Souto (2012)
Souto (2012)
Souto (2012)
Uberlândia – MG
2012
ADILOUR NERY SOUTO
Uberlândia – MG
2012
ADILOUR NERY SOUTO
BANCA EXAMINADORA:
_________________________________________________________
Profa. Dra. Betânia de Oliveira Laterza Ribeiro (Orientadora)
_________________________________________________
Prof. Dr. José Carlos Souza Araújo (UFU)
___________________________________________________
Profa. Dra. Debora Mazza (UNICAMP)
A meu pai Adilson Souto, cuja existência foi marcada
pelo entusiasmo e a caridade. Homem simples que, tendo
apenas o 4° ano primário, possuía a sabedoria de
doutores. Que comemorou cada conquista ao longo de
minha vida acadêmica. Que se consumiu como uma vela
para que sua família fosse edificada em bases sólidas.
AGRADECIMENTOS
A Deus, criador de tudo, por conceder-me determinação, ciência e sabedoria para desenvolver
este trabalho.
À Betânia Oliveira Laterza Ribeiro, orientadora e mãe intelectual pelas dúvidas esclarecidas e
material disponibilizado para a construção da pesquisa e compreensão nos momentos de
dificuldade.
À minha esposa Sirlene Cristina de Souza, pelo carinho, dedicação e cumplicidade.
À minha mãe Maria de Lourdes Souto, que mesmo não compreendendo a relevância do
trabalho à distância torce e manisfesta com frequência afeto, carinho e saudade.
À Luciene Maria de Souza, que acreditou e nos fez acreditar na realização deste trabalho.
A meus irmãos de sangue Fábio e Marilson; aos de consideração Vilmar, Siomar, Simone, aos
sobrinhos e sobrinhas pelo incentivo e motivação.
Aos depoentes que acolheram este trabalho com muita seriedade e me receberam com muito
carinho.
À Adriana Cristina França, amiga fiel pelo empenho e dedicação no agendamento das
entrevistas.
À Inês Nascimento, Secretária de Educação de Ibiá, pelo envolvimento e por disponibilizar
toda sua equipe para auxiliar na pesquisa empírica.
Às professoras da Escola Santa Terezinha Célia Cendón, Maria José Cendón e Vicentina
Cendón pelas horas agradáveis que passamos juntos e por haver disponibilizado o rico acervo
documental de sua instituição de ensino.
Ao prof. dr. José Carlos Souza Araujo e o prof. dr. Sauloéber Tarsio de Souza pelas
observações apresentadas no exame de Qualificação contribuindo para o aprimoramento do
texto;
Ao Diretor Administrativo do IFTM, Anivaldo Franco de Paula pela compreensão da
importância do trabalho e liberações para desenvolvimento da pesquisa.
Ao Professor Humberto F. S. Minéu, pela acolhida e manifestação de estimulo nos momentos
de angústia e pelas conversas agradáveis nos momentos de descontração.
Aos amigos Carlos, Cassio, Gean e Marlon que carinhosamente me receberam em Uberlândia
nesses dois anos de estudos;
E a todas as inúmeras pessoas que de alguma maneira, próximas ou distantes, tornaram
possível a construção deste trabalho.
RESUMO
INTRODUÇÃO..................................................................................................................12
CAPÍTULO 1
A relação do ensino primário público e privado na História da Educação
brasileira.............................................................................................................................20
1.1 O intercâmbio do ensino primário público e privado na legislação educacional:
antecedentes históricos.......................................................................................................20
1.1.2 A organização do Estado Republicano e a relação do ensino primário público e
privado na legislação do ensino brasileiro..........................................................................23
1.2 O Estado Republicano e os Grupos Escolares..............................................................28
1.2.1 A relação Estado, Família e Igreja na legislação do ensino brasileiro entre as
décadas de 30 e 50..............................................................................................................33
1.3 O intercâmbio entre o ensino público e privado e os conflitos de interesses expressos
na legislação educacional brasileira...................................................................................40
CAPÍTULO 2
As relações de conflito e/ou complementaridade do ensino público e privado nos rincões
das Gerais...........................................................................................................................52
2.1 O processo de democratização do ensino e a relação de conflito e/ou
complementaridade do ensino primário público e privado entre os anos de 1937 a
1959....................................................................................................................................52
2.2 A relação do ensino primário público e privado nos rincões das Minas
Gerais..................................................................................................................................57
2.2.1 A disseminação dos Grupos Escolares em Minas: Grupo Escolar de Ibiá uma
expressão estadual?............................................................................................................64
2.3 A omissão do Estado mineiro no processo de democratização do ensino e a resposta
da iniciativa privada...........................................................................................................68
2.4 Ensino Privado em Ibiá/MG: Escola Santa Teresinha (1937)......................................73
CAPÍTULO 3
Escola Santa Terezinha e Grupo Escolar Dom José Gaspar: entre teorias e
práticas................................................................................................................................84
3.1. Escola Santa Terezinha e a Escola Nova: a importância da formação das professoras
na disseminação dos princípios liberais.............................................................................84
3.2. Da iniciativa pública à iniciativa privada: Grupo Escolar Dom José Gaspar e Escola
Santa Terezinha..................................................................................................................91
3.2.1 Da iniciativa privada à iniciativa pública: o poder da Igreja Católica e a formação
moral..................................................................................................................................97
3.3 Entre teorias e práticas: a qualidade do ensino público e privado em Ibiá................104
3.4 Escola Santa Terezinha e Grupo Escolar de Ibiá: estreitando as relações.................109
Apêndices.......................................................................................................................127
Anexos............................................................................................................................177
12
INTRODUÇÃO
representado pelo Grupo Escolar de Ibiá, e a iniciativa privada, representada pela Escola
Santa Terezinha? Como a sociedade ibiaense percebe tais instituições? Qual a origem social
dos alunos que frequentam essas instituições? Qual a formação e metodologia de trabalho dos
professores dessas instituições de ensino? Qual a relação da iniciativa privada com o Estado?
Qual o papel desempenhado pela Escola Santa Terezinha, entre 1937 e 1959, período de
grande efervescência política e ideológica entre o ensino público e o ensino privado no
Brasil? Diante de tais questões nos lançamos ao desafio de contribuir para a História da
Educação, mediante análise da relação entre o ensino público e privado no município de Ibiá,
na região do Alto Paranaíba, Minas Gerais.
Nesse intuito, ao situar o embate entre o ensino público e o privado faz-se necessário
ressaltar que seus desdobramentos efetivos vinculam-se às determinações de uma dada
realidade sócio-político-cultural em que a aproximação da escola pública da privada emerge
das intenções subjacentes às propostas do estado brasileiro. ―A urgência da escolarização fez
sentir-se mais sensivelmente no período republicano, e as respostas públicas e privadas,
confessionais ou não, multiplicaram-se na direção do enfrentamento da urgente necessidade
de configurar a democratização do acesso à escola‖. (ARAUJO, 2005, p.141).
Devemos considerar que o Estado representa um pacto de união decorrente da vontade
humana. Ao atribuir a outro o direito de representá-lo, o homem autoriza o soberano ou a
assembléia de homens, a tomar todas as suas decisões e a agir como se fosse ele próprio, a fim
de que esteja garantida a segurança de todos. Nesse sentido, estão algumas teses que afirmam
a aproximação entre a democracia e o caráter público da atuação do Estado, o qual poderia
assegurar a todos os integrantes da sociedade o acesso e o usufruto dos bens humanos,
garantindo o máximo de equidade e compartilhamento do bem comum. Todavia, é importante
ressaltar que o Estado é um estágio de organização e regulação coletiva, através da produção
de normas gerais; é o lugar de integração da coletividade, não a vontade comum dos
indivíduos singulares, mas uma vontade apresentada como universal. Vontade essa negociada
no jogo dos interesses desiguais e combinados dos grupos que se sentem por ele e nele
representados.
O Estado instituiu-se, nesse entendimento, como expressão das formas contraditórias
das relações de produção que se instalam na sociedade civil. Delas é parte essencial; nelas tem
fincada sua origem e são elas, em última instância, que historicamente delimitam e
determinam suas ações. Assim, o Estado constituído nos tempos modernos não tem sido um
Estado de direito; não constitui um agenciador dos interesses coletivos e muito menos dos
14
interesses dos segmentos mais fracos da população que compõe sua sociedade civil. Seu
poder acaba expressando-se como manifestação de força dos segmentos mais privilegiados
em detrimento dos menos favorecidos.
