Souto (2012)

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLÂNDIA

ADILOUR NERY SOUTO

Do ensino público ao ensino privado: uma análise da


Escola Santa Terezinha em Ibiá-MG (1937 a 1959)

Uberlândia – MG
2012
ADILOUR NERY SOUTO

Do ensino público ao ensino privado: uma análise da


Escola Santa Terezinha em Ibiá-MG (1937 a 1959)

Dissertação apresentada ao programa de Pós-


Graduação em Educação da Universidade
Federal de Uberlândia, como requisito
parcial para a obtenção do título de Mestre
em Educação.

Área de concentração: História e


Historiografia da Educação.

Orientadora: Profa. Dra. Betânia de Oliveira


Laterza Ribeiro.

Uberlândia – MG
2012
ADILOUR NERY SOUTO

Do ensino público ao ensino privado: uma análise da


Escola Santa Terezinha em Ibiá-MG (1937 a 1959)

Dissertação apresentada ao programa de Pós-


Graduação em Educação da Universidade
Federal de Uberlândia, como requisito
parcial para a obtenção do título de Mestre
em Educação.

Área de concentração: História e


Historiografia da Educação.

Dissertação defendida e aprovada pela banca examinadora em: ____/____/_____

BANCA EXAMINADORA:

_________________________________________________________
Profa. Dra. Betânia de Oliveira Laterza Ribeiro (Orientadora)

_________________________________________________
Prof. Dr. José Carlos Souza Araújo (UFU)

___________________________________________________
Profa. Dra. Debora Mazza (UNICAMP)
A meu pai Adilson Souto, cuja existência foi marcada
pelo entusiasmo e a caridade. Homem simples que, tendo
apenas o 4° ano primário, possuía a sabedoria de
doutores. Que comemorou cada conquista ao longo de
minha vida acadêmica. Que se consumiu como uma vela
para que sua família fosse edificada em bases sólidas.
AGRADECIMENTOS

A Deus, criador de tudo, por conceder-me determinação, ciência e sabedoria para desenvolver
este trabalho.
À Betânia Oliveira Laterza Ribeiro, orientadora e mãe intelectual pelas dúvidas esclarecidas e
material disponibilizado para a construção da pesquisa e compreensão nos momentos de
dificuldade.
À minha esposa Sirlene Cristina de Souza, pelo carinho, dedicação e cumplicidade.
À minha mãe Maria de Lourdes Souto, que mesmo não compreendendo a relevância do
trabalho à distância torce e manisfesta com frequência afeto, carinho e saudade.
À Luciene Maria de Souza, que acreditou e nos fez acreditar na realização deste trabalho.
A meus irmãos de sangue Fábio e Marilson; aos de consideração Vilmar, Siomar, Simone, aos
sobrinhos e sobrinhas pelo incentivo e motivação.
Aos depoentes que acolheram este trabalho com muita seriedade e me receberam com muito
carinho.
À Adriana Cristina França, amiga fiel pelo empenho e dedicação no agendamento das
entrevistas.
À Inês Nascimento, Secretária de Educação de Ibiá, pelo envolvimento e por disponibilizar
toda sua equipe para auxiliar na pesquisa empírica.
Às professoras da Escola Santa Terezinha Célia Cendón, Maria José Cendón e Vicentina
Cendón pelas horas agradáveis que passamos juntos e por haver disponibilizado o rico acervo
documental de sua instituição de ensino.
Ao prof. dr. José Carlos Souza Araujo e o prof. dr. Sauloéber Tarsio de Souza pelas
observações apresentadas no exame de Qualificação contribuindo para o aprimoramento do
texto;
Ao Diretor Administrativo do IFTM, Anivaldo Franco de Paula pela compreensão da
importância do trabalho e liberações para desenvolvimento da pesquisa.
Ao Professor Humberto F. S. Minéu, pela acolhida e manifestação de estimulo nos momentos
de angústia e pelas conversas agradáveis nos momentos de descontração.
Aos amigos Carlos, Cassio, Gean e Marlon que carinhosamente me receberam em Uberlândia
nesses dois anos de estudos;
E a todas as inúmeras pessoas que de alguma maneira, próximas ou distantes, tornaram
possível a construção deste trabalho.
RESUMO

O presente estudo situa-se na área da História e Historiografia da Educação e está associado


ao contexto histórico e às circunstâncias em que se deram as relações entre o ensino público e
privado no município de Ibiá-MG, mediante a análise do processo de criação da escola
particular Santa Terezinha. Trata-se de uma pesquisa sobre o movimento dinâmico que
envolveu o debate em torno da democratização da educação primária na região do Alto
Paranaíba (Ibiá-MG), bem como das disputas e consensos que acompanharam a estruturação e
generalização das instituições de ensino pública e privada dessa modalidade de ensino no
Brasil, entre os anos de 1937 a 1959. O período está compreendido entre a Constituição de
1937, marco da criação da Escola Santa Teresinha em Ibiá, e 1959 quando ocorre a alteração
no estatuto dessa instituição de ensino convergindo com um momento de grande
efervescência político-ideológica entre a iniciativa de ensino pública e privada em todo o país.
O objetivo geral foi analisar a relação do ensino público primário, representado pelo Grupo
Escolar Dom José Gaspar, e a iniciativa privada, representada pela Escola Santa Terezinha,
inventariando as suas formas históricas de manifestação, observando as imbricações,
aproximações e os afastamentos operados entre essas duas dimensões de ensino. Promoveu-se
uma interpretação acerca dos limites da interação e dos conflitos estabelecidos entre o ensino
público e o privado, ao longo do processo de institucionalização da educação no Brasil. O
estudo desenvolvido teve como princípio as realidades política, econômica e sócio-
culturalmente construídas no período em apreço. Buscou-se compreender o processo de
escolarização no Brasil, particularmente nos rincões das Gerais, como parte integrante da
sociedade formada no período delimitado. A heurística contou com dados quantitativos e
qualitativos obtidos na consulta das fontes documentais, orais e iconográficas, submetidas a
análises explicativas ancoradas no método dialético. Pelos dados obtidos conclui-se que
enquanto no plano nacional o debate político-ideológico entre a iniciativa de ensino público e
privado se acirrava, no universo local percebemos que o acordo firmado entre a Escola Santa
Terezinha e o Grupo Escolar Dom José Gaspar reflete a política clientelista do Brasil. De
forma que essas duas instituições de ensino, antagônicas em sua essência, se integram
configurando ora uma relação de conflito ora de complementaridade.

Palavras chaves: Ensino Público, Ensino Privado, Escola Santa Teresinha.


ABSTRACT

This research is inserted in the area of History and Historiography of Education. It is


associated with the historical context and the relationship circumstances between public and
private schools in Ibiá-MG, by analyzing the process of creation of Santa Terezinha private
school. It is a study of the dynamic movement that involved the debate on the democratization
of the elementary education in Alto Paranaíba (Ibiá-MG), as well as disputes and consensuses
that followed the structure and spread of educational public and private institutions in Brazil,
from 1937-1959. The period is from the 1937 Constitution, when Santa Terezinha school was
created in Ibiá, and 1959 when of the change in the by-law of the school converging with a
time of great political-ideological excitement between the public and private initiative
throughout the country. The overall objective was to analyze the relationship of the
elementary teaching, represented by Dom José Gaspar School, and the private sector
represented by Santa Therezinha School, in order to conduct an inventory of their historical
forms of expression, observing the relationships between those two sectors of teaching. We
interpreted the interaction limits and conflicts between the public and private schools,
throughout the process of institutionalization of education in Brazil. The study had as
principle the political, economic and socio-cultural realities constructed in that period. We
tried to understand the schooling process in Brazil, particularly in Minas Gerais, as part of the
society formed in that period. The heuristics included quantitative and qualitative data
obtained from documentary, oral, and iconographical sources that were subject to explanatory
analyzes anchored on the dialectical method. Data revealed that while in the national level the
political-ideological debate had been strong between the public and private education, in the
local universe the agreement between the two schools reflects the political patronage in
Brazil. So those two schools, although antagonistic in essence, integrate each other
configuring both a relationship of conflict and complement.

Keywords: Public teaching. Private teaching. Santa Terezinha School.


LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ABE – Associação Brasileira de Educação


CEMIG – Companhia Energética de Minas Gerais
CNE – Conselho Nacional de Educação
CNEP – Comissão Nacional de Educação Primária
EST – Escola Santa Terezinha
JK – Juscelino Kubistchek
LDB – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
LOEP – Lei Orgânica do Ensino Primário
MEC – Ministério de Educação e Cultura
MG – Minas Gerais
PNE – Plano Nacional de Educação
PSD – Partido Social Democrático
QI – Quociente de Inteligência
UDN – União Democrática Nacional
LISTA DE FIGURAS

FIGURA 1 – Posição do município de Ibiá no Estado de Minas Gerais...................................60


FIGURA 2 – Grupo Escolar de Ibiá (1960)..............................................................................64
FIGURA 3 – Praça São Pedro (1945).......................................................................................65
FIGURA 4 – Visita do Governador Juscelino Kubistchek no município de Ibiá em 1951.......76
FIGURA 5 – Empresa Rodrigues e Freitas LTDA em Ibiá (1948) ..........................................77
FIGURA 6 – Instalações da Empresa Rodrigues e Freitas LTDA em Ibiá (1948)....................77
FIGURA 7 – Boleto da mensalidade da Escola Santa Terezinha (1946).................................82
FIGURA 8 – Parecer de avaliação da monografia de Célia Cendón (1936)............................89
FIGURA 9 – Desenho dos uniformes masculino e feminino da Escola Santa Terezinha
(1937)........................................................................................................................................96
FIGURA 10 – Primeira comunhão dos alunos da Escola Santa Terezinha (1949)..................99
FIGURA 11 – Fotografias de momentos solenes dos alunos da Escola Santa Terezinha
(1949).......................................................................................................................................99
FIGURA 12 – Primeira comunhão dos alunos da Escola Santa Terezinha (1948)................100
FIGURA 13 – Contribuição do Grupo Escolar Dom José Gaspar à Fundação Leão XIII
(1951)......................................................................................................................................104
FIGURA 14 – Documentos da Escola Santa Terezinha (1958)..............................................115
LISTA DE TABELAS

TABELA 1 – Proporção de alfabetizados e de analfabetos na população brasileira (1872-


1950)........................................................................................................................................ 56
TABELA 2 – Grau de instrução por grupo de idade em Minas Gerais em 1940.....................70
TABELA 3 – Distribuição da população de Ibiá por área no final da década de 1940...........74
TABELA 4 - Principais atividades econômicas do município de Ibiá na década de 1940......74
TABELA 5 – Número de alunos matriculados na Escola Santa Terezinha na primeira década
de funcionamento da Escola.....................................................................................................81
TABELA 6 – Número de alunos matriculados na Escola Santa Terezinha entre os anos de
1944 a 1954...............................................................................................................................94
TABELA 7 – Percentual de alunos aprovados no Grupo Escolar Dom José Gaspar em
1950.........................................................................................................................................111
TABELA 8 – Percentual de alunos aprovados no Grupo Escolar Dom José Gaspar em
1951.........................................................................................................................................112
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO..................................................................................................................12

CAPÍTULO 1
A relação do ensino primário público e privado na História da Educação
brasileira.............................................................................................................................20
1.1 O intercâmbio do ensino primário público e privado na legislação educacional:
antecedentes históricos.......................................................................................................20
1.1.2 A organização do Estado Republicano e a relação do ensino primário público e
privado na legislação do ensino brasileiro..........................................................................23
1.2 O Estado Republicano e os Grupos Escolares..............................................................28
1.2.1 A relação Estado, Família e Igreja na legislação do ensino brasileiro entre as
décadas de 30 e 50..............................................................................................................33
1.3 O intercâmbio entre o ensino público e privado e os conflitos de interesses expressos
na legislação educacional brasileira...................................................................................40

CAPÍTULO 2
As relações de conflito e/ou complementaridade do ensino público e privado nos rincões
das Gerais...........................................................................................................................52
2.1 O processo de democratização do ensino e a relação de conflito e/ou
complementaridade do ensino primário público e privado entre os anos de 1937 a
1959....................................................................................................................................52
2.2 A relação do ensino primário público e privado nos rincões das Minas
Gerais..................................................................................................................................57
2.2.1 A disseminação dos Grupos Escolares em Minas: Grupo Escolar de Ibiá uma
expressão estadual?............................................................................................................64
2.3 A omissão do Estado mineiro no processo de democratização do ensino e a resposta
da iniciativa privada...........................................................................................................68
2.4 Ensino Privado em Ibiá/MG: Escola Santa Teresinha (1937)......................................73
CAPÍTULO 3
Escola Santa Terezinha e Grupo Escolar Dom José Gaspar: entre teorias e
práticas................................................................................................................................84
3.1. Escola Santa Terezinha e a Escola Nova: a importância da formação das professoras
na disseminação dos princípios liberais.............................................................................84
3.2. Da iniciativa pública à iniciativa privada: Grupo Escolar Dom José Gaspar e Escola
Santa Terezinha..................................................................................................................91
3.2.1 Da iniciativa privada à iniciativa pública: o poder da Igreja Católica e a formação
moral..................................................................................................................................97
3.3 Entre teorias e práticas: a qualidade do ensino público e privado em Ibiá................104
3.4 Escola Santa Terezinha e Grupo Escolar de Ibiá: estreitando as relações.................109

Considerações Finais ....................................................................................................116

Referências Bibliográficas ...........................................................................................121

Fontes Documentais ......................................................................................................125

Apêndices.......................................................................................................................127

Anexos............................................................................................................................177
12

INTRODUÇÃO

O presente trabalho refere-se a uma investigação na área da História da Educação e


está associado ao contexto histórico e às circunstâncias em que se deram as relações entre o
ensino público e o privado no município de Ibiá-MG, mediante a análise do processo de
criação e consolidação da escola particular Santa Terezinha. Esta pesquisa visa desenvolver
um estudo sobre o movimento dinâmico que envolveu o debate em torno da democratização
da educação primária na região do Alto Paranaíba (Ibiá-MG), bem como as disputas e os
consensos que acompanharam a estruturação e generalização das instituições de ensino
pública e privada dessa modalidade de ensino no Brasil, entre os anos de 1937 a 1959.
O objetivo geral é analisar a relação do ensino primário público e privado na educação
brasileira. Serão inventariadas suas formas históricas de manifestação, observando as
imbricações, aproximações e afastamentos operados entre essas duas dimensões de ensino,
além de se promover uma interpretação acerca dos limites da interação e dos conflitos
estabelecidos entre o ensino público e o privado, ao longo do processo de institucionalização
da educação no Brasil.
Propomos um estudo que busca abarcar as relações entre o ensino público e o privado
como categoria de análise de todo um contexto político-econômico e sócio-cultural, que
encontra na iniciativa privada da educação uma forma de levar o conhecimento das primeiras
letras às crianças dos mais desconhecidos rincões das Minas Gerais. O recorte temporal
abrange os anos de 1937 a 1959. Marcado pela constituição do Estado Novo, esse período
compreende desde a criação da Escola Santa Terezinha em Ibiá até 1959 quando ocorre
alteração no estatuto dessa instituição de ensino, convergindo com um momento de grande
efervescência político-ideológica entre a iniciativa de ensino público e privado em todo o
país1.
Nossa pesquisa coloca em evidência o processo de escolarização do município de Ibiá
como parte significativa de uma totalidade histórica que buscamos explorar mediante a
problematização que aflora a partir de algumas questões: Em que condições político-
econômicas e sócio-culturais ocorre a criação da Escola Santa Terezinha? Qual o significado
da democratização do ensino no Brasil representado pela manutenção do ensino público, no
Grupo Escolar de Ibiá, de 1937 a 1959? Qual a relação estabelecida entre o ensino público,
1
No plano local temos a mudança da direção da Escola Santa Terezinha. As sócias Rosa Cendón e Vicentina
Cendón retiram-se dessa sociedade civil, que destarte ficará constituída apenas por Maria José Cendón e Célia
Cendón. E no plano nacional temos a promulgação do Manifesto Mais Uma Vez Convocados em 1959.
13

representado pelo Grupo Escolar de Ibiá, e a iniciativa privada, representada pela Escola
Santa Terezinha? Como a sociedade ibiaense percebe tais instituições? Qual a origem social
dos alunos que frequentam essas instituições? Qual a formação e metodologia de trabalho dos
professores dessas instituições de ensino? Qual a relação da iniciativa privada com o Estado?
Qual o papel desempenhado pela Escola Santa Terezinha, entre 1937 e 1959, período de
grande efervescência política e ideológica entre o ensino público e o ensino privado no
Brasil? Diante de tais questões nos lançamos ao desafio de contribuir para a História da
Educação, mediante análise da relação entre o ensino público e privado no município de Ibiá,
na região do Alto Paranaíba, Minas Gerais.
Nesse intuito, ao situar o embate entre o ensino público e o privado faz-se necessário
ressaltar que seus desdobramentos efetivos vinculam-se às determinações de uma dada
realidade sócio-político-cultural em que a aproximação da escola pública da privada emerge
das intenções subjacentes às propostas do estado brasileiro. ―A urgência da escolarização fez
sentir-se mais sensivelmente no período republicano, e as respostas públicas e privadas,
confessionais ou não, multiplicaram-se na direção do enfrentamento da urgente necessidade
de configurar a democratização do acesso à escola‖. (ARAUJO, 2005, p.141).
Devemos considerar que o Estado representa um pacto de união decorrente da vontade
humana. Ao atribuir a outro o direito de representá-lo, o homem autoriza o soberano ou a
assembléia de homens, a tomar todas as suas decisões e a agir como se fosse ele próprio, a fim
de que esteja garantida a segurança de todos. Nesse sentido, estão algumas teses que afirmam
a aproximação entre a democracia e o caráter público da atuação do Estado, o qual poderia
assegurar a todos os integrantes da sociedade o acesso e o usufruto dos bens humanos,
garantindo o máximo de equidade e compartilhamento do bem comum. Todavia, é importante
ressaltar que o Estado é um estágio de organização e regulação coletiva, através da produção
de normas gerais; é o lugar de integração da coletividade, não a vontade comum dos
indivíduos singulares, mas uma vontade apresentada como universal. Vontade essa negociada
no jogo dos interesses desiguais e combinados dos grupos que se sentem por ele e nele
representados.
O Estado instituiu-se, nesse entendimento, como expressão das formas contraditórias
das relações de produção que se instalam na sociedade civil. Delas é parte essencial; nelas tem
fincada sua origem e são elas, em última instância, que historicamente delimitam e
determinam suas ações. Assim, o Estado constituído nos tempos modernos não tem sido um
Estado de direito; não constitui um agenciador dos interesses coletivos e muito menos dos
14

interesses dos segmentos mais fracos da população que compõe sua sociedade civil. Seu
poder acaba expressando-se como manifestação de força dos segmentos mais privilegiados
em detrimento dos menos favorecidos.

O Estado corresponde, assim, a uma forma social de organização política


que, entretanto, adquire a aparência de situar-se para além dos indivíduos,
como se fosse uma instituição que tivesse por objetivo a defesa do interesse
comum de todos os homens. (...) O Estado aparece como uma forma de
organização que, mesmo tendo uma base concreta nos laços que articulam
socialmente os indivíduos, é simultaneamente um instrumento de exercício
do poder político de uma classe dominante sobre todas as demais e, ao
mesmo tempo como um poder que transforma as lutas reais entre as classes,
em lutas meramente políticas, em formas ilusórias que escamoteiam as
efetivas lutas entre as diferentes classes. (LOMBARDI, 2005, p.91-92).

Na ausência de uma sociedade civil mais articulada, no Brasil o aparelho estatal


assume papel preponderante na condução da vida da própria sociedade. O Estado,
impossibilitado de superar contradições que são constitutivas da sociedade – e dele próprio,
administra-as suprimindo-as no plano formal, mantendo-as sob controle no plano real, como
um poder que, procedendo da sociedade, coloca-se acima dela, entranhando-se cada vez mais
em relação a ela.
Nesse sentido as transformações ocorridas em todo o mundo capitalista e
particularmente no Brasil na primeira metade do século XX, com a intervenção do estado
republicano, com a criação de uma infraestrutura para a reprodução da força de trabalho e a
regulamentação de direitos sociais, favorecem a constituição do significado de ―público‖ nos
estados contemporâneos. Descrito como o oposto de uma situação de dominação e
subserviência, o público2 é definido como o resultado de um processo compartilhado de
identificação de interesses comuns, em torno dos quais pessoas e instituições se comunicam.

Sabemos que público se contrapõe a privado e, por isso, se refere também ao


que é comum, coletivo, por oposição ao particular e individual. Em
contrapartida, público está referido àquilo que diz respeito à população, o
que lhe confere o sentido de popular por oposição ao que se restringe aos

2
É frequente o uso dos termos público e estatal como sinônimo. A nosso ver, o critério para tal associação é o
vínculo jurídico-financeiro da instituição prestadora do serviço. Basta que uma escola seja mantida pelo Estado
para ser nomeada escola pública. A princípio, espera-se que a identificação exista, mas nem sempre isso ocorre,
pois o caráter estatal não é suficiente para assegurar a publicidade da instituição. Por isso, o termo público traz
em si uma multiplicidade de sentidos que demanda um olhar mais atento.
15

interesses das elites. Finalmente, público está referido ao Estado, ao


governo, isto é, ao órgão instituído em determinada sociedade para cuidar
dos interesses comuns, coletivos, relativos ao conjunto dos membros dessa
mesma sociedade. (SAVIANI, 2005a, p. 2).

Assim, o caráter estatal pode se constituir como espaço público, por trazer, em seus
propósitos, elementos como o atendimento a toda a população, a gratuidade e o livre acesso.
Todavia, o significado de público emerge não necessariamente na esfera estatal apesar de nela
ser possível localizar os elementos que o fundam. Ele está identificado com a ação política,
com relações democráticas e com uma vida cidadã. A condição de cidadãos transforma os
indivíduos em seres sociais ativos, participantes da vida política, de modo que o Estado mais
se aprimora quanto melhores e mais atuantes são seus cidadãos.
No entanto, o Estado moderno trouxe formas distintas de tratar a vida política e, em
consequência, de lidar com a questão do público. Este possui funções, poderes e competências
legalmente definidas e deve assumir para si o interesse público. Entretanto, as políticas
públicas emanadas do Estado anunciam-se numa correlação de forças, e nesse confronto
abrem-se as possibilidades para implementar sua face social, em um equilíbrio instável de
compromissos, empenhos e responsabilidades. As políticas públicas revelam as características
próprias da intervenção de um estado submetido aos interesses gerais do capital, na
organização e na administração da coisa pública, e contribuem para assegurar e ampliar os
mecanismos de cooptação e controle social.
Por conseguinte, a forma pela qual foi organizado o estado brasileiro se refletiu na
organização da educação e, ao mesmo tempo, foi reflexo dela. A educação é reconhecida
como uma política estratégica, capaz de intensificar o crescimento da renda, produzir a
modernização ou construir uma sociedade mais justa. O Estado que se legitima como
instrumento eficaz da paz social, vê na educação o canal de ascensão social e moral dos
indivíduos. E, ao menos ao nível do discurso, a educação é base da reconstrução ou
reconversão social.
Para entender esse estado que é o desencadeador das políticas educacionais, buscamos
as conexões entre os vários processos que compõem tal movimento histórico. Com a
instalação do regime republicano no Brasil, a educação elementar, até então reservada a uma
pequena parcela da população, e voltada para uma formação essencialmente humanista,
passou a desempenhar um papel relevante na construção da nova sociedade. Nesse contexto, o
sentido de público da escola brasileira esteve restrito à sua identificação com a escola gratuita,
16

mantida pelo estado, daí ser usual uma definição a partir de seu oposto, a escola privada, paga
e de iniciativa particular.
Contudo, abordar o tema sob esse ângulo pode limitar a dimensão formal ligada à
natureza jurídica de quem a mantém. Pensar o público e o privado de forma dicotômica supõe
definir um dos termos pela negação do outro, estabelecendo entre eles uma distinção
exaustiva e auto-excludente. É admitir que o que está ligado ou diz respeito a um indica não
estar ligado ou não se referir ao outro. Nosso trabalho compreende o público e o privado
como resultado dinâmico de um processo histórico que produziu leituras diversas em
contextos diversos. São mescladas perspectivas que tratam o público como o coletivo, o
popular e o democrático com procedimentos e fins específicos, sem que para ampliar a esfera
pública tenha necessariamente de reduzir a esfera privada e/ou vice-versa.

Como categorias correlatas e indissociáveis, entende-se que público e


privado se comportam como pólos opostos que se supõem um ao outro.
Portanto, o público só pode ser compreendido por referência ao privado e
vice-versa. Assim sendo, mesmo quando tratamos apenas de um desses
pólos, isto é, quando fazemos a história da esfera pública ou a história da
vida privada, quando estudamos a história da educação pública ou a história
da educação privada, estaremos sempre supondo o outro pólo,
independentemente de que isto seja explicitado. Ou seja, quando fazemos a
história da educação publica, a história da educação privada faz-se presente,
ainda que o seja na forma de interlocutor oculto, e vice-versa. (SAVIANI,
2005a, p. 168).

A relação entre o ensino público e o ensino privado, na primeira metade do século XX


torna-se objeto de nossa pesquisa que tem como objetivo compreender como se processa a
interpenetração entre essas esferas de ensino. Propomos descrever o particular, ensino público
e privado no município de Ibiá, de maneira que sejam explicitadas suas relações com o geral
dentro dos contextos nacional, sócio-político, econômico e cultural, não de forma justaposta,
mas dialeticamente relacionados.
Não obstante, resultados quantitativos e qualitativos obtidos na consulta das fontes primárias
foram submetidos a análises explicativas ancoradas no método dialético. A pesquisa foi realizada
mediante a compreensão da complexidade da interação de indivíduos e grupos mobilizados em
torno de interesses políticos, sociais e econômicos em nome da universalização da educação
escolar, bem como no que tange a consolidação do poder do Estado e o embate entre a
iniciativa pública e privada de ensino no Brasil entre os anos 1937 a 1959.
17

O período por nós focado, sob o ponto de vista das cosmovisões sustentadoras dos
grupos educacionais em conflito, se insere em um contexto no qual se processaram mudanças
significativas na sociedade brasileira. O movimento da camada média ligado aos setores da
oligarquia dissidente assinalam o início de um processo de transformações que abalaram as
estruturas econômicas e políticas da nação. Incapaz de se manter na estrutura oligárquica
excludente ante as vicissitudes do capitalismo internacional, o Brasil, como país dependente,
terá que remodelar-se. A industrialização, ainda que associada de forma complementar à
agricultura, à urbanização motivada pelas migrações e ao processo de democratização do
ensino apontam para mudanças significativas no cenário nacional brasileiro.
Nesse momento histórico aflora a doutrina liberal que dissemina princípios como
igualdade de direitos e de oportunidades, destruição de privilégios hereditários, respeito às
capacidades e iniciativas individuais, e educação universal para todos. Assim, podemos
constatar que o papel atribuído à educação, pela doutrina liberal, como sendo o instrumento
para a construção de uma sociedade mais aberta, está intimamente associado ao conflito
público e privado.
Iniciamos nosso estudo compreendendo a configuração física do espaço da escola
pública que se tornou visível com as primeiras construções destinadas à educação primária, ou
seja, os Grupos Escolares.

A categorização que faz figurar, como que binariamente, o público e o


privado não se podem constituir em idealizações que imobilizem a
compreensão da história da educação. Pelo contrário, trata-se de respeitar as
configurações locais, regionais, estaduais, nacionais, pois elas explicitam as
mediações de aproximação e de antagonismo entre as dimensões pública e
privada da mesma educação escolar. Tal perspectiva permite investigar o
processo que explicita o engendramento de concepções educativas e
pedagógicas e de práticas que tecem as instituições escolares, expressas, por
exemplo, na organização curricular, na elaboração dos conteúdos das
disciplinas e na gestão escolar, nas quais a dimensão pública e privada
também se manifesta. (ARAUJO, 2005, p.126).

Assim, iniciamos a pesquisa indo ao encontro do Grupo Escolar de Ibiá com visitas
realizadas na atual Escola Municipal Dom José Gaspar. Lá localizamos os termos de visita
dos inspetores regionais (1932-85), o inventário do material didático e imobiliário (1932-67),
atas de reunião de professores (1937-49), registros de atas do conselho da caixa escolar (1943-
92), atas de promoção e exames de alunos (1946-58). Posteriormente fomos ao encontro das
fundadoras da Escola Santa Terezinha que ainda hoje residem em Ibiá, no mesmo prédio onde
18

funcionou a escola. Com Célia Cendón e Maria José Cendón passamos horas agradáveis,
conseguimos ter acesso ao rico acervo que essas irmãs preservam dessa instituição de ensino.
Além dos livros de matrícula, tivemos acesso ao livro de promoção, às fontes iconográficas e
a todos os documentos expedidos e recebidos pela escola Santa Terezinha no período em que
esteve em atividade.
Realizamos uma visita à Superintendência de Ensino de Uberaba com o intuito de
encontrar o registro da escola Santa Terezinha, sendo que nesse período o município de Ibiá
estava sob a circunscrição de ensino de Uberaba, mas, grande foi nossa frustração. Nem em
Uberaba, nem na atual superintendência de Patrocínio conseguimos localizar o registro oficial
da escola Santa Terezinha. Contudo, a documentação escrita, oral e iconográfica levantada
nos permitiu promover a análise a que nos propomos: estabelecer a relação do ensino público
e privado considerando toda a dinâmica interna e externa da Escola Santa Terezinha e do
Grupo Escolar de Ibiá.
Utilizamos como metodologia de pesquisa entrevistas semi-estruturadas e em grupo
focal, pois a oralidade nos oferece interpretações qualitativas importantes para a compreensão
dos processos históricos educacionais. Assim, sublinhamos a fonte oral como mais uma
técnica de nossa pesquisa, na medida em que incorpora as experiências subjetivas mescladas
com o contexto social do período em apreço, permitindo, assim, um viés entre o individual e o
coletivo da escola, de forma que o nacional e o regional mostram-se invariavelmente
presentes no singular. O não dito, a hesitação, o silêncio, a repetição são elementos
integrantes e até estruturantes do discurso e do relato. A memória de um pode ser a memória
de muitos, possibilitando a evidência dos fatos coletivos.
Dessa maneira, uma profusão de memórias plurais afirmando sua singularidade aflora
com riqueza de informações que nos permitiram revisitar espaços, tempos e práticas da Escola
Santa Terezinha. Sem desprezar as fontes documentais, as entrevistas realizadas com duas das
sócias fundadoras e quatro ex-alunos dessa intuição de ensino nos proporcionou uma narrativa
histórica muito mais coerente e significativa enriquecendo nossa análise.
Nesse intuito, no primeiro capitulo analisamos a legislação e constatamos que a
constituição de 1934 define a concessão de que ―os estabelecimentos particulares de educação
gratuita primária ou profissional, oficialmente considerados idôneos, serão isentos de
qualquer tributo.‖ Na Constituição de 1937 embora não houvesse menção explicita a subsídio
governamental ao setor privado, os setores públicos eram apresentados como coadjuvantes ao
ensino privado. A Constituição de 1946 define que, ―o ensino dos diferentes ramos será
19

ministrado pelos poderes públicos, e é livre à iniciativa particular, respeitadas as leis que o
regulem‖. Tal quadro produz uma situação perversa da ação estatal na medida em que não
estabelece as fronteiras e diferenças entre os interesses coletivos e os interesses particulares,
facultando a emergência da privatização do público e a publicização do privado, promovendo
uma interpenetração entre as esferas públicas e privadas.
No segundo capítulo propomos uma análise do real significado de público e privado
na educação, pois entre os defensores da escola pública e os defensores da iniciativa privada,
havia uma crença comum no poder da educação e na imagem que faziam de si mesmos como
representantes dos interesses nacionais. Todavia, o número de escolas públicas fechadas nesse
período pelo Estado de Minas Gerais foi sem dúvida muito superior ao das restabelecidas e
criadas. A contenção em relação às despesas com o setor educacional fez com que a iniciativa
privada despontasse. Assim, nos propomos a conhecer a realidade sócio-econômica e cultural
de Ibiá e os atores que participaram do processo de institucionalização da escola pública e
privada nesse município.
No terceiro capítulo analisaremos em que contexto político-econômico e sócio-cultural
emerge a escola Santa Terezinha em Ibiá. Estabeleceremos mediante análise documental, oral
e iconográfica a relação do ensino primário público e privado iniciando pela formação das
professoras e a qualidade do ensino prestado pela Escola Santa Terezinha em comparação
com o Grupo Escolar Dom José Gaspar. Partiremos da formação das professoras para
desvendar as ideologias que perpassam as práticas educativas analisando o poder do Estado e
a influência da Igreja, mas sem perder de vista as condições socioeconômicas que estão
intrinsecamente relacionadas ao processo de escolarização no Brasil. Assim, com intuito de
desvendar em que medida ocorre o conflito e/ou a complementaridade nessas instituições de
ensino, os aspectos locais serão relacionados com o contexto histórico em que se deram as
práticas e construções simbólicas, evidenciando os padrões de relacionamento entre o ensino
primário público e privado a nível regional e nacional.
20

CAPÍTULO 1
A RELAÇÃO DO ENSINO PRIMÁRIO PÚBLICO E PRIVADO NA
HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO BRASILEIRA

Ao situar o embate entre o ensino público e o ensino privado é necessário ressaltar que
seus desdobramentos efetivos vinculam-se às determinações estruturais e conjunturais de uma
dada realidade político-econômica e sócio-cultural. Contudo, o público e o privado constituem
categorias originárias e específicas da época moderna, pois, só se pode considerar públicas e
privadas categorias educacionais, a partir do século XIX quando se configura nitidamente a
educação pública.

No século XIX se difundiu a noção de instrução pública vinculada à


iniciativa de organização dos sistemas nacionais de ensino, tendo como
objetivo permitir o acesso de toda a população de cada país a uma escola
capaz de garantir o domínio das competências relativas ao ler, escrever e
contar. (SAVIANI, 2005b, p.3).

As esferas do público e do privado se configuram como um campo de disputas que


demonstram não só a existência de antagonismos, mas também de intercâmbio e de convívio.
Tomar essas categorias como estanques pode levar a um imobilismo na compreensão da
história educacional brasileira, que desde os seus primórdios, fez do intercâmbio e da
definição ambígua dos termos um mote propulsor para servir a grupos sociais específicos em
momentos específicos de nossa história.

1.1 Intercâmbio do ensino primário público e privado na legislação educacional:


antecedentes históricos

No Brasil a instrução pública até século XVIII era ministrada, basicamente, nas
escolas mantidas por ordens religiosas e subsidiadas pelo reino português, combinando-se
com os preceptores privados, providos no seio das famílias mais abastadas. Em 1759 com as
reformas pombalinas3, surge um ensino estatal materializado nas Aulas Régias convergindo,

3
O alvará régio além de diretrizes administrativas gerais estabelecia a nova organização dos estudos, o ―novo
método‖, o ensino público e gratuito de gramática latina, grego e retórica, a indicação e a proibição de vários
compêndios e o impedimento para ensinar sem licença do diretor de Estudos. Determinava ainda que os
professores passariam a gozar dos privilégios da ―nobreza ordinária‖ – o que significava distinção social. (...)
Tanto em Portugal quanto no Brasil, retomou-se o sistema de ensino que vigorava antes da criação dos colégios
21

também, com iniciativas particulares. Trata-se, pois de uma escola coletiva, de iniciativa
privada, que nesse momento é considerada como escola pública.

O ensino jesuíta então implantado, já que contava com incentivo e subsídio


da Coroa portuguesa, constitui a nossa versão da ―educação pública
religiosa‖. O ensino então ministrado pelos jesuítas podia ser considerado
como público por ser mantido com recursos públicos e pelo seu caráter de
ensino coletivo, ele não preenchia os demais critérios, já que as condições
tanto materiais como pedagógicas – os prédios assim como sua
infraestrutura, os agentes, as diretrizes pedagógicas, os componentes
curriculares, as normas disciplinares e os mecanismos de avaliação – se
encontravam sob o controle da ordem dos jesuítas, portanto, sob o domínio
privado. (SAVIANI, 2005b, p. 9).

O advento das aulas régias, a partir do alvará de 28 de junho de 1759, extinguiu o


sistema de ensino baseado nos princípios sustentados pela Companhia de Jesus, que
vigoravam a dois séculos, tornando obrigação do Estado a garantia da educação gratuita à
população, o estabelecimento de suas diretrizes e o pagamento dos professores, todos
subordinados a uma política fortemente centralizadora. A partir de então a educação tornava-
se leiga, conduzida por organismos burocráticos governamentais e não mais sob a diretriz dos
jesuítas, sem, contudo, abolir o ensino da religião católica nas escolas, que permaneceu
obrigatório.
As aulas régias eram ministradas na casa do próprio professor e, assim, não era preciso
haver um edifício escolar para que a escola existisse. Portanto, a escola, enquanto locus
privilegiado de educação não existia; ela estava na casa do professor onde o espaço educativo
público confundia-se com o espaço privado.

Não há de ser indiferente à vida do Estado a sobrevivência de uma velha


comunidade dentro da qual continuam em choque e em disputa de
predomínio todos os grandes interesses e sentimentos daquela extensíssima
ordem privada que veio de ocupar, concorrendo com o Poder Público, todo o
espaço social de nossa organização nacional. E como essa confusão ou
subvenção da ordem pública na ordem privada atinge a própria essência e
natureza do Estado, é claro de ver que ela comprometeu também a conduta e
a atitude dos indivíduos em face desse Estado. (DUARTE, 1966, p. 120-
121).

jesuíticos e que incluía aulas avulsas em salas alugadas, nos prédios das antigas escolas da Companhia de Jesus
ou mesmo na casa do professor. Assim, as denominações ―aula‖, ―aula régia‖, ―escola‖ e ―cadeira‖ designavam
um mesmo modelo: estudos avulsos ministrados por um professor régio – isto é, autorizado e nomeado pelo rei.
(VEIGA, 2007, p.134-135).
22

Nesse sentido, o decreto de 30 de junho de 1821 permitia a qualquer cidadão o acesso


ao ensino e a abertura de escola de primeiras letras, independentemente de exame e licença,
estimulando a liberdade de organização do ensino primário. Tendo em vista que para o
governo não era possível bancar escolas em todos os lugares, o decreto isentava o Estado de
responsabilidades em nome da liberdade do cidadão de fazer suas escolhas, como se a grande
massa da população pobre que habitava o Brasil pudesse dispor, como regra geral, de
qualquer educação custeada por seus próprios recursos.
Com a independência política proclamada em 1822 instalou-se o Primeiro Reinado
que seguiu a mesma orientação política iniciada com o Marquês de Pombal, um estado
confessional tendo como religião oficial o catolicismo regulado pelo regime do padroado4
mantendo-se, no campo educativo, o funcionamento das aulas régias. A Constituição
promulgada em 1824 garantia, no art. 179, parágrafo 32, ―a instrução primária gratuita a todos
os cidadãos‖. No entanto, esse parágrafo só seria aplicado após a publicação, pela Assembleia
Legislativa, da lei de 15 de outubro de 1827. Portanto, educação pública não significava
educação popular, comprometida com a cidadania e a constituição da nacionalidade.
O Ato Adicional promulgado em 1834 colocou o ensino primário sob a jurisdição das
Províncias, desobrigando o Estado Nacional de cuidar desse nível de ensino. Mas as
províncias não estavam equipadas financeira e tecnicamente para promover a instrução
pública. Dessa maneira, apesar de produzir uma legislação normativa minuciosa sobre o
funcionamento escolar, na prática o Estado não o fazia ocorrer com tanta facilidade.

Em suma, ao longo do período imperial, o Estado, ao mesmo tempo em que


fez intervenções visando a equacionar a questão da instrução pública,
incentivava a iniciativa privada, resistindo tanto em termos de financiamento
como de concepção, a assumir plenamente as responsabilidades no campo da
educação. Manteve-se, pois, a promiscuidade entre o público e o privado na
política educacional uma vez que, além da ampliação da oferta privada,
configurou-se a presença de agentes privados na educação pública e as
próprias escolas públicas funcionavam em espaços privados representados
pelas casas dos professores. (SAVIANI, 2010, p.6).

Por conseguinte, o deslocamento gradual do modelo familiar de escola para um de


responsabilização do Estado, que permitisse o atendimento a um maior número de pessoas,

4
Instrumento jurídico tipicamente medieval que possibilitava um domínio direto da Coroa nos negócios
religiosos, especialmente nos aspectos administrativos, jurídicos e financeiros. Isso implica, em grande parte, o
fato de que religião e religiosidade eram também assuntos de Estado.
23

significou também um gradual afastamento das tradições culturais e políticas próprias do


espaço doméstico. A Constituição de 1891 trouxe o princípio da laicidade do ensino nos
estabelecimentos oficiais, medida que foi coerente com o projeto de República que se
pretendia instaurar no país.

1.1.2 A organização do Estado Republicano e a relação do ensino primário público e


privado na legislação do ensino brasileiro

Foi com o advento da República, ainda que na égide dos estados federados, que a
escola pública, entendida em sentido próprio se fez presente na história da educação
brasileira. Com efeito, é a partir daí que o poder público assume a tarefa de organizar e manter
integralmente escolas tendo como objetivo a difusão do ensino a toda a população. Nesse
quadro, a extensão do acesso à escola pública a segmentos amplos da sociedade aparecia
como bandeira bastante valorizada, sendo o combate ao analfabetismo visto como um eixo
importante do debate e da ação governamental.

A generalização da alfabetização ocorre sob a forma de uma intervenção


maior ou menor do Estado central. Este organiza, canaliza, controla,
imprime finalidades específicas à difusão da cultura escrita elementar,
procura responder a uma exigência social geral, acrescentando a esta
resposta um projeto de integração social e política. Ao fazer isto, o estado
chama para si certas ambições das Igrejas, saltando por cima das divisões
religiosas e buscando tornar-se cada vez mais forte. (PETITAT, 1994, p.
152).

Nessa perspectiva, configurava-se para além do olhar dirigido ao ler, escrever e contar,
uma preocupação com a educação formal de maneira mais ampla, em cuja esfera seriam
veiculadas lições de sentimento pátrio. Contudo, a constituição de uma nação organizada
deveria incluir ainda outros elementos fundamentais, que mobilizaram a atenção das elites
intelectuais daquele tempo, como a transmissão de hábitos e comportamentos à população, de
maneira a se conformar um corpo social saudável e coeso em torno de referenciais comuns.

A articulação proposta pelos republicanos implica uma dependência direta


do ensino em relação ao Estado, que se coloca acima das religiões e dos
indivíduos. A moral se pretende independente das religiões, centrada na
definição de um cidadão virtuoso, respeitoso de leis legitimadas pelo
sufrágio universal amante da pátria, confiante no progresso social e
24

científico. O saber resume-se a uma soma de conhecimentos elementares,


julgados indispensáveis aos futuros trabalhadores e cidadãos, aos quais se
faz entrever a possibilidade de escapar a seu destino social utilizando a
escola como uma escada para a mobilidade. (PETITAT, 1994, p.161).

O desafio colocado na Primeira República brasileira, mediante o fracasso em relação à


educação no período imperial5, remete-se à discussão para os Estados através do federalismo,
que faz com que persista a descentralização com um projeto de cidadania particularizada. Para
justificar a omissão do Estado na concretização de um plano nacional de educação, a elite
utiliza o discurso da insuficiência do povo, sendo este incapaz de construir o país. Tal
discurso serve a elite para manutenção do status quo, mediante o projeto republicano que
reflete a modernização da sociedade nesse período.
Contudo, a gradual incorporação de novos valores e práticas sociais no processo de
modernização da sociedade brasileira não significou uma ruptura no modo de conceber o
Estado. Os proprietários rurais, mesmo com a gradual redução de poder que sofreram com a
Proclamação da República, estabeleciam um quadro político no qual, pela liderança que
exerciam, garantiam que seus interesses privados estivessem sempre resguardados e
amparados pelo poder público.

Por isso mesmo, o ―coronelismo‖ é sobretudo um compromisso, uma troca


de proveitos entre o poder público, progressivamente fortalecido, e a
decadente influência social dos chefes locais, notadamente dos senhores de
terras. Não é possível, pois, compreender o fenômeno sem referência à nossa
estrutura agrária, que fornece a base de sustentação das manifestações de
poder privado ainda tão visíveis no interior do Brasil. (LEAL, 1975, p. 20).

Assim, a decadência do poder privado e a ascensão do poder público reforçam o


fenômeno do coronelismo 6. O poder privado enfrentou acentuada decadência em função de

5
Fracasso esse associado à oferta da instrução apenas a uma pequena parcela da sociedade, somente aqueles
considerados cidadãos pela legislação vigente (1824). Com a independência política do país e sob o regime
imperial ficou inscrita a gratuidade da instrução primária na primeira Constituição brasileira, no ano de 1824.
Mas o ensino gratuito por si só não viabilizou uma escola universal. A diferenciação social estava consolidada
pela não inclusão dos escravos à categoria de cidadãos e pela destinação do ensino oficial aos mais pobres, uma
vez que para os mais abastados a educação continuava sendo tarefa familiar. Além disso, existiam outros limites
impostos não pela escola, mas pela condição de trabalhadores em que as crianças pobres se encontravam.
6
A Guarda Nacional criada em 1831, para substituição das milícias e ordenanças do período colonial,
estabelecera uma hierarquia, em que a patente de Coronel correspondia a um comando municipal ou regional,
por sua vez dependente do prestígio econômico ou social de seu titular, que raramente deixaria de figurar entre
os proprietários rurais. De começo, a patente coincidia com um comando efetivo ou uma direção, que a Regência
reconhecia para a defesa das instituições. Mas, pouco a pouco, as patentes passaram a ser avaliadas em dinheiro
e concedidas a quem se dispusesse a pagar o preço exigido ou estipulado pelo poder público, o que não chegava
25

vários aspectos, dentre os quais, são ressaltados o êxodo rural, produto da industrialização, e a
afirmação e garantia dos direitos trabalhistas aos trabalhadores urbanos, que transformou o
campo em instância menos atraente. Também houve a ascensão progressiva do Poder Público,
advinda da consolidação de um novo modelo de Estado. Enfraquecidos diante de seus
dependentes e rivais, os coroneis se viram diante da necessidade de fazer alianças políticas
com o Estado, que expandia sua influência na proporção em que diminuía a dos donos de
terra.
Daí a essência do compromisso coronelista, isto é, do acordo firmado entre o poder
privado decadente e o poder público em ascensão. Dessa forma, governo estadual garante,
para baixo, o poder do coronel sobre seus dependentes e seus rivais e o coronel hipoteca seu
apoio ao governo, sobretudo na forma de votos. Para cima, os governadores dão seu apoio ao
Presidente da República em troca do reconhecimento deste. Esse complicado arranjo foi
denominado por Victor Nunes Leal de sistema de reciprocidade, ou seja, ―de um lado, os
chefes municipais e os coroneis, que conduzem magotes de eleitores como quem toca tropa de
burros; de outro lado, a situação política dominante do Estado, que dispõe do erário, dos
empregos, dos favores e da força policial, que possui, em suma, o cofre das graças e o poder
da desgraça‖ (LEAL, 1975, p.43).

Dia a dia o fenômeno social se transforma numa evolução natural, em que há


que considerar a expansão do urbanismo, que liberta massas rurais vindas do
campo, além de modificações profundas nos meios de comunicação. A faixa
do prestígio e da influência do ―Coronel‖ vai minguando, pela presença de
outras forças, em torno das quais se vão estruturando novas lideranças, em
torno de profissões liberais, de indústrias ou de comércios venturosos. O que
não quer dizer que tenha acabado o ―Coronelismo‖. Foi, de fato, recuando e
cedendo terreno a essas novas lideranças. Mas a do ―Coronel‖ continua
apoiada aos mesmos fatores que a criaram ou produziram. Que importa que
o ―Coronel‖ tenha passado a Doutor? Ou que a fazenda se tenha
transformado em fábrica? Ou que os seus auxiliares tenham passado a
assessores ou a técnicos? A realidade subjacente não se altera nas áreas a que
ficou confinada. O fenômeno do ―Coronelismo‖ persiste até mesmo como
reflexo de uma situação de distribuição de renda, em que a condição
econômica dos proletários mal chega a distinguir-se da miséria. O
desamparo em que vive o cidadão, privado de todos os direitos e de todas as
garantias, concorre para a continuação do ―Coronel‖, arvorando em protetor
ou defensor natural de um homem sem direitos. (LEAL, 1975, p. XVI).

a alterar coisa alguma, quando essa faculdade de comprar a patente não deixava de corresponder a um poder
econômico, que estava na origem das investiduras anteriores. (LEAL, 1975)
26

De acordo com o exposto acima configurou-se no país uma formação social em que
permaneciam marcas do passado, não numa utilização integral e intacta, mas adaptadas,
ajustadas às novas formas de poder político, constituindo, assim, o formato do processo de
modernização brasileira. Nesse contexto, elementos conjunturais e estruturais, fatores
externos e internos de ordem econômica, social e política se imbricaram para resultar no
modelo brasileiro de sociedade capitalista, no período em apreço.
Nessa conjuntura, o Estado brasileiro investe no processo de implantação de um
sistema de ensino como forma de responder as exigências e expectativas impostas por um
conjunto de mudanças em âmbito nacional e internacional. Aos poucos, vão se consolidando
reformas que irão ampliar o projeto republicano e, vale ressaltar, que tais questões não
convertem a um plano completo, único e nacional.
A necessidade de organização de uma nova ordem por influência dos ideais do
positivismo 7 vão permitir filosoficamente a instituição dos ideários republicanos a partir da
instrução pública. A influência positivista foi decisiva para configurar a República brasileira
numa perspectiva mais pragmática, mais centrada nos aspectos organizativos da sociedade.
Contudo, vale lembrar que para os positivistas as classes inferiores não tinham condições de
levar o país a grandes mudanças. Para tanto, era necessário instruir o povo para formar o
cidadão que o Estado precisava para se consolidar como bem afirma Valle,

Não se trata mais, apenas, de registrar nas leis criadas pelos homens a ordem
imutável que os transcende, mas de criar uma nova sociedade, sobre a base
de novas leis; mas como esta sociedade nova deve ser, necessariamente,
composta de homens novos, o político não se constrói apenas pelas leis, ele
deve se ampliar à construção sistemática do novo cidadão. (VALLE, 1997,
p.11).

