Sebenta Direitos Fundamentais
Sebenta Direitos Fundamentais
Sebenta Direitos Fundamentais
• Estado Oriental
• Estado Grego
• Estado Romano
• (Organização Medieval)
• Estado Moderno de tipo europeu:
1. Estado Estamental
2. Estado Absoluto:
2.1. Monarquia de Direito Divino
2.2. Despotismo Esclarecido
3. Estado Constitucional, Representativo e de Direito
3.1. Estado Liberal
3.2. Estado Social de Direito
1 Mandato representativo – Os Deputados representam todos os cidadãos e não somente aqueles que votaram
neles. “Os Deputados representam todo o pais e não os círculos por que são eleitos” (art. 152º/2 da CRP).
≠
Mandato Imperativo de Rousseau.
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Direitos Fundamentais
Direitos Sociais precisam ainda da Função Jurisdicional para definir o que cabe ao
Estado fazer.
Os Direitos Fundamentais (DF) implicam sempre a adesão a valores que não dependem
da vontade do legislador constituinte – há limites ao poder constituinte, nomeadamente
valores de direito natural, acima do direito positivo.
Costuma dizer-se que os DF são Direito Constitucional Aplicado – Roxin diz que os DF
são o sismógrafo do Direito Constitucional: a forma como são vistos e respeitados é um
espelho da forma como é visto do Direito Constitucional, sendo neles que melhor se
percebe a relação Estado Sociedade. Os direitos fundamentais têm autonomia
pedagógica e cientifica e devem esta autonomia à ideia de que são fundamentais para a
pessoa humana e para o próprio desenvolvimento da ideia social.
A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (DDHC) de 1789, estabeleceu, no seu
artigo 16º, que qualquer sociedade onde não estejam previstos direitos fundamentais,
nem separação de poderes, não tem constituição. É ainda mais ou menos este o
conteúdo mínimo da constituição nos dias de hoje.
Os DF estão numa dependência congénita da concepção estadual: num Estado
totalitário os direitos fundamentais têm espaço reduzido, num Estado democrático a
amplitude é maior. E estes DF podem ter uma múltipla valência. È importante estudá-
los porque resultam em grande medida do princípio da dignidade da pessoa humana –
para Jorge Miranda e José de Melo Alexandrino, todos os direitos fundamentais da CRP
assentam no princípio da dignidade da pessoa humana, desde logo por expressa
determinação do artigo 1º. Em segundo lugar, na CRP os DF surgem como limite
condicionador da organização económica. Por último, os DF surgem como limite e
condicionamento da organização dos poderes públicos, nomeadamente, através dos
direitos de defesa dados aos particulares. Nesta terceira vertente – ou sobretudo nesta -,
há que retomar a distinção entre Estado Liberal e Estado Social a propósito da posição
dos direitos fundamentais perante o Estado.
Num Estado Liberal (Estado Polícia, o Estado do “laissez faire, laissez passer”), o que
importava era a visão do indivíduo em termos isolados. Num Estado Social vemos o
indivíduo integrado na colectividade, logo há aqui uma ideia de sociabilidade – ver art. 1º
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Direitos Fundamentais
da CRP. Gomes Canotilho diz que dos princípios fundamentais do Estado é o princípio
da socialidade que se relaciona com a previsão de DF.
Perez Luño salienta também que os direitos fundamentais têm uma dupla dimensão:
uma dimensão objectiva e uma dimensão subjectiva – esta dicotomia é mesmo
reconhecida por Jorge Miranda.
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Direitos Fundamentais
Noção de Jorge Miranda: “Direitos Fundamentais são posições jurídicas subjectivas das
pessoas enquanto tais, individual ou institucionalmente consideradas, assentes na
Constituição”.
1. Posições jurídicas subjectivas (activas*) das pessoas enquanto tais **;
*traduzem uma situação de vantagem; ** Só as pessoas físicas têm Direitos
Fundamentais e não as pessoas colectivas.
2. Individual ou institucionalmente consideradas;
3. Assentes na Constituição – para falar em Direitos Fundamentais em sentido
técnico têm que estar na Constituição.
Olhando para esta noção, Jorge Miranda privilegia a dimensão subjectiva – mas ao dizer
“assentes na Constituição” também se espelha aqui a dimensão objectiva.
Positivados na Constituição
Formais formal (certeza e segurança)
Direitos Fundamentais
Inseridos na Constituição
Materiais
material.
constitucional (já uma recepção será material quanto às normas que incriminam agentes
da ex-PIDE DGS, que teriam de outro modo caducado por incompatíveis com o princípio
da irretroactividade da lei criminal previsto no art. 29º, assim materializando um caso de
derrogação). A situação é, assim, mais complicada no que tange aos direitos
fundamentais materiais.
Para quem distinga, por exemplo, direito natural permanente (princípios suprapositivos
que existem em todas as sociedades) e direito natural variável (que varia consoante as
sociedades ou grupos de sociedades), a maior parte dos direitos fundamentais hão-de
decorrer do direito natural variável. Para além deste, há que atender às concepções
político ideológicas do Estado e aos instrumentos internacionais que cada vez mais
reconhecem mais direitos.
Comparando a CRP com a DUDH vemos que há uma sobreposição – há um único direito
que não está previsto na CRP e mesmo ele decorre dos princípios fundamentais da CRP,
pelo que não há quaisquer espaços vazios de protecção. Quanto às concepções político
ideológicas, falamos, sobretudo na dimensão objectiva dos direitos fundamentais. Note-
se que este catálogo muito alargado de direitos fundamentais não significa que ele seja
pacífico – basta ler os trabalhos preparatórios da CRP de 1976, para perceber que o
longo catálogo não resulta de um máximo denominador comum entre todas as propostas
dos partidos, mas sim de um somatório de todos os direitos que foram propostos. Ou
seja, foi a tensão que dominou o procedimento constituinte em 1975 que se reflectiu no
catálogo da CRP, onde é fácil perceber os direitos que são resultantes do consenso de
todos os partidos e aqueles que o não são.
No que respeita à organização dos poderes políticos, podemos referir:
➢ Direitos de defesa face aos poderes públicos – ver arts. 19º, 20º, 22º, 23º;
➢ Direitos a prestações ou direitos derivados a prestações
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Direitos Fundamentais
*Relação Cidadão/Estado.
Nota: diz-se que o legislador reconhece Direitos aos Cidadãos e não, por ex., que o
legislador atribui Direitos aos Cidadãos.
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Direitos Fundamentais
liberdade interior e não com a de liberdade política é a luta pela liberdade religiosa e pela
tolerancia religiosa que faz avançar a evolução e a teoria dos direitos fundamentais. Esta
ideia religiosa mantém-se ligada à teoria dos direitos fundamentais durante toda a idade
média, e saliente-se aqui S. Tomás de Aquino, com as suas considerações da lex
positiva (lei humana), da lex natura e da lex divina. Ora se a lex positiva violasse a lei
natural (que decorre da lei divina) haveria possibilidade de resistência à ordem da
autoridade: pela primeira vez fala-se em direito de resistencia (ainda hoje previsto – art.
21º CRP). Isto significa que também os direitos fundamentais assumem a forma de
legitimação do poder político. Este está tanto mais legitimado quanto mais aderir aos
direitos fundamentais.
Por volta dos séculos XV/XVI (mais cedo em alguns Estados como na Inglaterra – séc.
XIII com a Magna Carta) surge o Estado Moderno. Este apresenta como uma das suas
características fundamentais a ideia de Laicidade do Estado. O Direito Natural
(conjunto de princípios civilizacionais aceites por todos), deixa de ter um fundamento
divino (disvinização do Direito Natural ou Secularização do Direito Natural) e passa a ter
um fundamento racional. Observa-se uma secularização do direito natural que serve de
fonte de legitimação aos direitos fundamentais. Para esta mudança assume papel
fundemental a Escola Escolástica Ibérica, onde se destacam os seguintes autores:
Vitória, De Las Casas e Menchaca.
Na mesma altura, começa a dar-se importância aos direitos das pessoas que estão em
territórios colonizados por potências europeias, sobretudo colónias espanholas. São
inúmeros os textos que distinguiam homens, seres pensantes e racionais e os animais,
que o não são. Visa-se acentuar a ideia de racionalidade nos direitos do homem, estando
a caminhar-se para os dominios jusracionalistas. Aqui se destaca Hugo Grócio, um
racionalista humanista ou um jusnaturalista europeu.