2
É frequente o uso dos termos público e estatal como sinônimo. A nosso ver, o critério para tal associação é o
vínculo jurídico-financeiro da instituição prestadora do serviço. Basta que uma escola seja mantida pelo Estado
para ser nomeada escola pública. A princípio, espera-se que a identificação exista, mas nem sempre isso ocorre,
pois o caráter estatal não é suficiente para assegurar a publicidade da instituição. Por isso, o termo público traz
em si uma multiplicidade de sentidos que demanda um olhar mais atento.
15
Assim, o caráter estatal pode se constituir como espaço público, por trazer, em seus
propósitos, elementos como o atendimento a toda a população, a gratuidade e o livre acesso.
Todavia, o significado de público emerge não necessariamente na esfera estatal apesar de nela
ser possível localizar os elementos que o fundam. Ele está identificado com a ação política,
com relações democráticas e com uma vida cidadã. A condição de cidadãos transforma os
indivíduos em seres sociais ativos, participantes da vida política, de modo que o Estado mais
se aprimora quanto melhores e mais atuantes são seus cidadãos.
No entanto, o Estado moderno trouxe formas distintas de tratar a vida política e, em
consequência, de lidar com a questão do público. Este possui funções, poderes e competências
legalmente definidas e deve assumir para si o interesse público. Entretanto, as políticas
públicas emanadas do Estado anunciam-se numa correlação de forças, e nesse confronto
abrem-se as possibilidades para implementar sua face social, em um equilíbrio instável de
compromissos, empenhos e responsabilidades. As políticas públicas revelam as características
próprias da intervenção de um estado submetido aos interesses gerais do capital, na
organização e na administração da coisa pública, e contribuem para assegurar e ampliar os
mecanismos de cooptação e controle social.
Por conseguinte, a forma pela qual foi organizado o estado brasileiro se refletiu na
organização da educação e, ao mesmo tempo, foi reflexo dela. A educação é reconhecida
como uma política estratégica, capaz de intensificar o crescimento da renda, produzir a
modernização ou construir uma sociedade mais justa. O Estado que se legitima como
instrumento eficaz da paz social, vê na educação o canal de ascensão social e moral dos
indivíduos. E, ao menos ao nível do discurso, a educação é base da reconstrução ou
reconversão social.
Para entender esse estado que é o desencadeador das políticas educacionais, buscamos
as conexões entre os vários processos que compõem tal movimento histórico. Com a
instalação do regime republicano no Brasil, a educação elementar, até então reservada a uma
pequena parcela da população, e voltada para uma formação essencialmente humanista,
passou a desempenhar um papel relevante na construção da nova sociedade. Nesse contexto, o
sentido de público da escola brasileira esteve restrito à sua identificação com a escola gratuita,
16
mantida pelo estado, daí ser usual uma definição a partir de seu oposto, a escola privada, paga
e de iniciativa particular.
Contudo, abordar o tema sob esse ângulo pode limitar a dimensão formal ligada à
natureza jurídica de quem a mantém. Pensar o público e o privado de forma dicotômica supõe
definir um dos termos pela negação do outro, estabelecendo entre eles uma distinção
exaustiva e auto-excludente. É admitir que o que está ligado ou diz respeito a um indica não
estar ligado ou não se referir ao outro. Nosso trabalho compreende o público e o privado
como resultado dinâmico de um processo histórico que produziu leituras diversas em
contextos diversos. São mescladas perspectivas que tratam o público como o coletivo, o
popular e o democrático com procedimentos e fins específicos, sem que para ampliar a esfera
pública tenha necessariamente de reduzir a esfera privada e/ou vice-versa.
O período por nós focado, sob o ponto de vista das cosmovisões sustentadoras dos
grupos educacionais em conflito, se insere em um contexto no qual se processaram mudanças
significativas na sociedade brasileira. O movimento da camada média ligado aos setores da
oligarquia dissidente assinalam o início de um processo de transformações que abalaram as
estruturas econômicas e políticas da nação. Incapaz de se manter na estrutura oligárquica
excludente ante as vicissitudes do capitalismo internacional, o Brasil, como país dependente,
terá que remodelar-se. A industrialização, ainda que associada de forma complementar à
agricultura, à urbanização motivada pelas migrações e ao processo de democratização do
ensino apontam para mudanças significativas no cenário nacional brasileiro.
Nesse momento histórico aflora a doutrina liberal que dissemina princípios como
igualdade de direitos e de oportunidades, destruição de privilégios hereditários, respeito às
capacidades e iniciativas individuais, e educação universal para todos. Assim, podemos
constatar que o papel atribuído à educação, pela doutrina liberal, como sendo o instrumento
para a construção de uma sociedade mais aberta, está intimamente associado ao conflito
público e privado.
Iniciamos nosso estudo compreendendo a configuração física do espaço da escola
pública que se tornou visível com as primeiras construções destinadas à educação primária, ou
seja, os Grupos Escolares.
Assim, iniciamos a pesquisa indo ao encontro do Grupo Escolar de Ibiá com visitas
realizadas na atual Escola Municipal Dom José Gaspar. Lá localizamos os termos de visita
dos inspetores regionais (1932-85), o inventário do material didático e imobiliário (1932-67),
atas de reunião de professores (1937-49), registros de atas do conselho da caixa escolar (1943-
92), atas de promoção e exames de alunos (1946-58). Posteriormente fomos ao encontro das
fundadoras da Escola Santa Terezinha que ainda hoje residem em Ibiá, no mesmo prédio onde
18
funcionou a escola. Com Célia Cendón e Maria José Cendón passamos horas agradáveis,
conseguimos ter acesso ao rico acervo que essas irmãs preservam dessa instituição de ensino.
Além dos livros de matrícula, tivemos acesso ao livro de promoção, às fontes iconográficas e
a todos os documentos expedidos e recebidos pela escola Santa Terezinha no período em que
esteve em atividade.
Realizamos uma visita à Superintendência de Ensino de Uberaba com o intuito de
encontrar o registro da escola Santa Terezinha, sendo que nesse período o município de Ibiá
estava sob a circunscrição de ensino de Uberaba, mas, grande foi nossa frustração. Nem em
Uberaba, nem na atual superintendência de Patrocínio conseguimos localizar o registro oficial
da escola Santa Terezinha. Contudo, a documentação escrita, oral e iconográfica levantada
nos permitiu promover a análise a que nos propomos: estabelecer a relação do ensino público
e privado considerando toda a dinâmica interna e externa da Escola Santa Terezinha e do
Grupo Escolar de Ibiá.
Utilizamos como metodologia de pesquisa entrevistas semi-estruturadas e em grupo
focal, pois a oralidade nos oferece interpretações qualitativas importantes para a compreensão
dos processos históricos educacionais. Assim, sublinhamos a fonte oral como mais uma
técnica de nossa pesquisa, na medida em que incorpora as experiências subjetivas mescladas
com o contexto social do período em apreço, permitindo, assim, um viés entre o individual e o
coletivo da escola, de forma que o nacional e o regional mostram-se invariavelmente
presentes no singular. O não dito, a hesitação, o silêncio, a repetição são elementos
integrantes e até estruturantes do discurso e do relato. A memória de um pode ser a memória
de muitos, possibilitando a evidência dos fatos coletivos.
Dessa maneira, uma profusão de memórias plurais afirmando sua singularidade aflora
com riqueza de informações que nos permitiram revisitar espaços, tempos e práticas da Escola
Santa Terezinha. Sem desprezar as fontes documentais, as entrevistas realizadas com duas das
sócias fundadoras e quatro ex-alunos dessa intuição de ensino nos proporcionou uma narrativa
histórica muito mais coerente e significativa enriquecendo nossa análise.