Com esse intuito processa-se uma verdadeira modernização educacional através do


primado do público, mas que se faz fundamentalmente antes pela exacerbação da regulação e
fiscalização do Estado, que pelo papel de promovedor da universalização do acesso por meios
públicos. Dessa forma, promoveu-se, como já elucidado anteriormente, a ambiguidade na
definição do direito público à educação, igualizando direitos aos sistemas públicos e privados
de ensino.

7
O positivismo era tido como a única doutrina capaz de demonstrar que as grandes transformações sociais se
devem operar pacificamente. Suas propostas indicavam a necessidade de se implementar um conjunto de
reformas educacionais como instrumento de modernização da sociedade brasileira.
27

Com a instalação do regime republicano no Brasil, a educação elementar, até então


reservada a uma pequena parcela da população e voltada para uma formação essencialmente
humanista, passou a ter um papel relevante na construção da nova sociedade. Em toda a
Primeira República, no entanto, não se registrou uma ruptura com o antigo modelo de
organização oligárquica do Estado. A Constituição republicana de 1891 não expressou os
princípios da gratuidade e da obrigatoriedade da escolarização primária. Como a
responsabilidade pela oferta de ensino primário e secundário já havia sido transferida, pelo
Ato Adicional de 1834 para as províncias em nome do modelo republicano de traços
descentralizadores, a Constituição de 1891 simplesmente transferiu para os Estados a
atribuição dada às províncias do Império, e nada dispôs sobre o tema.
Todavia, o espírito da Constituição Republicana expressava que a busca da educação
deveria ser um ato de virtude, de esforço do indivíduo e não uma iniciativa que fosse função
do Estado. O indivíduo é que tinha de procurar a escola e, só nessa medida, o Estado deveria
oferecê-la. Os defensores desse ponto de vista, à sombra do pensamento liberal8 de não
interferência, não faziam qualquer referência às condições materiais que na realidade definem
o acesso à educação em sociedades de classes, especialmente naquelas marcadas por uma
enorme desigualdade social, como sempre foi a brasileira.

A corrente liberal impregna a ideologia oficial dos Estados dos países


capitalistas, tanto os de regime totalitário quanto os de regime liberal-
democrático. A educação é tratada pelo Estado no Brasil, como a luz capaz
de iluminar toda uma imensa ―região‖ da vida social deixada à sombra pelo
desenvolvimento econômico. (CUNHA, 1989, p. 21).

O liberalismo emergente mostrou, a princípio, grande afinidade com a tradição


republicana. Contudo, a dominação que decorre da propriedade privada dos meios de
produção não permite uma convivência com a proposta de autogoverno e de autorrealização
dos trabalhadores. Entretanto, a Constituição de 1891 trouxe algo de inovador como o
princípio da laicidade do ensino nos estabelecimentos oficiais, medida coerente com o projeto

8
O pensamento liberal parte de uma concepção inicial onde os homens são definidos enquanto seres livres e de
igual capacidade. Tal pressuposto se baseia na ideia de que a capacidade de pensar racionalmente seja um
instrumento nato de qualquer homem. Mediante esse princípio de igualdade jurídica, os homens teceriam suas
relações a partir da criação de instituições que regulassem a busca de seus interesses. Assim, os liberais veem no
Estado uma instituição de origem racional, que conseguiria preservar os princípios de igualdade de oportunidade,
mas não de condições sociais.
28

de república que se pretendia instaurar no país. A cidadania republicana e o Estado laico


exigiam uma educação laica, não discriminatória.
Nesse contexto, a demanda da elite e das camadas médias ascendentes continuava a
ser atendida no próprio ambiente familiar para o estudo das primeiras letras, nos colégios em
geral religiosos, portanto, particulares para o nível posterior, e em cursos superiores,
centralizados nas grandes cidades, para os estudos mais avançados. Com o propósito de
materializar o sonho positivista de uma pátria ordeira e progressista foram criados, a partir da
última década do século XIX, os Grupos Escolares, em vários estados brasileiros.
Dessa forma, a educação tornou-se estratégia poderosa para formação do povo brasileiro
ordeiro e trabalhador e, consequentemente, os Grupos Escolares passaram a compor a
paisagem urbana de muitas cidades mineiras, particularmente, o município de Ibiá, com a
instalação do primeiro Grupo Escolar, em 1932. O Grupo Escolar de Ibiá será um de nossos
objetos de estudo, para o qual propomos uma análise da relação do mesmo com o ensino
privado ministrado pela Escola Santa Terezinha fundada em Ibiá em 1937.

1.2 O Estado Republicano e os Grupos Escolares.

Os Grupos Escolares funcionaram como uma das estratégias da elite republicana em


erigir um novo imaginário através da educação pública e laica. O processo de escolarização
mundial difundiu um modelo de escola graduada o qual tinha como projeto a construção de
uma nova sociedade. Assim, a escola pública atuou como um instrumento afinado ao tom das
práticas de dominação ao se inscrever em um determinado projeto político de sociedade que
estivesse a serviço do Estado. Como aponta Valle,

É impossível separar a escola pública do sentido eminentemente político que


está investido em sua criação: ela nasce no seio de toda uma reelaboração da
sociedade, como um desdobramento específico da atividade política que vai
consolidando. Ela não é o produto da iniciativa isolada de um grupo social
(como a Igreja), nem seu aparecimento resulta de problemas setoriais,
localizados no exterior da ordem pública (como a ação educativa assistencial
da monarquia). Surge no interior da prática política como uma necessidade
eminentemente ligada à concepção e à gestão da res/pública da criação da
nação e de seus cidadãos. (VALLE, 1997, p.41).
29

A escola pública serve ao Estado brasileiro para a propagação das ideologias


republicanas e os Grupos Escolares emergem como agrupamentos das escolas isoladas9 em
um mesmo prédio, uma escola que garantisse uma formação única com conhecimentos
universais para todas as crianças.

Os Grupos Escolares surgidos no corpo das leis de 1893, em São Paulo e no


Rio de Janeiro, regulamentados e instalados a partir de 1894 no Estado de
São Paulo, emergiram ao longo das duas primeiras décadas republicanas nos
estados do Rio de Janeiro (1897); do Maranhão e do Paraná (1903); de
Minas Gerais (1906); da Bahia, do Rio Grande do Norte, do Espírito Santo e
de Santa Catarina (1908); do Mato Grosso (1910); de Sergipe (1911); da
Paraíba (1916) e do Piauí (1922), e somente foram extintos em 1971, com a
promulgação da Lei 5.692. Acolheram, ao menos, duas gerações de
brasileiros em seus bancos e foram responsáveis pela inserção de uma
significativa parcela da população nacional no universo dos saberes
formalizados. (VIDAL, 2006, p.07).

A dinâmica educacional dos Grupos Escolares fundamenta-se no controle do tempo


para que fosse bem utilizado. O conjunto disciplinar que impõe ao professor, mediante um
sistema de inspeção, corresponde a um controle eficiente sobre a escola para que esta cumpra
seus objetivos junto ao Estado. Esse projeto conduziu à construção de prédios monumentais
na Primeira República. Tais prédios passaram a significar a elitização da educação e o
desprezo para com a educação dos mais pobres. Mas essa iniciativa teve um significativo
impacto na demarcação do ―prédio público‖ como espaço privilegiado de escolarização.
Contraditoriamente, a construção de espaços específicos para a escola, ao mesmo tempo em
que abrigou uma educação de elite, significou também uma ruptura em relação à educação
doméstica, e abriu possibilidades para a concretização de espaços públicos.

Diferentemente do espaço ocupado/usado pelas escolas isoladas, estruturado


em sua origem para atender a outras finalidades – domésticas ou religiosas,
por exemplo – e que traziam consigo e atualizavam no dia-a-dia escolar
outros símbolos, signos e, portanto, valores, sensibilidades, enfim, outras
culturas, os grupos escolares deviam significar, ao mesmo tempo que um
distanciamento desse mundo doméstico e religioso, a criação de uma nova

9
O pesquisador mineiro Luciano Mendes Faria Filho descreve o procedimento de criação e estabelecimento de
uma escola isolada de instrução pública em Minas Gerais no início do século XX como sendo um processo
―bastante simples, apesar de trabalhoso. Bastava que um professor (titulado ou não) ou um grupo de moradores
de determinada localidade, procedendo ao levantamento do número de crianças em idade escolar residente na
região e verificando número suficiente de meninos e meninas (45 para região urbana e 40 para o meio rural, em
1906), solicitasse a criação de uma cadeira de instrução primária no local.‖ (FARIA FILHO, 2000, p.28).
30

cultura escolar, que evidenciasse, simbólica e materialmente, a vinculação da


escola com o mundo secular, público e urbano. (FARIA FILHO, 2000, p.61).

De acordo com o elucidado acima, característica marcante dos Grupos Escolares na


Primeira República é a arquitetura projetada para a educação com a preocupação com a
higiene. Diante disso, sua arquitetura e sua organização serviram de símbolo da modernidade
associados às forças simbólicas que compunham o imaginário social, a crença na civilização,
e que faziam parte de um conjunto de melhoramentos urbanos, tornando-se denotativo do
progresso de uma localidade. Como bem afirma Souza,

Os edifícios dos primeiros Grupos Escolares puderam sintetizar todo o


projeto político atribuído à educação popular: convencer, educar, dar-se a
ver! O edifício escolar torna-se portador de uma identificação arquitetônica
que o diferenciava dos demais edifícios públicos e civis ao mesmo tempo em
que o identificava como um espaço próprio – lugar específico para atividade
de ensino e do trabalho docente. (SOUZA, 1998, p.123).

Nesse momento, a organização pedagógica toma uma formatação do controle do


tempo, espaço e conteúdo, a partir de um plano de estudo, do currículo e da divisão de tarefas
atribuídas ao porteiro, ao pessoal da limpeza, ao professor, ao diretor e ao inspetor. Com essa
nova cultura de organização do trabalho no interior da escola cada indivíduo assume o seu
papel.

Constituindo-se como escolas graduadas, os Grupos Escolares aglutinavam


em mesmo edifício as antigas escolas isoladas, organizando a docência em
torno de séries escolares que passavam a corresponder ao ano civil e eram
concluídas pela aprovação ou retenção em exame final. O ensino seriado e
sequencial substituía as classes de aluno em diferentes níveis de
aprendizagem, sob a autoridade única do professor, e era regulado pela
introdução da figura do diretor, oferecendo organicidade e homogeneidade à
escolarização e produzindo uma nova hierarquia funcional pública. (VIDAL,
2006, p. 08).

Pela primeira vez aparece na escola pública a figura do diretor, o ensino misto, bem
como alguns materiais didáticos – novidades nas escolas primárias públicas como mapas,
gravuras, jogos matemáticos, entre outros. O diretor assume papel de destaque já que é este a
autoridade que representa o Estado, tendo como atribuição fazer a escola funcionar mediante
os princípios do mesmo. Ao diretor cabe a busca da padronização do ensino dentro dos
Grupos Escolares, em prol de uma uniformidade desde os prédios ao regulamento, com o
31

intuito de criar um sistema de ensino unificado a serviço do Estado. Dessa maneira, a


classificação homogênea dos alunos por idade, o edifício escolar próprio, a racionalização e a
padronização do processo pedagógico, inseridos nas transformações que configuram o mundo
urbano moderno, fez com que a educação se transformasse em um elemento fundamental para
formatar o cidadão republicano.

Acompanhar o processo de gradativa transformação da escola de primeiras


letras em escola primária seriada implica rastrear as práticas e os processos
que vão gradativamente dotando essa escola de um formato institucional
adequado a novas funções em uma nova ordem política: as de uma
instituição destinada a ser percurso obrigatório de todo cidadão, modelando-
lhe os comportamentos e transmitindo-lhe o conjunto de saberes e
convicções reputados necessários à vida em uma sociedade ―harmoniosa‖ e
―civilizada‖. Mas para fazê-lo, importa indagar sobre a natureza das
concepções que constituíram o substrato da educação que caberia a essa
escola ministrar sobre o perfil social das populações que ela se propunha a
atingir. (CARVALHO, 2005, p. 51).

Embora tenhamos chegado à configuração da escola pública propriamente dita, tal


escola por se ajustar mais diretamente aos interesses privados dos grupos dirigentes alijando
os elementos populares, não deixou de manter certo nível de cumplicidade entre o público e o
privado. Contudo, a crença no papel central que ela desempenhava na construção do novo
projeto republicano de sociedade foi se fortalecendo.

As características peculiares dessa ordem capitalista geraram exigências


educacionais particulares. No discurso, como nos pólos hegemônicos, a
escola a ser apontada como fonte de progresso e de justiça social, como
produtora de riqueza, através da produção científica e tecnológica, e como
meio de ascensão social é sustentada no mérito ou na competência pessoal.
(...) Na prática, a escola brasileira passa a ter a tarefa precípua de modernizar
a educação da elite para prepará-la mais eficientemente para o comando,
numa sociedade mais complexa e contraditória. (...) Tratava-se, sim, de
fornecer aos quadros dirigentes das classes dominantes uma mentalidade
moderna, uma cultura geral sólida e habilidades intelectuais que lhes
permitissem desempenhar a tarefa de impor as novas formas de produção e
as novas relações de trabalho, em condições favoráveis à exploração externa
e à exploração interna da população. Como função complementar e
secundária, esperava-se que a escola qualificasse a mão de obra, dentro dos
limites impostos pela dimensão do nosso parque industrial e da própria
oferta de trabalho, restrita pela crescente sofisticação tecnológica. (XAVIER,
2005, p. 76).
32

Nesse sentido, não podemos deixar de ressaltar as mudanças econômicas que atingem
as estruturas do processo político e sociocultural do país, fazendo surgir, na década de 1930,
um governo forte que utilizará a educação, especialmente o ensino público primário, como
veículo de difusão ideológica e controle político.

Sem desprezar o progressismo das influências culturais modernizantes e dos


novos fatores sócioeconômicos que complexificam a sociedade de então, a
análise política precisa dar conta do momento histórico específico em que se
forjaram os recursos políticos de modernização do Estado e da sociedade,
através da constituição do campo educacional como área de política setorial
do Estado nacional. O impulso constituidor deu-se no nosso entender;
precisamente com as iniciativas governamentais surgidas a partir da
Revolução de 1930. O teor crítico de renovação da representação popular,
que esteve na raiz da mobilização da Revolução, não se restringiu à sua
dimensão jurídico-eleitoral, projetando-se também na renovação do campo
educacional. (ROCHA, 2000, p. 19).

A partir de 1930, têm lugar dois movimentos organicamente integrados, a saber, a


construção do campo educacional como área de política setorial do Estado nacional e a
constituição de novos sujeitos políticos nacionais voltados especificamente para o ensino.
Após a Revolução de 30, com a promulgação do Código Eleitoral, houve a instauração do
voto secreto, que acabrunhou o sistema coronelista, porém, não foi suficiente para solapá-lo
haja vista que a sua base de sustentação era a estrutura agrária do país, e não o voto em si
(LEAL, 1975). Nesse sentido, as instâncias públicas, diante da miséria e da ausência de
informação da população, acabam sendo utilizadas mais como palco de negociações, no
sentido de perpetuar a influência do poder privado nos currais eleitorais, em troca de apoio de
agentes estatais diversos, do que de instância promotora de um projeto efetivo de
emancipação social.
Nesse contexto, a urbanização crescente e a incipiente industrialização fizeram que se
desenvolvesse um ―vigoroso‖ setor urbano industrial, de maneira que os setores médios
urbanos e o operariado vinham se manifestando com uma crescente capacidade organizatória
e de mobilização, isto é, emergindo como novas forças sociais a pressionar os estreitos limites
da estrutura de dominação vigente e exigindo mais participação no processo econômico e
político. Diante disso, a sociedade brasileira acabou resultando num híbrido que admitia
simultaneamente valores republicanos, separação social e privilégios e, consequentemente,
uma escola elitista e seletiva.
33

1.2.1 A relação Estado, Família e Igreja na legislação do ensino brasileiro entre as


décadas de 30 e 50

Foram muitas as batalhas ideológicas que marcaram a história da educação no Brasil


durante o período republicano, e que se materializaram em uma multiplicidade de arenas
políticas, que por sua vez revelaram uma sociedade complexa em sua configuração e
interesses. Diferentes agentes sociais, portadores de projetos muitas vezes antagônicos,
enfrentaram-se no parlamento e em outras instâncias, defendendo uma determinada
configuração escolar. Em muitos desses embates políticos, a Igreja Católica esteve presente
como a principal artífice do discurso privatista. Sua presença foi uma constante na história do
Brasil.
A evolução do sistema educacional brasileiro no período em apreço converge com o
processo de modernidade da sociedade brasileira após 1930. O sentido dessa evolução será
promovido pela complexidade social crescente mediante processo de industrialização,
urbanização, modernização do comércio e dos serviços, ampliação dos meios de comunicação
e a diversificação do mercado de trabalho. Vislumbrando novas possibilidades de atuação
bem como a necessidade de pôr ordem na vida geral do país o governo volta-se para os
problemas educacionais. Por conseguinte, a Igreja Católica também detém um papel de
destaque na legitimação da ordem dessa nova sociedade. E a doutrina católica será para o
Estado não apenas um instrumento capaz de garantir a preservação da ordem e de legitimação
do autoritarismo, mas também um instrumento indispensável de transmissão de valores
ligados à religião, à grandeza da pátria, à família, à moralização dos costumes, que serviam de
subsídio aos discursos anticomunistas nesse período.
Nessa conjuntura, a Reforma Francisco Campos de 1931 imposta a todo o território
nacional dá início a uma ação mais objetiva do Estado em relação à educação e inova o
sistema escolar, refletindo uma realidade sociopolítica também nova. Essa reforma é marcada
pela articulação com os ideários do governo autoritário de Getúlio Vargas, em que um Estado
homogêneo e centralizado necessitava de uma política educacional de caráter nacional.
Assim, a Reforma Francisco Campos efetivou-se através de uma série de decretos, criou o
Conselho Nacional de Educação e dispôs sobre o ensino secundário, comercial e superior,
bem como sobre a instrução religiosa nos cursos primário, secundário e normal.
34

Os primeiros decretos da Reforma Francisco Campos referem-se à criação


do Conselho Nacional de Educação (Decreto nº 19.850, de 11 de abril de
1931), à organização do ensino superior (Decreto nº 19.851, de 11 de abril
de 1931) e à organização da Universidade do Rio de janeiro (Decreto nº
19.852, de 11 de abril de 1931). Também seriam definidas medidas relativas
ao ensino secundário (Decreto nº 19.890, de 18 de abril de 1931), ao ensino
comercial e à regulamentação da profissão de contador (Decreto nº 20.158,
de 30 de junho de 1931). Finalmente, vieram disposições adicionais sobre a
organização do ensino secundário (Decreto nº 21.241, de 4 de abril de 1932).
(VIEIRA, 2008, p. 83).

Dessa maneira, a institucionalização do ensino foi pensada com o intuito de instruir e


formar o homem para todos os grandes setores da atividade nacional, construindo no seu
espírito um sistema de hábitos, atitudes e comportamentos. Nas ideias político-educacionais
de Francisco Campos, estava a crença de que a reforma da sociedade se concretizaria com a
reforma da escola, com a formação do cidadão, particularmente a instrumentalização das
elites. Contudo, em seu ideário estava claro que a capacitação das elites era prioritária e que
essa mesma elite detinha as condições para decidir quais deveriam ser os rumos (meios e fins)
da educação.

O futuro é insistentemente aludido como dependente de uma política


educacional: futuro de glórias ou de pesadelos, na dependência da ação
condutora de uma ―elite‖ que direcione, pela educação, a transformação do
país. Na oposição construída por imagens de um país presente condenado e
lastimado e de um país futuro desejado, país de prosperidade, é que se
constitui a importância da educação como espécie de chave mágica que
viabilizaria a passagem do pesadelo para o sonho. Romper com a sociedade
presente, transformá-la em passado, superá-la são operações que se
constroem no discurso. As referências à obra educacional determinam-na
como reiterada operação de apagamento do presente e promessa de um
futuro grandioso. (CARVALHO, 1998, p. 141).

Francisco Campos tinha como proposta a reorganização do ensino em novas bases


com o objetivo de superar o caráter exclusivamente propedêutico e contemplar uma função
educativa, moral e intelectual. Entretanto, a Reforma Francisco Campos não legislou sobre a
educação primária. De fato, estabeleceu uma política de abrangência nacional, mas dirigiu-se
aos níveis de ensino, essencialmente, destinado às elites. O objetivo principal era imprimir ao
ensino secundário a tarefa de preparação do adolescente para sua satisfatória integração na
sociedade, que começava a fazer-se mais complexa e dinâmica. Era necessário, na visão do
reformador, atualizar o ensino de acordo com as exigências do desenvolvimento industrial.
Além disso, o fato de os educadores apelarem para a interferência do Estado como instância
35

neutra, como recurso para garantir o direito do indivíduo à escola coopera para criar, em meio
ao povo, a imagem de um governo comprometido com a solução dos problemas sociais.
Assim sendo, essa reforma nada mais foi do que um ajustamento, a intervenção do Estado
brasileiro, para adequar a formação dos trabalhadores às exigências do grande capital, que
exigia a qualificação da mão de obra de seus operários.
Todavia, ―[...] o aparato legal é apenas uma dentre as muitas dimensões de uma
política, expressando, via de regra, o valor público perseguido para a educação nos diversos
contextos‖ (VIEIRA, 2008, p. 16). Assim, as políticas públicas educacionais 10 nesse período,
entre avanços e recuos, contemplam os quatro princípios basilares que caracterizavam a
escola pública, ou seja, universalidade, obrigatoriedade, gratuidade e laicidade. Tais
princípios foram penetrando as discussões políticas que eram, na época, restritas a uma
pequena parcela da população, aquela que podia participar e intervir em embates dessa
natureza. A grande maioria dos brasileiros estava distante da vida política por sua condição,
associada muitas vezes à situação de analfabeto, ex-escravo, não católico, mulher ou pobre.
Era, então, uma estrutura social de tal forma marginalizadora incompatível com a idealizada
sociedade republicana regida pelo desejo de igualdade, liberdade e fraternidade entre os
homens.
Mas, se a escola brasileira não concretizou nas suas primeiras décadas de existência os
princípios da universalidade, obrigatoriedade, gratuidade e laicidade, tampouco os abandonou
completamente. O reconhecimento do valor social que esses princípios traziam implícitos
serviu de referência para os que lutaram por sua concretização. Assim, o Manifesto de 1932,
assinado por 26 intelectuais e dirigido ao povo e ao governo brasileiro, consagrou a defesa
formal da escola para todos e conferiu visibilidade às contradições no processo de
escolarização, estimulando o debate em torno da democratização do acesso à educação. Os
autores do manifesto acreditavam que o almejado desenvolvimento do país só seria possível
com base em novos comportamentos e conhecimentos. Negaram os princípios da escola
tradicional e defenderam os princípios da Escola Nova, que priorizava os sentimentos
patrióticos, as aptidões naturais, a colaboração e a moralização.

10
As políticas públicas revelam as características próprias da intervenção de um estado submetido aos interesses
gerais do capital na organização e na administração da res-pública e contribuem para assegurar e ampliar os
mecanismos de cooptação e controle social. Por outro lado, como o Estado não se define por estar à disposição
de uma ou outra classe para seu uso alternativo, não pode se desobrigar dos comprometimentos com as distintas
forças sociais em confronto. (SHIROMA; MARIA; OLINDA, 2000, p. 09).
36

Os Pioneiros alinhar-se-ão na corrente das mudanças. Uns, com propostas


mais abertas e democráticas, outros subalternando a democracia ao papel
dirigente das ―elites‖. Mas todos na linha de adaptação da política
educacional ao avanço do capitalismo no Brasil. Uma estrutura educacional,
exclusivamente acadêmica, ornamental é disfuncional para uma sociedade
que se queria presente no mundo urbano-industrial. O que determina dentro
destas necessidades e aspirações uma outra relação entre educação e
sociedade. A qual se ligaria o ensino às necessidades do capital. (CURY,
1988, p. 173).

Com o tema ―A reconstrução nacional do Brasil: ao povo e ao governo‖, o manifesto


circulou em âmbito nacional com a finalidade de oferecer diretrizes a uma política de
educação. Os pioneiros acreditavam que o direito à escola era fundamental para se garantir
não só o pleno desenvolvimento de capacidades individuais, mas também a aprendizagem do
exercício da cidadania11. Além de constatar a desorganização do aparelho escolar, propunha
que o Estado organizasse um plano geral de educação e defendia a bandeira de uma escola
única, pública, laica, obrigatória e gratuita. E, assim, as bases da ideologia educacional foram
assentadas no movimento de reconstrução educacional e o sistema de ensino sofreu uma
reorganização que lhe definiu a própria estrutura.

Os renovadores teriam importado um modelo educacional, mas um modelo


necessário à ordem econômico-social que se consolidava no país e que
deveria tomar os rumos de desenvolvimento característicos do avanço
capitalista. Segundo essa ótica, os renovadores também não alcançaram o
seu intento. Fracassaram pela ―inconsistência teórica e programática‖ do seu
movimento, resultado da ―má assimilação‖ dos ideais transplantados.
(XAVIER, 1990, p. 21).

Para esse grupo de intelectuais e educadores, o emergente processo de industrialização


demandava políticas educacionais que assegurassem uma educação moderna, capaz de
incorporar novos métodos e técnicas e que fosse eficaz na formação do perfil de cidadania
adequado a esse processo. Dessa forma, a modernização do ideário liberal nacional se deu
nesse período através da assimilação do pensamento escolanovista, que atendia perfeitamente
aos objetivos conservadores da classe média e acenava com promessas de democracia e
progresso para as classes inferiores. Assim — contesta Xavier (1990, p. 75) — ―[...] a
apreciação otimista dos pioneiros sobre os efeitos revolucionários do novo projeto acaba por

11
É importante compreender o conceito de cidadania dentro do contexto político-econômico e sociocultural
desse momento histórico. Pois, tal conceito não tem uma essência com um significado passível de
universalização, mas possui um caráter de construção histórica, definida por interesses e práticas concretas de
luta política. É importante lembrar que a dinâmica social é o eixo de construção da cidadania.
37

ocupar, ao longo do manifesto, maior espaço que a própria apresentação do seu plano de
execução‖.
Tendo a desigualdade social como característica persistente no processo de
desenvolvimento e modernização socioeconômica e cultural, a sociedade brasileira
naturalizou relações desiguais e de privilégios que refletiam e se consolidavam no processo de
escolarização dessa mesma sociedade. Nesse contexto, o Manifesto dos pioneiros da
educação apresenta certas limitações porque, ao mesmo tempo em que reconhece a
educação como possibilidade de desenvolvimento técnico ao país, apresenta para tal
uma concepção liberal, idealista e não contempla uma ação objetiva e científica efetiva.
―[...] afinal, expandir as oportunidades educacionais ou reformar as instituições
escolares representava um custo menor que alterar a distribuição de renda e as relações
de poder.‖ (XAVIER, 1990, p. 63).
Contudo, o movimento da Escola Nova nos ajuda a refletir sobre as relações entre as
esferas pública e privada no âmbito da educação. No Manifesto a educação é assinalada como
uma função social, eminentemente pública e como uma das tarefas ―de que a família se vem
despojando em proveito da sociedade política‖, incorporando-se ―definitivamente entre as
funções essenciais e primordiais do Estado‖. Embora acentuasse o papel do Estado ante a
família na matéria educacional, o documento não deixava de mencionar a importância da
instituição familiar, vista ainda como o ―quadro natural que sustenta socialmente o indivíduo,
como o meio moral em que se disciplinam as tendências, onde nascem, começam a
desenvolver-se e continuam a entreter-se as suas aspirações para o ideal.‖(MANIFESTO
1932).
Nesse sentido, os renovadores apresentaram ao povo e ao governo, o seu projeto
pedagógico, criticaram a subordinação da educação brasileira a interesses político-partidários,
bem como condenaram a interferência da Igreja católica nas questões ligadas ao ensino. Os
pioneiros conclamam o Estado a viabilizar, por meio da ação de grupos de comprovada
competência técnica, a transformação da educação em uma função social e pública. Dessa
forma, eles pretendiam inaugurar um processo de especialização e autonomização do campo
educacional, com base na convicção de que a secularização da cultura associada à busca da
autonomia do sujeito privado suplantaria o enfraquecimento do papel social da família,
promovendo uma ruptura entre poder político e religião, contribuindo, assim, para o
afrouxamento dos laços de dependência que prendiam as instituições educacionais às órbitas
doméstica e religiosa.
38

Nessa linha, a educação deixa de ser considerada tarefa primordial da família que, a
partir de então, passa a ser vista como coadjuvante da tarefa educacional juntamente com a
instituição escolar e o Estado. O Manifesto refuta o controle da educação brasileira pela Igreja
católica, defendendo a ideia de que, nas sociedades modernas, a educação devia ser entendida
como um setor e um serviço de natureza pública e, portanto, precisava ser assumida como
tarefa primordial do Estado. Daí, a necessidade de articulação da escola com a esfera política
(representada pelo Estado) e a demarcação do sentido do que se defendia como educação
pública.
Por conseguinte, o movimento renovador enfrentou a resistência da Igreja Católica que
buscava recuperar sua influência sobre a educação, inclusive o restabelecimento do ensino
religioso nas escolas públicas. A reação católica foi liderada pelo Cardeal do Rio de Janeiro,
Sebastião Leme, pelo padre jesuíta Leonel Franca e pelo intelectual leigo Alceu Amoroso
Lima, também conhecido pelo pseudônimo Tristão de Athayde.

Assim, conforme os católicos, a escola leiga preconizada pelos


escolanovistas em lugar de educar deseducava: estimulava o individualismo
e neutralizava as normas morais, incitando atitudes negadoras da
convivência social e do espírito coletivo. Somente a escola católica seria
capaz de reformar espiritualmente as pessoas como condição e base
indispensável à reforma da sociedade. (...) Pela precedência da família em
relação ao Estado, a visão católica defende o direito dos pais de decidir
livremente sobre a educação dos filhos. Daí a contestação a outras duas
bandeiras do movimento escolanovista, a gratuidade e a obrigatoriedade,
entendidas como interferência indevida do Estado na educação. (SAVIANI,
2007, p. 257-258).

Em meio a essa conjuntura, a luta que ora se trava em defesa da escola pública é um
verdadeiro divisor de águas na história pedagógica da nação, propiciando o choque inevitável
entre duas mentalidades existentes no país, a saber, católicos e liberais. A luta que se abriu em
nosso país entre os partidários da escola pública e os da escola particular é, no fundo, a
mesma que se travou em vários países, entre a escola religiosa (ou o ensino confessional), de
um lado, e a escola leiga (ou o ensino leigo), de outro.
Carlos Jamil Cury, no livro Ideologia e Educação Brasileira: Católicos e Liberais,
descreve os argumentos utilizados pelos católicos na defesa do Estado confecional,

Os católicos, sendo a maioria da nação, mantêm o erário do Estado. Por isso


abrir escolas a todos e impor o laicismo é uma injustiça material e
39

incompatível com a consciência religiosa das famílias. A continuidade


religiosa do lar deve ser garantida pelo Estado na escola pública. A
coexistência do laicismo nas escolas oficiais com o ensino religioso nas
escolas privadas é duplamente injusta: primeiro, porque o ensino religioso é
direito intangível das consciências e garantia para a vida moral do país.
Negá-lo é negar a família, a moral e a religião. Segundo, porque oneraria
duplamente a maioria católica, que além de custear a escola pública pelos
impostos, deveria arcar com o ônus do ensino privado a fim de estar em paz
com a sua consciência. Além disto, se o ensino religioso não é compulsório,
quem tiver um modo diferente de vê-lo que peça dispensa para seu filho e a
escola é vida e preparação para a vida, que já na escola aprendam os alunos a
viver em harmonia e tolerância respeitando pontos de vista diferentes.
(CURY, 1988, p. 161).

De acordo com o exposto acima, a doutrina católica seria para o Estado não apenas um
instrumento capaz de garantir a preservação da ordem e de legitimação do autoritarismo, mas
também um instrumento indispensável de transmissão de valores que serviam de subsídio
para a nova nação.

A política de Francisco Campos, à frente do Ministério de Educação e


Saúde, não se restringe, entretanto às reformas de 1931. Suas concepções
ideológicas e o seu compromisso político com o governo de Vargas fará com
que busque novas alianças, visando a sustentação política do Governo
Provisório. Isto o levará a convencer Vargas da necessidade de atrair os
setores católicos que em grande medida se mantiveram reticentes, quando
não em oposição, à Revolução de 1930. Em abril de 1931, o chefe do
Governo Provisório promulga um decreto que introduz o ensino religioso
nas escolas públicas. (...) Tratava-se de uma mudança de 180 graus na
política educacional de caráter laico que a tradição republicana havia
constituído, em decorrência da influência positivista de suas origens. O novo
decreto criara, assim, um nível de disputa acentuado nas fileiras
educacionais, particularmente entre educadores católicos e educadores laicos
(ROCHA, 2000, p. 39).

O Estado republicano defendia a ideia da educação pública – conquista irreversível das


sociedades modernas, a de uma educação liberal e democrática, a de educação para o trabalho
e o desenvolvimento econômico e, portanto, para o progresso das ciências e da técnica que
residem na base da civilização industrial. Nessa perspectiva, a escola pública concorre para
desenvolver a consciência nacional, e é percebida como um dos mais poderosos fatores de
assimilação como também de desenvolvimento das instituições democráticas. Por isso,
afirmavam os renovadores, a educação deve ser universal, isto é, tem de ser organizada e
ampliada de maneira que seja possível ministrá-la a todos sem distinções de qualquer ordem;
obrigatória e gratuita em todos os graus; integral, no sentido de que, destina-se a contribuir
40

para a formação da personalidade da criança. Fundamenta-se no espírito de liberdade e no


respeito da pessoa humana, procurando por todas as formas criar na escola as condições de
uma disciplina consciente, despertar e fortalecer o amor à pátria, o sentimento democrático, a
consciência de responsabilidade profissional e cívica. Busca, contudo, a formação de homens
harmoniosamente desenvolvidos que sejam de seu país e de seu tempo, capazes e
empreendedores, aptos a servir no campo das atividades humanas.
A análise dos princípios reformadores enunciados acima permite afirmar que a
polêmica entre católicos e liberais naturalmente não se restringiu ao aspecto laico/religioso do
ensino público, mas estendeu-se à questão da co-educação dos sexos e principalmente ao
problema do monopólio da educação pelo Estado. Na verdade a Igreja era imprescindível para
o assentamento do novo pacto social, e o ideário liberal no Brasil sem o concurso da religião
não garantiria o consenso necessário para a aliança dos grupos dominantes. Dessa forma,
católicos e reformadores adequavam, cada um a seu modo, às relações sociais vigentes e nem
um nem outro as colocavam em questão. Na defesa de seus interesses, porém, lutavam pela
hegemonia de suas propostas em nível de governo. De um lado, a Igreja e seu enorme poder
de influência sobre a população e de pressão sobre o próprio governo; de outro, os que
propugnavam novos conceitos educacionais e seu prestígio como educadores na sociedade
brasileira. Assim, Getúlio Vargas e Francisco Campos procuraram conciliar as reivindicações
divergentes e, sempre que podiam, manipularam-nas em seu proveito.

1.3 O Intercâmbio entre o ensino público e privado e os conflitos de interesses expressos


na legislação educacional brasileira

Ao analisarmos a Constituição de 1934 constatamos que a mesma apresenta propostas


pedagógicas inovadoras que se adaptam melhor à nova realidade socioeconômica brasileira,
que se pretende construir, mas, ao lado de ideias liberais inovadoras, o texto constitucional
expressa tendências conservadoras, favorecendo o ensino religioso de frequência facultativa.

A Constituição de 1934, apesar de trazer pontos contraditórios ao atender


reivindicações, principalmente de reformadores e católicos, dá bastante
ênfase à educação, dedicando um capítulo ao assunto (cap. II). A
reivindicação católica quanto ao ensino religioso é atendida, assim como
outras ligadas aos representantes das ―ideias novas‖, como as que fazem o
Brasil ingressar numa política nacional de educação desde que atribui à
União a competência privativa de traçar as diretrizes da educação nacional
(cap. I, art. 5º, XIV) e de fixar o plano nacional de educação (art. 151). Aos
41

estados, segundo este artigo, competia organizar e manter os seus sistemas


educacionais, respeitadas as diretrizes definidas pela União. (RIBEIRO,
2001, p. 116).

A constituinte de 1934 abrira um canal direto de comunicação entre os representantes


das escolas particulares e o Estado, acentuando, posteriormente, a disputa entre interesses
privados e interesses públicos, particularmente no que tange à definição dos critérios de
distribuição de verbas estatais. Contudo, dada a correlação de forças que impedia a vitória de
um ou de outro grupo, os debates se orientaram no sentido de uma acomodação dos interesses
divergentes12 por parte do governo. Nesse sentido o Estado não se coloca em lado oposto aos
colégios católicos; ao contrário apóia-se neles para se desobrigar da educação pública.
A carta constituinte de 34 atribuiu à União a fixação do Plano Nacional de Educação,
determinando que este abrangeria todos os graus e ramos do ensino, e reconheceria a
liberdade de ensino em todos os graus e ramos, observadas as prescrições da legislação
federal e da estadual.(CONSTITUIÇÃO 1934). Contudo, a dimensão pública ficou restrita, no
ensino secundário, às funções de regulamentação e fiscalização, contrariamente à vontade dos
pioneiros que a queriam mais fundamentalmente financeira e técnica. Assim, embora tenham
sido fixadas as bases para uma política nacional de educação o governo federal não toma
medidas efetivas em favor do ensino público; e o incentivo ao ensino primário se dará graças
ao apelo aos estados para que se dediquem a promover a instrução pública.

Aos estados caberia, de acordo com as disposições do art. 151, organizar e


manter os seus sistemas educacionais, segundo diretrizes definidas pela
União e pelos Conselhos Estaduais de Educação. Finalmente, o art. 156
determina a aplicação de nunca menos de 10% por parte dos Municípios e
nunca menos de 20% da parte dos Estados, da renda resultante dos impostos,
na manutenção e no desenvolvimento dos serviços educativos. (PEIXOTO,
2003, p. 49).

A descentralização garantida pela constituinte de 1934 faz com que as realizações no


campo educacional variem de estado para estado, pois cada qual organiza seu sistema escolar
segundo seus interesses e suas condições. Dessa maneira, o ensino primário não recebeu a

12
Alcançou-se por um lado, a aprovação de propostas de ensino primário obrigatório, gratuito e universal, da
ampliação da competência da União, por meio do Conselho Nacional de Educação – resguardada a autonomia
dos estados e municípios locais. A constituinte atribuiu ao Conselho a tarefa de elaborar um Plano Nacional de
Educação e de garantir os recursos para o sistema educativo. Por outro lado o grupo católico viu atendidas suas
reivindicações no que se refere ao ensino religioso nas escolas, à manutenção da liberdade de ensino, ao
reconhecimento de estabelecimentos privados de ensino tido como idôneos, bem como do papel desempenhado
pela família na educação.
42

devida atenção do governo central nesse período, estando o sistema de ensino ligado à
administração dos estados13. Contudo, as reformas que ocorriam em nível estadual se
constituíam, muitas vezes, de forma efêmera, e muitas eram desarticuladas da realidade
lugar/espaço onde se materializava o processo de escolarização do país.
A Constituição outorgada em 1937 assinala que, no dever de educar, o Estado se torna
subsidiário do dever primeiro e natural da família e dos pais. Ao Estado cumpriria ser
complemento das lacunas deixadas pela educação particular. Este dispositivo é reforçado com
o art. 128, que garante o ensino livre à iniciativa individual, particular e pública, impondo-se
como ―dever do Estado contribuir, direta e indiretamente, para o estímulo e desenvolvimento
de umas e outras.‖ (BRASIL, 1937).
A Constituição de 1937 dedicou bem menos espaço à educação do que a anterior, mas
o suficiente para incluí-la em seu quadro estratégico com vistas a equacionar a ―questão
social‖ e combater a subversão ideológica. Diferentemente da Constituição de 1934, a de
1937 tem nítida inspiração nos regimes autoritários fascistas, e o Estado Novo14 corresponde a
um aprofundamento da centralização. A Constituição de 1937 amplia a competência da União
para fixar as bases e determinar os quadros da educação nacional, traçando as diretrizes a que
deve obedecer a formação física, intelectual e moral da infância e juventude.

Também em matéria de ensino religioso a Constituição de 1937 assinala uma


tendência conservadora no dispositivo que permite que este ensino se
apresente como ―matéria do curso ordinário das escolas primárias, normais e
secundárias‖, muito embora não deva se ―constituir objeto de obrigação dos
mestres ou professores, nem de frequência compulsória por parte dos
alunos‖ (Art. 133). A ambiguidade do texto é óbvia, deixando margem a um
facultativo, que acaba por tornar-se compulsório, considerando-se a
hegemonia da religião católica sobre as demais, bem como a expressiva
presença de escolas confessionais no cenário brasileiro. (VIEIRA, 2008, p.
94).

Em relação à gratuidade do ensino primário, a Constituição de 1937 (BRASIL, 1937)


determina, no art. 130, que

13
Mesmo não havendo uma legislação educacional a nível nacional não podemos nos esquecer que a partir da
revolução de 1930 até o início dos anos 1950 o Estado se projeta de forma ditatorial conciliando os interesses das
classes sociais dominantes. Por esse motivo nos atemos nesse capítulo a uma análise macro, buscando
compreender o papel do Estado na história da educação brasileira.
14
Regime político inspirado na ditadura de Antonio de Oliveira Salazar em Portugal, instituído em 1937 durou
até 29 de outubro de 1945 quando Getúlio foi deposto pelas Forças Armadas.
43

[...] o ensino primário é obrigatório e gratuito. A gratuidade, porém, não


exclui o dever de solidariedade dos menos para com os mais necessitados;
assim, por ocasião da matrícula, será exigida aos que não alegarem, ou
notoriamente não puderem alegar escassez de recursos, uma contribuição
módica e mensal para a caixa escolar.

Dessa forma, ao observarmos a Constituição de 1937, a indefinição do caráter


educador do Estado emerge com particular relevância, proclamando a liberdade das
instituições de ensino, sendo elas públicas ou particulares. Nesse sentido, buscamos
compreender como e em que circunstâncias ocorreram o intercâmbio entre o ensino público e
privado no Brasil e, particularmente, no município de Ibiá, Minas Gerais, com a criação da
escola privada primária Santa Teresinha, em 1937. Pois, para compreender o papel da
educação é necessário, inicialmente, problematizá-la, relacionando o macro com o micro e
vise-versa, num contexto político-econômico e sócio-cultural.
Em novembro de 1938 foi criada a Comissão Nacional do Ensino Primário (CNEP),
criada pelo Decreto-Lei nº 868. Na Exposição de Motivos enviada ao presidente Vargas, para
justificar a sua criação, o ministro aponta o ensino primário como um dos mais importantes
problemas do governo. Assim, a função de traçar as diretrizes fundamentais do ensino
primário será atribuída à CNEP; a cooperação financeira da União aos estados e municípios
será viabilizada pela criação do Fundo Nacional do Ensino Primário em 194215.
Todavia, a CNEP iniciou seus trabalhos em 18 de abril de 1939 e durante o período
em que funcionou quase sempre contava em suas reuniões com a participação de Gustavo
Capanema, ocupou-se principalmente com três questões, definidas pelo ministro como
prioritárias: a nacionalização das escolas primárias nos núcleos de população de origem
estrangeira, especialmente nas colônias italianas e alemãs do sul do país; a elaboração do
anteprojeto de lei de organização nacional do ensino primário 16, e a formação e
disciplinamento do magistério primário em todo o país. Quanto ao estabelecimento de
diretrizes orientadoras da organização e funcionamento do ensino primário em todo o país, a
CNEP elaborou um anteprojeto de decreto-lei encaminhado ao ministro em dezembro de
15
A criação do Fundo Nacional de Ensino Primário expressou, sem dúvida, a constituição de um importante
instrumento de modernização do Estado para o enfrentamento da questão do ensino elementar. Ele teve o mérito
de apontar para a exigência de verbas da União para vencer o imenso déficit do ensino básico, alem de colocar
na ordem do dia o estabelecimento dos Convênios da União com os Estados, Distrito Federal e Territórios, e
destes com os seus respectivos Municípios, com a finalidade de regular a aplicação da verba orçamentária para o
ensino primário. (ROCHA, 2000, p.107).
16
O anteprojeto da CNEP adota como conteúdo do ensino primário fundamental a preocupação com o ensino da
língua nacional e da educação cívica. No que se refere às atribuições da União, ele possibilitou, inclusive, a
organização e administração direta pela União de escolas primárias e de escolas de formação de professorado
primário, o que até aquele momento fora de competência estadual e municipal.
44

1939. O caráter nacional aludido apresenta um duplo aspecto: o da nacionalização da rede


escolar primária de todo o país, pela indicação de normas de administração e coordenação
geral, a serem aplicadas pelo Ministério da Educação; e o espírito mesmo do ensino, a ser
ministrado nas escolas, públicas ou particulares, ou ainda no lar, mediante a subordinação do
exercício do magistério a imperativos de ordem nacional.
Durante a longa gestão do ministro Gustavo Capanema (1937-1945), este foi
responsável pela organização do MEC segundo um modelo altamente centralizador. Como
demonstrou Schwartzman (1985) o apoio que ele deu a grupos de intelectuais especialmente
arquitetos e artistas plásticos de orientação moderna cercou sua administração de uma
imagem de modernização da esfera educacional, ao mesmo tempo em que atrelava certas
decisões da alçada do Ministério da Educação aos setores mais tradicionais da Igreja católica.
A acomodação entre Igreja e Estado fez com que perdesse muito de sua nitidez o confronto
entre os defensores do ensino privado e confessional e os defensores do ensino público,
universal, leigo e gratuito, produzindo-se um aparente equilíbrio entre os dois grupos. No
período, a presença do Estado na educação efetivou-se por meio da extrema centralização
administrativa e decisória e pelo cerceamento a qualquer tipo de inovação ou manifestação de
pluralismo, incluindo-se o esforço de nacionalização da educação.
Tivemos nesse período as Leis Orgânicas do Ensino, decretos-leis outorgados pelos
presidentes Getúlio Vargas, durante o Estado Novo, e José Linhares, durante o governo
provisório pós-Getúlio, que tiveram como objetivo reformar e padronizar todo o sistema
nacional de educação, com vistas a adequá-lo à nova ordem econômica e social que se
configurava no Brasil naquele momento. A Lei Orgânica do Ensino Primário foi a primeira
iniciativa concreta do governo federal para esse nível de ensino e entra em vigor num
momento de crise política, com o fim do Estado Novo e o retorno à democracia. Inicia uma
nova fase política do Estado Novo trazida pela aproximação, a partir de meados de 1940, com
as forças aliadas na 2ª Guerra, o que certamente resultou em predominância, dentro do
governo, das tendências mais comprometidas com a redemocratização. Não obstante, a
segunda proposta de um anteprojeto de lei orgânica do ensino primário foi elaborada,
provavelmente no ano de 1943. Há importantes modificações de conteúdo nessa segunda
proposta à extensão do ensino primário em dois ciclos: o elementar, de 3 séries, e o pré-
vocacional, de 2 series; entretanto, o conteúdo disciplinar do curso elementar não se limita à
alfabetização e à educação cívica. Acrescenta-se a iniciação matemática, geografia e história
do Brasil, conhecimentos gerais aplicados à vida social, à educação da saúde e ao trabalho,
45

entre outras unidades curriculares. Contudo, modificação importante também é a redefinição


das finalidades do ensino primário, agora abrangendo a exigência de oferecer as condições de
uma equilibrada formação e desenvolvimento da personalidade, bem ao gosto dos
renovadores.
Apesar de toda a pressa da assessoria técnica e do compromisso tantas vezes explicito
pelo Ministro Capanema com a Lei Orgânica do Ensino Primário17, ela ainda assim não será
promulgada em sua gestão. Somente em 2 de janeiro de 1946, quando não mais vigorava o
regime estadonovista, a LOEP será finalmente outorgada, sob a forma de decreto-lei de
número 8.529. Assim, até 1946, o ensino primário carecia de diretrizes nacionais, o que
demonstra o desinteresse do governo na educação popular, que dispensava, num modelo
agrário-exportador, uma formação escolarizada ao trabalhador. Somente com o
desenvolvimento industrial a política educacional passa a dar prioridade à formação da classe
trabalhadora, do primário aos diversos cursos profissionalizantes.
Como vimos até aqui, a partir da década de 30 o desenvolvimento do sistema escolar
passou a ser orientado nos moldes ideológicos do Estado Nacional, com suas caricatas
tendências centralizadoras, uma escola rígida, com rígidos programas calcados em padrões
federais, a serem concretizados, sem nenhuma flexibilidade adaptativa, em todas as regiões do
país. A esta asfixiadora uniformidade veio contrapor-se, na Assembleia Constituinte de 1946,
o ideal federativo consagrado pela tradição republicana: ―Os Estados Unidos do Brasil
mantêm, sob o regime representativo, a Federação e a República‖ (Art. 1° da Constituição).
Na nova estrutura constitucional, a organização dos sistemas de ensino distribui-se entre a
União e os Estados (Arts. 170 e 171), respeitados os princípios gerais fixados no Capítulo II
da Constituição nos seus artigos 166 a 175. Restava, entretanto, como competência precípua
da União, a fixação das diretrizes e bases da educação nacional.
Entretanto, até então não se tinha articulado um projeto que compreendesse um
sistema de ensino verdadeiramente nacional. Ainda que o texto constitucional de 1946 tenha
instituído a educação como direito de todos, até aquele momento não havia se desenvolvido
uma legislação educacional detalhada. Contudo, a constituição de 1946, marco da
redemocratização do país repõe a liberdade de exercício profissional. O art. 167 abre os

17
Em dezembro de 1944, Lourenço Filho havia encaminhado ao ministro um anteprojeto que se transformou,
com pequenas alterações de forma, na Lei Orgânica do Ensino Primário, decretada em Janeiro de 1946, depois
da queda de Vargas e da substituição de Capanema por Leitão da Cunha. Nota-se apenas mudança de fundo. O
Anteprojeto de Lourenço Filho, ao tratar dos princípios orientadores do ensino primário afirma que este deverá
inspirar-se, em todos os momentos, no espírito da unidade e da segurança nacional.
46

―diferentes ramos‖ de ensino à liberdade da ―iniciativa particular, respeitadas as leis que a


regulem‖. (BRASIL, 1946).
A democratização do ensino foi um dos mais pesados encargos herdados do Império
pela República no Brasil. De fato, a instrução fora um privilégio aristocrático na antiga ordem
social escravocrata e senhorial; assim se manteve, com variações insignificantes na essência,
ao longo de mais de meio século de experiências republicanas. Faltaram recursos materiais
humanos e culturais para empreendermos modificações rápidas e profundas no sistema
educacional existente. Por isso, os cinco primeiros decênios da história educacional
republicana compreendem estranhas transações, graças às quais o Estado conclamado
democrático patrocinou e expandiu, na verdade, soluções educacionais que contradiziam a sua
própria natureza e os fundamentos da filosofia da educação democrática.

