Me Mori As Mulheres Liv Ro Reportage M

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 71

UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLÂNDIA

DIÉLEN DOS REIS BORGES ALMEIDA

MEMÓRIAS DE MULHERES:
LIVRO-REPORTAGEM COM PERFIS BIOGRÁFICOS DE FEMININOS MÚLTIPLOS

UBERLÂNDIA
2015
DIÉLEN DOS REIS BORGES ALMEIDA

MEMÓRIAS DE MULHERES:
LIVRO-REPORTAGEM COM PERFIS BIOGRÁFICOS DE FEMININOS MÚLTIPLOS

Relatório técnico-científico apresentado ao


Programa de Pós-Graduação em Tecnologias,
Comunicação e Educação, como exigência parcial
para obtenção do título de Mestra em Tecnologias,
Comunicação e Educação.

Área de concentração: Tecnologias e Interfaces da


Comunicação

Orientadora: Prof.ª Dr.ª Ana Cristina Menegotto


Spannenberg

UBERLÂNDIA
2015
DIÉLEN DOS REIS BORGES ALMEIDA

MEMÓRIAS DE MULHERES:
LIVRO-REPORTAGEM COM PERFIS BIOGRÁFICOS DE FEMININOS MÚLTIPLOS

Relatório técnico-científico apresentado ao


Programa de Pós-Graduação em Tecnologias,
Comunicação e Educação, como exigência parcial
para obtenção do título de Mestra em Tecnologias,
Comunicação e Educação.

Uberlândia, 24 de fevereiro de 2015.


AGRADECIMENTOS

A Zélia, Bruna, Beatriz e Carol, pela confiança em partilhar suas memórias.


A Ana Cristina Menegotto Spannenberg, pela orientação precisa, respeitosa e amiga.
A Letícia França, pela generosidade em voluntariamente fazer as fotografias.
A Gerson de Sousa, por me ensinar a fazer ciência com sensibilidade.
A Maria Elizabeth Ribeiro Carneiro, pelo direcionamento nos estudos de gênero.
A Lilian Reichert Coelho, por aceitar compor a banca que avalia este trabalho.
A Elisa Chueiri, pela delicadeza no design gráfico do livro.
A Adriana Omena dos Santos, por me envolver na vida acadêmica.
Aos colegas de estudo e de profissão, pelas trocas de saberes.
Aos familiares e amigos, pelas trocas de vivências.
A Arthur, por ouvir minhas memórias, ler minhas palavras e ser meu companheiro.
Texto futuro

O que vão descobrir em nossos textos,


não sabemos.
Temos intenções, pretensões inúmeras,
mas o que vão descobrir em nossos textos,
não sabemos.

Desamparado o texto,
desamparado o autor,
se entreolham, em vão.

Órfão,
o texto aguarda alheia paternidade.
Órfão,
o autor considera
entre o texto e o leitor
- a desletrada solidão.

Affonso Romano de Sant’Anna (2001, p.73)


RESUMO

Este trabalho relata o processo de produção do livro-reportagem Memórias de Mulheres:


perfis biográficos de femininos múltiplos. Parte-se do seguinte problema: como o
protagonismo feminino se constrói ao longo da história? Apresenta-se como referencial
epistemológico o materialismo histórico e como referencial teórico os estudos culturais
britânicos. Adota-se o gênero como categoria de análise e revisa-se a literatura sobre
feminismo e história das mulheres, especialmente no que se refere à educação, à comunicação
e às tecnologias. A metodologia contempla técnicas da história oral para apuração das
memórias das fontes e do jornalismo literário para a redação do livro-reportagem. São
entrevistadas quatro mulheres com diferentes características e trajetórias de vida: Zélia, de 54
anos, vítima de diferentes formas de violência que sustentou a si e as filhas por meio de
trabalhos braçais; Bruna, de 20 anos, estudante e militante feminista da Marcha das Vadias;
Beatriz, de 62 anos, professora com receio de aposentar-se, que optou por não casar nem ter
filhos e mantém um namoro há 32 anos; Carol, de 31 anos, adotada quando menina,
sacerdotisa que cultua a Deusa e o sagrado feminino. A narrativa dos quatro perfis é
perpassada por uma quinta narrativa autorreflexiva, a da autora. Conclui-se que o
protagonismo das mulheres se constrói por meio de um feminino múltiplo.

Palavras-chave: Mulheres. Gênero. Memórias. Jornalismo literário. Perfis.


ABSTRACT

This paper reports the process to produce the non-fiction book Women's Memories:
biographical profiles of multiple feminine. It begins with the following problem: how the
female protagonism is constructed throughout history? It presents as epistemological
reference the historical materialism and as the theoretical reference the British cultural
studies. It adopts gender as a category of analysis and reviews the literature about feminism
and women's history, especially in relation to education, communication and technology. The
methodology includes techniques of oral history to research the memories of sources and
literary journalism to write the book. Four women with different characteristics and life
trajectories are interviewed: Zélia, 54 years old, victim of various forms of violence who held
herself and her daughters through hard manual work; Bruna, 20 years old, student and
feminist activist of the Slut Walk; Beatriz, 62 years old, teacher who is scared about the
retirement, which chose not to marry or have children and keeps dating for 32 years; Carol, 31
years old, who was adopted as a child, priestess who worships the Goddess and the sacred
feminine. The narrative of the four profiles is permeated by a fifth self-reflexive narrative of
the author. It concludes that the protagonism of women is built through a multiple feminine.

Keywords: Women. Gender. Memories. Literary journalism. Profiles.


SUMÁRIO

1 APRESENTAÇÃO ................................................................................................ 8
2 MATERIALISMO HISTÓRICO, ESTUDOS CULTURAIS E HISTÓRIAS DE
MULHERES .......................................................................................................... 11
2.1 Fundamentação epistemológica: o materialismo histórico .................................... 11
2.2 Fundamentação teórica: os estudos culturais ......................................................... 17
2.2.1 Estudos culturais e feminismo ............................................................................... 19
2.3 Gênero como categoria de análise ......................................................................... 21
2.4 A história das mulheres e as transformações da sociedade ................................... 23
2.4.1 Trajetória feminina em educação, comunicação e tecnologias ............................. 31
3 O LIVRO-REPORTAGEM MEMÓRIAS DE MULHERES................................. 43
3.1 Jornalismo literário ................................................................................................ 43
3.1.1 Perfis ...................................................................................................................... 45
3.2 História oral ........................................................................................................... 47
3.3 Relato do desenvolvimento do trabalho ................................................................ 49
3.4 Exequibilidade e aplicabilidade ............................................................................. 53
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................ 55
REFERÊNCIAS .................................................................................................... 57
APÊNDICE A - TRANSCRIÇÕES DAS ENTREVISTAS COM ZÉLIA ........... 62
APÊNDICE B - TRANSCRIÇÕES DAS ENTREVISTAS COM BRUNA ........ 63
APÊNDICE C - TRANSCRIÇÕES DAS ENTREVISTAS COM BEATRIZ ...... 64
APÊNDICE D - TRANSCRIÇÕES DAS ENTREVISTAS COM CAROL ......... 65
ANEXO A - TERMO DE AUTORIZAÇÃO DE USO DE IMAGEM E
DEPOIMENTOS DE ZÉLIA ................................................................................ 66
ANEXO B - TERMO DE AUTORIZAÇÃO DE USO DE IMAGEM E
DEPOIMENTOS DE BRUNA .............................................................................. 67
ANEXO C - TERMO DE AUTORIZAÇÃO DE USO DE IMAGEM E
DEPOIMENTOS DE BEATRIZ ........................................................................... 68
ANEXO D - TERMO DE AUTORIZAÇÃO DE USO DE IMAGEM E
DEPOIMENTOS DE CAROL .............................................................................. 69
8

1 APRESENTAÇÃO

A ideia sobre o que é ser mulher modificou-se ao longo do tempo e do espaço, embora
tenha pairado sobre as diferentes sociedades um discurso universal eurocêntrico que tipificou
um padrão feminino. Em uma mesma família, é possível observar diferenças significativas de
uma geração para outra no que se refere à relação da mulher com o cônjuge, os filhos, a casa,
a educação, o trabalho e a sociedade. A própria sociedade é um organismo vivo em mutação,
de modo que as transformações sociais envolvem tanto mulheres quanto seus contextos de
vida.
É fácil, porém, encontrar entre nossas mães, tias, avós ou vizinhas mulheres sem
diploma e sem profissão, embora se desdobrem em trabalhos que consomem o dia e
sustentam o lar, e que ao final da jornada urbana seguem para a prorrogação em casa, quando
cuidam do jantar do marido e dos filhos – cansados de trabalhar. Não raro, elas creem que o
ofício deles desgasta mais, que eles entendem mais de política, que são mais hábeis no
trânsito, que têm mais direitos, que são melhores que elas. Há mulheres que estudam, têm
profissão, quebram tabus sexuais, mas não deixam de crer que o homem com muitas mulheres
é conquistador e a mulher com muitos homens não vale nada. Se o último século trouxe a
revolução feminina, não foi capaz de apagar o ranço deixado por milênios de uma história
enviesadamente masculina, machista, patriarcal e, por vezes, misógina.
Nesse panorama, chegamos ao seguinte problema: como o protagonismo feminino se
constrói ao longo da história? Em palavras mais analíticas, a questão que norteia esta pesquisa
é: de que modo a mulher escreve sua própria história, em um contexto rançoso de valores
machistas e patriarcais?
A partir desses questionamentos, definimos que nosso objetivo geral é produzir um
livro-reportagem com perfis biográficos, ou seja, textos jornalísticos narrativos e descritivos
sobre a vida de mulheres. Nossos objetivos específicos são: contar histórias de mulheres
diversas; investigar a ocorrência de conflitos decorrentes da postura ativa da mulher no
contexto de uma sociedade em que predomina um discurso de hierarquização de gênero;
utilizar a história oral e o jornalismo literário como metodologias e técnicas para dar maior
visibilidade às fontes que pertencem às chamadas minorias sociais, neste caso, mulheres;
produzir uma obra jornalística em que se permita a subjetividade e o detalhamento, uma
alternativa ao jornalismo convencional, que prioriza a objetividade e a instantaneidade; levar
o leitor a uma reflexão sobre a questão de gênero; por meio do jornalismo, registrar a história
das mulheres em um passado recente e no presente, evidenciando o seu protagonismo.
9

Justificamos a relevância social deste trabalho por dar visibilidade a memórias de mulheres,
historicamente excluídas do protagonismo social e da narrativa histórica. O livro-reportagem
de perfis coloca no proscênio aquelas que são as protagonistas de suas próprias histórias, ao
expor as conquistas, os desafios a serem superados e toda a complexidade que compõe a vida
de mulheres comuns e igualmente diferentes. Ao cumprir a função primordial do jornalismo,
informar, o livro-reportagem Memórias de Mulheres almeja levar ao leitor o conhecimento de
perfis tão variados de mulheres e, consequentemente, possibilitar uma reflexão sobre questões
das mulheres na sociedade.
Cientificamente, o trabalho se justifica por contribuir com a linha de pesquisa
científico-tecnológica “Tecnologias e Interfaces da Comunicação”, uma vez que utiliza uma
tecnologia da comunicação, o livro-reportagem, para fazer uma comunicação como processo
problematizado, abordando a relação entre gênero e imprensa, e ainda se configura como um
exemplar de produção de Jornalismo Especializado, pois se baseia nas técnicas e conceitos de
Jornalismo Literário. Ao enveredar-se pelo campo da pesquisa sobre o feminino, este trabalho
aciona a chamada tecnologia de gênero, da qual trataremos no capítulo seguinte, e, por
conseguinte, amplia o conceito de tecnologia que nomeia a linha de pesquisa na qual se
insere.
Do ponto de vista mercadológico, reconhecemos que o cenário não é o mais otimista.
A última pesquisa Retratos da Leitura no Brasil revelou que a média de livros lidos pelo
brasileiro em um ano diminuiu: passou de 4,7 livros em 2007 para 4 em 2011. Quando
perguntados sobre o que gostam de fazer nas horas vagas, apenas 28% responderam que
gostam de ler – em 2007, o índice foi de 36%. Os números são mais animadores em relação às
leitoras, que leem 4,2 livros por ano contra 3,2 livros que são lidos, em média, por cada
homem. A mesma pesquisa revelou que, do público que se declara leitor, 57% são mulheres e
ainda, que 65% dos leitores escolhem um livro pelo tema. As mulheres são maioria, também,
entre o público frequentador de bibliotecas: 55%. Contudo, consideramos que os números
problemáticos referentes aos hábitos de leitura no Brasil não devem inibir a produção
editorial, e sim, motivar uma educação que incremente as experiências de leitura e desperte o
interesse das pessoas pelos livros. Nossa contribuição é colocar mais uma obra no acervo à
disposição dos potenciais leitores, na esperança de que a combinação entre o prazer da
linguagem literária e o apelo jornalístico da realidade seja atraente para o público. Afinal,
quem escreve deseja ser lido.
Na perspectiva de concretizar nossos objetivos, definimos os seguintes procedimentos
metodológicos: revisão bibliográfica sobre a questão de gênero na sociedade e a história das
10

mulheres; revisão bibliográfica sobre nossa fundamentação epistemológica e teórica,


respectivamente, o materialismo histórico e os estudos culturais; utilização da história oral
como metodologia para coleta de dados junto às fontes; opção pelo jornalismo literário como
técnica para escrever os perfis das mulheres; estruturação das narrativas em um livro-
reportagem que tem como fio condutor e elo entre as histórias o múltiplo feminino e a
experiência de apuração jornalística. Todos esses procedimentos estão detalhados nos
capítulos seguintes.
Após esse primeiro capítulo de apresentação, o capítulo 2 reúne nosso referencial
epistemológico e teórico, relacionando materialismo histórico, estudos culturais e histórias de
mulheres, destacando o gênero como categoria de análise e a relação entre a temática do
feminino com a educação, a comunicação e as tecnologias – as três áreas que compõem o
programa de pós-graduação ao qual submetemos este trabalho. O capítulo 3 descreve o livro-
reportagem Memórias de Mulheres, o processo de produção da obra e os métodos e técnicas
empregados na sua elaboração, especialmente o jornalismo literário e a história oral. No
capítulo 4 estão as nossas considerações finais.
Apurar histórias de mulheres é ir ao encontro de discursos e silêncios, enxergar
protagonistas onde se aprendeu a ver coadjuvantes. Contar essas histórias é reconhecer que as
mulheres têm uma história, que elas protagonizam a própria vida e que são múltiplas.
11

2 MATERIALISMO HISTÓRICO, ESTUDOS CULTURAIS E HISTÓRIAS DE


MULHERES

Que raízes sustentam esta pesquisa? Em que terra plantamos nossas dúvidas? Onde
buscamos nossas respostas? Epistemologicamente, este estudo parte do materialismo histórico
e relaciona-se, do ponto de vista teórico, aos estudos culturais britânicos. Para contar a
história das mulheres e narrar as questões de gênero, recorremos a Simone de Beauvoir, Gilles
Lipovetsky, Michelle Perrot, Heleith Saffioti, Joan Scott, Judith Butler, Teresa de Lauretis e
outros.

2.1 Fundamentação epistemológica: o materialismo histórico1

Estudar cientificamente a sociedade e a história, com olhar dialético para observar as


relações materiais que os indivíduos estabelecem e de que modo produzem seus meios de vida
é a proposta metodológica do materialismo histórico, como escreve Friedrich Engels no
Prefácio de A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado:

De acordo com a concepção materialista, o fator decisivo na história é, em


última instância, a produção e a reprodução da vida imediata. Mas essa
produção e essa reprodução são de dois tipos: de um lado, a produção de
meios de existência, de produtos alimentícios, roupa, habitação, e
instrumentos necessários para tudo isso; de outro lado, a produção do
homem mesmo, a continuação da espécie. A ordem social em que vivem os
homens de determinada época ou determinado país está condicionada por
essas duas espécies de produção: pelo grau de desenvolvimento do trabalho,
de um lado, e da família, de outro. (ENGELS, 1984, p. 2).

Karl Marx e Engels (1945-1946), em A Ideologia Alemã, apontam três premissas de


toda a existência humana: para fazer história, os homens precisam produzir condições
materiais de existência; a partir da satisfação dessas primeiras, surgem outras necessidades; e
por fim, os homens se reproduzem a partir da relação entre homem e mulher, constituindo a
família.
Luta de classes ou de gênero? “Hoje posso acrescentar: o primeiro antagonismo de
classes que apareceu na história coincide com o desenvolvimento do antagonismo entre o

1
O texto base deste item foi publicado na forma de artigo em anais de evento, conforme a referência:
ALMEIDA, Diélen dos Reis Borges. Materialismo histórico, estudos culturais e feminismo: fundamentações
para a pesquisa sobre gênero. In: Seminário Nacional de Teoria Marxista, 2014, Uberlândia-MG. Anais...
Uberlândia: Pueblo Editorial, Livraria Nepri-UFU, 2014. Disponível em <http://seminariomarx.com.br/eixo09/
Materialismo%20hist%C3%B3rico%20estudos%20culturais%20e%20feminismo.pdf>. Acesso em 20 jan. 2015.
12

homem e a mulher, na monogamia; e a primeira opressão de classes, com a opressão do sexo


feminino pelo masculino” (ENGELS, 1984, p. 70-71).
A antropóloga Evelyn Reed, comunista norte-americana e ativista dos direitos das
mulheres, publicou no livro Sexo Contra Sexo ou Classe Contra Classe que existem duas
maneiras distintas de tratar a questão da liberação da mulher:

Uma é a marxista. Sabemos que as mulheres estão subjugadas e


humilhadas em uma sociedade dominada pelo homem, e também que estão
plenamente capacitadas para se organizarem ativamente contra estes males.
Ao mesmo tempo, o marxismo nos ensina que a subordinação de um sexo é
parte e consequência de uma pressão mais ampla e da exploração da massa
trabalhadora por parte dos capitalistas, detentores do poder e da
propriedade. Portanto, a luta pela liberação das mulheres é inseparável da
luta pelo socialismo. E outro ponto de vista sustenta que todas as mulheres,
como sexo, estão no mesmo barco e têm objetivos e interesses idênticos
independentemente de sua posição econômica e da classe a que pertençam.
Portanto, para obter a emancipação, todas as mulheres deveriam se unir e
levar a cabo uma guerra baseada na diferença de sexo contra os machos
chauvinistas, seus inimigos acérrimos. Esta conclusão, unilateral e
distorcida, pode causar um grande dano à causa da liberação da mulher.
(REED, 2008, p. 85).

A autora admite que mulheres de todas as classes sejam vítimas do machismo e


reconhece a importância de objetivos que unam as mulheres em geral, como a legalização do
aborto. Mas reafirma que as causas fundamentais da opressão das mulheres se encontram na
estrutura de classe de nossa sociedade e que as mulheres ricas desejam manter o status quo e
seus privilégios de classe.

