O Tripé Gênero, Raça e Classe - Reflexões A Partir Do Pensamento de Heleith Saffioti e Lélia Gonzalez
O Tripé Gênero, Raça e Classe - Reflexões A Partir Do Pensamento de Heleith Saffioti e Lélia Gonzalez
O Tripé Gênero, Raça e Classe - Reflexões A Partir Do Pensamento de Heleith Saffioti e Lélia Gonzalez
INTERSECCIONALIDADE E FEMINISMOS
I61
Interseccionalidade e Feminismos [Recurso eletrônico on-line] I Congresso CRIM/UFMG:
UFMG – Belo Horizonte;
Organizadores: Luiza Martins Santos, Mariana Karla de Faria e Raíssa Emmerich Santana
- Belo Horizonte: UFMG, 2021.
Inclui bibliografia
ISBN: 978-65-5648-362-7
Modo de acesso: www.conpedi.org.br em publicações
Tema: Gênero, feminismos e violência.
1. Gênero. 2. Feminismo. 3. Interseccionalidade. I. I Congresso CRIM/UFMG (1:2021:
Belo Horizonte, MG).
CDU: 34
_____________________________________________________________________________
I CONGRESSO CRIM/UFMG
INTERSECCIONALIDADE E FEMINISMOS
Apresentação
Resumo
O presente trabalho pretende investigar as contribuições de Heleieth Saffioti e Lélia
Gonzalez sobre o imbricamento entre gênero, raça e classe no que diz respeito ao impacto
para a formação social, política e econômica brasileira. Cada uma, à sua maneira, trouxe
avanços importantíssimos para a construção do pensamento social brasileiro, expondo como
o gênero e a raça se articulam com o capitalismo, se configurando como categorias
fundamentais para uma análise comprometida com a realidade. Através de revisão
bibliográfica, ressaltamos as principais contribuições das autoras no âmbito dos debates que
articulam as três opressões que estruturam a formação social do Brasil.
Abstract/Resumen/Résumé
Our work investigates the contributions of Heleieth Saffioti and Lélia Gonzalez regarding the
interlocking impacts of gender, race and class on Brazilian social, political and economic
formation. They brought important advancements to the construction of Brazilian Social
Thinking, each their own way, exposing how gender and race articulate in the capitalist
system and consist in categories which are fundamental for analyses committed with reality.
Through bibliographic review, we highlight these authors' major contributions to the debates
that articulate the three oppressions that structure Brazil’s social formation.
1 Graduanda em Serviço Social pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO)
2 Graduanda em Serviço Social pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO)
5
INTRODUÇÃO
No intuito de investigarmos como o imbricamento entre gênero, raça e classe
influencia a formação social política e econômica do Brasil, resgatamos duas grandes
pensadoras brasileiras, Lélia Gonzalez e Heleieth Saffioti, compreendendo que
cumpriram um papel crucial para fomentar os debates sobre as opressões de gênero e
raça no contexto brasileiro, em um momento histórico no qual estes tópicos ainda não
recebiam a devida atenção.
A partir de uma perspectiva crítica e ancorada no materialismo histórico
dialético, realizamos uma revisão bibliográfica das obras de Gonzalez e Saffioti, que
serão apresentadas separadamente. Em um primeiro momento, iremos expor as
principais contribuições de Heleieth Saffioti no que se refere ao imbricamento entre
gênero, raça e classe, apresentando o conceito do “nó” cunhado pela autora ao longo de
sua trajetória acadêmica e intelectual.
Na segunda parte, apresentaremos como Gonzalez articula as opressões sexuais
e raciais, dando especial importância para a elaboração da autora acerca dos impactos
dessas opressões na vida das mulheres negras, concretizadas na inserção no mercado de
trabalho e no imaginário social racista.
Por fim, apontaremos, nas conclusões, a articulação que os escritos de Saffioti e
Gonzalez nos permitem vislumbrar sobre a formação social do Brasil.
OBJETIVOS
O presente trabalho tem como objetivo apresentar de que forma o imbricamento
entre gênero, raça e classe impacta a formação social, política e econômica brasileiras,
através das produções teóricas de Heleieth Saffioti e Lélia Gonzalez.
METODOLOGIA
A metodologia do trabalho consiste na revisão bibliográfica de obras das duas
autoras supracitadas.
