Cálculo Numérico - Método dos Mı́nimos Quadrados: introdução e ajuste

linear
Profa . Vanessa Rolnik - DCM - FFCLRP/USP

Este material é baseado nas Seções 7.1 e 7.2 do livro FRANCO, N.B. Cálculo
Numérico. São Paulo: Pearson Prentice Hall, 2006.

Introdução
Ajustar uma curva consiste em escolher uma famı́lia de funções g que depende de
alguns parâmetros e determinar tais parâmetros de forma que melhor represente os
dados disponiveis. Por exemplo,

g(x) = a1 g1 (x) + a2 g2 (x) + · · · + am gm (x),

em que a famı́lia de funções {g1 , g2 , · · · , gm } são escolhidas e os parâmetros a determinar

são a1 , a2 , ..., am .

Quanto aos dados a serem ajustados, podem ter

• uma função f que possui algum inconveniente como ter a expressão complicada,
não ser derivável, o gráfico com muitas oscilações, etc..., e precisamos de algo
mais conveniente e que ao mesmo tempo não perca certas caracterı́sticias da f ,
como periodicidade, crescimento, oscilações, etc. (caso contı́nuo)

• um conjunto de pontos (xi , f (xi )) e precisamos de uma função contı́nua que re-
presente os dados (caso discreto)
O ajuste de curvas pelo Método dos Mı́nimos Quadrados fornece uma “boa apro-
ximação” para a f e permite “extrapolar” as informações/tendências com uma certa
margem de segurança.

Exemplo: Em uma experiência foram medidos vários valores de corrente elétrica

que passa por uma resistência submetida a várias tensões, conforme figura

Sabendo que V = Ri, queremos determinar o R que faz a reta melhor se ajustar aos
pontos.

1
Ajuste linear - caso discreto
f tabelada e g é um polinômio do 1o grau

x x1 x2 ··· xn
f (x) f (x1 ) f (x2 ) · · · f (xn )

f (x) ≈ g(x) = a + bx
queremos determinar os parâmetros a e b de modo que a função g esteja mais próxima
possı́vel da f em algum sentido.

Precisamos definir uma forma de medir o erro entre f e g. Seja a função resı́duo

r(x) = f (x) − g(x)

Pn
1a. ideia: i=1 r(xi ), não é interessante pois os erros positivos e negativos se cance-
lam;
Pn
2a. ideia: i=1 |r(xi )|, não é interessante pois a função módulo não é derivável em
todos os pontos
Pn 2
3a. ideia: i=1 (r(xi )) esta sim é interessante! Não cancela erros positivos e negati-
vos, a função x2 é derivável em toda a reta e, além disso, penaliza os erros grandes
e bonifica erros pequenos.
Mais especificamente, queremos determinar os parâmetros a e b de modo que a
reta g minimize a soma dos resı́duos ao quadrado. Daı́ o nome Método dos Mı́nimos
Quadrados.
Pn 2
Pn 2
Para isso, vamos declarar a função M (a, b) = i=1 (r(xi )) = i=1 [f (xi ) − a − bxi ] ,
derivar e igualar a zero
n
∂M X
= 2 [f (xi ) − a − bxi ](−1) = 0
∂a i=1
n
∂M X
= 2 [f (xi ) − a − bxi ](−xi ) = 0
∂b i=1

Reoganizando as equações, obtemos um sistema linear de 2 equações e 2 incógnitas,

a e b, chamado sistema normal
 n
! n
! n
 X X X
1 a + xi b = f (xi )




i=1 ! i=1 i=1
n n
! n (1)
 X X X
2
xi a + xi b = xi f (xi )




i=1 i=1 i=1

É possı́vel verificar que o sistema normal possui solução única desde que todos os
xi ’s sejam distintos e que a solução, (a∗ , b∗ ), é um ponto de mı́nimo de M .

2
 Assim, podemos concluir que entre o conjunto de todas os polinômios do 1o grau, o
que melhor se ajusta aos dados, no sentido dos mı́nimos quadrados, é g(x) = a∗ + b∗ x.
Qualquer outro possui a soma dos resı́duos ao quadrado maior do que a de g.