Portanto, classe contra classe deve ser a linha mestra da luta pela libertação
da humanidade em geral, e da mulher em particular. Somente uma vitória
revolucionária sobre o capitalismo, dirigida pelos homens e mulheres
trabalhadoras e apoiadas por todos os oprimidos, pode resgatar as mulheres
de seu estado de opressão e garantir-lhes uma vida melhor numa nova
sociedade. (REED, 2008, p.86).

A sociedade de classes criou a luta entre homens por propriedade e riqueza e, entre
mulheres, a competição por homens ricos e poderosos, na concepção da autora acima. A
rivalidade feminina não é natural, mas sim, criada e condicionada historicamente para atender
ao “mercado” do sexo e do matrimônio, em que o padrão de beleza é almejado por meio dos
cosméticos, da moda, dos produtos para emagrecer, das joias, etc. “Quando a monogamia
substituiu a poligamia e as condições materiais se converteram na base do matrimônio, as
mulheres ricas tiveram, com relação às pobres, vantagens na concorrência sexual” (REED,
13

2008, p. 90). A historiadora francesa Michelle Perrot aborda essas diferenças sociais,
especialmente entre as mulheres aristocratas, as burguesas e as filhas de classes populares, em
sua obra Minha história das mulheres, de 2007:

Diferenças sociais consideráveis marcam a condição das jovens. A liberdade


da jovem solteira aristocrata, que monta a cavalo, pratica esgrima, tem um
preceptor ou uma governanta, como seus irmãos, contrasta com a vigilância
exercida sobre a jovem solteira burguesa, educada por sua mãe, iniciada às
atividades domésticas e às artes de entretenimento (o indefectível piano),
refinada por alguns anos de estudo ou de colégio interno e submetida aos
rituais de ingresso no mundo social, que visam ao casamento. A filha das
classes populares é posta para trabalhar muito cedo, geralmente em serviços
domésticos. Serviçal de propriedade rural [...], ela é quase sempre exposta a
trabalhos pesados e constrangida à promiscuidade; criada doméstica “para
todo serviço” na cidade, é exposta aos riscos da sedução. Outras são
admitidas como aprendizes em oficinas de costura ou numa fábrica.
(PERROT, 2007, p.45-46).

A autora aborda a polêmica entre sexo e classe quando narra a história das mulheres
no sindicalismo, que, em certa medida, criou condições favoráveis às mulheres, uma vez que
o direito de se sindicalizar precedeu o de votar em muitos países. A relação, porém, foi e é
instável:

Entre mulheres e sindicalismo persiste um mal-entendido, segundo o qual as


relações entre os sexos são secundárias e subordinadas às relações sociais. A
dominação masculina se restringe à do capital e a opressão das mulheres não
poderia ocupar o lugar do proletariado. Hoje, na França, num sindicalismo
minoritário, a dissimetria sexual continua forte: a taxa de sindicalização é de
11% para os homens e de 3,5% para as mulheres. (PERROT, 2007, p. 150).

Em épocas anteriores, de acordo com Perrot (2007), os movimentos feministas já


buscavam alianças diversas com outros movimentos e ideologias, como o liberalismo, o
protestantismo e o catolicismo, o que obviamente gerou variações de pensamentos entre as
próprias feministas. E a questão sexo ou classe marcou a aliança com o socialismo:

O feminismo age por suas alianças, muito diversas. [...] Com o socialismo,
pelo menos na primeira metade do século XIX, Saint-Simon, Fourier, Robert
Owen, Pierre Leroux sonhavam unir os proletários e as mulheres, gêmeos
oprimidos. Logo após, as coisas se complicam. Na teoria, que subordina a
luta dos sexos à luta de classe; na prática do poder, que se apóia nos partidos,
e mesmo na ditadura de um proletariado muito másculo. Entre a virilidade
do militante e a boa dona-de-casa, as mulheres comunistas não têm
escapatória. (PERROT, 2007, p.157).
14

O mito da superioridade masculina é outro criado pela sociedade de classes e,


conforme Reed, permaneceu nos três períodos mais importantes dessa sociedade:
escravagismo, feudalismo e capitalismo. “A sociedade de classes se caracteriza
essencialmente pela dominação masculina, e esta dominação foi difundida e perpetuada pelo
sistema da propriedade privada, pelo Estado, pela Igreja e pelas instituições familiares que
servem aos interesses dos homens” (REED, 2008, p. 33). Conforme esse mito, a natureza teria
dotado o homem de atributos físicos e mentais superiores, ao passo que a mulher estaria
condenada a uma posição inferior, e ser mãe era a prova da sua inferioridade. “A inferioridade
da mulher é produto de um sistema social que causou e proporcionou inumeráveis
desigualdades, inferioridades, discriminações e degradações” (REED, 2008, p. 34).
Sempre foi assim? A resposta é não, para Reed e para Engels.

Pelo contrário, na sociedade primitiva, em que as mulheres não eram nem


santificadas nem degradadas, eram elas as dirigentes da sociedade e da
cultura. A sociedade primitiva era um matriarcado, o que significa, como
indica a própria palavra, um sistema no qual quem organizava e dirigia a
vida social não eram os homens, mas as mulheres. Mas a distinção entre os
dois sistemas sociais vai muito além desta mudança de papel de dirigente
dos dois sexos. A direção social das mulheres na sociedade primitiva não
estava fundada sobre a opressão do homem. Pelo contrário, a sociedade
primitiva não conhecia desigualdades sociais, inferioridades ou
discriminações de qualquer espécie. Estava fundada sobre uma base de
completa igualdade. (REED, 2008, p. 34).

A sociedade primitiva amplamente citada por Reed em Sexo contra sexo ou classe
contra classe é conceituada pela autora como a sociedade tribal, sem classes, em que os meios
de produção eram propriedade comum e não havia Estado. Reed cita o evolucionista Morgan,
que definiu sociedade primitiva como um sistema de “comunismo primitivo”. Morgan indicou
três estágios do suposto “progresso humano”: estágio selvagem, que seria o mais longo,
correspondente a 99% da vida humana; estágio de barbárie, que começou com a agricultura e
a criação de gado, há aproximadamente 8 mil anos; e estágio de civilização, iniciado há cerca
de 5 mil anos. Sabe-se que as transformações na sociedade não são uniformes nem podem ser
generalizadas de modo universal. Tanto Morgan quanto Reed desenvolveram seus estudos nos
Estados Unidos, país de colonização inglesa, e é desse contexto ocidental que partem para
elaborar seus conceitos.
Engels cita o livro O Direito Materno, de Bachofen, publicado em 1861, como marco
inicial do estudo da história da família, a partir das seguintes teses: na era primitiva, os seres
humanos viveram em promiscuidade sexual; com a impossibilidade de se estabelecer a
15

paternidade, contava-se a filiação a partir da linha feminina, segundo o direito materno; sendo
únicos progenitores conhecidos, as mulheres tinham grande apreço e respeito da jovem
geração, chegando ao domínio feminino absoluto (ginecocracia); a partir do surgimento de
novas concepções religiosas, instaura-se a monogamia e a mulher passa a pertencer a um
único homem. “Para Bachofen, não foi o desenvolvimento das condições reais de existência
dos homens, mas o reflexo religioso dessas condições no cérebro deles o que determinou as
transformações históricas na situação social recíproca do homem e da mulher” (ENGELS,
1984, p. 8).
Marx e Engels demonstram que todas as sociedades se fundamentam no trabalho.
Posteriormente, Reed (2008, p. 35) vem afirmar que, “para a espécie humana foi decisivo o
fato de que a maternidade impulsiona o trabalho, e sobre a fusão da maternidade com o
trabalho, fundou-se, na verdade, o primeiro sistema social”. Para a autora, as mães foram as
primeiras a trabalhar – descobriram a agricultura, domesticaram animais –, o que representou,
também, a emancipação dos homens. “A caça já não era socialmente indispensável, e esta
atividade se viu transformada, rapidamente, em um simples esporte. Os homens estavam
então livres para participar da vida cultural e industrial da comunidade” (REED, 2008, p. 50-
51). A partir do momento em que os homens se apropriam dos meios de produção, as
mulheres são relegadas a funções biológicas, especialmente a maternidade, sem participação
na vida social produtiva. Os trabalhos das mulheres são invisíveis:

As mulheres sempre trabalharam. Seu trabalho era da ordem do doméstico,


da reprodução, não valorizado, não remunerado. As sociedades jamais
poderiam ter vivido, ter-se reproduzido e desenvolvido sem o trabalho
doméstico das mulheres, que é invisível. Nem sempre as mulheres
exerceram ofícios reconhecidos, que trouxessem remuneração. Não
passavam de ajudantes de seus maridos, no artesanato, na feira ou na loja.
[...] É o regime assalariado, principalmente com a industrialização, que, a
partir dos séculos XVIII-XIX, nas sociedades ocidentais, coloca em questão
o “trabalho das mulheres”. (PERROT, 2007, p.109).

A industrialização gerou mulheres oficialmente trabalhadoras, mas, como elas já


atuavam nos trabalhos invisíveis, surgiu o problema – ainda atual – da jornada dupla. Marx,
muitas vezes acusado de machista, ainda coloca a questão do aumento da oferta de mão de
obra:

Foi a industrialização que colocou a questão do trabalho das mulheres. A


manufatura, a fábrica, eram uma mudança perturbadora, mais aguda para
elas do que para seus companheiros. Como conciliar o trabalho doméstico, a
16

sua tarefa mais importante, com as longas horas na fábrica? Os operários


temiam a concorrência: esse “exército da reserva” ocasionaria,
inevitavelmente, uma diminuição dos salários, dizia Marx. Um homem
digno desse nome deve poder sustentar sua família e precisa de uma mulher
que cuide da casa. Além do mais, a fábrica, com suas máquinas, sua sujeira,
suas promiscuidades sexuais, não era para elas. (PERROT, 2007, p. 119).

Além da industrialização, as guerras representaram mudanças importantes na vida das


mulheres, as quais se tornam substitutas dos soldados em suas ocupações originais:

A Primeira Guerra Mundial muda as coisas: na França e na Inglaterra as


mulheres substituem, na retaguarda, os homens que foram mobilizados para
a frente de batalha. A chegada maciça das “municionetes” (as jovens que
trabalhavam nas fábricas de munição) (aproximadamente trezentas mil, na
França) obriga as fábricas a acelerar a divisão do trabalho e a reorganizar seu
espaço, com a criação de locais para aleitamento e a introdução de
superintendentes mulheres [...]. (PERROT, 2007, p. 120).

Pensando essa história das mulheres de forma materialista histórica e dialética, é


importante refletir que, a partir do consenso obtido por meio de articulações entre forças
políticas e superestrutura, Antonio Gramsci apresenta o conceito de hegemonia “como algo
que opera não apenas sobre a estrutura econômica e sobre a organização política da sociedade,
mas também sobre o modo de pensar, sobre as orientações ideológicas e inclusive sobre o
modo de conhecer” (GRUPPI, 1978, p. 3). O termo “hegemonia” é utilizado pelo autor para
se referir ao momento em que a classe dominante é capaz não só de coagir uma classe
subordinada a estar de acordo com os seus interesses, mas a exercer uma “hegemonia” ou
“autoridade social total” sobre as classes subalternas. Essa situação, segundo Gramsci,
envolve o exercício de um tipo especial de poder – o poder de moldar alternativas e conter
oportunidades, para ganhar e moldar o consentimento, de modo que a concessão de
legitimidade para as classes dominantes aparece não só “espontânea”, mas natural e normal2.
Nessa perspectiva, uma determinada classe hegemônica domina e subordina
significados, valores e crenças de outras classes. Entretanto, para Gramsci, a difusão do
pensamento hegemônico por uma classe não quer dizer que as outras classes equacionem esse
pensamento com a consciência, pois hegemonia também produz contra-hegemonia.

2
No original: “Gramsci used the term “hegemony” to refer to the moment when a ruling class is able, not only to
coerce a subordinate class to conform to its interests, but to exert a “hegemony” or “total social authority” over
subordinate classes. This involves the exercise of a special kind of power—the power to frame alternatives and
contain opportunities, to win and shape consent, so that the granting of legitimacy to the dominant classes
appears not only ‘spontaneous’ but natural and normal.” (CLARKE, HALL et al., 1975, p. 38, tradução nossa).
17

Em seus Cadernos do Cárcere, volume 1, Gramsci (1999, p. 399) afirma que “toda
relação de ‘hegemonia’ é necessariamente uma relação pedagógica, que se verifica não apenas
no interior de uma nação, entre as diversas forças que a compõem, mas em todo o campo
internacional e mundial, entre conjuntos de civilizações nacionais e continentais”. No segundo
caderno, apresenta outros dois planos superestruturais:

[...] o que pode ser chamado de “sociedade civil” (isto é, o conjunto de


organismos designados vulgarmente como “privados”) e o da “sociedade
política ou Estado”, planos que correspondem, respectivamente, à função de
“hegemonia” que o grupo dominante exerce em toda a sociedade e àquela de
“domínio direto” ou de comando, que se expressa no Estado e no governo
“jurídico”. Estas funções são precisamente organizativas e conectivas.
(GRAMSCI, 1999, p. 20-21).

Em relação ao tema deste trabalho, consideramos que existe um discurso hegemônico


com um desejo de formatação do que é ser mulher, reforçado ao longo dos anos por uma
História contada do ponto de vista eurocêntrico. Entretanto, partimos da hipótese de que o
sujeito não é único, cristalizado, mas sim, múltiplo. Por isso, embora nossa raiz
epistemológica seja marxista, caminhamos até os estudos culturais para uma ancoragem
teórica. Os conceitos de hegemonia e de resistência da cultura popular, formulados por
Gramsci, embasaram a emergência desses estudos.

2.2 Fundamentação teórica: os estudos culturais

As relações econômicas determinam a cultura? A partir desse questionamento, os


estudos culturais se relacionam com o marxismo, introduzindo a ideia de que, na verdade, a
cultura tem uma autonomia relativa, pois não depende das relações econômicas, mas é
influenciada e sofre consequências das relações político-econômicas (ESCOSTEGUY, 2001,
p. 156).
Os estudos culturais tiveram início no Centre for Contemporary Cultural Studies
(CCCS), na Inglaterra do final da década de 1950, a partir de três textos fontes: The Uses of
Literacy, de Richard Hoggart; Culture and Society, de Raymond Williams; e The Making of
the English Working-class, de E. P. Thompson. Stuart Hall somou-se à formação dos estudos
britânicos, com suas pesquisas sobre cultura, identidade e análise de meios massivos.
Williams critica o modelo base/superestrutura do marxismo clássico:
18

Seu posicionamento se dirige contrariamente à operação literal da metáfora


base/superestrutura, que no marxismo clássico conferia o domínio das ideias
e significados às "superestruturas", concebidas como meros reflexos
determinados de maneira simples pela base, e sem qualquer efetividade
social própria. Quer dizer, o argumento de Williams é dirigido contra um
materialismo vulgar e um determinismo econômico. Ele oferece, em seu
lugar, um interacionismo radical: a interação mútua de todas as práticas,
contornando o problema da determinação. (HALL, 2003, p.137).

Os textos de Hoggart, Williams e Thompson concentram na palavra “cultura” questões


relacionadas às mudanças históricas ocorridas a partir de modificações na indústria, na
democracia e nas classes sociais. Williams apresenta duas definições de cultura: uma
relacionada “à soma das descrições disponíveis pelas quais as sociedades dão sentido e
refletem as suas experiências comuns”; outra que é “mais deliberadamente antropológica e
enfatiza o aspecto de ‘cultura’ que se refere às práticas sociais” (HALL, 2003, p.126-127). A
partir desses conceitos, chega-se à teoria da cultura

[...] definida como “o estudo das relações entre elementos em um modo de


vida global”. A cultura não é uma prática; nem apenas a soma descritiva dos
costumes e “culturas populares [folkways]” das sociedades, como ela tende a
se tornar em certos tipos de antropologia. Está perpassada por todas as
práticas sociais e constitui a soma do inter-relacionamento das mesmas. [...]
A cultura é esse padrão de organização, essas formas características de
energia humana que podem ser descobertas como reveladoras de si mesmas.
(HALL, 2003, p. 128).

Explicitar a cultura como projeto de estudo (inter ou antidisciplinar), reconhecer que


as formas simbólicas são autônomas e complexas e crer que as classes populares possuem
formas próprias de cultura são princípios fundadores dos estudos culturais. Dessa forma, esses
estudos são mais que um projeto teórico; são também um projeto político: “a cultura é um
espaço de luta pela hegemonia e a luta política nada mais é do que a luta por uma nova
cultura” (TEMER; NERY, 2009, p. 106).
Nos anos 1970, emergiram subculturas de resistência ao poder dominante e a
concepção de que os meios de comunicação de massa eram mais que entretenimento: eram
aparelhos ideológicos do Estado3. A recepção também passou a receber mais atenção dos
pesquisadores. A fase foi denominada por Stuart Hall como “redescoberta da ideologia”.
Datam dessa época importantes publicações de cunho feminista, do Womens’s Studies Group
do CCCS, que será abordado no próximo tópico.

3
Mais informações: ALTHUSSER, Louis. Ideologia e aparelhos ideológicos do Estado. Lisboa: Presença,
1974.
19

Temas relacionados a raça e etnia também foram contemplados nesse período de


maior evidência do CCCS, a década de 1970. Os anos 1980 e 1990 trouxeram preocupações
mais centradas na audiência. Continuam na agenda “questões como raça e etnia, o uso e a
integração de novas tecnologias como o vídeo e a TV, assim como seus produtos na
constituição de identidades de gênero, de classe, bem como as geracionais e culturais, e as
relações de poder nos contextos domésticos de recepção” (ESCOSTEGUY, 2001, p.166). O
objeto de investigação tende a se fragmentar e se diversificar ainda mais, bem como a
multiplicidade teórica. Os estudos culturais concentram-se em refletir sobre o papel dos meios
de comunicação na constituição de identidades.

2.2.1 Estudos culturais e feminismo

Na produtiva década de 1970 para o CCCS, destaca-se o surgimento de um trabalho


intelectual feminista com o já mencionado Womens’s Studies Group, que, em 1978, publicou
o Women Take Issue: Aspects of Women's Subordination. O argumento era de que a categoria
“gênero” estrutura e é estruturada nas formações sociais, que a sociedade deve ser
compreendida por meio da articulação sexo/gênero e antagonismos de classe. Hall define o
feminismo como “uma das rupturas teóricas decisivas que alterou uma prática acumulada em
Estudos Culturais, reorganizando sua agenda em termos bem concretos” e destaca sua
influência nos seguintes aspectos:

[...] a abertura para o entendimento do âmbito pessoal como político e suas


consequências na construção do objeto de estudo dos Estudos Culturais; a
expansão da noção de poder, que, embora bastante desenvolvida, tinha sido
apenas trabalhada no espaço da esfera pública; a centralidade das questões
de gênero e sexualidade para a compreensão da própria categoria "poder"; a
inclusão de questões em torno do subjetivo e do sujeito e, por último, a
"reabertura" da fronteira entre teoria social e teoria do inconsciente -
psicanálise. (ESCOSTEGUY, 2001, p. 162).

