
assumir um papel cultural, não ser organicamente um ou o outro de dois sexos
incomensuráveis. Em outras palavras, o sexo antes do século XVII era ainda
uma categoria sociológica e não ontológica (LAQUEUR, 2001, p.19).
Aristóteles, que antecedeu Galeno em cinco séculos, não fora o responsável pela versão
final do modelo do sexo único, porém foi ele quem certamente fundou seus alicerces
fundamentais. As reflexões aristotélicas acerca da geração e da reprodução aliadas à
teoria grega dos quatro elementos e dos humores possibilitaram ao modelo galênico sua
longa duração histórica. Enquanto filósofo, admitia a existência de dois sexos: o
masculino e o feminino. A especificidade, porém, de suas ideias é que faz Laqueur
(2001) atribuir a ele um modelo ainda mais austero do que o criado por Galeno. Isso se
daria pelo fato de que, para Aristóteles, a diferença entre homens e mulheres se
constituía através da metafísica. Dessa forma, sua especificidade se dava pelos
argumentos que utilizava para explicar as diferenças entre os sexos. Assim alegava, por
exemplo, que a diferença não seria dada pela matéria, pois existiria uma causa imaterial
capaz de diferenciar homens e mulheres. Dessa forma, não seria o organismo que
marcaria a distinção, pouco importando as disparidades entre o corpo da mulher e o
corpo do homem. As diferenças tampouco estariam fundamentadas nas “construções
sociais com carga ideológica de gênero,” mas baseadas nas “verdades naturais.” Melhor
dizendo, o filósofo percebia todas as distinções, mas acreditava que elas eram da ordem
da natureza.
Sendo assim, para Aristóteles: “... tanto a divisão de trabalho quanto a atribuição
específica de papéis são naturais” (LAQUEUR, 2001, p.45). Fica evidente que embora
Aristóteles parecesse compreender a existência de dois sexos, o seu modelo seria ainda
mais radical do que o de Galeno, uma vez que funda uma base ontológica para a
diferença entre os sujeitos. Dessa forma, o sexo existiria apenas com a finalidade de
gerar e essa seria uma diferença na primeira categoria do ser. Nesse sentido, o homem
seria o que Aristóteles denominou de Causa Eficiente, e a mulher seria a Causa
Material,3 ou seja, o homem daria o esperma que já conteria em sua substância, o que
seria necessário para a formação de uma criança. A mulher seria a causa material na
medida em que, através da geração, daria a forma ao bebê. Nas palavras de Laqueur:
A diferença na natureza da causa constitui plenamente o que Aristóteles quis dizer com
a oposição sexual: “animal macho significa aquele que gera em outro; animal fêmea, o
que gera nele próprio;” ou o que vem a dar no mesmo, pois para Aristóteles a biologia
reprodutiva era essencialmente um modelo de filiação, “a fêmea opõe-se ao macho, e a
mãe ao pai” (2001, p.45).
Dessa maneira, a partir da sua teoria das quatro causas – material, formal,
eficiente e final –, Aristóteles distribuía o papel da geração entre homens e mulheres.
Essas causas, porém, eram compreendidas de maneira hierárquica, de modo que a causa
formal seria superior e a causa material seria inferior, ou seja, ao homem seria destinado
um lugar de superioridade no que se refere à geração. Ao compreender que o macho
seria o princípio gerador e motor e a fêmea seria aquela que espera por ser engendrada,
podemos perceber que macho estaria relacionado com atividade e fêmea com
3
Para Aristóteles, a causa definiria a verdadeira ciência. Para ele, seriam quatro causas: material, formal,
eficiente e final. Se tomarmos uma estátua como exemplo, podemos entender que sua causa material seria
o material de que ela é feita (bronze, mármore); a causa formal seria a forma que ela representa; a causa
eficiente seria o escultor; e a causa final seria o objetivo que o escultor visa.
passividade (BIRMAN, 2001). Assim, Laqueur nos chama atenção de que Aristóteles
parece defender a oposição genital entre os dois sexos na medida em que admitiria
diferença entre eles. Todavia, o filósofo remeteria ao modelo do sexo único, pois
imaginava que a diferença era instituída apenas pela função, ou seja, pela paternidade
(ato de gerar) e não pela anatomia.
Na carne, portanto, os sexos eram visões mais ou menos perfeitas um do outro. Somente
na medida em que o sexo era nulo para a natureza de causalidade é que os tipos de sexo
eram claros, distintos e diferentes (LAQUEUR, 2001, p.45).
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Na Grécia Antiga, o pênis grande era de maneira geral desvalorizado e os atletas muitas vezes chegavam
a prender seus membros para esconder seu tamanho. Laqueur sugere que, nestas ocasiões, os membros
masculinos ficavam muito parecidos com as genitálias femininas.
A história natural, em suma, trabalha para diminuir a pureza original dos testículos e
ovários, pênis e vagina, como indicadores da oposição sexual – causa eficiente versus
causa material – e os situa firmemente em uma organização maior de uma só carne
(LAQUEUR, 2001, p.48, grifos nossos).
... O compromisso básico de Aristóteles não era com a anatomia em si, e certamente não
com a anatomia como fundamento dos sexos opostos, mas com verdades maiores que
podiam ser impressionantemente ilustradas por certas características do corpo
(LAQUEUR, 2001, p.49).
Mas o que seriam essas verdades maiores? Aristóteles não se preocupou com a
anatomia, em fazer descrições precisas sobre os corpos. Na verdade, fazia o movimento
inverso, ou seja, sua preocupação era utilizar os corpos para ilustrar suas verdades
construídas a partir de explicações metafísicas.
Sendo assim, pode-se concluir que Freud reinterpreta o monismo sexual, pois
não se trata mais da dominância do pênis, mas sim da primazia do falo. Todavia, o autor
reitera que essas conclusões somente seriam possíveis em relação aos meninos. No
início de seu desenvolvimento sexual, as crianças de sexo masculino imaginam que
todos os sujeitos seriam possuidores de um pênis. Nesse momento, chegam a imaginar
que até os seres inanimados poderiam possuir um órgão igual ao seu. No decorrer do
seu desenvolvimento, porém, dando continuidade às suas pesquisas em relação ao seu
membro sexual, descobrem que existe algo de diferente nas meninas. Imaginariam,
inicialmente, que o pênis iria crescer, numa tentativa de negar sua descoberta. Após
algum tempo, conseguiriam aceitar a ideia de que o pênis de fato não está lá, porém
imaginando que algum dia esteve. Neste sentido, começa a surgir no menino o chamado
Complexo de Castração, ou seja, a ideia propriamente dita de que as meninas foram
castradas por punição. Assim, neste momento, não associariam ainda a castração às
mulheres e, portanto, sua mãe não seria percebida como castrada. Somente ao ligar o
nascimento dos bebês às mulheres é que a castração será associada ao universo
feminino.
Considerações Finais
O principal objetivo deste trabalho foi estabelecer uma reflexão acerca dos
possíveis resquícios deixados pelo Monismo Sexual no pensamento freudiano. Tratou-
se de um estudo teórico que pretendeu analisar em que medida o pensamento de Galeno
foi capaz de influenciar a construção da teoria de Freud sobre o Complexo de Édipo.
Referências
COSTA, Jurandir. A face e o verso: estudos sobre o homoerotismo II. São Paulo:
Escuta, 1995.
_____Três ensaios sobre a teoria da sexualidade (1905) v.5. Rio de Janeiro: Imago,
1989.
LAQUER, Thomas. Inventando o sexo: corpo e gênero dos gregos a Freud. Rio de
Janeiro: Relume Dumará: 2001.