Nesse intuito, no primeiro capitulo analisamos a legislação e constatamos que a
constituição de 1934 define a concessão de que ―os estabelecimentos particulares de educação
gratuita primária ou profissional, oficialmente considerados idôneos, serão isentos de
qualquer tributo.‖ Na Constituição de 1937 embora não houvesse menção explicita a subsídio
governamental ao setor privado, os setores públicos eram apresentados como coadjuvantes ao
ensino privado. A Constituição de 1946 define que, ―o ensino dos diferentes ramos será
19
ministrado pelos poderes públicos, e é livre à iniciativa particular, respeitadas as leis que o
regulem‖. Tal quadro produz uma situação perversa da ação estatal na medida em que não
estabelece as fronteiras e diferenças entre os interesses coletivos e os interesses particulares,
facultando a emergência da privatização do público e a publicização do privado, promovendo
uma interpenetração entre as esferas públicas e privadas.
No segundo capítulo propomos uma análise do real significado de público e privado
na educação, pois entre os defensores da escola pública e os defensores da iniciativa privada,
havia uma crença comum no poder da educação e na imagem que faziam de si mesmos como
representantes dos interesses nacionais. Todavia, o número de escolas públicas fechadas nesse
período pelo Estado de Minas Gerais foi sem dúvida muito superior ao das restabelecidas e
criadas. A contenção em relação às despesas com o setor educacional fez com que a iniciativa
privada despontasse. Assim, nos propomos a conhecer a realidade sócio-econômica e cultural
de Ibiá e os atores que participaram do processo de institucionalização da escola pública e
privada nesse município.
No terceiro capítulo analisaremos em que contexto político-econômico e sócio-cultural
emerge a escola Santa Terezinha em Ibiá. Estabeleceremos mediante análise documental, oral
e iconográfica a relação do ensino primário público e privado iniciando pela formação das
professoras e a qualidade do ensino prestado pela Escola Santa Terezinha em comparação
com o Grupo Escolar Dom José Gaspar. Partiremos da formação das professoras para
desvendar as ideologias que perpassam as práticas educativas analisando o poder do Estado e
a influência da Igreja, mas sem perder de vista as condições socioeconômicas que estão
intrinsecamente relacionadas ao processo de escolarização no Brasil. Assim, com intuito de
desvendar em que medida ocorre o conflito e/ou a complementaridade nessas instituições de
ensino, os aspectos locais serão relacionados com o contexto histórico em que se deram as
práticas e construções simbólicas, evidenciando os padrões de relacionamento entre o ensino
primário público e privado a nível regional e nacional.
20
CAPÍTULO 1
A RELAÇÃO DO ENSINO PRIMÁRIO PÚBLICO E PRIVADO NA
HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO BRASILEIRA
Ao situar o embate entre o ensino público e o ensino privado é necessário ressaltar que
seus desdobramentos efetivos vinculam-se às determinações estruturais e conjunturais de uma
dada realidade político-econômica e sócio-cultural. Contudo, o público e o privado constituem
categorias originárias e específicas da época moderna, pois, só se pode considerar públicas e
privadas categorias educacionais, a partir do século XIX quando se configura nitidamente a
educação pública.
No Brasil a instrução pública até século XVIII era ministrada, basicamente, nas
escolas mantidas por ordens religiosas e subsidiadas pelo reino português, combinando-se
com os preceptores privados, providos no seio das famílias mais abastadas. Em 1759 com as
reformas pombalinas3, surge um ensino estatal materializado nas Aulas Régias convergindo,
3
O alvará régio além de diretrizes administrativas gerais estabelecia a nova organização dos estudos, o ―novo
método‖, o ensino público e gratuito de gramática latina, grego e retórica, a indicação e a proibição de vários
compêndios e o impedimento para ensinar sem licença do diretor de Estudos. Determinava ainda que os
professores passariam a gozar dos privilégios da ―nobreza ordinária‖ – o que significava distinção social. (...)
Tanto em Portugal quanto no Brasil, retomou-se o sistema de ensino que vigorava antes da criação dos colégios
21
também, com iniciativas particulares. Trata-se, pois de uma escola coletiva, de iniciativa
privada, que nesse momento é considerada como escola pública.
jesuíticos e que incluía aulas avulsas em salas alugadas, nos prédios das antigas escolas da Companhia de Jesus
ou mesmo na casa do professor. Assim, as denominações ―aula‖, ―aula régia‖, ―escola‖ e ―cadeira‖ designavam
um mesmo modelo: estudos avulsos ministrados por um professor régio – isto é, autorizado e nomeado pelo rei.
(VEIGA, 2007, p.134-135).
22
4
Instrumento jurídico tipicamente medieval que possibilitava um domínio direto da Coroa nos negócios
religiosos, especialmente nos aspectos administrativos, jurídicos e financeiros. Isso implica, em grande parte, o
fato de que religião e religiosidade eram também assuntos de Estado.
23
Foi com o advento da República, ainda que na égide dos estados federados, que a
escola pública, entendida em sentido próprio se fez presente na história da educação
brasileira. Com efeito, é a partir daí que o poder público assume a tarefa de organizar e manter
integralmente escolas tendo como objetivo a difusão do ensino a toda a população. Nesse
quadro, a extensão do acesso à escola pública a segmentos amplos da sociedade aparecia
como bandeira bastante valorizada, sendo o combate ao analfabetismo visto como um eixo
importante do debate e da ação governamental.
Nessa perspectiva, configurava-se para além do olhar dirigido ao ler, escrever e contar,
uma preocupação com a educação formal de maneira mais ampla, em cuja esfera seriam
veiculadas lições de sentimento pátrio. Contudo, a constituição de uma nação organizada
deveria incluir ainda outros elementos fundamentais, que mobilizaram a atenção das elites
intelectuais daquele tempo, como a transmissão de hábitos e comportamentos à população, de
maneira a se conformar um corpo social saudável e coeso em torno de referenciais comuns.
5
Fracasso esse associado à oferta da instrução apenas a uma pequena parcela da sociedade, somente aqueles
considerados cidadãos pela legislação vigente (1824). Com a independência política do país e sob o regime
imperial ficou inscrita a gratuidade da instrução primária na primeira Constituição brasileira, no ano de 1824.
Mas o ensino gratuito por si só não viabilizou uma escola universal. A diferenciação social estava consolidada
pela não inclusão dos escravos à categoria de cidadãos e pela destinação do ensino oficial aos mais pobres, uma
vez que para os mais abastados a educação continuava sendo tarefa familiar. Além disso, existiam outros limites
impostos não pela escola, mas pela condição de trabalhadores em que as crianças pobres se encontravam.
6
A Guarda Nacional criada em 1831, para substituição das milícias e ordenanças do período colonial,
estabelecera uma hierarquia, em que a patente de Coronel correspondia a um comando municipal ou regional,
por sua vez dependente do prestígio econômico ou social de seu titular, que raramente deixaria de figurar entre
os proprietários rurais. De começo, a patente coincidia com um comando efetivo ou uma direção, que a Regência
reconhecia para a defesa das instituições. Mas, pouco a pouco, as patentes passaram a ser avaliadas em dinheiro
e concedidas a quem se dispusesse a pagar o preço exigido ou estipulado pelo poder público, o que não chegava
25
vários aspectos, dentre os quais, são ressaltados o êxodo rural, produto da industrialização, e a
afirmação e garantia dos direitos trabalhistas aos trabalhadores urbanos, que transformou o
campo em instância menos atraente. Também houve a ascensão progressiva do Poder Público,
advinda da consolidação de um novo modelo de Estado. Enfraquecidos diante de seus
dependentes e rivais, os coroneis se viram diante da necessidade de fazer alianças políticas
com o Estado, que expandia sua influência na proporção em que diminuía a dos donos de
terra.