É fato que o feminismo encontrou espaço nos estudos culturais. Além de Women Take
Issue, de 1978, que deu maior visibilidade à questão feminista, outras obras do CCCS
abordaram a temática, como demonstra a autora Charlotte Brunsdon na obra A Thief in the
night: stories of feminism in the 1970’s at CCCS. Um desses trabalhos, intitulado Images of
Women, de 1974, apresentava produções das feministas Helen Butcher, Rosalind Coward,
Marcella Evaristi, Jenny Garber, Rachel Harrison e Janice Winship (MESSA, 2008, p. 39-40).
20

A relação entre feminismo e estudos culturais, porém, é tensa. Messa (2008, p. 40) cita
Ann Gray, para quem o potencial dos estudos feministas foi subestimado pelos estudos
culturais. As feministas “precisaram batalhar e insistir pela inserção de discussões como
política e poder na esfera doméstica”. Gray afirma que a parceria já havia sido posta em
dúvida na publicação Off Centre: Feminism and Cultural Studies, de 1991. Na década de
1970, Sheila Rowbotham denunciou o preconceito dos estudos culturais com o “novo
continente” (o feminismo). Em Woman’s Consciousness, Man’s World, de 1973, a autora
afirma que inclusive a reflexão feminista era dominada pelos homens (MESSA, 2008, p. 40).
A seguinte metáfora de Stuart Hall é uma das mais criticadas pelo feminismo:

É difícil descrever a importância da abertura desse novo continente nos


estudos culturais, definida pelo relacionamento - ou antes, aquilo que
Jacqueline Rose chamou de "relações instáveis" - entre o feminismo, a
psicanálise e os estudos culturais. Sabe-se que aconteceu, mas não se sabe
quando e onde se deu o primeiro arrombamento do feminismo. Uso a
metáfora deliberadamente; chegou como um ladrão à noite, invadiu;
interrompeu, fez um barulho inconveniente, aproveitou o momento, cagou
na mesa dos estudos culturais. (HALL, 2003, p. 208-209).

A reação de Charlotte Brunsdon, professora da Universidade de Warwick, no Reino


Unido, ao ler essa citação pela primeira vez, foi a vontade de esquecê-la, negá-la, ignorá-la,
para não reconhecer a agressão que havia nela. Não tanto para negar que as feministas do
CCCS, na década de 1970, tinham feito um forte desafio para os estudos culturais, na forma
como estavam constituídos naquele momento e naquele lugar, mas para negar que tivessem
acontecido da forma como Hall havia descrito (tradução nossa)4. Hall, entretanto, ao deixar o
CCCS, defendeu-se, alegando que estava a favor do feminismo, mas foi alvejado como
principal figura patriarcal por suas alunas:

A questão do feminismo foi muito difícil de levar por duas razões. Uma é
que se eu tivesse me oposto ao feminismo, teria sido uma coisa diferente,
mas eu estava a favor. Ser alvejado como "inimigo", como a figura patriarcal
principal, me colocava numa posição contraditória insuportável. É claro que
as mulheres tiveram que fazer isso. Elas tinham toda razão em fazer isso.
Tinham que me calar, essa era a agenda política do feminismo. Se eu tivesse
sido calado pela direita, tudo bem, nós todos teríamos lutado até a morte
contra isso. Mas eu não podia lutar contra minhas alunas feministas. Outra
forma de pensar essa contradição seria vê-la como uma contradição entre

4
No original: “When I first read this account, I immediately wanted to unread it. To deny it, to skip over it, to
not know - to not acknowledge the aggression therein. Not so much to deny that feminists at CCCS in the 1970s
had made a strong challenge to cultural studies as it was constituted then and there, but to deny that it had
happened the way here described.” (BRUNSDON, 1996, p. 279, tradução nossa).
21

teoria e prática. A gente pode apoiar uma prática, mas é muito diferente de
ter uma feminista de verdade na sua frente dizendo: "Vamos tirar o
Raymond Williams do programa do mestrado e colocar a Julia Kristeva em
seu lugar." Viver a política é diferente de ser abstratamente a favor dela. As
feministas me deram um xeque-mate; eu não poderia me conciliar com isso,
trabalhando no Centro. Não foi nada pessoal. Sou amigo de muitas das
feministas daquele período. Foi uma coisa estrutural. Eu não poderia
produzir nada de útil no Centro, ocupando aquela posição. Era hora de partir.
(HALL, 2003, p. 429-430).

Feminismo e estudos culturais têm em comum o surgimento em contextos sociais,


educacionais e políticos, e não acadêmicos e institucionalizados. Também os dois se
dedicaram a grupos oprimidos e marginalizados e foram criticados por afirmarem que não
haviam conceitos e teorias adequados a seus objetos.
Partindo da base epistemológica do materialismo histórico e da fundamentação teórica
dos estudos culturais, na sequência, afunilaremos nossa revisão de literatura para evidenciar o
gênero como categoria de análise, a história das mulheres, o feminismo e outras questões
relativas ao tema.

2.3 Gênero como categoria de análise

Narrar histórias de mulheres é enveredar-se pela pesquisa de gênero, que está mais
para um lugar de intenso debate – político, inclusive – do que de certezas, como atesta Joan
Scott:

É esta luta política que eu penso que deve comandar nossa atenção, porque
gênero é a lente de percepção através do qual nós ensinamos os significados
de macho/fêmea, masculino/feminino. Uma “análise de gênero” constitui
nosso compromisso crítico com estes significados e nossa tentativa de
revelar suas contradições e instabilidades como se manifestam nas vidas
daqueles que estudamos. (SCOTT, 2012, p. 332).

A autora argumenta que, embora gênero, como categoria de análise, esteja diretamente
ligado à esfera social, o objeto de análise desse campo de pesquisa, que são as relações
históricas das relações entre os sexos, está conectado à esfera psicossexual. Assim, gênero
seria “sempre uma tentativa de amenizar as ansiedades coletivas sobre os significados da
diferença sexual” (SCOTT, 2012, p. 346). Portanto, em nosso trabalho com o feminino
múltiplo, mais importante que definições precisas sobre gênero é a concepção de uma
experiência plural:
22

Quando gênero se coloca como um conjunto de questões sobre o que ainda


não sabemos e quando mulheres são entendidas em si mesmo como uma
construção (não os papéis das mulheres, mas ‘mulheres’), então gênero
torna-se uma maneira de interrogar as complexas fontes que fazem das
mulheres uma “coletividade flutuante” digna de atenção política e
acadêmica. (SCOTT, 2012, p. 337)

Scott, nesse texto recente, nos alerta que gênero é uma questão eternamente aberta e
que, se a considerarmos resolvida, é porque estamos no caminho errado. Todavia, temos
algumas propostas de direcionamento. Judith Butler, no livro Gender Trouble: Feminism and
the Subversion of Identity, desarticula o binômio sexo/gênero e indica que o gênero tem um
significado flutuante:

Originalmente concebida para contestar a formulação biologia-é-o-destino, a


distinção entre sexo e gênero serve ao argumento de que tanto faz o que a
insociabilidade biológica do sexo pareça ter, o gênero é construído
culturalmente: daí, o gênero não é nem o resultado causal do sexo nem
aparentemente fixado como sexo. A unidade do sujeito é, portanto, já
potencialmente contestada pela definição de gênero como uma interpretação
múltipla do sexo. (BUTLER, 1990, s.p.).5

A proposta de Teresa de Lauretis (1994) é pensar gênero a partir de uma visão


foucaultiana, que entende a sexualidade como uma “tecnologia sexual”. Assim, o gênero,
como representação e autorrepresentação, “é produto de diferentes tecnologias sociais, como
o cinema, por exemplo, e de discursos, epistemologias e práticas críticas institucionalizadas,
bem como das práticas da vida cotidiana” (LAURETIS, 1994, p. 208). Gênero não existe a
priori nem é propriedade de corpos, mas sim, engloba os efeitos de uma complexa tecnologia
política em corpos, comportamentos e relações sociais.
Lauretis (1994) apresenta quatro proposições acerca de gênero: é uma representação; a
sua representação é sua construção; a sua construção se efetua na família, na mídia, nas
escolas, nos tribunais, entre os artistas e intelectuais e até feministas; a sua construção
também se faz por meio da sua desconstrução em discursos que enxerguem o gênero apenas
como representação ideológica falsa.

5
No original: “Originally intended to dispute the biology-is-destiny formulation, the distinction between sex and
gender serves the argument that whatever biological intractability sex appears to have, gender is culturally
constructed: hence, gender is neither the causal result of sex nor as seemingly fixed sex. The unity of the subject
is thus already potentially contested by the distinction that permits of gender as a multiple interpretation of sex.”
(BUTLER, 1990, s.p., tradução nossa).
23

2.4 A história das mulheres e as transformações da sociedade

“Ninguém nasce mulher: torna-se mulher”. A mais famosa frase de Simone de


Beauvoir abre o primeiro capítulo do clássico O Segundo Sexo, no qual a filósofa
existencialista discorre sobre a construção de uma representação da mulher como ser inferior
ao homem.

Tudo contribui para confirmar essa hierarquia aos olhos da menina. Sua
cultura histórica, literária, as canções, as lendas com que a embalam são uma
exaltação do homem. São os homens que fizeram a Grécia, o Império
Romano, a França e todas as nações, que descobriram a terra e inventaram os
instrumentos que permitem explorá-la, que a governaram, que a povoaram
de estátuas, de quadros e de livros. (BEAUVOIR, 1949, p.30).

A autora que inspira gerações de feministas defende a ideia de que as características


femininas de submissão e fragilidade não são natas, mas sim, moldadas pela sociedade, a
começar pela própria família. Beauvoir (1949, p. 493), mais de sessenta anos atrás, falava de
uma mulher “esquartejada entre o passado e o futuro”, afinal, acumulava séculos de
submissão e avistava um futuro incerto.
Os papéis representativos das mulheres na sociedade são classificados por Gilles
Lipovetsky como primeira, segunda e terceira mulher. A primeira é a mulher depreciada, “mal
necessário confinado nas atividades sem brilho, ser inferior sistematicamente desvalorizado
ou desprezado pelos homens” (LIPOVETSKY, 2000, p. 234), a quem se destinam apenas as
funções de segunda linha.

Exaltação da superioridade viril, exclusão das mulheres das esferas


prestigiosas, inferiorização do feminino, assimilação do segundo sexo ao mal
e à desordem: a lei mais geral das sociedades compõe na longuíssima
duração da história a dominância social, política e simbólica dos machos.
(LIPOVETSKY, 2000, p. 232-233).

A segunda mulher, a enaltecida, surge na segunda Idade Média. É uma figura


idealizada pelo homem como “belo sexo”, mais próximo da divindade, de méritos e virtudes
incensados, “fada do lar” que educa os filhos e inspira o marido. Entretanto, a mulher posta no
pedestal permaneceu à sombra do homem:

Evidentemente, essa idealização desmedida da mulher não aboliu a realidade


da hierarquia social dos sexos. As decisões importantes continuam a ser
assunto dos homens, a mulher não desempenha nenhum papel na vida
política, deve obediência ao marido, nega-se a ela a independência
24

econômica e intelectual. O poder do feminino permanece confinado apenas


aos campos do imaginário, dos discursos e da vida doméstica. Mas, se a
mulher não é reconhecida como sujeito igual e autônomo, não deixou de sair
da sombra e do desprezo que eram o seu quinhão: é gratificada com o poder
de elevar o homem – “O eterno feminino arrebata-nos para o alto”, escreve
Goethe –, de formar os rapazes, de civilizar os comportamentos, de exercer
uma influência oculta sobre os grandes acontecimentos deste mundo.
(LIPOVETSKY, 2000, p. 235-236).

Na modernidade das democracias ocidentais, emerge a terceira mulher, ou a mulher


indeterminada, em um contexto de “desvitalização do ideal da mulher no lar, legitimidade dos
estudos e do trabalho femininos, direito de voto, ‘descasamento’, liberdade sexual, controle da
procriação: manifestações do acesso das mulheres à inteira disposição de si em todas as
esferas da existência” (LIPOVETSKY, 2000, p. 236-237). O modelo da terceira mulher
representou uma ruptura histórica, mas não eliminou as desigualdades entre os sexos. A
diferença mais significativa é a inédita possibilidade de as mulheres protagonizarem a
narrativa da própria história: “ei-las, da mesma maneira que os homens, entregues ao
imperativo moderno de definir e inventar inteiramente sua própria vida” (LIPOVETSKY,
2000, p. 237).
Essa classificação em três modelos de mulheres sistematiza a trajetória de mudanças
ocorridas na história da representação feminina e contribui para a compreensão das relações
de gênero. Entretanto, é preciso ponderar que a emersão de um modelo não elimina o outro,
de modo que, variando-se o contexto no tempo, no espaço, em classes sociais e outras
variáveis, é possível encontrar a primeira ou a segunda mulher coexistindo com a terceira.
Além disso, três é um número muito pequeno para um feminino múltiplo.
Outra referência na temática do feminino é a historiadora francesa Michelle Perrot. Ao
relatar sua experiência na pesquisa que deu origem ao livro Histórias das Mulheres no
Ocidente, ela indica o que há de especial no estudo sobre as mulheres:

Escrever uma história das mulheres é um empreendimento relativamente


novo e revelador de uma profunda transformação: está vinculado
estreitamente à concepção de que as mulheres têm uma história e não são
apenas destinadas à reprodução, que elas são agentes históricos e possuem
uma historicidade relativa às ações cotidianas, uma historicidade das
relações entre os sexos. Escrever tal história significa levá-la a sério [...].
também significa criticar a própria estrutura de um relato apresentado como
universal, nas próprias palavras que o constituem, não somente para
explicitar os vazios e os elos ausentes, mas para sugerir uma outra leitura
possível. (PERROT, 1995, p. 9).
25

Contar a história das mulheres é um desafio. O relato histórico tradicional prioriza os


feitos dos heróis, quase sempre homens, e há ainda o que Perrot chamou de “o silêncio das
fontes”: as mulheres tiveram acesso tardio à escrita e deixaram poucos registros.

Existe até um pudor feminino que se estende à memória. Uma


desvalorização das mulheres por si mesmas. Um silêncio consubstancial à
noção de honra. Quanto aos observadores, ou aos cronistas, em sua grande
maioria masculinos, a atenção que dispensam às mulheres é reduzida ou
ditada por estereótipos. (PERROT, 2007, p.17).

Piora a situação a invisibilidade feminina: elas não eram vistas no espaço público, não
deveriam falar em público, e é desse espaço que foi feito o registro. “O relato da história
constituído pelos primeiros historiadores gregos ou romanos diz respeito ao espaço público:
as guerras, os reinados, os homens ‘ilustres’, ou então os ‘homens públicos’. [...] É preciso ser
piedosa ou escandalosa para existir” (PERROT, 2007, p. 17-18). Nos séculos XVIII e XIX, a
história torna-se mais científica e profissional, mas o espaço destinado às mulheres é apenas
um pouco maior. Foram (e alguns ainda são) exemplos de confinamento de mulheres o
gineceu, o harém e o quarto das mulheres do castelo feudal. Perrot (2007) lembra ainda os
filósofos que postularam em prol da clausura feminina, como Pitágoras – “uma mulher em
público está sempre fora de lugar” – e Rousseau – “toda mulher que se mostra se desonra”.

De início, as mulheres parecem confinadas. A sedentariedade é uma virtude


feminina, um dever das mulheres ligadas à terra, à família e ao lar. [...] Para
Kant, a mulher é a casa. O direito doméstico assegura o triunfo da razão; ele
enraíza e disciplina a mulher, abolindo toda vontade de fuga. Pois a mulher é
uma rebelde em potencial, uma chama dançante, que é preciso capturar,
impedir de escapar. (PERROT, 2007, p.135).

É um equívoco, porém considerar que todas as mulheres estiveram excluídas do


mundo do trabalho, conforme nos indica Saffioti:

A mulher das camadas sociais diretamente ocupadas na produção de bens e


serviços nunca foi alheia ao trabalho. Em todas as épocas e lugares tem ela
contribuído para a subsistência de sua família e para criar a riqueza social.
Nas economias pré-capitalistas, especificamente no estágio imediatamente
anterior à revolução agrícola e industrial, a mulher das camadas
trabalhadoras era ativa: trabalhava nos campos e nas manufaturas, nas minas
e nas lojas; nos mercados e nas oficinas, tecia e fiava, fermentava a cerveja e
realizava outras tarefas domésticas. Enquanto a família existiu como uma
unidade de produção, as mulheres e as crianças desempenharam um papel
econômico fundamental. (SAFFIOTI, 2013, p. 62).
26

Mas as palavras também não favorecem a história das mulheres: gramaticalmente,


“eles dissimula elas” (PERROT, 2007, p. 21). Perdia-se o sobrenome a partir do matrimônio,
o que dificulta reconstituir linhagens femininas. Falava-se muito sobre as mulheres – na
literatura e por meio de outras artes – para dizer o que eram e o que deveriam fazer, mas quem
falava eram os homens. Muitos vestígios delas – diários, cartas, memórias – eram destruídos,
inclusive, por elas mesmas. O discurso religioso de Paulo e o filosófico de Aristóteles
reforçaram a ideia de superioridade masculina e condenação da mulher ao silêncio (PERROT,
2007). As mulheres não representavam a si mesmas, mas eram representadas:

A mulher é, antes de tudo, uma imagem. Um rosto, um corpo, vestido ou nu.


A mulher é feita de aparências. E isso se acentua mais porque, na cultura
judaico-cristã, ela é constrangida ao silêncio em público. Ela deve ora se
ocultar, ora se mostrar. Códigos bastante precisos regem suas aparições
assim como as de tal ou qual parte de seu corpo. (PERROT, 2007, p. 50).