Tínhamos em 1900, 9.750.000 habitantes de mais de 15 anos, dos quais


3.380.000 eram alfabetizados e 6.370.000 analfabetos. Em 1950, 14.900.000
eram alfabetizados e 15.350.000 analfabetos. Diminuímos a percentagem de
analfabetos de 65% para 51%, em cinquenta anos, mas em números
absolutos, passamos a ter bem mais do dobro de analfabetos.
(TEIXEIRA,1967, p. 22).

Mesmo após a Constituição de 1946 ter refletido o clima do pós Segunda Guerra,
quando a democracia era questão central nos países ocidentais, com algumas características
democrático-liberais muito próximas da Constituição de 1934, isso não significou, no entanto,
que o clima no Brasil fosse de total abertura política. Pelo contrário, a guerra fria entre os
Estados Unidos e a União Soviética repercutiu aqui em forma de intolerância aos partidos de
esquerda. Na área econômica, o projeto de industrialização do governo Kubitschek (1956-
1961) redefiniu o papel do Estado, associando-o ao capital privado internacional. A indústria
brasileira a ele também se associou como estratégia de sobrevivência e foi se ajustando aos
novos padrões de consumo, com suas diferenciações entre o perfil de demanda das massas e
de uma pequena parcela da população (XAVIER, 1990).
Nesse contexto, o desenvolvimento do capitalismo industrial brasileiro produziu uma
significativa concentração de renda, e a consequente marginalização política e econômica da
maioria dos brasileiros refletiu no sistema escolar que, por sua vez, confirmou a
marginalização, também, no que se referia ao acesso aos bens culturais. Desse ângulo não
deixa de ser um paradoxo a estranha contradição que impera no Brasil. Enquanto se propõe
um desenvolvimento econômico acelerado e uma política de desenvolvimento, mantém-se a
47

educação como um privilégio social e como um fator estático ou neutro. Toda inovação exige,
para erigir-se ou perpetuar-se, atitudes e comportamentos novos – o que significa
conhecimentos novos sobre técnicas sociais igualmente novas. O nosso sistema de ensino de
então atua, nesse sentido, às avessas; prepara o homem para ajustar-se a uma ordem social
estática e tradicionalista, embora a própria sociedade tenda para padrões organizatórios
dinâmicos.

As transformações que se processaram, porém, não foram nem tão gerais


nem tão profundas de molde a produzir uma revolução completa no modo
pelo qual a educação escolarizada foi avaliada, utilizada e organizada
institucionalmente no passado recente. Os vícios congênitos a um sistema
educacional montado para atender às necessidades sócio-culturais de uma
sociedade aristocrática e patrimonialista, movida por absorventes interesses
rurais, e altamente empenhada em perpetuar as bases tradicionalistas das
formas de dominação, de concepção do mundo e de organização da vida,
perpetuaram-se de maneira ostensiva ou disfarçada. Precisamos ter a
coragem de reconhecer esse fato, se quisermos proceder a um diagnóstico
objetivo da situação educacional brasileira e prepararmo-nos,
intelectualmente, para introduzir modificações de monta em nosso sistema
educacional. (FERNANDES,1966, p.73).

No governo do Marechal Eurico Gaspar Dutra (1946-1950) o Ministro Clemente


Mariani em 29 de abril de 1947, visando dar cumprimento ao disposto no art. 5º, inciso XV,
alínea d, da Constituição de 1946, que atribuía à União competência para legislar sobre
―diretrizes e bases da educação nacional‖, instalou uma Comissão, presidida por Lourenço
Filho, na época diretor geral do Departamento Nacional de Educação, e composta por uma
comissão de 15 educadores de diferentes tendências, encarregando-a de elaborar um
anteprojeto de Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. O anteprojeto elaborado pela
comissão, acompanhado de um relatório geral assinado por Almeida Júnior, foi entregue ao
ministro da educação que, após introduzir nele algumas modificações, encaminhou-o ao
presidente Dutra, em 28 de outubro de 1948. A proposta do projeto continha, entre outros, os
princípios do direito à educação; da obrigatoriedade e gratuidade do ensino primário; da
gratuidade nas escolas públicas de todos os níveis; da regulação dos deveres do Estado; da
autonomia administrativa, didática e financeira das universidades; do concurso público para o
magistério; e da fiscalização e controle das escolas privadas pelos poderes públicos.
(ROMANELLI, 2000).
48

Dando cumprimento ao dispositivo constitucional, o Ministro Clemente


Mariani constituiu uma comissão integrada por educadores e especialistas de
indiscutível projeção, sob a presidência do Professor Manuel Bergstron
Lourenço Filho, então Diretor Geral do Departamento Nacional de
Educação. O trabalho de coleta de elementos se realizou por intermédio das
seguintes subcomissões: do ensino primário – Prof. Antônio Ferreira de
Almeida Júnior (Presidente), Prof. Antônio Carneiro Leão Dr. Mário
Augusto Teixeira de Freitas, Dr. Celso Kelly, Coronel Agrícola da Câmara
Lôbo Bethlem; do ensino médio – Prof. Fernando de Azevedo (Presidente),
Prof. Alceu de Amoroso Lima, Dr. Artur Filho, Dr. Joaquim Faria Goes, Dª
Maria Junqueira Schmidt; do ensino superior – Prof. Pedro Calmon Moniz
de Bittencourt (Presidente e Vice Presidente da comissão geral, Dr. Cesário
de Andrade, Dr. Mário Paulo de Brito, Padre Leonel Franca e Dr. Levi
Fernandes Carneiro. O Prof. Fernando de Azevedo, embora não tenha
assumido o seu posto na comissão do ensino médio contribuiu valiosamente
com o esboço inicial do projeto organizado em colaboração com o Professor
Almeida Júnior, de acordo com o depoimento do Prof. Fernando de Azevedo
o Coronel Agrícola Bethlem transferiu-se para a subcomissão do ensino
médio. Dos trabalhos das subcomissões e da comissão geral resultou o
anteprojeto que, com alterações propostas pelo Ministro Clemente Mariani,
se transformou no projeto que fixou as diretrizes e bases da educação
nacional. (CARVALHO,1960, p. 204).

O projeto de lei submetido em 1948 à apreciação da Câmara de Deputados passou pela


apreciação da Comissão Mista de Leis Complementares, sendo relator indicado por essa
comissão, o deputado Gustavo Capanema18. Durante o período de tramitação do projeto pela
Câmara dos Deputados, os educadores envidaram tenaz esforço para obter o seu
encaminhamento normal, participando de múltiplos debates que visavam alertar e esclarecer
os legisladores. Anísio Teixeira, na época secretário de Educação e Saúde do estado da Bahia,
critica duramente o parecer de Capanema, numa linguagem forte, às vezes irônica que reflete
o sentimento de perplexidade e revolta dos educadores diante da posição assumida pelo ex-
ministro da educação. Para Anísio Teixeira, o parecer de Capanema era certo nas premissas e
desacertado nas conclusões. Capanema, para justificar o engavetamento do anteprojeto de

18
Gustavo Capanema emite parecer contrário ao projeto de Clemente Mariani. Para Capanema, a expressão
―diretrizes e bases‖ não significava apenas ―normas gerais‖. Tinha um sentido muito mais amplo e
compreensivo. Segundo ele, a Assembleia Constituinte, ao regular a competência da União quanto à legislação
do ensino, não quis traduzir o seu pensamento somente com a palavra ―diretrizes‖, mas acrescentou ao texto a
palavra ―bases‖, pretendendo significar, com isso, claramente, e quase redundantemente, que à União compete,
não apenas traçar os princípios gerais do ensino de todos os ramos, mas também dar-lhe estrutura e disciplina,
organização e regime. Capanema mantém a subordinação do sistema educacional à conveniência dos interesses
nacionais, a serem estabelecidos pelo legislador ordinário federal, o qual, naquele momento, era o Legislativo,
mas que poderia voltar a ser um Executivo forte e autoritário. E mostrando que sua concepção de democracia
não excluía a existência deste governo forte e centralizador, confere ao termo ―bases‖ o mesmo significado que
havia atribuído, em 1937, à expressão ―preceitos diretores‖, isto é, normas que permitissem a unificação e o
disciplinamento das atividades educativas, sob o controle do governo central.
49

1948, havia afirmado que o mesmo era inconstitucional, atacava a unidade nacional, era um
crime contra a nação, era um projeto incorrigível19.
Apesar de indicar o dever do estado na garantia de educação para todos, partindo do
pressuposto da escola equalizadora, o projeto original admitia incentivos para o ensino
privado e induzia a uma concepção supletiva da ação estatal, reforçando o seu caráter
moralizador e fiscalizador. Nesse sentido o projeto Mariani assume as dimensões reais
compatíveis com a realidade econômica e política subjacente, mantendo a formação dual e
discriminatória.
No entanto, as incertezas políticas impediram que o projeto fosse discutido e aprovado
que, em linhas gerais, ficou cerca de onze anos engavetado, bloqueado, sem que a Câmara,
nesse longo período tivesse dele tomado conhecimento. Depois de um longo processo de
hibernação, ressurgiu afinal o Projeto Clemente Mariani, totalmente desfigurado pelas
metamorfoses por que sofreu como podemos observar pelo relato de Laerte Ramos de
Carvalho que descreve o histórico desse movimento.

O Deputado Antônio Peixoto, na sessão de 22 de abril (1952) sugere que se


tome um anteprojeto elaborado pela Associação Brasileira de Educação
como substitutivo ao projeto de origem governamental. Posteriormente, no
dia 7 de maio, é aprovada a proposta do Deputado Lauro Cruz para que
sejam analisados em conjunto os dois projetos, o oficial e o da Associação
Brasileira de Educação. (...) Em 1953 o trabalho da comissão não foi tão
intenso. Em uma das sessões o Deputado Coelho de Sousa apresenta
indicação por intermédio da qual solicitou maior empenho pelo andamento
do projeto. (...) O retardamento não impediu, entretanto, que se convertesse
em lei o projeto que estabelece o regime de equivalência dos diversos cursos
de grau médio e que se aprovasse parecer do Deputado Carlos Valadares que
dispõe sobre a cooperação financeira da União em favor do ensino de grau
médio. (...) O ano de 1954 foi pouco produtivo para a comissão: realizaram-
se apenas oito (…) Em 1955 o Deputado Carlos Lacerda apresentou o
projeto n. 419-55 no qual reproduziu o projeto primitivo de diretrizes e
bases. A iniciativa do deputado representou o início de um empenho mais
intenso da oposição parlamentar pelo andamento rápido da proposição.(…)
O parecer da subcomissão foi aprovado com as emendas apresentadas, na
reunião realizada pela Comissão de Educação e Cultura no dia 14 de
novembro de 1956. O projeto de 1948, acompanhado do parecer e das
emendas da comissão e de mais 14 documentos foi publicado no Diário do
Congresso de 12 de fevereiro de 1957. Encerrava-se, assim, a demorada

19
O pedido de urgência foi rejeitado por 112 contra 77 votos. O debate do projeto de Lei de Diretrizes e Bases
só terá andamento em plenário a partir de 1957 quando Capanema perde a liderança da maioria e,
posteriormente, a própria cadeira de deputado. Sem levar em consideração que o projeto fora o resultado de um
trabalho sério de uma comissão de educadores, Capanema viu nele apenas um instrumento político utilizado por
Clemente Mariani contra ele e contra seu trabalho no Ministério da Educação durante o governo Vargas.
50

tramitação do projeto na comissão de Educação e Cultura. (CARVALHO,


1960, p. 205-207).

Os substitutivos apresentados pelo então Deputado Carlos Lacerda em 1959 estavam


centrados na liberdade de ensino, aí entendida como sendo a educação um direito da família; a
escola, um prolongamento da família; o Estado com a responsabilidade de oferecer
suprimentos para a oferta com recursos técnicos e financeiros para a iniciativa privada ou para
o ensino oficial gratuito ou de contribuição reduzida; a oferta de condições iguais às escolas
oficiais e particulares e a representação das instituições educacionais particulares nos órgãos
de direção do ensino.
Nessa conjuntura, aqueles foram anos de embate e de vitória de forças conservadoras,
mas também de intensa efervescência cultural e política. Nessa perspectiva, em 1959
divulgou-se um novo Manifesto, mais uma vez endereçado ao povo e ao governo, assinado
por 189 intelectuais, educadores e estudantes e, como em sua primeira versão, também
redigido por Fernando de Azevedo. No entanto, o mesmo não tratava mais de reafirmar os
princípios de uma nova pedagogia como em 1932, mas de discutir os aspectos sociais da
educação e divulgar a argumentação dos que defendiam a escola pública. O documento
expressou com veemência a tendência política do redator Fernando de Azevedo. Apesar de
reunir pessoas com tendências políticas muito diversas, estavam todas elas, no entanto,
agregadas em torno da causa da escola pública, obrigatória e gratuita como elemento
fundamental na construção de uma nova sociedade.
Em tom de réplica ao Manifesto de 1959, foi subscrito por professores, educadores,
militantes e intelectuais o manifesto sobre as Bases da Educação que expressou a defesa da
iniciativa privada em educação, ou seja, os direitos da família e da Igreja. A crítica ao
Manifesto de 1959 era dirigida tanto a liberais quanto a socialistas por estarem, apesar das
diferenças ideológicas, aliados naquele momento em defesa da escola laica e mantida pelo
Estado.

Em linhas gerais, os defensores da escola pública indicavam as seguintes


medidas para o ajustamento da educação aos requisitos econômicos,
políticos, sociais e culturais da ordem social democrática vinculada à
economia mecanizada e à civilização tecnológico-industrial: a) a extensão do
ensino primário a todos os indivíduos em idade escolar (ou acima desta,
quanto não o possuam), assegurando a todas as regiões do país,
independentemente de sua estrutura demográfica e de suas riquezas, meios
para incentivar esse desiderato; b) a diferenciação interna do sistema
educacional brasileiro, de modo a dar maior amplitude às funções
51

educacionais dos diferentes tipos de escolas, ajustando-as convenientemente


às necessidades educacionais das diversas comunidades humanas brasileiras
– incluindo uma proposta de revolução educacional que levasse à mudança
de mentalidade e hábitos pedagógicos, redefinindo o uso social da educação
por meio de novas concepções educacionais; c) e, por fim, a abolição da
seleção educacional com fundamento em privilégios (de riqueza, de posição
social, de poder, de raça ou de religião) (FERNANDES, 1966, p. 128, 129).

Assim, num clima de amplo debate, surge um movimento em defesa da escola pública
brasileira que ganhou força durante a elaboração da lei de Diretrizes e Bases da Educação. A
Campanha de Defesa da Escola Pública, constituída em 1960, trouxe à tona a polêmica entre
escola pública e escola privada, e debateu o papel do Estado como articulador da educação
nacional. Como estratégia, o movimento ampliou as discussões, expandiu-se e foi divulgado
por diversas regiões do país por meio de textos escritos, conferências, comícios e reuniões, e
se consolidou pelo interesse de conquistar adesões nos âmbitos, local, municipal, estadual e
nacional.
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (lei n. 4.024) foi sancionada pelo
presidente João Goulart, em 20 de dezembro de 1961 e garantiu maior autonomia na medida
em que permitiu a descentralização administrativa e didático-pedagógica das partes
formadoras do sistema nacional de ensino. No entanto, no que tange à distribuição de
recursos, a LDB contemplou os interesses privados em detrimento dos interesses públicos,
pois, ao mesmo tempo em que definia que os recursos públicos seriam aplicados
preferencialmente na manutenção e desenvolvimento do sistema público de ensino, a lei
também previa a concessão de recursos aos estabelecimentos privados na forma de bolsas de
estudos, bem como a cooperação financeira da União com os estados, municípios e a
iniciativa particular na forma de subvenção e/ou assistência técnica e financeira.
52

CAPÍTULO 2
AS RELAÇÕES DE CONFLITO E/OU COMPLEMENTARIDADE DO ENSINO
PÚBLICO E PRIVADO NOS RINCÕES DAS GERAIS

2.1 O processo de democratização do ensino e a relação de conflito e/ou


complementaridade do ensino primário público e privado entre os anos de 1937 a 1959

O conflito público-privado na educação brasileira é o sintoma maior de um intricado


problema que diz respeito às relações entre Estado, sociedade e Igreja. Nos debates ocorridos
nos anos de 1930 e 1950, parece que não havia dificuldade de entendimento do que fosse
público e privado. Público era o ensino mantido com recursos governamentais e privado era o
ensino mantido por particulares – Igreja, ordens religiosas ou proprietários leigos. O conflito
que se estabeleceu nos anos de 1930 se referia à laicidade do ensino público e nos anos de
1950, basicamente ao destino das verbas públicas e não necessariamente à existência da
escola particular como veremos no decorrer desse capítulo.
A construção do público na educação brasileira encontra-se relacionada à organização
do Estado e, particularmente, às formas de intervenção estatal no processo de estruturação e
generalização das instituições destinadas a promover a educação do povo. Contudo, a
observação de alguns aspectos da vida social e do debate intelectual, ao lado das análises dos
textos constitucionais e da legislação educacional, nos ajuda a entender em que medida as
oscilações entre o público e o privado atuaram como elementos definidores das diferentes
configurações que o campo educacional foi assumindo ao longo da história.
Como vimos no primeiro capítulo deste trabalho, com a análise da legislação
educacional, a tradição católica do Brasil, ainda forte no século XX, fez do debate em torno
do ensino público e privado um terreno movediço. A educação religiosa não é dispensada nas
escolas oficiais, sendo a oferta obrigatória pelos estabelecimentos de ensino e a matrícula
optativa aos alunos. A variação que há entre os diversos textos constitucionais diz respeito às
condições de oferta dentro do horário normal de aulas, à responsabilidade quanto à
disponibilização de professores e à definição de conteúdo curricular. Como pudemos observar
o formato que as constituições assumiram reflete a polêmica que há em torno do tema.
Nesse sentido, a indefinição fronteiriça entre o público e o privado acarreta,
particularmente, a ambiguidade do Estado enquanto expressão de poder público. Tal quadro
produz uma situação ―perversa‖ da ação estatal na medida em que esta não estabelece as
53

fronteiras e diferenças entre os interesses coletivos e os interesses particulares, facultando a


emergência da privatização do público e, consequentemente, a interpenetração entre as esferas
pública e privada.
Entre as décadas de 1930 e 1950, a definição das funções da família, da Igreja e do
Estado na esfera educacional constitui um dos eixos em torno do qual o conflito entre público
e privado se desenvolve. Todavia, as décadas de 1950 e início de 1960 assistiram à crescente
manifestação dos interesses privados no âmbito legislativo, mas não se pode negar que o
período também foi marcado pela exaltação da dimensão pública da educação. A educação
passa a ser requerida como direito cívico como meio de ascensão social e, ainda, como
instrumento indispensável ao desenvolvimento econômico e, portanto, como requisito para o
progresso do país. Nessa perspectiva, para funcionar e expandir-se normalmente, a ordem
social democrática requeria a universalização de conhecimentos e de comportamentos que
assegurassem a atuação responsável do homem em assuntos de interesse coletivo, bem como
a formação de personalidades ajustadas ao estilo democrático de vida, em particular no que
concerne a consciência, valores e objetivos sociais civilizados.
Nesse aspecto, o período em análise se caracteriza por intensas mudanças no cenário
sócio-político-cultural brasileiro, decorrentes do processo de industrialização numa sociedade
de base agrária, em que a sociedade brasileira, aos poucos, torna-se cada vez mais urbana. As
relações sociais vão adquirindo a forma urbano-industrial em virtude da expansão das relações
capitalistas de produção. Nesse momento, o país passa por uma situação de crise institucional
que se traduz, em linhas gerais, na inadequação do sistema de dominação às novas condições de
infraestrutura, no panorama político-econômico e social que se configura. Apesar de
controlarem o processo político pelo voto, é evidente que as oligarquias rurais já não detêm, de
maneira tranquila, a hegemonia do controle do país. Assim, o grupo modernizante que assume o
poder vê na escola um instrumento capaz de auxiliá-lo no processo de incorporação das classes
dominadas ao projeto de desenvolvimento que se deseja imprimir no Brasil.

É esse o contexto no qual afloram os ―nacionalismos‖, os ―entusiasmos‖ e os


―otimismos‖ que, para além das propostas específicas que veiculavam no
que diz respeito à qualidade das mudanças reivindicadas, tinham como solo
comum a crença, real ou meramente proclamada, na construção de um novo
país através da escola. Quer se tratasse de difundir a escola primária para
―redimir os analfabetos‖ e criar base para o exercício da democracia e para a
recomposição do poder, quer se tratasse de remodelar o sistema educacional
para criar uma nova ordem econômico-social, estava subjacente a ideia de
que o progresso possível dependia das vontades das consciências. O futuro
54

estava em aberto e tudo era possível; era superar o passado e começar uma
nova história, projeto do intelecto e obra da escola. (XAVIER, 1990, p. 65).

Como elucidado faz-se urgente e necessária a criação de um sistema de educação


adequado a esse novo contexto histórico, que pudesse resolver, sem demora, os problemas
relacionados às necessidades de formação de mão de obra, à divisão social e técnica do
trabalho e à aceleração do processo de urbanização.

Para a educação, o momento histórico tornava imperiosa a necessidade de


mudar. Eliminar o analfabetismo passou a ser a palavra de ordem; era
preciso preparar o trabalhador urbano para o concorrido mercado de
trabalho. O sistema de ensino existente era para atender a elite e não
respondia às aspirações do momento. As mudanças feitas nos rumos da
educação em 1930, ainda, refletiam as contradições entre o antigo e o
moderno. No entanto, passou a ter uma relação direta entre o crescimento
urbano e as taxas de alfabetização e de escolarização. Ambas tornaram-se
ascendentes à proporção da urbanização. (FRANCISCO FILHO, 2004, p. 8).

De acordo com o exposto acima, a aceleração do processo de urbanização criado pelo


desenvolvimento do capitalismo acena para a necessidade de formação dos cidadãos. A
crença na escola redentora garantiria a oportunidade de igualdade de instrução, especialmente
em relação ao ensino primário, ao alocar os indivíduos na força de trabalho e, portanto, na
estrutura social. Dessa forma, o governo utiliza o ensino primário de forma estratégica como
instrumento de democratização social e preparação de mão-de-obra para os novos postos de
trabalho que surgem com o processo de industrialização.
Portanto, a reivindicação de uma escola pública, gratuita, obrigatória e leiga se faz
necessária por causa das consequências da nova situação criada com a ascensão de novas
classes sociais que emergiam no panorama político, econômico e social brasileiro nesse
período. Conforme afirma Saviani, ―emergiram de um lado as forças de um movimento
renovador impulsionado pelos ventos modernizantes do processo de industrialização e
urbanização‖(2007b, p. 193). Em contra partida,

a República não impôs novos ideais e novos valores educacionais, que


visassem organizar a escola segundo o novo modelo de homem, exigido pela
ordem social democrática. Tão pouco conseguiu ajustar o sistema nacional
de educação à expansão das zonas prósperas do país, mantendo mais ou
menos intactos (…) Em vez de criar escolas novas, em todos os níveis e
ramos do ensino, que correspondessem às necessidades sócio-culturais do
presente, o Estado Democrático adotou a solução mais cômoda de expandir a
55

rede de ensino mediante a multiplicação das velhas escolas. (FERNANDES,


1966, p. 125).

Ocorrem vários pronunciamentos em favor da educação popular, contudo bem mais


frequentes e firmes que sua execução concreta. Nesse período o Estado devota pouco
incentivo à disseminação do ensino público. O Brasil era, então, dotado de uma rede
minguada, quanto à capacidade de absorver a população escolarizável, como bem afirma
Anísio Teixeira em sua obra ―Educação não é privilégio‖, fazendo menção a situação caótica
do ensino público primário.

Se considerarmos o analfabeto, como seria lícito considerar, um elemento


mais negativo do que positivo na população, a situação brasileira, do ponto
de vista da educação comum, tornou-se em 1950 pior do que em 1900. Mas
se tomarmos o ponto de vista de que o processo educativo é um processo
seletivo, destinado a retirar da massa alguns privilegiados para uma vida
melhor, que se fará possível exatamente porque muitos ficarão na massa a
serviço dos ―educados‖, então o sistema funciona, exatamente porque não
educa todos, mas somente uma parte. (...) Numa população por alfabetizar de
8.950.000, conseguimos alfabetizar 3.400.000, isto é, 38% conservando
analfabetos para engrossar a grande fileira dos que nos vão ajudar a ser
―privilegiados‖ 5.500.00 brasileiros. Estamos, com efeito a aumentar o
analfabetismo no Brasil e não a reduzi-lo a despeito do aparente crescimento
vegetativo das escolas. Digo aparente, porque esse próprio crescimento
vegetativo, na realidade, não chega a ser crescimento. Em face do
crescimento da população, estamos a congestionar as escolas e não a
aumentá-las, estamos a reduzir o ensino e não a aumentá-lo. (...) Se isto não
basta para provar a estagnação do ensino primário, tomemos a percentagem
do corpo docente, diplomado por escolas normais: tínhamos, em 1933,
53.000 docentes com 57,8% de diplomados. Há três anos, em 1953, 134.000
diplomados eram estes docentes, dos quais apenas 53% diplomados.
(TEIXEIRA, 1967, p. 22-24).

Nesse contexto, a sociedade brasileira passou por uma verdadeira revolução social,
com a dissolução da antiga organização escravocrata e senhorial. Na medida em que a nova
ordem social se estabeleceu, alterações paralelas foram produzidas na esfera econômica e
social, abarcando o processo de urbanização, industrialização e ascensão política do
proletariado. Contudo, o ensino público permaneceu, no entanto, por assim dizer bloqueado
entre horizontes estreitos, não conseguiu corresponder satisfatoriamente às condições
materiais em termos quantitativos e qualitativos como podemos observar na tabela abaixo em
relação ao nível de alfabetizados e analfabetos da população brasileira.
56

Tabela 1: Proporção de alfabetizados e de analfabetos na população brasileira (1872-1950)


ESPECIFICAÇÃO 1872(1) 1890(1) 1900 (2) 1920 (2) 1940 (2) 1950(2)
Sabem ler e 1.564.481 2.120.559 3.380.451 6.155.567 10.379.990 14.916.779
escrever 16% 15% 34% 35% 44% 49%
Não sabem ler e 8.365.997 12.213.356 6.348.869 11.401.715 13.269.381 15.272.632
escrever 84% 85% 65% 65% 55% 50%
Sem declaração de
instrução ---------- ---------- 22.791 -------- 60.398 60.012
Total 9.930.478 14.333.915 9.752.111 17.557.282 23.709.769 30.249.423
Fonte: IBGE: Anuário Estatístico do Brasil: 1959

Mesmo se considerarmos o aumento do número de escolas públicas em todos os


níveis, e particularmente a iniciativa pública primária, o numero de escolas criadas e
instaladas no período em análise não foi suficiente para atender a toda a população em idade
escolar. Dada a atuação sempre insuficiente do Estado, fica aberto um espaço enorme para a
iniciativa particular, que soube ocupar essa lacuna com maestria. Assim, fica fácil entender em
que medida ocorreram as disputas e os intercâmbios entre o público e privado na história da
educação brasileira.

A urgência da escolarização fez sentir-se mais sensivelmente no período


republicano, e as respostas públicas e privadas, confessionais ou não,
multiplicaram-se na direção do enfrentamento da urgente necessidade de
configurar a democratização do acesso à escola, processo que se arrasta pelo
período republicano sob a égide de uma prática político educacional
centradamente liberal. (ARAUJO, 2005, p. 141).

Segundo Anísio Teixeira a educação poderia ser realizada em uma escola privada.
―Não advogamos o monopólio da educação pelo Estado, mas julgamos que todos têm direitos
à educação pública, e somente os que o quiserem é que poderão procurar a educação privada‖,
afirma Teixeira (1967, p. 72). O autor vê a coexistência da escola pública com a privada como
uma ―competitividade saudável‖. No entanto, ao mesmo tempo, reconhece que sendo o Brasil
um país marcado pelo espírito de classe e pelo privilégio, somente a escola pública poderia
criar um ambiente verdadeiramente democrático, onde todos teriam um programa de
formação comum e, num clima de amizade onde as diferenças de classe e os preconceitos não
encontrariam espaço de manifestação20.
Contudo, concluímos com a ajuda do pesquisador mineiro José Carlos Souza Araujo,
convictos que a relação do ensino público e privado na história da educação do Brasil revela

20
É importante ressaltar que esse ambiente verdadeiramente democrático e de perfeita harmonia entre as
diferentes classes sociais não tem como coexistir num Estado liberal.
57

em diferentes momentos expressões diversas de antagonismo, mas também manifestações de


intercâmbio e de convívio. (ARAUJO, 2005).

Na verdade, há um intercâmbio representado seja pelos interesses sociais na


configuração da educação escolar – interesses estes publicizados ou
privatizados, confessionais ou não, não implicando apenas uma mão única –
seja promovida pela iniciativa pública ou privada, porque, apesar da
concorrência e da rivalidade dos interesses privados em relação aos públicos
– o que implicaria assumir posicionamentos dicotômicos –, observa-se a
busca do intercâmbio, da parceria, da convivência inclusive por agentes da
representação pública para instituir, alimentar ou fortalecer os interesses
privados. (ARAUJO, 2005, p.142).

Nessa perspectiva, nesse segundo capítulo propomos uma análise do real significado
de público e privado na educação, pois entre os liberais e os privatistas, havia uma crença
comum no poder da educação e a imagem que faziam de si mesmos como representantes dos
interesses nacionais. Todavia, o número de escolas públicas fechadas nesse período
particularmente pelo Estado de Minas Gerais foi sem dúvida muito superior ao das
restabelecidas e criadas. A contenção em relação às despesas com o setor educacional fez com
que a iniciativa privada despontasse.
Assim, a relação entre o ensino público e o ensino privado, entre as décadas de 30 e
50, torna-se objeto de nossa pesquisa que tem como objetivo compreender como se processa a
interpenetração entre essas esferas de ensino nesse período da história da educação brasileira.
O modelo educacional implantado nesse momento não surge pronto e acabado, ele é fruto da
ação dos homens e, portanto, possui uma história. Nesse sentido, propomos descrever o
particular, relação do ensino público e privado no município de Ibiá, partindo do macro com o
intuito de explicitar suas relações com o particular dentro do contexto nacional, sócio-político,
econômico e cultural, de forma dialeticamente relacionada.

2.2 A relação do ensino primário público e privado nos rincões das Minas Gerais

Já no início do século XX a educação passa ser reconhecida como um instrumento


renovador, uma arma a serviço do progresso, um elemento primordial na luta que se trava
contra a estagnação, a miséria e contra a injustiça, contudo sob a inspiração dos ideais
liberais. A educação viria, para uns, viabilizar força de trabalho preparada para responder às
demandas de uma indústria crescente e, para outros, a formação de um novo homem capaz de
58

enfrentar os desafios que decorreriam da implantação do capitalismo. Para ambas as


perspectivas, a escola pública tinha lugar de destaque.
Nesse sentido, a educação possuía dupla significação. De um lado ajustava o horizonte
cultural do homem às exigências materiais e morais da ordem social democrática e urbana. De
outro, difundia-se a ideia de um poderoso instrumento de correção paulatina da distribuição
desigual da riqueza, do poder e da cultura. Contudo, esse projeto de sociedade igualitária
apenas substituía uma elitização a priori, produzida pelas condições precárias de vida que
negavam o acesso à escola à maior parte da população brasileira e pela ausência do poder
público na oferta de escolas em quantidade suficiente para todos.
A educação como um direito teve, sem dúvida, um significado especial nesse contexto
em que mais da metade de toda a população do país era analfabeta, sem acesso à escola. Mas,
de fato, a escola única pensada pelos renovadores do Manifesto dos Pioneiros, não conduziu à
sociedade igualitária e sequer alterou as condições de marginalidade no usufruto dos
benefícios do progresso.

A própria escola primária jamais conseguiu organizar-se de modo a interagir


com as necessidades educacionais do ambiente, mantendo-se neutra diante
das funções que deveria desempenhar na ordem social estabelecida. Tudo
isso ocorreu porque a necessidade da educação popular não foi igualmente
reconhecida pelas camadas dominantes, que utilizaram o poder e
governaram durante a República mantendo os vezos da concepção
tradicionalista inerentes ao velho patrimonialismo, que deveria ter sido
proscrito da cena política; não foi reconhecida também pelas camadas
dominadas, que poderiam encontrar nas garantias da universalização da
instrução primária, novas fontes de qualificação intelectual, de ascensão
social e de alargamento da esfera da competição igualitária na arena política.
Esse exemplo permite ressaltar uma ideia geral: o êxito das inovações
educacionais fica dependendo do aparecimento e da consolidação de
condições especiais, a serem forjadas paulatinamente, pelos sucessos do
crescimento demográfico, da prosperidade econômica e do desenvolvimento
social. Como tais condições emergem com lentidão e de maneira altamente
descontínua (e até desordenada), permitindo ou favorecendo a ampla
influência de forças adversas aos objetivos educacionais visados através das
próprias inovações postas em prática, nada nem ninguém consegue impedir a
progressiva deterioração das soluções ou dos modelos escolares importados.
(FERNANDES, 1966, p.75-76).

Nesse contexto, diferentes segmentos sociais ofertam e demandam a educação


escolarizada, não necessariamente da mesma maneira ou com os mesmos objetivos.
Diferentes instituições escolares (pública, privada, confessional ou laica) se instituem, com
uma gama de objetivos que tendem a lhes dar uma identidade junto ao povo que as idealiza.
59

São múltiplos os sujeitos ligados ao Estado, ao governo ou à Igreja, que se sustentam e que
criam escolas. Como vimos no capítulo anterior, o Estado aliou-se à Igreja ou esta àquele
quando assim se fez necessário.
O Estado sempre repassou recursos públicos à educação oferecida pelo setor privado,
traçou políticas educacionais quanto à necessidade objetiva do modo de produção capitalista
aqui implantado, e assim o exigiu em suas diferentes conjunturas. Contudo, devido às
dimensões territoriais e sócioeconômicas das diferentes regiões21 as oportunidades
educacionais se concentram mais em certas regiões da sociedade brasileira que em outras,
como afirma Florestan Fernandes (1966),

As oportunidades educacionais se concentram em certas regiões da


sociedade brasileira, que chegam às vezes a absorver 80% ou mais do
movimento educacional (cotejando-se o Leste e o Sul com as demais
regiões). Embora semelhante processo pareça ―natural‖, por ser uma
decorrência do desenvolvimento demográfico, econômico, político, social e
cultural do Brasil, isso significa que o baixo rendimento e ineficácia do
sistema nacional de ensino estão sujeitos a flutuações muito graves e que ele
ainda está longe de atuar efetivamente como fator uniforme de progresso
social. (FERNANDES, 1966, p. 127).

Podemos intuir que mesmo com todo o arcabouço legal apreciado no primeiro
capítulo, que envolve o processo de escolarização no Brasil no período em apreço, o ensino
público primário não será privilegiado, e sua organização ficará a cargo dos estados
federados. Assim, não se tem ainda articulado um projeto que compreendesse um sistema de
ensino verdadeiramente nacional, mesmo que o texto constitucional de 1946 tenha instituído a
educação como direito de todos.
Dessa forma, as configurações locais, regionais e/ou nacionais explicitam as
mediações de aproximação e de antagonismos entre a dimensão pública e privada na história
da educação brasileira. Nessa perspectiva, abordaremos a expansão do ensino e o modo como
se configura a relação do ensino público e privado nos rincões das Gerais, mediante análise do
Grupo Escolar de Ibiá (1932) e a Escola Santa Teresinha (1937), em Ibiá, estado de Minas
Gerais (região Leste), situado numa das regiões mais prósperas do Brasil nesse período.

21
No período em apreço a distribuição dos Estados por região adotada pelo IBGE estava organizada da seguinte
forma: ―1) Norte: Rondônia, Acre, Amazonas, Rio Branco, Pará e Amapá: 2) Nordeste: Maranhão, Piauí, Ceará,
Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco e Alagoas; 3) Leste: Sergipe, Bahia, Minas Gerais, Espírito Santo,
Rio de Janeiro e Distrito Federal; 4) Sul: São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul; 5) Centro-
Oeste: Mato Grosso e Goiás.(FERNANDES, 1966, p.13).
60

Não obstante, vimos que nas décadas de 30 a 50 o Brasil passava por transformações
político-econômicas e sócio-culturais, e em todo o país desenvolvia-se uma tendência a se
compreender o mundo mediante uma visão com pressupostos seculares e ideia de progresso. O
Estado de Minas Gerais também participou dessa tendência urbanizadora nacional associada à
modernidade e modernização, principalmente após 1930. Como em todo o resto do Brasil as
cidades mineiras atraíam os moradores do campo graças aos cinemas, farmácias, escolas,
centros de saúde pública e, acima de tudo, à oferta de trabalho. Mas quase todas essas cidades
eram pequenas e isoladas em comparação com os verdadeiros centros urbanos, como observa
o brasilianista John D. Wirth,

Em 1920, apenas 11% viviam em sedes de municípios e o restante na zona


considerada rural. Nelson de Sena disse que Minas era ―o estado onde o
urbanismo é menos manifesto‖. E se as cidades com menos de 5.000
habitantes não forem levadas em conta, a população urbana cai para 5%. Em
1940, 25% da população vivia em cidades, mas 13% em centros urbanos
com menos de 5.000 cidadãos. (WIRTH, 1982, p. 63).

Nesse contexto impõem-se novas maneiras de vivenciar o urbano sob novas formas de
relações de trabalho e produção. As mudanças espaciais implicavam, ao mesmo tempo,
mudanças na sociedade e vice-versa. O progresso transportado pelas ferrovias em Minas terá
como princípio ordenar os lugares, alimentando o processo de urbanização e o arranjo espacial
das cidades, principalmente no Triângulo Mineiro e Alto Parnaíba, região onde está localizado o
município de Ibiá.

FIGURA 1: Posição do município de Ibiá no Estado de Minas Gerais.


Fonte: Álbum dos Municípios Mineiros
61

Apesar do lento processo de urbanização de algumas microrregiões mineiras, isso não


implicará enfraquecimento do interesse das elites locais pelo processo de modernização.
Podemos, então, constatar um clima de grande efervescência intelectual e de agitações sociais,
reflexo das transformações por que passava a sociedade brasileira. Nessas circunstâncias,
Minas Gerais responde às exigências dessa nova fase histórico-social de mobilização popular,
mediante o novo cenário político que se configura em todo o país, e acena para profundas
mudanças no ensino público primário.
Uma ampla reforma22 no ensino primário será realizada em Minas promovendo uma
ampliação extraordinária da rede escolar, reformando completamente o ensino, a construção
de espaços próprios para a educação escolar capazes de reunir e abrigar em um só prédio as
escolas que estavam isoladas, provocando, então, o aparecimento das Escolas Reunidas23 e
dos Grupos Escolares.
Com a reforma mineira de 1906 a escola ganhou notável centralidade, conformada nos
ordenamentos legais os grupos escolares constituíam o lugar específico para uma educação
peculiar/especial. As reformas de ensino, inspiradas em ideais escolanovistas, em que pese a
diversidade de propostas que defendiam e de suas diferentes realizações, tenderam a
ressignificar tempos e espaços escolares. Tais decretos permitiam a constituição de uma nova
realidade escolar em todo o estado, possibilitando uma discussão específica sobre a forma de
disseminação do conhecimento escolarizado.

Os grupos escolares se instauraram focados em ―determinações estruturais‖


em vista da regulação do processo social. Em vista das limitadas realizações
no campo escolar durante o período imperial, os ideais e a propaganda
republicana se punham como organizadores daquele, porém cabia a estes
explicitar princípios, diretrizes, metas, bem como operacionalizar decisões
efetivas quanto à implantação de uma política educacional que respondesse
aos anseios republicanos. É nesse sentido que os grupos escolares podem ser
compreendidos como compartilhantes das políticas públicas de então, posto
que expressam o sentido republicano buscado. (ARAUJO, 2006, p. 239)

22
Lei nº439 de 28/9/1906 visando a reforma do ensino primário, normal e superior do estado de Minas Gerais,
pelo Decreto nº1947 de 30/9/1906 relativo ao programa do ensino primário, e pelo Regulamento da Instrução
Primária e Normal do Estado de Minas Gerais, decreto nº 1.960 de 16/12/1906. Ainda em 3/1/1907, há um
decreto, nº1969, que trata do regimento interno inclusive dos grupos escolares. (ARAUJO, 2006, p. 234).
23
O prédio oferece melhores condições de conforto e higiene, mesmo quando adaptado. As classes apresentam,
em geral, efetivo menos numeroso que o das escolas isoladas, e os alunos se distribuem por elas, segundo os
respectivos graus de adiantamento. A um dos professores, seja sem regência da classe, ou também com encargos
de ensino, entrega-se a responsabilidade do conjunto. O material é menos precário. Aí temos a escola comum
dos meios urbanos. (LOURENÇO FILHO, 1941, p. 443).
62

Comungando com a análise de Araujo (2006) reafirmamos que a institucionalização


do ensino público primário, através da disseminação dos grupos escolares, representa a
instituição de uma prática educativa comprometida com os ideais republicanos e com as
perspectivas de modernização da sociedade brasileira no início do século XX.
Nesse sentido, a ampla reforma de ensino em Minas reforça o desejo que os grupos
escolares fossem expandidos, generalizados e consolidados, como lugares próprios e
específicos para instruir e educar as crianças. A pretensão era de fazer com que essa cultura
invadisse as entranhas mais remotas da vida das crianças para nelas tentar implantar novos
comportamentos, fundar novas sensibilidades e produzir outra postura social. A crença no
poder da escola de instruir e de, ao mesmo tempo, moralizar, civilizar e consolidar a ordem
social difundiu-se a ponto de tornar-se a principal justificativa ideológica para a constituição
dos sistemas públicos de ensino.

Num movimento de participação ativa nos processos sociais que se


desenvolviam em Minas Gerais naquele momento, a escola pública primária,
seus profissionais e alunos como que recriam dentro do ambiente escolar as
possibilidades de produzir a homogeneização, a disciplina do corpo e da
mente, a hierarquia e uma série de outras características que se consideravam
como positivas e fundamentais para a constituição da nação e do povo
brasileiro. Nesses processos de disciplinarização, controle e (re)produção da
hierarquia, produz-se uma ideia de ordem escolar em que o controle e a
disciplina adquirem um sentido mais positivo que negativo. (FARIA FILHO,
2000, p. 78).

A nova forma de organização escolar que ia sendo instituída a partir dos grupos
escolares tinha como objetivo a organização do ensino, o qual pressupunha uma divisão
inédita do trabalho, uma fiscalização permanente, a execução uniforme de um programa de
ensino baixado legalmente, buscando-se, ao mesmo tempo, atrair as crianças para a escola e
prepará-las para o convívio em sociedade. Assim, a educação primária em Minas Gerais
experimentou após a reforma de ensino de 1906, um processo lento mais eficaz de
racionalização que atingiu tanto a definição, a divisão e o controle dos espaços e dos tempos
escolares quanto os processos e os métodos de ensino, impondo, com isso, normas
disciplinares sobre os professores e, notadamente, sobre os alunos.
Na tentativa de reinventar os sujeitos sociais as reformas de ensino em Minas
permanecerão ao longo dos anos seguintes a produzir e pôr em circulação representações que
afirmam e qualificam a escola como instituição social. Nesse sentido, em 1920, o
governador Artur Bernardes sancionou a lei 800, de 27 de setembro, que reorganizou o
63

ensino primário, além de outras providências. Nessa lei as escolas primárias passariam a
ser classificadas em três categorias: escolas de primeiro grau, escolas de segundo grau e
os grupos escolares. Concomitantemente, o decreto 6.655, de 19 de agosto de 1924,
aprova o Regulamento do Ensino Primário, que deveria vigorar a partir de 12 de janeiro
de 1925. (MOURÃO, 1962).
Nessa perspectiva, as reformas de ensino efetuadas em Minas na década de 1920
representam a antecipação da mudança de posição do governo no âmbito da inculcação
ideológica, que vai se tornar cada vez mais intensa a partir da década de 1930, quando
também se acentua significativamente a interferência do Estado no processo de
desenvolvimento da economia capitalista no Brasil. Em 1926, com a posse de Antônio
Carlos de Andrada no governo de Minas, Francisco Campos assume a Secretaria do
Interior e utiliza muitos postulados defendidos pelo movimento da Escola Nova,
promovendo uma profunda reforma educacional no estado. Por conseguinte, o Regulamento
do Ensino Primário, aprovado pelo decreto 7.970–A, de 15 de outubro de 192724,
efetivamente mira, em especial, os métodos de ensino e a finalidade educativa da instrução
primária, de maneira a atender as expectativas dos avanços realizados na área da pedagogia e
da psicologia educacional, os quais foram decisivamente aplicados no ensino durante o
período governamental de Antônio Carlos, sob orientação de Francisco Campos.
Em 1932 ocorrem modificações nos regulamentos baixados, dos decretos 7.970 de 15
de outubro de 1927, e 9.450, de 18 de fevereiro de 1930, de forma que os objetivos do ensino
público primário mineiro se atualizam e reforçam as propostas escolanovistas, buscando a
formação e o desenvolvimento integral da criança, atendendo à preocupação com a
transmissão de conhecimentos úteis para a vida em sociedade e com a preparação para o
mundo do trabalho.
Nesse contexto, o presidente do estado mineiro Benedito Valadares Ribeiro, com o
decreto 11.501/34, sintetiza o processo de modernização iniciado pelos seus antecessores.
Esse decreto representa o apogeu de uma série de medidas introduzidas anteriormente na
administração do ensino, tendo como objetivo obter da escola padrões de desempenho

24
Art.1º. O ensino primário ministrado pelo estado de Minas Gerais será de duas categorias: o fundamental e o
complementar, sendo que o ultimo terá caráter técnico-profissional e regulamento à parte. Art.2º. O ensino
fundamental, obrigatório e leigo, divide-se em dois graus, correspondendo o primeiro grau às escolas infantis,
com um curso de três anos, e o segundo as escolas primárias, cujo curso será de três e quatro anos,
respectivamente. Art.3º. É livre aos particulares o ensino primário, desde que ministrado em língua vernácula e
sob reserva das disposições prescritas pelas leis e regulamentos no interesse da ordem pública, dos bons
costumes e da higiene. (REGULAMENTO DE ENSINO 1927).
64

compatíveis com o desenvolvimento das ciências e as novas exigências da sociedade


brasileira. Desse modo, em busca da modernização, a escola mineira se apresenta como
instituição altamente moralizante, abertamente dualista e excessivamente burocratizada.