Mas já no pretenso Estado Medieval, as cartas de foral têm já uma tentativa de
estabelecer direitos numa comunidade, continham os direitos permitidos a uma dada
circunscrição territorial, existia a delimitação de um espaço livre de interferencia
estadual. Isso é ainda acentuado quando em 1215 a Magna Carta estabelece direitos,
para os cidadãos ingleses, complementada por outros instrumentos fundamentais, como
a petition of Rights, de 1628, a Lei do Habeas Corpus de 1679, e a Bill of Rights de
1689. Quanto ao Bill of Rights (1689): o contexto e o objecto são diferentes da
Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão - DDHC (1789). O primeiro é uma
resposta à Petition of Rights, não tem um caracter universalista nem um propósito de
sistematização. Os DDHC têm por base uma ideia universalista, destina-se a todos os
Homens e não apenas para os franceses. Cem anos medeiam as duas declarações mas
que não são vazios de conteúdo no que toca à evolução da ideia dos Direitos
Fundamentais.
A evolução na Grã Bretanha é no entanto precoce em relação ao resto do mundo. O
século XVII/inícios do Século XVIII está muito ligado à ideia de consolidação daquilo
que no fundo é o Estado Moderno, já que o Estado laico é uma das características que o
individualizam. há uma consolidação das reformas religiosas – Liberdade Religiosa
ligada à ideia de Liberdade Política. A Ideia de Liberdade Religiosa implica o Princípio da
Liberdade de Escolha e o Princípio da Tolerância. Estes dois princípios em termos
históricos não têm origem política mas origem na ideia de Liberdade religiosa. Atenção: o
Princípio da Tolerância não pode ser entendido como a opção por uma religião e
tolerancia por todas as outras, não há uma ideia de supremacia de uma em relação às
outras toleradas que assim seriam entendidas como “menores/inferiores”.
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Direitos Fundamentais
reflectir esta ideia. O Homem não pode ser considerado o meio para qualquer coisa, deve
ser um fim em si mesmo, não pode ser funcionalizado. As suas posições jurídicas
subjectivas não podem ser funcionalizadas a outro fim.
Em 1791, Thomas Paine, na obra “Os Direitos do Homem”,debate se os direitos do
homem têm uma natureza que resulta da dignidade da pessoa humana ou uma
natureza que resulta de origem divina. Vem “responder” uma obra de Burke em que
este aborda as razões da Revolução Francesa e da elaboração da DDHC e onde as critica
por comparação com a Revolução Americana. A obra de Dayse Mayer vem exactamente
discutir a discussão destes dois autores.
Da DDHC de 4 de Julho de 1789, da Declaração de Direitos da Virginia de 1776 e da
Constituição dos EUA de 1789 resultam documentos fundamentais em termos de elenco
de direitos, que sintetizam as duas linhas fundamentais do século XVIII de evolução dos
direitos fundamentais:
⚫ A positivação dos direitos fundamentais, na sequência do movimento racionalista
de formalização dos direitos fundamentais, e das grandes declarações formais de
direitos;
⚫ A ideia de que os direitos fundamentais constituem a base de limitação ao poder
político.
Mas a ideia de universalidade que consta da DDHC e de que se fala nas declarações
formais do século XVIII é ainda algo restrita à burguesia dominante e a certa classe
social. Há a ideia de que há certas classes sociais que não gozam de certos direitos. O
artigo 16º da DDHC estabelece o conteúdo mínimo de qualquer constituição: separação
de poderes e garantia de direitos fundamentais. Ao relacionar garantia de direitos e
separação de poderes acaba por fazer a síntese das duas linhas de orientação.
Na primeira metade do século XIX assiste-se a uma tendência para alargar as
declarações de direitos e para fazer incluir as declarações de direitos nas próprias
constituições. A DDHC ainda se mantém em vigor em França pois todas as constituições
francesas no seu preâmbulo a mantêm expressamente em vigor. As constituições
francesas fazem assim questão de acentuar o papel fundamental da França como
paladino das garantias de direitos fundamentais no mundo.
• Constituição Francesa de 1791
• Constituição Espanhola de 1812 Constituições com um elenco
• Constituição Belga de 1837 considerável de direitos fundamentais
• Constituição Portuguesa de 1822
Mas ainda estamos perante os direitos de 1ª geração, que exigem da parte do Estado
uma atitude meramente abstencionista, e estas constituições são de índole
individualista, ou seja, reflectem a Teoria Liberal dos DF.
A mudança opera-se na segunda metade do séc XIX: deixa-se a marca individualista e
passam a encontrar-se direitos fundamentais colectivos ou de grupos. A isto ajudou o
manifesto comunista de Marx e Engels, ajudou a constituição francesa de 1848 – há
quem entenda que se trata de uma “constituição social”, prevêem-se DF colectivos - que
acolheu aqueles princípios e instalou a comuna de Paris, e ajudou também a Revolução
Industrial – levou a uma mudança na sociedade, principalmente ao nível da classe
trabalhadora.
Com a Revolução Russa de 1917 surge como reacção às declarações do tipo francês e
britânico uma declaração de 1918: a Declaração dos Direitos do Povo e Trabalhador
Explorado. Esta declaração é inserida na constituição soviética, que não prevê direitos
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Direitos Fundamentais
Podemos encontrar uma síntese de alguns pontos desta evolução dos direitos
fundamentais:
1. Há um alargamento progressivo do elenco de direitos fundamentais;
2. Acentuou-se a dimensão objectiva dos direitos fundamentais – mais do que
legados aos cidadãos individualmente são vistos como valores previstos nas
constituições;
3. Deixa de ver-se o homem como uma abstracção teórica para o ver como situado
numa determinada situação de vida;
4. A ideia de dignidade da pessoa humana não corresponde já a uma ideia filosófica:
cada pessoa em cada momento tem sempre uma dignidade real e efectiva;
5. Deixou de se entender que o Estado tem uma postura meramente abstencionista;
6. Hoje em dia reclama-se a intervenção do Estado mesmo para a protecção dos
direitos, liberdades e garantias, que já não são entendidos apenas como direitos de
defesa. Há uma mudança substancial em relação àquilo que se exige do Estado. A
tarefa do Estado deixa de ser só legislativa para ser também administrativa.
ESTADO
X X X
9. Deu-se um alargamento substancial dos meios de defesa dos direitos
fundamentais quer a nível interno quer a nível internacional. Surge uma 3ª
dimensão: a tutela internacional dos DF de um indivíduo no seio de um
determinado Estado. Mesmo a nível internacional os Estados não se podem dar ao
luxo de fazer o que querem dentro das suas fronteiras pois tal pode motivar uma
reacção da comunidade internacional. Por outro lado, hoje em dia o cidadão já é
visto como sujeito de direito internacional para a defesa dos direitos
fundamentais. Esta é uma questão importante desde a década de 70,
principalmente depois da Convenção de Helsínquia – houve uma mudança de
paradigma na protecção internacional dos DF. Ver art. 7º CRP.
Esta interdependência entre Estados implica o reconhecimento de um direito de
ingerência para outros Estados e para a Comunidade Internacional, quando esteja em
dúvida a garantia dos direitos fundamentais (ex: acções humanitárias em Moçambique e
no Kosovo). Desde a convenção de Helsínquia de 1975 que a ideia de ingerência é
discutida e aceite.
Tem havido projecção a nível internacional de conceitos de direito interno de crimes
continuados – genocídio, discriminação, proibição de tortura e tratamentos cruéis e
degradantes. Hoje já não se fala tanto em escravatura, apatridia, mas há novas formas
de relacionamento internacional que podem fazer perigar direitos: terrorismo, direitos
fundamentais face à devassa da vida privada que as tecnologias permitem, direitos
fundamentais face ao ambiente e o campo da manipulação genética.
Há quem diga que as ideias sobre direitos fundamentais são tendencialmente as
mesmas desde o século XVIII. Em 1900 Jellinek estabelece uma distinção (hoje
recuperada por Jorge Miranda) entre a liberdade dos antigos (tal como pensada na
Antiguidade Clássica) e a liberdade dos modernos (séculos XV, XVI,…).
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Direitos Fundamentais
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Autores como Pecas Barba e a prof. Cristina Queiroz têm se debruçado sobre a seguinte questão: serão os DF verdadeiramente
Direitos universais? Por ex. o direito à Segurança Social só será usufruído pelos mais pobres, os mais ricos não terão necessidade
de recorrer aos serviços sociais.
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Resultou do Tratado de Londres em 1949.