“O sexo é ‘a pequena diferença’ anatômica que inscreve os recém-nascidos num ou


noutro sexo, que faz com que sejam classificados como homem ou mulher” (PERROT, 2007,
p. 62). A partir daí, segundo Perrot, a representação do sexo feminino foi sendo construída
(em geral, pelo olhar masculino) a partir de alguns referenciais: carência, defeito ou fraqueza
da natureza; homem mal-acabado, ser incompleto, forma malcozida (Aristóteles); sente
“inveja do pênis” (Freud); na geração, não é mais que um receptáculo.
Apesar de o desafio ser árduo, algumas historiadoras têm se debruçado sobre ele.
Nesta pesquisa, recorremos a Michelle Perrot, que escreve a história das mulheres de modo
universal, predominantemente ocidental, partindo notadamente de seu lugar de origem, a
França. A universalidade já começa no nascimento: a menina é menos desejada, a ponto de
haver um verdadeiro infanticídio de meninas na Índia e na China, países com graves
problemas de densidade demográfica. O Ocidente, se não mata as recém-nascidas, as
comemora de forma distinta. O filho varão é uma conquista maior.
Na infância e adolescência, a vigilância é maior sobre as meninas, sob o temor da
violação. “Preservar, proteger a virgindade da jovem solteira é uma obsessão familiar e
social” (PERROT, 2007, p.45). O tratamento dispensado a meninos e meninas é bastante
diferente: “a puberdade é, para o menino, uma fase de intensificação da libido, enquanto para
a menina encerra crescentes repressões” (SAFFIOTI, 2013, p. 407).
O ápice do “estado de mulher” é o casamento, condição normal da maioria das
mulheres, com enorme apoio da Igreja que o institui como sacramento. Conforme a
historiadora francesa, o bom exemplar de mulher casada se caracterizava como dona-de-casa,
27

dependente juridicamente, sexualmente e economicamente, que pode receber “corretivos”,


mas que dispõe de influência e poderes na economia familiar, na gestão do orçamento, na
maternidade e na harmonia do lar. Por séculos, o casamento foi “arranjado” pelas famílias,
sob critérios socioeconômicos, mas a modernidade trouxe outros parâmetros para o
matrimônio:

Sinal claro da individualização das mulheres, e também dos homens, o


casamento por amor anuncia a modernidade do casal, que triunfa no século
XX. Os termos da troca se tornam mais complexos: a beleza, a atração física
entram em cena. [...] Os encantos femininos se constituem um capital.
(PERROT, 2007, p.47).

O sexo das mulheres é um mistério, sobre o qual pouco de fala. As que não freiam a
sexualidade são consideradas perigosas. A maternidade, porém, é o grande caso das mulheres,
fonte de identidade, fundamento da diferença reconhecida, mesmo não vivida. Celebra-se o
Dia das Mães, venera-se a Virgem Maria, mãe de Deus, e pune-se o aborto. “A sociedade
ocidental promove a assunção da maternidade. [...] Um dos traços mais marcantes da época
contemporânea reside na politização da maternidade, tanto nos Estados totalitários quanto na
República” (PERROT, 2007, p. 69). Tal é a relevância da maternidade como definidora do
que é ser mulher que Perrot (2007) considera a livre contracepção como o acontecimento mais
importante e que mais abalou a relação entre os sexos, começando a dissolver a hierarquia
entre eles.
O dever de ser mãe repercutiu nas relações trabalhistas. Saffioti (2013) aborda as
justificativas que vêm sendo dadas historicamente para as mulheres ocuparem posições
desvantajosas no trabalho formal: a redução da capacidade de trabalho nos últimos meses da
gestação e no pós-parto, a necessidade de aleitamento, o absenteísmo por motivo de doença,
mas não apenas quando a própria mulher está doente, mas também para cuidar do marido e
dos filhos quando eles estão doentes. A autora propõe que as medidas para contemplarem a
questão da maternidade no âmbito do trabalho deixem de tratar a maternidade apenas como
carga exclusivamente feminina:

Estando a sociedade interessada no nascimento e socialização de novas


gerações como uma condição de sua própria sobrevivência, é ela que deve
pagar pelo menos parte do preço da maternidade, ou seja, encontrar soluções
satisfatórias para os problemas de natureza profissional que a maternidade
cria para as mulheres. (SAFFIOTI, 2013, p. 86)
28

A menopausa sinaliza que a vida das mulheres dura pouco. É o término da


feminilidade, da maternidade, da sexualidade e da sedução. A velhice, hoje, é feminina. A
Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) do Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE) de 2009 revelou que as mulheres representam 55,8% da população
brasileira com 60 anos ou mais de idade. “A longevidade feminina é um fato recente, ligado
aos progressos da obstetrícia e da ginecologia, ao melhor regime alimentar das mulheres, que
vão ao médico mais vezes e são mais sóbrias” (PERROT, 2007, p. 42). A morte é discreta,
afinal, os grandes enterros são os dos homens. Elas se desesperam publicamente no adeus a
eles; eles não devem ser vistos a chorar a morte delas.
Com as religiões, as relações são ambivalentes e paradoxais: as religiões são poder
sobre as mulheres e poder das mulheres, hierarquia do masculino e do feminino como ordem
de uma Natureza criada por Deus (Bíblia, Corão). Segundo Perrot (2007, p. 84), “as mulheres
fizeram a base de um contra-poder e de uma sociabilidade. A piedade, a devoção, era, para
elas, um dever, mas também compensação e prazer. [...] A Igreja oferecia um abrigo às
misérias das mulheres, pregando, entretanto, sua submissão”. O poder religioso estava e ainda
está com os homens: “a sacralização do poder dos clérigos, na Idade Média, não é favorável.
A Idade Média é ‘máscula’” (PERROT, 2007, p.151). O Deus dos judeus, dos cristãos, dos
islâmicos é um pai.
Todavia, o significado do que é ser mulher mudou ao longo do tempo, como também
mudou a sociedade. Entre as diferenças mais significativas de avós para netas está o nível de
escolaridade: após séculos de conhecimento científico construído e partilhado apenas entre
homens, os anos mais recentes trouxeram uma escola mista, legalmente obrigatória para
meninos e meninas, atingindo uma surpreendente maioria feminina na contemporaneidade.
Em 1907, dos 346 estudantes que concluíram o Ensino Superior no Brasil, apenas cinco eram
mulheres. Trinta anos depois, o Ministério da Educação e Saúde registrou 3.038 diplomas na
divisão do Ensino Superior: 2.859 de homens, 179 de mulheres. “O saber é contrário à
feminilidade. Como é sagrado, o saber é o apanágio de Deus e do Homem, seu representante
sobre a terra. É por isso que Eva cometeu o pecado supremo. Ela, mulher, queria saber;
sucumbiu à tentação do diabo e foi punida por isso” (PERROT, 2007, p.91). Em 1950, 4.619
homens e 1.013 mulheres tiveram seus diplomas registrados na Diretoria do Ensino Superior,
além de 4.979 homens e 1.214 mulheres que obtiveram o registro na Diretoria do Ensino
Comercial. Esses índices se aproximam bastante no ano de 1980, em que o Censo
Demográfico observou as características de instrução da população residente e descobriu que,
naquele ano, 670.266 homens e 646.738 mulheres possuíam o diploma de Terceiro Grau
29

(como era chamado o Ensino Superior na época) no Brasil. Desses, 19.480 homens e 16.323
mulheres tinham mestrado ou doutorado. A média de anos de estudo da população de 10 anos
ou mais de idade, em 1999, indicou vantagem para as mulheres: a média delas era de 5,9 anos
de estudo contra 5,6 anos para os homens (IBGE, 2013a). A vantagem permaneceu em 2009:
média de 7,4 anos de estudo para elas; 7 anos de estudo para eles (IBGE, 2013b). O Censo de
2010 revelou que o percentual de homens na faixa etária de 25 anos com nível superior
completo de graduação era de 9,9%, enquanto o de mulheres na mesma idade era de 12,5%
(IBGE, 2012a).
As mulheres se fizeram estudantes e a docência configurou-se como profissão
predominantemente feminina, na contramão de um processo histórico que negava a elas
qualquer tipo de profissionalismo. Assim, o estudo da relação entre a vida das mulheres e a
educação é importante para compreender as transformações ocorridas ao longo da história:

Um olhar atento perceberá que a história das mulheres nas salas de aula é
constituída e constituinte de relações sociais de poder envolvidas, nessa e em
outras histórias, como imbricadas em todo o tecido social, de tal forma que
os diversos sujeitos sociais exercitam e sofrem efeitos de poder. Todos são,
ainda que de modos diversos e desiguais, controlados e controladores,
capazes de resistir e de se submeter. (LOURO, 2001, p. 478).

O olhar histórico sobre o modo de vida de homens e mulheres, inevitavelmente,


aponta também na direção das transformações tecnológicas, que visivelmente moldam as
relações na esfera pública, mas também interferem no ambiente privado dos lares, cujo bom
funcionamento é tradicionalmente responsabilidade feminina. As tecnologias domésticas –
que, se não substituíram, ao menos alteraram profundamente a configuração do trabalho das
donas de casa – são classificadas por Silva (2003) em três grupos, como fora proposto por
Hartmann em 1974:

Serviços de infraestrutura: água encanada, eletricidade, gás, esgoto e coleta


de lixo. Eletrodomésticos: máquinas utilizadas para desempenhar o trabalho
doméstico. Mercadorias: bens pré-processados ou semiprocessados
comprados no mercado. Existe uma relação muito estreita entre serviços de
infraestrutura, eletrodomésticos e mercadorias. (SILVA, 2003, p. 2).

A autora apresenta o debate em torno das transformações do trabalho doméstico,


discutindo a relação entre trabalho e tecnologia – “As tecnologias domésticas liberam as
mulheres do trabalho doméstico?” – e a reestruturação das relações de gênero na sociedade e
nos lares, com a possibilidade de maior participação masculina nas tarefas de casa. Na relação
30

entre tecnologia e trabalho doméstico, a autora aponta a existência de diferentes posições


teóricas: umas que defendem que as tecnologias conservam o padrão tradicional da divisão do
trabalho entre os gêneros, outras que afirmam que as inovações tecnológicas reestruturam as
relações de gênero. “O emprego feminino está no centro dessas discussões tanto com relação
às demandas por melhorias técnicas, quanto com relação às perspectivas de melhorias das
condições no mercado de trabalho”. Está em jogo, nesse contexto, uma série de aspectos:
“emprego feminino, ideologias da família, patriarcado, produção capitalista e mercados de
consumo” (SILVA, 2003, p. 3-4). Enfim, é uma história de transformações drásticas.

A história das mulheres mudou. Em seus objetos, em seus pontos de vista.


Partiu de uma história do corpo e dos papéis desempenhados na vida privada
para chegar a uma história das mulheres no espaço público da cidade, do
trabalho, da política, da guerra, da criação. Partiu de uma história das
mulheres vítimas para chegar a uma história das mulheres ativas, nas
múltiplas interações que provocam a mudança. Partiu de uma história das
mulheres para tornar-se mais especificamente uma história do gênero, que
insiste nas relações entre os sexos e integra a masculinidade. Alargou suas
perspectivas espaciais, religiosas, culturais. (PERROT, 2007, p. 15-16).

A autora associa as principais transformações históricas femininas, no contexto da


Grã-Bretanha e dos Estados Unidos dos anos 1960 e da França da década de 1970, a fatores
científicos (renovação das questões ligadas à crise dos sistemas de pensamento, como
marxismo e estruturalismo, à modificação das alianças disciplinares e à proeminência da
subjetividade, além da redescoberta da família), sociológicos (presença das mulheres na
universidade) e políticos (movimento de liberação das mulheres) (PERROT, 2007).
Essas mudanças por que passaram as mulheres e seus contextos de vida, além de
serem captadas pela memória coletiva, foram registradas (e influenciadas) pela narrativa
midiática da realidade, por meio da comunicação social. Buitoni (2009, p.21) defende que “a
relação entre a imprensa feminina e a mulher implica questões mais abrangentes, como o
papel social da mulher ou sua participação política. E aí entra a ideologia”.
Em busca do outro relato e da outra leitura propostos por Perrot para contar a história
das mulheres, fizemos uma revisão bibliográfica que contempla a história recente das
mulheres no Brasil, do final do século XIX aos primeiros anos do século XXI, destacando a
relação entre as transformações ocorridas nas áreas da educação, da comunicação e da
tecnologia e as mudanças nos papéis ocupados pelas mulheres no lar e na sociedade.
31

2.4.1 Trajetória feminina em educação, comunicação e tecnologias6

Durante a maior parte da história da humanidade, as mulheres pouco ou nada


participaram da educação formalizada. A Reforma Protestante representou uma ruptura ao
fazer da leitura da Bíblia uma obrigação para homens e mulheres, o que demandou a
alfabetização delas (PERROT, 2007). Os filósofos do Iluminismo propunham uma instrução
relativizada. Perrot (2007, p. 92) cita Rousseau, o qual afirma que:

Toda educação das mulheres deve ser relativa aos homens. Agradá-los, ser-
lhes úteis, fazer-se amar e honrar por eles, criá-los, cuidar deles depois de
crescidos, aconselhá-los, consolá-los, tornar-lhes a vida agradável e suave:
eis os deveres das mulheres em todos os tempos, e o que se deve ensinar-lhes
desde a infância.

No Brasil colônia, a escola veio tardiamente, inclusive, para os homens. Após a


proclamação da Independência, o discurso oficial passou a falar de uma “necessidade de
construir uma imagem do país que afastasse seu caráter marcadamente colonial, atrasado,
inculto e primitivo” (LOURO, 2001, p. 443). Em 1827, a legislação determinou a criação de
“escolas de primeiras letras”, também chamadas de “pedagogias”, por todo o Império, o que
não chegou a ser concretizado em plenitude, mas ocorreu pontualmente com escolas fundadas
por congregações e ordens religiosas ou de leigos. “Muitas delas desejaram o saber como a
um amante. A figura de Eva é, de certa maneira, emblemática: Eva morde a maçã por
curiosidade ávida. A Igreja medieval substituiu o livro pela imagem sábia e meditativa da
Virgem” (PERROT, 2007, p.95).
A imprensa feminina também surgiu no Brasil no século XIX – um retardo
consequente do fato de não haver imprensa no país até a chegada da família real, em 1808. As
publicações desta época dividiam-se em duas representações: “a tradicional, que não permite
liberdade de ação fora do lar e que engrandece as virtudes domésticas e as qualidades
‘femininas’; e a progressista, que defende os direitos das mulheres, dando grande ênfase à
educação” (BUITONI, 2009, p. 47). É possível, ainda, observar uma herança francesa no

6
O texto base deste item foi publicado na forma de artigo em anais de evento, conforme a referência:
ALMEIDA, Diélen dos Reis Borges; SPANNENBERG, Ana Cristina Menegotto. A trajetória da mulher e as
transformações na educação, na comunicação e na tecnologia. In: II Encontro Nacional de Pesquisadores(as) em
Educação e Culturas Populares, 2013, Uberlândia. Anais... Uberlândia: UFU, 2013. Disponível em
<http://enpecpop.espacohibrido.com/bib/trabalhos/eixo3/resumo/A%20TRAJET%C3%93RIA%20DA%20MUL
HER%20E%20AS%20TRANSFORMA%C3%87%C3%95ES%20NA%20EDUCA%C3%87%C3%83O_resum
o.pdf>. Acesso em 20 jan. 2015.
32

desenvolvimento da imprensa feminina brasileira, que se caracteriza em dois planos: o dos


deveres – no qual se encaixam a moda, a etiqueta e o modo de agir para agradar aos homens –
e o dos direitos – que aborda a condição das mulheres com um viés feminista. (BUITONI,
2009, p.187)
O século XIX foi um período de intensas mudanças no Brasil. Até então, o país era
predominantemente rural. A partir da presença da família real (1808), da independência
(1822), da abolição da escravidão (1888) e, por fim, da proclamação da república (1889), o
cenário foi se modificando: a sede do governo mudou de Salvador para o Rio de Janeiro, as
áreas urbanas cresceram, surgiram ferrovias, aumentaram as navegações a vapor, o cabo
submarino estabeleceu uma comunicação mais rápida com o exterior, enfim, as cidades
tornaram-se menos provincianas. Isso exigia das mulheres urbanas um conhecimento maior
acerca da aparência, por isso, a imprensa feminina firmou-se em um mercado de jornalismo
pautado basicamente por moda e literatura (BUITONI, 2009, p. 31-32).
Vieram os primeiros serviços de infraestrutura, uma das categorias de tecnologias
doméstica. A capital começou a instalar rede de esgoto em torno de 1860, propiciando
melhores condições para o exercício daqueles que eram considerados os trabalhos domésticos
mais degradantes dos séculos XVIII e XIX: “jogar fora o lixo, carregar água das fontes e o
trabalho de lavadeiras”. Em 1854, teve início o uso da iluminação a gás; em 1870/80, a água
encanada passou a estar disponível nas residências; e em 1885, foi a vez da eletricidade.
“Esses progressos alteraram os arranjos domésticos em alguns centros urbanos. Com eles
também o processo de acumulação de capital se acelerou, a industrialização e a urbanização
tomaram impulso.” (SILVA, 1998, p. 28-29).
As escolas para meninos eram predominantes, mas havia também aquelas voltadas
para o ensino de meninas, com algumas distinções: ambos os sexos aprendiam a ler, escrever,
calcular e, ainda, a doutrina cristã, mas aos meninos acrescia-se a geometria e às meninas, o
bordado e a costura. A princípio, as meninas tiveram acesso apenas às “escolas de primeiras
letras”, onde aprendiam exclusivamente com mestras – senhoras que fossem consideradas
honestas, prudentes e dignas da tarefa. A diferenciação curricular entre o que era ensinado por
homens e mulheres acarretava diferenças salariais, com vantagem para os mestres em relação
às mestras (LOURO, 2001, p. 443-444). A iniciação escolar não rompeu com as
discriminações de gênero:

[...] se de um lado a primeira lei de ensino (1827) representou um marco para


a mulher, na medida em que ratificou seu direito à instrução, significou
33

também um instrumento que acentuou a discriminação sexual, pois só


admitia o ingresso de meninas na escola primária, não aceitava a coeducação
nas escolas e reforçava as diferenças nos conteúdos curriculares.
(BRUSCHINI; AMADO, 1988, p. 5).

A inserção das meninas na educação apresentou diferenças de classe. Para as garotas


pobres, o trabalho doméstico e na roça tinha prioridade sobre a escola desde cedo. Havia
também algumas escolas vinculadas a ordens religiosas que se especializaram no cuidado de
meninas órfãs, moças desempregadas ou que “se desviaram do bom caminho”. No final do
século XIX, trabalhadores vinculados a ideais socialistas e anarquistas organizaram, com a
participação de mulheres em suas reuniões, a implantação de escolas libertárias que também
cuidavam da instrução de meninas. Já as filhas de famílias ricas usufruíam do ensino de
leitura, escrita, noções básicas de matemática, piano, francês, bordados e culinária, acrescidos
de habilidades de mando das criadas e serviçais, geralmente com professoras particulares ou
em escolas religiosas. O discurso hegemônico que perpassou esses grupos era o de que
“mulheres deveriam ser mais educadas do que instruídas”, pois seu destino como mães e
esposas exigiria mais formação moral, caráter e bons princípios (LOURO, 2001, p. 445-446).
Era uma formação voltada menos para as mulheres e mais para suas descendências:

Ela precisaria ser, em primeiro lugar, a mãe virtuosa, o pilar de sustentação


do lar, a educadora das gerações do futuro. A educação da mulher seria feita,
portanto, para além dela, já que sua justificativa não se encontrava em seus
próprios anseios ou necessidade, mas em sua função social de educadora dos
filhos ou, na linguagem republicana, na função de formadora dos futuros
cidadãos. (LOURO, 2001, p. 446-447).

