Bagno e Deoclécio - Estandardização e Estandardologia
Bagno e Deoclécio - Estandardização e Estandardologia
Bagno e Deoclécio - Estandardização e Estandardologia
46422
Estandardização e estandardologia:
notas sobre a norma linguística
Resumo
Abordamos inicialmente, neste artigo, a questão da
norma linguística num viés mais amplo e propositivo,
apresentando reflexões e um conjunto de 15 linhas de
trabalho que constituem as possibilidades, a análise
e as ações sobre a estandardização linguística. Na
sequência, desdobramos, a modo de introdução, a
abordagem da estandardologia comparada que, além
de reunir as contribuições das diversas correntes
da Sociolinguística, é uma aposta para enriquecer
o debate que se faz atualmente sobre a elaboração
de uma nova norma de referência para o português
brasileiro. Também apresentamos um importante
referencial teórico e bibliográfico, entre autores
nacionais e estrangeiros que têm atuado de forma
determinante no exame e na discussão da norma, seja
em sentido lato, o da normalidade dos usos da língua,
seja em sentido estrito, o da elaboração, codificação
e implementação de uma norma tida como padrão/
estândar/de referência.
Palavras-chave: Norma linguística.
Norma-padrão. Estandardologia comparada.
Sociolinguística.
Recebido em: 02/10/2020
Aceito em: 11/11/2020
a
Instituto Federal do Espírito Santo, campus Vitória, Vitória, ES, Brasil. E-mail: [email protected]
b
Universidade de Brasília, Instituto de Letras, Brasília, DF, Brasil. E-mail: [email protected]
Como citar:
Deoclécio, C. E.; Marcos Bagno, M. Estandardização e estandardologia: notas sobre a norma linguística.
Gragoatá, Niterói, v.26, n.54, p. 139-162, 2021. <https://doi.org/10.22409/gragoata.v26i54.46422>
139
Carlos Eduardo Deoclécio e Marcos Bagno
Notas iniciais
Uma pergunta que pode preceder qualquer reflexão
envolvendo a questão da norma linguística, numa de suas
especificidades, é por que normatizamos? Na verdade, é da
natureza da atividade humana a adoção de práticas prescritivas.
Em diferentes contextos, dos mais complexos aos mais simples,
procuramos regulamentar ações, decisões, dispositivos e, com
isso, acabamos por estabelecer certa cultura social normativa.
Para Cameron (1995, p. 2), essa tendência das relações sociais
humanas no que tange às línguas “faz parte do que é o uso da
língua”. Burridge (2010, p. 3), a esse respeito, diz que normatizar
línguas estaria no rol de uma “[...] luta humana por controlar
a natureza desregrada”.
Seja qual for a resposta para a pergunta que acabamos de
fazer, não se pode perder de vista que as práticas normativas
ou prescritivas para línguas, na sua elaboração e também
na sua implementação, estiveram, estão e estarão eivadas
de critérios muitas vezes opacos, pouco ou nada científicos,
marcados por traços de subjetividade, e a serviço de intenções
político-ideológicas que podem ser econômicas, nacionalistas,
protecionistas, puristas e/ou autoritárias. O fato de a literatura
canônica retroalimentar a exemplificação dos bons e corretos
usos para as línguas é apenas um desses critérios, pois ainda no
século XXI, pelo menos na maioria das gramáticas de referência
do português, textos literários do século XIX são utilizados
para ditar como deve ser a norma-padrão para a língua que
se fala e se escreve majoritariamente no Brasil.
A própria inquietação com como, para que e por que
se normatiza uma língua e toda a problemática dos agentes
Para entender
glotopolíticos1 que a envolvem serviram de estímulo para que
1
melhor a abordagem
glotopolítica dos estudos um conjunto de linguistas brasileiros passasse a se dedicar à
sociolinguísticos,
sugerimos a leitura temática da norma. Nesse sentido, tem havido no Brasil uma
do texto seminal Pour
la Glottopolitique, de produção acadêmica importante, principalmente desde o final
Guespin e Marcellesi
(1986), e a visita ao dos anos 1990 até os dias atuais. Não temos como mencionar
site do Anuário de
Glotopolítica: http://
todas as publicações, de modo que mencionaremos aquelas em
www.glotopolitica.com. que norma linguística, norma-padrão e norma culta são os temas
principais, constituem uma de suas partes ou estão diluídas
em meio a textos sobre gramática, gramatização, políticas
linguísticas e ensino. Alguns desses trabalhos são: Mattos e
Silva (1995, 2004); Britto (1997), Bagno (2000, 2001, 2002, 2003,
8
Página do programa: b. Multilingualism: Empowering Individuals, Transforming
http://www.meits.org/
project-strands/strand/ Societies 8, fomentado pelo Arts and Humanities
strand-two
a. e s t ab e le c e r r e l a ç õ e s e nt r e a s va r ie d ade s
estandardizadas e as que ficam à margem desse
processo;
Notas finais
A temática da norma linguística, em sua especificidade
de alto impacto social, que é a norma-padrão/estândar/de
referência de determinada língua, tem sido historicamente
motivo de inquietação, em especial para as sociedades
organizadas em torno de uma cultura letrada. Essa inquietação
se dá por motivos variados – como quais critérios utilizar para
a elaboração dessa norma – e por envolver múltiplos fatores,
como os linguísticos, históricos, geopolíticos, ideológicos e
sociais em sua amplitude. A título de exemplificação, vamos
encerrar este texto com a seleção de alguns momentos
importantes no cenário da questão normativa e por extensão
da estandardização linguística – e também com um pequeno
exercício comparativo nessa linha.
Entre estudiosos de fora e de dentro do Brasil que se
debruçaram sobre o tema em suas mais variadas facetas, o
Referências
B ORT O N I - R IC A R D O, S t e l l a M a r i s . E d u c a ç ã o
em língua materna: a socioling uística
na sala de aula. São Paulo: Parábola, 2004.
Abstract
Standardization and standardology:
notes on the linguistic norm
In this article, we first address the issue of
the linguistic norm in a broader and more
propositional way, presenting some reflections
and a set of 15 lines of work that make up the
possibilities, analysis and actions on linguistic
standardization. In the sequence, we unfolded
in a tone of introduction the approach of
comparative standardization, which, besides
gathering the contributions of the various
currents of Sociolinguistics, is a bet to enrich
the debate that is currently taking place on
the elaboration of a new norm of reference
for Brazilian Portuguese. We also present
an important theoretical and bibliographical
body of references, among national and foreign
authors who have acted decisively in the
examination and discussion of the norm, either
in a broad sense, that of the normality of the uses
of the language, or in a strict sense, that of the
elaboration, codification and implementation of
a norm considered as a standard or reference.
Keywords: Linguistic norm. Standard
language. Comparative standardology.
Sociolinguistics.