2.2.1 A disseminação dos Grupos Escolares em Minas: Grupo Escolar de Ibiá uma
expressão estadual?

Vimos no tópico anterior como o estado mineiro organizou sua legislação no processo
de institucionalização do ensino público primário. A seguir estudaremos a relação do ensino
primário público e privado nos rincões das Gerais tendo como um de nossos referenciais de
análise o trabalho de dissertação de mestrado: ―Grupo Escolar de Ibiá uma expressão
estadual‖, desenvolvido por Sirlene Cristina de Souza. Tal referencial nos ajudará
compreender o processo de disseminação dos Grupos Escolares em Minas Gerais e em que
circunstâncias ocorreram a criação, instalação e manutenção da iniciativa pública primária na
região do Alto Paranaíba.
Representando a força e o interesse do estado na formação do povo ibiaense, o Grupo
Escolar de Ibiá é criado, de acordo com o decreto de número 10.254, de 22 de fevereiro de
1932, e instalado em 1º de julho de 1932, ―[...] debaixo de grande entusiasmo e festas
vibrantes. A sua instalação deu-se às 18 horas desse dia, em sessão solene presidida pelo
inspetor escolar municipal Cleobulo Furtado de Souza‖ (ARAÚJO, 1942, p. 37).
O Grupo Escolar de Ibiá é criado e instalado em 1932 com o objetivo de fazer parte
do empreendimento educacional, de integrar o cidadão ibiaense ao projeto de harmonização
da vida social urbana que emerge. Nesse sentido, arquitetonicamente, os grupos escolares se
configuravam como prédios grandes, arejados, bonitos, destinados a cumprir sua finalidade
principal: ser escola, como podemos observar na fotografia do Grupo Escolar de Ibiá abaixo.

FIGURA 2 – Grupo Escolar de Ibiá (1960)


Fonte: Revista Ibiá 1978.
65

Situados em regiões centrais, esses edifícios marcaram pela imponência e localização,


seu significado no tecido urbano. Faziam parte de um conjunto de melhoramentos urbanos,
tornando-se denotativo do progresso de uma localidade. A localização privilegiada garantia
seu status, distinguindo-se das residências, das casas comerciais e dos demais edifícios que
constituíam a cidade. Nesse propósito, a seleção do terreno para a construção da maioria
desses edifícios escolares era criteriosa, com a utilização de quadras inteiras ou grandes lotes
de esquina, de forma a proporcionar uma visualização completa do prédio. Como podemos
observar a seguir, na fotografia (Fig. 3) do Grupo Escolar de Ibiá (marcado com uma seta);
localizado na praça São Pedro no centro da pequena cidade de Ibiá.

FIGURA 3 - Praça São Pedro (1945).


Fonte: ISTO É IBIÁ, 1964, capa.
Nessa perspectiva, os espaços são articulados de forma a abrigar e instruir, não só pelo
seu conhecimento, como também pelo seu significado de grandeza e magnitude. O edifício
escolar não é apenas um lugar; ele se reveste de um significado simbólico que se destaca no
meio urbano. O Grupo Escolar de Ibiá, como podemos constatar na foto acima, está situado
na praça central da cidade junto aos principais prédios símbolos de poder e influência
ideológica, Igreja São Pedro de Alcântara (ponto 1), a casa do prefeito Getúlio Portela (ponto
2) e o Colégio Normal São José (ponto 3) e mais a esquerda a Escola Santa Terezinha (ponto
4). Esse simbolismo se expressa de acordo com o uso a que se destina e a representatividade
do poder vigente. Nesse sentido, a arquitetura escolar pública começou a ser gestada aliando a
configuração do espaço às concepções pedagógicas e às finalidades atribuídas à escola
66

primária. Contudo, o prédio do Grupo Escolar de Ibiá faz parte de um contexto específico da
história da educação do Brasil como bem analisou Souza,

O Estado padroniza as plantas para construção dos edifícios escolares, e


essas codificações, poucas vezes questionadas, representam a atribuição do
sistema de monopólio da planificação material da escola. Entretanto, como
pudemos observar o prédio do Grupo Escolar de Ibiá não se configura entre
aqueles ―templos de civilização‖, como descrito por Rosa Fátima de Souza;
pois faz parte de um momento histórico diferente. Portanto, os diferentes
projetos arquitetônicos das escolas evidenciam as diferentes políticas
educacionais do Estado com base no contexto histórico — a construção do
prédio do Grupo Escolar de Ibiá ocorre num momento de recessão, após a
crise de 1929, e num período entre guerras. Nesse sentido, podemos intuir
que a política das décadas iniciais do século XX contribuiu para a construção
de edifícios escolares que ainda hoje exibem beleza arquitetônica,
verdadeiros ―palácios‖ — como descreve o pesquisador mineiro Faria Filho
(2000). Mas as políticas educacionais das décadas de 1930 e 1940 para
atender ao enorme crescimento demográfico e às novas exigências
profissionais da sociedade industrializada modificam os projetos
arquitetônicos, de forma a atender à emergência por escolarização sem
perder suas principais características: racionalização e modernização
(lugar/espaço). Todavia, independentemente da monumentalidade, a escola é
antes de tudo um lugar planejado no espaço, formado por uma estrutura
arquitetônica de forma a atender ao saber legítimo de determinada época.
(SOUZA, 2010, p. 60).

Contudo, podemos constatar que a instalação do Grupo Escolar de Ibiá faz parte dos
melhoramentos urbanos e reflete o desejo de modernização daquela localidade, além de
simbolizar a civilidade e o progresso desse período histórico. Assim, o Grupo Escolar de Ibiá
num primeiro momento é festejado e aclamado como solução para boa parte dos problemas
que envolviam a sociedade ibiaense. Entretanto, no início dos anos de 1930, as estatísticas
apontam retração do ensino em Minas Gerais, há uma queda considerável no número de
escolas criadas e, consequentemente, de matrículas.

No período de 1931 a 1945, além de fechar inúmeras escolas, o governo cria


apenas 712 novas unidades de ensino primário em todo o estado. E a matrícula
neste nível de ensino primário em todo o estado após um período em que se
reduz praticamente à metade, cresce apenas 11,1%, passando de 258.766
alunos em 1938 para 287.432 em 1942. (PEIXOTO, 2003, p. 421-422).

Ao analisarmos as estatísticas da época, o Grupo Escolar de Ibiá se apresenta como


uma exceção. Ao associarmos sua criação e instalação em 1932, as estatísticas nesse período
67

apontam retração do estado em relação aos investimentos feitos no ensino. Medidas restritivas
prosseguem por todo o período em apreço, como bem analisa Souza (2010) ao apresentar as
condições de ensino ofertadas pela iniciativa pública nesse momento.

No inventário do material do Grupo Escolar de Ibiá de 16 de junho de


1932, realizado conforme previa o art. 170 do regulamento de 1927,
podemos verificar a carência em relação ao material disponível. De
acordo com o inventário, constava um total de 75 carteiras, sendo que, se
comparado com o número de alunos matriculados antes mesmo da
instalação do grupo escolar, como se observa no termo de visita assinado
pela assistente técnica regional em 17 de março de 1932, consta um total
de 288 alunos matriculados. De forma que a própria inspetora chega à
conclusão de que seria difícil promover um ensino compatível com as
propostas do regulamento sobre a orientação dos novos métodos nas
circunstâncias em que se encontra esse estabelecimento de ensino.
(SOUZA, 2010, p.101).

Embora o governo se refira sistematicamente às dificuldades financeiras a fim de


justificar sua omissão diante de compromissos com a oferta e manutenção das escolas
públicas, ele constrói, simultaneamente, um discurso de natureza político-ideológica e
pedagógica que, compondo-se com o econômico, justifica e legitima a política impressa ao
setor educacional. Tais dificuldades são a todo momento invocadas para explicar o
fechamento de escolas, a redução nos salários, os cortes nas despesas com a manutenção de
materiais pedagógicos e mobiliário nas escolas públicas mineiras.
Os próprios representantes do governo deixavam transparecer a crise pela qual passava
o estado mineiro, como podemos observar no Termo de Visita do Grupo Escolar de Ibiá
assinado pela Assistente Técnica Regional Leonilda Scarpellini Montandon,

Em vista da dificuldade que o elevado número de alunnos traz à


organização das Escolas e ao seu regular funcionamento, procurei, sem
me afastar do Regulamento, dar uma orientação mais prática e
aproveitável sobre os novos métodos de ensino, possíveis de serem
aplicados num meio tão pouco propício ao desenvolvimento das novas
ideias de Educação, não só pela desconfiança dos paes e constante
vigilância com que procuram controlar a atuação dos professores nas suas
classes, como também pela falta de material, o mais indispensável, numa
casa de educação. É desanimador ver-se como as crianças ali se acham
acumuladas, desconfortavelmente assentadas, três ou quatro em cada
carteira e dificilmente pode-se conceber que elas possam ali permanecer
sem cansaço e sem anarchia. Só mesmo muita dedicação, paciência e boa
vontade do professor para se conseguir que a classe aproveite alguma
cousa. [...] Infelizmente, pouca esperança posso depositar na eficiência da
68

minha orientação, pois o número excessivo de crianças que se


comprimem nas diversas classes, a falta de material didático e de
mobiliário, tornam impossível ou difícil a aplicação de um sistema novo
de ensino. (MINAS GERAIS, 1932, p. 2).

Mediante o exposto acima podemos concluir que a legislação de ensino procurava


compatibilizar a necessidade de redução de gastos com a criação de mecanismos que
garantissem a implementação da Reforma Francisco Campos e os pontos de vista da nova
administração sobre o problema educacional mineiro. Nesse sentido, o governo insistia em
afirmar suas intenções em levar à frente a Reforma de 1927 mas, na prática esta é aos poucos
desfigurada. Nesse processo, alguns de seus princípios são mantidos e outros descartados.
Dessa forma, se de um lado, o governo reforça os mecanismos de controle sobre a escola,
enfatiza a importância do meio ambiente e tem no método o objetivo e o critério de medida da
qualidade, de outro, ele se exime dos compromissos com a oferta e a manutenção do ensino,
fechando escolas, transferindo o ônus de sua oferta a outras esferas da sociedade.

2.3 A omissão do Estado mineiro no processo de democratização do ensino e a resposta


da iniciativa privada.

A educação mineira entra numa fase de recessão que marca o exercício governamental
nesse setor durante todo o período em apreço (1937 a 1959). Os primeiros sinais nesse sentido
datam de janeiro de 1931, quando a Secretaria da Educação expede ato cancelando o
funcionamento de 355 escolas rurais e urbanas. Os motivos alegados são infrequência,
matrícula insuficiente e falta de prédios. Os atos de suspensão prosseguem durante todo o ano
de 1931, ocasionando o fechamento de inúmeras escolas em todo o Estado. O teor desses atos,
publicados no Jornal Minas Gerais, não permitem estabelecer com precisão o número de
escolas fechadas. E embora eles sejam acompanhados algumas vezes de medidas que
determinam o restabelecimento de unidades escolares, o número de escolas fechadas foi, sem
dúvida, muito superior ao das restabelecidas e criadas no período.

A dispersão dos recursos oficiais, destinados à educação, vai prejudicar


frontalmente e em conjunto todas as medidas de democratização do ensino
que se impõe. Dado o volume de responsabilidades educacionais do Estado e
a escassez de meios para atendê-las, essa dispersão nos levará a algo que só
pode ser definido como devastação pura e simples dos recursos públicos de
forma improdutiva ou semi-produtiva. Doutro lado, além de servir
69

diretamente a interesses imediatistas dos proprietários de escolas


particulares, vai tornar impossível uma intervenção maior do Estado na
distribuição das oportunidades educacionais em bases justas ou equitativas.
(FERNANDES, 1966, p. 132).

O secretario da Educação de Minas Noraldino Lima25, deixa claro em suas falas, o


estado de penúria a que ficou reduzido o sistema escolar mineiro. Contudo, Noraldino Lima
afirma ser tal situação passageira, e justifica que tudo se deve ―ao orçamento restrito imposto
à Secretaria a meu cargo, pelas prementes circunstâncias financeiras que nos assolam‖. 26
Em 1934 publicações decorrentes do convênio firmado entre a União e os Estados,
para a uniformização das estatísticas educacionais e melhor conhecimento da situação real do
ensino no país, mostram que, em Minas Gerais, o número de unidades de ensino baixou de
5.173 escolas em 1930, para 2.430 em 1932, sendo que nesse mesmo período o número de
alunos matriculados caiu significativamente de 451.761 em 1930 para 272.027 alunos em
1932. (PEIXOTO, 2003).
Embora as dificuldades financeiras tenham representado considerável peso na
redefinição da política escolar mineira, não são suficientes para justificar a postura do Estado
em relação à omissão de seus compromissos com a oferta e a manutenção dos serviços
escolares. Assim, uma das justificativas mais proeminentes do governo está interligada aos
princípios do liberalismo, estando estes associados à iniciativa individual. O descompromisso
com a oferta e a transferência dos encargos relativos à educação para setores ligados à
sociedade civil traduzem, basicamente, o respeito à iniciativa individual, um dos postulados
do pensamento liberal.
A colaboração das entidades civis não traduz apenas uma forma de liberar o Estado de
seus encargos com a educação, mas um meio de colocar a seu serviço movimentos surgidos
no interior da sociedade civil. Num momento em que diferentes grupos se posicionam a favor
da disseminação do ensino com o decréscimo da contribuição oficial, aumenta a influência e a
participação das escolas particulares. Isso exprime um fenômeno conhecido, ou seja, os que
podem pagar pela educação não são ou são pouco afetados pela escassez de oportunidades
educacionais nesse ramo do ensino, como podemos constatar no quadro abaixo.

25
Noraldino Lima foi secretário da Educação e Saúde Pública por três períodos sucessivos, de 29 de abril de
1931 a 5 de setembro de 1933, no governo de Olegário Maciel; de 5 de setembro de 1933 a 12 de dezembro de
1933, durante o período da intervenção de Gustavo Capanema; e de 15 de dezembro de 1933 a 31 de janeiro de
1935, com Benedito Valadares como interventor no Estado.
26
Noraldino Lima. Discurso de posse na Secretaria da Educação e Saúde Pública. Minas Gerais, Belo
Horizonte, n.102, p.1, 1º maio1931.
70

Tabela 2: Grau de instrução por grupo de idade em Minas Gerais em 1940.

PESSOAS DE 5 A 39 ANOS, QUE ESTÃO RECEBENDO INSTRUÇÃO


GRAU DE INSTRUÇÃO EM ESTABELECIMENTO DE ENSINO
E GRUPOS DE IDADES TOTAIS NO LAR
TOTAIS PÚBLICA PARTICULAR
Total homens mulheres homens mulheres homens mulheres homens mulheres homens mulheres

TOTAIS …..................... 454.211 243.934 210.277 230.415 196.630 169.507 145.535 55.248 45.642 11.423 11.746
5 a 9 anos …................... 149.150 76.970 72.180 72.272 67.515 58.174 53.990 12.713 12.005 4.260 4.215
10 a 14 anos …............... 241.859 127.470 114.389 121.535 108.492 93.432 83.073 25.652 22.698 5.098 5.190
15 a 19 anos …............... 47.877 28.248 19.629 26.381 17.703 12.614 7.317 12.702 9.398 1.522 1.631
20 a 29 anos …............... 13.406 9.961 3.445 9.222 2.535 4.678 985 3.870 1.358 416 583
30 a 39 anos …............... 1.919 1.285 634 1.005 385 609 170 311 183 127 127

Grau Elementar …........ 406.315 215.452 190.863 203.201 178.344 161.444 141.189 38.105 33.161 10.968 11.232
5 a 9 anos ….................. 147.850 76.363 71.487 71.878 67.031 57.887 53.653 12.623 11.896 4.203 4.144
10 a 14 anos .................. 225.220 119.169 106.051 133.528 100.521 91.718 81.304 19.935 17.100 4.984 5.026
15 a 19 anos .................. 27.213 16.494 10.719 14.953 9.112 9.925 5.473 4.721 3.358 1.399 1.472
20 a 29 anos .................. 4.890 2.750 2.140 2.316 1.413 1.506 640 723 674 311 478
30 a 39 anos .................. 1.142 676 466 526 267 408 119 103 133 71 112

Fonte: Censo Demográfico: Estado de Minas Gerais, 1940.

Podemos intuir pelo quadro acima que o processo de institucionalização do ensino em


Minas pode contar com a colaboração da iniciativa privada envolvendo de forma efetiva o
interesse e as condições socioeconômicas das famílias mineiras. Assim, em nome do respeito
à iniciativa individual, os encargos relativos à oferta e à manutenção do ensino são agora
divididos com as instituições ligadas à sociedade civil.

Portanto, todas as nossas conclusões conduzem ao mesmo resultado geral: a


educação escolarizada não se converterá em fator social construtivo, na
sociedade brasileira, enquanto não se processar a correção das deficiências
quantitativas e qualitativas do sistema de ensino, bem como a superação das
limitações apontadas na utilização dos recursos educacionais, mobilizados
pelos diferentes tipos de escolas. Isso nos põe diante do grande problema de
política de educação, que temos de enfrentar na atualidade. Como sair da
delicada situação educacional em que nos encontramos? A iniciativa privada
seria capaz de promover, simultaneamente, a correção das deficiências
qualitativas do ensino e a superação de nossas limitações no uso social da
educação? Ou dependemos, para atingir ambos os fins, do aumento das
atribuições, encargos e responsabilidades do Estado na esfera da educação
escolarizada? (FERNANDES, 1966, p. 44).

Florestan Fernandes apresenta a situação educacional da década 60 e nos faz refletir


sobre a situação educacional em Minas nas décadas de 40 e 50. A resposta aos
questionamentos por ele levantados é apresentada pelo estado mineiro de forma ideológica. O
discurso do Estado, utilizando o pensamento liberal, reafirma a opção pela qualidade, que
justifica como meio para se garantir o respeito ao indivíduo na organização escolar. A ênfase
71

na qualidade representa um compromisso com a democratização do ensino, pois a


democracia, nesse contexto, além de traduzir o respeito à iniciativa privada no campo
educacional, significa o respeito ao indivíduo na organização escolar.
Em síntese, a educação é considerada pelo governo mineiro como um processo de
inserção do indivíduo na sociedade, com vistas à sua preservação e aperfeiçoamento. A escola
enquanto instituição especialmente criada para o desempenho dessa função tem um
compromisso com o indivíduo e a sociedade cabendo ao Estado, prioritariamente, zelar por
seu cumprimento. Contudo, não é necessário que ele mantenha escolas, pois pode e deve
contar para isso com a colaboração da sociedade civil. Mas é indispensável que a ela se ligue
não apenas por laços de natureza moral e espiritual, mas por meio de vínculos formais, que
lhe permita exigir que se organize para atender ao indivíduo em suas necessidades e aptidões
para melhor adaptação à sociedade.
Nesse contexto, o Estado já não defende a escola pública, nem assume compromissos
que impliquem a sua expansão. A constituição estadual de 193527 é expressiva nesse sentido.
Embora estabeleça, em seu art. 89 que, ―respeitadas as diretrizes traçadas pela União, o
Estado organizará e manterá o ensino em todos os seus graus e ramos, comuns e
especializados‖, condiciona a obrigatoriedade de frequência e a gratuidade à existência de
escolas públicas - ―é obrigatório e gratuito o ensino primário ministrado nas escolas públicas‖
(art. 91), sem, no entanto, criar mecanismos que obriguem o Estado a mantê-las ou que
garantam recursos para esse fim.
Ocorre nesse momento uma profunda modificação na posição do governo ante a
educação, de uma instituição preocupada em expandir e oferecer a escola, o Estado se
transforma num órgão de ação supletiva, cujo principal papel consiste em ordenar, para um
único fim, as forças de cooperação presentes na sociedade.

O rápido crescimento demográfico, nestes últimos trinta anos; o processo de


industrialização e urbanização que se desenvolve num ritmo e com
intensidade variáveis de uma para outra região; as mudanças econômicas e
sócio-culturais que se produziram, em consequência, são alguns dos fatores
que determinaram esse desequilíbrio e desajustamento entre o sistema de
educação e as modificações surgidas na estrutura demográfica e industrial do
país. Processou-se o crescimento espontâneo da educação pela própria força
das coisas, e tanto mais desordenadamente quanto, em vez de se ampliar, se
reduziu a ação coordenadora do poder público, federal e estadual, que não se
dispuseram também a dominar e a analisar as forças sociais e políticas

27
A Constituição Estadual de 30/7/1935 foi revogada pela Constituição Estadual de 29/10/1945.
72

libertadas pelas mudanças que se operaram na estrutura econômica e


industrial. A extraordinária expansão quantitativa, provocando um
rebaixamento de nível ou qualidade do ensino de todos os graus; a extrema
deficiência de recursos aplicados à educação (...) o excesso de centralização;
o desinteresse ou, conforme os casos, a intervenção tantas vezes
perturbadora da política; a falta de espírito público, o diletantismo e a
improvisação, conjugaram-se, nesse complexo de fatores, para criarem a
situação a que resvalou a educação pública no país. (MANIFESTO,1959).

Nesse quadro exposto pelo Manifesto dos Educadores de 1959 e analisando o período
em apreço, compreende-se que o governo não assumia compromissos que resultassem
efetivamente na expansão da rede pública de ensino. No que se refere à educação seu papel
consiste, como vimos anteriormente, em compatibilizar as iniciativas que porventura existiam
na sociedade, garantindo sua eficiência. Sua ação se concentra, assim, no controle. Em
síntese, o governo abre mão de seus compromissos com a escola, mas não abre mão da escola.
Contudo, tal movimento histórico ocorre num período em que se verifica aumento da
demanda pela escola. Embora a industrialização em Minas só vá adquirir maior vulto a partir
da década de 40 e a generalização dos meios urbanos das relações capitalistas de produção
seja um fenômeno dos anos 50, a integração da economia mineira no grande mercado urbano
constituído pelo eixo Rio-São Paulo determina o desenvolvimento de certas microrregiões
mineiras. Esse fenômeno traz um aumento na clientela do ensino primário, acompanhado por
alterações na sua constituição. É a classe dominada que busca a escola com maior intensidade,
como forma de acesso a melhores condições de vida, provocando, naturalmente, um aumento
na matrícula. Segundo as falas oficiais, o número de alunos nas escolas primárias mineiras
urbanas cresce de 258.766 em 1938 para 287.432, em 1942. Esse número, somado à matrícula
na zona rural, faz com que a matrícula geral oscile em torno de meio milhão, atendendo,
aproximadamente, dois terços da população escolar, estimada pela Secretaria, em cerca de
750.000 crianças. Esses índices indicam que a capacidade de atendimento da rede escolar está
muito aquém das necessidades da população, pois o crescimento da rede física foi muito lento
nesse período. (PEIXOTO, 2003).
Nesse contexto, emerge a iniciativa privada em Minas e, particularmente em Ibiá, no
Alto Paranaíba, é criada a Escola Santa Teresinha em 1937, como veremos a seguir.
73

2.4 Ensino Privado em Ibiá/MG: Escola Santa Teresinha (1937)

O município de Ibiá tem sua origem mais provável num rancho de tropeiros às
margens do rio Misericórdia. As comitivas que saíam do Rio de Janeiro conduzindo cargas
para a capital de Goiás tinham passagem forçada nessa região. Ali se alugavam pastos para os
animais, havia fornecimento de cereais, além de pouso para as comitivas que conduziam as
cargas. Conta-se que tal pouso fora construído a pedido do bandeirante Anhanguera num
terreno doado em cumprimento a uma promessa feita a São Pedro de Alcântara, daí o nome
do povoado, atual município de Ibiá. A chamada ―estrada real‖ ou ―salineira‖ nessa região
ligava as localidades de Formiga, Bambuí, Pratinha, São Pedro de Alcântara e Patrocínio, de
onde penetrava nos sertões goianos através do município de Catalão. Essa era a trajetória por
onde o progresso lentamente caminhava rumo ao oeste brasileiro. Assim, a ocupação da
região do atual município de Ibiá liga-se à estrada de Goiás e seu tráfego de pessoas e
mercadorias.
O povoado São Pedro de Alcântara elevou-se a distrito pela Lei provincial nº2980 de
10 de setembro de 1882, subordinado ao município de Araxá. Nesse mesmo ano o distrito foi
elevado à freguesia. E tornou-se comuna independente, pela Lei estadual nº843, de 7 de
setembro de 1923, com a denominação de Ibiá28.

Um novo e alentador movimento de vida se apossa de uma pequena


comunidade que, a partir daí, poderia conduzir seus anseios com os seus
próprios instrumentos. Canalizar medidas justas, e há muito prioritárias, que
redundassem numa área para beneficiar os seus moradores e tornassem
frutíferas as sementes de um ideal que bem caracterizasse a força de um
povo, seria permitir a abertura de comportas para irrigar a terra seca, sedenta
de vida. A emancipação de Ibiá foi o ato de união de mãos e forças que, em
correntes, sem luta, sem sangue, fizeram com que os dirigentes de um
governo estadual se concentrassem numa vila onde a vontade de dirigir sua
própria área era a característica daqueles que a habitavam. (IBIÁ, 1978, p.
5).

Até 1943 o município é constituído de 4 distritos; além da sede, Argenita, Campos


Altos, Pratinha e Tobati. A partir de 1943 ocorre uma nova divisão administrativa. Pelo
decreto-lei estadual nº1058, de 31 de dezembro de 1943, desmembram do município de Ibiá
os distritos de Campos Altos e Pratinha. Assim, o município de Ibiá é constituído por três

28
Para o significado do nome, Ibiá, de origem indígena, encontramos três versões: ―serra cortada‖, ―chapadões‖
e ―cabeceiras altas‖, estando estes associados ao aspecto panorâmico dessa região.
74

principais aglomerações urbanas: a sede, Argenita e Tobati, como podemos constatar no


quadro abaixo.
Tabela 3: Distribuição da população de Ibiá por área no final da década de 1940.
Localização da POPULAÇÃO PRESENTE
População 1°-VII-1950
HOMENS MULHERES Total
Números % sobre
absolutos o total
Sede 2.135 2.481 4.616 33,65
Vila de Argenita 131 134 265 1.94
Vila de Tobati 89 90 179 1,30
Quadro rural 4.424 4.233 8.657 63,11

TOTAL GERAL 6.779 6.938 13.717 100,00


Fonte: Enciclopédia dos Municípios Mineiros: Recenseamento Geral de 1950.
Dessa maneira, ao analisarmos os dados demográficos em relação à distribuição da
população por área (urbana e rural), podemos intuir que o município de Ibiá como qualquer
outra pequena concentração populacional até a primeira metade do século XX, estava voltado
para a zona rural. De acordo com os dados apresentados acima, mediante o censo de 1950, do
total da população, 13.717 habitantes, 5.060 viviam no espaço urbano e 8.657 ainda viviam no
espaço rural. Assim, não se pode negar que a qualidade de vida da cidade refletia os valores
estáveis e conservadores da sociedade agrária, como podemos constatar no quadro abaixo em
relação à distribuição dos residentes, segundo os ramos de atividade econômica, onde se
sobressaem as atividades agropastoris.
Tabela 4: Principais atividades econômicas do município de Ibiá na década de 1940.
POPULAÇÃO PRESENTE DE 10 ANOS E MAIS
Totais
RAMOS DE ATIVIDADES
Homens Mulheres Números % sobre o
absolutos total
Agricultura, pecuária e silvicultura 2.470 17 2.487 26,20
Indústrias extrativas 57 --- 57 0.60
Indústria de transformação 244 6 250 2.63
Comércio de mercadorias 123 8 131 1.38
Comércio de imóveis e valores mobiliários,
crédito, seguro e capitalização 13 2 15 0,15
Prestação de serviços 150 274 424 4,46
Transporte, comunicação e armazenagem 513 8 521 5,48
Profissões liberais 13 --- 13 0,13
Atividades sociais 15 45 60 0,34
Administração pública, Legislativo e Justiça 67 6 73 0,6
Defesa nacional e segurança pública 7 --- 7 0,07
Atividades domésticas, não remuneradas e
atividades escolares discentes 406 4.203 4.609 48,60
Condições inativas 532 313 845 8,90

TOTAL 4.610 4.882 9.492 100,00


Fonte: Enciclopédia dos Municípios Mineiros: Ramos de atividades consoante as estimativas do Censo
de 1950.
75

Contudo, os processos de urbanização, industrialização e a institucionalização do ensino


haviam se disseminado no início do século XX, e as transformações no cenário mundial se
projetavam no Brasil e em seus estados. Dessa forma, o censo de 1960 refletiu esse processo
lento, mas, efetivo de mudanças, que configura em quase todos os rincões das Minas Gerais. No
município de Ibiá da população total de 14.557 habitantes, 7.554 já se encontra instalada na área
urbana e 7.003 habitantes na área rural. Contudo, as mudanças se expressam de forma
experimental e imperfeita.

Em Ibiá a principal via de comunicação que serve o município é a Rede


Mineira de Viação, que atravessa o território de este a oeste, servindo todos
os distritos. A Rede Mineira de Viação faz comunicar a sede municipal com
os seguintes municípios vizinhos: Araxá, Patrocínio e Bambuí. A segunda
via de comunicação que corta o município de Sul a norte é a rodovia
estadual Belo Horizonte-Uberaba que muito tem contribuído para o
desenvolvimento econômico do município, ligando-o diretamente à capital
do Estado e a Uberaba (principal centro comercial do Triangulo Mineiro).
(ARAÚJO, 1942, p.11-12).

Com a República Nova, no governo de Vargas, os ibiaenses nomeados para prefeitos


desejavam o progresso e de certa forma executaram obras de significativo valor para o
município. Na relação de prefeitos nomeados despontam, pela ordem: João Teixeira da Silva,
João Noronha, Cleóbulo Furtado de Souza e Dr. Getúlio Portela que permaneceu 11 anos no
poder, de 1935 a 1946. A partir de então assume Dr. Clóvis Tibúrcio pelo PSD (Partido Social
Democrático), que, exercendo seu mandato no intervalo das presidências de José Linhares e
Eurico Gaspar Dutra, preocupou-se, sobretudo, com as estradas municipais. Acreditava que o
processo desenvolvimentista só poderia ser levado à frente quando todo o município estivesse
entrecortado por estradas que ligassem os distritos à sede. Em 1950 o PSD elege mais um
prefeito em Ibiá, Bartholomeu Ribeiro de Paiva. Dentre suas principais realizações, estiveram a
implantação da energia elétrica em convênio com o Estado de Minas e o calçamento de ruas e
praças. A visita do então governador do estado, Juscelino Kubistchek, na administração do Sr.
Bartholomeu Ribeiro de Paiva, trouxe novas perspectivas para o município, ganhando esse
credibilidade frente às grandes autoridades político-administrativas. Na imagem abaixo temos
no plano central JK, à sua esquerda o prefeito e o pároco da cidade. A fotografia retrata as
características da sociedade ibiaense nesse período patriarcal e clientelista no qual poder
temporal e espiritual ocupam o mesmo espaço.
76

Figura 4: Visita do Governador Juscelino Kubistchek no município de Ibiá em 1951.


Fonte: Revista Ibiá 1978.

Em 1954 foi eleito o Sr. Arlindo Carrazza. A construção da rodoviária e a primeira


unidade de saúde marcam sua administração. Em 1958 a UDN (União Democrática Nacional)
vence o PSD em Ibiá e, assim, é eleito o Dr. José Olímpio Dias, sendo responsável pela vinda
da CEMIG e pela implantação do serviço de água do município. Nesse contexto, o governo,
tanto no âmbito local quanto estadual, assume o controle do desenvolvimento econômico e
sociocultural, criando condições mais estáveis para que a acumulação do capital se efetivasse de
forma permanente e efetiva. Assim, a sociedade avançava para a consolidação da ordem
burguesa. Contudo, até o final dos anos 50, a elite econômica ibiaense se organizava numa base
agrícola, pecuarista e comercial.
A implantação das áreas comercial e industrial em Ibiá possuiu caracteres bem
delineados29. O espaço de tempo entre uma área e outra permitiu que a população se
empenhasse no incentivo comercial já que, como não poderia deixar de ser, foi uma das
primeiras atividades econômicas implantadas no município. O comércio está ligado às raízes do
crescimento da cidade, e desponta de forma primária, com a passagem dos trilhos da rede
ferroviária. Assim, do gado ao queijo, do queijo à agricultura, da agricultura a novos bens de
consumo e serviços, é o comércio que brota e se instala com um novo conceito social capaz de
absorver um maior número de mão-de-obra.

29
Ibiá vem conhecer sua fase de industrialização no ano de 1964, quando da instalação da Fábrica Nestlé, que
iria produzir o leite em pó instantâneo. Já no período de instalação, viria a ser a maior fábrica da América Latina,
no gênero. Um produto altamente significativo e relevante para uma cidade premente de novos recursos.
77

Figura 5: Empresa Rodrigues e Freitas LTDA em Ibiá (1948)


Fonte: Acervo Casa da Cultura de Ibiá, 2011.

A imagem da empresa Rodrigues e Freitas LTDA, acima, representa um dos


empreendimentos do município no período em apreço e ilustra o dinamismo comercial de Ibiá
nessa época. Pois, estando localizada à praça São Pedro, nº 195, no centro da cidade,
compreende uma seção de peças e acessórios para veículos automotores, lavador, oficina
mecânica e bomba de gasolina Shell. A empresa, dos sócios proprietários João Gonçalves de
Freitas e José Rodrigues da Silva, esteve em atividade de 1945 a 1962. Na oficina mecânica
dezenas de mecânicos aprenderam ali uma profissão. De acordo com relatos de alguns
depoentes, em determinados períodos a oficina utilizava o trabalho de oito ou mais mecânicos
de bom nível e vários aprendizes.

Figura 6: Instalações da Empresa Rodrigues e Freitas LTDA em Ibiá (1948).


Fonte: Acervo Casa da Cultura de Ibiá, 2011.
78

Entretanto, tal empresa contava também com vários outros serviços como a fabricação
de foices e facões, esquadrias metálicas para construção civil, carrocerias de madeira para
ônibus e caminhões, charretes e capotas de lona para automóveis e charretes, sendo que tais
produtos eram comercializados em toda a região. A empresa ampliou seus domínios e instalou
uma cerâmica para fabricação de telhas francesas. Além de telhas e outros artefatos de barro
eram fabricados tijolos de barro em duas olarias localizadas nos arredores da cidade. Dessa
forma, explorando a facilidade de matéria prima fornecida pela olaria e cerâmica construiu
diversas casas residenciais, além do cinema e o estádio municipal.
Contudo, utilizamos a empresa Rodrigues e Freitas LTDA, não sendo essa a única nesse
período, apenas para ilustrar o quadro sócio-econômico do município para que possamos
compreender em que condições se processam a democratização do ensino e qual o valor da
escola para tal sociedade. Assim, num primeiro momento poderíamos chegar a uma conclusão
um tanto apressada de afirmar que em tais circunstâncias o processo de escolarização não
influenciaria os ibiaenses para manterem-se economicamente ativos. Mas, vale lembrar que a
educação é concebida como a forma eficaz de proporcionar o tão almejado progresso,
associado, é claro, ao desenvolvimento urbano-industrial. Era indispensável disciplinar a força
de trabalho e divulgar uma concepção de mundo civilizado, ordeiro e voltado para um sistema
independente de produção.
Nesse contexto, mediante explicitado no tópico anterior deste capítulo, como o Estado
não conseguia de forma quantitativa e qualitativa atender a emergência do ensino, numa forma
de parceria com a família e a Igreja, desponta a iniciativa privada. Como podemos constatar no
termo de inspeção do Grupo Escolar de Ibiá de 11 de outubro de 1937, o assistente técnico do
ensino faz algumas ressalvas às condições precárias em que os alunos estavam acomodados
em salas de aula, dificultando o processo de ensino e aprendizagem e, provavelmente,
afastando os alunos da escola. ―O estabelecimento tem falta de mobiliário, mormente
carteiras, o que determina ocuparem três alunos o mesmo banco, com evidente desconforto,
caso que está exigindo providências da administração superior do ensino.‖ (MINAS GERAIS,
1937, p. 8).
Dessa forma, em meio a esse contexto político-econômico e sócio-cultural, regional e
local, é criada a escola particular Santa Teresinha em 1937. A Escola Santa Teresinha de
iniciativa privada foi criada pelas filhas de Francisco Céndon e Leopoldina Mendes Cendón, e
atendia alunos em idade escolar de 7 a 14 anos, respondendo ao ensino elementar como
previsto na legislação da época. Localizada na praça São Pedro nº 56, circunvizinha ao Grupo
79

Escolar de Ibiá, convivia no mesmo espaço urbano do grupo, na praça central do município. O
memorialista Ivo Mendes no jornal Voz de Ibiá, em 04 de setembro de 1960, descreve a
família Cendón como modelo a ser seguido pela sociedade ibiaense, sendo esta colaboradora
na formação de valores e na instrução desse povo.

Ele veio de longe. De muito longe. La do outro lado do Atlântico. Seu berço
natal é a Espanha. A Espanha de grandes homens e de grandes feitos. A
Espanha que tem muito de comum conosco através dos tempos e dos
costumes. A Espanha de Francisco Cendón Moreira. O Sr. Cendón saiu
garoto de sua terra natal. Após uma escala de oito anos em Cuba e no
México, partiu em definitivo para o Brasil. Em 1910, quando aqui chegou
emprestou sua colaboração eficiente à construção da Estrada de Ferro Goiás,
hoje R.M.V. Seu setor estava circunscrito à montagem de pontes metálicas.
Trabalhando nesta região veio a conhecer D. Leopoldina, filha de um dos
fazendeiros pioneiros desta cidade. Dentro de pouco tempo, D. Leopoldina
veio a ser a esposa do Sr. Francisco Cendón Moreira. Posteriormente,
dedicou-se ao comércio de gado e madeira, sempre se pautando nos
princípios nobres da ética e da moral o que fez dele um esteio de dignidade.
O Sr. Cendón e D. Leopoldina Mendes Ferreira, têm sete filhos, que são
herdeiros de seus atos e de suas atitudes. Seis mulheres e um homem. Todas
as seis filhas são normalistas, e algumas delas, como professoras em Ibiá,
muito contribuíram e ainda contribuem para a instrução de nossa gente.
Quem é que por aqui, já não frequentou, ou não teve algum familiar que não
passasse pelos bancos da Escola Santa Terezinha? (...) Pois é, a exposição
está feita, a dedução está à vista. O Sr. Francisco Cendón, ao lado de D.
Leopoldina teve sempre um ideal: ser digno, honrado e trabalhador. Vejam
as coisas e os efeitos. Eles aí estão. Uma fabulosa riqueza de espírito que
para o observador mais acurado, está externada no semblante. Dividendos à
bessa: consciência de que trilhou o caminho certo, paz de espírito e uma
família que viu nos exemplos paternos um caminho a seguir. (...) Como
vemos, o Sr. Francisco Cendón Moreira atingia o seu ideal, com seus atos
elevados e dignos. O ideal de ser esteio de família; o ideal de ser pai; o ideal
que fez dele uma personalidade marcante. (Voz de Ibiá, p.04, 14 set. 1960).

A Escola Santa Terezinha popularmente conhecida como Escola das Irmãs Cendón ou
Escola da Dona Rosinha, foi fundada por Rosa Cendón e Célia Cendón30, e começou como
escola de reforço como relata uma de nossas depoentes,

30
São estas as primeiras filhas de Ibiá que se diplomaram, no Curso Normal. Filhas do Sr. Francisco Cendón
Moreira e de D. Leopoldina Mendes Cendón, essas duas moças iniciaram a sua carreira no tempo em que Ibiá
ainda não contava com Escola Normal. Os seus estudos foram iniciados no Externato S. Vicente de Paulo, então
existente nesta cidade. Mais tarde se transferiram para Formiga em cuja Escola Normal se diplomaram em 1936,
com raro brilhantismo. Além disto, em todo o tempo de estudantes, gozaram sempre do 1° lugar na Escola.
Inteligentes e cultas, com grande vocação para o magistério e gozando de um nome conceituado. Como
educadoras Rosa e Célia Cendón mantêm nesta cidade um estabelecimento de ensino muito frequentado, sob a
denominação de Escola Santa Terezinha. (ARAÚJO, 1942, p.25-26).
80

Ocorreu assim, nós éramos as mais velhas, a Rosinha e eu, acontece que
éramos sete irmãos e tínhamos que educar os outros. No ano que eu formei
as Irmãs Francesas fundaram o Colégio Normal São José. Então nós
terminamos o curso Normal em novembro (Célia e Rosa). Quando chegou
janeiro nós pensamos assim: Vamos dar umas aulas de reforço. Aproveitar
as férias e ganhar um dinheirinho, como escola particular. Porque nós
víamos as mães queixando: ―Ah, meu menino já está a dois anos no Grupo e
ainda não sabe ler‖. As mães viviam se queixando. Então nós pensamos em
dar aula de reforço, foi em janeiro ainda não tinha começado as aulas. Nós
não tínhamos sala de aula, nem nada. Desocupamos um quarto, e os meninos
começaram a chegar nas férias, um menino, outra menina. Um estava no 1°
ano, a outra no 3°, a outra estava no 2°; esta é a verdadeira fundação da
Escola Santa Terezinha. Porque nesses dois meses de intervalo a gente deu
aula de reforço e os meninos tiveram uma melhora de 100%. Excelente! E
aquilo correu a cidade, ela era pequenininha. (...) Quando começaram as
aulas, então as crianças que fizeram o reforço contou para a vizinhança
inteira. E as mães diziam: ―Põe lá na Dona Rosinha, vê como meu menino
está, a letrinha dele está uma beleza, olha ele já está lendo, fazendo
continha‖. E pronto e isto esparramou. Quando chegou o dia primeiro de
fevereiro que ia começar as aulas, nós recebemos aquele punhado de
meninos. (ENTREVISTA 1).

De acordo com o extrato dos estatutos da escola Santa Terezinha, publicado no Jornal
Minas Gerais em 5 de agosto de 1953, em seu art.I afirma que a escola fundada desde o ano
de 1937, tem sua sede na cidade de Ibiá, estado de Minas Gerias, e é de propriedade da
diretoria e professoras que estes estatutos subscreve. Em seu artigo II define tal instituição
como sendo uma sociedade civil, de caráter pedagógico, tendo por fim a educação integral de
crianças de ambos os sexos. No art.III afirma também que esse estabelecimento mantém e
manterá, para preencher as suas finalidades, o curso pré-primário (jardim da Infância) e
primário, que funcionarão em dois turnos pela manhã e à tarde. (Minas Gerais,1953). Assim, a
escola Santa Terezinha, mediante Livro de Matrícula, encontrava-se regularmente em
funcionamento a partir de 1937, sendo nesse ano matriculados 22 alunos.
Todavia, é importante ressaltar que a Escola Santa Terezinha se mantém sob a tutela
do Estado, sendo regida pela legislação vigente do ensino primário. Assim, mesmo possuindo
um registro civil tal instituição de ensino passava pelo controle do estado. Como podemos
constatar através do ―Livro de Ata de Promoção dos Alunos‖, no termo de encerramento do
primeiro ano letivo dessa instituição31, bem como nos demais anos de funcionamento, era
necessária a revisão, o visto do inspetor escolar municipal ou regional. Naquele momento

31
Ver anexo 1.
81

Miguel Teixeira da Silva32 era o representante do Estado, inspetor municipal, agente de


confiança do governo mineiro.
A Escola Santa Terezinha se configurou em todo tempo de vigência como escola
privada familiar, inicialmente com Rosa Céndon e Célia Cendón. Em 1940 ingressa a
professora Maria José Cendón. E em 1947, para reforçar o corpo docente da escola, Vicentina
Cendón começa a lecionar. Na primeira década de funcionamento passaram pela escola mais
de mil alunos, estando esses distribuídos entre o ensino pré-primário, os três primeiros anos
do ensino primário e no curso de reforço para o exame de admissão ao ginásio 33, como
podemos observar na tabela abaixo.
Tabela 5: Número de alunos matriculados na Escola Santa Terezinha na primeira década de
funcionamento da Escola.
Curso de
Pré-
Ano 1º Ano 2º Ano 3º Ano Admissão
Primário
ao Ginásio
1937 01 13 08 ------- 03
1938 01 19 32 19 -------
1939 01 12 18 23 02
1940 01 13 15 08 03
1941 08 24 14 18 04
1942 05 21 36 15 11
1943 05 44 50 24 10
1944 00 54 60 30 22
1945 00 26 43 17 16
1946 00 32 42 53 17
1947 00 42 52 26 -------
Fonte: Livro de Matrícula da Escola Santa Terezinha.

Em entrevista duas das sócias proprietárias, as professoras Célia Cendón e Vicentina


Cendón, afirmam que a escola só oferecia os anos iniciais do ensino primário por motivos
burocráticos. E também pelo fato dessa ser uma escola exclusivamente familiar não sendo
possível abrir novas turmas apenas com três ou quatro professoras dependendo do período de
vigência da escola. Em 1955 Vicentina Cendón casa-se e muda para fazenda, posteriormente,
Rosa Cendón após 21 anos como diretora e professora da escola transfere-se para Belo
Horizonte.

32
―Foi presidente da Câmara Municipal, cargo legislativo que exerceu até 10 de novembro de 1937.
Ultimamente, vem exercendo, com grande dedicação, o cargo de Inspetor Escolar Municipal. O Sr. Miguel
Teixeira é proprietário nesta cidade da Farmácia São Geraldo e Correspondente do Banco de Credito Real de
Minas Gerais.‖ (ARAÚJO, 1942, p. 46).
33
O curso de admissão ao ginásio funcionou até 1946.
82

O quarto ano nós não oferecíamos na Escola Santa Terezinha porque naquela
época o quarto ano era meio complicado. Porque a escola já era registrada,
mas tinha que levar as provas e toda documentação lá na Secretaria de
Educação, era complicadíssimo esse negócio. Então resolveu-se que não
iríamos dar o quarto ano, deixava para o Grupo Escolar. As crianças do
terceiro ano passavam para o Grupo Escolar e do Grupo a maioria voltavam
para se preparar para fazer o exame de admissão. (ENTREVISTA 2).

Nesse sentido à Escola Santa Terezinha cabia a tarefa de alfabetizar e ao Grupo


Escolar, a partir de 1946, renomeado Grupo Escolar Dom José Gaspar34, o direito de
diplomar. Contudo, avaliaremos as possíveis intencionalidades desse arranjo entre o ensino
privado e o público no terceiro capítulo deste trabalho.
Avançando em nossa análise descobrimos uma importante informação no Livro de
Matrícula da escola Santa Terezinha. O perfil sócio-econômico dos alunos que frequentavam
a escola estava ali descrito através da profissão de seus pais. Encontramos lá elucidado
fazendeiros, ferroviários, comerciantes, motoristas, mecânicos, marceneiros, funcionários
municipais, farmacêuticos, dentistas, eletricistas, alfaiates, professores, sapateiros, barbeiros e
industriários. Isso ilustra o que anteriormente afirmamos nesse tópico sobre o quadro geral da
sociedade ibiaense no período em apreço, sendo que dentre as profissões citadas sobressaem
em número os fazendeiros, ferroviários e comerciantes. Assim, embora estando a escola
aberta a toda classe social estaria restrita a quem de fato tivesse condições de frequentá-la.

Figura 7: Boleto da mensalidade da Escola Santa Terezinha (1946)


Fonte: Acervo particular de Célia Cendón, 2010.

34
A esse respeito consultar Souza (2010).
83

Vale ressaltar que grande parte da elite ibiaense passou pelos bancos da escola Santa
Terezinha. Em média 3 a 5 filhos de uma mesma família frequentavam a escola. A escola
funcionou por 39 anos ininterruptos, passando por ela um total de 2661 alunos, encerrou suas
atividades em 30 de novembro de 1975 por motivos da aposentadoria das professoras.
Nessa conjuntura, no capítulo terceiro desse trabalho nos propomos a estudar a Escola
Santa Terezinha e buscar a essência da relação estabelecida entre a iniciativa privada e a
escola pública no município de Ibiá. Partiremos da formação das professoras para desvendar
as ideologias que perpassam as práticas educativas analisando o poder do Estado e a
influência da Igreja Católica, mas sem perder de vista as condições socioeconômicas que
estão intrinsecamente relacionadas ao processo de escolarização no Brasil.
84

CAPÍTULO 3
ESCOLA SANTA TEREZINHA E GRUPO ESCOLAR DOM JOSÉ GASPAR:
ENTRE TEORIAS E PRÁTICAS

3.1 Escola Santa Terezinha e a Escola Nova: a importância da formação das professoras
na disseminação dos princípios liberais

A história mostra que o jogo de forças e de poder que permeiam o cenário do público e
do privado na esfera da educação vai muito além das intenções educativas. Assim, após se
formarem Célia Cendón e Rosa Cendón, sendo essas as primeiras normalistas
verdadeiramente ibiaenses, por questões declaradamente políticas35 não conseguem espaço na
iniciativa pública. ―O papai fez três salas de aulas perto da horta, porque o prefeito não
combinava muito com o papai, então não quis nos colocar no Grupo Escolar. Aí papai falou:
vamos fazer uma escola pra nós! Então o papai fez três salas de aula e nessas salas de aulas
nós dávamos aulas de manhã e à tarde‖. (ENTREVISTA 2).
De acordo com Souza (2010) a maioria do corpo docente do Grupo Escolar de Ibiá até
194036 era constituído por professoras leigas e estagiárias, dependendo a escola de professoras
designadas vindas de diferentes municípios mineiros. Naquele momento, além de poder servir
ao Estado como professoras formadas as irmãs Cendón37 também desenvolviam, de acordo o
imaginário da época, certo fascínio pelo Grupo Escolar. Lembrando que para muitos
professores, especialmente as mulheres, trabalhar nos Grupos Escolares nesse período
significava o máximo da ascensão na carreira do magistério, dado que os cargos superiores
estavam reservados ao sexo masculino.