O NÓ EM HELEIETH SAFFIOTI
Heleieth Saffioti foi uma socióloga marxista, professora, estudiosa da violência
de gênero e militante feminista brasileira. Formada pela USP em 1960, Saffioti defende
em 1967 sua tese de livre docência pela UNESP, intitulada A mulher na sociedade de
classes: mito e realidade, sob orientação do professor Florestan Fernandes. Ao longo de
6
sua trajetória, a autora formula o conceito do nó patriarcado-racismo-capitalismo, que
aparece pela primeira vez no livro O poder do Macho (1987). Deteremos-nos aqui
especialmente nesse conceito desenvolvido pela autora, entendendo que este se
configura como um conceito de extrema importância para pensarmos na realidade
social, política, econômica e cultural brasileira.
7
merecem o mesmo estatuto teórico quando se objetiva compreender a dinâmica que rege
as práticas sociais. Um dos grandes saltos teóricos da autora é o fato de apreender que a
subjugação entre estes três antagonismos limita a apreensão “da riqueza de
determinações que definem um concreto histórico, provocando o fracasso das
estratégias cujo alvo seja a superação destas contradições.” (SAFFIOTI, 1985, p.99),
independente da direção da sujeição perpetrada.
Saffioti vai afirmar que as relações de gênero, raça e classe que se forjam
produzem uma dinâmica própria do nó, “uma lógica contraditória, distinta das que
regem cada contradição em separado” (SAFFIOTI, 2015, p.133). A fusão das três
contradições sociais básicas expõe como elas não ocorrem paralelamente, mas sim de
maneira entrelaçada. Nas palavras da autora: “trata-se de um entrelaçamento que não
apenas põe em relevo as contradições próprias de cada ordenamento das relações
sociais, mas que as potencializa.” (SAFFIOTI, 1988, p.61). Por isso Saffioti (2015),
defende que não se trata da simples soma de cada uma das contradições (patriarcado +
racismo + capitalismo), uma vez que a formação desse nó apresenta qualidades distintas
das contradições que o integram, dando luz à uma realidade nova que decorre desta
simbiose.
Por mais que não se possa, de forma generalizada, hierarquizar essas três
opressões estruturais, dependendo da circunstância histórica, uma dessas opressões pode
ganhar centralidade, trazendo um impacto mais significativo para a realidade (objetiva e
subjetiva) experienciada pelos sujeitos. Segundo Saffioti,
Trata-se, em outros termos, de três faces, de três identidades sociais do
sujeito, todas igualmente importantes para que ele atue na construção de
uma sociedade sem desigualdades, como as que separam pobres de ricos,
mulheres de homens, negros de brancos. As três identidades estão sempre
presentes, embora não com o mesmo vigor. Dependendo da situação
histórica vivenciada, uma delas pode apresentar mais relevo, e
frequentemente o faz. Há circunstâncias em que a identidade de gênero fala
mais alto, mas há outras em que a de classe ou a de raça/etnia está neste caso.
Conceber o sujeito como múltiplo permite a apreensão de, pelo menos,
grande parte de sua riqueza. (SAFFIOTI, 1997, p.76, grifos nossos).
8
A TRIPLA DISCRIMINAÇÃO EM LÉLIA GONZALEZ
Trata-se de uma autora interdisciplinar, que passeia por diversas áreas do saber
como história, ciências sociais e psicanálise para analisar o racismo e o sexismo no
Brasil. Devido a extensão de suas obras, nos centraremos no debate acerca das mulheres
negras no mercado de trabalho e os impactos dos papéis sociais atribuídos a elas no
campo simbólico.
Seguindo na perspectiva teórica crítica, temos em Lélia Gonzalez uma autora
que alia os estudos da chamada sociologia acadêmica, do marxismo e das relações
ideológicas, a partir da psicanálise para melhor entender a realidade social e cultural
brasileira, marcada pelas contradições de gênero, raça e classe.
Recorrendo aos estudos de formação sócio histórica do Brasil, a autora descreve
que a existência de um desenvolvimento desigual e combinado, a formação de uma
massa marginal2 e os efeitos da dominação neocolonialista fazem da construção do
capitalismo no Brasil, dependente. A construção desta massa marginal, altamente
precarizada e excedente dentro do mercado de trabalho, tem grande valia para o
funcionamento capitalista à medida que, quanto maior a concorrência aos postos de
trabalho, menores são os salários pagos.