Perrot corrobora este pensamento, apontando os valores e hábitos que deveriam


compor a grade de conhecimento transmitido às mulheres:

É preciso, pois, educar as meninas, e não exatamente instruí-la. Ou instruí-


las apenas no que é necessário para torná-las agradáveis e úteis: um saber
social, em suma. Formá-las para seus papéis futuros de mulher, de dona-de-
casa, de esposa e mãe. Inculcar-lhes bons hábitos de economia e de higiene,
os valores morais de pudor, obediência, polidez, renúncia, sacrifício... que
tecem a cora das virtudes femininas. Esse conteúdo, comum a todas, varia
segundo as épocas e os meios, assim como os métodos utilizados para
ensiná-lo. (PERROT, 2007, p.93).

Assim, a educação das mulheres concebida até o final do século XIX vinculou-se às
necessidades de modernização da sociedade, higienização da família e construção da
cidadania das novas gerações. “A definição predominante da mulher brasileira até o início do
34

século vinte correspondia ao ideal vitoriano de esposa, mãe e dona de casa” (SILVA, 1998, p.
29) e a imprensa feminina se guiava na mesma linha. A revista ilustrada A Mãe de Família
(1879-1888), por exemplo, abordava educação da infância e higiene da família. Até mesmo o
semanário O Sexo Feminino (1875-1877, 1887-1889), mais engajado politicamente e defensor
dos direitos das mulheres, chegou a publicar: “Queremos a educação verdadeira que não se
nos tem dado a fim de que possamos educar também nossos filhos”. Também o jornal literário
A Família (1888-1889) era dedicado à educação das mães de família (BUITONI, 2009, p.41-
44).
No contexto de uma economia urbano-industrial, as mulheres se viram diante de duas
influências antagônicas: de um lado, a imigração europeia e algumas revistas femininas que
traziam novas ideologias de esquerda, especialmente, o feminismo; de outro, uma
contrainfluência também de origem europeia, a “eugenia”, que pregava a necessidade das
mulheres no lar para garantir a formação de uma boa geração. “A essência do ser feminino –
reiterando os ideais vitorianos – encontrava-se em ser mãe e em se dedicar ao lar (‘o ninho
sagrado’), ao marido e aos filhos. O trabalho da mulher fora de casa era visto como fonte de
caos moral e gerador de crise na família” (SILVA, 1998, p. 30).
Também de forma paradoxal, a educação das mulheres baseou-se na formação cristã,
mais especificamente católica, e nas ideias positivistas e cientificistas do momento, que
propunham a incorporação das novidades da ciência à vida, como a puericultura, a psicologia
ou a economia doméstica (LOURO, 2001, p. 447-448). Embora os valores religiosos
predominassem, especialmente, na formação das mulheres, o conhecimento científico
representava o progresso, o avanço da sociedade, enfim, a modernidade.
Faltavam mestres e mestras bem preparados, por isso, ainda no século XIX, foram
fundadas as primeiras escolas normais para formação de professores, abertas a moças e
rapazes, embora devessem estudar separadamente. Quando as vagas no ensino primário ainda
eram poucas, as mestras recém-formadas eram contratadas também como preceptoras ou
professoras particulares, para atuarem em casas ou fazendas de famílias ricas (BRUSCHINI;
AMADO, 1988, p.5). A prática dos cursos normais revelou que, a cada ano, aumentava o
número de mulheres e diminuía o de homens. Eles estavam sendo atraídos por oportunidades
de trabalho criadas no processo de urbanização e industrialização, de modo que ocorreu um
fenômeno chamado de “feminização do magistério”. Essa identificação das mulheres com a
docência foi criticada por alguns, que as consideravam intelectualmente incapazes para
desempenhar a tarefa de ensinar, mas apoiada por outros, que enxergavam as mulheres como
35

“educadoras naturais” (LOURO, 2001, p. 448-450). Ser professora era uma extensão de ser
mãe:

Se o destino primordial da mulher era a maternidade, bastaria pensar que o


magistério representava, de certa forma, “a extensão da maternidade”, cada
aluno ou aluna vistos como um filho ou uma filha “espiritual”. O argumento
parecia perfeito: a docência não subverteria a função feminina fundamental,
ao contrário, poderia ampliá-la ou sublimá-la. Para tanto seria importante
que o magistério fosse também representado como uma atividade de amor,
de entrega e doação. A ele acorreriam aquelas que tivessem “vocação”.
(LOURO, 2001, p. 450).

A docência passou a ser representada mais como um “sacerdócio” que como uma
profissão, que requeria características “tipicamente femininas”, como “paciência,
minuciosidade, afetividade, doação”. Paralelamente, passou a ocorrer maior intervenção e
controle do Estado sobre a educação (LOURO, 2001, p. 450). Esse vínculo criado entre as
características femininas e a vocação para ensinar baseou-se em um antigo clichê:

O eterno feminino. Um chavão que tenta imobilizar, no tempo, as virtudes


“clássicas da mulher”. Um chavão que corresponde bem ao senso comum de
procurar as qualidades quase abstratas: maternidade, beleza, suavidades,
doçura e outras, num ser que é histórico. Justamente aí está a falha que
desvincula a mulher de sua época e seu contexto, que a transforma num ser à
parte, independente de circunstâncias concretas. [...] outro chavão é o
“mundo da mulher”. Realmente, tenta-se criar um mundo da mulher para que
ela fique só dentro dele e não saia. (BUITONI, 2009, p. 24).

A menor participação masculina na docência gerou um problema: falta de mestres para


a formação de meninos. Por isso, as normalistas passaram a ser aceitas em aulas para garotos,
sob uma série de cuidados: elas deveriam ter pelo menos 23 anos; as turmas deveriam ser
mistas e com meninos de até 10 anos; as normas, os símbolos e até mesmo a arquitetura da
escola ajustavam-se a uma vigilância constante sobre a sexualidade das professoras e dos
alunos (LOURO, 2001, p. 453). Sobre a arquitetura, o modelo do panóptico descrito por
Michel Foucault em Vigiar e punir (2013), bastante utilizado em prisões, foi também adotado
em escolas, além de hospitais, manicômios e, mais recentemente, empresas. Esse modelo
arquitetônico permite que todos os reclusos (de presos a alunos e trabalhadores) sejam
observados por todos, criando um estado de visibilidade e vigilância permanente:

Quem está submetido a um campo de visibilidade, e sabe disso, retoma por


sua conta as limitações do poder; fá-las funcionar espontaneamente sobre si
mesmo; inscreve em si a relação de poder na qual ele desempenha
36

simultaneamente os dois papéis; torna-se o princípio de sua própria sujeição.


Em consequência disso mesmo, o poder externo, por seu lado, pode-se
aliviar de seus fardos físicos [...] (FOUCAULT, 2013, p.192).

A performance de autoridade pressupunha distância, de modo que as professoras não


deveriam tocar nos alunos e alunas. Uma lei de 1917, de Santa Catarina, impunha que a
professora que se casasse perderia o emprego, pois a situação matrimonial e uma possível
gravidez gerariam indagações por parte dos alunos (LOURO, 2001, p. 468-469).
A docência feminina configurava-se ainda como uma ocupação transitória, de “um só
turno”, que não prejudicasse as atividades domésticas e, inclusive, pudesse ser abandonada
em função do casamento ou da maternidade. Isso também justificava os salários mais baixos
dessas mulheres, de modo que o homem continuava a ser o provedor do lar. O salário da
mulher era apenas “complementar” (LOURO, 2001, p. 453). “Os cursos de nível médio e
profissional, com currículos voltados para atender às chamadas ‘especificidades femininas’,
passaram a preparar as mulheres para profissões consideradas adequadas ao seu sexo, como
aquelas relacionadas a educação e a saúde” (BRUSCHINI; AMADO, 1988, p.6). Os cursos de
formação se prepararam para lidar especialmente com as mulheres:

As escolas normais se enchem de moças. A princípio são algumas, depois


muitas; por fim os cursos normais tornam-se escolas de mulheres. Seus
currículos, suas normas, os uniformes, o prédio, os corredores, os quadros, as
mestras e mestres, tudo faz desse um espaço destinado a transformar
meninas/mulheres em professoras. A instituição e a sociedade utilizam
múltiplos dispositivos e símbolos para ensinar-lhes sua missão, desenhar-
lhes um perfil próprio, confiar-lhes uma tarefa. A formação docente também
se feminiza. (LOURO, 2001, p. 454-455).

A estrutura física e as normas informam e formam valores como ordem, disciplina e


vigilância. O cotidiano das moças normalistas é planejado e controlado. O tempo escolar é um
“tempo disciplinar”, que se vale de rituais, símbolos e doutrinas:

Em salas frequentemente encimadas por crucifixos, mesmo nas escolas


laicas, as mulheres tiveram aulas de português, matemática, geografia
nacional, história do Brasil e geral, historia sagrada, catecismo, pedagogia e
também puericultura, psicologia, economia doméstica, trabalhos manuais,
higiene escolar, sociologia e ainda outras. Elas aprenderam canto orfeônico,
educação física e ginástica, tiveram aulas de moral e civismo e, em alguns
momentos, até de teatro (LOURO, 2001, p. 455-456).

Enquanto os cursos de formação de mestres abriam-se ao funcionalismo e ao ensino da


geometria, na formação de mestras continuava a haver a valorização de “habilidades e
37

destrezas manuais e estéticas”, situação que permaneceu por décadas. Disciplinas como
psicologia, puericultura, higiene e economia doméstica conferiam aos cursos normais mais do
que o status de preparatórios para a docência; eram também preparatórios para o casamento e
a maternidade – também chamados popularmente de “curso de espera marido” –, num
processo de “escolarização do doméstico” e constitui-se de forma ambígua: ao mesmo tempo
em que a escola rompia com o aprendizado ocorrido no âmbito do lar, por ser mais legítima,
mantinha uma ligação com a casa, com referências à maternidade e ao afeto (LOURO, 2001,
p. 457-458).
As funções de diretores e inspetores das escolas normais eram sempre exercidas por
homens (com exceção das escolas religiosas em que as madres assumiam esses papéis).
Reproduzia-se a hierarquia doméstica, em que as mulheres executam funções mais imediatas
e os homens assumem o controle e o poder.

A eles se recorria como instância superior, referência de poder; sua presença


era vista como necessária exatamente por se creditar à mulher menos firmeza
nas decisões, excesso de sentimento, tolerância etc. Aos homens eram
encaminhados os alunos-problema ou qualquer questão que exigisse a
tomada de decisões de problemas mais graves. (LOURO, 2001, p. 460).

As primeiras diretoras romperam com a representação tradicional e havia o temor de


que elas pudessem ser admiradas e imitadas por professoras e alunas. Por isso, regulamentos
controlavam as relações entre estudantes, professores(as) e dirigentes, inclusive, com penas
disciplinares para quem tivesse “falta de decoro devido entre os sexos”. Havia uma ética e
uma estética específicas: “uniformes sóbrios, avessos à moda, escondiam os corpos das
jovens, tornando-os praticamente assexuados”. Ensinava-se o modo de falar e se comportar.
“Todo um investimento político era realizado sobre os corpos das estudantes e mestras.”
(LOURO, 2001, p. 461).
Essas práticas disciplinadoras visavam à autorregulação dos sujeitos. “Elas
carregariam, com elas, a escola para além de seus muros; a instituição faria, agora, parte
delas. Elas se tornariam capazes de se autogovernar, exatamente por terem incorporado as
normas e tecnologias de governo da instituição e da sociedade.” (LOURO, 2001, p. 461-462)
Subordinados ao Estado, os e as docentes eram um espécie de “clérigos-leigos” de vidas
controladas, que deviam “manter-se acima do comportamento comum”, o que representou um
encargo social pesado para eles e elas (LOURO, 2001, p. 462). A mulher que contrariava as
normas era vista como desviante e levantava suspeitas até mesmo sobre sua sexualidade,
passando a ser representada como mulher-homem (LOURO, 2001, p. 469).
38

Enquanto, para muitas mulheres, a escola normal era uma preparação para o
casamento, para outras representava uma alternativa ou mesmo uma renúncia ao matrimônio.
Daí vem a imagem da professora solteirona, retraída, mulher de poucos encantos. Embora
controladas, essas mulheres representavam uma ruptura, pois se lançavam para um espaço
fora do lar, com alguma autonomia (LOURO, 2001, p. 464-465).

Vale observar que aqui provavelmente entram em jogo representações nem


sempre convergentes, ou seja, por um lado, a solteirona era uma mulher que
falhara; mas, ao mesmo tempo, ela era uma mulher, quando professora, que
tinha um nível de instrução mais elevado do que as outras, que ganhava seu
próprio sustento e que, em consequência disso, usufruía de algumas
prerrogativas masculinas. (LOURO, 2001, p. 466)

A professora solteirona serviu como representação da desprofissionalização da


atividade, uma vez que ela se entregava à atividade como doação, tinha a escola como o seu
lar e pouco se preocupava com seu salário. Os regulamentos escolares incentivavam a
severidade dessa mulher, a qual deveria disciplinar-se a si mesmas para, assim, poder
disciplinar alunos e alunas. “Ela precisaria ter controle de classe, considerado um indicador de
eficiência ou de sucesso na função docente até nossos dias” (LOURO, 2001, p. 467).
Conforme mudavam as orientações psicopedagógicas, a orientação sobre a expressão do afeto
da professora também mudava: ao ser recomendado que a escola deveria ser um ambiente
prazeroso, a professora passou a ser representada como mais sorridente e acessível aos alunos
(LOURO, 2001, p. 468).
Quando a educação foi influenciada pelo discurso científico, com teorias psicológicas
e sociológicas, as professorinhas passaram a ser denominadas de educadoras, cuja missão foi
ampliada de “instruir” para “educar”: fornecer apoio afetivo, emocional e intelectual à criança
e exercer função corretiva sobre aquelas consideradas desviantes ou inadaptadas. O aluno
tornou-se o centro do processo de ensino-aprendizagem. Nesse contexto, surgiram os e as
especialistas em alguma área da educação, categoria que se apresentou como possibilidade de
ascensão profissional. A profissional do ensino substituiu a mãe espiritual, especialmente, no
período da ditadura militar (LOURO, 2001, p. 471-472).
Na imprensa, o tratamento dispensado à mulher também foi se modificando, passando
do mais formal para o mais coloquial: primeiro “vós”, depois “tu” e, por fim, “você”
(BUITONI, 2009, p.189), mantendo a abordagem por meio de interlocução, que cria
intimidade com a leitora:
39

O texto na imprensa feminina sempre vai procurar dirigir-se à leitora, como


se estivesse conversando com ela, servindo-se de uma intimidade de amiga.
Esse jeito coloquial, que elimina a distância, que faz as ideias parecerem
simples, cotidianas, frutos do bom senso, ajuda a passar conceitos, cristalizar
opiniões, tudo de um modo tão natural que praticamente não há defesa.
(BUITONI, 2009, p. 191).

A função conativa é uma armadilha linguística da imprensa feminina. Além do


vocativo, expressa-se também no uso do verbo imperativo, que não abre brecha para
contestação – desde o modo de fazer das receitas culinárias até a publicidade: coloque, use,
faça, seja... “Tudo vira receita de como se deve fazer para ser o modelo de mulher
apresentado” (BUITONI, 2009, p. 191-192). Os manuais de conduta moldaram, inclusive, a
docência:

O discurso didático-pedagógico também contribuía para os interesses dessa


ordem e traduzia-se numa regulação muito direta da ação dos agentes
educativos e do processo de ensino-aprendizagem. A legislação para o setor
torna-se mais minuciosa e extensa; procedimentos e relações de ensino são
disciplinados, especialmente através da burocratização das atividades
escolares, da edição de livros e de manuais para docentes, da revitalização de
disciplinas como educação moral e cívica, do controle policial sobre as
preferências político-ideológicas do professorado etc. (LOURO, 2001, p.
472).

O profissionalismo passou a requerer outras habilidades docentes, com tarefas


burocráticas, de ordem administrativa e de controle, com uma didática mais técnica, eficiente
e produtiva. Apesar da intensificação do trabalho, houve adesão de algumas profissionais a
esse discurso porque constituía uma maneira de as mulheres lutarem por salários e condições
de trabalho no nível praticado com os homens. Outras resistiam, incentivavam o tratamento
como “tia” – o que, no entanto, favorecia ao anonimato da professora, não chamada pelo seu
nome. A autoridade passava a ser exercidas pelas especialistas (supervisoras, orientadoras,
psicólogas) e as professoras eram as “tias” dos alunos, às quais não caberia preparo nem
condições especiais de trabalho (LOURO, 2001, p. 473-474).
Enquanto o trabalho docente se intensificava, foi implantada, na década de 1940, a
indústria de eletrodomésticos de linha branca no Brasil, a qual se beneficiou de programas de
substituição de importações (1956-61) e políticas de subsídios e rendas do governo militar. E
o consumo desses produtos cresceu bastante a cada década. Nos anos setenta, oitenta e
noventa, as vendas de fogões aumentaram três vezes e a de geladeiras, mais de cinco vezes.
Os produtos são desenhados de acordo com os padrões de consumo e poder de compra,
40

variando entre mais e menos caros (SILVA, 1998, p. 32-33). Os eletrodomésticos representam
uma das categorias de tecnologias domésticas, as quais influenciaram (e influenciam) a
organização das atividades nos lares. Podendo contar com o trabalho das máquinas, as
mulheres passaram a ter maior tempo livre para se dedicar a outras tarefas, inclusive ao
trabalho remunerado fora de casa.
O ingresso na universidade também foi tardio e teve características específicas.
Segundo Bruschini e Amado (1988), apenas na década de 1940 as normalistas puderam
ingressar nos cursos de Filosofia e, a partir de 1953, nos demais cursos. E a tendência de
feminização da docência permaneceu: a maioria das universitárias estava nos cursos de
licenciatura, preparatórios para o magistério na escola secundária. Esses cursos se
expandiram, pois seus custos de instalação são menores que o de outras carreiras, e, ao
mesmo tempo, a profissão docente foi perdendo prestígio.
As décadas mais recentes consolidaram a maioria feminina na educação como
profissão. O Recenseamento Demográfico de 1980 revelou que 86,6% dos docentes
brasileiros eram mulheres. No chamado ensino pré-primário, elas eram quase totalidade, 99%
do total, e constituíam 96,2% do professorado do ensino de primeiro grau de 1ª a 4ª série
(atual Ensino Fundamental 1). Nos níveis seguintes, o número de mulheres diminuía
(BRUSCHINI; AMADO, 1988, p.5).
A escola, então, passa a se assemelhar a um trabalho fabril, ocorrendo um processo de
“proletarização da categoria docente”. Os salários, que já eram baixos, caíram ainda mais. E
assim, trabalhadores e trabalhadoras da educação passaram a se organizar, como já faziam os
operários, em associações e sindicatos que promoviam greves e outras formas de
manifestação.