Quando eu fazia a 3ª, a gente falava 3º ano, não era série. Estudava numa
casa que era adaptada. O Grupo ficou pronto depois. Então nós encontramos
o Grupo novinho. Esse é o melhor de Ibiá viu! Depois não fizeram outro

35
O clientelismo como forma de dominação perde espaço à medida que os direitos civis vão se estabelecendo,
mas ainda hoje está muito presente na sociedade brasileira, urbana ou rural, especialmente em tempos de
eleições. Desse modo, o clientelismo expressa uma prática patrimonialista na medida em que aqueles que estão
próximos dos cargos de poder fazem valer seus interesses privados e dispõem dessa prerrogativa como lhes
parecer conveniente.
36
Ao analisarmos os documentos dessa escola, observamos grande atuação de estagiárias até 1940, pois não
havia escola Normal para formação de professores no município até 1937. Todavia, em 1937 é instalada a Escola
Normal São José, e em 1940 essa instituição diploma sua primeira turma, indo ao encontro dos interesses do
Grupo Escolar de Ibiá, que carecia de professoras formadas. (SOUZA, 2010, p.108).
37
Célia Cendón e Maria José Cendón concluíram o ensino primário no Grupo Escolar de Ibiá.
85

melhor do que este não. Então nós passamos para lá. Ajudamos a carregar
as carteiras, felizes! O grupo novinho, muito bem construído, janelas
grandes. Foi motivo de felicidade passar a estudar no Grupo.
(ENTREVISTA 1).

Entretanto, ao serem questionadas sobre o motivo de não terem sido chamadas para
lecionar no Grupo Escolar, Célia Cendón afirma que seria muito mais lucrativo investir em
uma escola privada. ―É porque com a nossa escola nós ganhávamos mais que as professoras
do Grupo Escolar. A questão era o dinheiro. Então não teve um dia de começar a escola.
Quem fundou a escola foi a sociedade, ela que nos elegeu‖. (ENTREVISTA 1).
É importante ressaltar que um dos diferenciais da Escola Santa Terezinha era oferecer
um ensino ministrado de acordo com a nova pedagogia numa perspectiva de maior controle e
qualidade.

Uma vez teve uma amiga nossa que falou assim: Célia você podia me dar
uma classe na sua escola. Mas, eu resolvi que seriamos só nós. A Zifinha 38
formou no Colégio Normal São José e veio lecionar, depois a Vicentina. Nós
tínhamos uma maneira de ensino pessoal. Se pegássemos outras pessoas
estranhas e depois? (ENTREVISTA 1).

Assim, em todo seu período de vigência a Escola Santa Terezinha se configurou como
escola familiar, sendo seu quadro composto por professoras formadas o que dava à escola
certo status.
Todavia, como mencionado no capítulo 2 deste trabalho, o governo mineiro define
qualidade como oferta ao aluno de um ensino sob medida, ou seja, um ensino individualizado,
compatível com suas aptidões e características biopsicológicas e com as necessidades do
meio. Na prática, esse conceito traduz a garantia, ao aluno, de um ambiente cientificamente
organizado para a aprendizagem, tendo em vista a aplicação da metodologia da Escola Nova.
Em síntese, o conceito de eficiência e qualidade, com tratamento científico dos problemas
educacionais, oferta ao aluno de um ensino adequado à sua natureza, às suas aptidões e à sua
adaptação ao meio social, confere à educação um grau de especificidade que possibilita ao
governo não só restringi-la aos órgãos técnicos, mas também interferir na prática
desenvolvida nas escolas. Nesse sentido, a Escola Nova se dissemina particularmente nas
Escolas Normais como podemos constatar pelas falas das depoentes e mediante análise
documental.

38
Apelido de Dona Maria José Cendón.
86

Tinha que ser teórico e prático porque naquele tempo estava em grande
conversa a Escola Nova, que é a escola justamente contra a escola antiga do
soletração. E a Escola Nova era assim, era pra trás, começa da história, fazia
o pré-livro (contar a história dos três porquinhos, por exemplo). O pré-livro
chamava Método Global e justamente pra ir contra aquele método que
aprendia a letra e depois falava, ―B, A, Bá‖ ―L, A, Lá‖, chegaram à
conclusão que falar o nome da letra não altera no falar. O que manda é a
sílaba, método silábico. Tanto que sou pessoalmente, muito mais o método
silábico, mais prático do que o método global de Erik Day, Anita, Claparred,
Dewey, Pedro Nandon, e ate hoje ele é adotado nas escolas. (...) Era
obrigado a ministrar para os meninos, porque na Escola Normal de Formiga
tinha o curso do 4° ano primário que era um curso que a professora que
estava estudando tinha que dar aula. Para aprender a dar aula. Clamava-se
escola anexa. Você vê que a gente estudava e lecionava. (ENTREVISTA 1).

Mediante leitura criteriosa dos trabalhos de conclusão do Curso Normal de Célia


Cendón e Rosa Cendón pudemos constatar que o enfoque científico e psicológico no
tratamento dos problemas educacionais realça o caráter científico e natural das desigualdades
de aprendizagem, camuflando os reais motivos da diferenciação das crianças. Nesse sentido, a
Escola Nova induz à legitimação das diferenças individuais, reforçando as diferenças sociais;
de forma que a escola é apresentada como uma resposta às necessidades manifestadas pelo
indivíduo, institucionalizando o sentido de uma ação democratizante do Estado. O trecho
extraído, em sua forma original do trabalho de conclusão do Curso Normal de Célia Cendón,
nos aponta algumas especificidades do modelo de ensino disseminado e implantado, que
busca atender ao contexto político-econômico e sócio-cultural no qual se encontrava o Brasil,
especialmente os rincões das Gerais.

As varias observações de psicólogos têm nos mostrado cousas interessantes:


às vezes muito grandes diferenças psicológicas, em crianças da mesma
idade, e que recebem as mesmas influências (que um grande fator) do meio
onde vivem. Por isto preocupa-se hoje, vê-se que é necessário que se
ministre um ―ensino que ajuste as diversas formas de espírito‖, que há de
recebê-lo. Não quero dizer com isto que devemos banir o ensino coletivo que
é de grande vantagem sob o ponto de vista social, pois seria contradizer os
grandes mestres: a escola é uma sociedade em miniatura. Como disse,
encontramos alunos da mesma idade que se diferem muito psicologicamente.
Na verdade têm as qualidades de seus processos psíquicos, singularíssima;
não só a qualidade mas também a capacidade das funções mentaes, isto é, a
quantidade. Encontramos pessoas que têm muito boa memória e que têm
diminuída a capacidade de aquisição. Outro tem a mesma cousa mas em grau
menor; um terceiro pode possuir estes caracteres invertido etc. Estas cousas
todas podemos verificar por meio de ―testes‖ mentaes que nos mostrarão
problemas interessantíssimos. Podemos por meio deles conhecer os
87

processos de reação às excitações exteriores de cada individuo. Os tests


ainda nos revelam as tendências, os interesses, auxiliando assim, muito à
professora. Mas, quais as causas das diferenças individuaes? Podemos
mencionar dois grandes fatores: a hereditariedade e o meio. Tem todos dois
grandes influências, e também grande número de partidários. Muitos
psicólogos afirmam ter a hereditariedade maior influência que o meio, outros
opinam ter a educação (digo assim por ser um termo mais próprio, dizem os
mestres, e que também o verificamos, tornando educação na sua mais ampla
concepção) maior influência. A Eugenia trata de melhorar a raça fazendo-se
uma seleção dos indivíduos que hão de assegurar a sua existência; proíbe-se
portanto o casamento de pessoas degeneradas pelo alcoolismo ou outro
tóxico, pois já se tem provado que os caracteres adquiridos se transmitem.Na
Alemanha proíbe-se a procriação dos indivíduos afetados por qualquer
doença transmissível. Seguindo-se estas regras impossibilita-se o nascimento
de crianças que tragam qualquer deficiência física ou intelectual, que vem
apresentar problemas graves para que vêm os pais e professores,
principalmente na época da sua educação. Ao envés de procurarmos taes
dificuldades, sigamos os conselhos de Eugênia, impossibilitando o
nascimento de taes pessoas. Este capítulo não é de grande importância para
os professores, e sim para os pais. Mas aqueles devem seguir com atenção e
interesse estes estudos, para que tenham mais indulgência para com os
alunos, não castigando-os desnecessariamente, provocando assim uma
revolta justa dos mesmos. Com taes conhecimentos os mestres procurarão
ver se os alunos ―não podem fazer‖, esta ou aquela cousa, ou se ―não querem
fazer‖; porque muitas vezes o aluno não executa este ou aquele trabalho
escolar porque não pode executá-lo. Vemos, portanto, o valor da
hereditariedade. (CÉLIA CENDÓN, 1932).

De acordo com o elucidado acima, espera-se do professor algo mais que a simples
transmissão de conhecimentos. Esperava-se que ele despertasse no aluno a vontade de
aprender e que desenvolvesse suas habilidades intelectuais/individuais e que fosse capaz de
manter a disciplina. Nesse sentido, a metodologia da Escola Nova contribuía para a
organização das turmas, de forma a possibilitar a homogeneização das classes, dando ênfase
às atividades de socialização (auditórios, excursões, associações de leitura), além de garantir a
legitimidade do processo de diferenciação mediante mecanismos que ocultassem a influência
da origem social do aluno na aprendizagem. De maneira que o conceito de educação mais
prática voltada para a competência incluía a ideia de uma educação diferenciada, segundo o
papel que se esperava de cada indivíduo na sociedade.
Nessa perspectiva, o trabalho de conclusão do curso Normal de Célia Cendón nos
revela tanto no tratamento da temática, Diferenças Individuais, como no parecer final da
banca examinadora (como podemos constatar na imagem abaixo) a ênfase dada à visão
salvacionista da escola moderna. A imagem positiva da Escola Nova como sendo esse método
e/ou metodologia o fim de todos os males da educação camufla a realidade socioeconômica
88

por não permitir uma análise crítica da situação de ingresso e permanência das crianças no
processo de escolarização.

Vê-se que para uma pessoa de 17 anos, falar sobre isso, o crescimento
mental da criança. É porque quando eu estudava, esse tema passou pela
professora de psicologia: crescimento mental da criança, influência do meio
e da hereditariedade é um tema meio complicado. A banca examinadora era
composta de médicos, em Formiga para compor o corpo docente da escola
eles chamavam pessoas de lá mesmo, médicos, engenheiros, estas pessoas
que tem curso superior. Então na banca examinadora, o dia que fui fazer a
minha defesa dessa tese fiquei muito devotada. Eles fizeram perguntas, eu já
tinha lido muito sobre o assunto, e fui respondendo. Depois eles fizeram uma
rodinha e ficaram discutindo o tema: ―não, eu acho que a hereditariedade
tem muito mais força sobre a formação mental psicológica da pessoa‖, outro
médico de lá, ―não eu acho que o meio‖. É um tema instigante!
(ENTREVISTA 1).

Figura 8: Parecer de avaliação da monografia de Célia Cendón (1936).


Fonte: Acervo particular de Célia Cendón, 2010.
89

Uma concepção francamente salvacionista convencia-se de que a reforma da


sociedade pressuporia, como uma de suas condições fundamentais, a reforma da educação e
do ensino. No período em apreço, esse espírito salvacionista adaptado às condições postas
pelo governo Vargas e posteriormente no governo de Juscelino Kubstichek, enfatiza a
importância da formação dos cidadãos e da modernização das elites, acrescida da consciência
cada vez mais explícita da função da escola no trato da questão social.

É comum imaginar-se que os mecanismos de discriminação existentes no


sistema educacional são conjunturais acessórios, produtos de carências
momentâneas: falta de recursos para construir mais escolas, para treinar mais
professores, para melhorar a qualidade do pessoal docente, para melhorar o
material didático, para dar bolsas de estudos e, finalmente, para escolarizar
mais cedo as crianças da classe trabalhadora, a fim de diminuir os efeitos
danosos da educação familiar ―insuficente‖. (...) Essa crença constitui mais
um aspecto da função dissimuladora do pensamento educacional a respeito
da verdadeira natureza dos seus próprios mecanismos. A análise da realidade
educacional do Brasil não permite essa crença havendo mais recursos
(materiais humanos e financeiros), eles serão redistribuídos de um modo tal
que se reeditem os mecanismos de discriminação, como vem ocorrendo na
política educacional. Acontece que a discriminação vai ficando, a cada
passo, mais dissimulada. (CUNHA, 1989 p. 58).

Nesse contexto, a função social do Estado é a de permitir a cada indivíduo o


desenvolvimento de seus talentos, em competição com os demais, ao máximo da sua
capacidade. Acredita terem os diferentes indivíduos atributos diversos e é de acordo com eles
que se atingem uma posição social vantajosa ou não. Daí o fato de o individualismo presumir
que os indivíduos tenham escolhido voluntariamente, no sentido de fazerem aquilo que lhes
interessa e de que são capazes, o curso que os conduziu a certo estágio social de pobreza ou
riqueza. O texto abaixo reforça esse princípio da doutrina liberal, o individualismo não só
aceita a sociedade de classe, como fornece argumentos que legitimam e sancionam essa
sociedade.

Se pudéssemos abranger com a vista, o mundo ou pelo menos uma parte


dele, teríamos a ocasião de notar que desde o mundo inorgânico até a vida
agitada dos seres mais parecidos que sejam todos os objetos da terra
submetidos a um exame minuncioso apresentariam diferenças distintas. Já se
tem provado isto, mesmo no mundo inorgânico. Numa grande praia não
acharíamos, por muito que procurássemos dois grãos de areia perfeitamente
iguaes. Um escritor também nos diz que não há dois pedaços de cristal,
mesmo que tenham as mesmas dimensões geométricas, que sejam
perfeitamente iguais; pois, numa observação meticulosa, veríamos com
90

espanto que minúsculo átomo os difere. Assim acontecendo com os seres


inanimados, porque não existe esta diferença com muito maior domínio nos
seres animados? Poderemos notá-lo num simples e ligeiro relance de vista
sobre um grupo que se nos apresente. (...) Estes são bons, trabalhadores
honestos e procuram ganhar a vida banhados de suor; aqueles são
verdadeiros parasitas, que vivendo às espersas dos alheios, ainda lhes tira às
vezes um momento de tranquilidade quando não os auxiliam. Este outro é
ladrão, aquele assassino e um terceiro farceador. E porque tanta diferença em
pessoas do mesmo meio? Que é que os distingue tão distintamente? É a
individualidade que se nos apresenta com toda a sua pujança, com toda a sua
força, com toda a sua superioridade. (...) Os alunos de uma classe constituem
um problema singular, tem cada qual o seu modo de agir, de resolver os
problemas, de reagir às excitações afetivas vindas do mundo exterior que ali
são representadas pela professora e colegas. (CÉLIA CENDÓN, 1932).

Dessa forma, a doutrina liberal rejeita os estratos sociais cristalizados, mas não a
divisão da sociedade em classe. Assim, influenciada pelos princípios liberais a fundadora da
Escola Santa Terezinha afirma que os homens são naturalmente diferentes. E leva-nos a
refletir sobre a origem socioeconômica das famílias das crianças que frequentam essa escola.
Mediante a afirmação apresentada quando questionada sobre a classe social dos alunos
matriculados na escola: ―Eram filhos de juízes, médicos, agiotas, ferroviários, coitadinhos‖
(Célia Cendón, 2010). Célia Cendón na verdade reafirma o que apontamos no capítulo
anterior sobre a opção da elite ibiaense pela Escola Santa Terezinha.
Não obstante, é importante ressaltar que a sociedade em mudança, num contexto de
nacional-desenvolvimentismo, exige que se forneça a cada indivíduo os meios para participar,
de acordo com as suas potencialidades, do conjunto das necessidades dessa sociedade. Nesse
aspecto, a educação é uma instituição social fornecedora dos meios a fim de que o indivíduo
compreenda o significado dos termos: civilização, progresso e modernidade e se aproprie das
habilidades e competências necessárias para contribuir para as mudanças em trânsito.

A partir dos talentos ou vocações individuais (que a escola tem capacidade


de despertar e desenvolver) que o indivíduo adquirirá sua posição, isto é, o
indivíduo ocupará na sociedade a posição que seus dotes inatos e sua
motivação determinarem e, assim, de acordo com suas próprias aptidões, irá
encontrar seu lugar na estrutura ocupacional existente. A educação liberal
não considera os alunos ligados às classes de origem, não só considera
privilegiado ou não, mas trata-os igualmente, procurando habilitá-los a
participar da vida social na medida e proporção de seus valores intrínsecos.
Desta forma, ela pretende contribuir para que haja justiça social, levando a
sociedade a ser hierarquizada com base no mérito individual. Donde se
conclui que a ascensão ou descensão social do indivíduo estará condicionada
à sua educação, ao seu nível de instrução, e não mais ao nascimento ou à
91

fortuna que dispõe. Isto porque o talento está no indivíduo, independente de


seu status ou condição material. (CUNHA, 1989, p. 35).

Assim, a necessidade de aumentar a oferta de escolarização conduz a um enganoso


sinal de democratização. O projeto de sociedade igualitária apenas substituía uma elitização a
priori, produzida pelas condições precárias de vida que negavam o acesso à escola à maior
parte da população brasileira e pela ausência do poder público na oferta de escolas em
quantidade suficiente para todos. A capacidade individual não exclui da seleção, por si só, os
elementos sociais que também nela interferem. De fato, a escola única, pensada nos
Manifestos de 1932 e 1959, não conduz à sociedade igualitária e sequer altera as condições de
marginalidade no usufruto dos benefícios do desejado nacional-desenvolvimentismo por que
passava o Brasil.

3.2 Da iniciativa pública à iniciativa privada: Grupo Escolar Dom José Gaspar e Escola
Santa Terezinha

Avaliando o período em estudo chegamos à conclusão que o reconhecimento da


educação como um direito teve, sem dúvida, um significado especial num contexto em que
mais da metade de toda a população do país era analfabeta, sem acesso à escola. Contudo, a
simples existência de uma instituição de caráter público não garante sua publicidade, ou seja,
não é suficiente para que se constitua, de fato, como um espaço público. Isso porque, em
determinadas circunstâncias, além de se tornar vulnerável a influências externas que as
desviam de seu propósito inicial, em sua grande maioria tais instituições não apresentam
recursos físicos e humanos (profissionais qualificados) para materialização de seu ideal.

Não basta, por exemplo, duplicar ou triplicar a capacidade demográfica das


escolas, para atender às necessidades educacionais mais prementes do Povo.
Estamos obnubilados pelos problemas quantitativos, em virtude de uma
magnitude e porque eles são chocantes, em vista de nossas pretensões de
―Nação civilizada‖. Contudo atrás deles se escondem problemas ainda mais
complexos, de solução deveras difícil. São problemas educacionais
qualitativos, que envolvem a mobilização de recursos educacionais que
permanecem inaproveitáveis e que exigem uma total reviravolta em nossas
práticas pedagógicas. (FERNANDES,1966, p. 369).

Nesse contexto, não podemos deixar de citar a taxa escolar cobrada dos alunos
matriculados nas instituições de ensino público primário — como podemos constatar
92

abaixo pela portaria 417 no jornal Estado de Minas Gerais —, o que provavelmente possa
ter afastado os alunos do Grupo Escolar de Ibiá. Pois, mesmo com o objetivo de ajudar as
crianças carentes, mediante a lei, esta era uma contribuição obrigatória a quem não se
declarasse notoriamente como pobre.

O Secretário de Estado dos Negócios das Finanças, usando de suas atribuições,


recomenda aos coletores a observância das seguintes instruções: 1) Tendo o
decreto-lei numero 67, de 20 do corrente, criado a taxa escolar (art. 48 e seus
parágrafos), os exatores do Estado devem procedências no sentido de ser exigido o
pagamento da referida taxa a partir do dia 26 próximo. 2) A taxa é divida nas
seguintes proporções: a) os responsáveis que levarem à matricula nos
estabelecimentos de ensino primário apenas um aluno ficarão sujeitos à
contribuição de 3$000 mensais. Para facilitar a arrecadação, o recebimento far-se-
á de uma só vez, no total de 27$000 (3$000 por mês durante os nove meses do
ano letivo). [...] 6) Os diretores dos estabelecimentos de ensino primário
verificaram o pagamento da taxa escolar nos requerimentos de matrícula. Todo o
caso que aos diretores pareça de isenção da taxa escolar, será levado ao
conhecimento do coletor, a fim de ser verificado conjuntamente pelas duas
autoridades. Fora das sedes dos municípios, além do diretor do estabelecimento, a
verificação acima será feita também pelo inspetor escolar do distrito. Registre-se,
publique e cumpra-se. Belo Horizonte, 24 de janeiro de 1938. Secretário das
Finanças, Ovídio de Abreu. (MINAS GERAIS, 1938).

Posteriormente, o secretário da Educação e Saúde Pública de Minas Gerais, usando de


suas atribuições e de conformidade com o art. 41 do decreto-lei 734, de 17 de setembro de
1940, cria nos estabelecimentos públicos de ensino primário a Caixa Escolar subordinada à
Educação e Saúde Pública. Assim, podemos intuir que mediante tais circunstâncias houve certa
abertura para inserção de alunos carentes no Grupo Escolar de Ibiá, nesse estabelecimento de
ensino considerado tão imponente39, o que fez também com que os alunos pertencentes ao
grupo dos mais abastados recorressem à iniciativa privada.
Contudo, concluímos que dentre outros fatores, associamos a maior procura pela
Escola Santa Terezinha a criação do decreto-lei nº 734. Tal decreto tinha por objetivo a
criação das Caixas Escolares com o fim de fornecer merenda, roupa e calçado aos alunos
pobres dos estabelecimentos de ensino público primário; adquirir e distribuir livros didáticos e
material escolar aos necessitados; e prestar assistência médica-farmacêutica e dentária aos
alunos que não podiam tê-la. Contudo, o que à primeira vista pode parecer benéfico/positivo
produz reações controversas. Pois tal ação assistencialista tira do Estado o que lhe é dever,

39
A imponente e monumental presença dos prédios dos grupos escolares educava o olhar dos indivíduos na
medida em que eles poderiam ser identificados como uma ação modernizadora do Estado. A esse respeito ver
Souza (2010).
93

transferindo seu compromisso e/ou responsabilidade para a sociedade civil, além de colocar
em evidência as precárias condições de infraestrutura e qualidade de ensino da iniciativa
pública.
No livro de registro das atas do Conselho da Caixa Escolar do Grupo Escolar Dom
José Gaspar, de 2 de abril de 1959, fica nítida a resistência dos pais dos alunos com melhores
condições socioeconômicas, matriculados nessa instituição de ensino, ao negarem a
contribuição para manutenção da mesma. Isso cria uma situação de insatisfação, levando à
procura da iniciativa privada.

Realizou-se no dia 02 de abril de 1959, numa das salas do Grupo Escolar


―Dom José Gaspar‖ mais uma reunião da Caixa Escolar a fim de se fazer a
renovação dos membros do conselho da mesma. (...) Em seguida, a Senhora
Diretora, então secretaria da entidade fez um apelo aos membros do
conselho no sentido de conseguir dos pais dos alunos a contribuição para a
Caixa Escolar. A Senhora Diretora levou ao conhecimento de todos que, são
muitos os pais que não compreendem a obrigação deste auxílio aos alunos
pobres. Embora possam contribuir se esquivam dessa responsabilidade. A
Sra. Diretora leu no Código do Ensino Primário o artigo nº 170 que diz
assim: ―São protetores da Caixa os professores, funcionários e alunos do
estabelecimento‖ Ora, aí está bem clara a referência que se faz aos pais. Eles
serão os auxiliadores diretos da Entidade. A Sra. Diretora ainda nos
apresentou a folha impressa para preenchimento do balancete anual da Caixa
Escolar onde há uma coluna ―contribuição dos pais dos alunos‖. O Sr.
Presidente pediu a relação dos nomes dos pais que negam este auxílio e que
ele procurará uma maneira de estar com eles, explicando-lhes a necessidade
desta contribuição. (MINAS GERAIS, 1959, p.13).

Na ata da reunião dos professores do Grupo Escolar Dom José Gaspar, de 18 de junho
de 1949, consta a solicitação da diretora da escola exigindo a máxima energia no recebimento
da Caixa Escolar. Estaria expressamente proibido fazer a prova mensal o aluno que não
regularizasse o pagamento até o dia determinado. Nesse contexto, a escola Santa Terezinha
torna-se pólo de atração da elite local. Assim, entre as décadas de 40 e 50 houve maior
procura pela Escola Santa Terezinha como podemos constatar na tabela abaixo.
94

Tabela 6: Número de alunos matriculados na Escola Santa Terezinha entre os anos de 1944 a 1954.
Alunos matriculados na Escola Santa Teresinha
Ano Total
1944 166
1945 144
1946 125
1947 120
1948 134
1949 139
1950 114
1951 142
1952 142
1953 122
1954 120
1955 73
1956 76
1957 56
1958 60
1959 60
1960 41
Fonte: Livro de Matrícula da Escola Santa Terezinha.

Nessa conjuntura, a estrutura social marginalizadora, e em princípio, incompatível


com a idealizada sociedade republicana regida pela igualdade, liberdade e fraternidade entre
os homens, reflete a concorrência entre a iniciativa pública e privada. Dessa forma, como
vimos no capítulo 2 deste estudo, os grupos em conflito elaboraram seus respectivos discursos
em consonância com seus interesses de classe, procurando associar seus objetivos com os
interesses do povo brasileiro. Portanto, a escola que se configurou a partir desse debate e dos
movimentos relacionados no capítulo primeiro deste trabalho, não se estabeleceu de um
momento para o outro, mas se constituiu em projetos de classe historicamente determinados
pela correlação de forças dos grupos políticos envolvidos.

Nós nunca recebemos ajuda não. O Juscelino Kubitschek é que uma vez
esteve aqui quando era governador de Minas para fazer uma visita. Ele veio
aqui e aí pediram pra Rosinha que queriam que ela mandasse um
representante da Escola. Não sei se foi o Marcio do Dr. José Dias ou se foi o
Carlos Ernesto filho do Dr. Guilherme. Porque as pessoas de melhor poder
aquisitivo colocavam os filhos todos lá na escola, e eram muito inteligentes.
Então ela preparou esse aluno para falar umas palavras para o Dr. Juscelino
Kubitschek. E ele ficou doidinho. Chegando a Belo Horizonte ele mandou
um cartão agradecendo. (ENTREVISTA 2).
95

A passagem do governador do estado pelo município de Ibiá enfatiza a relevante


contribuição da iniciativa privada na formação da elite da sociedade ibiaense. E faz-nos
pensar sobre o valor da iniciativa privada para a elite dirigente em todo o país. Como
podemos constatar pela redação eloquente do memorialista Ivo Mendes:

Em 1951, Ibiá recebeu a visita do então governador do Estado, Dr.Juscelino


Kubistchek, que foi alvo de grandes homenagens do povo. A Escola Santa
Terezinha participou com galhardia do evento tendo o governador ficado
muito bem impressionado com a organização e postura daqueles meninos,
tanto que S.Excia. fez questão de colher junto ao prefeito Bartolomeu
Ribeiro de Paiva, informações detalhadas sobre a escola. Poucos dias depois,
a professora Rosa Cendón recebia um cartão de agradecimento. Este cartão,
de valor histórico, está junto aos demais documentos no arquivo particular
da escola, que Zifinha e Célia mantêm intacto. O arquivo da Escola Santa
Terezinha é um monumento vivo de valor inestimável, que guarda um
pedaço da vida escolar de Ibiá de outrora. (MENDES, 1999, p.191).

Nesse sentido, podemos concluir com a ajuda de Carlos Jamil Cury que nas sociedades
modernas todos os atos privados, mesmo indiretamente, possuem uma ressonância social. E
essa ressonância, na medida de sua extensão, provoca consequências sobre o todo social.
Assim, a educação não é algo supra-social, mas momento da reprodução dessa sociedade, em
que poucos constroem a História. (CURY, 1989). Diante disso, a sociedade brasileira acabou
resultando num híbrido que admitia simultaneamente valores republicanos, separação social e
privilégios. Consequentemente, uma escola seletiva estava sendo gestada.
Não obstante, uma das condições para estudar na escola Santa Terezinha era a
obrigatoriedade do uniforme que, somado à mensalidade da escola, restringia o acesso de boa
parte da população ibiaense. O uniforme criado por Célia Cendón em 1937 permanece em
todo o período de vigência da escola (1937 a 1975).
96

Figura 9: Desenho dos uniformes masculino e feminino da Escola Santa Terezinha (1937)
Fonte: Acervo particular de Célia Cendón, 2010.

Como podemos observar nas imagens acima, no bolso da blusa do uniforme masculino
e feminino constam as letras entrelaçadas E.S.T, que significa Escola Santa Terezinha.
Analisando a fala de uma das fundadoras da escola podemos concluir que a escolha pelo
nome da escola refletiu o poder de outra instância importante da sociedade nesse período, a
Igreja Católica. Pois, mesmo não sendo essa uma escola declaradamente confessional fica
evidente a influência da Igreja, importante canal de formação moral.

Porque Santa Terezinha que é uma santa francesa, ela foi canonizada com 24
anos, morreu com 24 anos. Ela foi canonizada novinha de tanta santidade.
Ela morreu de tuberculose com 24 anos. Então ficou uma Santa muito
querida. Toda criança que nascia eles colocavam o nome de Terezinha. A
gente tinha em casa a novena de Santa Terezinha. Levava a imagem e
rezava. Então a Santa Terezinha era a santa do momento. Ela foi canonizada
em 1925, nós começamos a escola em 1937. (ENTREVISTA 1).

Nesse sentido, a insistência em vincular a formação religiosa à formação do cidadão


bem como a resistência da Igreja católica em admitir uma educação laica fez com que
ocorresse um ponto de conciliação. Em que não é nem a vinculação total nem a desvinculação
97

definitiva do Estado com a Igreja, e essa com os diferentes estabelecimentos de ensino, como
iremos constatar no tópico a seguir, analisando ora os documentos da Escola Santa Terezinha
ora do Grupo Escolar Dom José Gaspar.

3.2.1 Da iniciativa privada à iniciativa pública: o poder da Igreja Católica e a formação


moral.

O laicismo do Estado imposto à Igreja católica faz com que a mesma se organize em
torno de um projeto de recristianização da nação com várias frentes de luta. Convencida do
novo regime republicano, a Igreja precisou lutar pelo seu espaço junto aos órgãos oficiais,
especialmente no âmbito da legislação como vimos no capítulo primeiro, para reinvidicar do
novo governo o respeito aos direitos e à liberdade dos católicos. Além disso, outros
movimentos religiosos como o protestantismo e o espiritismo vinham se infiltrando com
competência relativamente expressiva no meio da sociedade brasileira disputando o espaço do
campo religioso que até então era hegemonicamente católico.
Vale lembrar que durante o Estado Novo, o governo e a Igreja tinham um
relacionamento baseado numa espécie de acordo moral, em que Getúlio Vargas comprometia-
se a assegurar à Igreja Católica a liberdade que ela precisava para agir em ambiente propício à
sua ação evangelizadora, ou seja, o espaço público da escola. Contudo, a atuação da Igreja
deveria limitar-se ao domínio religioso, em sentido restrito à pregação e ―domínio sobre as
almas‖. Em troca, o Estado Novo esperava dos membros do clero que estes, através da
palavra e do exemplo, ensinassem aos fiéis a obediência à lei, a ordem e a disciplina.
Nessa perspectiva, a escola se transforma no espaço legítimo para exercer a civilidade
e a moral cristã tão indispensável para a vida social no mundo moderno. Assim, por ser a
instituição que confere o aprendizado indispensável para a vida em sociedade, deveria
transmitir não só os padrões culturais em circulação, como modelar os comportamentos, os
afetos, os instintos visando o tipo de sociedade que se quer formar. Nesse sentido, as práticas
escolares do ensino religioso, podem ser entendidas perfeitamente como práticas civilizatórias
por abrangerem as várias esferas da vida moral do indivíduo. O novo homem civilizado
deveria carregar consigo as marcas do cristianismo, entendendo cristão como sinônimo de
católico. Todavia, tais ideais só encontrariam sua efetivação se a Igreja assumisse com maior
clareza o papel de educadora da população, desenvolvendo uma educação sistemática que
promovesse a recristianização do povo brasileiro e a recuperação do poder e da influência
98

religiosa na vida pública. Tal estratégia fica evidente nas disputas que se instauraram em torno
do campo educacional no período em apreço, tendo por ambiente legitimador a Associação
Brasileira de Educação. A luta pela introdução do ensino religioso nas escolas públicas visa
garantir a sua influência sobre as classes populares e urbanas.
Nesse contexto, no final do Estado Novo a atitude da liberdade católica com relação
ao governo Vargas começará a se modificar, em razão dos acontecimentos vinculados à
participação do Brasil na guerra e das pressões internas pela redemocratização do país.
Partindo da proposição do Padre Leonel Franca, de rejeição do totalitarismo e de aceitação de
um governo autoritário, o ministro da Educação proporá a Getúlio Vargas uma nova aliança
com a Igreja, bem mais ampla em suas exigências e mais modesta em suas promessas do que
o pacto proposto por Francisco Campos em 1931. Pois, enquanto Francisco Campos, em
1931, havia prometido a Vargas a mobilização de toda a Igreja Católica ao lado do governo
em troca da introdução do ensino religioso nas escolas oficiais, Capanema, em 1944, promete
a Vargas a simpatia das correntes militantes do catolicismo brasileiro em troca de uma tomada
de posição do presidente na defesa dos objetivos católicos essenciais. Segundo Capanema,
esses objetivos seriam: combater o totalitarismo, assegurar o primado do direito e manter
diretriz segura e constante com relação às políticas da família, do trabalho e da educação.
Todavia, tais políticas de educação deveriam garantir à escola a liberdade de ensinar a religião
dos alunos e dos pais e fazer com que o ensino, de um modo geral, estivesse orientado numa
concepção espiritualista da vida.
Na Escola Santa Terezinha, além de permear toda a formação moral dos alunos a
formação religiosa através da primeira comunhão colocava a escola em evidência. ―As
meninas de vestidinhos com roupa muito bonitinha e os meninos de terninho. Eram muito
apreciadas pela comunidade as primeiras comunhões da Escola Santa Terezinha‖.
(ENTREVISTA 2).
99

Figura 10: Primeira comunhão dos alunos da Escola Santa Terezinha (1949)
Fonte: Acervo particular de Célia Cendón, 2010.

Na imagem acima, os alunos da escola Santa Terezinha em 1949 com as professoras


Célia Cendón e Maria José Cendón, na frente do prédio da escola, comemoram mais uma
primeira comunhão. Analisando as fontes iconográficas da escola no período em apreço, a
fotografia abaixo também é bastante significativa, pois podemos até intuir que a primeira
comunhão simbolicamente representava a conclusão de curso na escola Santa Terezinha.

Figura 11: Fotografias de momentos solenes dos alunos da Escola Santa Terezinha (1949)
Fonte: Acervo particular de Célia Cendón, 2010.
100

Nessa perspectiva, não podemos nos esquecer de que a Igreja reflete, como uma caixa
de ressonância, o jogo de interesses expressos no quadro maior da sociedade, e que é parte
integrante da sociedade civil. Assim, a relação da iniciativa privada com o ensino público e a
Igreja católica é uma constante nesse período. Como podemos observar na imagem abaixo,
alunos da escola Santa Terezinha no espaço público do Grupo Escolar Dom José Gaspar, em
1948, estão comemorando mais uma primeira comunhão.

Figura 12: Primeira comunhão dos alunos da Escola Santa Terezinha (1948).
Fonte: Acervo particular de Célia Cendón, 2010.

Não obstante, em consonância com as questões postas pela modernidade, com novas
técnicas educacionais, os novos dispositivos de circulação das ideias não passaram ao largo da
intelectualidade católica. Os métodos da Escola Nova traziam consigo as marcas da eficiência
e a garantia de uma aprendizagem segura e duradoura. A eficiência do método ativo atendia
bem a necessidade de se introduzir na alma da criança os preceitos morais e cristãos, e os
católicos não se abstiveram de usar essa nova metodologia experimentada e atestada nas
escolas (como iremos observar na transcrição do documento de época abaixo). Contudo, vale
ressaltar que a Constituição de 1946 prevê a liberdade religiosa, mas mantêm o Ensino
Religioso como disciplina nos horários das escolas oficiais, sendo sua matrícula facultativa;
será ministrado de acordo com a confissão do aluno, manifestada por ele, se for capaz, ou pelo
seu representante legal ou responsável.
101

Nesse contexto, os padres visitavam as escolas, iam ensinar a cantar, ajudavam as


professoras a preparar as aulas de religião, e faziam tudo o que podiam para propagar a fé
católica. Dessa maneira as propostas escolanovistas foram apropriadas não só pelos
profissionais da educação, mas também pelos intelectuais católicos. Do interior da Igreja a
moral cristã se alastrou para as escolas através da publicação de coleções didáticas de
catecismos que circulavam por todo o Brasil. No livro de Ata das Reuniões dos Professores
do Grupo Escolar Dom José Gaspar consta um relato muito interessante que descreve como
aconteciam essas intervenções da Igreja nos estabelecimentos de ensino. Devido sua
relevância histórica segue abaixo o documento na íntegra.

Realizou-se no dia 16 de Março de 1951 numa das salas do Grupo Escolar


Dom José Gaspar mais uma reunião de professoras. Tomou a presidência da
mesa o Padre Agostinho Klinger, Digníssimo Sr. Vigário da Paróquia, a fim
de nos orientar sobre como ensinar o catecismo na escola primária.O
primeiro assunto tratado foi sobre os cartões individuais para controle da
frequência à santa missa. Os referidos cartões servirão para fiscalização e
não pressão. A solução mais prática seria receber o cartão à porta da Igreja
por duas professoras. Para os retardatários que chegarem ainda até a hora do
sermão uma professora poderia dar uma volta pelo centro da Igreja
recolhendo seus cartões. Quem chegar depois do ofertório não terá direito de
entregar o cartão, pois não obedeceu o preceito dominical.
Em sequencia o Sr. Vigário deu-nos a notícia de que o responsável
pelo Jornal ―Lar Católico‖ fará uma visita à cidade.
Também o Sr. Padre encarregado do processo da beatificação do
saudoso Padre Eustáquio deveria nos visitar por estes dias. Pediu-nos o Sr.
Vigário para procurar saber de alguém que tenha conseguido um favor ou
graça extraordinária por intermédio de Padre Eustáquio para fazer a
comunicação.
Logo depois o Sr. Vigário num belo histórico comparou a dificuldade
de trabalho das catequistas de outrora e as de agora. Em quase todas as
cidades a catequização era encarada com hostilidade. Nos Grupos Escolares
os técnicos na época de promoção visavam a perseguição às professoras
catequistas. Fazendo um paralelo entre as situações de ontem e hoje
devemos dar graças a Deus porque todas as autoridades reconhecem o erro
dos dirigentes antepassados que com isso criaram uma geração sem sentido
pela responsabilidade.
Apresentou-nos o padre Agostinho sugestões de algumas ―Leis do
Paraná‖ a respeito do custeio religioso. Nas Escolas do Paraná os alunos não
sendo dispensados pelos pais serão obrigados a receber o ensino religioso,
que é ministrado em horas regulamentares a critério das autoridades.
Nos exames finais as notas são contadas como notas de matéria básica
para promoção, são tentativas copiadas de vários outros estados como o de
Santa Catarina, Rio Grande do Sul e São Paulo que já está cogitando
também o assunto.
Disse-nos Padre Agostinho não conhecer ainda o que determinam as
leis, ultimamente ditadas em Minas, a respeito do ensino religioso.
102

Outra vantagem que encontramos é a riqueza do material religioso de


hoje. Se as educadoras não encontram facilidade em ministrar o ensino
religioso é pela educação que receberam do colégio de freiras que não
davam a metodologia da matéria. Felizmente as Irmãs se convenceram de
que a metodologia é preponderante para preparar as professoras para ensinar
o catecismo.
Nos colégios o ensino do catecismo limitava-se à decoração das
orações fundamentais do cristão. A uns trinta anos atrás a deficiência de
material se fazia sentir dolorosamente. Apenas o catecismo, sem nenhum
material didático para as professoras se prepararem para as aulas. Então, em
todas as cidades surgiram núcleos de formação, reunindo os frutos de
experiências, compilando um ótimo material didático. Freiras e padres,
preocupados com a situação começaram a editar livros religiosos. Surgiu
então a figura impar de padre Negromonte que se tornou célebre em Minas e
no Rio pelos seus trabalhos particularmente no ensino secundário.
No norte apareceram Franciscanos, Salesianos e muitos padres
seculares surgindo pouco a pouco uma concorrência de boas cabeças para se
dedicarem à edição de livros religiosos. Também foi valiosa a contribuição
da ação católica. Os primeiros trabalhos eram apenas traduções de livros
editados em outras nações principalmente na França que influenciou muito o
ensino religioso. Na América do Norte apareceram vários autores.
O que dizer a respeito das traduções? As alemãs, dize-nos padre
Agostinho eram claras, concisas, rigorosas trazendo preocupações até os
padres. O francês agradava pela sutileza de suas formas, o espanhol de um
estilo vazio sem substância. O Americano estilo de propaganda. Este
material didático no princípio não passava de pequenas adaptações, depois o
material foi se aperfeiçoando. Chegou a tanta perfeição que hoje temos uma
bibliografia bastante volumosa correspondendo às nossas necessidades.
Felizmente as alunas de hoje recebem um certo tirocínio no Colégio,
têm alguma noção de pedagogia, metodologia que poderão ser aplicadas na
religião, tornando interessante as aulas auxiliadas pelos livros didáticos,
mapas, quadro, estatísticas e até filmes religiosos.
Padre Agostinho falou-nos depois de um material feito por ele,
condensado através de traduções, ideias e recordações do passado chegando
a uma coletânea muito interessante. São três as coleções: Credo,
Mandamentos e Vida Cristã, organizados de tal modo a dividir o programa
em 24 aulas. Afirma-nos ainda o Reverendíssimo vigário que modéstia a
parte o seu material é valioso, pois é fruto de grandes experiências e
esforços. Este material quer o padre Agostinho apresentá-lo de cada vez à
duas ou três séries mais adiantadas de alunos de quarto ou terceiro ano uma
vez por semana.
Terminando, padre Agostinho desejou que todas as professoras
procurassem dar bem suas aulas de religião. Apesar das dificuldades que
surgem muito mais interessante que dados positivos em aulas de Geografia e
História é educar os alunos para o Amor de Deus.
A aula de religião é para formar o caráter do aluno por meio de lições
e virtudes. Mas para transmiti-los temos que possuir estas virtudes. Devemos
cumprir para que obriguemos a criança a fazê-lo. Quem der aula de religião
deve viver o que ensina.
Que Deus nos dê graças para sermos bem competentes nas nossas
aulas de religião. (MINAS GERAIS, 1951, p. 48).
103

O documento acima enfatiza as estratégias da Igreja Católica para driblar a imposição


do estado republicano que se quer laico. Dentre as estratégias utilizadas o documento
evidencia um possível acordo e/ou parceria com as instituições de ensino. Assim, a utilização
do espaço escolar era defendida veementemente pela a Igreja sendo esse privilegiado para a
disseminação de seus valores e doutrinas. O documento ressalta também a importância da
formação e postura assumida pelas professoras em sua missão de educadoras, exemplo de
virtude a ser seguido por seus alunos.
Nesse sentido, pudemos perceber que a república defende a separação da Igreja do
Estado, porém para sua concretização, encontra nos interesses religiosos uma disputa de
espaço, ao qual a própria Igreja se adaptou para fazer prevalecer seu discurso tradicional de
ordem e autoridade. Assim, por meio de sua influência no cenário educacional, seja
nomeando escolas como vimos com a Escola Santa Terezinha, ora como instância promotora
de ensino ou por meios de ações recristianizadoras em espaços laicizados como apresentado
no documento do Grupo Escolar Dom José Gaspar, a Igreja continua ocupando um lugar de
destaque nessa sociedade.
A imagem do documento abaixo ilustra a relação do Estado, Igreja e Educação e nos
faz refletir sobre as condições do ensino ofertado pela iniciativa pública e sua
responsabilidade para com a Igreja Católica. Tal documento se encontra anexado ao Livro
Termo de Visitas do Grupo Escolar de Ibiá, acompanhado do seguinte registro:

Visitando a cidade de Ibiá fazendo a arrecadação de donativos pela formação


de um jornal diário católico a se editar muito em breve na cidade de
Uberaba, encontrei franco acolhimento nesta campanha da parte de Exma.
Sra. Diretora e Professoras do Grupo Escolar Dom José Gaspar. Quero
deixar aqui como representante do Exmo. e Revmo. Sr. Bispo Diocesano o
agradecimento da Fundação Leão XIII, o meu Deus lhe pague. (MINAS
GERAIS, 1951, p.24)
104

Figura 13: Contribuição do Grupo Escolar Dom José Gaspar à Fundação Leão XIII (1951)
Fonte: Livro Termo de Visita, 1951.

Nesse contexto, tais documentos nos permitem recuperar conexões entre as estratégias
utilizadas pela Igreja para sua autoafirmação, elucidando fenômenos históricos que nortearam
o caminhar da sociedade local e regional no período em apreço, mediante a proposta de
laicização do ensino imposta pelo Estado. Nessa conjuntura, é importante ressaltar que a
Igreja Católica na década de 50 levanta a bandeira da liberdade de ensino como liberdade de
escolha do tipo de escola pela família, objetivando, entre outras coisas, a subvenção pública e
a não ingerência do estado. Assim, subordinada a ela, de certa forma estariam as escolas
particulares leigas, como a Escola Santa Terezinha, que sem uma doutrina própria apoiavam-
se na da Igreja para defender seus interesses, principalmente os de natureza financeira.

3.3 Entre teorias e práticas: a qualidade do ensino público e privado em Ibiá

O processo de institucionalização da instrução, controlado pelos grupos dominantes,


traduz, de certa forma, os mecanismos de produção e reprodução sociais por meio da escola.
Assim, o desenvolvimento de uma nova cultura escolar reflete os anseios de adequação do
sistema educacional a uma nova ordem ―democrática‖ que se pretende construir e legitimar.
Dessa forma, a modernização a partir do ideário liberal escolanovista serve como instrumento
privilegiado de mediação política, que tem como crença real ou meramente proclamada a
construção de um novo país, através da escola.
Sendo a educação o processo pelo qual os jovens adquirem ou formam as atitudes e
disposições fundamentais, não só intelectuais como emocionais para com a natureza e o
105

homem, é evidente que a educação constituísse campo de aplicação das filosofias e, como tal,
também de sua elaboração e revisão como vimos no tópico anterior. A educação como
processo de perpetuação da cultura, nada mais era do que o meio de se transmitir a visão do
mundo e do homem, que a respectiva sociedade honrasse e cultivasse. Com essa
compreensão, a educação como instância social que está voltada para a formação da
personalidade dos indivíduos, para o desenvolvimento de suas habilidades e para a veiculação
dos valores éticos necessários à convivência social, nada mais tem que fazer do que se
estabelecer como redentora da sociedade integrando harmonicamente os indivíduos no todo
social já existente.
Entretanto, para que se efetivasse a reconstrução social foi necessário criar padrões de
homogeneização. Nesse contexto, a organização pedagógica toma uma formatação do
controle do tempo, espaço e conteúdo, a partir de um plano de estudo do currículo e da
classificação homogênea dos alunos por idade. A racionalização e a padronização do processo
pedagógico, inseridas nas transformações que configuram o mundo urbano moderno, faz com
que a educação se transforme em um elemento fundamental para formatar o cidadão
republicano.

Iniciei o primeiro ano com a Dona Rosinha Cendón e lá adotava o seguinte,


quando o aluno atingia certo nível ele passava para o segundo ano. Tinha
primeiro ano A e B. Segundo ano A e B e o terceiro ano. Então de acordo
com o progresso do aluno ele passava para o próximo ano. Minha esposa,
por exemplo, ela começou na Escola Santa Terezinha no segundo ano B. A
mãe dela estudou em Barbacena, naquela época quem tinha condição
mandava os filhos para Barbacena, dois dias de distância, então a mãe dela
deu as primeiras orientações, os primeiros passos, por causa disso ela
começou lá na Dona Rosinha no 2° ano B. ( ENTREVISTA 3).

O ensino era individual, tomar as lições era individual. Não lia junto com
todo mundo para ser Global não. Porque cada aluno tinha um QI, uns mais e
outros menos. Então os que tinham menos eu tomava a lição até ele
aprender. Todos os meus alunos foram alfabetizados. Nunca encostei um
aluno porque ele tinha mais dificuldades. (ENTREVISTA 2).