Exemplo 1. Considere a função y = f (x) dada pela tabela

x −1 0 1 2
y 0 −1 0 7

Ajustá-la por um polinômio do 1o grau usando o método dos mı́nimos quadrados e

calcular a soma dos resı́duos ao quadrado (erro de truncamento ou resı́duo total).
Neste caso, f (x) ≈ g(x) = a + bx e o número de pontos é n = 4.
Fazendo as somas do sistema normal,
X4 X4
1=4 xi = −1 + 0 + 1 + 2 = 2
i=1 i=1
4
X n
X
x2i = (−1)2 + 02 + 12 + 22 = 6 f (xi ) = 0 + (−1) + 0 + 7 = 6
i=1 i=1
n
X
xi f (xi ) = (−1)(0) + (0)(−1) + (1)(0) + (2)(7) = 14
i=1

O sistema fica 
4a + 2b = 6
2a + 6b = 14
que possui a solução a = 0.4 e b = 2.2.
Portanto, a função de ajuste é g(x) = 0.4 + 2.2x. Esta é a reta que melhor se ajusta
aos pontos da tabela. Sua soma dos resı́duos ao quadrado (erro de truncamento) é
X 4
[f (xi ) − 0.4 − 2.2xi ]2 = [0 − 0.4 − 2.2(−1)]2 + [−1 − 0.4 − 2.2(0)]2 + [0 − 0.4 −
i=1
2.2(1)]2 + [7 − 0.4 − 2.2(2)]2 = 1.82 + (−1.4)2 + (−2.6)2 + 2.22 = 16.8.

3
Ajuste linear - caso contı́nuo
f definida em um intervalo [c, d] e g um polinômio do 1o grau, ou seja,
f (x) ≈ g(x) = a + bx
e queremos determinar os parâmetros a e b de modo que a função g esteja mais próxima
possı́vel da f no sentido dos mı́nimos quadrados.

Neste caso, definimos a forma de medir o erro entre f e g por

r(x) = f (x) − g(x).
Para determinarmos os parâmetrosR d a e2 b de Rmodo que a distância entre f e g
d
seja mı́nima, chamamos M (a, b) = c (r(x)) dx = c [f (x) − a − bx]2 dx, derivamos M
parcialmente em relação à a e parcialmente em relação â b e igualamos as derivadas a
zero
Z d
∂M
= 2 [f (x) − a − bx](−1)dx = 0
∂a c
Z d
∂M
= 2 [f (x) − a − bx](−x)dx = 0
∂b c

com isso, obtemos o sistema normal

 Z d  Z d  Z d
1 dx a + x dx b = f (x) dx



Z dc  c
Z d  c
Z d (2)
 2

 x dx a + x dx b = xf (x) dx
c c c

cuja solução corresponde aos parâmetros procurados.

Exemplo 2. Seja f (x) = x4 − 5x, x ∈ [−1, 1]. Aproximar f (x) por um polinômio do
1o grau usando o método dos mı́nimos quadrados.
Começamos pelo cálculo das integrais do sistema normal (2) de −1 a 1
Z 1
1 dx = x|1−1 = 2
Z−11 1
x2 
x dx = =0
−1 2 −1
Z 1 1
2 x3  2
x dx = =
−1 3 −1 3

Z 1 Z 1  5 1
4 x 5x2  2
f (x) dx = (x − 5x) dx = − =
−1 −1 5 2 
−1 5
Z 1 Z 1 3 1
 6 
x 5x  10
xf (x) dx = (x5 − 5x2 ) dx = − =−
−1 −1 6 3 
−1 3
Assim, obtemos
2a + 0b = 25


0a + 23 b = − 10
3
1 1
que tem como solução a = e b = −5. Portanto, g(x) = − 5x.
5 5

4
Exercı́cios

1) A tabela a seguir mostra um experimento sobre a relação entre pressão e temperatura

para um gás ideal em um volume constante
T (0 C) 0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100
p(atm.) 0, 94 0, 96 1, 0 1, 05 1, 07 1, 09 1, 14 1, 17 1, 21 1, 24 1, 28
(a) ajuste os dados por uma reta;
p(T ) ≈ g(T ) = a + bT
n = 11 pontos
caso discreto
calcular os 5 somatórios, montar o sistema normal e resolver. Encontrando a e b
substitui na função g.
(b) Extrapolando (estendendo) os dados até que cruze o eixo T horizontal, obtemos
uma estimativa da temperatura do zero absoluto. Determine essa aproximação.