Efetivamente, é um outro sujeito social que se constitui. A professora


sindicalizada, denominada de trabalhadora da educação, é representada pela
mulher militante, disposta a ir às ruas lutar por melhores salários e melhores
condições de trabalho. Ela deve ser capaz de parar suas aulas; gritar palavras
de ordem em frente a palácios e sedes de governo; expor publicamente sua
condição de assalariada, não mais de mãe, tia ou religiosa, e exigir o
atendimento de seus reclamos. Face à discreta professorinha do início do
século, o contraste parece evidente: são outros gestos, outra estética, outra
ética. (LOURO, 2001, p. 474).

Como abordamos anteriormente, conforme Perrot (2007), o direito de se sindicalizar


precedeu o de votar em muitos países e o sindicalismo criou condições favoráveis às
41

mulheres. Também na Europa o sindicalismo das professoras primárias, que Perrot (2007, p.
127) chama de “as primeiras intelectuais”, foi um dos mais fortes:

Apesar dessas restrições, o sindicalismo foi, para muitas mulheres, um


espaço de solidariedade, de sociabilidade, de abertura para o mundo e de
tomada de responsabilidade. Os congressos foram verdadeiros propedêuticos
da palavra das mulheres. No célebre Congresso de Marselha (1879),
Hubertine Auclert dirigia-se aos operários: “Escrava, representante de nove
milhões de escravas”, ela reivindicava a total igualdade de direitos dos dois
sexos, proposta utópica que foi aprovada por aclamação. Entre as duas
guerras, foram as professoras primárias que desenvolveram um sindicalismo
ativo, muito sensível às reivindicações das mulheres, inclusive quanto ao
controle da natalidade, o que as envolveu em processos judiciais. (PERROT,
2007, p. 150).

O salário da mulher deixava de ser complementar ao do marido e passava a ser


fundamental para o sustento da família, de modo que ela devia lutar para melhorá-lo. A ideia
de categoria profissional relacionava cada professora a um conjunto maior de parceiros(as) e
constituía um movimento social organizado. Os sindicatos se constituíam majoritariamente
por mulheres, mas muitas preferiam que os homens fossem líderes do movimento. Algumas
se recusavam a aderir às greves, por ainda considerá-las contrárias à missão que tinham com
seus alunos, numa clara herança de valores do passado. A partir da década de 1950, o número
de crianças na escola aumentou muito numericamente e, por conseguinte, aumentou o número
de docentes. Com a má remuneração, foram atraídos, principalmente, profissionais de
camadas sociais mais pobres (LOURO, 2001, p. 476-477).
A predominância feminina no magistério não isentou a área das discriminações de
gênero. As mulheres se concentraram nos níveis inferiores da pirâmide ocupacional, no ano
de 1974: as mulheres representavam 32% dos auxiliares de ensino, 25% dos assistentes, 19%
dos adjuntos e apenas 16% dos professores titulares de universidades. A discriminação
também pode ser observada na remuneração: “em 1980, 84,9% das professoras brasileiras
ganhavam menos do que 5 salários mínimos ao mês, enquanto 47,8% dos professores se
situavam na mesma faixa de rendimento mensal” (BRUSCHINI; AMADO, 1988, p.6).
Tampouco os meios de comunicação que pautam as mulheres se isentaram de valores
machistas e patriarcais. Um exemplo bastante significativo é a abordagem de temas
relacionados ao sexo: até 1960, sexo era assunto para o marido e a mulher não se satisfazia;
em 1970, revistas mais “modernas” associavam sexo a um companheiro eventual; em 1980 e
1990, fala-se de sexo de forma liberal, em que se permite o sexo casual à mulher. Mudança
radical? “Pseudolibertação”, para Buitoni (2009, p. 199): “basicamente, a única coisa que
42

mudou foi a chancela do casamento. Pois a mulher continua tendo de ser bonita, bem-vestida,
bem maquiada, compreensiva, alegre, boa cozinheira [...] para segurar o seu homem.
Continuam os preceitos de como a mulher deve ser”.
A imprensa feminina apresenta constantemente a ideia do “novo”. Buitoni, em sua
pesquisa sobre revistas femininas, obsevou que a ideia do “novo” perpassou todo o século
XX:

[...] o novo surge ainda idealmente na década de 1900 (a mulher é o novo


bom que há nas coisas), para começar a se delinear mais claramente na
década de 1930 (a nova mulher, profissional independente [...]) e ir
crescendo nas etapas seguintes. Em 1940, a cara nova das artistas de cinema;
em 1950, a mulher atualizada mas que não ofusca o parceiro; em 1960, a
nova mulher casada; em 1970, o auge do novo na mulher consumista e
liberada. A adolescente chega em 1980; em 1990, sexo com a realidade da
Aids. (BUITONI, 2009, p.195).

A pesquisadora, porém, conclui que não se trata de um novo “revolucionário, crítico,


conscientizador”, mas sim, “é o novo pelo novo, por fora, de superfície”, “é tão somente um
novo que traduz a modernidade”, provavelmente com origem na moda, que se renova a cada
estação. É um incentivo à renovação dos próprios corpos das mulheres, não só com a moda,
mas também com as cirurgias plásticas. Imprensa e publicidade persuadem as mulheres a
“ter” certos objetos que as permitiram “ser” belas. Portanto, é um novo “conservador” que
mantém o sistema vigente, construído à base de um estereótipo feminino (BUITONI, 2009, p.
195-197).
As mulheres chegam ao século XXI acumulando dois séculos anteriores de
transformações nos papéis ocupado por elas na sociedade, ao lado de mudanças ocorridas nas
áreas da educação, da comunicação e da tecnologia. Ao mesmo tempo, é visível que a história
manteve certos padrões na representação feminina, valendo-se inclusive dessas três áreas.
43

3 O LIVRO-REPORTAGEM MEMÓRIAS DE MULHERES

Perfis biográficos de femininos múltiplos: assim subtitulamos o livro-reportagem


Memórias de Mulheres, sinalizando na capa do que é feito o produto que desenvolvemos
neste curso de mestrado. São 115 páginas que contam as histórias de quatro mulheres – Zélia,
Bruna, Beatriz e Carol, perpassadas por minha autonarrativa como autora. O texto verbal é
integrado ao não verbal por meio de 25 páginas de fotografias, sendo três de arquivo pessoal e
as demais produzidas especialmente para o livro-reportagem.
Durante a apuração, utilizamos alguns preceitos da história oral para a coleta de dados:
no caso, o relato das memórias das entrevistadas. A redação dos perfis segue as características
do jornalismo literário, em que se aproveitam as técnicas da literatura para a escrita de
histórias reais. Esses métodos e técnicas são descritos na sequência deste relatório.

3.1 Jornalismo literário7

Jornalismo é história do presente, é literatura real. Vale-se da palavra para contar a


vida que não para de acontecer. De tão envolvente, faz o jornalista crer que há arte no que,
teoricamente, é ofício – e, às vezes, com razão. Por isso, acredita-se na existência de um
jornalismo literário, também chamado de literatura de não ficção e de jornalismo narrativo. A
metáfora ajuda Pena (2006) a caracterizar esse tipo de jornalismo, uma estrela de sete pontas:

Significa potencializar os recursos do jornalismo, ultrapassar os limites dos


acontecimentos cotidianos, proporcionar visões amplas da realidade, exercer
plenamente a cidadania, romper as correntes burocráticas do lead, evitar os
definidores primários e, principalmente, garantir perenidade e profundidade
aos relatos. No dia seguinte, o texto deve servir para algo mais do que
simplesmente embrulhar o peixe na feira. (PENA, 2006, p. 13).

Pretensões ousadas nunca faltaram aos jornalistas que se dispuseram a subverter a


pirâmide invertida. Vale mencionar o livro-reportagem Os Sertões, de Euclides da Cunha –
que cobriu a Guerra de Canudos para o jornal O Estado de S. Paulo e publicou a obra em
1897 – e as crônicas de João do Rio, do início do século XX. São textos que fogem ao

7
O texto base deste item tem origem no trabalho de conclusão de curso de graduação em Comunicação Social:
habilitação em Jornalismo e foi publicado na forma de artigo em anais de evento, conforme a referência:
ALMEIDA, Diélen dos Reis Borges; SOUSA, Gerson de. Os invisíveis n’O olho da rua: o jornalismo literário e
a visibilidade midiática dos socioeconomicamente excluídos. In: XXXVII Congresso Brasileiro de Ciências da
Comunicação, 2014, Foz do Iguaçu. Anais... São Paulo: Intercom, 2014. Disponível em
<http://www.intercom.org.br/sis/2014/resumos/R9-1286-1.pdf >. Acesso em 20 jan. 2015.
44

convencional e, ainda que embrionariamente, carregam características do jornalismo literário.


Também é difícil falar desse tipo de jornalismo sem tocar no New Journalism norte-
americano da década de 1960, e nesse contexto está Tom Wolfe, que publicou seus anseios
como jornalista daquela época: “Os leitores choravam de tédio sem entender por quê. Quando
chegavam àquele tom bege pálido, isso inconscientemente os alertava de que ali estava de
novo aquele chato bem conhecido, ‘o jornalista’, a cabeça prosaica, o espírito fleumático, a
personalidade apagada” (WOLFE, 2005, p.32). Em sua obra, o escritor explica como se
aproveitou das técnicas da literatura para fisgar a atenção do leitor de jornal:

O que me interessava não era simplesmente a descoberta da possibilidade de


escrever não-ficção apurada com técnicas em geral associadas ao romance e
ao conto. Era isso – e mais. Era a descoberta de que é possível na não-ficção,
no jornalismo, usar qualquer recurso literário, dos dialogismos tradicionais
do ensaio ao fluxo de consciência, e usar muitos tipos diferentes ao mesmo
tempo, ou dentro de um espaço relativamente curto... para excitar tanto
intelectual como emocionalmente o leitor. (WOLFE, 2005, p.28).

O jornalismo literário outorgou fama e reconhecimento a alguns escritores, como


Truman Capote, Tom Wolfe, Gay Talese, Norman Mailer, Joseph Mitchel, John Hersey,
Euclides da Cunha, Eliane Brum e Roberto Freire. Nem todos concordam com o nome
“Jornalismo Literário”. Brum receia que o adjetivo provoque distorções de sentido no
substantivo:

Por um lado, acho curiosa a necessidade de atribuir ao texto jornalístico


qualidades “literárias”, como se, ao deparar com um bom texto jornalístico,
fosse preciso “promovê-lo” a algo mais elevado. Por outro, ao classificarmos
um texto como literário podemos induzir à interpretação de que os detalhes
da narrativa são ficcionais – resultado da imaginação e não de uma apuração
exaustiva. Ou seja: me parece que ao colar o adjetivo “literário”, de um ou
outro modo, enfraquecemos o conteúdo do substantivo “Jornalismo”. Em
resumo: acho que é um dos muitos casos em que o adjetivo não acrescenta,
só reduz. (BRUM, 2006).

Literatura de não ficção, Jornalismo narrativo e outras expressões substituem


Jornalismo Literário em algumas referências. Polêmicas à parte, adotamos neste trabalho o
termo encontrado com maior frequência: Jornalismo Literário, sem a pretensão de reduzir ou
ampliar o Jornalismo.
Desvelando esses jornalistas que almejam ultrapassar o jornalismo comum,
encontramos o livro-reportagem “O Olho da Rua”, da repórter Eliane Brum, que traz uma
promessa na capa: “uma repórter em busca da literatura da vida real”. Na apresentação da
obra, a autora afirma que seu ofício é “encontrar o que torna a vida possível apesar de tudo, a
45

delicadeza na brutalidade do cotidiano, a vida na morte” (BRUM, 2008, p.13-14), e explica


sua maneira de fazer jornalismo:

Eu acredito na reportagem como documento da história contemporânea,


como vida contada, como testemunho. Exerço o jornalismo sentindo em
cada vértebra o peso da responsabilidade de registrar a história do presente, a
história acontecendo. Por isso, exerço com rigor, em busca da precisão e
com respeito à palavra exata. Mas também com a certeza de que a realidade
é complexa e composta não apenas de palavras. É feita de texturas, cheiros,
nuances e silêncios. (BRUM, 2008, p.14).

O jornalismo literário é uma forma especializada de se fazer jornalismo que agrada aos
escritores de livros-reportagens. Esse gênero jornalístico rompe os limites do jornalismo
diário e mergulha profundamente em fatos, personagens e situações, por vezes, com
abordagens criativas e originais (BELO, 2006). Conforme Lima (1995), “o livro-reportagem é
o veículo de comunicação impressa não-periódico que apresenta reportagens em grau de
amplitude superior ao tratamento costumeiro nos meios de comunicação jornalística
periódicos”.
O livro-reportagem é, ao mesmo tempo, uma reportagem grande e uma grande
reportagem. Como reportagem grande, precisa fisgar o leitor nas primeiras linhas e fidelizá-lo
até a página final, tarefa árdua para jornalistas padronizados, mas que os escritores de
literatura tiram de letra. Como grande reportagem, precisa ser profunda como almeja o
jornalismo literário. Assim, a ousadia em misturar jornalismo e literatura tem sido bem
sucedida. Nosso livro-reportagem é composto por quatro reportagens, escritas na forma do
gênero jornalístico-literário perfil, sobre o qual falaremos a seguir.

3.1.1 Perfis

Nenhuma história prescinde de personagens e há sempre um momento na narrativa em


que se interrompe a ação para que se faça a descrição deles. É o que afirmam Muniz Sodré e
Maria Helena Ferrari, no livro Técnica de reportagem – notas sobre a narrativa jornalística.
E há um tipo de texto jornalístico em que o foco é o personagem, do anônimo à celebridade: o
perfil.
O perfil caracteriza-se pela linguagem narrativa, em que se conta uma história sob a
ótica de um personagem humanizado em um determinado contexto. É uma narração
biográfica sem ser uma biografia. O produto que propomos é o que Edvaldo Pereira Lima
(1995, p. 45) classifica como livro-reportagem-perfil, “obra que procura evidenciar o lado
46

humano de uma personagem pública ou de uma personagem anônima que, por algum motivo,
torna-se de interesse”. O autor comenta que, no segundo caso, as características e
circunstâncias de vida fazem com que a pessoa represente um determinado grupo social e
personifique a realidade desse grupo. É o que ocorre em Memórias de Mulheres: perfis
biográficos de femininos múltiplos.
No perfil humanizado escrito para livro-reportagem, a entrevista tem a possibilidade
de alcançar dimensão superior ao que é praticado nos veículos periódicos, espacialmente
limitados. Ainda que exista a pauta, é possível abandoná-la em algum momento em prol da
empatia com o entrevistado e da emoção. Contar histórias de vida em um livro-reportagem é
tarefa que pode ser feita na forma de diálogo entre entrevistador e entrevistado, ou de
depoimento direto, ou de uma mescla em que se combinam primeira e terceira pessoas, como
estamos fazendo em nossa obra. As entrevistas biográficas resgatam a oralidade e contribuem
para reproduzir idiossincrasias de algumas culturas e relações sociais (LIMA, 1995).
A produção de um perfil requer a interação com o personagem, a pesquisa sobre seu
contexto sociocultural e movimento pelo lugar do perfilado. Observa-se sua linguagem verbal
e não verbal e examinam-se suas reflexões. A principal regra é humanizar, evitando-se os
pensamentos binários, como “santo ou demônio”, “algoz ou vítima”. Entrar no mundo do
personagem sem hipóteses nem preconceitos. Privilegiar a expressão, não os dados. Jamais
idealizar (informação verbal)8.
Sergio Vilas Boas, no livro Perfis e como escrevê-los, alerta sobre a falta de perfis no
jornalismo contemporâneo e faz uma crítica ao modelo vigente: “Os raros perfis que tenho
visto em publicações nacionais representam uma quase-negação dos valores humanistas que
pautavam as reportagens de quarenta anos atrás. O que aparece nas revistas de hoje são
sutilezas do encontro, a pessoa por trás do mito ou a capacidade de observação do autor.”
(VILAS BOAS, 2003, p. 28).
Na obra Gêneros jornalísticos no Brasil, organizada por José Marques de Melo e
Francisco de Assis e publicada em 2010, o perfil é classificado como um gênero
interpretativo, pois a apresentação descritiva do personagem possibilita a interpretação de seu
comportamento diante da sociedade (COSTA; LUCHT, 2010). Em nosso livro Memórias de
Mulheres, os perfis que estão sendo construídos são do tipo “personagem-indivíduo”, em que
“o retrato é mais psicológico do que referencial – o interesse recai sobre a atitude do

8
Informações fornecidas pela professora Ana Cristina Menegotto Spannenberg, na oficina A arte de contar
histórias na produção de perfis, na III Semana de Comunicação (III SEMACOM), promovida pelo curso de
Comunicação Social: habilitação em Jornalismo da UFU (Uberlândia), em 28 de janeiro de 2014.
47

entrevistado diante da vida, seu comportamento, a peculiaridade de seu modo de atuação”


(SODRÉ; FERRARI, 1986, p. 134). Nesse caso, o narrador confere um caráter de
imprevisibilidade à narrativa.
Entendemos que um bom perfil requer uma apuração aprofundada. Por isso, tomamos
emprestado dos historiadores uma proposta metodológica coerente com nossos objetivos: a
história oral, sobre a qual discorremos na sequência deste texto.

3.2 História oral

A história oral “é uma história construída em torno de pessoas. Ela lança a vida para
dentro da própria história e isso alarga seu campo de ação. Admite heróis vindos não só dentre
os líderes, mas dentre a maioria desconhecida do povo” (THOMPSON, 1992, p. 44). Essa
metodologia é adequada aos nossos objetivos, uma vez que propicia o trabalho com a
memória e foco no sujeito, fundamentais para a construção dos perfis de femininos múltiplos.

Com o uso da entrevista, é possível agora desenvolver uma história muito


mais completa da família através dos últimos noventa anos, e estabelecer
seus padrões e mudanças principais no correr do tempo, de lugar para lugar,
durante o ciclo de vida e entre os sexos. Pela primeira vez, torna-se viável a
história da infância como um todo. E, dada a predominância da família na
vida de muitas mulheres, pelo trabalho em casa, pelo serviço doméstico e
pela maternidade, verifica-se um alargamento quase equivalente do campo
de ação da história da mulher. (THOMPSON, 1992, p. 28).