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Direitos Fundamentais
▪ Teoria Liberal
Os direitos fundamentais constituem essencialmente direitos de defesa face ao Estado, e
pelo facto de serem direitos de defesa têm uma matriz fortemente individualista. Os
direitos fundamentais teriam o sentido de preservação de uma esfera imune ao poder
estadual. Acentua a dimensão subjectiva dos DF (Vieira de Andrade).
▪ Teoria Institucional
Apresenta semelhanças com a teoria dos valores pois nega aos direitos fundamentais
uma dimensão meramente subjectiva. Os direitos fundamentais, correspondem a
princípios objectivos de organização social e então dependem das necessidades sentidas
pela colectividade. No entanto, tem que se ter em conta quem determina quais serão
essas necessidades. DF entendidos em sentido técnico como instituição: como
necessidades permanentes da colectividade. Tem contornos claramente conservadores e
leva a que nas sociedades corporativas não seja admitido o direito à greve pois os
direitos fundamentais servem para a preservação das instituições vigentes, mais que
para a salvaguarda de valores políticos, morais, ou defesa do cidadão (adopte-se aqui a
noção de instituição de Haurion). Para esta teoria os direitos fundamentais visam
manter uma paz social e uma democracia que é no fundo mais formal.
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Direitos Fundamentais
▪ Teoria Social
Reconhece aos direitos fundamentais três dimensões fundamentais:
o Individual
o Institucional
o Processual
A distinção entre a “liberdade dos antigos” e “liberdade dos modernos” começa a ser tida
por Benjamin Constant e depois Jellinek desenvolve-a, distinguindo três estados:
o Status libertatis9
o Status civitatis10
o Status activae civitatis11
Esta progressão sucede-se ao longo do tempo: primeiramente os direitos fundamentais
situavam-se num Estado de liberdade passando depois para um Estado de cidadania em
que se passa a considerar-se o individuo também como cidadão. Surgem direitos civis,
depois chega-se a uma cidadania activa, com direitos que correspondem
tendencialmente aos direitos políticos previstos na CRP. Mas depois chegou-se à
conclusão de que não basta o Estado garantir certas prestações, há também uma
dimensão processual – que pode ser designada por status activus processualis – para
além das individual e institucional. Esta dimensão processual pode ser:
- Um direito de quota relativamente a uma prestação do Estado;
- Outros autores, concluindo que tal quota é difícil de determinar e que o que os
cidadãos têm direito é a que o Estado esteja organizado de tal forma que o cidadão
beneficie de certas prestações, entendem que esta dimensão processual
corresponde a um direito a que a organização processual do Estado esteja
organizada da forma a que seja mais eficaz.
Hoje a dimensão processual é muito enfatizada. Como é que se relaciona, com os DLG e
os DESC estas prestações do Estado? Se as prestações do Estado estão subordinadas
aos DLG, já os DESC resultam condicionados por essas prestações, por causa da
cláusula do possível. Os DESC existem na estrita medida em que o Estado realiza
prestações que os concretizem (independentemente de previsão constitucional), daí a
subordinação a estas. Daí que se fale nos DESC de uma cláusula do não retrocesso.
Para a teoria social os direitos fundamentais têm a ver com as prestações que o Estado
efectiva. Na sua última versão os direitos fundamentais existem derivados de direito a
uma organização do Estado – o Estado tem que estar organizado de forma a assegurar
prestações subordinadas aos DLG, ou condicionado certos DESC. O que temos,
portanto, é um direito a uma forma de organização do Estado.
Gomes Canotilho parece defender uma teoria social ou processualista dos DF. Uma das
formulações mais clássicas desta teoria é a de Jellinek mas a visão processual como
derivação da teoria social é também defendida por Alexy e Haberle.
▪ Teoria democrático-funcional
Assenta numa ideia próxima à teoria institucional mas é mais específica. Segundo esta
teoria há um determinado princípio que deve sobre todos ser garantido numa sociedade
– o princípio democrático. Todos os direitos fundamentais devem servir para a
preservação do princípio democrático. Isto assenta de algum modo nas chamadas teorias
9
Cidadania = liberdade
10
Cidadania corresponde a uma relação com o Estado
11
Direitos de participação política
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Direitos Fundamentais
▪ Teoria socialista-marxista
Os direitos fundamentais estão dependentes numa relação de subordinação face às
condições económicas de uma sociedade – os direitos fundamentais implicam uma
transformação radical da sociedade. Dá-se importância ao homem mas situado numa
essência social que depende de uma alteração da mesma sociedade. Acaba por ter
alguns pontos de contacto com a teoria social na sua última visão processual que diz
que os direitos fundamentais dependem da forma como está organizada a sociedade e o
Estado.
Conclusões
Em termos puros estas teorias são inconciliáveis, mas hoje em dia podemos falar de
uma multifuncionalidade dos direitos fundamentais que leva a que retiremos de cada
uma destas teorias pontos de apoio para entender os direitos fundamentais. Mas temos
de encontrar um qualquer ponto de apoio, um princípio de unidade interna que
relaciona os direitos previstos na Constituição. Ora a nossa Constituição resulta de um
emaranhado de princípios diferentes, e usa erradamente uma terminologia pouco
correcta e expressões confundíveis quanto a direitos fundamentais, o que torna difícil
encontrar na nossa constituição esse princípio de unidade e antes acentua a sua
multivalência.
Capítulo II: o princípio da dignidade da pessoa humana
Indirectos
Directos
Na generalidade das normas de
(art. 24º, 25º ou 26º,…) DF e nas próprias normas sobre DF
O PDPH encontra-se consagrado de modo fragmentário na CRP, deve hoje ser entendido
constitucionalmente na base de um conceito aberto (a uma pluralidade de concepções),
mínimo e essencialmente relativo (nunca como “um dado fixista, invariável e abstracto”).
Segundo Jonatas Machado, a DPH “representa uma síntese, dotada de elevado grau de
generalidade e abstracção, dos principais desenvolvimentos teológicos, filosóficos,
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Direitos Fundamentais
(Jorge Miranda)
Não existe historicamente uma relação necessária entre DF e a DPH:
▪ Os sistemas que funcionalizam os direitos a outros interesses os fins não
assentam na DPH;
▪ As concepções doutrinais de DPH, de matriz religiosa ou filosófica, podem não ser
acompanhadas de um catálogo de df.
A ligação jurídico-positiva entre DF e DPH só começa com o Estado Social de Direito e,
mais rigorosamente, com as constituições e os grandes textos subsequentes à 2ªGuerra
Mundial. Surge em resposta aos Regimes que “tentaram sujeitas e degradar a pessoa
humana (preâmbulo da Constituição francesa de 1946); Quando se proclama que “a
DPH é sagrada” (art.1 da Constituição alemã de 1949); e ao afirmar-se que “o
desconhecimento e o desprezo dos direitos do homem” tinham conduzido “a actos de
barbárie que revoltaram a consciência da humanidade e que o reconhecimento da
dignidade inerente a todos os membros da família humana e dos seus direitos iguais e
inalienáveis constitui o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo”
(preâmbulo da DUDH).
A Constituição de 1933, após a RC de 1951, já falava em “dignidade humana” (art.
6º/3). Mas, seria a Constituição de 1976 a declarar a República baseada na dignidade
da pessoa humana (art. 1º) e a reiterá-lo em áreas particularmente sensíveis [art. 26º/2
e 67º/2/e)) e, por outra forma no art. 13º/1].
A Constituição confere uma unidade de sentido, de valor e de concordância prática ao
sistema de DF. E ela repousa na DPH, ou seja na concepção que faz da pessoa
fundamento e fim da sociedade e do Estado. Os DLG e os DESC têm a sua fonte ética na
dignidade da pessoa, de todas as pessoas. Mas também todos os outros direitos
remontam também à ideia de protecção e desenvolvimento das pessoas. Para além da
18
Direitos Fundamentais
Projecções da DPH
a) A DPH reporta-se a todas e cada uma das pessoas e è a dignidade da pessoa
individual e concreta.
Característica essencial da pessoa – como sujeito, e não como objecto, coisa ou
instrumento – a dignidade é um princípio que coenvolve todos os princípios relativos aos
direitos e também aos deveres das pessoas e à posição do Estado perante eles. Princípio
axiológico fundamental e limite transcendente do poder constituinte dir-se-ia uma
metaprincípio. È relativamente aberto como todos os princípios – até porque a sua
concretização se faz histórico-culturalmente – não deixa de encerrar um valor absoluto.