2) Aproximar f (x) = ex por uma reta no intervalo [0, 1] e calcular o erro de truncamento.
caso contı́nuo, semelhante ao Exemplo 2.

3) Resolver o sistema (1) pela regra de Cramer.  

x1
Regra de Cramer para resolver um sistema linear Ax = b, onde x =
x2
det(A1 )
x1 = , onde A1 é a matriz A com a coluna 1 substituı́da pelo vetor b
det(A)
det(A2 )
x2 = , onde A2 é a matriz A com a coluna 2 substituı́da pelo vetor b
det(A)
Escrevendo na forma matricial o sistema normal do caso discreto, tremos um sistema
 X n Xn   X n 
1 xi     f (xi ) 
 a

 i=1 i=1  i=1
= X

n n n
b
 X X  
 2   
xi xi xi f (xi )
i=1 i=1 i=1

5
  Xn Xn   Xn Xn   Xn Xn 
 1 xi   f (xi ) xi   1 f (xi ) 
 i=1 i=1  i=1 i=1  i=1 i=1
A= X , A1 =  X  e A2 =  X
  
n Xn n Xn n Xn 
 2   2   
xi xi xi f (xi ) xi xi xi f (xi )
i=1 i=1 i=1 i=1 i=1 i=1
n
X n
X n
X n
X
f (xi ) x2i − xi xi f (xi )
det(A1 ) i=1 i=1 i=1 i=1
a= = n n n n
det(A) X X X X
1 x2i − xi xi
i=1 i=1 i=1 i=1
n
X n
X n
X n
X
1 xi f (xi ) − f (xi ) xi
det(A1 ) i=1 i=1 i=1 i=1
b= = n n n n
det(A) X X X X
1 x2i − xi xi
i=1 i=1 i=1 i=1

4) Escrever um algoritmo para o ajuste linear discreto usando o resultado do Exercı́cio

3).

Dados de entrada:
n ( inteiro): quantidade de pontos
x[n] (vetor de números reais): valores de x tabelados
f[n] (vetor de números reais): valores de f (x) tabelados
Saı́da: coeficientes a e b da reta g(x) = a + bx
INICIO
somax=0
somax2=0
somaf=0
somaxf=0
Para i de 1 até n faça
somax=somax+x[i]
somax2=somax2+x[i]*x[i]
somaf=somaf+f[i]
somaxf=somaxf+x[i]*f[i]
fim
numa = somaf*somax2-somax*somaxf
numb = soman*somaxf-somaf*somax
denom = n*somax2-somax*somax
a=numa/denom
b=numb/denom
Escreva “A reta de ajuste é g(x)=’a’+’b’x .”
FIM

5) O coeficiente R2 (também conhecido como coeficiente de determinação) é bastante

utilizado para medir a qualidade do modelo em relação à sua habilidade de estimar

6
corretamente os dados. O R2 varia entre 0 e 1 e quanto mais próximo de 1, melhor o
ajsute representa os dados. É dado por
SQres
R2 = 1 −
SQtot
n n
1X X
onde ȳ = f (xi ) (ponto médio), SQres = [f (xi ) − g(xi )]2 (erro residual)
n i=1 i=1
Xn n
X
SQtot = [f (xi ) − ȳ]2 (erro total), SQexp = [g(xi ) − ȳ]2 (erro não explicado)
i=1 i=1
Calcule o coeficiente R2 do ajuste do Exemplo 1. Incluir o cálculo do R2 no algoritmo
do ajuste linear.
SQtot = 0.12907, SQres = 0.00056256 ⇒ R2 = 1 − df rac0.000562560.12907 =
0.99564