Daí a essência do compromisso coronelista, isto é, do acordo firmado entre o poder
privado decadente e o poder público em ascensão. Dessa forma, governo estadual garante,
para baixo, o poder do coronel sobre seus dependentes e seus rivais e o coronel hipoteca seu
apoio ao governo, sobretudo na forma de votos. Para cima, os governadores dão seu apoio ao
Presidente da República em troca do reconhecimento deste. Esse complicado arranjo foi
denominado por Victor Nunes Leal de sistema de reciprocidade, ou seja, ―de um lado, os
chefes municipais e os coroneis, que conduzem magotes de eleitores como quem toca tropa de
burros; de outro lado, a situação política dominante do Estado, que dispõe do erário, dos
empregos, dos favores e da força policial, que possui, em suma, o cofre das graças e o poder
da desgraça‖ (LEAL, 1975, p.43).
a alterar coisa alguma, quando essa faculdade de comprar a patente não deixava de corresponder a um poder
econômico, que estava na origem das investiduras anteriores. (LEAL, 1975)
26
De acordo com o exposto acima configurou-se no país uma formação social em que
permaneciam marcas do passado, não numa utilização integral e intacta, mas adaptadas,
ajustadas às novas formas de poder político, constituindo, assim, o formato do processo de
modernização brasileira. Nesse contexto, elementos conjunturais e estruturais, fatores
externos e internos de ordem econômica, social e política se imbricaram para resultar no
modelo brasileiro de sociedade capitalista, no período em apreço.
Nessa conjuntura, o Estado brasileiro investe no processo de implantação de um
sistema de ensino como forma de responder as exigências e expectativas impostas por um
conjunto de mudanças em âmbito nacional e internacional. Aos poucos, vão se consolidando
reformas que irão ampliar o projeto republicano e, vale ressaltar, que tais questões não
convertem a um plano completo, único e nacional.
A necessidade de organização de uma nova ordem por influência dos ideais do
positivismo 7 vão permitir filosoficamente a instituição dos ideários republicanos a partir da
instrução pública. A influência positivista foi decisiva para configurar a República brasileira
numa perspectiva mais pragmática, mais centrada nos aspectos organizativos da sociedade.
Contudo, vale lembrar que para os positivistas as classes inferiores não tinham condições de
levar o país a grandes mudanças. Para tanto, era necessário instruir o povo para formar o
cidadão que o Estado precisava para se consolidar como bem afirma Valle,
Não se trata mais, apenas, de registrar nas leis criadas pelos homens a ordem
imutável que os transcende, mas de criar uma nova sociedade, sobre a base
de novas leis; mas como esta sociedade nova deve ser, necessariamente,
composta de homens novos, o político não se constrói apenas pelas leis, ele
deve se ampliar à construção sistemática do novo cidadão. (VALLE, 1997,
p.11).
7
O positivismo era tido como a única doutrina capaz de demonstrar que as grandes transformações sociais se
devem operar pacificamente. Suas propostas indicavam a necessidade de se implementar um conjunto de
reformas educacionais como instrumento de modernização da sociedade brasileira.
27
8
O pensamento liberal parte de uma concepção inicial onde os homens são definidos enquanto seres livres e de
igual capacidade. Tal pressuposto se baseia na ideia de que a capacidade de pensar racionalmente seja um
instrumento nato de qualquer homem. Mediante esse princípio de igualdade jurídica, os homens teceriam suas
relações a partir da criação de instituições que regulassem a busca de seus interesses. Assim, os liberais veem no
Estado uma instituição de origem racional, que conseguiria preservar os princípios de igualdade de oportunidade,
mas não de condições sociais.
28
9
O pesquisador mineiro Luciano Mendes Faria Filho descreve o procedimento de criação e estabelecimento de
uma escola isolada de instrução pública em Minas Gerais no início do século XX como sendo um processo
―bastante simples, apesar de trabalhoso. Bastava que um professor (titulado ou não) ou um grupo de moradores
de determinada localidade, procedendo ao levantamento do número de crianças em idade escolar residente na
região e verificando número suficiente de meninos e meninas (45 para região urbana e 40 para o meio rural, em
1906), solicitasse a criação de uma cadeira de instrução primária no local.‖ (FARIA FILHO, 2000, p.28).
30
Pela primeira vez aparece na escola pública a figura do diretor, o ensino misto, bem
como alguns materiais didáticos – novidades nas escolas primárias públicas como mapas,
gravuras, jogos matemáticos, entre outros. O diretor assume papel de destaque já que é este a
autoridade que representa o Estado, tendo como atribuição fazer a escola funcionar mediante
os princípios do mesmo. Ao diretor cabe a busca da padronização do ensino dentro dos
Grupos Escolares, em prol de uma uniformidade desde os prédios ao regulamento, com o
31
Nesse sentido, não podemos deixar de ressaltar as mudanças econômicas que atingem
as estruturas do processo político e sociocultural do país, fazendo surgir, na década de 1930,
um governo forte que utilizará a educação, especialmente o ensino público primário, como
veículo de difusão ideológica e controle político.
neutra, como recurso para garantir o direito do indivíduo à escola coopera para criar, em meio
ao povo, a imagem de um governo comprometido com a solução dos problemas sociais.
Assim sendo, essa reforma nada mais foi do que um ajustamento, a intervenção do Estado
brasileiro, para adequar a formação dos trabalhadores às exigências do grande capital, que
exigia a qualificação da mão de obra de seus operários.
Todavia, ―[...] o aparato legal é apenas uma dentre as muitas dimensões de uma
política, expressando, via de regra, o valor público perseguido para a educação nos diversos
contextos‖ (VIEIRA, 2008, p. 16). Assim, as políticas públicas educacionais 10 nesse período,
entre avanços e recuos, contemplam os quatro princípios basilares que caracterizavam a
escola pública, ou seja, universalidade, obrigatoriedade, gratuidade e laicidade. Tais
princípios foram penetrando as discussões políticas que eram, na época, restritas a uma
pequena parcela da população, aquela que podia participar e intervir em embates dessa
natureza. A grande maioria dos brasileiros estava distante da vida política por sua condição,
associada muitas vezes à situação de analfabeto, ex-escravo, não católico, mulher ou pobre.
Era, então, uma estrutura social de tal forma marginalizadora incompatível com a idealizada
sociedade republicana regida pelo desejo de igualdade, liberdade e fraternidade entre os
homens.
Mas, se a escola brasileira não concretizou nas suas primeiras décadas de existência os
princípios da universalidade, obrigatoriedade, gratuidade e laicidade, tampouco os abandonou
completamente. O reconhecimento do valor social que esses princípios traziam implícitos
serviu de referência para os que lutaram por sua concretização. Assim, o Manifesto de 1932,
assinado por 26 intelectuais e dirigido ao povo e ao governo brasileiro, consagrou a defesa
formal da escola para todos e conferiu visibilidade às contradições no processo de
escolarização, estimulando o debate em torno da democratização do acesso à educação. Os
autores do manifesto acreditavam que o almejado desenvolvimento do país só seria possível
com base em novos comportamentos e conhecimentos. Negaram os princípios da escola
tradicional e defenderam os princípios da Escola Nova, que priorizava os sentimentos
patrióticos, as aptidões naturais, a colaboração e a moralização.
10
As políticas públicas revelam as características próprias da intervenção de um estado submetido aos interesses
gerais do capital na organização e na administração da res-pública e contribuem para assegurar e ampliar os
mecanismos de cooptação e controle social. Por outro lado, como o Estado não se define por estar à disposição
de uma ou outra classe para seu uso alternativo, não pode se desobrigar dos comprometimentos com as distintas
forças sociais em confronto. (SHIROMA; MARIA; OLINDA, 2000, p. 09).
36
11
É importante compreender o conceito de cidadania dentro do contexto político-econômico e sociocultural
desse momento histórico. Pois, tal conceito não tem uma essência com um significado passível de
universalização, mas possui um caráter de construção histórica, definida por interesses e práticas concretas de
luta política. É importante lembrar que a dinâmica social é o eixo de construção da cidadania.
37
ocupar, ao longo do manifesto, maior espaço que a própria apresentação do seu plano de
execução‖.
Tendo a desigualdade social como característica persistente no processo de
desenvolvimento e modernização socioeconômica e cultural, a sociedade brasileira
naturalizou relações desiguais e de privilégios que refletiam e se consolidavam no processo de
escolarização dessa mesma sociedade. Nesse contexto, o Manifesto dos pioneiros da
educação apresenta certas limitações porque, ao mesmo tempo em que reconhece a
educação como possibilidade de desenvolvimento técnico ao país, apresenta para tal
uma concepção liberal, idealista e não contempla uma ação objetiva e científica efetiva.
―[...] afinal, expandir as oportunidades educacionais ou reformar as instituições
escolares representava um custo menor que alterar a distribuição de renda e as relações
de poder.‖ (XAVIER, 1990, p. 63).