Pode haver ponderação da dignidade de uma pessoa com a dignidade de outra pessoa,
não com qualquer outro princípio, valor ou interesse. Reporta-se ao Homem como ser
real e concreto e não a um ser ideal e abstracto. O valor eminente reconhecido a cada
pessoa conduz, antes de mais, à inexistência, em caso algum, de pena de morte (art.
24º/2 CRP) e, coerentemente, à proibição da extradição por crimes a que corresponde,
segundo o direito do Estado requisitante, pena de morte ou outra de que resulte lesão
irreversível da integridade física (art. 33º/6 CRP). Determina ainda a proibição do art.
19/6.
Art. 30º/5 Art. 27º/3/h) Art. 59º/1/b) + Art. 68º/1
Art. 25º + Art. 32º/6 O princípio da culpa em DP. Art. 65º/1
Art. 26º/1 Art. 30º/1 Art. 69º/2
Art. 26º/3 Art. 67º/2/e) Art. 71º/1 + Art. 74º/2/g)
Art. 26º/2 + Art. 35º Art. 206º Art. 72/1 2ªparte
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Direitos Fundamentais
entre homens e mulheres (art. 9/h)), designadamente, no exercício dos direitos civis e
políticos e no acesso a cargos políticos (art. 109º).
e) Cada pessoa vive em relação comunitária, mas a dignidade que possui é dela
mesma, e não da situação em si
Cada pessoa tem que ser compreendida em relação com as demais. Por isso a CRP
completa a referencia à DPH com a referência à “mesma dignidade social” que possuem
todos os cidadãos e todos os trabalhadores (art. 13º/1 e art. 59º/1/b)), decorrente da
inserção numa comunidade determinada, fora da qual “não é possível o livre e pleno
desenvolvimento da sua personalidade” (art. 29º/1 DUDH). E aqui se fundam os deveres
fundamentais (arts. 36º/5, 49º/2, Art. 66º/1, …).
Ainda quando a CRP contempla numerosos direitos particulares e especiais e comporta
certos elementos classicistas e laboristas (art. 54º, art. 63º/2, art. 89, art. 93º/b) e Art.
98º), tal não diminui o empenho constitucional da realização pessoal.
“ O sujeito portador do valor absoluto não é a comunidade ou a classe, mas o homem
pessoal, embora existencial e socialmente em comunidade e na classe”. (Castanheira
Neves)
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Direitos Fundamentais
compostas por homens e mulheres com a mesma dignidade dos de hoje, possam
igualmente desfrutar dos bens da natureza que importa salvaguardar a capacidade de
renovação destes recursos e a estabilidade ecológica.
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Direitos Fundamentais
▪ Direitos naturais
São direitos inerentes ao próprio individuo pelo simples facto de o ser (relacionado com o
Estado liberal). Nem todos são direitos civis, nem direitos fundamentais: na nossa CRP o
conjunto de DF é maior que o conjunto de DN aí previstos (há muitos DF que não têm a
ver com plano pré-positivo/metafísico dos DN).
▪ Direitos civis
A Doutrina fala de Direitos Civis é precisamente em contraponto aos DN. Decorrem da
ideia de contrato social, estabelecido entre indivíduos e a propósito do Estado e do qual
decorrem posições jurídicas subjectivas que têm que ver com Direitos de Participação
Política. Nem todos os DF são Direitos Civis – só os DLG de Participação Politica. A CRP
para além de prever direitos de cada cidadão prevê também DF que são direitos
institucionais: direitos atribuídos a instituições ou direitos atribuídos a
cidadãos/indivíduos integrados em instituições. Mas, os direitos civis não abrangem
esta categoria de direitos, têm somente que ver só com a relação entre cidadão e Estado.
▪ Direitos de personalidade
Há quem entenda que são ± idênticos aos direitos naturais, pois os direitos de
personalidade têm a ver com condições essenciais para o ser e o devir humano, mas nem
todos os DN são direitos de personalidade. Os DP estão previstos no Código Civil e os DF
na CRP. Está essencialmente em causa um âmbito distinto de projecção e relevância das
duas figuras. A previsão encontrada no Código Civil está pensada em termos da
regulação interprivada (eficácia horizontal) - ≠ Direito Subjectivo Público (eficácia
vertical). Quase todos os DP são DF mas o inverso não é verdade. No entanto, o âmbito
de aplicação de um e outro são diferentes: DP – relações interprivadas e DF – relações
interprivadas e face ao Estado; podem ser invocadas directamente face ao Estado.
As teorias mais recentes discutem se há vários direitos de personalidade ou se haverá
um direito geral de personalidade, um único direito que eventualmente possa ser
desmembrado (aqui, em especial, Rabindranath Capelo de Sousa).
▪ Interesses difusos
Correspondem a necessidades que são colectivas, que porventura cada um dos cidadãos
sente individualmente, e que têm que ser “satisfeitas”. Nos direitos subjectivos há
sempre uma relação estreita entre um sujeito e o aproveitamento específico, permitido
por uma determinada norma, de um bem12. Mas nos interesses difusos não há relação
directa entre um indivíduo e um bem porque a satisfação só pode ser conseguida pela
comunidade. Não há possibilidade de desmembramento ou subjectivação
(individualização da satisfação destas necessidade). Ver art. 52º CRP – art. 53º CPA.
▪ Garantias Institucionais
Podem ser entendidas em:
o Sentido lato: correspondem à ideia de fazer perpetuar no tempo a continuidade e
existência de uma instituição;
o Sentido mais restrito: correspondem a princípios objectivos de organização social;
Quando falamos em direitos, liberdades e garantias de religião ou imprensa, mais que
pensarmos num direito ou liberdade de religião/imprensa de cada um, estamos a
acentuar a ideia de garantia, a afirmar um princípio da organização do Estado. Segundo
Jorge Miranda enquanto os DF concedem faculdades de agir aos cidadãos, as garantias
institucionais têm um conteúdo organizatório – servem para lembrar ao Estado que se
organize de forma a respeitar/assegurar esses direitos e liberdades – aqui liberdade de
religião e imprensa.
→ A lei de RC tem que respeitar o art. 288º/d) da CRP, o que é prova evidente que os DF
– aqui como DLG – são entendidos como garantias do Estado de Direito. Para além da
perspectiva subjectiva, os DF têm também a função de garantia do Estado de Direito –
aqui os DF como uma garantia em bloco.
→ Art. 24º/2 CRP – a proibição da pena de morte é uma garantia do Direito à vida.
→ Princípio da irretroactividade da lei criminal – garantia do direito à liberdade e à
segurança.
12
Menezes Cordeiro define direito subjectivo como – “permissão (situação de vantagem) normativa (tem que ser
conseguida directamente pelo instrumento jurídico – caso dos DF é a CRP) específica (a cada um dos cidadãos ≠ IP –
comum) de aproveitamento (situação de vantagem) de um bem (seja ele qual for)”.
24
Direitos Fundamentais
→Art. 66º - acesso ao ensino superior – é DF e também uma GI de que o Estado deve
fazer por aumentar o número de clausus.
Ou seja, se há situações em que é fácil a demarcação DF e GI, noutras não será assim
tão fácil.
▪ Deveres fundamentais
São posições passivas13 – situações em que há uma obrigação jurídica de praticar
ou não praticar determinado facto14. Podem ser formais ou materiais. Quanto a deveres
fundamentais a CRP é muito discreta, desde logo em termos formais, pois não há uma
cláusula geral de deveres fundamentais semelhante à que existe noutras constituições
ou no art. 29º da DUDH, mas está é recebida por via do art. 16º/2. Temos apenas uma
referencia muito fugaz no art. 12º/1 – os cidadãos estão “sujeitos aos deveres previstos
na constituição”. Apesar disso podemos descortinar deveres fundamentais:
o O dever de colaborar com a administração e a justiça;
o O dever de fidelidade à Constituição, ás instituições democráticas e ao
direito, que decorrem do princípio do Estado de Direito.
Exemplos o Art. 103º/3 – Dever de pagamento de impostos;
mais o Art. 276º/1 – Direito e dever fundamental à defesa da pátria (anteriormente
flagrantes. ligado ao dever de cumprimento do serviço militar);
o Art. 36º/5 – Os pais têm o direito e o dever da educação dos filhos15;
o Art. 49º/2 – Direito de sufrágio como dever civico16;
o Art. 64º/1 – Dever de proteger a saúde pública (assim, o Estado pode prever
a vacinação obrigatória);
Mas há situações de fronteira que temos dificuldade em qualificar como direitos ou como
deveres. Por exemplo: no art. 36º/5, é difícil separar o direito à educação do dever de
educar, ou o caso do art. 49º quanto ao direito de sufrágio, ou o artigo 58º.