Então vieram uns da roça dizendo que ouviu falar que a escola era muito boa
e queriam colocar seus filhos aqui. Perfeitamente! Nós aceitamos. Mas,
disseram: só queria lhe pedir uma coisa, pra não ensinar duas coisas pra eles.
Eu não quero que ensine ―o virundum‖ e nem o ―desce levanta‖. Pensei meu
Deus do céu o que será isso. O virundum era o Hino Nacional e o desce
levanta era a Educação Física. (ENTREVISTA 1).
106

Os depoimentos acima são indícios que a Escola Nova em Minas Gerais era uma
realidade, e a adesão aos seus princípios e métodos conferem à educação um novo formato. A
supremacia da técnica e o peso da organização como fatores indispensáveis para se garantir a
abordagem científica necessária à eficiência influem profundamente na estruturação dos serviços
educacionais e na prática desenvolvida nas escolas mineiras nesse período. Assim, os testes
psicológicos, a construção e a organização de tempos e espaços escolares, as atividades dos
alunos, os trabalhos manuais e a educação física eram formas de manter o aluno ativo, dando-lhe
uma ilusão de liberdade e autonomia que dispensavam a utilização da punição, na medida em que
eram constantemente vigiados e controlados.
Dessa maneira, tanto no Grupo Escolar Dom José Gaspar como na Escola Santa
Terezinha as práticas escolares abarcavam um manancial de civilidade e bons costumes:
hábitos de ordem, comportamento da criança na escola, casa, rua e lugares públicos, deveres
para com os pais e superiores. Como afirma o ex-aluno Edson Freitas que ingressou na Escola
Santa Terezinha em 1946, cursou o 1º, 2º e 3º anos do ensino primário, e em 1949 e 1950
concluiu o 4º e 5º anos sucessivamente no Grupo Escolar Dom José Gaspar:

A disciplina era rígida nas duas escolas. Na Escola Santa Terezinha elas
sabiam levar as coisas e as crianças estavam numa idade que podia receber
uma formação adequada para receber esta disciplina. Agora no Dom José
Gaspar a turma já era mais levada né! Aí tinha castigo, castigo de ficar
ajoelhado nos graus de milho ou ficar de pé virado pra parede no canto da
sala. (...) É tinha punição! Hoje não há mais punição eu não concordo com
isso, a pessoa que faz coisas errada tem que ser chamada atenção. (...) Eu me
lembro demais na escola era do caderno número um e número dois. O
caderno número dois era para caligrafia. O caderno número um era o
caderno normal e o caderno número dois era para caligrafia onde tinha mais
linhas, tinha linha onde você tinha que encaixar as letras de forma mais
homogênea. Tanto que lá no Colégio São José as normalistas tinham a
mesma forma de letra. Lembro-me também que tinha o lápis n° 2 e tinha um
que era mais macio para desenho. (...) Fazíamos muito desenho, fazíamos
muito ditado, no terceiro ano fazia dissertação, tabuada tinha demais, durante
um ou dois meses ficava uma tabuada de dois na parede aí todo dia
batalhava naquilo, quando vencia aquilo aí passava para a de três, quatro e
assim por diante. (ENTREVISTA 3).

Assim, mediante análise dos registros da Escola Santa Terezinha e do Grupo Escolar
Dom José Gaspar, constatamos que a metodologia utilizada particularmente na Linguagem
oral e escrita (literatura e redação), bem como nas Ciências Sociais estavam centradas em
histórias que despertavam o amor pelo que é bom e reto. Como deveres da criança para com
107

os pais e avós, deveres para com os irmãos e irmãs, temperança, prudência, sinceridade;
deveres de justiça e caridade, além dos deveres cívicos. A educação física era nesse aspecto
destacada pela sua influência moralizadora e higiênica. A metodologia aplicada nas duas
instituições de ensino buscava responder as exigências propostas pela legislação de ensino40
no período em apreço, com o intuito de formar nos educandos hábitos de vigor, coragem e
patriotismo. Podemos verificar isso através das orientações apresentadas pelo inspetor técnico
regional de ensino, Lourival Cantarino de Sousa, no termo de visita de 30 de setembro de
1948 do Grupo Escolar Dom José Gaspar.

Cumprindo determinação do Sr. Superintendente do Departamento de


Educação, exarada em ofício, estive prestando assistência técnica-
pedagógica ao Grupo Escolar Dom José Gaspar. (...) Organizar com a
colaboração direta dos alunos auditórios de classe, com números recreativos
e pedagógicos: dramatizações, poesias, histórias, jogos educativos,
composições, anedotas e historietas, o programa deve ser sempre curto,
participando do mesmo 50% de alunos de ambos os sexos. Organizar centros
de interesse sobre meios de transporte, comércio, indústria, agricultura e
realizar mensalmente excursões com planos previamente elaborados, de uma
classe em dias diferentes da semana. (...) incentivar em todas as classes o
ensino do desenho. Ministrar o ditado em forma de teste isto é, rápido, em
voz clara e segura. (...) Enfim, cumprir seus deveres e desempenhar as
obrigações que lhes forem cometidas pela direção do Grupo, com abnegação
e consciência profissional para que o ensino melhorado seja a gazua de ouro
capaz de abrir as portas de todos os caminhos da vida prática, abertos à
infância local, e para que esta casa – oficina de civismo e de trabalho – não
se transforme no túmulo do ideal de instruir e educar para o bem de Minas e
glorificação do Brasil. Estou certo de que das virtudes que exortam a alma
de cada um dos nobres elementos do corpo docente deste estabelecimento,
há de surgir como um jorro de luz na escuridão desses dias de incertezas que
estamos vivendo, a vitória de um trabalho bem ordenado e profícuo.
(MINAS GERAIS, 1948, p.18-21).

Contudo, segundo o manual de Metodologia do Ensino Primário de Amaral Fontoura


(1959), ―a Escola Ativa é o conjunto dos meios pedagógicos e psicológicos para se atingirem
os fins da Escola Nova‖ (p.100). Nessa obra Fontoura descreve os atributos necessários de um

40
Tempos e espaços escolares foram utilizados não só pelo Estado estrategicamente, mas também, de forma
tática, pelos sujeitos históricos que participaram da dinâmica da escola como medida de resistência e/ou meio de
adaptação às condições materiais que os envolviam. Assim, nessas circunstâncias, muitas vezes ignoradas pelo
Estado, diretores, professores e alunos criaram maneiras próprias, singulares de apropriação das normas legais do
ensino. De forma que as ações desses sujeitos nunca foram somente de submissão à ordem escolar que se
impunha. (SOUZA, 2010, p.168).
108

bom professor, a metodologia geral da Escola Nova e os métodos ativos41, além da


metodologia especial para o ensino de cada matéria, com o objetivo de instruir as instituições
de ensino primário para que as mesmas se tornem mais dinâmicas e eficazes para o progresso
do Brasil.

A escola brasileira – todos sentem isso – não está cumprindo eficazmente


essa missão, de trabalhar pela recuperação e pelo progresso do homem
brasileiro. Nossa escola dá instrução, ensina, mas pouco educa. Ora, se
pretendermos renovar o Brasil, reforçar nossas estruturas morais,
econômicas e sociais, criar melhores condições de vida para o nosso povo,
evidentemente temos que educar esse povo. E a escola está educando pouco.
Urge, portanto, fazer da escola, e principalmente da escola primária (pois no
Brasil poucos são os jovens que vão além do nível primário) uma instituição
mais dinâmica, mais variada e rica de experiências, mais ligada à realidade,
de tal forma que seus alunos saiam mais capacitados a compreender o
mundo e o país, e a trabalhar melhor, em benefício próprio e do progresso
nacional. (FONTOURA, 1959, p. 3-4).

Nessa perspectiva, os renovadores criaram a ilusão de que estaria ocorrendo uma


modernização relativamente intensa nas instituições escolares brasileiras, quando, na verdade,
as inovações pedagógicas apenas desencadearam um debate acalorado sobre métodos e
metodologias de ensino, como na obra de Fontoura. Embora a velha escola tradicional e
isolada se mantivesse com todo o vigor, tinha-se a impressão de que os debates pedagógicos e
as esperanças que eles suscitavam pareciam indicar que caminhávamos, rapidamente, no
sentido inverso, da expansão e consolidação de novos modelos de organização das instituições
escolares. Dessa forma, a pedagogia escolanovista centra sua atenção em procedimentos de
ensino que deem conta, por parte do aluno, da aquisição de meios de aprendizagem do mundo
circundante e de sua experiência diária.

A gente aprendia muita coisa de Geografia, o nome das capitais, os rios,


afluentes da margem direita do Amazônia, da margem esquerda, a gente
tinha isto gravado na memória, da progressão da nascente para a foz. Sabia o
nome das cidades de Minas Gerais, Montes Claros, Juiz de Fora, vou te falar
a gente aprendia muita coisa. (ENTREVISTA 3).

41
Em Minas, a expressão ―ensino ativo‖ indica o ensino por meio do Método de Projetos de Kilpatrick, a
aprendizagem da leitura pelo Método Global e a ênfase nas atividades de socialização e em disciplinas como
Canto, Trabalhos Manuais, Desenho e Educação Física. ( PEIXOTO, 2003, p.107).
109

Contudo, Nestor Duarte em sua obra, A Ordem Privada e a Organização Política


Nacional, nos faz refletir sobre o processo de construção e/ou apropriação do conceito de
nação e o papel do cidadão no Estado brasileiro42.

A nossa ideia de pátria como de nação é, antes de tudo, um complexo


geográfico. Se lhe analisarmos o conteúdo, deparamos sempre com um
sentimento, mais ou menos distinto, de orgulho pela extensão da terra
brasileira, a grandeza de paisagísticos cheios de águas caudalosas e florestas
virgens. Nesse estado de alma, a que se chega ao verdadeiro lirismo, um
lirismo exaltado que canta a terra, os rios e as montanhas, não se encontra
quase nunca o elemento histórico. É assim um sentimento de pátria mais
geográfico do que histórico, de pátria que não foi feita pelo homem, que não
foi construída, de uma pátria, enfim, sem historicidade, que é mais rincão
dado e descoberto por acidente feliz e em que o espírito como que se
compraz tão só em contemplar, no entusiasmo do sentido visual. Falta-lhe
quase sempre a recordação do esforço do homem, de sua luta por conquistá-
la e por fazê-la através de perigos e de guerra, que um passado ilustre e
remoto engrandecesse e prestigiasse. Esta ausência de elemento histórico,
pela inexistência mesmo de uma história mais cheia de traços e passagens
humanas, contribuiu para que o nosso sentimento nacional se ligasse mais à
ideia da terra, da sua paisagem, dos seus recursos materiais inexplorados, do
que à noção, com outra consequência moral, de uma comunidade trabalhada
de episódios e de acontecimentos em que a terra passasse a ser simples
acessório, por não ter o mesmo valor na reminiscência coletiva. (DUARTE,
1966, p. 125).

Nesse sentido, para que se efetivasse a reconstrução social que o Estado tanto
desejava, foi necessário criar padrões de homogeneização pela organização didático-
pedagógica. Ocorria a formatação do controle do tempo, do espaço e de conteúdos, de
maneira que, a partir da classificação homogênea dos alunos por idade e da racionalização e
padronização do processo pedagógico, a escola pudesse contribuir com as transformações que
configuraram o mundo urbano e moderno que se constituíra a partir da década de 1940. Dessa
forma, concluímos que a versão ideológica dos pioneiros da Escola Nova representa a
adaptação da política educacional ao processo político e econômico pelo qual passava o país.

3.4 Escola Santa Terezinha e Grupo Escolar de Ibiá: estreitando as relações.

42
Mais que fazer parte de uma comunidade, o que é essencial é tomar sua parte dela. Isso significa mais do que o
reconhecimento de pertencimento por razão geográfica e/ou cultural. É um estado de estar envolvido na
comunidade a tal ponto que, sem sua presença, essa não se apresentaria da mesma forma. É um recíproco
movimento de constituir-se individualmente na comunidade e de constituí-la imprimindo a sua identidade sob a
sua forma coletiva.
110

Vimos no decorrer desse trabalho que no período em estudo ocorreram transformações


sociais e culturais significativas, a começar por uma estratificação social mais complexa, com
o surgimento de novos grupos sociais. Tais grupos representavam os trabalhadores urbanos, a
expansão das camadas médias devido ao crescimento do setor terciário como ilustrado no
capítulo 2, quando estudamos a constituição da sociedade ibiaense em transformação, da
atividade agropastoril para a atividade pré-industrial. Nesse contexto a educação não pode
ficar circunscrita à alfabetização ou a transmissão mecânica das três técnicas básicas da vida
civilizada – ler, escrever e contar. Será preciso formar, tão solidamente quanto possível,
embora em nível elementar, nos alunos, hábitos de competência executiva, de sociabilidade,
de gosto, ou seja, de apreciação da excelência de certas realizações humanas; hábitos de
pensamento e reflexão, além da consciência de seus direitos e deveres. (TEIXEIRA, 1967).

Esta é, exatamente, a fase que estamos a viver na educação nacional.


Expandimos o sistema, ampliamos o número das escolas, mas não cuidamos
de sua seriedade nem de sua eficiência, pois o seu fim não é educar o povo,
mas selecionar um número maior de candidatos à única educação que conta
em um país ainda dividido, bifurcado em elite diplomada e massa ignorante.
A ampliação do sistema é uma simples ampliação quantitativa, sem a
reconstrução, que se impõe, da escola e dos seus objetivos. (TEIXEIRA,
1967, p.79).

Anísio Teixeira em sua obra: Educação não é privilégio, nos faz refletir sobre o
desajuste qualitativo e quantitativo do sistema de ensino que está sendo gestado no período
em apreço. A evolução do regime democrático a partir de 1946 exigirá a extensão das
influências socializadoras da escola às camadas populares, assim como a transformação do
estilo inoperante do trabalho didático tradicional, sendo esse incompatível com a formação de
personalidades democráticas. Pois, na medida em que o sistema educacional restringe o
acesso dos candidatos a um processo de escolarização de qualidade torna-se inoperante em
relação às mudanças solicitadas, sendo a escola um dos instrumentos de difusão de uma
consciência científica da sociedade e um importante instrumento de mudança social.
Entretanto, a importância da educação como técnica social e as funções que ela chega a
desempenhar na formação da personalidade dependem estreitamente das concepções de
valores em que a mesma está inserida, bem como das condições materiais para sua existência.
111

No caso, basta-nos lembrar que o único nível do ensino que tem atingido
parcelas variáveis, mas extensas das camadas populares é o do ensino
primário. Contudo, os especialistas que se dedicaram à investigação da
escola primária brasileira concluem que ela não produz os efeitos educativos
que seriam desejáveis. Ela opera como agência de evasão nas zonas rurais;
porém nas zonas urbanas, não oferece preparação bastante sólida para a vida
ulterior dos educandos. (FERNANDES, 2008, p.108).

Assim, o caminho percorrido no período em estudo é ainda insuficiente para


estabelecer equilíbrio entre as exigências educacionais do mundo moderno e os meios
organizados pelo Estado republicano para atendê-las de modo satisfatório e eficaz. Tanto o
número de escolas, quanto a qualidade da instrução transmitida se mantêm muito abaixo das
necessidades educacionais prementes como constatado no livro destinado às atas de
promoções e exames dos alunos do Grupo Escolar Dom José Gaspar. As tabelas abaixo
ilustram uma triste realidade das escolas públicas nesse período. O número de alunos
reprovados representa a falta de recursos materiais e humanos (associada à formação dos
professores e à falta de incentivo financeiro à carreira do magistério), tendo como
consequência a evasão escolar.
Os índices de aproveitamento dos alunos apresentados nas tabelas abaixo são um claro
atestado de que o ensino primário não constitui ainda um bem social partilhado em condições
equitativas no Brasil e que será um grande desafio transformar a escola pública em um fator
dinâmico de progresso material e moral de todas as camadas da população brasileira.

Tabela 7: Percentual de alunos aprovados no Grupo Escolar Dom José Gaspar em 1950.
Turma / Professor Alunos Promovidos Não promovidos % de Aprovação
1° Ano Marina Alves 7 24 22%
1° Ano Maria José 2 30 6%
1° Ano Olivia Araujo 10 25 28%
2° Ano Elza Rocha 14 29 32%
2° Ano Gema Araujo 25 11 69%
2° Ana Candida 30 5 85%
3º Maria José 17 33 48%
3 Ano Amélia Pirilo 29 7 80%
Fonte: Livro de Promoção do Grupo Escolar Dom José Gaspar 1946 a 1958.
112

Tabela 8: Percentual de alunos aprovados no Grupo Escolar Dom José Gaspar em 1951.
Turma / Professor Alunos Promovidos Não promovidos % de Aprovação
1° Ano – Terezinha de 22 12 64%
Angelis
1° Ano – Conceição 17 16 51%
Amaral
1° Ano – Eunice Pimenta 5 22 17%
1° Ano – Neme Saliba 0 32 0%
1° Ano – Elnice Alves 19 14 57%
2° Ano – Maria Percilia 8 23 25%
2º Ano – Francisca 17 33 48%
Ferreira
2 Ano – Francisca Ferreira 17 17 50%
2° Ano – Mirtes Andrade 5 32 13%

3° Ano – Maria Verônica 21 17 55%


3° Ano – Inai Portela 28 11 71%

3° Carmem Duarte 9 3 75%

Fonte: Livro de Promoção do Grupo Escolar Dom José Gaspar 1946 a 1958.
Nas tabelas acima selecionamos apenas as três primeiras séries do ensino primário
para que pudéssemos fazer um paralelo entre as duas instituições de ensino em análise.
Enquanto o Grupo Escolar Dom José Gaspar, de certa forma repelia seus alunos, a Escola
Santa Terezinha os atraía (dentro de suas possibilidades financeiras é claro). ―Quando você
tem condição de pagar para receber alguma coisa em troca você é muito mais bem tratado.
Uma professora que tem uma escola particular é preciso fazer o nome dela, para no outro ano
garantir mais alunos‖. (ENTREVISTA 4) Nesse sentido, Vicentina Cendón professora das
duas instituições de ensino em estudo, confirma a diferença do atendimento prestado aos
alunos no processo de alfabetização.

Não eram muitos alunos, eram vinte e poucos em cada sala. Então dava bem
para a gente olhar tudo direitinho. (...) O ensino era individual, tomar as
lições era individual. Não lia junto com todo mundo para ser Global não.
Porque cada aluno tinha um QI, uns mais e outros menos. Então os que
tinham menos eu tomava a lição até ele aprender. Todos os meus alunos
foram alfabetizados. Nunca encostei um aluno porque ele tinha mais
dificuldades. (...) Na Escola Santa Terezinha a gente tinha tempo de olhar o
material de cada um. Onde errava a gente dizia: aqui você errou preste
atenção e corrija! No Grupo, por exemplo, a minha sala não era a melhor.
Minha sala sempre era a pior. Tinha aluno cheio de dificuldades. Quando eu
pegava a folha de matrícula, pois eu já conhecia os alunos de lá, me dava até
tristeza, pois eu pensava: Nossa Senhora meu Deus outra vez esta sala
difícil! Mas eu passava mais de 80% e aquelas professoras das salas
melhores ficavam com raiva, pois eu passava mais alunos de que elas.
(ENTREVISTA 2).
113

A citação acima nos faz refletir sobre as condições do ensino público43 e reforça a
análise realizada no capítulo 2 deste estudo em relação à condição social que estava
intimamente relacionada ao QI desses alunos. Em geral os alunos da Escola Santa Terezinha,
como já apontado anteriormente, provinham de uma população heterogênea que incluía
setores da classe média, profissionais liberais, filhos de trabalhadores urbanos mais bem
inseridos no mercado de trabalho. Enquanto no Grupo Escolar Dom José Gaspar,
principalmente a partir da década de 40, frequentam alunos em sua maioria oriundos das
camadas populares como registrado no livro de matrícula da instituição, ao descrever a
profissão dos pais de tais alunos. Dentre as profissões consta inclusive indigentes, além de
carroceiros, pedreiros, oleiros, marceneiros, e outras profissões associadas às atividades
ferroviárias como guarda-freio, guarda-chave, ferreiro e maquinistas.
Dessa forma, o depoimento da professora Vicentina Cendón nos permite algumas
leituras associadas às relações de conflito entre as duas instituições de ensino. A citação acima
deixa evidente a comparação em relação ao desempenho dos alunos. Em outros momentos
chega a afirmar que a Escola Santa Terezinha sofreu com perseguições por parte dos
representantes do Grupo Escolar Dom José Gaspar.

Alguns eram muito bons. Mas, teve uma época que entrou uma lá para ser
inspetora, nossa! O tanto que ela implicava com a escola. Ela era professora
do Grupo Escolar Dom José Gaspar. Implicar por quê? A escola não estava
prejudicando em nada o Grupo Escolar. Tinha aluno que sofria tudo lá. Não
precisava implicar com os de cá, pois a escola aqui que era pequena.
(ENTREVISTA 2).

Assim, embora as sócias fundadoras, Célia Cendón e Vicentina Cendón, em seus


depoimentos reafirmassem uma relação de conformidade entre as duas instituições de ensino,
ao fazermos a análise dos discursos (inclusive dos ex-alunos) contrapondo com algumas
fontes primárias ficam evidente os conflitos desencadeados em diferentes momentos entre as
duas instituições. Entretanto era necessário manter uma aparente relação harmoniosa, pois as

43
Em nossa análise das práticas escolares do Grupo Escolar de Ibiá, percebemos grande omissão do Estado
referente às condições oferecidas para efetivação dos princípios escolanovistas. Pois, para melhor desempenho
do processo de ensino e aprendizagem, a legislação previa um ambiente escolar cientificamente organizado,
além de material didático apropriado às diferentes disciplinas. Todavia, o que constatamos no Grupo Escolar de
Ibiá foi uma grande carência de recursos físicos e humanos, tais como carteiras, materiais didáticos e outros
materiais para o museu e a horta, além de professores formados. O Estado determinava, via legislação, como
deveriam ser ministradas as aulas para maior qualidade do ensino, mas não proporcionava aos alunos e
professores as condições adequadas de trabalho. (SOUZA, 2010, p. 170).
114

duas instituições se complementavam. Nesse propósito a professora Rosa Cendón aparece


algumas vezes no Livro de Promoções do Grupo Escolar Dom José Gaspar, ora como
paraninfa das turmas, ora como homenageada.

Às 15 horas do dia 26 de novembro de 1950, no edifício no Cine Brasil, foi


realizada mais uma sessão solene a fim de se proceder a entrega dos
diplomas aos alunos de 4ª e 5ª séries do Grupo Escolar Dom José Gaspar.
Tomou a presidência da mesma o Sr Juiz de Direito Dr. José da Costa
Carvalho, sendo paraninfo da turma o Sr. Dr. Pedro Dias. Procedem-se a
composição da mesa e a convite do Sr. Juiz de Direito foram convidados
para tomar parte os seguintes membros: Paraninfo Dr. Pedro Dias, Sr.
Promotor Dr. Gabriel Barbosa de Andrade, Sr. vice-prefeito Arlindo
Carrazza, Rev. Pe. Olímpio Oliviere, Sr. Tenente Sebastião pinheiro de
Souza, Sr. Luiz Gotlibe, orador popular, Sr. Rosa Cendón, diretora da Escola
Santa Terezinha, diretora do estabelecimento, Anáide Faria Oliveira. (...)
(MINAS GERAIS, 1950, p. 18).

O documento é bastante significativo dentro do universo simbólico dessa sociedade,


pois o mesmo comprova que a Escola Santa Terezinha dividia com o Grupo Escolar Dom
José Gaspar, juntamente com outras instâncias do poder, o espaço que lhe conferia uma
posição privilegiada. Contudo, quando questionadas se a Escola recebia algum subsídio do
Estado as sócias fundadoras da Escola Santa Terezinha afirmam veementemente que não44.
Entretanto, encontramos em meio aos registros da escola documentos, como o exposto abaixo
que confrontam com tal afirmação.

44
Nesse período em cenário nacional os defensores das escolas particulares argumentavam que para agir
democraticamente o Estado deveria distribuir com equidade a parcela de seus recursos destinados à educação,
beneficiando por igual a escola particular e a escola pública, considerando-se que todos contribuem para as
rendas do Estado e somente os frequentadores da escola pública se valem do direito.
115

Figura 14: Documento da Escola Santa Terezinha (1958)


Fonte: Acervo particular Célia Cendón, 2010.

Chegamos ao final desse capítulo com a sensação de que enquanto no plano nacional o
debate político-ideológico entre a iniciativa de ensino público e privado se acirrava no final da
década de 50, no universo local podemos intuir que o acordo firmado entre a Escola Santa
Terezinha e o Grupo Escolar Dom José Gaspar reflete a política clientelista do Brasil. De
forma que essas duas instituições de ensino, antagônicas em sua essência, se integram
configurando ora uma relação de conflito ora de complementaridade.
116

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como apontado no decorrer deste trabalho, no final da década de 40 em razão dos


esforços de retomada dos processos de democratização do país, impulsionados pela ideologia
do nacional-desenvolvimentismo, a consciência dos efeitos sociais da educação presente no
pensamento intelectual brasileiro encontra condições favoráveis de amplificação envolvendo
vários setores da sociedade civil. Assim, a criação da escola particular Santa Teresinha reflete
as condições de desenvolvimento da sociedade ibiaense naquele momento histórico, pois
mesmo opostas as classes sociais, estivessem essas a favor do ensino privado ou não, lutavam
em defesa de escolas que atendessem aos interesses do Estado liberal. Nesse sentido, nossa
pesquisa se ancora numa reflexão crítica sobre a produção histórica contemporânea, de forma
que fatos aparentemente anedóticos45 nos permitiram entender uma realidade mais profunda.
Nessa perspectiva, nosso estudo partiu do princípio de que as realidades são política,
econômica e sócio-culturalmente construídas numa intricada teia de relações e atividades
humanas. Dessa forma, buscamos compreender o processo de escolarização no Brasil,
particularmente nos rincões das Gerais, como parte integrante da sociedade formada no
período delimitado entre os anos de 1937 a 1959. Constatamos que nesse período a
indefinição do caráter educador do Estado emergia com particular relevância, proclamando a
liberdade das instituições de ensino, sendo elas públicas ou particulares. Nosso desafio foi
compreender como e em que circunstâncias ocorreram o intercâmbio entre o ensino público e
privado no município de Ibiá.
Extraímos do contexto histórico as razões gerais que permitiriam explicar situações
particulares, atentando para as diferenças que se encontram atrás das aparentes semelhanças.
Procuramos fazer uma leitura menos tendenciosa da realidade, de forma que a problematização
do objeto se configurasse no transcorrer da pesquisa. Para tal, foi necessário olhar o todo e as
partes ao mesmo tempo, para não perder o sentido real do fenômeno a ser compreendido.
Verificamos no período em apreço, que o Estado não poderia permanecer alheio aos
interesses relacionados ao ensino. A educação era importante ao progresso do país, por isso
deveria ser alvo de reformas significativas para o seu desenvolvimento. Contudo, cabia ao
Estado aplicar os investimentos necessários no ensino nacional. Mas, como vimos a educação
pública em Minas possuía inúmeros problemas, como a inexistência de prédios escolares em

45
Mediante análise do discurso dos depoentes.
117

muitas localidades, assim como a falta de recursos e de profissionais qualificados para o


ensino nas instituições educacionais existentes, como no Grupo Escolar Dom José Gaspar em
Ibiá.
Todavia, a movimentação da campanha em defesa da escola pública representou a
união de muitos intelectuais em prol de uma causa considerada importante para toda a
população brasileira. Eles acreditavam que a denominada educação democrática, estabelecida
pelo viés, sobretudo do ensino público, contribuiria especialmente com a classe popular, que
mais necessitava dos benefícios da educação em sua formação para a vida em sociedade. Não
obstante, surge outro movimento no sentido de defender o princípio da liberdade de ensino, e
condenar, consequentemente, a interferência estatal no setor da instrução. Entretanto, a
questão não residia na escolha do tipo de escola, pública ou privada, mas sim na possibilidade
financeira de assegurar à criança seu direito à educação, de maneira que esse se transformasse
num direito efetivo.
Como analisado no transcorrer do trabalho, o Estado ao invés de criar uma rede densa
de escolas em termos quantitativos e qualitativos cuida apenas da fiscalização e do registro
dos diplomas, como observado nos documentos do Grupo Escolar Dom José Gaspar. Assim
toda vez que a mão pesada do Estado não ocupa os espaços sociais de construção de equidade
por meio de políticas públicas e cortes universalistas a mão não invisível e não menos pesada
do mercado entra, ocupa e insere sua lógica de funcionamento transformando a educação em
mercadoria e os estudantes em clientes. Nesse contexto, emerge a iniciativa privada, e mesmo
pensadores como Antônio de Almeida Júnior que esteve ao lado dos que defenderam um
ensino de caráter público de qualidade, se unindo aos que trabalharam em prol da educação e
de sua organização, pelo víeis da expansão e qualidade do ensino público, chega a afirmar
que,

Reafirmo neste momento minha homenagem às boas escolas particulares


brasileiras – brasileiras e democráticas; - às escolas particulares que vêm
educando as novas gerações deste país, preocupadas essencialmente com que
se eleve o nível cultural e econômico de nossa população e se fortaleçam
cada vez mais no Brasil, os velhos ideais – velhos, sim, mas sempre
renovados – de unidade nacional e de solidariedade humana. Evidentemente,
não é a estas escolas por todos os títulos credores de nosso respeito, que nos
referimos quando procuramos pôr em destaque os vícios da rede escolar
privada que pretende asfixiar a escola pública e apoderar-se do seu espólio;
dessa rede escolar (sui generis) que, para justificar-se por andar a pedir
subvenções, alega sua qualidade de órgão de um serviço público; mas,
118

quando a convidam a cumprir a Constituição Nacional e a colocar-se à altura


da missão que a lei máxima lhe atribui esquiva-se, cruza os braços, adia
indefinidamente, e, reclamando imunidades de um estado soberano
enquistado dentro da nação, refugia-se no derradeiro argumento de que
recebeu seu mandato diretamente da família. (JUNIOR, 1960, p. 131).

Antônio de Almeida Júnior não questiona o direito constitucionalmente consagrado da


livre iniciativa no setor do ensino, e nem tampouco os intelectuais em defesa da escola
pública pretendem impedir a expansão da rede de escolas particulares. Mas também ninguém,
sem interesses outros que não sejam os do povo e do próprio ensino, poderá concordar que o
desenvolvimento da instrução privada se faça à custa do sacrifício do sistema da escola
pública. Contudo, mediante ausência do Estado e à própria força numérica das escolas
privadas principalmente confessionais do país, evidentemente ocorrerá a limitação do alcance
da iniciativa púbica. Assim, a iniciativa privada foi sendo reconhecida e amparada pela
legislação, como no desfecho da primeira LDB em 1961, colhendo contínuos benefícios,
legais e até ilegais, dos poderes públicos, da isenção tributária a favores diretos, na doação de
terrenos, de equipamentos e de recursos ou com subvenções de várias espécies.
Mediante análise do quadro apresentado acima, iniciamos nosso estudo partindo do
contexto histórico nacional e no decorrer do trabalho tentamos insistentemente estabelecer
uma relação dialógica com nosso objeto de pesquisa. Buscamos compreender os fatos que
configuraram a educação na época delimitada, evidenciando os padrões de relacionamento e
semelhanças entre o ensino primário público e privado. Reforçamos sempre que possível que
a educação é parte significativa de uma totalidade maior, que reflete determinada formação
social e abrange aspectos políticos, econômicos e socioculturais.
De forma que, ao captarmos os movimentos políticos, econômicos e socioculturais que
impulsionaram as mudanças educacionais desse período, foi-nos permitido avaliar, também,
com base nas fontes documentais, orais e iconográficas, o significado da educação para a
sociedade ibiaense. Mediante tais fontes percebemos que em cada época histórica as relações e
os valores se alteram em função das particularidades e dos interesses de cada indivíduo com
base em suas diferentes posições sociais. Assim, os sujeitos históricos que estão envolvidos na
trama da escola refletem os condicionamentos políticos e socioeconômicos, mas ao mesmo
tempo atuam de forma ativa apesar de nem sempre consciente, dentro das estruturas que os
condicionam como pudemos constatar através das entrevistas de Célia Cendón e Vicentina
Cendón, sócias fundadoras da Escola Santa Terezinha.
119

No decorrer do trabalho analisamos as transformações didático-pedagógicas e político-


econômicas com base no contexto de ascensão da burguesia capitalista e na gênese do
desenvolvimento industrial brasileiro, que desencadeia a expansão do ensino em todo o país,
particularmente em Minas Gerais. Não obstante, nas lutas pela formação e desenvolvimento
do Estado moderno e, consequentemente, pela disseminação do processo de escolarização, o
laicismo na educação acompanhou a democratização progressiva das instituições de ensino. O
laicismo se transformou na filosofia política do Estado moderno, de tendência democrática,
pelo fato fundamental de ser ele a base racional e empírica em que se pôde fundamentar a
liberdade de consciência, de pesquisa e ensino. Contudo, constatamos ao analisar as práticas
da Escola Santa Terezinha e do Grupo Escolar Dom José Gaspar, que o que era materializado
na prática não estava coerente com a proposta de um Estado laico. Em diferentes momentos o
próprio Estado criou brechas na legislação para que fosse possível um arranjo entre a Igreja
Católica e o processo de escolarização no Brasil. Apesar do Estado afirmar a necessidade de
organização científica da sociedade, ou seja, da crescente racionalização das atividades
produtivas, associava a esse mundo moderno a necessidade de moralizar as ações do povo
brasileiro, como analisado no capítulo terceiro desse trabalho.
Chegamos ao final desse estudo convictos de que ao relacionarmos o contexto macro
com o micro, e vice-versa, nossa pesquisa torna-se proeminente à medida que acena para as
relações entre o ensino público e privado no Brasil, num contexto em que ocorre o processo
de disseminação da escolarização no país. Nesse aspecto, intuímos que antes de ser uma
condição, a escolarização é uma medida de caráter sócio-cultural, sendo necessário inserir a
escola na cultura e na sociedade de que é parte. Assim, ao colocar em evidência o município
de Ibiá, com a criação da Escola Santa Terezinha associando as diferentes formas de
representação e apropriação dos sujeitos históricos no processo de escolarização, dentro do
contexto das décadas de 1940 e 1950, pudemos avaliar em que medida ocorreram as relações
entre a iniciativa de ensino pública e privada, in lócus.
As filhas de Francisco Cendón e Leopoldina Mendes Cendón criaram a Escola Santa
Teresinha em 1937, sendo essa circunvizinha ao Grupo Escolar, convivendo no mesmo
espaço urbano, na praça central do município de Ibiá. Inicialmente com as primeiras
normalistas da cidade, Rosa Cendón e Célia Cendón, e a partir de 1940, Maria José Cendón e
Vicentina Cendón, essas irmãs fizeram da educação mais que uma fonte de renda, forjaram
valores em duas gerações da sociedade ibiaense. Conforme o Livro de Matrícula 2660 alunos
120

passaram pela Escola Santa Teresinha, em sua vigência de 1937 a 1975, número bastante
significativo se considerarmos a população do município nesse período.

Até a presente data, por descuido de nossas lideranças atuais e passadas, não
existe em nossa cidade sequer uma solitária placa em homenagem às
pioneiras do ensino básico em Ibiá. Porém, existe em abundância muito
carinho e gratidão de centenas e centenas de ex-alunos, espalhados por todo
o Brasil. Uma prova concreta foi dada por um ex-aluno Dr.Wylson Borja,
advogado e um dos mais bem sucedidos empresários no setor imobiliário de
Belo Horizonte. O Dr. Wylson Borja ao lotear uma grande área de sua
propriedade na capital do Estado, onde hoje é um aprazível bairro
residencial, fez questão de denominar a rua principal do local com o nome
de PROFESSORA ROSA CENDÓN. (MENDES, 1999, p.194).

Com a Escola Santa Terezinha o Grupo Escolar de Ibiá manteve uma relação muito
íntima, pois, à medida que a escola pública não consegue atender às expectativas de
alfabetização de boa parte da população ibiaense, entra em cena a iniciativa privada. De forma
que a escola Santa Terezinha só oferecia os três primeiros anos do ensino primário, ou seja, a
escola particular preparava os alunos, mas era a iniciativa pública que detinha o mérito de
diplomá-los. Todavia, tais instituições de ensino desfrutavam do mesmo espaço privilegiado,
mesmo status dentro da sociedade ibiaense. As duas instituições de ensino se
complementavam, mas, em diferentes momentos desenvolveram relações de conflito. Então,
chegamos à conclusão de que mesmo no cenário nacional estivessem ocorrendo constantes
debates entre a iniciativa pública e a iniciativa privada, no município de Ibiá a Escola Santa
Terezinha desenvolvia com o Grupo Escolar Dom José Gaspar, ora uma relação de conflito,
ora de complementaridade.
Vale ressaltar que não tivemos a intenção de esgotar a temática apresentada como
proposta de estudo e pesquisa na introdução deste trabalho, apenas levantamos alguns pontos
que poderão ser discutidos em outros momentos ou por outros pesquisadores. Nossa pretensão
foi instaurar o debate entre as possíveis relações do ensino público e privado entre as décadas
de 40 e 50, lembrando que tal temática perpassa toda a História da Educação no Brasil.
121

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Dom José Gaspar, 26 de novembro de 1950. Ibiá, 1950, livro 2.

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Escolar: Grupo Escolar Dom José Gaspar, realizada no dia 02 de abril de 1959. Ibiá, 1959,
livro 1.
127

APÊNDICES

Entrevista 1: realizada em 18 de dezembro de 2010 com Célia Cendón sócio-fundadora


da Escola Santa Terezinha.

Fale um pouco de sua formação inicial.


Quando nós viemos para esta região entramos em uma escola pública da época. As
escolas públicas da época eram para os mais ricos, no caso os fazendeiros. Compravam uma
casa e adaptavam para que as crianças pudessem estudar ali. Nesta época já havia em Ibiá 2
casas, ou melhor 3 casas, havia um Senhor que ensinava os meninos e mais duas senhoras. Aí
eu fiz do segundo ano para frente, pois aprendi a ler com minha mãe.
A Senhora sabe me dizer o nome dos professores dessa época?
Um deles foi até homenageado, ali acima da antiga prefeitura, tem uma biblioteca,
Eduardo Afonso de Castro, que foi homenageado aqui dando seu nome à biblioteca
municipal.
Que tipo de escola a Senhora frequentou, diurna, pública, privada, de qualidade? E
o que a Senhora achava da Escola?
A gente sempre foi assim pra frente. Mas naquela época não tinha professor direito. É
nem professor a gente não tinha, eram pessoas de boa vontade.
A Senhora se lembra de sua primeira professora?
Sim. Dona Hercília. Tem uma escola lá do outro lado que fizeram homenagem à
primeira professora que trouxeram para cá, tinha o apelido de Tatá. Escola Municipal Dona
Tatá. Esta foi professora da minha mãe. Depois lá para os anos de 1930 veio o professor
Sílvio Braga de Araújo, que alugou uma casa aqui vizinho da minha. Ele fundou um
coleginho, o Colégio São Vicente de Paulo, foram 4 anos.
Era uma escola só para meninos?
Não, era mista, masculino e feminino. Preparavam para o exame de admissão ao
Ginásio. Silvio Braga de Araujo casou com uma prima minha. Ele era bom professor. Novo
tinha 24 anos.
A Senhora estudou no Grupo Dom José Gaspar?
Não chegou um ano. Quando eu fazia a 3ª, a gente falava 3º ano, não era série.
Estudava numa casa que era adaptada. O grupo ficou pronto depois. Então nós encontramos o
128

Grupo novinho. Esse é o melhor de Ibiá, viu! Depois não fizeram outro melhor do que este
não.
Então nós passamos para lá. Ajudamos a carregar as carteiras, felizes! O grupo
novinho, muito bem construído, janelas grandes. Foi motivo de felicidade passar estudar no
Grupo. E todo mundo quer saber por que se chama Dom José Gaspar? É porque Dom José
Gaspar era um filho de Araxá e chegou aqui Arcebispo de São Paulo. Uma irmã dele até
lecionou aqui, um ano ou dois. Mas, infelizmente quando ele estava muito bem lá em São
Paulo, como Arcebispo, ele foi dar uma volta de avião sobre a cidade e o avião descontrolou,
caiu e ele faleceu neste acidente, novo ainda e querido lá em São Paulo.
A partir de que momento o Grupo passou a se chamar Grupo Dom José Gaspar?
A data não me lembro.
Houve alguma festividade, algo diferente para esta mudança?
Não, é porque o Grupo estava sem nome mesmo. Aconteceu que este acidente abalou
muito não só São Paulo, como Araxá que era a terra dele, como Ibiá que é pertinho né.
Nos documentos que estive analisando cita Agar, na biografia do Dom José Gaspar,
Agar era Irmã de Dom José Gaspar. Será que não foi por este motivo que foi feita a
homenagem?
Não, a Agar, esteve aqui. Ela chegou a lecionar, trabalhou no Grupo. Ela ficou até na
casa da minha mãe. Ela precisava ficar em uma casa de família, minha mãe então ofereceu
para ela ficar conosco.
Ela ficou quanto tempo em Ibiá?
Muito pouco tempo. Porque depois na sequência foi para Araxá, voltou para a casa
dela. Ela deve estar aposentada agora. Ela deve ser uma religiosa lá, uma pessoa boa.
Hoje ela estaria com quantos anos?
Não sei, por que nesta época eu já tinha saído de Ibiá, porque aqui não tinha colégio
de freiras e eu tinha, nós, eu (Célia) e a Rosinha tínhamos uns parentes, muito influentes lá em
Formiga. Tinha um ministro da educação e cultura de Getúlio Vargas, o ministro chamava-se
Washington Ferreira Pires, este ministro criou uma Escola Federal lá em Formiga. É por isso,
na qualidade de ministro foi uma ótima escola! Ela era filial do Instituto de Educação de Belo
Horizonte. Os fiscais eram de lá, os professores eram de lá. Então como eu tinha estes
parentes em Formiga, me chamaram: - ―Ô vem para aqui para Formiga para você fazer o
curso que você quer, sei que você já passou no primário‖. Então a gente foi para Formiga pra
estudar em uma escola muito boa. Então nós fomos, fizemos o Curso Normal lá.
129

Então após o curso primário concluído aqui em Ibiá a Senhora fez o curso em
Formigas?
Numa Escola Federal muito boa!
Quais as disciplinas a Senhora considerava mais importantes no curso normal?
Pra mim que gosto desse assunto foi metodologia do ensino e psicologia, mas infantil.
Tanto que quando formei eu tinha 17 anos, formei em novembro, aí tive que defender uma
tese. Então eu achei tranquilo da minha parte, eu escolhi o tema: Diferenças individuais,
influências do meio e da hereditariedade.
A Senhora tem algum registro desta época?
Eu tenho, está tudo nessa lambança aí.
Vê-se que para uma pessoa de 17 anos, falar sobre isso, o crescimento mental da
criança. É porque quando eu estudava, esse tema passou pela professora de psicologia:
crescimento mental da criança. Influencia do meio e da hereditariedade é um tema meio
complicado. A banca examinadora era composta de médicos, em Formiga para compor o
corpo docente da escola eles chamavam pessoas de lá mesmo, médicos, engenheiros, estas
pessoas que têm curso superior. Então na banca examinadora, o dia que fui fazer a minha
defesa dessa tese fiquei muito devotada. Eles fizeram perguntas, eu já tinha lido muito sobre o
assunto, e fui respondendo. Depois eles fizeram uma rodinha e ficaram discutindo o tema:
―não, eu acho que a hereditariedade tem muito mais força sobre a formação mental
psicológica da pessoa.‖, outro médico de lá, ―não eu acho que o meio‖. É um tema instigante!
Como era o procedimento metodológico das aulas?
Tinha que ser teórico e prático porque naquele tempo estava em grande, grande,
conversa a Escola Nova, que é a escola justamente contra a escola antiga do soletração. E a
Escola Nova era assim, era pra traz, começa da história, fazia o pré-livro (contar a história dos
três porquinhos, por exemplo). O pré-livro chamava Método Global e justamente pra ir contra
aquele método que aprendia a letra e depois falava, ―B, A, Bá‖ ―L, A, Lá‖, chegaram à
conclusão que falar o nome da letra não altera no falar. O que manda é a sílaba, método
silábico. Tanto que sou pessoalmente, muito mais o método silábico, mais prático do que o
método global de Erik Day, Anita, Claparred, Dewey, Pedro Nandon, é ate hoje ele é adotado
nas escolas.
Ele era considerado o método Ativo?
Ativo. E era obrigado a ministrar para os meninos, porque na Escola Normal de
Formiga tinha o curso do 4° ano primário que era um curso que a professora que estava
130

estudando tinha que dar aula. Para aprender a dar aula. Clamava-se escola anexa. Você vê que
a gente estudava e lecionava.
A Senhora chegou a lecionar?
Lecionei uai, todas eram obrigadas. A gente sabia quase tudo de prática, o método
novo que estava aprendendo. O método global é assim, pega um livro o pré-livro que
chamava, e decora a história: ―Era uma vez os três porquinhos: o primeiro porquinho
chamava‖ e decorava a história inteirinha, tudo decoreba e depois (...) Da um trabalho pra
gente! Porque depois a gente escrevia a frase na cartolina: ―Era uma vez os três porquinhos‖ ,
e escrevia aquilo em cartolina e recortava, levava aquilo tudo esparramado para os meninos, e
os meninos levavam tesourinhas para depois transformar aquelas frases em palavras. Andando
tudo pra traz. E perguntava para o menino: ―Ô menino onde é que está aí a palavra ―Era‖ e o
menino ia com a tesourinha, ficava aquela bagunça de tesourinha, pedacinhos de papel. Não
dava.
Como eram repassados os conteúdos e as orientações das aulas?
Ué, pela própria aula. A professora dava aula. Eu por exemplo, não estudei taquigrafia
não. Mas eu fazia, ouvia a professora e ia tomando nota num caderno, só com as palavras, e
eu fazia um resumo. Chegava em casa eu tinha aquilo tudo né. Tinha amigas que falavam:
―Célia, eu posso estudar com você?‖ e ai a gente recordava tudo.
Como aconteceu a sua decisão de ser professora? Em que momento?
Não, não teve um estouro de momento não. É que naquele tempo não tinha outra
opção pra as moças da roça não.
Era uma profissão que dava um certo status e prestígio?
Ah, dava, dava e infelizmente não dá mais.
Em que período a Senhora trabalhou como professora primária?
Sempre, sempre. Não era considerado primário um curso que nós fundamos, chamado
curso de admissão ao ginásio. Porque aqui não tinha ginásio e mas tinha o colégio para as
moças. E as moças começaram a ficar mais cultas que os homens. Mas, quem tinha dinheiro
para pagar ia para Patrocínio, Araxá, ou Formiga onde nós estudamos. Então nós fundamos
um curso de admissão ao ginásio, porque aí preparava a turma que podia pagar o internato.
Este curso de admissão veio junto com a escola primária Santa Terezinha?
Este curso de admissão ele foi criado pelo instituto de educação o MEC, não podia
entrar no ginásio sem o curso de admissão. É igualzinho hoje, não se pode entrar na
faculdade, sem fazer o exame vestibular. Era uma espécie de vestibular.
131

Mas quando a Senhora concluiu o curso Normal a senhora saiu de Formiga e veio
para Ibiá e aqui junto com as suas irmãs fundaram a Escola Santa Terezinha. Como
ocorreu isto?
Ocorreu assim, nós eramos as mais velhas, a Rosinha e eu, acontece que éramos sete
irmãos e tínhamos que educar os outros. No ano que eu formei as Irmãs francesas fundaram o
Colégio Normal São José. Então nós terminamos o curso Normal em novembro (Célia e
Rosa). Quando chegou janeiro nós pensamos assim: Vamos dar umas aulas de reforço.
Aproveitar as férias e ganhar um dinheirinho, como escola particular. Porque nós víamos as
mães queixando: ―ah, meu menino já está a dois anos no grupo e não sabe ler. As mães
viviam se queixando. Então nós pensamos em dar aula de reforço, foi em janeiro ainda não
tinha começado as aulas. Nós não tínhamos sala de aula nem nada. Desocupamos um quarto,
e os meninos começaram a chegar nas férias, um menino, outra menina. Um estava no 1° ano
a outra no 3°, a outra estava no 2° ; esta e a verdadeira fundação da Escola Santa Terezinha.
Porque nesses dois meses de intervalo a gente deu aula de reforço e os meninos tiveram uma
melhora de 100%. Excelente! E aquilo correu a cidade era pequenininha.
Quantos habitantes?
Muito menos que a metade. Menos de 10 mil pessoas. Então isso aí não há como
negar. A conversa de boca em boca.
E a questão legal, como ocorreu a regularização da escola Santa Terezinha?
Quando começaram as aulas, então as crianças que fizeram o reforço contou para a
vizinhança inteira. E as mães diziam: ―Põe lá na Dona Rosinha, vê como meu menino está, a
letrinha dele está uma beleza, olha ele já está lendo, fazendo continha. E pronto e isto
esparramou. Quando chegou o dia primeiro de fevereiro que ia começar as aulas, nós
recebemos aquele punhado de meninos.
Como era nomeado um diretor de uma escola particular?
Não, não era nomeado. Ele não era nomeado, ele era autônomo.
Mas na questão legal como funcionava?
Pois é, isto pra frente eu vou falar. Era autônomo, não existia, INSS, INPS, aqui antes
de nós já teve um professor particular. Muito bom! Então nós somos autônomos. O professor
era um professor bom. Era uma pessoa querida, estimada do povo. Não tinha esta falta de
respeito que existe hoje. Primeiro que nós tínhamos diploma. As outras não tinham! Fomos as
primeiras normalistas de Ibiá.
132

Por que não foram chamadas para trabalhar no Grupo Escolar?