Contudo, o movimento da Escola Nova nos ajuda a refletir sobre as relações entre as
esferas pública e privada no âmbito da educação. No Manifesto a educação é assinalada como
uma função social, eminentemente pública e como uma das tarefas ―de que a família se vem
despojando em proveito da sociedade política‖, incorporando-se ―definitivamente entre as
funções essenciais e primordiais do Estado‖. Embora acentuasse o papel do Estado ante a
família na matéria educacional, o documento não deixava de mencionar a importância da
instituição familiar, vista ainda como o ―quadro natural que sustenta socialmente o indivíduo,
como o meio moral em que se disciplinam as tendências, onde nascem, começam a
desenvolver-se e continuam a entreter-se as suas aspirações para o ideal.‖(MANIFESTO
1932).
Nesse sentido, os renovadores apresentaram ao povo e ao governo, o seu projeto
pedagógico, criticaram a subordinação da educação brasileira a interesses político-partidários,
bem como condenaram a interferência da Igreja católica nas questões ligadas ao ensino. Os
pioneiros conclamam o Estado a viabilizar, por meio da ação de grupos de comprovada
competência técnica, a transformação da educação em uma função social e pública. Dessa
forma, eles pretendiam inaugurar um processo de especialização e autonomização do campo
educacional, com base na convicção de que a secularização da cultura associada à busca da
autonomia do sujeito privado suplantaria o enfraquecimento do papel social da família,
promovendo uma ruptura entre poder político e religião, contribuindo, assim, para o
afrouxamento dos laços de dependência que prendiam as instituições educacionais às órbitas
doméstica e religiosa.
38
Nessa linha, a educação deixa de ser considerada tarefa primordial da família que, a
partir de então, passa a ser vista como coadjuvante da tarefa educacional juntamente com a
instituição escolar e o Estado. O Manifesto refuta o controle da educação brasileira pela Igreja
católica, defendendo a ideia de que, nas sociedades modernas, a educação devia ser entendida
como um setor e um serviço de natureza pública e, portanto, precisava ser assumida como
tarefa primordial do Estado. Daí, a necessidade de articulação da escola com a esfera política
(representada pelo Estado) e a demarcação do sentido do que se defendia como educação
pública.
Por conseguinte, o movimento renovador enfrentou a resistência da Igreja Católica que
buscava recuperar sua influência sobre a educação, inclusive o restabelecimento do ensino
religioso nas escolas públicas. A reação católica foi liderada pelo Cardeal do Rio de Janeiro,
Sebastião Leme, pelo padre jesuíta Leonel Franca e pelo intelectual leigo Alceu Amoroso
Lima, também conhecido pelo pseudônimo Tristão de Athayde.
Em meio a essa conjuntura, a luta que ora se trava em defesa da escola pública é um
verdadeiro divisor de águas na história pedagógica da nação, propiciando o choque inevitável
entre duas mentalidades existentes no país, a saber, católicos e liberais. A luta que se abriu em
nosso país entre os partidários da escola pública e os da escola particular é, no fundo, a
mesma que se travou em vários países, entre a escola religiosa (ou o ensino confessional), de
um lado, e a escola leiga (ou o ensino leigo), de outro.
Carlos Jamil Cury, no livro Ideologia e Educação Brasileira: Católicos e Liberais,
descreve os argumentos utilizados pelos católicos na defesa do Estado confecional,
De acordo com o exposto acima, a doutrina católica seria para o Estado não apenas um
instrumento capaz de garantir a preservação da ordem e de legitimação do autoritarismo, mas
também um instrumento indispensável de transmissão de valores que serviam de subsídio
para a nova nação.
12
Alcançou-se por um lado, a aprovação de propostas de ensino primário obrigatório, gratuito e universal, da
ampliação da competência da União, por meio do Conselho Nacional de Educação – resguardada a autonomia
dos estados e municípios locais. A constituinte atribuiu ao Conselho a tarefa de elaborar um Plano Nacional de
Educação e de garantir os recursos para o sistema educativo. Por outro lado o grupo católico viu atendidas suas
reivindicações no que se refere ao ensino religioso nas escolas, à manutenção da liberdade de ensino, ao
reconhecimento de estabelecimentos privados de ensino tido como idôneos, bem como do papel desempenhado
pela família na educação.
42
devida atenção do governo central nesse período, estando o sistema de ensino ligado à
administração dos estados13. Contudo, as reformas que ocorriam em nível estadual se
constituíam, muitas vezes, de forma efêmera, e muitas eram desarticuladas da realidade
lugar/espaço onde se materializava o processo de escolarização do país.
A Constituição outorgada em 1937 assinala que, no dever de educar, o Estado se torna
subsidiário do dever primeiro e natural da família e dos pais. Ao Estado cumpriria ser
complemento das lacunas deixadas pela educação particular. Este dispositivo é reforçado com
o art. 128, que garante o ensino livre à iniciativa individual, particular e pública, impondo-se
como ―dever do Estado contribuir, direta e indiretamente, para o estímulo e desenvolvimento
de umas e outras.‖ (BRASIL, 1937).
A Constituição de 1937 dedicou bem menos espaço à educação do que a anterior, mas
o suficiente para incluí-la em seu quadro estratégico com vistas a equacionar a ―questão
social‖ e combater a subversão ideológica. Diferentemente da Constituição de 1934, a de
1937 tem nítida inspiração nos regimes autoritários fascistas, e o Estado Novo14 corresponde a
um aprofundamento da centralização. A Constituição de 1937 amplia a competência da União
para fixar as bases e determinar os quadros da educação nacional, traçando as diretrizes a que
deve obedecer a formação física, intelectual e moral da infância e juventude.
13
Mesmo não havendo uma legislação educacional a nível nacional não podemos nos esquecer que a partir da
revolução de 1930 até o início dos anos 1950 o Estado se projeta de forma ditatorial conciliando os interesses das
classes sociais dominantes. Por esse motivo nos atemos nesse capítulo a uma análise macro, buscando
compreender o papel do Estado na história da educação brasileira.
14
Regime político inspirado na ditadura de Antonio de Oliveira Salazar em Portugal, instituído em 1937 durou
até 29 de outubro de 1945 quando Getúlio foi deposto pelas Forças Armadas.
43
17
Em dezembro de 1944, Lourenço Filho havia encaminhado ao ministro um anteprojeto que se transformou,
com pequenas alterações de forma, na Lei Orgânica do Ensino Primário, decretada em Janeiro de 1946, depois
da queda de Vargas e da substituição de Capanema por Leitão da Cunha. Nota-se apenas mudança de fundo. O
Anteprojeto de Lourenço Filho, ao tratar dos princípios orientadores do ensino primário afirma que este deverá
inspirar-se, em todos os momentos, no espírito da unidade e da segurança nacional.
46
Mesmo após a Constituição de 1946 ter refletido o clima do pós Segunda Guerra,
quando a democracia era questão central nos países ocidentais, com algumas características
democrático-liberais muito próximas da Constituição de 1934, isso não significou, no entanto,
que o clima no Brasil fosse de total abertura política. Pelo contrário, a guerra fria entre os
Estados Unidos e a União Soviética repercutiu aqui em forma de intolerância aos partidos de
esquerda. Na área econômica, o projeto de industrialização do governo Kubitschek (1956-
1961) redefiniu o papel do Estado, associando-o ao capital privado internacional. A indústria
brasileira a ele também se associou como estratégia de sobrevivência e foi se ajustando aos
novos padrões de consumo, com suas diferenciações entre o perfil de demanda das massas e
de uma pequena parcela da população (XAVIER, 1990).
Nesse contexto, o desenvolvimento do capitalismo industrial brasileiro produziu uma
significativa concentração de renda, e a consequente marginalização política e econômica da
maioria dos brasileiros refletiu no sistema escolar que, por sua vez, confirmou a
marginalização, também, no que se referia ao acesso aos bens culturais. Desse ângulo não
deixa de ser um paradoxo a estranha contradição que impera no Brasil. Enquanto se propõe
um desenvolvimento econômico acelerado e uma política de desenvolvimento, mantém-se a
47
educação como um privilégio social e como um fator estático ou neutro. Toda inovação exige,
para erigir-se ou perpetuar-se, atitudes e comportamentos novos – o que significa
conhecimentos novos sobre técnicas sociais igualmente novas. O nosso sistema de ensino de
então atua, nesse sentido, às avessas; prepara o homem para ajustar-se a uma ordem social
estática e tradicionalista, embora a própria sociedade tenda para padrões organizatórios
dinâmicos.