Nem todas as situações previstas como deveres na CRP têm sentido idêntico, quanto ao
grau de exigibilidade (dever de pagar impostos vs. o dever de educar os filhos), quanto à
generalidade ou especialidade (dever geral ou dever especial), quanto ao facto de
imporem prestações de coisa ou de facto ou deveres de omissão.
13
Enquanto os DF são posições activa.
14
Definição aproximada à do prof. Menezes Cordeiro.
15
Poder-dever ou direitos funcionais;
16
≠ Dever Jurídico, enquanto dever cívico não há possibilidade de sanção.
25
Direitos Fundamentais
constituição, e deveres previstos em lei ordinária que, por maioria de razão, têm que
obedecer a uma lógica mais restritiva. Os deveres fundamentais devem pois, sempre,
oferecer um benefício para a comunidade. Para este autor e dada a sua ideia de
legitimidade, apresenta-se uma visão contratualista dos deveres fundamentais: os
cidadãos têm os deveres que acordam ter. Esta concepção remonta a Hobbes, Locke,
Rousseau, Kant, Buchanan, Rawls, Walzer, Habermas, Dworkin.
Na sua “Teoria da Justiça” Rawls explica porquê que os cidadãos têm deveres: a
sociedade está organizada segundo uma estrutura democrática, que implica uma base
de justiça comutativa e distributiva, e como há uma base justa e democrática então os
cidadãos têm um dever genérico positivo de justiça. È aqui nítida a lógica contratualista:
se a sociedade não tiver uma base democrática e justa, isto é, se não se respeitar o
princípio do bom governo então os cidadãos têm o direito de resistência.
Para Walzer, em “As esferas da justiça”, todos os deveres do cidadão decorrem do dever
de obediência ao direito. Se para Rawls os deveres decorrem da forma de organização
social, para Walzer os deveres de cada cidadão decorrem do dever de obediência ao
direito (entendido aqui em termos materiais: enquanto adesão a um conjunto de
valores).
Paolo Bicaretti Rufia apresentou uma tipologia de Deveres Fundamentais:
Função (1) Impostos
Deveres Fundamentais A todos os cidadãos Defesa da Pátria
podem ser de:
Prestação Especifica17 - imparcialidade
Entende este autor que há ainda deveres que geram direitos. Por ex: art. 276º/4 – este
direito à objecção de consciência é um direito que surge no âmbito do exercício de um
dever, a defesa da pátria. Os deveres enquanto situação negativa podem pois ser espaço
de exercício de direitos (nomeadamente quando se trata de deveres gerais).
Para Jorge Miranda, os DF são posições jurídicas dos indivíduos que têm assento na
Constituição, quer face ao Estado, quer face aos outros cidadãos.
17
Eventualmente, algumas das situações que se prevêem como situações funcionais que não afectam todos os cidadãos caberão
também aqui.
26
Direitos Fundamentais
Para Jorge Miranda a titularidade dos DF é sempre individual, o exercício é que pode ser
colectivo – exercício colectivo de um direito individual. Por exemplo, eu tenho o direito de
reunião mas, e se ninguém se quiser reunir comigo? Ou seja, há direitos que pressupõe
o exercício colectivo mas, que a sua titularidade é individual. Exercício de DF pelos
cidadãos no âmbito de outras associações – art. 10º/2 CRP.
18
Ex. art. 40º da CRP; art. 41º/4 d CRP “as Igrejas são livres” - liberdade de organização e de culto das igrejas; art. 46º/2 CRP.
19
José de Melo Alexandrino distingue: direitos comuns/universais, direitos gerais e direitos particulares. Os direitos gerais são
direitos de todos os cidadãos, portanto no âmbito de um determinado Estado.
27
Direitos Fundamentais
Há uma distinção entre DLG e DESC, nomeadamente na relação que estabelece entre
estes direitos e o tipo – ou fase – de Estado a que correspondem.
Os DLG servem para marcar a delimitação quanto ao âmbito de intervenção dos poderes
políticos; estão ligados ao núcleo essencial do ser homem.
Os DESC implicam uma libertação das necessidades económicas básicas dos indivíduos;
estão ligados ao aproveitamento de bens económicos, sociais e culturais.
Há direitos dos trabalhadores entendidos como DLG e como Direitos Económicos.
Muitos autores utilizam só a expressão “Direitos Sociais” para se referirem a todos os
DESC, ou seja, “Direitos Sociais” pode ser utilizado para o todo ou para a parte.
Krell tem-se dedicado muito aos DF:
- DLG – direitos exercidos contra o Estado;
- DESC – direitos exercidos através do Estado, na
medida em que é necessária a sua intervenção para a
sua efectivação.
Alguns autores entendem que os DLG previstos na Constituição, quando muito
necessitam da intervenção do legislador no caso das normas não exequíveis por si
mesmas.
A “face oculta” dos DF (a questão do custo dos Direitos) é mais visível nos DESC do que
nos DLG.
28
Direitos Fundamentais
DF dispersos e DF extravagantes
DF que a CRP designa como tal – arts. 24º a 79º + art. 16º + art. 17º
Mas os DF podem ser direitos dispersos ou direitos extravagantes.
DF que estão na Constituição mas não São DF que não estão na CRP mas,
na Parte I da CRP; são DF dispersos que “chegam até ela” pelo princípio
pelo texto constitucional. da cláusula aberta/ da não tipicidade
consagrado no art. 16º/1 da CRP.
E, temos ainda os DF de natureza análoga (aos DLG ou aos DESC), que podem ser
dispersos ou extravagantes.
Porquê o art. 17º, ou seja, porquê a sua referência aos DLG? Porque é o regime mais
específico.
Exemplos de DF
dispersos: Art. 10º CRP20 Art. 268º CRP21 Art. 280º CRP22;
20
Há quem diga que apresenta uma previsão de DF mas, não tem grande utilidade já que temos depois o art. 48º CRP;
21
Art. 268º/1 – Informação procedimental específica;
Art. 268º/2 – Informação procedimental genérica – independentemente de eu fazer parte do processo, por uma questão de
transparência; foi concretizado, em 1991, pelo CPA;
Art. 268º/3 – Direito à fundamentação do acto administrativo;
Art. 268º/4 – Direito à impugnação de actos administrativos lesivos;
Art. 268º/5– Direito à impugnação de normas administrativas de eficácia externa lesivas;
22
Art. 20º CRP já vai no mesmo sentido.
29
Direitos Fundamentais
DF extravagantes:
Aqueles que podemos absorver em virtude do princípio da cláusula aberta/ da não
tipicidade do art. 16º/1 da CRP23. Este princípio existe desde a Constituição de 1911 e
deriva do 9º aditamento da Constituição Americana24. Os DF extravagantes podem
resultar de leis ordinárias ou de legislação internacional. O art. 20º da CRP, no que toca
ao acesso à justiça “em tempo útil”, quando ainda não existia, vigorava no nosso
ordenamento jurídico através do art. 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
DESC que alguns autores defendem que são DF de natureza análoga aos DLG:
Art. 58º/2/b)
Art. 63º CRP – em especial 63º/4;
CRP Art. 60º CRP
Art. 115º/2
Art. 280º CRP;
CRP;
Art. 59º/1/b)
Art. 62º CRP
CRP
23
Pela via do art. 16º/2 da CRP, não chegam DF novos, apenas nos diz para interpretar os DF existentes à luz da DUDH.
24
Dela “herdamos” também a fiscalização difusa da Constitucionalidade.
25
Quando os agentes ou funcionários do Estado são responsáveis – direito de Regresso por parte do Estado do que pagou ao
abrigo deste artigo.
30
Direitos Fundamentais
26
Ver art. 115º/1 sobre um direito excluído aos não-residentes;
31
Direitos Fundamentais
2727
Partilha de uma concepção ampliativa da titularidade dos DF por pessoas colectivas, contrariamente a Vieira de Andrade.
32
Direitos Fundamentais
Carácter multidimensional da Igualdade, já que ela pode ser percebida na CRP como:
- Uma aspiração da comunidade;
- Um valor constitucional e um princípio constitucional estruturante (que se revela e
projecta nos mais variados princípios e regras constitucionais);
- Uma dimensão relevante das tarefas políticas do Estado, acompanhada de uma ampla
serie de comandos de diferenciação material.