É porque com a nossa escola nós ganhávamos mais que as professoras do Grupo. A
questão era o dinheiro. Então não teve um dia de começar a escola. Quem fundou a escola foi
a sociedade. Ela que nos elegeu.
Então foi necessário arrumar a casa direito. Meu pai ajudou: ―Não eu faço assim, eu
abro aquela porta para caber estes vinte e cinco alunos‖. Eu estou te contando esta história que
começou em janeiro. Tem coisas assim, esta escola modesta que começou deste jeito durou 39
anos.
Por que o nome Santa Terezinha?
Porque Santa Terezinha que é uma santa francesa, ela foi canonizada com 24 anos,
morreu com 24 anos. Ela foi canonizada novinha de tanta santidade. Ela morreu de
tuberculose com 24 anos. Então ficou uma Santa muito querida. Toda criança que nascia eles
colocavam o nome de Terezinha. A gente tinha em casa a novena de Santa Terezinha. Levava
a imagem e rezava. Então a Santa Terezinha era a santa do momento. Ela foi canonizada em
1925, nós começamos a escola em 1937.
Quantas professoras passaram pela escola Santa Terezinha?
Era uma escola familiar. Uma vez teve uma amiga nossa que falou assim: ―Célia você
podia me dar uma classe na sua escola?‖. Mas, eu resolvi que seriamos só nós. A Zifinha
formou no Colégio Normal São José e veio lecionar, depois a Vicentina. Nós tínhamos uma
maneira de ensino pessoal. Se pegássemos outras pessoas estranhas e depois ?
A escola tinha uma metodologia própria?
Era uma escola moderna.
Como a senhora preparava suas aulas?
Não preparava muito não. Sabe por quê? Porque na escola pública você tem que fazer
a preparação, tem que apresentar pras diretoras e aqui eram duas irmãs. Então a gente não
tinha essas coisas.
Mas o Estado não realizava inspeção nas escolas particulares?
No princípio não, não era exigido. Nem era exigido do ensino público que
inspecionasse as escolas particulares. Mas porque existiam as circunscrições, que é como se
fosse as superintendências de hoje, eu acabei colocando todo registro da escola nos livros que
estão aí. Arrumei advogado, fui a Belo Horizonte e regularizei a situação da escola.
A Senhora tem todos estes documentos arquivados?
Sim. Livro de matricula, atas, livro de promoções.
133

Por que a Escola Santa Terezinha parou de funcionar?


Porque, quando começou a existir o INSS, nós matriculamos no INSS como
autônomas e começamos a pagar INSS. Então nós já tínhamos idade fomos no corretor e
fechamos a escola.
A senhora lembra-se dos livros mais usados para ministrar as aulas?
Os livros da época né: Leitura, Terra Mineira. A princípio a gente começou adotando
alguns que tinham nas livrarias daqui. Mas depois foram aparecendo outros livros melhores:
―As mais lindas estórias‖, eu nem sei quem era mais o autor. Está tudo guardado lá em baixo
na biblioteca, um tanto de livro da escola, que foram utilizados na escola.
Eu fazia todas as Atas, aqui no Livro de Promoção consta a assinatura do inspetor
escolar. Aqui está assinado Miguel Teixeira da Silva. Eu chamava o Inspetor escolar sim.
Existia um único inspetor escolar para todas as escolas.
Este era um inspetor escolar do Estado?
É do Estado. Isso aí é tudo legal. Aí estão as notas dos alunos, com assinatura do
professor e do inspetor escolar.
Foi sempre o mesmo inspetor?
Não, não, o estado que nomeava. Era o mesmo inspetor de toda a rede, todas as
escolas públicas e particulares.
Havia alguma outra escola particular primária em Ibiá?
Não, naquele tempo não tinha não. Teve uma, que eu até fui aluna dele, Silva Braga de
Araujo. Mas ele não morava aqui não, depois até casou com nossa prima, acabou mudando
para Monte Carmelo.
Quarenta anos de História! Tudo registrado! Tudo registrado! Você vai passar folha
por folha, aí tem alguns alunos que já foi até presidente do Tribunal Regional do Trabalho em
São Paulo. Tem muita gente importante! Tem um dentista, ele era de Itauna, então com a
fama da escola através dos meninos que tiravam o primeiro lugar no ginásio fora daqui este
dentista trouxe um sobrinho lá de Itaúna para estudar aqui. Agora olha no final do livro, olha
a data aí.
A escola sempre funcionou nesse prédio?
Sempre funcionou nessa casa. Depois quando não coube nesta sala aqui, papai fez três
salas aí em baixo. Eles entravam no portão onde tem hoje a garagem. Foi assim à medida que
vinham mais alunos a gente aumenta o espaço.
134

A Rosa foi diretora durante 8 anos, depois ela cansou e o meu irmão que fundou a
USIMINAS, você conhece a USIMINAS, já ouvi falar? A melhor siderúrgica do Brasil. Então
meu irmão fez parte da USIMINAS e ficou lá até aposentar. Então minha irmã que ajudou a
fundar a escola ficou cansada. Meu irmão Pedro Cendón já tinha escritório, então ele falou vai
trabalhar no meu escritório lá em Belo Horizonte, então ela deixou a escola.
Em 1938 já foram 70 alunos, mais que o dobro. Então foi tendo que arrumar
acomodação para os alunos. Mas isso tudo porque a escola era boa!
A Escola Santa Terezinha não foi uma concorrente para o Grupo Escolar?
Não, isso não, por que aqui era nessa base, particular e lá era público. Muitos pais ao
invés de levar para lá, trazia para cá.
De que classe social era a maioria dos alunos?
Eram filhos de juízes, médicos, agiotas, ferroviários, coitadinhos.
Então vieram uns da roça dizendo que ouviu falar que a escola era muito boa e
queriam colocar seus filhos aqui. Perfeitamente! Nós aceitamos. Mas, disseram: ―só queria lhe
pedir uma coisa, pra não ensinar duas coisas pra eles. Eu não quero que ensine ―o virundum e
nem o desce levanta‖. Pensei meu Deus do céu o que será isso. O virundum era o Hino
Nacional e o desce levanta era a Educação Física.
Eu era secretaria e anotava tudo. Observa só como em 1940 aumentou
consideravelmente o número de alunos (livro de matrícula), foram construídas duas salas em
terreno anexo. Em 1946 Vicentina se tornou normalista. Era uma Escola da Família, eles
falam assim a Família Cendón. Cendón é do meu pai que formou família com uma das
famílias mais antigas daqui, da minha mãe. Mas o meu pai puxou mais, porque quando a
gente começou a aprender a ler e tudo, quando ele mandava assinar puxava mais pro nome
dele. É porque o nome dele é que é menos comum. E a gente ficou mais conhecida por
Cendón.
Nós tínhamos até 5º ano porque não tinha Ginásio aqui. Tinha que parar de estudar ou
mandar os meninos pra fora. E naquele tempo ninguém entrava no Ginásio, qualquer Ginásio
de Minas Gerais e do Brasil, sem prestar uma espécie de vestibular, que se chamava de exame
de admissão ao Ginásio. Esse exame de admissão ao Ginásio ministrávamos muito bem!
Constavam de cinco matérias: Português, Matemática, História, Geografia e Ciências.
Ciências é claro que elementar, Química, Física e etc. Se você não passasse no exame de
admissão nenhum Estado ou Colégio da época não matriculava você no primeiro ano ginasial.
135

Aí, tinha que fazer. Igualzinho hoje no curso superior. Hoje não tem isso mais, hoje tem gente
que passa colando.
Como a Senhora mantinha a disciplina da turma em sala de aula?
Não dava castigo, mas tinha que obedecer. A disciplina, uma coisa que eu não tenho é
falsa modéstia, disciplina a gente impõe.
Aqui (Livro de Matrícula) por exemplo Moema Borja, Esquema Borja, Irajá Borja,
vinha era assim, Carvalho, Carvalho, Carvalho, os irmãos todos. Vinham a maioria das
fazendas. A boa Escola é a que tem bons professores!
Mas o que a Senhora considerava importante ensinar para os alunos?
Civilidade, civilidade, começa por aí. Ninguém podia gritar na aula. Começa cedo se a
professora grita os alunos gritam junto, não. É a professora falando baixo, os alunos
conversando normal. Eu me lembro da minha irmã Rosinha, os meninos vinham lá da fazenda
e menino da fazenda fala auto, porque vai chamar o outro no fundo da horta: ―Ô Joaquim!
Então chegava falando auto e chegava à sala de aula Ôooo Dona Rosinha! Ela baixava a voz
para ensiná-lo a fala assim. E ela respondia assim baixinho, não meu filho aqui na sala você
não precisa falar gritado não. Você pode me chamar se você quiser, mas chama baixinho. É
assim que se ensina disciplina.
E ainda ensinávamos catecismo e íamos à missa com eles no domingo. E
preparávamos para a primeira comunhão. Eu tenho uma caixinha aí cheiinha de retratos. Mas,
recebíamos crianças de todas as religiões, havia muitos protestantes.
Olha esta é uma turma de primeira comunhão. Chegava pra gente as mães que eram
protestantes e falavam: ―Dona Rosinha eu quero falar uma coisa pra senhora, na hora que for
ensino religioso, a senhora coloca o meu menino pra fora da sala de aula. Pois não dona
Maria. Aí eu fala, pro Zezinho filho da dona Maria: ―Zezinho pode brincar lá fora‖, aí ele
brincava sem atrapalhar a aula, brincava sem gritar. A gente falava pra eles, porque tinha
vizinhos, não podia gritar se atormentava a vizinhança. Os meninos eram meninos puros e
sábios.
Existiam momentos de recreação?
Tinham, todo dia. Depois de comer a merenda, vai brincar. Aqui não tinha muito
espaço pra correr. Tinha alunos que sentavam no quintal era arborizado. Então os meninos
brincavam de tudo quanto é coisa. Brincavam de contar estória ou então pedia a professora
pra contar. Tinha uma padaria aqui, padaria do Robão, então eles pediam pra gente comprar
muitas coisas.
136

Eles traziam o lanche de casa?


Sim. A escola era particular e a gente também não aguentava né!
Tinha um material específico? O livro didático era adotado?
Os livros didáticos eram comprados pelos alunos, cada um trazia o seu.
Nossa escola era assim. Não tinha muito caderno não. O primário era um caderno
comum, e um de desenho. Tinha um que era só continha como dizia os meninos. Aquele que
estava começando tinha um só para a escrita. E aprendia muito! Aprendia muito com pouca
coisa. Hoje eu acho um exagero. Os alunos do colégio passam aqui, com uma mochila cheia
de coisas.
Qual era a importância dada à educação nesta época?
Aí depende dos pais. Porque às vezes o pai queria dar uma educação, mas não era
possível.
O que era ser uma boa professora?
Ser uma pessoa de caráter, tem que ter formação de caráter. É um conjunto de
qualidades.
O que significou para senhora ser professora?
De ser professora eu nunca tive vergonha não, até que eu gostava.
Olha (fotografia) esta é Ilma Cambraia. Que gracinha! Deu nome à avenida José
Cambraia. Filha do José Cambraia, estudava conosco aqui.
Que recordações a Senhora guarda desta profissão?
Todas. A Escola foi acabando devagarinho. Porque a idade vai chegando, o cansaço,
mas não fechou. O dia que fechou está registrado no Livro. Tudo registrado!
A Senhora foi a Secretária da Escola. Secretaria e professora?
É, eu fui secretaria. Fui lá em Belo Horizonte pra registrar a Escola, na Secretaria de
Educação. Fui lá registrar. Chamei o Pedro Dias, você conheceu o Pedro Dias, o irmão do Dr.
Olímpio. Qualquer coisa que eu precisava, que precisava de olhar na lei, eu chamava o Pedro
Dias que era um grande advogado.
Como estavam divididas as turmas?
Em séries, mas, à medida que as professoras foram saindo (...) Mas a Escola ainda não
tinha fechado. Aqui tinha só primeiro e segundo ano. Eu dava o primeiro à tarde e o segundo
de manhã. A vantagem do particular é isso, você faz do jeito que você quer, procurando seguir
as leis do Estado. As leis do MEC, todas as leis. Um bom cidadão segue as leis do país e a
Constituição.
137

A Senhora tinha preferência para lecionar em determinada série ou não?


Não, trabalhei com todas as séries. Em 1961 ainda tinha 45 alunos, e só tinha até o
segundo ano. Por que aí eu já tinha parado e a Rosinha já tinha ido para Belo Horizonte. Em
1962 foi diminuindo porque aqui ó, só tinha 40 (livro de matrícula). Mas em 1971 a escola
ainda está funcionando olha aqui (Livro de Matrícula) Saul Mendes Filho, Henrique Tadeu
Borges.
A Senhora dedicou quanto anos de sua vida a esta escola?
Todos. Aqui eu fechei como secretaria em 1975. Em 75 A Escola Santa Terezinha
deixou de funcionar porque recebemos a aposentadoria do INSS. É uma História muito
bonita! E assim 39 anos de funcionamento.
Os alunos faziam uso de uniforme? Era obrigatório?
Era obrigatório o uso do uniforme. Eu desenhei o uniforme era responsabilidade dos
pais, adquirir. Ele tinha um bolsinho com E.S.T. (Escola Santa Terezinha), todos vinham
uniformizados. Este era o uniforme (foto dos alunos com o uniforme).Teve ano de 166 alunos.
E eram as quatro professoras trabalhando. Só que a Vicentina casou logo.
O Juscelino Kubitschek esteve aqui visitando a cidade nossos alunos fizeram uma
homenagem a ele e tudo. Então ele lá em Belo Horizonte encaminhou um cartão para a
escola, escreveu: ―à prezada Diretora da Escola Santa Terezinha, cumprimenta cordialmente e
solicita o obséquio de agradecer às professoras e alunos deste estabelecimento de ensino, as
amáveis palavras que lhe foi dirigida quando de sua visita a esta próspera cidade‖.
Qual foi o método de ensino adotado pela escola?
Meu. O método silábico é justamente para derrubar o soletração. Agora o método de
ensino que eu sou de acordo com ele e que antigamente existia é o método do soletração.
Falava o nome das letras, depois fala o som das sílabas. Por exemplo, como é que escrevia?
Eu vou dizer uma palavra: bo-ni-to. B e O = BO , N e I = NI, T e O =TO, bonito, é o
soletração.Você fala o nome das letras, das duas, da consoante e da vogal e depois você ajunta
tudo, isto é um método antigo, soletração que foi muito considerado, mas todo mundo
aprendeu e era ótimo.
O método silábico uma vez eu li em um jornal que nos Estados Unidos usava, você dá
valor à sílaba e você não tem, não tem movimento regressivo, F e A, FA. Eu fiz uns cartazes,
modéstia à parte eu desenho, pinto muito bem. Então eu falei vamos trabalhar com o método
silábico. Eu fiz um cartaz com letras, eu pus a Língua Portuguesa toda, fiz de um jeito que os
meninos não misturassem. Fiz os cartazes e em cada um tinha um desenho chamativo, eu
138

desenhava faca, vovó, sapo, girafa e assim por diante. Conclusão, a língua portuguesa em
sílabas coube em poucos cartazes. E estes cartazes ficam grudados na sala. Os alunos m os
cartazes, pra frente, pra traz, pra baixo, pra cima, liam os cartazes todos os dias. Quando ele
passava para a cartilhas já conheciam as sílabas todas, e ia embora na leitura.
Como eram realizadas as avaliações?
A gente dava uma prova todo mês. Todo mês tinha prova. Este é o livro de aprovação.
Tinha ditado?
Tinha, eu aprendi foi com ditado. Eu dava composição, dava um quadrinho, depois eu
dizia vamos falar sobre aquele quadrinho. Eu ensinava português e os meninos conheciam as
oito categorias e não misturavam. As oito categorias gramaticais. Não é brincadeira não. Por
exemplo eu ditava um trecho do livro e depois pedia: ―O que for verbo sublinha com uma
linha vermelha, o que for adjetivo sublinha com uma linha azul, o que for substantivo (...)
dentre as quatro categorias estudadas eles não misturavam adjetivo com advérbio, com
preposição. E hoje tem gente formado que não sabe o que isso.
Sobre as categorias gramaticais esses meninos do Ginásio não sabe disso não. Essa
parte teórica. O Eugênio o filho mais velho da Alda que é a caçula né ele entregou.
Aqui (fotografia) está papai e mamãe. Ele morreu com 76 anos. Mas engraçado esta
fotografia a mamãe estava sentada em uma cadeirinha pequena, ficou parecendo que ela
estava em uma escada.
Ibiá tem uma história entrelaçada com os trilhos da ferroviária federal, iluminando o
caminho para o desenvolvimento.

Finaliza a entrevista falando dos ex-alunos que voltaram para visitá-las e do orgulho
de ter contribuído para formação de tão ilustres personagens, como pudemos constatar através
dos registros realizados por elas ao longo dos anos.
139

Entrevista 2: Professora da Escola Santa Terezinha e o Grupo Escolar Dom José


Gaspar.
Qual é o seu nome completo?
Vicentina Cendón Reis.
Quando e onde a Sra nasceu?
Aqui em Ibiá mesmo. Nasci e criei raízes, nunca saí daqui.
A Sra. tinha quantos irmãos?
Um total de oito irmãos, porém um faleceu com dois meses. A mamãe achava que foi
de câncer.
Qual era a importância da educação para sua família?
Era tudo! Meu pai era muito rígido ele era espanhol, então ele obrigava todo mundo
estudar. Tinha que estudar. Não era não quero não, tem que estudar! E não podia tomar
bomba não!
Toda família teve oportunidade de Estudar?
Tinha. Oportunidade ou não era obrigado a estudar. Então as duas primeiras a Rosinha
e a Célia tiveram que estudar em Formiga porque aqui ainda não tinha Escola Normal. Depois
a Zifinha (Maria José Cendón) foi. Ela fez um ano só lá, porque abriu o Colégio Normal São
José em Ibiá. Aí, ela veio pra cá, pra não precisar pagar pensão lá, nem nada. Ela e a Márcia,
eu e a Alda nos formamos aqui. E o Pedro fez o ginásio lá em Formiga também. O Pedro era
inteligentíssimo, não era só inteligente não, ele sempre foi o primeiro aluno da sala.
O que te levou a optar pelo magistério?
Naquela época a gente não tinha muita opção não. E o mais fácil era o magistério.
Tinha aqui! Fazia aqui! A gente não tinha aquisição monetária alta. O papai era trabalhador e
tudo, mas não tinha estudos. Mas, ele queria dar estudos para os filhos. E formou todo mundo.
Papai veio da Espanha com a turma que veio para cá com a rede ferroviária. Ele é quem veio
assentando as pontes metálicas, ele era o chefe. Essas pontes que tem aqui perto do distrito de
Tobati. Chegou aqui conheceu a mamãe, casou e fez família aqui. Todos os filhos começaram
a estudar aqui. Nasceram todos aqui. A mamãe era daqui, era fazendeira. Meu avô com a
família foi quem ajudou plantar a cidade aqui. Fazendeiro rico.
Onde a Sra começou a estudar?
Eu comecei a estudar na escola fundada pela Rosinha e pela Célia (a Escola Santa
Terezinha), eu comecei com elas. Antigamente os alunos começavam com 7 anos, eu nunca
tomei nenhuma bomba, me formei com 16 anos. Depois fui professora da Escola Santa
140

Terezinha, em 1946 eu me formei e no ano seguinte em fevereiro eu comecei a lecionar. E


não parei, só parei aos 25 anos quando me casei em 1955.
Qual era a metodologia utilizada na prática do ensino?
O ensino em si engloba tudo. Aprendia estudando mesmo. Tinha que ler e assim a
gente praticava. Nosso método era o analítico, era o Global, não era a soletração.
Depois que a Sra. formou a senhora também utilizou este método?
Sim alfabetizei alunos demais. Tinham alguns que ficavam loucos comigo até na hora
do recreio. Eram três um era filho do Dr. Zé Dias, Márcio, o outro era o Guilherme, filho da
Lourdes professora do Grupo Escolar Dom José Gaspar, tinha também o filho da Una, que
mudaram para Belo Horizonte depois. Então os três eram agarrados comigo eu dava aula para
eles e ia tomar a lição eles ficavam ali agarradinhos comigo, eles ficavam passando a mão no
meu cabelo, eu era loira, cabelo ondulado eles ficavam grudadinhos comigo. Fiquei muito
pesarosa com a morte do Márcio e do Guilherme todos dois engenheiros. Eu tive muitos
alunos também que passaram pelas minhas mãos e todos saíram alfabetizados.
Como era sua prática de ensino?
Era individual, tomar as lições era individual. Não lia junto com todo mundo para ser
Global não. Porque cada aluno tinha um QI, uns mais e outros menos. Então os que tinham
menos eu tomava a lição até ele aprender. Todos os meus alunos foram alfabetizados. Nunca
encostei um aluno porque ele tinha mais dificuldades.
Como era o material didático utilizado nas aulas?
Eram pouquíssimas coisas, dois cadernos, um para as matérias e outro para caligrafia,
e dois lápis, um para escrever e outro para desenho. Porque eu não acho que deva ser como
os dias de hoje que põe uma pasta para o menino que a mãe ou o pai tem que carregar, porque
ele não dá conta de carregar o peso e acaba com a coluna. De modo que nunca precisou
daquele monte de caderno, aquele monte de coisa que eles pedem hoje. Eu fico horrorizada de
vê. Eu acho muito exagerado o que eles pedem para as crianças. A gente com dois cadernos,
lápis e borracha fazia tudo que precisava. E os meninos saiam com a letra bonita. Era uma
coisa que a gente exigia das crianças, letra bonita.
Um dos cadernos era para caligrafia e outro para português, ditado, mas a gente não
dava aqueles ditados exagerados não, eram poucas linhas. Mas, a gente tinha tempo de olhar o
de cada um. Onde errava a gente dizia: aqui você errou preste atenção e corrija!
No Grupo, por exemplo, a minha sala não era a melhor. Minha sala sempre era a pior.
Tinha aluno cheio de dificuldades. Quando eu pegava a folha de matrícula, pois eu já
141

conhecia os alunos de lá, me dava até tristeza, pois eu pensava: Nossa Senhora meu Deus
outra vez esta sala difícil! Mas eu passava mais de 80% e aquelas professoras das salas
melhores ficavam com raiva, pois eu passava mais alunos de que elas.
Além dos cadernos já mencionados, tinham outros?
Tinha também. Tinha o caderno de desenho, que nós usávamos uma vez por semana.
Porque precisávamos descansar também né.
Além destes materiais existiam livros didáticos?
Não, tinha uma cartilha. Chamava Cartilha da Infância. Era muito boa para ensinar
porque ela era dividida, por exemplo, para os meninos gravarem bem a gente falava assim o
―V‖ é da vaca, tem os dois chifrinhos. Então você vê os chifrinhos lembra que o ―V‖ é da
vaca e os meninos gravavam. O ―B‖ da bola, o ―P‖ do pato e ―T‖ do tatu. Então íamos
arranjando alguma coisa que parecia com aquilo. O ―F‖ da faca e assim por diante. Então nós
fazíamos, porque naquela época não tinha para vender ou comprar, o cartaz com as sílabas
todas de cada letra. E líamos todos os dias, e os meninos iam decorando, porque grava
melhor.
E assim a Sra. procedia nas duas escolas, Santa Terezinha e Grupo Escolar Dom
José Gaspar?
A mesma coisa. O método que utilizava em uma escola também utilizava na outra. Na
primeira série utilizávamos cartazes e cartilhas para alfabetizar.
Além das disciplinas de Português e Matemática quais eram as outras disciplinas
ministradas?
A partir do segundo ano dávamos umas noções de Ciências, de Geografia falávamos
sobre os rios, colocávamos um mapa na frente para eles decorarem a figura de Minas Gerais,
a figura de São Paulo, o mapa do Brasil. Porque vai gravando. À medida que vai subindo de
série ele vai tendo noção daquilo. Lá para terceiro ano tinha os afluentes do Rio Amazonas.
O quarto ano nós não oferecíamos na Escola Santa Terezinha porque naquela época o
quarto ano era meio complicado. Porque a escola já era registrada, mas tinha que levar as
provas e toda documentação lá na Secretaria de Educação, era complicadíssimo esse negócio.
Então resolveu-se que não iríamos dar o quarto ano, deixava para o Grupo Escolar. Então as
crianças do terceiro ano passavam para o Grupo Escolar e do Grupo a maioria voltavam para
se preparar para fazer o exame de admissão.
Para ir para o Ginásio tinha que fazer o exame de admissão. Depois do quarto ano
tinha o exame de admissão para ir para primeira série ginasial. De primeiro era até a quinta
142

série ginasial depois eles cortaram ficou somente até a quarta série. E a quinta que era quinta
série ginasial já foi para faculdade. E tinha que fazer o exame, se passasse, e graças a Deus os
alunos de quinto ano da escola nenhum tomava bomba. Todos passavam com notas boas.
Então a escola ficou conhecida em Araxá, Patrocínio, Formiga, Lavras, Ribeirão Vermelho.
Até em cidades de São Paulo que em virtude da Nestlé o pessoal mudava para lá e as crianças
iam, então quando chegavam lá: O que você veio fazer aqui? Vim fazer o exame de admissão!
Em qual escola você estudou? Escola Santa Terezinha. Ah, então você já passou! E passava
mesmo e todos com notas boas. Graças a Deus!
A partir de quando a Sra. começou a dar aulas na Escola Santa Terezinha?
Quando comecei estava com 16 anos em 1946.
E no Grupo Escolar Dom José Gaspar?
Bom, depois que casei fiquei cinco anos parada. Me casei em 1955 e de 56 a 60 fiquei
na fazenda. Da fazenda eu vim para a cidade e a partir de 1961 voltei a lecionar e não parei
mais até aposentar. E contando tudo inclusive a APAE eu mexi com educação mais de 50
anos.
Além das disciplinas já mencionadas existiam aulas de religião?
Tinha, na nossa Escola e também no Grupo. Na nossa Escola principalmente,
preparávamos os alunos para primeira comunhão. Lá as meninas, Célia e Zifinha, têm retratos
até hoje. As meninas de vestidinhos com roupa muito bonitinha e os meninos de terninho. Era
muito apreciadas pela comunidade as primeiras comunhões da Escola Santa Terezinha.
Naquela época os pais todos faziam questão dos filhos fazerem a primeira comunhão.
Hoje tem uns que nem ligam né, tá tudo mudado. Mas, graças a Deus os meninos saiam muito
bem preparados. O padre quando ia confessar as crianças, eles coitadinhos iam morrendo de
medo. A gente contava: não precisa ter medo não, fale as coisas que vocês acham que fizeram
de errado. E meu sobrinho foi confessar e o padre perguntou o que é a eucaristia? É Jesus no
Sacrário, respondeu o menino. E o padre deu uma resposta mais técnica. Então ele mais do
que depressa perguntou: mas não é a mesma coisa não? Criança não tem jeito não!
Qual era a relação da Igreja com a Escola Santa Terezinha e com o Grupo Escolar
Dom José Gaspar?
Os padres visitavam as escolas, iam ensinar a cantar, ajudar a ensinar religião, fazia
tudo o que tinham obrigação de fazer mesmo. A religião era olhada com muito carinho!
143

E a primeira comunhão era feita na Escola Santa Terezinha?


Não a primeira comunhão era feita na Igreja. Só a catequese que era feita na escola.
Não fazíamos a primeira comunhão junto com o Grupo não. Alguns alunos voltaram para
trazer como recordação suas fotos. Tem tudo guardado lá.
E a parte cívica?
Ah, isso tinha, uma vez até um pai, coitadinho, da roça que não era muito instruído e
foi matricular os filhos. Ele falou assim: Quero te pedir somente duas coisas que eu não quero
que ensina para eles, o ouviram dum e o agacha levanta.
Então tinha educação física na escola?
Tinha coisas muito simples, mas dava porque eles tinham que ter noção. Tinha o pátio,
que era um pedaço da horta. O papai fez três salas de aulas perto da horta, porque o prefeito
não combinava muito com o papai, então não quis nos colocar no Grupo Escolar. Aí papai
falou: vamos fazer uma escola pra nós. Então o papai fez três salas de aula e nessas salas de
aulas nós dávamos aulas de manhã e à tarde. E naquele meio tinha um pátio e ali é que fazia a
educação física. No fundo da Escola tinha a horta onde tinha um pé de laranja, jabuticaba,
tinha mangueira, então a gente colocou uns bancos onde as crianças brincavam, sentavam,
corriam em volta.
E no Grupo como eram desenvolvidas as atividades físicas?
Lá tinha uma professora de educação física, que dividia os horários entre as turmas da
escola. E tinha também aulas de religião, a professora regente da turma era quem ministrava.
E o padre frequentava o Grupo Escolar também?
Não era todo dia que ele ia, mas de vez em quando ele ia e chamava as crianças para
frequentar as missas. Dizia que iria esperar todo mundo lá. Tinha a missa das crianças
também. Aí nos sábados à tarde lá pelas 4 horas tinha a missa das crianças. Eu fazia questão
de ir e os meninos gostavam de sentar todos juntos comigo e no banco de traz, porque não
cabia todo mundo num banco só, né. E assim fomos levando.
Havia alunos que se destacaram? A Sr. recorda-se de algum?
Tinham muitos alunos inteligentes que se sobressaiam, tem muitos advogados, muitos
engenheiros, muitos médicos. O Dr. Olímpio, que foi prefeito da cidade, mesmo foi aluno de
exame de admissão, ele já tinha terminado a quarta série e foi para lá para fazer o exame de
admissão. Fazendeiros, de toda classe social. Os mais pobres falavam assim: eu não posso
pagar não! Mas, era coisa mínima que pagava, então todo mundo podia estudar.
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Aconteceu de algum aluno não conseguir pagar o boleto?


E quando a pessoa não podia mesmo a gente fazia uma exceção e falava pra não conta
para os outros não. Nós estamos fazendo só pra você!
Tem um que foi ministro do trabalho no Estado de São Paulo. No dia que ele foi
tomar posse ligou para a Zifinha (Maria José Cendón) falando que fazia questão da presença
dela lá. Ate hoje ele manda correspondência para ela. Até hoje! Ele mora lá em São Paulo já
aposentou. Ele não esqueceu não.
A Rosinha ainda era viva quando um ex-aluno dela, Wilson Borja, foi visitá-la, ela
estava doente, levou um buquê de rosas vermelhas e depois que ela morreu, ele tinha um
bairro lá, um terreno, na cidade de Belo Horizonte, que hoje é perto de onde fizeram o Palácio
da Liberdade, não sei se chama Maria Helena o bairro, onde ele colocou uma rua com o nome
de Rosa Cendón. Eu falei: é engraçado, ele que mora lá em Belo Horizonte colocou o nome
de uma rua com o nome dela, isto já saiu nesses jornais de Ibiá aqui. E aqui não tem nenhuma
rua com o nome dela. Eu fui lá conhecer a rua. Puseram o nome de uma escola de Maria
Bittencourt, não quero tirar o mérito dela não que nem conheci, não sabia quem era, não sei
até hoje. Tinha uma escola lá na Argenita, tenho impressão de que ela é lá daqueles lados,
então resolveram tirar o nome dela e colocar na escola que fica no bairro Nossa Senhora de
Fátima. Então o Loyola e a Irami, prima do Antônio pelejaram para tirar o nome dela e
colocar o nome da Rosinha, mas não conseguiram.
Como eram as diretoras do Dom José Gaspar em relação ao trabalho de vocês?
As diretoras eram muito boas, muito educadas, tratava a gente muito bem. Quando
precisava chamar a atenção de alguém chamava lá no gabinete, não era junto com todo mundo
na hora da reunião. Chamava separado e dizia: aqui não está certo, vamos procurar concertar.
Aí a gente agradecia.
Existia alguma ajuda do governo para a Escola Santa Terezinha?
Nós nunca recebemos ajuda não. O Juscelino Kubitschek é que uma vez esteve aqui
quando era governador de Minas para fazer uma visita. Ele veio aqui e aí pediram pra Rosinha
que queriam que ela mandasse um representante da Escola. Não sei se foi o Marcio do Dr.
José Dias ou se foi o Carlos Ernesto filho do Dr. Guilherme. Porque as pessoas de melhor
poder aquisitivo colocavam os filhos todos lá na escola, e eram muito inteligentes. Então ela
preparou esse aluno para falar umas palavras para o Dr. Juscelino Kubitschek. E ele ficou
doidinho. Chegando a Belo Horizonte ele mandou um cartão agradecendo.
145

E em relação ao Inspetor, como eram, eles inspecionavam a Escola Santa


Terezinha?
Alguns eram muito bons. Mas, teve uma época que entrou uma lá para ser inspetora,
nossa! O tanto que ela implicava com a escola. Ela era professora do Grupo Escolar Dom José
Gaspar. Implicar por quê? A escola não estava prejudicando em nada o Grupo Escolar. Tinha
aluno que sofria tudo lá. Não precisava implicar com os de cá né, pois a escola aqui que era
pequena.
Mas estes inspetores inspecionavam a Escola Santa Terezinha também ou somente
o Grupo Escolar?
Inspecionava por isso a gente trazia tudo por escrito, tudo arrumado, pois na hora que
eles vinham apresentava.
Essa inspeção era feita da mesma forma que era realizada no Grupo?
Era, fazia também no colégio, depois começou o Ginásio fazia também no Ginásio.
Você lembra de nomes de alguns inspetores que passaram pela Escola?
Sr. Miguel Teixeira, que era Farmacêutico, Dona Iolanda. Quando entrava para ser
inspetores passavam muito tempo sem mudar então a gente esquece muito. A Célia era a
secretária e fazia as atas da escola. De modo que ela tem isso tudo lá arquivado. Estas atas
assinadas pelos inspetores.
E o Governo Federal e a Prefeitura intervinham de alguma forma na Escola Santa
Terezinha, existia alguma cobrança?
Não, porque quando eles precisavam saber alguma coisa relacionada à Escola eles
perguntavam na prefeitura, perguntavam para o prefeito e os prefeitos eram todos nossos
amigos e pais de alunos. De modo que nunca teve nada que pudesse nos afetar não.
Como eram as salas de aulas, eram turmas mistas, só masculinas, só femininas?
Eram mistas, mas geralmente a gente separava de um lado colocávamos meninos e do
outro as meninas, não colocava os meninos junto das meninas não, pois os meninos eram
muito levados.
Como eram as salas de aulas e quantas salas existiam na Escola Santa Terezinha?
Eram 3 salas. Não eram muitos alunos, eram vinte e poucos em cada sala. Então dava
bem para a gente olhar tudo direitinho. Não deixar brigar, não deixar falar nomes feios como
diziam eles. A gente corrigia: ―não pode falar assim não, você deve respeitar o
coleguinha.Tem que tratar bem seu coleguinha para ser bem tratado também.‖.
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Já que a Sr(a). começou a falar sobre a disciplina na Escola, então relate como
vocês conciliavam esta questão ? Existiam castigos?
Tinha um aluno que era muito levado até, o Leleu, o pai dele tinha uma sorveteria, Zé
do Zair, na época era a melhor sorveteria da cidade. O Leleu era um ―capeta‖ e Leleu que era
custoso! Então ele falava, eu vou fazer raiva na Dona Rosinha para ela me colocar de castigo
lá dentro. Então geralmente tinha um fogão de lenha e tinha uma empregada que ajudou a
mamãe criar os filhos, a preta, Cicília era no nome dela, até hoje todos os filhos tem um
carinho muito especial com ela. Já morreu! Então punha o Leleu de catigo lá no rabo do
fogão, punha de castigo era lá dentro e ele ficava junto com a Cicília, e ela fazendo o almoço
e ele fazendo as tarefas.
Então ela fazia um bolinho de arroz que era uma maravilha e acabava de fazer e dava
pra ele, e ele achava aquilo muito bom. Ele aprendeu, vou fazer uma estripulia para ir para o
castigo de novo. Depois ele chegava em casa e ia contava para o pai: Pai hoje eu fiz isso
assim e a Dona Rosinha me pôs de castigo. Ah, pôs? Dizia o pai: que coisa boa! Ele tinha lata
de goiabada, ou marmelada ele colocava no embrulho e depois mandava levar de presente,
porque pôs de castigo. E falava pro menino: E dá o recado qualquer coisa eu pergunto para ela
se você deu o recado. Quando ele chegava na escola o menino entregava o embrulho e dizia:
aqui Dona Rosinha o papai mandou trazer para a Sra. porque a Sra. me deixou de castigo.
Então a Rosinha, falou pro Sr José: Oh, seu José, por favor, não faz isso não, porque
depois fica parecendo que eu estou colocando o menino de castigo para ganhar presentes. Os
pais agradeciam! Hoje se o professor faz alguma coisinha qualquer ou chama atenção ou
põem de castigo os alunos, o pai e mãe vão à escola tirar satisfação com o professor, hoje a
disciplina está muito ruim. Por causa disso os professores não têm mais liberdade nem
respeito.
Como era realizado o lanche? Eles podiam ir comprar o lanche fora da escola ou
tinha que levar de casa?
Eles já levavam de casa. É engraçado que os meninos são muito simples e tudo que
tiver que falar eles falam. De vez em quando chegava um perto da gente e falava Dona
Vicentina a Sra. quer este biscoito aqui pra Sra.? - Tá ruim! Eles tinham toda liberdade de
conversar com a gente, no que eu falava: Tá tudo bem! Eu vou comer depois.
E lá no Grupo também era assim?
Lá tinha a sopa, então eu fiz o curso de assistente escolar e supervisora de merenda,
fiquei lá três meses, e eu quem dava a ficha para os alunos. Ia de sala em sala, via quem
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queria quem era da Caixa Escolar e dava as fichas. Na verdade eu já sabia quem era da Caixa
ou não. A maioria queriam tomar a sopa, que era muito bem feita, muito gostosa.
Antigamente tinha charqueada aqui, os pedaços de carnes eles mandavam tudo pra nós. Então
fazia aquela sopa muito saborosa. Até as professoras tomavam. A gente vendia, pelo um preço
mínimo, simbólico. Aí eu saia nas salas, quando dava o sinal, eles já iam ficar nas filas
certinho, já tinha tudo arrumadinho as mesas e os pratos. Eles iam pegando os pratos e a
colher iam sentar-se à mesa.
O que era e como funcionava este Caixa Escolar?
Estas verbas eram para caderno, lápis, borracha e até mesmo uniforme. Este caixa era
cobrado apenas daqueles que tinham condições aqueles que não tinham condições não
pagavam não, eles ganhavam. Se nós ganhássemos tudo não teria necessidade de cobrar. Mas,
geralmente não ganhava tudo. Ganhava como já mencionei a carne da charqueada. Tinha o
servente que ia lá na charqueada buscar e trazia aquele balde cheio de carne. Carne boa como
estavam em pedaços não servia para eles, eles doavam para todas as escolas públicas.
A Caixa Escolar era paga trimestralmente, bimestralmente, mensalmente?
A Caixa Escolar, tanto do Grupo como das outras escolas era para poder ajudar as
crianças que não podia. Uniforme, material escolar, tudo ganhado. Mas a professora olhava o
caderno, tinha que aproveitar o material bem aproveitado: Deixa eu ver se não está
desperdiçando caderno. Se continuar assim não vai ganhar mais não.
Existia alguma relação entre o Grupo Escolar e a Escola Santa Terezinha. Eu pude
perceber que a Dona Rosinha aparece em alguns documentos do Grupo Escolar, como
homenageada para paraninfar algumas turmas?
Tinha. Nós éramos amigas. A diretora era amiga. A Dona Elza, por exemplo, mulher
do Dr José Dias, o filho dela estudava não era lá (Grupo Escolar) era cá (Escola Santa
Terezinha). Éramos todos amigos, não tinha ninguém inimiga não.
Em relação ao nível social do Grupo? Lá também existiam níveis sociais distintos
pessoas mais ricas e mais pobres?
Não tratava todo mundo igual, não tinha nenhuma distinção não.
Como eram dispostas as salas em relação ao mobiliário e quais eram os materiais
didáticos?
Nós não ganhávamos carteiras. As carteiras eram feitas por meu pai. Ele era
carpinteiro. Então elas cabiam dois alunos. Porque antigamente as carteiras das escolas eram
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de dois alunos. Então púnhamos de dois em dois. Tinha também as estantes para guardar os
livros, guardar as coisas que precisava lá na sala, também feitas pelo meu pai.
Só concluindo teve algum prefeito que pretendeu ajudar a Escola, ou ainda que não
tenham ajudado diretamente o fizeram através da matricula de seus filhos na Escola Santa
Terezinha?
Têm, os filhos de prefeitos todos estudaram lá conosco.
A Dona Célia, comentou de houve um Deputado que tentou ajudar a Escola. Porém
não conseguiu.
Não estou lembrando. É acontece que nem todo mundo é assim. Ele deve ter
levantado a ideia, mas não teve apoio. Com certeza!
Qual foi o papel do Estado no processo de modernização do Município?
A ferrovia trouxe o processo de modernização, pois empregou muita gente, e o povo
era todo daqui. Então os filhos dos ferroviários nos ajudaram demais, pois colocavam seus
filhos todos aqui. Então lá no Grupo eles ficaram com raiva, porque os ferroviários ao invés
de colocar lá colocavam seus filhos aqui. Mas a gente não ligava para isso, depois ficávamos
amigas de novo. Porque o que se pode fazer os se pais queriam assim.
E a cidade, o comércio como ficou com este processo de modernização?
Melhorou demais, por exemplo, porque eles ganhavam um salário muito bom então o
comércio foi muito bom. Lembro-me de um rapaz que morava aqui que ele disse que foi lá no
seu Alfredo, onde é padaria. Ele disse que foi comprar o presente de Natal pra filha dele, e
que ele saiu de lá numa humilhação. Chegou lá e estava olhando a boneca e que achou muito
cara né. Ah eu não posso porque eu tenho que comprar presente pros outros filhos também. E
então chegou um ferroviário lá e perguntou quanto custa àquela boneca, tantos reais. Me dá
cinco. Quanto custa aquela bola me dá quatro. Então ele falou que tristeza ser pobre! Mas
ajudou demais tanto faz o comércio de grãos, como loja, ajudou as farmácias. Todo mundo
ganhou.
E a cidade melhorou em infraestrutura? Rede elétrica, água e saneamento básico?
Ah melhorou demais. A luz aqui parecia uns tomatinhos daqueles vermelhos, cheios
de aleluia e a gente de baixo não enxergava quase nada. Era uma tristeza! Mas com o tempo
foi melhorando foi trocando os postes. A água também, o Totonho colocou água nas ruas, que
tinha era só um pinguinho em cada casa. Agora tem fartura graças a Deus! Mas foi um bem
muito grande para a cidade. Depois veio a Nestlé também mais pessoas foram chamadas para
trabalhar. Então foi melhorando o poder aquisitivo do povo. Porque eram muitos os pobres.
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Todo mundo trabalhava com muita dificuldade nem todo mundo tinha fazenda. Ficavam
trabalhando nas roças para poder adquirir um dinheirinho. Depois que veio a ferrovia
melhorou demais. Tinha a Charqueada também o Sr. Manuel Terra Cruz, depois ele vendeu e
até mudou daqui e veio o José Cambraia, lá de Campo Belo, ele tinha uma charqueada lá em
Campo Belo, então ele veio para cá porque fez a charqueada maior por que o local era bom
para comprar gado. Ele era muito bom, muito caridoso, ajudou muito gente daqui. Tanto que
colocaram o nome dele na avenida, Avenida José Cambraia. Morreu num acidente de avião
ele e a mulher. Parece até que puseram alguma coisa no avião. Pois o avião ia subir depois
caiu.
Como foi seu exame de admissão? Por que Sra. começou na escola desde novinha
até ser professora?
Na minha época não era obrigado a fazer o ano inteiro não. Teve uma época que era o
ano todo. Então eram só dois meses, dos dois meses de férias, dezembro e janeiro. Nós
tínhamos aulas e no final de janeiro prestava o exame. Aí começava a fazer o curso lá no
Colégio. Mas no nosso tempo, no meu tempo, eu fiz ginásio também. Tinha dois anos de
adaptação e depois três anos de Normal e formava. Quer dizer você fazia em 5 anos curso
superior. Depois que fazia o francês. Hoje tem muito mais. Tem Internet e muito mais. Eu não
sei nada de Internet, sou nua e crua, aprendi datilografia. Outro dia estava com uma máquina
usada das meninas (Célia e Zifiinha), que eu peguei emprestado. Meu Deus do céu, como é
que a gente pára e perde a prática. Eu estava catando bico, como falava antigamente.
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Entrevista 3: Ex-aluno da Escola Santa Terezinha

Qual seu nome completo?


Edison Freitas, sou natural de Ibiá.
Onde você nasceu?
Nasci em Ibiá e morava no Bairro São Dimas.
Quantos irmãos?
Eramos meu pai, minha mãe eu e mais quatro irmãos.
Todos estudaram aqui?
Eu iniciei meus estudos na Escola Santa Terezinha três anos, depois estudei no Grupo
Dom José Gaspar quarta e quinta série, esta quinta série, admissão de um ano, porque antes o
admissão era dois meses no início do ano para entrar na escola Secundária. No Ginásio. E
nessa época apareceu a lei, depois do quarto ano fazia o quinto ano de 12 meses, então eu fiz
também no Dom José Gaspar. Depois eu tomei umas aulas com o Sr. Dativo Carpintelo.
Então depois o Sr. pegou algumas aulas particulares?
Sim, ele ensina principalmente Matemática e a Terezinha de Ângeles ensinava junto
com ele o Português e ele de vez em quando dava lições de Geografia. Depois eu fui para
Araxá, fiquei quatro anos internos no Colégio Dom Bosco, também fiz três anos de curso de
contabilidade em Araxá. Depois voltei para Ibiá estou aqui até hoje. Fui professor durante 24
anos, diretor de escola do Colégio São José 8 anos. Fui diretor do Ginásio durante alguns
meses e durante 40 anos eu exerci a profissão de Contabilista. Tenho também uns 8 anos de
prefeitura também, secretaria de prefeitura. Dois anos de secretaria da Câmara e 10 anos de
empresário, revenda de veículos Ford, Wilis e eletrodomésticos, e transporte de leite para
Nestlé, com a frota de uns 12 caminhões. Eu trabalhei na ferrovia como diretor do escritório
que comandava e fiscalizava as empreiteiras que estavam remodelando a linha de Garças a
Goiandira e de Ibiá a Uberaba. Fui um dos fundadores do Rotary no Ibiá.
E quais foram os anos que o Sr. trabalhou na Ferroviária você se lembra?
Foi de 1958 a 1963, no escritório da quarta residência de obras, no departamento de
obras de rede ferroviária federal.
E todos seus irmãos tiveram a oportunidade de estudar?
Eu tive um irmão João Bosco que estudou em Araxá também, foi cabo do exercito,
voltou para Ibiá depois de 3 anos que ele voltou, casou três meses depois que ele se casou. Ele
151

foi a um jogo de futebol e mataram ele. Mas os outros irmãos tiveram oportunidade também
de estudar. As irmãs as duas estudaram no Colégio São José e tem um irmão que chegou até
na sexta série e parou. Meu pai ficou com receio de que ele não fosse progredir, afinal foi o
que progrediu mais que todos os irmãos, mas é isso é a vida né.
Com que idade o Sr. foi para a escola?
Não, eu tive aulas na casa de um ferroviário a filha dele me deu um iniciozinho. Tive
uns 2 ou 3 meses e aí entrei na escola Santa Terezinha e fiquei 3 anos.
Era obrigatório o uso do uniforme?
Sim, tinha o uniforme era obrigatório.
Porque seus pais escolheram a Escola Santa Terezinha?
Era tradição aqui em Ibiá, era escola de muito bom nível, muito reconhecida pela
comunidade. Então as irmãs Cendón eram realmente boas professoras. Era uma educação de
muito boa qualidade e elas se orgulham disso. Foi uma vida de dedicação e devoção à escola.
E elas se orgulham disso quando encontramos a dona Zifinha (Maria José Cendón) ela
encontra com qualquer pessoa na rua e diz: 2.660 alunos passaram pela escola e hoje são
engenheiros, médicos, bancários com muito orgulho.
O Grupo Escolar quando foi criado despertou algum interesse na população
daquela época?
Era porque a Santa Terezinha ela não podia concluir as quatro primeiras séries, só as
três primeiras eram autorizadas na época. Então todo aluno terminando o terceiro ano ia
automaticamente para o Grupo Escolar. Era uma escola muito boa também ótimas
professoras, disciplina rígida.
Era rígida nas duas escolas ou só no Grupo Escolar?
Na Escola Santa Terezinha elas sabiam levar as coisas e as crianças estavam numa
idade que podia receber uma formação adequada para receber esta disciplina. Agora no Dom
José a turma já era mais levada né! Aí tinha castigo, castigo de ficar ajoelhado nos grãos de
milho ou ficar de pé virado pra parede no canto da sala.
É tinha punição né. Hoje não há mais punição eu não concordo com isso, a pessoa que
faz coisas errada tem que ser chamada atenção. Depois eu fui para um internato e lá a
disciplina era brava também.
E na Escola Santa Terezinha o Sr. estudou com todas as irmãs?
Somente com duas, iniciei o primeiro ano com a Dona Rosinha Cendón. Lá adotava o
seguinte, quando o aluno atingia certo nível ele passava para o segundo ano. Tinha primeiro
152

ano A e B. Segundo ano A e B, terceiro ano. Então de acordo com o progresso do aluno ele
passava para o próximo ano. Minha esposa, por exemplo, ela começou no segundo ano B. A
mãe dela estudou em Barbacena, naquela época quem tinha condição mandava os filhos para
Barbacena, dois dias de distância, então a mãe dela deu as primeiras orientações, os primeiros
passos, por causa disso. Então ela começou lá na Dona Rosinha no 2° ano B.
O que me lembro mais da escola era do caderno número um e número dois. O caderno
número dois era para caligrafia. O caderno número um era o caderno normal e o caderno
número dois era para caligrafia onde tinha mais linhas, tinha linha onde você tinha que
encaixar as letras de forma mais homogênea. Tanto que lá no Colégio São José as normalistas
tinham a mesma forma de letra. Me lembro também que tinha o lápis n° 2 e tinha um que era
mais macio para desenho.
Vocês praticavam desenho naquela época?
Sim fazíamos muito desenho, fazíamos muito ditado, no terceiro ano fazia dissertação,
tabuada tinha demais, durante um ou dois meses ficava uma tabuada de dois na parede aí todo
dia batalhava naquilo, quando vencia aquilo aí passava para a de três, quatro e assim por
diante.
Assim vocês iam memorizando?
Sim e tinha também Geografia, a gente aprendia muita coisa de Geografia, o nome das
capitais, os rios, afluentes da margem direita do Amazônia, da margem esquerda, a gente
tinha isto gravado na memória, Tapajós, Juá, Madeira … da progressão da nascente para a
foz. Sabia o nome das cidades de Minas Gerais, Montes Claros, Juíz de Fora, vou te falar a
gente aprendia muita coisa.
Hoje parece que o Estudo está meio devagar. O Rotary tem um programa de ajuda
mundial na área da saúde. Você sabia que quem iniciou o programa de vacinação no Brasil foi
o Rotary. O Rotary financiava a vacinação no mundo inteiro. Você não acredita o beneficio
que o Rotary trouxe para o Brasil erradicando a Pólio.
O que você lembra sobre as duas professoras com quem teve contato na Escola
Santa Terezinha?
Eu comecei com a Dona Rosa Cendón no primeiro ano quando eu comecei a ler, ela
falou pode passar para a outra sala a da Dona Maria José Cendón que era a Dona Zifinha.
153

Elas eram muito bravas?