18
Gustavo Capanema emite parecer contrário ao projeto de Clemente Mariani. Para Capanema, a expressão
―diretrizes e bases‖ não significava apenas ―normas gerais‖. Tinha um sentido muito mais amplo e
compreensivo. Segundo ele, a Assembleia Constituinte, ao regular a competência da União quanto à legislação
do ensino, não quis traduzir o seu pensamento somente com a palavra ―diretrizes‖, mas acrescentou ao texto a
palavra ―bases‖, pretendendo significar, com isso, claramente, e quase redundantemente, que à União compete,
não apenas traçar os princípios gerais do ensino de todos os ramos, mas também dar-lhe estrutura e disciplina,
organização e regime. Capanema mantém a subordinação do sistema educacional à conveniência dos interesses
nacionais, a serem estabelecidos pelo legislador ordinário federal, o qual, naquele momento, era o Legislativo,
mas que poderia voltar a ser um Executivo forte e autoritário. E mostrando que sua concepção de democracia
não excluía a existência deste governo forte e centralizador, confere ao termo ―bases‖ o mesmo significado que
havia atribuído, em 1937, à expressão ―preceitos diretores‖, isto é, normas que permitissem a unificação e o
disciplinamento das atividades educativas, sob o controle do governo central.
49
1948, havia afirmado que o mesmo era inconstitucional, atacava a unidade nacional, era um
crime contra a nação, era um projeto incorrigível19.
Apesar de indicar o dever do estado na garantia de educação para todos, partindo do
pressuposto da escola equalizadora, o projeto original admitia incentivos para o ensino
privado e induzia a uma concepção supletiva da ação estatal, reforçando o seu caráter
moralizador e fiscalizador. Nesse sentido o projeto Mariani assume as dimensões reais
compatíveis com a realidade econômica e política subjacente, mantendo a formação dual e
discriminatória.
No entanto, as incertezas políticas impediram que o projeto fosse discutido e aprovado
que, em linhas gerais, ficou cerca de onze anos engavetado, bloqueado, sem que a Câmara,
nesse longo período tivesse dele tomado conhecimento. Depois de um longo processo de
hibernação, ressurgiu afinal o Projeto Clemente Mariani, totalmente desfigurado pelas
metamorfoses por que sofreu como podemos observar pelo relato de Laerte Ramos de
Carvalho que descreve o histórico desse movimento.
19
O pedido de urgência foi rejeitado por 112 contra 77 votos. O debate do projeto de Lei de Diretrizes e Bases
só terá andamento em plenário a partir de 1957 quando Capanema perde a liderança da maioria e,
posteriormente, a própria cadeira de deputado. Sem levar em consideração que o projeto fora o resultado de um
trabalho sério de uma comissão de educadores, Capanema viu nele apenas um instrumento político utilizado por
Clemente Mariani contra ele e contra seu trabalho no Ministério da Educação durante o governo Vargas.
50
Assim, num clima de amplo debate, surge um movimento em defesa da escola pública
brasileira que ganhou força durante a elaboração da lei de Diretrizes e Bases da Educação. A
Campanha de Defesa da Escola Pública, constituída em 1960, trouxe à tona a polêmica entre
escola pública e escola privada, e debateu o papel do Estado como articulador da educação
nacional. Como estratégia, o movimento ampliou as discussões, expandiu-se e foi divulgado
por diversas regiões do país por meio de textos escritos, conferências, comícios e reuniões, e
se consolidou pelo interesse de conquistar adesões nos âmbitos, local, municipal, estadual e
nacional.
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (lei n. 4.024) foi sancionada pelo
presidente João Goulart, em 20 de dezembro de 1961 e garantiu maior autonomia na medida
em que permitiu a descentralização administrativa e didático-pedagógica das partes
formadoras do sistema nacional de ensino. No entanto, no que tange à distribuição de
recursos, a LDB contemplou os interesses privados em detrimento dos interesses públicos,
pois, ao mesmo tempo em que definia que os recursos públicos seriam aplicados
preferencialmente na manutenção e desenvolvimento do sistema público de ensino, a lei
também previa a concessão de recursos aos estabelecimentos privados na forma de bolsas de
estudos, bem como a cooperação financeira da União com os estados, municípios e a
iniciativa particular na forma de subvenção e/ou assistência técnica e financeira.
52
CAPÍTULO 2
AS RELAÇÕES DE CONFLITO E/OU COMPLEMENTARIDADE DO ENSINO
PÚBLICO E PRIVADO NOS RINCÕES DAS GERAIS
estava em aberto e tudo era possível; era superar o passado e começar uma
nova história, projeto do intelecto e obra da escola. (XAVIER, 1990, p. 65).
Nesse contexto, a sociedade brasileira passou por uma verdadeira revolução social,
com a dissolução da antiga organização escravocrata e senhorial. Na medida em que a nova
ordem social se estabeleceu, alterações paralelas foram produzidas na esfera econômica e
social, abarcando o processo de urbanização, industrialização e ascensão política do
proletariado. Contudo, o ensino público permaneceu, no entanto, por assim dizer bloqueado
entre horizontes estreitos, não conseguiu corresponder satisfatoriamente às condições
materiais em termos quantitativos e qualitativos como podemos observar na tabela abaixo em
relação ao nível de alfabetizados e analfabetos da população brasileira.
56
Segundo Anísio Teixeira a educação poderia ser realizada em uma escola privada.
―Não advogamos o monopólio da educação pelo Estado, mas julgamos que todos têm direitos
à educação pública, e somente os que o quiserem é que poderão procurar a educação privada‖,
afirma Teixeira (1967, p. 72). O autor vê a coexistência da escola pública com a privada como
uma ―competitividade saudável‖. No entanto, ao mesmo tempo, reconhece que sendo o Brasil
um país marcado pelo espírito de classe e pelo privilégio, somente a escola pública poderia
criar um ambiente verdadeiramente democrático, onde todos teriam um programa de
formação comum e, num clima de amizade onde as diferenças de classe e os preconceitos não
encontrariam espaço de manifestação20.
Contudo, concluímos com a ajuda do pesquisador mineiro José Carlos Souza Araujo,
convictos que a relação do ensino público e privado na história da educação do Brasil revela
20
É importante ressaltar que esse ambiente verdadeiramente democrático e de perfeita harmonia entre as
diferentes classes sociais não tem como coexistir num Estado liberal.
57
Nessa perspectiva, nesse segundo capítulo propomos uma análise do real significado
de público e privado na educação, pois entre os liberais e os privatistas, havia uma crença
comum no poder da educação e a imagem que faziam de si mesmos como representantes dos
interesses nacionais. Todavia, o número de escolas públicas fechadas nesse período
particularmente pelo Estado de Minas Gerais foi sem dúvida muito superior ao das
restabelecidas e criadas. A contenção em relação às despesas com o setor educacional fez com
que a iniciativa privada despontasse.
Assim, a relação entre o ensino público e o ensino privado, entre as décadas de 30 e
50, torna-se objeto de nossa pesquisa que tem como objetivo compreender como se processa a
interpenetração entre essas esferas de ensino nesse período da história da educação brasileira.
O modelo educacional implantado nesse momento não surge pronto e acabado, ele é fruto da
ação dos homens e, portanto, possui uma história. Nesse sentido, propomos descrever o
particular, relação do ensino público e privado no município de Ibiá, partindo do macro com o
intuito de explicitar suas relações com o particular dentro do contexto nacional, sócio-político,
econômico e cultural, de forma dialeticamente relacionada.
2.2 A relação do ensino primário público e privado nos rincões das Minas Gerais
São múltiplos os sujeitos ligados ao Estado, ao governo ou à Igreja, que se sustentam e que
criam escolas. Como vimos no capítulo anterior, o Estado aliou-se à Igreja ou esta àquele
quando assim se fez necessário.