Assim sendo, a autora demarca a necessidade de estudar as relações de
produção, pois são elas que distribuem os lugares de classe e reproduzem em seu cerne
os conflitos de raça e gênero, construindo ideologias para fundamentá-las.
1
Destacamos sua importância para os estudos da cultura brasileira e das relações étnico raciais e de
gênero, tendo ocupado a chefia do departamento de sociologia e política da Pontifícia Universidade
Católica do Rio de Janeiro (PUC-RIO), entre 1978 e 1994. Além disso, no âmbito político, além de sua
filiação e candidatura a deputada federal pelo Partido dos trabalhadores (PT) e Partido Democrático
Trabalhista (PDT), teve grande contribuição na fundação do Movimento Negro Unificado (MNU), bem
como na organização política de mulheres negras em coletivos.
2
O conceito de massa marginal é criado por José Nun. Essa massa segmenta-se em: Parte da mão de obra
ocupada pelo capital industrial competitivo; trabalhadores que buscam refúgio em atividades terciárias de
baixa remuneração; Desocupados; Força de trabalho ainda submetida ao capital comercial.
9
É nesse sentido que o racismo — enquanto articulação ideológica e conjunto
de práticas — denota sua eficácia estrutural na medida em que estabelece
uma divisão racial do trabalho e é compartilhado por todas as formações
socioeconômicas capitalistas e multirraciais contemporâneas. Em termos de
manutenção do equilíbrio do sistema como um todo, ele é um dos critérios de
maior importância na articulação dos mecanismos de recrutamento para as
posições na estrutura de classes e no sistema da estratificação
social.(GONZALEZ, 2020, p.35)
10
anônima é colocada como um objeto de adoração e/ou como doméstica, dentro das
opções que lhe restam na competição do mercado assalariado no cotidiano.
Segundo Lélia, a sociedade brasileira vive numa espécie da neurose cultural,
onde oculta e nega as contradições da tripla discriminação, como forma de manter o
status quo. O efeito disso rebate de forma violenta, principalmente nas mulheres negras,
que acabam por ocupar majoritariamente cargos profissionais que não lidam com o
público, como empregada doméstica, cozinheira, "servente" etc, de maneira a escondê-
las e invisibiliza-las, com a justificativa de não terem qualificação ou boa aparência.
O ditado "Branca para casar, mulata para fornicar e negra para trabalhar" é
exatamente como a mulher negra é vista na sociedade brasileira: como um
corpo que trabalha e é superexplorado economicamente, ela é a faxineira,
arrumadeira e cozinheira, a "mula de carga" de seus empregadores brancos;
como um corpo que fornece prazer e é superexplorado sexualmente, ela é a
mulata do Carnaval cuja sensualidade recai na categoria do "erótico-exótico".
(GONZALEZ, 2020, p.170)
CONCLUSÕES
Através desse breve e esquemático resgate de algumas das valiosas
contribuições de Saffioti e Gonzalez para a construção do pensamento social brasileiro,
fica evidente a influência do patriarcado e do racismo para a manutenção do sistema
societário vigente.
O conceito do nó de Saffioti apresenta precisamente a particularidade da nossa
formação social, e, ancoradas na obra de Lélia, podemos observar como esse nó se
manifesta na vida das mulheres negras, ao aliar o racismo, o sexismo e o capitalismo,
11
em uma conjunção que atribui a essas mulheres, que sofrem com a tripla discriminação,
papéis específicos delimitados pela hegemonia burguesa patriarcal e racista.
Ambas as autoras nos apontam reiteradamente a importância de pensarmos o
imbricamento entre capitalismo, racismo e sexismo no Brasil, enxergando-os como três
opressões estruturais que se encontram profundamente articuladas na realidade concreta.
Sem a articulação desses três sistemas de dominação e exploração, a análise da
formação social, política e econômica brasileira fica extremamente prejudicada, para
dizer o mínimo.
O resgate da contribuição dessas duas grandes pensadoras sociais brasileiras nos
permite reconhecer o profundo impacto que o patriarcado, o racismo e o capitalismo
exerceram e exercem, ainda hoje, na formação social, política, econômica e cultural do
Brasil.
REFERÊNCIAS
_______. Movimentos sociais: face feminina. In Carvalho, Nanci Valadares de. (org.) A
condição feminina. São Paulo, Revista dos Tribunais Ltda., Edições Vértice, 1988.
12