- Uma qualidade dos direitos fundamentais;
- Um pressuposto e uma componente da democracia política e do Estado de Direito;
- Um critério jurídico de interpretação e um critério ou parâmetro de controlo;
- Um elemento de base de direitos especiais de igualdade;
33
Direitos Fundamentais
As normas devem ser interpretadas No seu conteúdo, a lei deve proteger todas as pessoas
e aplicadas sem fazer distinções de forma intrinsecamente igual – equal protection and
entre os destinatários; raiz histórica benefit of the law. Historicamente, a igualdade, neste
associada ao Estado de Direito sentido, pressupunha a lei geral e abstracta, mas com a
liberal. superação do Estado liberal, a igualdade na criação do
Direito passa a ser entendida também como exigência
de tratamento igual do que é igual e de tratamento
desigual do que é desigual. Assim, incorpora-se uma 3ª
componente: a dimensão de igualdade material.
Entre, nós, o princípio geral da igualdade não tem sido tomado (nem pela doutrina, nem
pela jurisprudência, nem pelo legislador) como direito geral de igualdade. Em
contrapartida, é generalizadamente aceite a existência de direitos especiais de igualdade
[ex: art. 26º/2; art. 36º/1, 3 e 4; art. 38º/4, art. 41º/2 a 5; art. 47º/2, art. 50º/1; art.
55º/2; art. 58º/2/b); etc.].
Há quem entenda que o princípio geral da igualdade não deve ser visto como um direito
das pessoas mais do que como um dever do Estado. Este traduz-se na necessidade de
justificação (ou seja, da presença de fundamento material bastante) em todas as acções
ou intervenções do Estado que se mostrem em contradição (potencial ou real) com a
“referência” da igualdade. Assim, segundo esta tese a igualdade é primeiro um dever e só
depois um direito; refere-se a acções do Estado (descrevendo um dever deste), sem que
daí resulte de imediato um direito para os particulares28.
ii.
O art. 13º/2 não proíbe as discriminações em geral mas tão-só as discriminações
infundadas.
- Os factores (as “categorias suspeitas”) enunciados no art. 13º/2, fazem parte de uma
lista aberta e exemplificativa (e não taxativa);
- O princípio da proibição de discriminações traduz uma norma geral que cede perante
norma especial;
- O principio da proibição de discriminações funciona essencialmente como presunção
no sentido de que qualquer discriminação estabelecida em função desses factores
suspeitos será inconstitucional, a menos que se prove a presença de uma adequada
justificação constitucional, activando-se aí um critério de controlo acrescido;
- O critério que tem sido tradicionalmente utilizado pelo TC para avaliar o fundamento
dessas discriminações tem sido o da “proibição do arbítrio”29 – proibição das
diferenciações de tratamento sem fundamento material bastante ou assentes em
categorias meramente subjectivas ou não justificadas à luz dos valores constitucionais.
- O art. 13º/2 não enuncia qualquer direito fundamental, ainda que lhe possa ser
estendido o regime dos DLG.
28
Diferentemente estaria a liberdade: esta é primeiro um direito e só depois um dever; tem a ver com acções das pessoas (descritas
como direito destas), obrigando-se o Estado a perseguir esse fim;
29
Considerado insuficiente pela doutrina.
34
Direitos Fundamentais
ii)
• Princípio da proporcionalidade
Subprincípio do Estado de Direito, tem a sua centralidade máxima no art. 18º/2 da
CRP, que também resulta nas suas três vertentes (necessidade, adequação e proibição
do excesso), ao art. 2º da CRP (Estado de Direito Democrático).
Esta cada vez mais assente no entendimento da doutrina e até da jurisprudência, de
que este princípio é também aplicável aos DESC, nomeadamente, em matéria de
restrições e na afectação de direitos pelo legislador ordinário, e que é relevante para o
35
Direitos Fundamentais
Múltiplos corolários:
- O direito a obter uma decisão de mérito sobre o
fundo da causa;
- O direito a que os pressupostos processuais
sejam conformes à essência do princípio geral;
- A garantia da devida execução das sentenças
dos tribunais.
Em alguns casos, a CRP prevê que exista um “reforço de protecção jurídica” de certos
direitos (ex: art. 20º/5) ou institui de imediato fórmulas para esse efeito (ex: habeas
corpus – art. 31º - que constitui uma modalidade de acção de defesa do direito à
liberdade). Ainda assim, a nossa Constituição não instituiu uma forma de acesso directo
das pessoas ao TC para impugnação da violação de direitos fundamentais (em especial
DLG pessoais), pelos órgãos do Estado em geral ou por decisões dos tribunais.
• O direito de resistência30
Consagrado no artigo 21º da CRP, foi durante muito tempo considerado a pedra de
toque do regime dos DLG, pois representava a ideia de efectividade (prática) do
reconhecimento de DLG, hoje tem-se como umas das expressões visíveis da
aplicabilidade directa dos DLG. Jorge Miranda acentua que no direito de resistência
“ressalta, mais uma vez, o contraste entre DLG e direitos sociais”. È uma regra sobre
direitos, uma forma de (auto)tutela dos DF, mas também um verdadeiro direito
autónomo, considerado como DF de natureza análoga. A resistência pode ser passiva ou
activa, vale para os poderes públicos e pode ser feita valer nas relações privadas,
servindo para proteger a generalidade dos DLG.
- Efeitos do direito de resistência:
A justificação jurídico-criminal do facto (art. 31/2/b CP);
A desnecessidade de previa decisão judicial.
Vieira de Andrade: o direito de resistência é “um meio que, em regra só tem sentido
como ultima ratio, e de que o particular deve, em qualquer caso, fazer uso prudente,
quando esteja convencido, pela gravidade e evidência da ofensa, de que há violação do
seu DF”, tendo a esse respeito inteira razão de ser a aplicação das máximas da
proporcionalidade.
Alem deste princípio geral, a CRP consagra outras modalidades de resistência,
nomeadamente:
Direito colectivo dos povos à insurreição contra todas as formas de opressão
(art.7º/3, in fine);
Direito ao não pagamento de impostos inconstitucionais (art. 103º/3)
30
José de Melo Alexandrino inclui-o no regime específico dos DLG.
37
Direitos Fundamentais
• Mecanismos de defesa
Vieira de Andrade: a garantia principal dos direitos fundamentais “resulta deles
próprios, do seu enraizamento na consciência histórico-cultural da humanidade e da
sua tradução estrutural em cada sociedade concreta”. Nessa medida, todo o
ordenamento jurídico de uma comunidade está ao serviço da tutela dos direitos
fundamentais.
31
José de Melo Alexandrino inclui-o no regime específico dos DLG.
38
Direitos Fundamentais
Dimensão Material:
• Aplicabilidade directa
Encontra-se prevista no art. 18º/1 da CRP e significa que os preceitos que enunciam
DLG são normas susceptíveis de execução imediata (constituem direito actual e efizaz),
podendo ser directamente invocadas pelos seus beneficiários. A aplicabilidade directa é
uma consequência, por um lado, da “vinculatividade plena” dessas normas de direitos
fundamentais e, por outro lado, é ainda consequência de o conteúdo de certos direitos
fundamentais estar imediatamente configurado na Constituição: pode-se chegar à
determinação do conteúdo do direito por mera interpretação das normas constitucionais
(sem necessidade de lei). Estamos aqui perante algo mais intenso do que já resultaria do
princípio da constitucionalidade (art.3º/3 da CRP): a forma, o conteúdo e a aplicação da
lei tem de fazer-se em conformidade com a Constituição. Ora, no domínio dos DLG, a lei
recebe uma “segunda instrução” de constitucionalidade: a lei nunca poderá exorbitar do
âmbito constitucional (dos efeitos de protecção que irradiam) dos DLG. Mas, atenção a
esta “segunda instrução”:
- Ela não impede o legislador de editar leis a respeito desses direitos (designadamente de
leis que disciplinem o respectivo exercício, que previnam abusos ou harmonizem
conflitos entre os distintos direitos);
- Nem todos esses preceitos constitucionais são plenamente exequíveis por si mesmos, já
que alguns deles carecem de uma necessária complementação legislativa (ex: art. 26º/2,
ou o art. 35º/1 da CRP). Neste caso a aplicabilidade directa implica que o legislador está,
de imediato, obrigado a emitir a(s) lei(s) necessárias para a plena exequibilidade desses
39
Direitos Fundamentais
DLG. Não o fazendo, ocorrerá inconstitucionalidade por omissão (art. 283º CRP) – é a
esse propósito que se fala na doutrina em “omissões absolutas”;
ii. O legislador:
Não pode designadamente editar leis que afectem desfavoravelmente o
conteúdo jurídico-constitucional dos direitos fundamentais, quer por
contradição ou lesão directa, quer por violação dos requisitos constitucionais
aplicáveis;
Ao concretizar, desenvolver e configurar os direitos fundamentais e a própria
ordem jurídica, o legislador está vinculado a adoptar as soluções que se
conformem com os efeitos de protecção das normas de DLG;
Existe para o legislador, um dever geral de protecção e diversos deveres
especiais de protecção de DLG, seja essa protecção jurídica ou não jurídica;
Dimensão de institucionalização, organização e processo;
iii. Quanto à administração pública (central, regional, local, civil ou militar, etc.), a
sua subordinação ás regras e aos princípios constitucionais está expressamente
prevista no art. 266º/1 e 2 da CRP. Assim, toda a actividade administrativa e
32
Sem excluir a própria função de revisão constitucional.