O Estado sempre repassou recursos públicos à educação oferecida pelo setor privado,
traçou políticas educacionais quanto à necessidade objetiva do modo de produção capitalista
aqui implantado, e assim o exigiu em suas diferentes conjunturas. Contudo, devido às
dimensões territoriais e sócioeconômicas das diferentes regiões21 as oportunidades
educacionais se concentram mais em certas regiões da sociedade brasileira que em outras,
como afirma Florestan Fernandes (1966),
Podemos intuir que mesmo com todo o arcabouço legal apreciado no primeiro
capítulo, que envolve o processo de escolarização no Brasil no período em apreço, o ensino
público primário não será privilegiado, e sua organização ficará a cargo dos estados
federados. Assim, não se tem ainda articulado um projeto que compreendesse um sistema de
ensino verdadeiramente nacional, mesmo que o texto constitucional de 1946 tenha instituído a
educação como direito de todos.
Dessa forma, as configurações locais, regionais e/ou nacionais explicitam as
mediações de aproximação e de antagonismos entre a dimensão pública e privada na história
da educação brasileira. Nessa perspectiva, abordaremos a expansão do ensino e o modo como
se configura a relação do ensino público e privado nos rincões das Gerais, mediante análise do
Grupo Escolar de Ibiá (1932) e a Escola Santa Teresinha (1937), em Ibiá, estado de Minas
Gerais (região Leste), situado numa das regiões mais prósperas do Brasil nesse período.
21
No período em apreço a distribuição dos Estados por região adotada pelo IBGE estava organizada da seguinte
forma: ―1) Norte: Rondônia, Acre, Amazonas, Rio Branco, Pará e Amapá: 2) Nordeste: Maranhão, Piauí, Ceará,
Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco e Alagoas; 3) Leste: Sergipe, Bahia, Minas Gerais, Espírito Santo,
Rio de Janeiro e Distrito Federal; 4) Sul: São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul; 5) Centro-
Oeste: Mato Grosso e Goiás.(FERNANDES, 1966, p.13).
60
Não obstante, vimos que nas décadas de 30 a 50 o Brasil passava por transformações
político-econômicas e sócio-culturais, e em todo o país desenvolvia-se uma tendência a se
compreender o mundo mediante uma visão com pressupostos seculares e ideia de progresso. O
Estado de Minas Gerais também participou dessa tendência urbanizadora nacional associada à
modernidade e modernização, principalmente após 1930. Como em todo o resto do Brasil as
cidades mineiras atraíam os moradores do campo graças aos cinemas, farmácias, escolas,
centros de saúde pública e, acima de tudo, à oferta de trabalho. Mas quase todas essas cidades
eram pequenas e isoladas em comparação com os verdadeiros centros urbanos, como observa
o brasilianista John D. Wirth,
Nesse contexto impõem-se novas maneiras de vivenciar o urbano sob novas formas de
relações de trabalho e produção. As mudanças espaciais implicavam, ao mesmo tempo,
mudanças na sociedade e vice-versa. O progresso transportado pelas ferrovias em Minas terá
como princípio ordenar os lugares, alimentando o processo de urbanização e o arranjo espacial
das cidades, principalmente no Triângulo Mineiro e Alto Parnaíba, região onde está localizado o
município de Ibiá.
22
Lei nº439 de 28/9/1906 visando a reforma do ensino primário, normal e superior do estado de Minas Gerais,
pelo Decreto nº1947 de 30/9/1906 relativo ao programa do ensino primário, e pelo Regulamento da Instrução
Primária e Normal do Estado de Minas Gerais, decreto nº 1.960 de 16/12/1906. Ainda em 3/1/1907, há um
decreto, nº1969, que trata do regimento interno inclusive dos grupos escolares. (ARAUJO, 2006, p. 234).
23
O prédio oferece melhores condições de conforto e higiene, mesmo quando adaptado. As classes apresentam,
em geral, efetivo menos numeroso que o das escolas isoladas, e os alunos se distribuem por elas, segundo os
respectivos graus de adiantamento. A um dos professores, seja sem regência da classe, ou também com encargos
de ensino, entrega-se a responsabilidade do conjunto. O material é menos precário. Aí temos a escola comum
dos meios urbanos. (LOURENÇO FILHO, 1941, p. 443).
62
A nova forma de organização escolar que ia sendo instituída a partir dos grupos
escolares tinha como objetivo a organização do ensino, o qual pressupunha uma divisão
inédita do trabalho, uma fiscalização permanente, a execução uniforme de um programa de
ensino baixado legalmente, buscando-se, ao mesmo tempo, atrair as crianças para a escola e
prepará-las para o convívio em sociedade. Assim, a educação primária em Minas Gerais
experimentou após a reforma de ensino de 1906, um processo lento mais eficaz de
racionalização que atingiu tanto a definição, a divisão e o controle dos espaços e dos tempos
escolares quanto os processos e os métodos de ensino, impondo, com isso, normas
disciplinares sobre os professores e, notadamente, sobre os alunos.
Na tentativa de reinventar os sujeitos sociais as reformas de ensino em Minas
permanecerão ao longo dos anos seguintes a produzir e pôr em circulação representações que
afirmam e qualificam a escola como instituição social. Nesse sentido, em 1920, o
governador Artur Bernardes sancionou a lei 800, de 27 de setembro, que reorganizou o
63
ensino primário, além de outras providências. Nessa lei as escolas primárias passariam a
ser classificadas em três categorias: escolas de primeiro grau, escolas de segundo grau e
os grupos escolares. Concomitantemente, o decreto 6.655, de 19 de agosto de 1924,
aprova o Regulamento do Ensino Primário, que deveria vigorar a partir de 12 de janeiro
de 1925. (MOURÃO, 1962).
Nessa perspectiva, as reformas de ensino efetuadas em Minas na década de 1920
representam a antecipação da mudança de posição do governo no âmbito da inculcação
ideológica, que vai se tornar cada vez mais intensa a partir da década de 1930, quando
também se acentua significativamente a interferência do Estado no processo de
desenvolvimento da economia capitalista no Brasil. Em 1926, com a posse de Antônio
Carlos de Andrada no governo de Minas, Francisco Campos assume a Secretaria do
Interior e utiliza muitos postulados defendidos pelo movimento da Escola Nova,
promovendo uma profunda reforma educacional no estado. Por conseguinte, o Regulamento
do Ensino Primário, aprovado pelo decreto 7.970–A, de 15 de outubro de 192724,
efetivamente mira, em especial, os métodos de ensino e a finalidade educativa da instrução
primária, de maneira a atender as expectativas dos avanços realizados na área da pedagogia e
da psicologia educacional, os quais foram decisivamente aplicados no ensino durante o
período governamental de Antônio Carlos, sob orientação de Francisco Campos.
Em 1932 ocorrem modificações nos regulamentos baixados, dos decretos 7.970 de 15
de outubro de 1927, e 9.450, de 18 de fevereiro de 1930, de forma que os objetivos do ensino
público primário mineiro se atualizam e reforçam as propostas escolanovistas, buscando a
formação e o desenvolvimento integral da criança, atendendo à preocupação com a
transmissão de conhecimentos úteis para a vida em sociedade e com a preparação para o
mundo do trabalho.
Nesse contexto, o presidente do estado mineiro Benedito Valadares Ribeiro, com o
decreto 11.501/34, sintetiza o processo de modernização iniciado pelos seus antecessores.
Esse decreto representa o apogeu de uma série de medidas introduzidas anteriormente na
administração do ensino, tendo como objetivo obter da escola padrões de desempenho
24
Art.1º. O ensino primário ministrado pelo estado de Minas Gerais será de duas categorias: o fundamental e o
complementar, sendo que o ultimo terá caráter técnico-profissional e regulamento à parte. Art.2º. O ensino
fundamental, obrigatório e leigo, divide-se em dois graus, correspondendo o primeiro grau às escolas infantis,
com um curso de três anos, e o segundo as escolas primárias, cujo curso será de três e quatro anos,
respectivamente. Art.3º. É livre aos particulares o ensino primário, desde que ministrado em língua vernácula e
sob reserva das disposições prescritas pelas leis e regulamentos no interesse da ordem pública, dos bons
costumes e da higiene. (REGULAMENTO DE ENSINO 1927).