A história oral, segundo Michael Pollak, evidencia uma memória coletiva subterrânea
da sociedade civil dominada, que se distingue de uma memória coletiva organizada imposta
por uma sociedade majoritária ou pelo Estado:

Ao privilegiar a análise dos excluídos, dos marginalizados e das minorias, a


história oral ressaltou a importância de memórias subterrâneas que, como
parte integrante das culturas minoritárias e dominadas, se opõem à
"Memória oficial", no caso a memória nacional. Num primeiro momento,
essa abordagem faz da empatia com os grupos dominados estudados uma
regra metodológica e reabilita a periferia e a marginalidade. Ao contrário de
Maurice Halbwachs, ela acentua o caráter destruidor, uniformizador e
opressor da memória coletiva nacional. Por outro lado, essas memórias
subterrâneas que prosseguem seu trabalho de subversão no silêncio e de
maneira quase imperceptível afloram em momentos de crise em sobressaltos
bruscos e exacerbados. A memória entra em disputa. Os objetos de pesquisa
são escolhidos de preferência onde existe conflito e competição entre
memórias concorrentes. (POLLAK, 1989, p. 2).
48

Karam (199-) propõe uma abordagem jornalística da memória coletiva. “De acordo
com Halbwachs, a memória coletiva supõe uma multiplicidade de tempos coletivos, à medida
em que grupos separados ou culturas específicas contêm um ritmo e espacialidade próprios,
particulares” (KARAM, 199-, p. 5). O jornalismo, contudo, busca a memória do presente:

Segundo Halbwachs, o passado é aquele lugar onde o pensamento dos


grupos atuais já não mais se estende. É o lugar onde é preciso ir buscar
informações. Ora, isto vale também para o presente, à medida em que o
limite dos testemunhos diretos e cotidianos, por um indivíduo, é bastante
nítido. Isso envolve as histórias que nos contam no trabalho, em casa, nas
ruas. Não testemunhamos tudo, mas o conjunto de testemunhos forma
também a memória coletiva. A multiplicidade de memórias coletivas e
testemunhos dão uma certa duração coletiva aos eventos sociais,
compartilhados mesmo por quem não os vivenciou imediatamente.
(KARAM, 199-, p. 7).

Sabemos que, para os historiadores, a história oral requer uma série de procedimentos
que devem ser rigorosamente seguidos para que se reconstitua o passado por meio da
oralidade. Para nós jornalistas, contudo, a história oral convém como metodologia que
permite contar uma história do tempo presente, combinada com critérios editoriais. Thompson
(1992, p. 104) cita os jornalistas, os sociólogos e os antropólogos como estudiosos que
adotam a história oral e afirma: “todos eles podem estar escrevendo história; e, sem dúvida,
estão provendo à história”. O autor cita um tipo de obra jornalística, a biografia, que faz essa
apropriação metodológica: “a utilização da evidência oral continuou a ser, naturalmente, um
método tido por certo. A popularidade cada vez maior das memórias trouxe interessantes
ampliações de seu campo de ação” (THOMPSON, 1992, p. 59). A história das mulheres
também é lembrada pelo autor como assunto pouco explorado pela história documental e
caracterizada como tema a ser desvelado pela história oral:

Também neste caso é enorme o potencial da evidência oral, e suas


possibilidades mal começam a ser exploradas. Até bem pouco tempo, a
história das mulheres foi ignorada pelos historiadores, em parte porque a
vida delas, ligada ao lar ou ao trabalho desorganizado ou temporário, muito
frequentemente transcorreu sem ser documentada. [...] Mas como
demonstram certos ensaios como Our Work, Our Lives, Our Words, ou
textos de Anna Bravo sobre a solidariedade e a solidão entre mulheres
camponesas, essa nova história também põe em xeque pressupostos básicos
sobre estrutura social e desigualdade, a “natureza” de homens e mulheres, as
raízes do poder entre eles, e a modelação da consciência tanto pelo lar como
pelo trabalho. Certamente, muito mais está por vir. (THOMPSON, 1992, p.
134).
49

Fizemos, também, a opção editorial de trabalhar com a história oral narrada por cada
mulher perfilada, sem depoimentos complementares de outras fontes que pudessem narrar e
descrever a protagonista de cada história (apenas no primeiro perfil, a filha de Zélia nos
auxiliou a entender a linha cronológica de alguns acontecimentos, pois a mãe tem lapsos
como sequelas do acidente vascular cerebral; um comentário que essa filha fez durante a
entrevista foi registrado na narrativa). Segundo Maurice Halbwachs (1990, p. 27), “para
confirmar ou recordar uma lembrança, as testemunhas, no sentido comum do termo, isto é,
indivíduos presentes sob uma forma material e sensível, não são necessárias”. Além disso,
para o autor, a memória individual não é inteiramente isolada:

Um homem, para evocar seu próprio passado, tem freqüentemente


necessidade de fazer apelo às lembranças dos outros. Ele se reporta a pontos
de referência que existem fora dele, e que são fixados pela sociedade. Mais
ainda, o funcionamento da memória individual não é possível sem esses
instrumentos que são as palavras e as idéias, que o indivíduo não inventou e
que emprestou de seu meio. (HALBWACHS, 1990, p. 54)

Assim, fizemos a opção pela história oral, na produção do livro Memórias de


Mulheres, para o trabalho com a memória de nossas fontes, a fim de privilegiar o relato delas
e narrar histórias de vida a partir da ótica de suas protagonistas.

3.3 Relato do desenvolvimento do trabalho

O advento de um estudo é a dúvida que o motiva: como o protagonismo feminino se


constrói ao longo da história? O livro Memórias de Mulheres nasceu desse problema. A obra
teria outro nome, Subversões, porque buscávamos o inusitado, as mulheres que fugiam a uma
suposta regra, ao escrever suas próprias histórias na contramão de valores machistas e
patriarcais.
A partir dessa questão norteadora e de algumas inquietações resultantes da própria
vivência, iniciamos uma revisão bibliográfica sobre gênero, feminino, feminismo, história das
mulheres e sua relação com a educação, a comunicação e as tecnologias. Além da pesquisa
em materiais impressos e digitais, a frequência como aluna ouvinte na disciplina Imprensa,
Gênero e Educação e a participação no Núcleo de Estudos de Gênero, Violência e Mulheres
(Neguem/UFU) proporcionaram uma formação importante nessa área de estudos. Foram
estudos tão significativos que, em conjunto com o processo de apuração jornalística, nos
fizeram rever alguns conceitos, especialmente no que se refere a subversões e a femininos
50

múltiplos, e resultou na publicação e apresentação de alguns trabalhos em periódicos e


eventos9. Paralelamente, por meio das disciplinas cursadas no mestrado, estudamos
fundamentos epistemológicos e teóricos e relacionamos este trabalho ao materialismo
histórico e aos estudos culturais britânicos. A seleção e a relação entre esses conteúdos foi
apresentada no capítulo 2.
Na sequência, definimos quais seriam as nossas fontes. Estávamos em busca de
mulheres que subvertiam a hierarquia de gênero, a ordem machista e patriarcal, muitas vezes
misógina, que estabelece às mulheres padrões de comportamento discutidos anteriormente
neste texto: delicadeza, beleza, casamento, maternidade, submissão e outros. A informação
que buscávamos estaria com elas, as nossas fontes, escolhidas com base em critérios editoriais
que talvez destoem do engessamento científico, mas que são cotidianos para os jornalistas: a
observação atenta das pessoas, de forma rotineira, em qualquer saída pela cidade; o
questionamento à rede de contatos: “você conhece alguém que...?”; a pesquisa na internet
com foco em um tema e outros. Foi desse modo que chegamos a quatro mulheres que se
relacionavam, de alguma forma, ao nosso tema. E assim as conheci:

a) Zélia: Cinco anos atrás, meu marido chegou em casa admirado, contando que havia
parado numa borracharia para consertar o pneu de sua moto e, para sua surpresa, quem
fez o serviço foi uma mulher, que trabalhava com duas filhas. Ele me contou o que
havia conversado com ela durante os minutos em que aguardou o conserto e pensamos
que era uma história interessante: borracheira, havia trabalhado a vida toda em
serviços tipicamente masculinos e criado as filhas sozinha. Cheguei a dizer a ele que,
quando eu fosse jornalista, a procuraria. Dias depois, passamos na borracharia e eu a
conheci, mas ela estava ocupada e conversamos pouco. Quando comecei este projeto,
Zélia foi a primeira lembrança que me veio. Voltei à borracharia, mas ela não estava
mais lá. Havia se mudado da casa e o ponto estava fechado. Falei com um rapaz que
entrava no comércio ao lado e ele me disse que um conhecido dele sabia onde Zélia
estava morando. Ele me passou o seu telefone e, na segunda vez em que liguei, ele
havia conseguido o endereço – não preciso, mas as coordenadas e as características do
local. Com a ajuda de meu marido, que conhecia o bairro, encontrei a casa de Zélia,
apresentei minha ideia e ela aceitou gravar as entrevistas.

9
Disponíveis em CD que acompanha este trabalho.
51

b) Bruna: Em 2013, ano em que ingressei no mestrado, foi realizada a primeira Marcha
das Vadias de Uberlândia. Não fui à manifestação, mas acompanhei as informações
pelas redes sociais e pela mídia. Refletindo sobre a trajetória do movimento feminista,
as bandeiras levantadas ao longo de cada época e o contexto atual envolvendo as
mulheres, formulei a hipótese de que a grande causa do feminismo contemporâneo é a
luta pelo direito ao corpo (não à violência, especialmente doméstica; não à
responsabilização da vítima em casos de estupro; garantia de vestir-se e comportar-se
conforme as próprias escolhas e não seguindo valores moralistas; aborto etc.). O perfil
de uma mulher que se autointitulasse “vadia” e militasse por essas causas convergia
com meu projeto, de modo que entrei em contato com uma das militantes que eu
conhecia, do curso de Jornalismo, apresentei brevemente a pauta e pedi que me
indicasse alguns contatos. Ela me passou as redes sociais de duas moças: a primeira
não me deu retorno; a segunda era Bruna, que disse sim à proposta de ter suas
memórias contadas no livro-reportagem.10

c) Beatriz: Há 12 anos, eu me mudei para uma república de meninas que vinham de


outras cidades para estudar e trabalhar em Uberlândia. Uma delas, grande amiga,
falava sempre da professora Beatriz, do curso de Geografia, que também era sua
orientadora. Contava que ela namorava há 20 anos, na época, com o mesmo homem,
mas que ela nunca quis se casar nem ter filhos. E que era uma professora especial na
maneira de envolver os alunos na vida acadêmica. Considerando tudo o que eu havia
estudado e refletido sobre esses dois grandes dogmas femininos histórica e
culturalmente construídos, o matrimônio e a maternidade, pensei em Beatriz como
fonte. Minha amiga me passou o telefone dela e, na primeira ligação, obtive o seu sim.

d) Carol: A colaboradora do meu projeto, Letícia França, que fez as fotografias do livro,
comentou durante uma de nossas apurações que conheceu uma sacerdotisa Wicca

10
A pesquisa sobre a Marcha das Vadias resultou em um artigo publicado em anais de evento e em um capítulo
de livro, conforme as referências:
ALMEIDA, Diélen dos Reis Borges; SPANNENBERG, Ana Cristina Menegotto. O discurso de internautas em
comentários sobre a Marcha das Vadias em Uberlândia. In: Pensacom Brasil 2014: XVIII Colóquio Internacional
da Escola Latino-Americana de Comunicação, I Fórum Brasileiro das Tendências da Pesquisa em Comunicação,
2014, São Paulo - SP. Anais... São Paulo - SP: Intercom, 2014. Disponível em <http://www2.metodista.br/
unesco/pensacom2014/arquivos/Trabalhos/Di%C3%A9len%20e%20Ana_O%20discurso%20de%20internautas
%20em%20coment%C3%A1rios.pdf >. Acesso em 20 jan. 2015.
______. O discurso dos internautas em comentários sobre a Marcha das Vadias em Uberlândia. In: REINO,
Lucas Santiago Arraes; BUENO, Thaísa. (Org.). Comentários na internet. Imperatriz: Edufma, 2014, p. 93-
107. Disponível em <http://gmidia.ufma.br/?page_id=630>. Acesso em 20 jan. 2015.
52

durante um trabalho que fizera no curso de Jornalismo. Pensei que a liderança


religiosa, nas mais diferentes denominações, lugares e épocas, é predominante
masculina, de modo que uma sacerdotisa seria uma subversiva. Letícia me passou o
contato da rede social dessa sacerdotisa, mas, quando a procurei, ela me disse que
estava morando na França e retornaria ao Brasil somente no meio do ano de 2015.
Veio o dilema: para a proposta que eu estava desenvolvendo, o encontro era
imprescindível, de modo que a hipótese de fazer as entrevistas à distância estava
descartada; por outro lado, era um perfil muito peculiar que enriqueceria bastante o
livro. Decidi, então, pedir à sacerdotisa que estava na França que me indicasse outra,
que poderia me conceder a entrevista. Ela me passou o telefone de Carol, sacerdotisa
filha da Deusa Afrodite, eu liguei e ela aceitou o convite para contar suas memórias.

A princípio, o projeto previa que seriam cinco perfis e tínhamos, inclusive, o quinto
contato: Norma, uma mulher evangélica, que não se casou nem teve filhos, negra, servidora
pública municipal e com grande engajamento político. Entretanto, devido às limitações do
tempo em que deveria ser concluído o trabalho de mestrado para submissão à banca
examinadora, não fizemos o perfil de Norma para inclusão no livro. Pretendemos, porém,
ainda fazer esse e outros perfis, como falaremos mais adiante nas considerações finais.
Definidas as fontes, procedemos à apuração. Foram três encontros com Zélia (um de
apresentação da proposta e dois com gravação de entrevista); quatro encontros com Bruna
(dois com gravação de entrevista, um de participação na reunião da Marcha das Vadias e um
durante um evento acadêmico); dois encontros com Beatriz (ambos com gravação de
entrevistas) e três encontros com Carol (dois com gravação de entrevista e um de participação
no Ritual de Lua Nova). Fizemos cada perfil de uma vez, seguindo a sequência: contato e
convite, elaboração do primeiro roteiro de entrevista, primeiro encontro com a fonte,
transcrição da primeira entrevista, análise das informações apuradas, elaboração do segundo
roteiro de entrevista, transcrição da segunda entrevista, análise das informações apuradas,
novos encontros (conforme a necessidade) e redação do perfil. Nessas fases, utilizamos
métodos e técnicas da história oral e do jornalismo literário, conforme apresentado
anteriormente.
Pensamos na necessidade de se fazer o registro fotográfico das entrevistas e/ou de
momentos como a segunda Marcha das Vadias (que estava marcada para agosto de 2014, mas
foi cancelada) e o Ritual de Lua Nova. Todavia, é difícil para o jornalista fazer a entrevista e,
ao mesmo tempo, fotografar o entrevistado, pois as duas atividades ficam prejudicadas. Por
53

isso, pedimos ao professor de Fotojornalismo do curso de Comunicação Social: habilitação


em Jornalismo (Faced/UFU), Gerson de Sousa, que nos indicasse um estudante para ser
colaborador do projeto, fazendo as fotografias. Ele nos indicou a aluna Letícia França, ela
aceitou o convite e fotografou as quatro entrevistadas.
Com as histórias apuradas e os textos em processo de construção, paralelamente aos
estudos teóricos que vínhamos fazendo e especialmente às reflexões apresentadas pela banca
de qualificação, percebemos que as histórias das mulheres extrapolavam a ideia de subversão.
Eram mais do que isso. Na verdade, estávamos diante de memórias de mulheres muito
diversas que constituíam femininos múltiplos. É certo que há pontos de convergência entre
elas, mas que não configuram nem um padrão a ser seguido nem a ser subvertido. Elas são
várias. A partir desse momento, começamos a enxergar o fio condutor entre as histórias, a
multiplicidade do feminino, e eu mesma me permiti uma inclusão mais profunda nos perfis
relatados, construindo uma autonarrativa entrelaçada às outras quatro narrativas. Subversões
era um bom nome, mas já não correspondia à obra. Mudamos para Memórias de Mulheres,
que contemplava toda essa pluralidade.
Com os textos prontos, redigidos e revisados, selecionamos as fotografias e
encaminhamos o material para a construção do projeto gráfico e a diagramação, que ficaram a
cargo da jornalista contratada Elisa Chueiri. Depois de aprovado, o arquivo do livro
diagramado foi impresso em gráfica rápida e encadernado com espiral. Não foi feita a
encadernação característica de livro neste momento, pois seriam impressas apenas cinco
cópias, para apresentação à banca examinadora, e as gráficas não fazem uma quantidade tão
pequena ou, se a fazem, cobram um valor muito alto. Consideramos que a banca fará
correções, sugestões e outros apontamentos que enriquecerão a obra, de modo que, após a
avaliação, o livro será revisto e poderá ser alterado. Além disso, depois da defesa do trabalho
será feita a inclusão da ficha catalográfica. Então, a obra estará definitivamente pronta para
publicação.

3.4 Exequibilidade e aplicabilidade

Este trabalho foi executado ao longo de dois anos: no primeiro, concentramo-nos em


estudar o tema, concomitantemente com o cumprimento dos créditos do curso de mestrado;
no segundo, a prioridade foi a produção do livro-reportagem, embora tenhamos dado
continuidade às leituras e reflexões. Percebemos que os primeiros perfis exigiram mais tempo
54

para apuração e redação e, à medida que ganhamos maior experiência e familiaridade com o
tema, o trabalho jornalístico passou a ser feito com maior facilidade e em menos tempo.
Além do texto que compõe o livro-reportagem Memórias de Mulheres, que configura
o produto desenvolvido e apresentado ao programa de pós-graduação, havíamos projetado a
construção da obra esteticamente, com fotografias e diagramação – que, para além da estética,
também conferem significados ao livro. Uma vez que a contratação de todos os profissionais e
serviços demandaria um investimento alto e que cabe ao próprio estudante de pós-graduação o
custeio de seu trabalho, optamos por contratar apenas o serviço de diagramação – pelo qual
foram cobrados R$ 800,00 – e contar com a colaboração voluntária da estudante Letícia
França, do curso de Comunicação Social: habilitação em Jornalismo (Faced/UFU), para o
serviço de fotografias. Participamos, com Letícia e Elisa, da construção de ideias que
resultaram na parte visual da obra.
Quanto à impressão do livro, se fôssemos fazer uma impressão padrão desse tipo de
publicação, teríamos que encomendar a quantidade mínima de 100 cópias para que alguma
gráfica aceitasse o pedido. Consideramos essa possibilidade inviável porque custaria alguns
milhares de reais e, ainda, por supormos que a banca examinadora apresentará considerações
sobre a obra que podem implicar alterações no seu conteúdo. Assim, fizemos apenas cinco
cópias para a submissão à banca, em gráfica rápida e com encadernação em espiral, a fim de
baratear os custos de impressão, que totalizaram R$ 150,00.
Após a defesa do produto, nossa perspectiva é de publicar a obra, com grandes
quantidades de exemplares, por meio de algum edital de apoio cultural; financiamento
coletivo, como o Catarse (http://catarse.me/); ou premiações que ofereçam a publicação, como
o Prêmio Autêntica de Livro-Reportagem (http://grupoautentica.com.br/premio-autentica-de-
livro-reportagem) e a seleção para a Coleção Jornalismo Literário da Editora Zouk
(http://brasileiros.com.br/2014/12/colecao-de-jornalismo-literario-seleciona-escritores/).
55

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

As páginas derradeiras deste trabalho nos trazem memórias, reflexões e preocupações.