40
Direitos Fundamentais
Têm-se discutido a seguinte questão: estando perante uma lei inconstitucional, por
violação de DLG, poderão os órgãos administrativos recusar-se a aplicar essas normas
legais (desaplicação)? Em geral, não.
iv. Quanto aos tribunais, sendo eles o último reduto da tutela dos DLG, a CRP
conferiu-lhes, por um lado, o poder de apreciarem a inconstitucionalidade e de
41
Direitos Fundamentais
Qual o sentido a conferir a este enunciado? Resposta tem sido dada a partir de
vários modelos explicativos:
Doutrina da eficácia indirecta (ou da aplicação mediata)
Doutrina da eficácia directa (que pode operar de modo mediato ou de modo
imediato)
Doutrina dos deveres de protecção estadual.
33
Mas atenção alguns defensores desta doutrina concebem-na com uma aplicação mediata.
42
Direitos Fundamentais
É preciso notar que, por um lado, são muitos diferenciados os DLG, havendo
muitos em que não se coloca a qualquer problema de privados; por outro lado
temos que distinguir duas situações:
➢ As relações típicas entre particulares (entre iguais): funcionará plenamente a
regra geral, regendo então o princípio da autonomia e da liberdade, que não
deve ser afastado pela aplicação directa das normas de DLG. No caso de
colisões normativas, estas devem ser resolvidas através da aplicação de
regras de Direito privado (e, à falta de outras, através de clausulas como as
de ordem pública ou dos bons costumes).
➢ As relações privadas de poder: aqui pode justificar-se uma aplicação
imediata de certos preceitos constitucionais de DLG e de realidades a eles
análogos. Mas, ainda aqui, fora de esquemas de como os da interpretação
conforme à Constituição, deve ser o legislador a activar o dever de protecção,
no sentido de proteger a situação jusfundamental da parte mais débil.
43
Direitos Fundamentais
As afectações de DLG podem ser legítimas, mas também podem ser inconstitucionais. E
mais, uma afectação à partida legitima pode afigurar-se inconstitucional (por não ter
respeitado os parâmetros definidos para a sua produção).
São em geral legítimas, desde que cumpram os requisitos constitucionais que lhes são
aplicáveis, as seguintes modalidades de afectação de um DLG:
As restrições
As intervenções restritivas
A suspensão de DLG
A existência de relações de estatuto especial
A extinção de um DLG, conforme ao sentido do limite material de revisão;
A auto-limitação de direitos;
As limitações;
Outras situações de colisão normativa;
São inconstitucionais:
O sacrifício (que corresponde a uma hipótese qualificada de violação do direito à
vida);
A violação de qualquer DLG
A renúncia a um DLG considerado em abstracto
A extinção pelo legislador de um DLG individual, autónomo e primário
1. Os DLG (como DF em geral) são diferentes uns dos outros: na sua estrutura, no
seu peso axiológico, na sua formulação jurídica, na sua articulação com outras
normas da Constituição e nas respectivas possibilidades de afectação – postulado
da diferenciação.
2. Não há DLG (nem DF) ilimitados: eles são limitados desde logo pela presença de
outros direitos, bens e interesses tutelados, pela existência de outros titulares –
postulado da relatividade.
34
Porque dentro de determinados limites pode ser considerada uma afectação legítima: no caso de limite constitucional directo ( é
prevista pela própria CRP) e de limite constitucional indirecto (introduzido por uma lei restritiva, por uma lei com base numa
autorização constitucional)
44
Direitos Fundamentais
3. Um DF, seja ele qual for mas sempre diferenciadamente, pode sofrer múltiplas
formas de compressão e múltiplas modalidades de afectação – postulado da
mobilidade.
b)
Teoria ampla da previsão Teoria restrita da previsão
Todas as hipóteses que possam Há hipóteses que, muito embora pudessem
teoricamente caber na previsão do direito reentrar na previsão de um direito, não
não podem à partida ser excluídas do podem afinal considerar-se protegidas pelo
direito. DF, cuja previsão deve pois ser
interpretada restritivamente.
c)
DF como princípios DF como garantias concretas e pontuais
Partem de uma distinção entre regras e Os DF são garantias pontuais que, uma
princípios: se as normas DF forem regras vez delimitadas, não podem ser livremente
(comandos definitivos), os direitos por elas restringidas por uma possibilidade de
garantidos são direitos definitivos, não ponderação com outros bens e interesses.
admitindo por isso nenhuma restrição; se
forem princípios (mandatos de
optimização) os direitos por eles garantidos
podem ser restringidos em face do peso de
princípios opostos (segundo a “lei da
ponderação”).
45
Direitos Fundamentais
Limites dos DF: são normas que, de forma duradoura, excluem directamente âmbitos ou
efeitos de protecção ou que são fundamento susceptível de afectar as possibilidades de
realização de normas jusfundamentais, ou seja, são normas que excluem a protecção ou
afectam as possibilidades de realização de um DF.
35
≠ De restrição.
46
Direitos Fundamentais
Duas dimensões:
Dimensão negativa: as matérias reservadas à lei não podem ser
reguladas por outras formas diferentes da lei;
Dimensão positiva: deve ser a lei a estabelecer efectivamente (com
suficiente grau de certeza, precisão e densidade) o regime jurídico
das matérias em questão. Portanto, visa-se aqui assegurar um
princípio de reserva material total de lei, pois a falta de certeza,
precisão e nitidez de contornos de uma determinada regulamentação
legal tornaria mais incerta a garantia da liberdade, alargando
correspondentemente as margens de actuação restritiva do Estado e
podendo gerar efeitos inibidores do exercício da liberdade (Jorge Reis
Novais).
36
Que a doutrina por vezes designa “limites dos limites”
47
Direitos Fundamentais
Mas nem todas as leis relativas a DLG são leis restritivas, temos:
Leis restritivas: as que afectam desfavoravelmente o conteúdo ou o efeito de
protecção de um DF previamente delimitado, sejam elas expressamente
autorizadas ou implicitamente autorizadas;
Leis não restritivas: todas as que não se traduzem em afectação do direito.
- Leis configuradoras: aquelas que, por expressa indicação
constitucional, cunham ou determinam o conteúdo de determinado
direito; não é uma restrição, mas um trabalho de configuração do
direito.
- Leis concretizadoras: têm essencialmente a função de regular ou
favorecer o exercício dos direitos; ex: as leis clarificadoras dos
conceitos, as leis de protecção e as leis criadoras de pressupostos de
organização e procedimento (Peter Lerche).
48
Direitos Fundamentais
Jorge Reis Novais: o legislador constituinte português proclamou (no art. 18º)
uma regra que não tem correspondência na natureza das coisas, pois é da
natureza dos DF eles entrarem em colisão uns com os outros; se é verdade que
os DLG são trunfos, eles podem ser batidos por trunfos mais altos.
José de Melo Alexandrino: a figura das restrições implicitamente autorizadas, que devem
respeitar os mesmos requisitos de Estado de Direito aplicáveis às leis restritivas
expressamente autorizadas, assim se preserva a função de advertência e a função
garantística da regra do Art. 18º/2.
▪ O princípio da proporcionalidade
Está particularmente presente no funcionamento do sistema de DF, pelo que é
componente do regime comum ou geral dos DF. Tem múltiplos afloramentos e
alusões no texto constitucional (em especial nos arts. 18º/2 e 3, 19/3,4 e 8,
266º/2, 272º/2, 284º/4). Constitui a referência fundamental, em particular no
que respeita ao enquadramento dos limites e das restrições aos DLG e em geral
de quaisquer outras afectações dos DF, domínios onde aparece normalmente
articulado, embora se não confunda com ela, com a metodologia da ponderação
de bens. O fundamento do princípio da proporcionalidade encontra-se nas
referências que animam a essência do Estado de Direito: liberdade, autonomia,
igualdade, justiça.