Não, não tinha nada de braveza não, elas era jeito para levar as coisas. Elas chamavam
atenção com muito carinho e orientando: fila para entrar, na hora de ir embora ela chamava o
nome de cada um orientando a saída.
Em que turno o Sr. estudava?
Eu estudava pela manhã. Eu não sei se tinha outro horário não, acho que era só pela
manhã.
Quais eram os conteúdos trabalhados?
Aritmética, português, muita tabuada e noções geografia, tinha um pouquinho de
história também.
Qual era o material didático utilizado?
O Sr já mencionou os dois cadernos, o caderno n°1 e o n°2. Todos os conteúdos
ficavam em um único caderno, o caderno número dois era o caligrafia e estudávamos muito
os mapas, tinha pregado na parede o mapa do Brasil, o mapa do relevo e etc. Tinham também
as cartolinas com as letras e silabas: o a, e, i, o, u. Onde existiam cartazes com desenhos que
representavam as sílabas feitos por elas mesmas.
Tinha educação física?
Que eu me lembro não. No recreio, tinha brincadeiras, que eram realizadas na própria
escola.
Como eram as carteiras, o ensino era misto, homem e mulher?
Tinhas carteiras duplas, de pés de ferro, confeccionadas pelo pai das professoras,
tinham também a tábua onde colocava o caderno onde tinham o lugar para colocar o tinteiro,
porém eu só fui utilizar tinteiro no grupo, antes era só o lápis, um mais duro, para escrever e
um mais mole para desenho.
As salas eram mistas, homem e mulheres?
Eram mistas.
Qual era o perfil sócio-econômico dos alunos da escola Santa Terezinha?
Eram pessoas mais abastadas, era quem podia pagar, pois os que tinham mais
dificuldades financeiras iam estudar desde o primeiro ano no Grupo. Mas a mensalidade não
era tão cara assim não.
Existiam trabalhos manuais?
Que eu me lembre não. Tinha muita coisa de desenho, colorir, mas de trabalhar com
papel ou outros materiais não estou lembrado não.
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Tinham festivais e momentos cívicos?


Durante as aulas a gente recebia ótimas orientações. A gente aprendia cantar o Hino
Nacional o Hino da Bandeira mas não tinha muitas solenidades não. A Eurídice havia me dito
que tinha um verso escrito em um papel para uma solenidade mas ela estava com pressa por
causa do ensaio do coral e não encontrou.
Como eram feitas as avaliações?
As provas eram orais ou escritas? Eu não estou lembrando de arguições orais no
primário não. Já no Ginásio eu me lembro de provas orais de latim, de canto, de música,
português, francês, inglês, todas as matérias tinham. Já no primário elas avaliavam de acordo
com o desenvolvimento ou a evolução do aluno. Eu me lembro que lá em casa tinha uma
prateleira com umas latas, onde guardavam os alimentos eu comecei a ler e me entusiasmei.
Quando eu cheguei na escola eu fiquei empolgado e na escola e lí um trecho do livro muito
bem para Dona Rosinha e aí ela falou que pode passar pra outra sala, progredir. Então isto é
muito importante, é um prêmio pro aluno, porque ele descobre que ele se dedicando que ele
consegue subir degraus.
Como o Sr. era como aluno?
Em casa eu não tinha muito acompanhamento dos pais não. Meu pai ele tinha uma
letra maravilhosa e ele fazia cálculos de aritmética, de volume e tudo. Mas eles não me
acompanharam na escola não. Não ia ver se eu estava progredindo ou não, ou talvez eles me
acompanhavam indiretamente. Agora eu, quando eu sentia estímulos, o progresso era bem
maior. Já quando eu fui para o Ginásio, era muito comum eu me dedicar por exemplo para
uma prova de matemática e ser o único 10 da turma. Então eu via que era só estudar.
Qual era a importância da Escola Santa Terezinha para a Cidade?
A comunidade ibiaense reconhece esta escola como um baluarte do ensino em Ibiá.
Realmente as irmãs Cendón estão de parabéns porque elas conseguiram. Pois o que importa
na vida do homem, do aluno, é um bom começo é a base.
Qual era a relação da Escola Santa Terezinha com o Grupo Escolar?
Não, só a progressão, pois terminado o terceiro ano, os alunos iam para o quarto ano
para concluir o primário no Grupo Escolar. No Grupo Escolar era uma professora também e
tinham também ótimos professores, ótimos diretores de escola. E a base era a mesma as
normalistas recebiam a mesma formação, Colégio São José.
155

Por que a Escola Santa Terezinha não oferecia o curso primário completo?
Por falta de reconhecimento do Governo, por questões da época a escola conseguiu
aplicar apenas os 3 primeiros anos e do quarto ano e seguintes deveriam ser na escola oficial.
O Sr. mencionou que na escola Santa Terezinha estudavam as pessoas mais
abastadas porque conseguiam pagar as mensalidades e no Grupo Escolar qual era o nível
sócio-econômico dos alunos?
Aí era geral. Os egressos da Escola Santa Terezinha e os que já estavam no Grupo
desde o primeiro ano.
Fale sobre a Caixa Escola, o que era, como funcionava?
Existia uma caixa escolar onde as pessoas que podiam pagavam uma taxa simbólica
para ajudar com materiais para aqueles que não tinham condições, depois compravam
caderno, lápis, borracha para os alunos mais carentes.
Qual era o método e a metodologia empregada no Grupo Escolar?
Era continuação, o sistema de metodologia empregada era a mesma, os professoras das
duas escolas foram formadas na Escola São José.
Como eram realizadas as certificações da conclusão do primário? Existia alguma
cerimônia?
O aluno iniciava o primeiro ano com a idade de 7 anos, após o terceiro ano
passávamos para o Grupo Escolar cursar o quarto e no quinto ano tinha o exame de admissão.
No quarto ano foi-me entregue o certificado no Cine-Brasil, e eu me lembro que logo para
baixo do cinema tinha uma sorveteria, bomboniere, uma lanchonete e eu me lembro da
Terezinha de Angeles, que era minha professora, ter oferecido um doce, após a entrega dos
canudinhos da diplomação. Como menino lembro muito dessas coisas! Do mesmo modo que
quando eu estudava no Colégio Bom Bosco em Araxá, no 7 de setembro, acordava ao som do
Hino Nacional e lembrava logo na mesa na hora do almoço havia uma garrafinha de guaraná e
um pacotinho de bala. Era uma coisa tão eventual que eu me lembro disso até hoje com
saudade. Hoje esta meninada toma refrigerante o dia inteiro né.
Qual era o significado da educação naquela época?
Era obrigação da família dar aos filhos um diploma de primário. Então todo mundo
reconhecia o valor desse diplominha e se batia por ele.
O Sr. fez exame de admissão? Como foi fazê-lo?
Eu fiz o quinto ano valendo como exame de admissão. E quando eu fui para Araxá eu
fiz o exame outra vez, o exame de admissão ao colégio Dom Bosco.
156

Como era a vida social nas décadas de 30 a 50?


Baseada na agropecuária de subsistência, então os fazendeiros lutavam com muita
dificuldade. A terra não valia nada com exceção daquelas áreas próximas aos córregos e rios,
que eram chamadas de terras de cultura, o resto não valia nada. A área de serrado não valia
nada, então era uma luta. Os fazendeiros faziam tudo em casa. Comprava fora o querosene e
mais alguma outra coisa e mais nada. Tudo era feito em casa. Ibiá era uma cidade pobre,
como todas as outras da região. Ibiá atualmente esta precisando de alguém que saia para trazer
indústria para a cidade.
Hoje você sai às ruas e vê lotes e mais lotes abandonados, casas caindo, casas que
estão aí a 20, 30, 40, 50 anos no centro da cidade se despencando. A cidade não tem
progresso. Está faltando prefeitos que façam um levantamento do que a cidade pode oferecer,
e vá para o Rio Grande do Sul contactar frigoríficos ou vá lá pra o Estado de São Paulo pra
buscar empresas que possam produzir algo aqui.
O Sr acredita que a rede ferroviária propiciou desenvolvimento para a cidade?
Mais demais, na época da ferrovia toda mercadoria era transportada pelos vagões.
Além disso, levava passageiros para Belo Horizonte, Uberaba e Goiás, era muito interessante.
Porque hoje a política de transporte do país é completamente errada, não privilegiaram a
ferrovia, apesar de ser um transporte muito mais barato e transportar muito mais toneladas e
uma única composição. Jogaram o transporte todo para as rodovias que estão sendo
arrebentadas pelos caminhões pesados e não têm fiscalização nenhuma. Eu leio muito um
cronista do Estado de Minas que diz que o Brasil é um país grande e bobo. E é mesmo
infelizmente! Tinha tudo para explodir e ser uma nação vitoriosa, mas enquanto tiverem com
pequenez nas ações e não derem valor para a educação, não vai.
Culturalmente como era Ibiá naquela época em que você estudou? Quais as
atividades de lazer que vocês possuíam na cidade?
Muito pouco, na década de 60 nós tínhamos um Grêmio Artístico Teatral, que fizeram
algumas peças portuguesas de atores mas não deu em nada. O Cinema tinha o Cine-Brasil e
também tinha o Cine-Ibiá que funcionava na rua um, para cima da casa paroquial ali.
Tinha o Cine-Brasil com duas cessões aos Sábados e Domingos e tinha matinês.
Tinham programas de palco também na frente do cine-brasil também mas durou pouco.
Quais eram as principais atividades econômicas da cidade nesta época e como se
configurava a infraestrutura em relação à água e energia elétrica no período?
157

Agropecuária de subsistência. Nós tivemos aqui uma charqueada, você conhece? Ali
funcionou uma indústria do charque, durante uns 5 anos que trouxe um certo desenvolvimento
para a cidade. Mas depois do falecimento do Sr. José Cambraia num acidente de avião, aí foi
desativado e não apareceu nenhum prefeito que pudesse trazer alguém para atualizar as
instalações, e instalar um ramal ferroviário dentro da charqueada, então ele não podia ter
morrido né.

Qual era o papel do Estado no processo de modernização do Município de Ibiá?


Era o que acontece até hoje. O sistema federativo é muito falho. O Governo Federal e
Estadual deixa muito Município com o queixo na mão e se quiserem conseguir alguma coisa
eles têm que estender o chapéu para conseguir.
158

Entrevista 4. Grupo Focal: Ex- alunos da Escola Santa Terezinha, Julio Cesar de
Paiva e Neiva Bicalho de Paiva.

Dona Neiva, em que anos você estudou na Escola Santa Terezinha?


Em 1946. Fiz o 2° ano e o 3° porque lá não tinha o 4°, pois não era escola registrada e
elas não podiam dar diploma, antigamente era muito difícil registrar uma escola. A gente
estudava lá até o 4° ano, alias até o 3° ano. Eu fui aluna só da Dona Rosinha, ótima pessoa.
Aprendi muita coisa lá. Um tanto de instrução, assim da matemática que na época era mais
tabuada como de religião, elas eram demais, elas ensinavam e davam catecismo dentro da
escola porque a escola era católica.
Sr. Júlio: As escolas antigas não só instruíam o indivíduo como educava. Hoje muitas
delas preocupam em instruir e a educação é ruim.
Dona Neiva: Não, nem instruir a escola não está se preocupando hoje. Eu tenho uma
Nora que foi diretora no Ginásio lá em cima. Que diz que tinha uma menina de 7ª série que
não sabia nem ler. Ler mesmo nem cartilha. Principalmente escola estadual, eu acho que ainda
está pior que as municipais. Ela se chama Eleide esposa do Enrico.
Depois que tiraram a religião da escola passaram para Moral e Cívica, eu acho que a
violência aumentou nas escolas. Porque antigamente sempre tinha religião. Pode ser a religião
que for, ate evangélica não importa, o importante é ensinar. Porque não tendo Deus no
coração não tem nada. A violência, essas drogas eu acho muito que é a falta de Deus, falta de
religião. Mas eu sou antiga, né. A escola era muito boa antigamente, o respeito que a gente
tinha com o professor, com a professora isso acabou. Você já esteve com as professoras. A
Dona Célia sabe tudo! Ela é muito inteligente.
A escola tinha muita ligação com a Igreja?
A Escola Santa Terezinha e o Colégio por que tudo era de católico.
Sr. Júlio: Aliás aqui em Ibiá eu não vou dizer que a Igreja Católica dominava não,
mas era a única.
Dona Neiva: Mas na época era muito preconceito, por que tinha família protestante,
presbiteriana, nunca estudaram no colégio das freiras, porque as freiras queriam na época a
congregação delas era tão fechada e tão rigorosa, porque se não frequentasse a missa aos
domingos não podiam estudar.
Sr. Júlio: Aí foi depois. A entrada dos presbiterianos aqui em Ibiá é muito interessante,
eles vieram e deram um curso em Ibiá. Este quarteirão aqui (Rua 08) tem um punhado de casa
159

aqui que foram construídas por eles. Eles eram de uma família aqui do Rio Paranaíba,
aconteceu de não sei porque mataram um padre lá. A família deles um indivíduo matou um
padre.
Dona Neiva: Eles vieram todo mundo fugido de lá.
Sr.Júlio: Aí veio todo mundo fugido para Ibiá. E aqui eles se instalaram. Se
estabeleceram aqui. Aí tiveram muitos anos. Eram uma família razoavelmente bem de vida,
foram depois para Belo Horizonte e lá ficaram ricos.
Dona Neiva: Lá as meninas tinham escola né, aqui Ibiá não tinha escola.
Sr.Júlio: Tem um hospital evangélico lá que é custeado por esta família. Então são
pessoas boas, que acontecem coisas na vida das pessoas que mudam o rumo das coisas. Então
criou a Igreja presbiteriana aqui e ficou esta rivalidade que Neiva tá falando. A Igreja Católica
não aceitava eles aqui.
Sr.Júlio: A Dona Tatá que é quem puxou o carro aqui. Foi a primeira professora que
veio para Ibiá, com uma certa formação. Veio do Rio para lecionar para minha mãe e irmãs
mais velhas da minha mãe. Minha mãe era de 1911 então deve ter vindo por volta de 1900.
Então foi a primeira professora qualificada, vamos dizer assim.
Sr.Júlio: Mais ou menos na mesma época as Cendón, estavam formando as duas mais
velhas a Célia e a que faleceu a Rosa, abriram uma escola aqui. Logo depois a Zifinha formou
ficaram 3. A Célia logo adoeceu no princípio, ela lecionou pouco, relativamente pouco, ela é
muito inteligente sabe tudo a respeito. Mas sala de aula mesmo, ela não dava conta não. Ela
tinha uma dor de cabeça. Tinha uma dor de cabeça que ela não deu conta de enfrentar a
classe. E depois disso nós tivemos o professor Sílvio Braga de Araújo, que foi mais ou menos
na mesma época, ou até um pouquinho antes delas. Depois eu quero ver aí, ou perguntar para
elas. E depois teve o seu Dativo.
Dona Neiva: Mas o seu Dativo era só admissão. Porque aqui em Ibiá não tinha ginásio
masculino as freiras não aceitavam homens. Então as mulheres eram privilegiadas, tinha
ginásio, tinha Curso Normal. E os meninos, os homens se o pai não pudesse mandar para o
internato ficavam e cursavam só até o 4° ano. Então este seu Dativo dava um reforço para os
meninos aprenderem para trabalhar no comércio e enfrentar o Ginásio. Fazia o reforço com
ele e depois tinha mais energia para enfrentar o Ginásio.
Sr.Júlio: Inclusive, vocês falando a respeito de recursos, este colégio onde eu estudei
no Ginásio de Patrocínio, eu tinha dois irmãos mais velhos que estudavam lá. Uma certa
época meu pai recebeu no fim de ano uma carta comunicando que arranjasse outro colégio
160

para o próximo ano porque eles iam fechar o colégio. Aí o papai já estava providenciando
para onde íamos, eu e meus irmãos. Daí alguns dias vem outra carta dizendo que o problema
já havia sido resolvido. Tinha um parente muito rico, era o homem mais rico da região. Ficou
sabendo que os padres estavam fechando o colégio. Chegou lá e perguntou para os padres. O
que está acontecendo? Tá fechando por quê? Não estamos tendo dinheiro, para isso, para
aquilo, para aquilo outro. Por causa disso vocês não vão fechar o colégio não. Eu vou arrumar
o dinheiro para vocês e vocês não vão fechar o colégio. E por causa disso quando os padres
estavam precisando de uns ―cobres‖ eles iam lá e pediam.
Qual a importância que sua família dava para a educação?
Sr.Júlio: Meu pai falava que ele queria que todos nós fôssemos formados. Então ele
mudou para Belo Horizonte, com essa finalidade. Para o tratamento de saúde de nossa irmã.
Mas eu fugi da raia, eu cheguei a um ponto porque eu tenho um problema cardíaco e meu pai
estava muito sozinho na fazenda e lutando com muita dificuldade. E lá um dia eu resolvi e
falei com ele: Eu vou parar de estudar e eu vou pra fazenda tomar conta para o Sr. Ele quis
fazer alguma coisa mas, ele respeitava um bocado por causa do meu problema cardíaco. Então
ele não criou muito caso não. Achou de certa forma até bom porque ele sabia que eu gostava
era daquilo e vivia daquilo e mudei pra cá, mudei sozinho e fiquei 10 anos tocando sozinho
tocando os negócios dele e ele vinha de mês em mês.
E os outros todos quase todos estudaram tem o Loila este também não estudou. O
interesse dele é que todos tivéssemos um diploma. Não interessa de que forma seja. O rumo
de vocês é vocês que vão escolher.
Vocês receberam algum tipo de instrução antes de ir para a Escola Santa
Terezinha?
Dona Neiva: Eu não, minha mãe coitada tinha filho um atrás do outro, não tinha
tempo para isso não. E eu morava na Pratinha, lá é bem mais atrasado.
Sr.Júlio: Lá em casa meu pai contratou, inclusive uma das primeiras formandas daqui
para lecionar. Pros meus irmãos velhos e filhos dos empregados. Então ela morou lá dois anos
e eu era sapo da escola. Entrava um pouco saia. Enquanto não estava amolando ela aceitava
ficar por lá, rabiscando aprendendo alguma coisa, começa a amolar ela mandava brincar. E a
minha mãe também coitada estudou pouco não tinha tempo. Meus pais: minha mãe enquanto
menina ela saiu daqui e estudou um ano em Barbacena. Meu pai saiu daqui garoto, talvez 7
anos e estudou um ano em Oliveira e depois resolveram transferir ele para Juiz de Fora e lá
ele ficou não sei quanto tempo.
161

Com que idade vocês entraram na Escola?


Sr.Júlio: Eu é até uma coisa interessante o dia em que eu fiz 7 anos minha mãe me
levou para a Escola Santa Terezinha, assim que ela cruzou a esquina eu voltei pra casa. De
modo que eu entrei com 7 anos e 2 dias.
Dona Neiva: Eu entrei com 7 anos, naquela época não aceitava com menos de 7 anos,
era pré. Eu fiz 2 anos lá na Pratinha, chegou aqui eu tive que repetir de ano. Não aprendi nada
lá.
Sr.Júlio: Eu não sei se você sabe, mudando o assunto, qualquer coisa é história e você
vai achar alguma coisa do seu interesse. Antes disso tudo, existia uma cidade aqui da região
próxima a Sacramento que se chamava Brodósqui acabou a cidade, tem lá hoje apenas sinais
de ruas. O pessoal vinha, os europeus vinham e ali era ponto de parada.
Dona Neiva: A minha vó tinha uma pensão lá na Pratinha, e ela tinha uma área lá que
ela alugava para colocar gado. Porque antigamente os gados eram tocados e ela alugava pasto
para passar a noite, tinha um ribeirãozinho. Ela fala que lá uma vez passou uma comitiva que
era Dom Pedro II que ia passar em Brodósqui. Mas essa comitiva não passou em Pratinha
não, só foi a comitiva que estava preparando para Dom Pedro passar. Tanto é que a estrada de
Ibiá para Pratinha chamava-se estrada real.
Sr.Júlio: Aqui em Ibiá, inclusive nesses lugares primitivos tinham os lugares
chamados de registro, registro era o ponto de fiscalização. Vinham este pessoal
principalmente do interior de Minas e Goiás atrás de pedras preciosas, então na hora de voltar
quando passavam no registro tinha que pagar os 20% da briga do Tiradentes. Tinham
determinados pontos aonde era obrigado para atravessar o rio precisava passar aqui em Ibiá,
os lugares que tinha para atravessar o rio era aqui.
Era obrigatório o uso do Uniforme na Escola Santa Terezinha?
Dona Neiva: Era. Era saia pregueada uma blusinha com um emblema da Escola
Santa Terezinha, trançava o E, o S e o T. Meia branca e um sapatinho. Era bonitinho. Agora
do colégio que era mais rigoroso, por causa das freiras.
Por que optaram pela Escola Santa Terezinha para iniciar a formação de vocês?
Dona Neiva: Como já mencionei eu vim da Pratinha, chegando aqui meus pais me
matricularam no 3° Ano. Não tinha transferência, não tinha papel nenhum. E eu fui à aula no
grupo no 3° ano, achei aqui muito estranho. Então minha mãe procurou a professora, porque
todo dia eu chegava chorando e ela falou que eu não sabia nada, que eu tinha que voltar pro
principio. Então meu pai cancelou a matrícula e falou: Não, você vai estudar lá na Dona
162

Rosinha, é melhor, uma escola menor. Aí meu pai foi lá e me matriculou no 2º ano porque lá
no Grupo eles tinham falado que eu não tinha capacidade para o 3ª ano. E eu saí bem, eu era
uma das melhores da sala. Gostei, amei a escola as professoras. Fui muito feliz lá!
Sr.Júlio: Um dos motivos que fui estudar na Escola Santa Terezinha foi porque as
Cendóns eram primas primeiras do meu pai. Talvez este tenha sido o principal motivo. E
outra, até hoje quando você tem condição de pagar para receber alguma coisa em troca você é
muito mais bem tratado. Uma professora que tem uma escola particular é preciso fazer o
nome dela, para no outro ano garantir mais alunos. E o Grupo que é Estadual quanto menos
gente for lá mais gente vai aprender. A menos que tenha dom, eu costumo falar que esse
negócio de professor é um dom que as pessoas têm e não adianta inventar se não tiver dom
que não vai dar conta.
O aspecto físico do Grupo Escolar impressionava?
Dona Neiva: Impressionava! Foi o que eu choquei quando eu vim da Pratinha. Aquele
pátio de cimento, aquelas varanda com as escadarias para subir, eu nunca tinha visto aquilo.
Eu tive um impacto muito assustador. E outra coisa, minha mãe tinha feito a matrícula com
Tereza de Ângeles minha prima, então chamaram os alunos tudo e quem não tivesse chamado
o nome ficasse e eu fiquei sozinha naquele pátio. Sobrou eu sozinha. Então eu comecei a
gritar e a chorar e vim embora. No segundo dia eu não consegui escrever nem fazer nada.
Sr.Júlio: Eu não estudei no Grupo não. Depois da Escola Santa Terezinha teve um
período de dois anos que lá no Colégio aceitaram a entrada de homens para estudar lá. Eu fiz
o terceiro e quarto ano.
O Sr. se lembra das professoras naquela época? Como elas se portavam como se
vestiam e se posicionavam?
Sr.Júlio: Além da convivência da escola as Cendóns vinham todos os dias na casa da
minha avó. Então a gente tinha uma ligação uma intimidade muito grande. Este irmão delas
que morreu, inclusive o ultimo dia que eu estive com ele, ele estava com câncer ele me falou:
Agora a doença me pegou mesmo, pegou na minha caveira inteira. De forma que eu sempre
tive um relacionamento muito bom com elas. Elas toda vida foram muito cuidadosas, muito
caprichosas. Aliás até vaidosas.
Dona Neiva: É elas não andavam muito chique não. Mas muito bem alinhadas, cabelo,
roupas muito bem passadas. Tudo impecável. Eu fui aluna só da Dona Rosinha.
Vocês lembram qual era o procedimento inicial das aulas delas?
163

Dona Neiva: Tinha oração, rezar um Pai Nosso, com três Ave Marias, porque elas
eram muito católicas, elas eram muito piedosas, liam um trechinho do evangelho,
comentavam a Bíblia. Elas preparavam alunos para a primeira comunhão.
Sr.Júlio: Não exigia daquelas pessoas que não eram daquela crença participar não.
Dona Neiva: Depois elas já abriram, assim, você fazia um teatrinho infantil. Elas
tinham a voz muito bonita ensinavam a gente a cantar a declamar. Era muito arrumadinho
bem ensaiado.
O padre frequentava muito a escola?
Dona Neiva: Era o Padre Olímpio Oliviere. Ele visitava muito a Escola. Lá tinha aulas
aos sábados, aos sábados elas davam catecismo.
O que acontecia quando os alunos faziam algo que as professoras desaprovassem?
Dona Neiva: Eu lembro só dela colocar uma menina de castigo. Ela colocava em pé
perto do quadro. Não eram rigorosas não. Dona Rosinha falava muito baixinho. Elas eram
umas Damas era uma lade (leides)? Dona Zifinha fala muito baixinho. A Dona Célia quando
eu estudei lá ela só dava aula pro admissão e 5° ano. Elas chamavam atenção com muita
educação. Se tivesse algum castigo elas punham a gente perto do quadro em pé e a gente
ficava ali olhando os colegas.
Sr.Júlio: Havia também muita ameaça de ficar depois da aula. Mas ninguém estava a
fim de ficar tomando conta de menino, nem o menino de assistir a aula.
Os pais de vocês acompanhavam vocês nos estudos?
Dona Neiva: Mamãe não estudou nada não, ela fez só até o 3° ano primário. Mas ela
acompanhava, ela nunca deixou de faltar uma reunião lá na escola. Visitava as irmãs, lá na
Dona Rosinha também ela ia perguntar como estava. Pena que ela faleceu tão cedo.
Sr.Júlio: O meu pai era muito ligado principalmente ao colégio. Meu pai também
quando eles precisavam dele, mas lá não tinha muita reunião não.
Vocês lembram como eram as aulas? Os conteúdos estudados?
Dona Neiva: A gente tinha aula de Português, Matemática, História, Geografia e
Ciências. A gente não tinha livro. Elas davam para gente ponto, a gente tinha o cadernos do
ponto. Eu lembro muito de um ponto em específico. Na prova era marcado para estudar. Eu
lembro muito de um ponto chamado: Os Bandeirantes, no século XVII houve a entrada das
bandeiras... e assim elas ditavam e a gente copiava.
Sr.Júlio: Era uma coisa que usava muito na nossa época de ensino, era o ditado.
Dona Neiva: Não tinha livro né Júlio?
164

Sr.Júlio: E de qualquer forma obrigava o menino escrever. Hoje eu conheço caso


aqui, é que o professor pede para fazer um exercício e o menino pega e tira um xerox.
Dona Neiva: Aula aos sábados lá tinha. Geralmente ia muito pouco aluno. Eu mesma
nunca faltei, minha mãe nunca deixou. Era aula de Catecismo, religião e de Biblioteca. Elas
tinham muitos livrinhos de história. E a gente tinha que ler um pouquinho. Elas repartiam os
livros e falava você vai ler este livro, este.
Sr.Júlio. Depois davam uma provinha costumam dar um beliscão no assunto.
Dona Neiva: E lá tinha na Dona Rosinha também tinha aulas de canto. Cantava nem
que seja o Ouviram do Ipiranga o Hino Nacional, o Hino da Bandeira.
Tinha educação física na Escola Santa Terezinha?
Dona Neiva: Não lá eu não me lembro não. Lá no colégio tinha, a gente marchava,
jogava vôlei.
Como eram as salas, onde vocês estudavam? Como eram as carteiras? Quais eram
os materiais que vocês utilizavam?
Dona Neiva: Lá eram só as três salas. Mas tinham umas carteiras boas o Sr. Cendón
era carpinteiro, marceneiro, muito caprichoso. As carteiras eram de três lugares, tinha a
carteira e tinha o banco para você sentar nas costas tinha uma madeira para você escrever. Na
sala tinha um quadro. Eu lembro que tinham uns cartazes muito bonitos. Eu lembro até hoje.
A gente aprendia tabuada. Na pratinha eles me passaram para o terceiro mas eu não aprendia
nem dois mais dois. Todo dia elas tomavam. Fazia a gente escrever.
Sr.Júlio: Elas eram muito exigentes. Elas não tinham alunos ali só para liberar aquilo
para passar não. Elas faziam questão de ensinar.
Qual era o perfil socioeconômico da Escola Santa Terezinha?
Dona Neiva: Era classe média
Sr.Júlio: Embora lá pagasse pouco, pagava. Podia ser até que em algum caso abria
mão do pagamento. Agora no Grupo não pagava nada. Então aquele pessoal que importava
menos com a instrução e não tinha possibilidade de pagar aqueles trocadinhos levam para o
Grupo e deixava rodar. Aqueles que exigiam um pouquinho mais da educação, instrução,
mesmo as vezes com algum sacrifício pagava um pouquinho para ter uma escola melhor.
Porque era diferente o padrão de uma para outra. Como hoje em relação à escola particular
para a escola pública. E não muda não.
165

Existia alguma disciplina de trabalhos manuais?


Dona Neiva: Lá na Dona Rosinha, só fazíamos desenho e por sinal nós fazíamos
muito bem! Lá no Colégio tinha bordado, agora pintura no Colégio era outra aula. E se
quisesse fazer pagava separado. Não fazia parte do ensino global não.
Sr.Júlio: Igual música né. Estudar violino, estudar piano era tudo separado. Curso de
piano, curso de violino, curso de canto, era feito em horário diferente e remunerado.
Havia momentos cívicos, festas religiosas?
Dona Neiva: No dia da Escola Santa Terezinha, no dia da protetora a gente fazia um
teatrinho. Era um bailado. A gente subia num tablado, não era palco. Era só para os alunos da
Escola. Comemorava o Aniversario da Escola. Mas participar de movimento de rua, passeata
nunca houve não. Só cantávamos o Hino Nacional, Hino da Bandeira.
E as avaliações como eram feitas?
Dona Neiva: As avaliações eram só escritas, tínhamos o caderno de provas. Durante
as aulas tinha arguição também da tabuada, ou de História, Ciências de um pedacinho ou de
um trechinho de algum livro.
Vocês se lembram de algum coleguinha que estudou no Grupo comentarem alguma
coisa sobre o Caixa Escolar?
Dona Neiva: Meus filhos estudaram no Grupo. Existia a merenda escolar. Então
naquela época o Governo não ajudava nada. Então a merenda escolar era feita em troca.
Assim o aluno levava um litro de óleo, por exemplo, eles calculavam que aquele litro de óleo
valia tantos pratos de sopa. Então dava para o aluno tantos vales. Assim acontecia com arroz,
mandioca, couve. Assim conforme o que você levava você ganhava os vales para o prato de
sopa.
O Método de ensino das Cendóns era diferente do Grupo?
Dona Neiva: Do Colégio era bem igual. Porque as professoras formaram lá. Era
caderno de ponto, marcava prova. As professoras formaram lá já vinham com ensino naquele
estilo.
Como era realizada a diplomação ?
Dona Neiva: Lá na Escola Santa Terezinha não existia isso porque só ia até o terceiro
ano. Agora do prézinho elas pediam para trazer folha de papel ao masso e fita. Elas faziam um
trabalho bonito. Elas passavam as fitas davam um laço. Pregava as provinhas dos meninos
dentro, não deixava passar batido não.
166

Qual era o significado que tinha a educação para a sociedade ibiaense? Todos
tinham a preocupação de levar os filhos para estudar?
Sr.Júlio: Nós os homens, não tínhamos escola além do Grupo. O quarto ano. Às vezes
tinha como te falei o caso de um professor como o Dativo, que dava um reforço, que dava
uma noção diferente. Então era diferente. Os homens que saiam para estudar daqui eram de
família que tinham mais recursos. Mesmo que às vezes o colégio fosse barato. Tinha a
questão do transporte, tinham que levar uma mala de roupa.
O que eu tenho para te dizer é o que eu acho que Ibiá ganhou muito nesta questão da
educação. Vieram diversos europeus. E o europeu de modo geral já vinha classificado. Ele era
pedreiro ele já vinha com um curso técnico de pedreiro lá na Europa. Ele não vinha para
aprender. E a gente vê as diferenças de estilo quando passeia pela cidade. Eu tenho um amigo
pedreiro que sabe a observação da diferença de uma arquitetura para outra nas casas de Ibiá.
De forma que isso foi muito bom para Ibiá
167

Entrevista 5. Ex- aluno da Escola Santa Terezinha.

Qual é o nome do Senhor Completo?


Márcio Eustáquio França
Quando o Sr. Nasceu?
30 de Dezembro de 1946
O Sr. Teve quantos irmãos?
Oito comigo, oito não, eram 9 morreu um afogado.
Onde o Sr. Morava?
Eu sou nascido e criado na rua 16.
Que importância sua família dava à educação?
Nós não seguimos na escola porque trabalhávamos demais. Nossos pais quase não
tinham um nível para manter a gente na escola. Só fizemos até o 5° ano e não seguimos mais.
O prazo que estávamos a tôa íamos para a escola. Mas quando nós chegávamos nem tempo de
almoçar não tínhamos precisávamos ajudar meu pai puxar tijolo ou então buscar vaca de corte
para o açougue porque nós mexíamos com olaria e açougue, porque toda vida trabalhamos,
desde novinho.
Toda família teve oportunidade de estudar?
Sim, toda família teve oportunidade, mas era um tempo corrido porque serviço nosso
era muito. Toda vida nós ajudamos nossos pais. Porque se não trabalhasse também entrava
no coro. Não tinha muita escolha não.
O Senhor recebeu alguma instrução antes de ir para a escola?
Sobre isso até que a gente falar que teve, não teve não. Porque toda vida a luta deles,
era muita. Somos de família muito pobre, toda vida era lutando para fazer alguma coisa, então
sobre isso não teve não.
Com que idade o Sr. começou a frequentar a escola?
Com 7 anos direto na escola Santa Terezinha.
Era obrigatória a utilização de uniformes na escola?
Era. Sem uniforme: a camisa, a calça, a meia e o calçado não entrava. Se não
estivesse vestido a gente não entrava não.
Por que seus pais escolheram a Escola Santa Terezinha?
Foi escolha dos meus pais mesmo, era uma escola melhor. Por conta da disciplina.
Era uma escola melhor porque eram poucos alunos então era mais fácil de aprender.
168

O aspecto físico do Grupo Escolar impressionava?


Impressionava sim, era um Grupo muito bonito o povo gostava muito porque era tudo
muito bem construído.
E o que mais te impressionava no Grupo?
Era um prédio de dois andares e tinha um pátio muito grande, para os meninos brincar,
era uma escola muito bem fechada.
Quais eram os procedimentos iniciais das Aulas?
Quando a gente chegava lá tinha o Sr., Duque do Brandão. Se estivéssemos sem
uniforme já não entrava. Ele era serviçal depois entrava para o pátio, batia o sino e íamos
todos para a fila. Não era como hoje que o pessoal vai entrando de uma vez sem fila.
Você lembra-se das professoras?
Lembro da Dona Zifinha da Dona Rosinha e da Dona Célia. Lá tinha as três e tinha o
pai delas que auxiliava na hora do recreio.
Existia ensino religioso?
Tinha, a gente tinha.
Seus pais acompanhavam os estudos de vocês?
Sempre, minha mãe acompanhava mais. Minha mãe era mais severa, porque meu pai
não ficava em casa, trabalhava muito. Elas sempre iniciavam as aulas com oração.
Como eram ministradas as aulas?
Naquela época era mais a base da cópia. Passava o dever e a gente fazia em casa.
E o material didático, qual era?
Eram 2 cadernos e dois lápis, um era de caligrafia e outro para as outras materias:
Português, Matemática, Geografia, Ciências e História. Elas utilizavam mais era o quadro, o
giz e o livro.
Tinha Educação Física?
Tinha, era jogar bola.
Como eram as mobílias da escola?
Tinha a carteira, a carteira era de madeira, tinha a parte de escrever, e esta era a parte
do outro sentar, já tinha um banco elas eram ligadas uma na outra. Tipo banco de Igreja.
Sempre sentava de dois a dois.
As turmas eram só de homens, só de mulheres ou eram mistas?
169

Sim eram mistas, homens e mulheres. Estudava pobre e rico. Não tinha diferença.
Inclusive na hora da merenda. Uns levavam merenda e outros não. Tinha a merenda que a
escola oferecia era uma sopa cada um levava uma coisa: um levava verdura, o outro levava
um óleo e depois ganhava a sopa. A gente levava o fubá, a costela porque trabalhava em
açougue. Era couve, tudo o que a gente levava trocava por sopa.
Existiam disciplinas de trabalhos manuais?
Não, não tinha.
Existiam momentos cívicos, festas religiosas?
Naquela época eram comuns festas religiosas, tinha o dia da bandeira, cantava o Hino
Nacional, mas tinha que ficar quietinho não podia nem mexer. Hoje a gente vê o povo não
tem mais respeito. Tá tocando o Hino Nacional tem gente mascando chicletes, tá brincando,
de boné. O desrespeito está demais tudo que acontece é culpa da professora.
Como eram feitas as avaliações?
Eram provas né. E era bem mais rigoroso que hoje. Às vezes perguntava alguma coisa
mais não era muito não. O que mais eles perguntavam era a tabuada. Assim ou elas tomavam
oral, ou elas colocavam no quadro e chamava a gente para escrever a resposta.
Você era bom aluno?
Eu era bom aluno não desrespeitava o professor, o diretor.
Como o Sr. avaliaria a qualidade do ensino daquela época?
Eu vou te falar que o ensino daquela época era dos melhores, porque se não soubesse
as matérias eles não passavam. E hoje a pessoa mal sabe ler, ou escrever e eles tão passando o
menino. A gente chegou a repetir até dois anos.
Qual é a importância da Escola Santa Teresinha?
Ela era muito importante. As professoras se empenhavam muito. Era a escola
particular mais importante que tínhamos em Ibiá.
Que relação existia entre o Dom José Gaspar e a Escola Santa Teresinha?
Elas sempre se comunicavam uma com a outra sempre saia da Dona Rosinha para o
Grupo Escolar. Ficávamos somente até o 3° Ano e depois íamos pro Dom José Gaspar. Elas
preparavam bem para prestar o exame de admissão. Sempre saía de uma e ia para a outra.
O Sr. estudou no Grupo Escolar durante quanto tempo?
Na Escola Santa Teresinha eu fiquei lá 2 anos e os outros foram no Grupo Escolar.
170

Por que o Sr. acha que lá na Escola Santa Teresinha tinha só até o 3° ano?
Ficava lá até o 3° ano depois ia para o Dom José Gaspar. Mas elas preparavam bem
para o Grupo. Por que sempre eles pegavam meninos mais novos ensinavam até certo ponto e
depois passava para lá. O aprendizado lá era melhor né.
Qual era o nível socioeconômico do Grupo Dom José Gaspar?
Não existia rico e pobre não, lá era tudo igual todo mundo era recebido igual. Do
mesmo jeito que ensinava um, ensinava os outros.
E a caixa escolar como funcionava?
Sempre tinha a Caixa Escolar, servia para comprar giz, caderno para as pessoas que
não tinha condição de comprar, então a caixa fornecia. Ajudava as pessoas mais carentes
Havia alguma diferença no ensino de uma escola para a outra?
Não, não, sempre ensinavam igual, tudo do mesmo jeito.
Como era realizada a cerimônia de entrega dos certificados?
Sempre tinha o dia de fazer. Era uma cerimônia de formatura onde entregavam o
certificado sempre na própria escola. Nunca fizeram em outros lugares como hoje que faz na
câmara. Era sempre na Escola.
Naquela época todos tinham acesso à escolarização?
Todo mundo tinha acesso à escola, sempre na época só tinha o Grupo Dom José
Gaspar. Hoje todos os bairros têm seu Grupo. Tinha também a Dona Rosinha e também o
colégio mas para as crianças era só o Grupo e a Dona Rosinha.
Qual era a relação professor aluno naquela época?
Sempre as professoras se comunicavam muito com as crianças, quando as crianças
não estavam indo bem na escola elas iam na casa da gente para comunicar à família.
Qual é a importância da educação na sua vida?
Para a gente ter uma comunicação com as outras pessoas. Nos valores que nos foram
passados ate hoje a gente respeita muito as pessoas.
E a Ferrovia você acha que propiciou um maior desenvolvimento para a cidade?
Ela oferecia muito emprego. Tinha também a charqueada que empregava muita gente.
A charqueada era onde matava o gado, na época da ferrovia vinha muito gado a gente matava
e mandava para fora.
171

E a prefeitura se preocupava com a questão da educação?


É eu lembro de alguns prefeitos, naquela época até que fazia alguma coisa. Hoje o Ibiá
nosso parou, Ibiá já era para ter uma faculdade, o prefeito não procura e povo sempre indo
embora procurando serviço fora. A população procura sempre outras cidades para trabalhar e
para estudar. Porque hoje o que segura mais o povo aqui é a agricultura, mais que a Nestlé,
mais que a rede. A agricultura de milho e soja né.
Na época que o Sr. Estudou na escola Santa Terezinha como era o lazer, a cultura?
É o lazer era o cinema, só tinha o cinema, não tinha teatro. O cinema oferecia umas 3
sessões ao dia, às vezes eram 2, no final de semana. Naquela época tinha uns filmes bons era
o Zorro. Hoje em dia você vai ver um filme, e pensa ah não pode ser uma montagem tão mal
feita.
E a infra estrutura da cidade como era a cidade em termos de água, energia e
esgoto?
A energia era gerada aqui perto no município de Ibiá, no Córrego Fundo. Água e
esgoto não tinha não, era fossa. A água até tinha, vinha do córrego da cachoeira do Jão
Ranchinho. De lá vinha para a caixa d'água aqui no Santa Cruz, e ia direto pra casa da gente,
não tinha tratamento não. E nesta época também não tinha rede de esgoto. Cada um tinha sua
fossa no fundo da casa.
Como era a ação do Estado, ele investia em escolas, subsidiava a educação?
Ajudava na agricultura? Atendia aos anseios da população?
Não ajudava não. Não existia auxílio da prefeitura não. Tudo era muito caro. Os
tempos parecem que era mais difíceis. Os médicos eram só 2 para atender toda a população o
Dr. José Dias e um outro que não me lembro o nome e ainda tinham que atender o povo da
rede ferroviária. Depois vieram outros o Dr. Olímpio, Dr. Saul, depois o Dr. Ivo e Dr.
Elvécio. Médicos eram poucos e dentistas também.
Para concluir como era a relação entre a Escola Santa Terezinha e a Igreja
Católica? Qual era a relação da Igreja com a Escola?
Com já comentei elas eram muito católicas, para iniciar as aulas sempre tinha oração,
tinham as aulas de religião, mas além das aulas todo mundo fazia catecismo. Todo mundo saia
de lá com a primeira comunhão feita. Toda criança tinha que fazer a primeira comunhão. Por
que na nossa época só tinha a Matriz aqui na praça central, e mais uma igrejinha, não me
lembro em que bairro.
172

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO


Você está sendo convidado para participar da pesquisa “DO ENSINO PÚBLICO AO
ENSINO PRIVADO: UMA ANÁLISE DA ESCOLA SANTA TEREZINHA EM IBIÁ-
MG (1937 A 1959).”, sob a responsabilidade dos pesquisadores: Betânia de Oliveira Laterza
Ribeiro e Adilour Nery Souto .
O presente estudo situa-se na área da História e Historiografia da Educação e está
associado ao contexto histórico e as circunstâncias em que se deram as relações entre o ensino
público e privado no município de Ibiá-MG, mediante a análise do processo de criação da
escola particular Santa Terezinha. Trata-se de uma pesquisa sobre o movimento dinâmico que
envolveu o debate em torno da democratização da educação primária na região do Alto
Paranaíba (Ibiá-MG), bem como as disputas e os consensos que acompanharam a estruturação
e generalização das instituições de ensino pública e privada dessa modalidade de ensino no
Brasil, entre os anos de 1937 a 1959. Quem irá obter o Termo de Consentimento Livre e
Esclarecido será o pesquisador Adilour Nery Souto.
Em sua participação você responderá a perguntas sobre sua participação, como ex-
estudante, ex-funcionário, ex- professor ou ex- diretor, no período compreendido entre 1937 a
1959, na Escola Santa Teresinha e no Grupo Escolar de Ibiá, como estas instituições
contribuíram para a sua formação, o que as escolas representavam e o que ela representam
hoje para você, qual a importância de estudar/trabalhar nessas instituições; ou como cidadão
que vivenciou as práticas educacionais no município de Ibiá nas décadas que serão
pesquisadas.
Você não terá nenhum gasto e ganho financeiro por participar na pesquisa.
Os riscos são o de investigar questões particulares e íntimas da sua história de vida que
até então você não estava disposto a revelar para a sociedade, percebendo só a partir de então
que seus relatos são parte integrante da História. Os benefícios serão o de perceber que você é
um agente importante para a construção da história da Escola, pois a escola faz parte de sua
história e trouxe consequências para sua vida, e poderá ver que também faz parte da história
da escola e que sua atuação foi preponderante para o que ela se tornou.
Você é livre para parar de participar a qualquer momento sem nenhum prejuízo. Uma
cópia deste Termo de Consentimento Livre e Esclarecido lhe será entregue.
Qualquer dúvida a respeito da pesquisa você poderá entrar em contato com:
Pesquisadores: Betânia de Oliveira Laterza Ribeiro, Adilour Nery Souto, Endereço: Universidade
Federal de Uberlândia - Faculdade de Educação Programa de Pós-Graduação em Educação-Mestrado e
Doutorado Av. João Naves de Ávila, 2121 - Campus Santa Mônica Bloco "G", Sala 1G121 - Caixa Postal:
593 UBERLÂNDIA - MG - CEP: 38400-902 Telefax: (034) 3239-4212 // COMITE DE ETICA EM
PESQUISA HUMANA - UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLÂNDIA: Av. João Naves de Ávila, nº
2121, bloco J, Campus Santa Mônica – Uberlândia –MG, CEP: 38408-100; fone: 34-3239-4131.
Uberlândia, 18 de dezembro de 2010
________________________________________________________
Assinatura dos Pesquisadores

Eu aceito participar do projeto citado acima, voluntariamente, após ter sido devidamente
esclarecido

Participante da Pesquisa
173

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O presente estudo situa-se na área da História e Historiografia da Educação e está
associado ao contexto histórico e as circunstâncias em que se deram as relações entre o ensino
público e privado no município de Ibiá-MG, mediante a análise do processo de criação da
escola particular Santa Terezinha. Trata-se de uma pesquisa sobre o movimento dinâmico que
envolveu o debate em torno da democratização da educação primária na região do Alto
Paranaíba (Ibiá-MG), bem como as disputas e os consensos que acompanharam a estruturação
e generalização das instituições de ensino pública e privada dessa modalidade de ensino no
Brasil, entre os anos de 1937 a 1959. Quem irá obter o Termo de Consentimento Livre e
Esclarecido será o pesquisador Adilour Nery Souto.
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estudante, ex-funcionário, ex- professor ou ex- diretor, no período compreendido entre 1937 a
1959, na Escola Santa Teresinha e no Grupo Escolar de Ibiá, como estas instituições
contribuíram para a sua formação, o que as escolas representavam e o que ela representam
hoje para você, qual a importância de estudar/trabalhar nessas instituições; ou como cidadão
que vivenciou as práticas educacionais no município de Ibiá nas décadas que serão
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até então você não estava disposto a revelar para a sociedade, percebendo só a partir de então
que seus relatos são parte integrante da História. Os benefícios serão o de perceber que você é
um agente importante para a construção da história da Escola, pois a escola faz parte de sua
história e trouxe conseqüências para sua vida, e poderá ver que também faz parte da história
da escola e que sua atuação foi preponderante para o que ela se tornou.
Você é livre para parar de participar a qualquer momento sem nenhum prejuízo. Uma
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Federal de Uberlândia - Faculdade de Educação Programa de Pós-Graduação em Educação-Mestrado e
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Uberlândia, 15 de agosto de 2011
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estudante, ex-funcionário, ex- professor ou ex- diretor, no período compreendido entre 1937 a
1959, na Escola Santa Teresinha e no Grupo Escolar Dom José Gaspar, como estas
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e generalização das instituições de ensino pública e privada dessa modalidade de ensino no
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Ibiá 13, de Fevereiro de 2012
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ANEXOS
A- Ata de aprovação dos alunos do Grupo Escolar Dom José Gaspar de 1950.
178

B- Família Cendón em 1940


179

C- Alunos da Escola Santa Terezinha


180

D- Cartão de agradecimento do Governador do Estado encaminhado à Escola Santa


Terezinha.
181

E – Formatura Vicentina Cedón (1940)


182

F – Foto ex-aluno da Escola Santa Terezinha.

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