Fosse este um estudo das ciências exatas, teríamos meia dúzia de linhas apresentando a
conclusão da pesquisa. Objetiva, certeira e sintética. Mas o assunto aqui é gênero, memória,
histórias de mulheres... É fluido demais. O que foi que apuramos? Voltemos ao nosso
problema inicial: como o protagonismo feminino se constrói ao longo da história? De que
modo a mulher escreve sua própria história, em um contexto rançoso de valores machistas e
patriarcais?
O mesmo discurso hegemônico eurocêntrico que colocou no proscênio da história da
humanidade o homem branco ocidental forjou um conceito de feminino subalterno ao
masculino e fabricou uma hierarquia de gênero útil à configuração social e política tecida ao
longo dos séculos. As mulheres, contudo e obviamente, também têm uma história. Ainda que
o machismo, o patriarcado e a misoginia tenham perpassado as mais diferentes épocas e
geografias, as protagonistas das memórias de mulheres são elas próprias, que construíram seu
feminino, cada qual, à sua maneira e conforme seus contextos de existência.
Fizemos, neste trabalho, um recorte espaço-temporal que contemplou quatro (ou
cinco, comigo, a narradora) mulheres de Uberlândia que, em 2014, narraram suas memórias –
lembranças que iam de vinte a sessenta anos. Múltiplas que são, apresentaram traços
convergentes e divergentes. Em comum, notamos, por exemplo, a necessidade de, em
algum(ns) momento(s) de suas vidas, romper com determinada ordem: Zélia deixou a família
e o marido para escapar da violência e da humilhação; Bruna afastou-se do pai para libertar-se
de uma ideologia machista e também violenta que chocava com a dela; Beatriz terminou um
noivado, recusou o casamento e priorizou uma vida em busca do conhecimento; Carol deixou
o esposo em prol do sacerdócio. São memórias de mulheres imersas numa contemporaneidade
que ainda lida de modo problemático com o gênero, essa fosca categoria de análise. Memórias
de um “ser mulher” complexo, disperso, difuso. Múltiplo.
A partir desse estudo, percebemos que uma definição sobre o “ser mulher” seria uma
falácia, uma generalização estabelecida a partir de uma visão binária sobre feminino e
masculino que, na verdade, refutamos. Afinal, o feminino é múltiplo e o gênero é plural. Já
não falamos que “a mulher isso ou aquilo”, mas sim, falamos de mulheres, com a flexão de
número, a fim de contemplar a complexidade.
Por ser um trabalho desenvolvido no âmbito de um mestrado profissional, pudemos
escolher entre a dissertação tradicional ou a elaboração de um produto – e decidimos pela
56

segunda opção como forma popularizar o conhecimento acadêmico, fazendo-o chegar ao


público. A dissertação iria para a gaveta e, ainda que publicada, provavelmente seria acessada
apenas por outros pesquisadores e pesquisadoras – afinal, o tema precisa desdobrar-se. O
livro, esperamos que chegue aos mais múltiplos leitores e leitoras, para que seu sentido,
enfim, se complete. Um estudo dessa natureza envolve sua pesquisadora, sua orientadora e
seus colaboradores num sentido muito além do trabalho a ser desempenhado. É uma
experiência inevitável de resgate de memórias, de análise sobre a sociedade à qual
pertencemos e de reflexão sobre si.
57

REFERÊNCIAS

ALMEIDA, Diélen dos Reis Borges. Materialismo histórico, estudos culturais e feminismo:
fundamentações para a pesquisa sobre gênero. In: Seminário Nacional de Teoria Marxista,
2014, Uberlândia-MG. Anais... Uberlândia: Pueblo Editorial, Livraria Nepri-UFU, 2014.
Disponível em <http://seminariomarx.com.br/eixo09/Materialismo%20hist%C3%B3rico%20
estudos%20culturais%20e%20feminismo.pdf>. Acesso em 20 jan. 2015.

ALMEIDA, Diélen dos Reis Borges; SPANNENBERG, Ana Cristina Menegotto. A trajetória
da mulher e as transformações na educação, na comunicação e na tecnologia. In: II Encontro
Nacional de Pesquisadores(as) em Educação e Culturas Populares, 2013, Uberlândia. Anais...
Uberlândia: UFU, 2013. Disponível em <http://enpecpop.espacohibrido.com/bib/trabalhos/
eixo3/resumo/A%20TRAJET%C3%93RIA%20DA%20MULHER%20E%20AS%20TRANS
FORMA%C3%87%C3%95ES%20NA%20EDUCA%C3%87%C3%83O_resumo.pdf>.
Acesso em 20 jan. 2015.

______. O discurso de internautas em comentários sobre a Marcha das Vadias em Uberlândia.


In: Pensacom Brasil 2014: XVIII Colóquio Internacional da Escola Latino-Americana de
Comunicação, I Fórum Brasileiro das Tendências da Pesquisa em Comunicação, 2014, São
Paulo - SP. Anais... São Paulo - SP: Intercom, 2014. Disponível em <http://www2.metodista.
br/unesco/pensacom2014/arquivos/Trabalhos/Di%C3%A9len%20e%20Ana_O%20discurso%
20de%20internautas%20em%20coment%C3%A1rios.pdf >. Acesso em 20 jan. 2015.

______. O discurso dos internautas em comentários sobre a Marcha das Vadias em


Uberlândia. In: REINO, Lucas Santiago Arraes; BUENO, Thaísa. (Org.). Comentários na
internet. Imperatriz: Edufma, 2014, p. 93-107. Disponível em
<http://gmidia.ufma.br/?page_id=630>. Acesso em 20 jan. 2015.

ALMEIDA, Diélen dos Reis Borges; SOUSA, Gerson de. Os invisíveis n’O olho da rua: o
jornalismo literário e a visibilidade midiática dos socioeconomicamente excluídos. In:
XXXVII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação, 2014, Foz do Iguaçu. Anais...
São Paulo: Intercom, 2014. Disponível em <http://www.intercom.org.br/sis/2014/resumos/
R9-1286-1.pdf >. Acesso em 20 jan. 2015.

ALTHUSSER, Louis. Ideologia e aparelhos ideológicos do Estado. Lisboa: Presença, 1974.

BEAUVOIR, Simone. O Segundo Sexo: A experiência Vivida. Rio de Janeiro: Nova


Fronteira, 1980.

BELO, Eduardo. Livro-reportagem. São Paulo: Contexto, 2006.

BRUM, Eliane. O olho da rua: uma repórter em busca da literatura da vida real. 1ª ed.
São Paulo: Globo, 2008.

______. Qual é a do jornalismo literário? Zero Hora, Porto Alegre, 28 out. 2006. Caderno
Cultura, p. 7.

BRUNSDON, Charlotte. A thief in the night: stories of feminism in the 1970s at CCCS. In:
MORLEY, David; CHEN, Kuan-Hsing. Stuart Hall: Critical dialogues in cultural studies.
London, New York: Routledge, 1996, p. 275 - 285.
58

BRUSCHINI, Cristina; AMADO, Tina. Estudos sobre mulher e educação: algumas questões
sobre o magistério. Cad. Pesq., São Paulo (64): 4-13, fev. 1988. Disponível em
<http://www.fcc.org.br/pesquisa/publicacoes/cp/arquivos/712.pdf>. Acesso em 15 jul. 2013.

BUITONI, Dulcília Helena. Mulher de Papel: a representação da mulher feminina brasileira.


São Paulo: Sumus, 2009.

BUTLER, Judith. Gender Trouble: Feminism and the Subversion of Identity. New York:
Routledge, 1990. Disponível em: <https://books.google.com.br/books?id=2S0xAAAA
QBAJ&lpg=PP1&dq=judith%20butler%20gender%20trouble&hl=pt-
BR&pg=PA2#v=onepage&q&f=false>. Acesso em 23 dez. 2014.

CLARKE, John; HALL, Stuart, JEFFERSON, Tony e ROBERTS, Brian. Subcultures,


cultures and class. In: HALL, Stuart e JEFFERSON, Tony (orgs.). Resistence through
Ritual: Youth Subcultures in Post-war Britain. London: Hutchinson/CCCS, 1975. Disponível
em <http://seminar-bg.eu/images/stories/resursi/documents/Resistance%
20through%20Rituals.pdf>. Acesso em 8 jan. 2014.

COSTA, Lailton Alves da; LUCHT, Janine Marques Passini. Gênero interpretativo. In:
MARQUES DE MELO, José; ASSIS, Francisco de (Orgs.). Gêneros jornalísticos no Brasil.
São Bernardo do Campo: Umesp, 2010. p. 109-123. Disponível em
<http://pt.scribd.com/doc/53176828/Generos-Jornalisticos>. Acesso em 29 mai. 2014.

DAGNINO, Renato. Enfoques sobre a relação Ciência, Tecnologia e Sociedade:


Neutralidade e Determinismo. Texto Mimeo. S. d.

ESCOSTEGUY, Ana C. Os estudos culturais. In: HOHLFELDT, Antonio. Teorias da


Comunicação: conceitos, escolas e tendências. São Paulo: Vozes, 2001, p. 151-170.

ENGELS, Friedrich. A origem da família, da propriedade privada e do Estado. Rio de


Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 1984.

FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão; tradução de Raquel Ramalhete.


41. ed. Petrópolis: Vozes, 2013.

GRAMSCI, Antonio. Cadernos do cárcere, v. 1 e 2. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,


1999.

GRUPPI, Luciano. O Conceito de Hegemonia em Gramsci. Ed. Graal, 1978

HALL, Stuart. Da diáspora: Identidades e mediações culturais. Belo Horizonte: Editora


UFMG; Brasília: Representação da UNESCO, 2003.

HALBWACHS, Maurice. A memória coletiva. Tradução de Laurent Leon Shaffter. São


Paulo: Vértice; Editora Revista dos Tribunais, 1990.

INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). Censo 2010:


mulheres são mais instruídas que homens e ampliam nível de ocupação. 19 dez. 2012a.
Disponível em <http://censo2010.ibge.gov.br/noticias-
59

censo?view=noticia&id=1&idnoticia=2296&t=censo-2010-mulheres-sao-mais-instruidas-
que-homens-ampliam-nivel-ocupacao>. Acesso em 20 jul. 2013.

______. Cresce a proporção de idosos na população. Disponível em


<http://teen.ibge.gov.br/mao-na-roda/idosos>. Acesso em 14 mai. 2014.

______. Estatísticas do Século XX. Disponível em <http://seculoxx.ibge.gov.br/


populacionais-sociais-politicas-e-culturais>. Acesso em 20 jul. 2013a.

______. Síntese de Indicadores Sociais 2012b. Disponível em


<ftp://ftp.ibge.gov.br/Indicadores_Sociais/Sintese_de_Indicadores_Sociais_2012/SIS_2012.p
df>. Acesso em 21 jul. 2013.

______. Séries Históricas e Estatísticas. Disponível em <http://seriesestatisticas.ibge.gov.br/>.


Acesso em 20 jul. 2013b.

INSTITUTO PRÓ-LIVRO. Retratos da Leitura no Brasil. São Paulo, 2012. Disponível em:
<http://www.prolivro.org.br/ipl/publier4.0/dados/anexos/2834_10.pdf>. Acesso: 06 jan.2013.

KARAN, Francisco José Castilhos. A Memória Coletiva de Halbwachs: uma abordagem


Jornalística. Texto apresentado originalmente no seminário sobre a Semiótica do Tempo e da
Mídia, na PUC de São Paulo. 199-.

LAURETIS, Teresa de. A tecnologia do gênero. In: HOLLANDA, Heloísa Buarque de (org.).
Tendências e impasses: o feminismo como crítica da cultura. Rio de Janeiro: Rocco, 1994.

LIMA, Edvaldo Pereira. Páginas ampliadas: o livro-reportagem como extensão do


jornalismo e da literatura. 2. ed. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 1995.

LIPOVETSKY, Gilles. A terceira mulher: permanência e revolução do feminino; tradução


de Maria Lucia Machado. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.

LOURO, Guacira Lopes. Mulheres na sala de aula. In: PRIORE, Mary Del (Org.). História
das mulheres no Brasil. 4. ed. São Paulo: Contexto, 2001. p.443-481.

MARCHA DAS VADIAS DISTRITO FEDERAL. Blog. Disponível em


<http://marchadasvadiasdf.wordpress.com>. Acesso em 10 jan. 2014.

MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. A ideologia alemã. 1946. Disponível em <http://www.


histedbr.fae.unicamp.br/acer_fontes/acer_marx/tme_03.pdf>. Acesso em 22 dez. 2013.

MESSA, Márcia Rejane. Os estudos feministas de mídia: uma trajetória anglo-americana. In:
ESCOSTEGUY, Ana Carolina D. Comunicação e gênero: a aventura da pesquisa. Porto
Alegre: EDIPUCRS, 2008, p. 38-60.

OSÓRIO, Andréa. Bruxas modernas na rede virtual: a Internet como espaço de


sociabilidade e disputas entre praticantes de wicca no Brasil. Sociedade e Cultura, v. 8, n. 1,
jan./jun. 2005, p. 127-139. Disponível em
<https://www.revistas.ufg.br/index.php/fchf/article/download/1000/1199>. Acesso em 25
mai. 2014.
60

PENA, Felipe. Jornalismo Literário. São Paulo: Contexto, 2006.

PERROT, Michelle. Escrever uma história das mulheres: relato de uma experiência. In.:
Cadernos Pagu, n. 4, 1995. p. 9-28. Disponível em <http://www.ieg.ufsc.br/admin/
downloads/artigos/Pagu/1995(4)/Perrot.pdf>. Acesso em 21 jul. 2013.

______. Minha história das mulheres. São Paulo: Contexto, 2007.

POLLAK, Michael. Memória, esquecimento, silêncio. In: Estudos Históricos, Rio de


Janeiro, vol. 2, n. 3, 1989, p. 3-15.

REED, Evelyn. Sexo contra sexo ou classe contra classe. São Paulo: Proposta Editorial,
2008.

SAFFIOTI, Heleieth. A mulher na sociedade de classe: mito e realidade. São Paulo:


Expressão Popular, 2013. 528 p.

SANT'ANNA, Affonso Romano de. Intervalo amoroso e outras poesias. Porto Alegre :
L&PM, 2001. Col. L&PM Pocket.

SANTOS, Boaventura de Sousa. Tudo que é sólido se desfaz no ar: o marxismo também? In:
Pela mão de Alice: o social e o político na pós-modernidade. São Paulo: Cortez, 2005, p. 23 -
49.

SCOTT, Joan W. Os usos e abusos do gênero. Projeto História, São Paulo, n. 45, p. 327-351,
dez. 2012.

SODRÉ, Muniz; FERRARI, Maria Helena. Técnicas de reportagem: notas sobre a narrativa
jornalística. São Paulo: Summus, 1986. 141 p. Disponível em
<http://books.google.com.br/books?id=mcIWkbm98K4C&lpg=PA2&ots=2Xu-
0oKIvv&dq=Muniz%20Sodr%C3%A9%20e%20Maria%20Helena%20Ferrari%2C%20no%2
0livro%20T%C3%A9cnica%20de%20reportagem%20%E2%80%93%20notas%20sobre%20
a%20narrativa%20jornal%C3%ADstica&hl=pt-BR&pg=PA2#v=onepage&q&f=false>.
Acesso em 25 mai. 2014.

SPANNENBERG, Ana Cristina Menegotto. A arte de contar histórias na produção de


perfis. Uberlândia, 28 de janeiro de 2014. Oficina ministrada na III Semana de Comunicação
(SEMACOM), promovida pelo curso de Comunicação Social: habilitação em Jornalismo da
UFU.

SILVA, Elizabeth Bortolaia. Tecnologia e vida doméstica nos lares. In: Cadernos Pagu, n.
10, 1998, p. 21-52. Disponível em <http://www.bibliotecadigital.unicamp.br/document/?
code=51174&opt=4>. Acesso em 21 jul. 2013.

______. Teorias sobre trabalho e tecnologias domésticas. Implicações para o Brasil. In:
Instituto de Geociências. Universidade Estadual de Campinas. 18 set. 2003. Disponível em
<http://www.ige.unicamp.br/site/htm/02_04_05.php?f=7>. Acesso em 20 jul. 2013.
61

TEMER, Ana Carolina Rocha Pessoa; NERY, Vanda Cunha Albieri. Para entender as
teorias da comunicação. Uberlândia: Edufu, 2009.

THOMPSON, Paul. A voz do passado: história oral. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992.

VILAS BOAS, Sergio. Perfis e como escrevê-los. São Paulo: Summus, 2003. 162 p.

WOLFE, Tom. Radical chique o Novo Jornalismo. São Paulo: Jornalismo Literário:
Companhia das Letras, 2005.
62

APÊNDICE A - TRANSCRIÇÕES DAS ENTREVISTAS COM ZÉLIA

Disponível em CD que acompanha este trabalho.


63

APÊNDICE B - TRANSCRIÇÕES DAS ENTREVISTAS COM BRUNA

Disponível em CD que acompanha este trabalho.


64

APÊNDICE C - TRANSCRIÇÕES DAS ENTREVISTAS COM BEATRIZ

Disponível em CD que acompanha este trabalho.


65

APÊNDICE D - TRANSCRIÇÕES DAS ENTREVISTAS COM CAROL

Disponível em CD que acompanha este trabalho.


66

ANEXO A - TERMO DE AUTORIZAÇÃO DE USO DE IMAGEM E DEPOIMENTOS


DE ZÉLIA11

11
Nos termos de autorização, o título do trabalho aparece como Subversões: histórias de mulheres que
protagonizam a própria vida porque esse foi o primeiro nome que escolhemos e, inclusive, apresentamos à
banca de qualificação, como foi anteriormente explicado neste relatório.
67

ANEXO B - TERMO DE AUTORIZAÇÃO DE USO DE IMAGEM E DEPOIMENTOS


DE BRUNA
68

ANEXO C - TERMO DE AUTORIZAÇÃO DE USO DE IMAGEM E DEPOIMENTOS


DE BEATRIZ
69

ANEXO D - TERMO DE AUTORIZAÇÃO DE USO DE IMAGEM E DEPOIMENTOS


DE CAROL

Você também pode gostar