O princípio da proporcionalidade em sentido amplo constitui um verdadeiro
superconceito, que tem sido tradicionalmente decomposto em três dimensões:
Adequação
Necessidade
Proibição do excesso (ou princípio da proporcionalidade em sentido
restrito).
Adequação
As medidas restritivas devem ser aptas ou idóneas para realizar o fim
prosseguido pela restrição. Está em causa uma relação objectiva e empiricamente
comprovável entre um meio e um fim. A medida restritiva será inapta se os efeitos
dessa medida se revelarem indiferentes ou contrários à realização do fim em
vista. Os fins terão que ser legítimos (não atentando, por exemplo, contra
postulados fundamentais da justiça) e, além disso, terão que ser jurídica e
materialmente possíveis. Alguns autores, como Jorge Reis Novais, definem o
quadro de fins por remissão para o art. 29º/2 da DUDH. Para José de Melo
Alexandrino, tal entendimento, embora insuficiente, traduz, em todo o caso, uma
boa linha de orientação.
49
Direitos Fundamentais
Necessidade
Deve-se recorrer ao meio menos restritivo para atingir o fim em vista – “não se
deve utilizar um canhão para disparar aos pardais” (Fleiner). A necessidade afere-
se então pela comparação entre os prejuízos provocados por esse meio e os
prejuízos que seriam provocados pela utilização de um meio alternativo (sendo
que os prejuízos devem ser considerados numa perspectiva abrangente de
afectação da liberdade ou de outras normas de garantia”. Assim, pressupõe a
comparação sucessiva de vários cenários (“constelações ou complexos de relações
meio/fim”), comparação essa que nem sempre estará ao alcance do juiz. O teste é
satisfeito, na situação óptima, quando:
1. O meio seja o menos agressivo;
2. Seja o mais eficaz ou igualmente eficaz; e
3. Quando não existam efeitos colaterais negativos.
Proibição do excesso
Visa-se apurar o equilíbrio na relação entre a importância do fim visado e a
gravidade do sacrifício imposto. O subprincípio da justa medida tem a ver com a
ideia de pesar, de equilibrar, de ponderar as vantagens e desvantagens presentes
num determinado cenário de restrição, apresentando alguma semelhança com a
análise económica dos custos/benefícios de uma decisão.
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Gomes Canotilho, por outro lado, aponta a rigidez da norma e defende que a generalidade não é condição suficiente nem
necessária da igualdade.
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Direitos Fundamentais
A suspensão de DLG
O art. 19º da CRP diz respeito às situações de excepção ou de necessidade
constitucional, a que correspondem o estado de sítio e o estado de emergência. Aí se
prevê a possibilidade de suspensão de DLG. Define-se suspensão como a afectação dos
DLG que, pressupondo uma declaração de estado de sítio ou de estado de emergência,
feita na forma prevista na Constituição, atinge em abstracto certos efeitos de protecção
da norma de DF. Portanto, a suspensão só pode ocorrer tendo-se verificado a declaração
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Direitos Fundamentais
de estado de sítio ou de estado de emergência, que, por sua vez, depende de uma série
pressupostos e requisitos:
Pressupostos materiais da declaração: verificação de uma das 3 situações
enumeradas no art. 19º/2 – princípio da tipicidade dos pressupostos.
Requisitos materiais da declaração: a fundamentação e a especificação dos
respectivos pressupostos (art. 19º/2 e 3), de onde decorrerá a escolha do tipo de
estado de excepção e a extensão (total ou parcial).
Limites internos da declaração: o respeito pelo princípio da proporcionalidade, a
fundamentação, a especificação dos DLG suspensos e o prazo (art. 19º/4, 5 e 6).
Limites formais da declaração: a emissão de um decreto do PR, que depende da
audição do Governo e da autorização da AR [arts. 134º/d), 138º/1 e 2, 197º/1/f)],
acto sujeito a posterior referenda e publicação (que também se estende à resolução
da AR).
Limites institucionais: não afectação do núcleo de organização política inerente ao
Estado de Direito (art. 19º/7), a proibição de dissolução da AR (art. 172º/1 e 2) e a
proibição da prática de qualquer acto de revisão constitucional (art. 289º).
Diferentemente da restrição, que tem uma vocação definitiva, a suspensão constitui uma
afectação temporalmente e até por vezes espacialmente (art. 19º/2) limitada, uma vez
que o estado de excepção, por regra e sem prejuízo de eventuais renovações, não pode
ter duração superior a 15 dias (art. 19º/5). Na medida em que a suspensão incide
apenas sobre o exercício do direito, a intensidade da afectação é, em principio, menor na
suspensão do que na restrição.
Temos que apurar a legitimidade constitucional desta figura, visto que não está
expressamente prevista na Constituição.
Ora, na sua dimensão político-constitucional e valorativa, um DF, qualquer que seja, é
indisponível e inalienável. Assim, a admitir-se a renúncia, esta não ocorre no plano do
DF como um todo, mas ao nível de uma posição concreta ou ao nível de determinados
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Direitos Fundamentais
Quanto ao titular:
- Se for menor (ou incapacitado), o consentimento que, em seu nome, possa ser prestado
pelos pais, ou pelas pessoas por ele responsáveis, não se integra na categoria da
renúncia, uma vez que o “representante” em causa não tem o poder de dispor sobre o
abandono das pretensões, faculdades ou poderes que dele decorrem. Aqui a afectação do
Direito é heterónoma (e não voluntária), podendo traduzir-se numa violação do direito ou
se lícita, numa intervenção restritiva.
- É condição necessária (mas não suficiente) que a declaração de vontade tenha sido
livre (de constrangimentos exteriores) e esclarecida (designadamente quanto às
consequências da decisão) e ainda que não tenham com isso sido afectadas de forma
grave as condições futuras de conformação da própria vida, o que pressupõe,
devidamente entendida, a possibilidade de revogação da declaração de renuncia e não a
definitividade desta (reserva da revogação a todo o tempo).
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Direitos Fundamentais
Uma das mais importantes relações de estatuto especial na CRP é a que respeita
à situação dos militares (dos agentes militarizados e dos agentes dos serviços e
das forças de segurança), mas a CRP também se refere expressamente aos presos
(art. 30º/5) e aos funcionários públicos (arts. 269º e 271º). A CRP prevê desde
1982, no art. 270º, uma habilitação constitucional de restrições ao exercício de
direitos. Aí atesta-se a existência de uma relação de estatuto especial (cuja base
constitucional deixa de se poder questionar), identificam-se os direitos
incompatíveis (o direito à greve) e os direitos que podem ser objecto de uma
afectação especial, ficando os demais sujeitos à regra gera da indiferença. A
norma do art. 270º acaba por constituir, nesta matéria, um “limite dos limites”,
desempenhando assim uma função de garantia (≈ art. 18º/2). Além disso, esta
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Direitos Fundamentais
Sendo DF estão automaticamente sujeitos ao regime geral ou comum dos DF, sendo que
certas dimensões de alguns deles, por terem natureza análoga, podem beneficiar do
regime especifico dos DLG.
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grande prudência, por certo também induzida pela crise do Estado social e pela
prudente observação da inevitabilidade das intervenções do legislador no sentido do
enfraquecimento dos níveis anteriormente concretizados. José de Melo Alexandrino
entende que se deve recusar um princípio constitucional autónomo da proibição do
retrocesso social. Tal conclusão baseia-se na combinação dos princípios da realidade, da
razoabilidade e da vinculação do Estado ao Direito, bem como a necessidade de uma
resposta preferencial à satisfação das condições materiais (de existência, de autonomia e
de poder) das pessoas e dos grupos em situação de maior desprotecção – o que, no
limite, não exclui a distribuição entre nações.
Os DF de natureza análoga
São os DF (ou as posições de DF) que, não estando previstos nos artigos 24º a 57º da
Constituição, por força de um critério jurídico de qualificação, tenham um objecto e
mereçam um tratamento análogo aos DLG.
→ Funções suplementares
A possibilidade de existirem DF de tipo híbrido (ou seja, direitos que reúnam
em si as características técnico-jurídicas qualificadoras tanto dos DLG como dos
DESC);
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