64
2.2.1 A disseminação dos Grupos Escolares em Minas: Grupo Escolar de Ibiá uma
expressão estadual?
Vimos no tópico anterior como o estado mineiro organizou sua legislação no processo
de institucionalização do ensino público primário. A seguir estudaremos a relação do ensino
primário público e privado nos rincões das Gerais tendo como um de nossos referenciais de
análise o trabalho de dissertação de mestrado: ―Grupo Escolar de Ibiá uma expressão
estadual‖, desenvolvido por Sirlene Cristina de Souza. Tal referencial nos ajudará
compreender o processo de disseminação dos Grupos Escolares em Minas Gerais e em que
circunstâncias ocorreram a criação, instalação e manutenção da iniciativa pública primária na
região do Alto Paranaíba.
Representando a força e o interesse do estado na formação do povo ibiaense, o Grupo
Escolar de Ibiá é criado, de acordo com o decreto de número 10.254, de 22 de fevereiro de
1932, e instalado em 1º de julho de 1932, ―[...] debaixo de grande entusiasmo e festas
vibrantes. A sua instalação deu-se às 18 horas desse dia, em sessão solene presidida pelo
inspetor escolar municipal Cleobulo Furtado de Souza‖ (ARAÚJO, 1942, p. 37).
O Grupo Escolar de Ibiá é criado e instalado em 1932 com o objetivo de fazer parte
do empreendimento educacional, de integrar o cidadão ibiaense ao projeto de harmonização
da vida social urbana que emerge. Nesse sentido, arquitetonicamente, os grupos escolares se
configuravam como prédios grandes, arejados, bonitos, destinados a cumprir sua finalidade
principal: ser escola, como podemos observar na fotografia do Grupo Escolar de Ibiá abaixo.
primária. Contudo, o prédio do Grupo Escolar de Ibiá faz parte de um contexto específico da
história da educação do Brasil como bem analisou Souza,
Contudo, podemos constatar que a instalação do Grupo Escolar de Ibiá faz parte dos
melhoramentos urbanos e reflete o desejo de modernização daquela localidade, além de
simbolizar a civilidade e o progresso desse período histórico. Assim, o Grupo Escolar de Ibiá
num primeiro momento é festejado e aclamado como solução para boa parte dos problemas
que envolviam a sociedade ibiaense. Entretanto, no início dos anos de 1930, as estatísticas
apontam retração do ensino em Minas Gerais, há uma queda considerável no número de
escolas criadas e, consequentemente, de matrículas.
apontam retração do estado em relação aos investimentos feitos no ensino. Medidas restritivas
prosseguem por todo o período em apreço, como bem analisa Souza (2010) ao apresentar as
condições de ensino ofertadas pela iniciativa pública nesse momento.
A educação mineira entra numa fase de recessão que marca o exercício governamental
nesse setor durante todo o período em apreço (1937 a 1959). Os primeiros sinais nesse sentido
datam de janeiro de 1931, quando a Secretaria da Educação expede ato cancelando o
funcionamento de 355 escolas rurais e urbanas. Os motivos alegados são infrequência,
matrícula insuficiente e falta de prédios. Os atos de suspensão prosseguem durante todo o ano
de 1931, ocasionando o fechamento de inúmeras escolas em todo o Estado. O teor desses atos,
publicados no Jornal Minas Gerais, não permitem estabelecer com precisão o número de
escolas fechadas. E embora eles sejam acompanhados algumas vezes de medidas que
determinam o restabelecimento de unidades escolares, o número de escolas fechadas foi, sem
dúvida, muito superior ao das restabelecidas e criadas no período.
25
Noraldino Lima foi secretário da Educação e Saúde Pública por três períodos sucessivos, de 29 de abril de
1931 a 5 de setembro de 1933, no governo de Olegário Maciel; de 5 de setembro de 1933 a 12 de dezembro de
1933, durante o período da intervenção de Gustavo Capanema; e de 15 de dezembro de 1933 a 31 de janeiro de
1935, com Benedito Valadares como interventor no Estado.
26
Noraldino Lima. Discurso de posse na Secretaria da Educação e Saúde Pública. Minas Gerais, Belo
Horizonte, n.102, p.1, 1º maio1931.
70
TOTAIS …..................... 454.211 243.934 210.277 230.415 196.630 169.507 145.535 55.248 45.642 11.423 11.746
5 a 9 anos …................... 149.150 76.970 72.180 72.272 67.515 58.174 53.990 12.713 12.005 4.260 4.215
10 a 14 anos …............... 241.859 127.470 114.389 121.535 108.492 93.432 83.073 25.652 22.698 5.098 5.190
15 a 19 anos …............... 47.877 28.248 19.629 26.381 17.703 12.614 7.317 12.702 9.398 1.522 1.631
20 a 29 anos …............... 13.406 9.961 3.445 9.222 2.535 4.678 985 3.870 1.358 416 583
30 a 39 anos …............... 1.919 1.285 634 1.005 385 609 170 311 183 127 127
Grau Elementar …........ 406.315 215.452 190.863 203.201 178.344 161.444 141.189 38.105 33.161 10.968 11.232
5 a 9 anos ….................. 147.850 76.363 71.487 71.878 67.031 57.887 53.653 12.623 11.896 4.203 4.144
10 a 14 anos .................. 225.220 119.169 106.051 133.528 100.521 91.718 81.304 19.935 17.100 4.984 5.026
15 a 19 anos .................. 27.213 16.494 10.719 14.953 9.112 9.925 5.473 4.721 3.358 1.399 1.472
20 a 29 anos .................. 4.890 2.750 2.140 2.316 1.413 1.506 640 723 674 311 478
30 a 39 anos .................. 1.142 676 466 526 267 408 119 103 133 71 112
27
A Constituição Estadual de 30/7/1935 foi revogada pela Constituição Estadual de 29/10/1945.
72
Nesse quadro exposto pelo Manifesto dos Educadores de 1959 e analisando o período
em apreço, compreende-se que o governo não assumia compromissos que resultassem
efetivamente na expansão da rede pública de ensino. No que se refere à educação seu papel
consiste, como vimos anteriormente, em compatibilizar as iniciativas que porventura existiam
na sociedade, garantindo sua eficiência. Sua ação se concentra, assim, no controle. Em
síntese, o governo abre mão de seus compromissos com a escola, mas não abre mão da escola.
Contudo, tal movimento histórico ocorre num período em que se verifica aumento da
demanda pela escola. Embora a industrialização em Minas só vá adquirir maior vulto a partir
da década de 40 e a generalização dos meios urbanos das relações capitalistas de produção
seja um fenômeno dos anos 50, a integração da economia mineira no grande mercado urbano
constituído pelo eixo Rio-São Paulo determina o desenvolvimento de certas microrregiões
mineiras. Esse fenômeno traz um aumento na clientela do ensino primário, acompanhado por
alterações na sua constituição. É a classe dominada que busca a escola com maior intensidade,
como forma de acesso a melhores condições de vida, provocando, naturalmente, um aumento
na matrícula. Segundo as falas oficiais, o número de alunos nas escolas primárias mineiras
urbanas cresce de 258.766 em 1938 para 287.432, em 1942. Esse número, somado à matrícula
na zona rural, faz com que a matrícula geral oscile em torno de meio milhão, atendendo,
aproximadamente, dois terços da população escolar, estimada pela Secretaria, em cerca de
750.000 crianças. Esses índices indicam que a capacidade de atendimento da rede escolar está
muito aquém das necessidades da população, pois o crescimento da rede física foi muito lento
nesse período. (PEIXOTO, 2003).
Nesse contexto, emerge a iniciativa privada em Minas e, particularmente em Ibiá, no
Alto Paranaíba, é criada a Escola Santa Teresinha em 1937, como veremos a seguir.
73
O município de Ibiá tem sua origem mais provável num rancho de tropeiros às
margens do rio Misericórdia. As comitivas que saíam do Rio de Janeiro conduzindo cargas
para a capital de Goiás tinham passagem forçada nessa região. Ali se alugavam pastos para os
animais, havia fornecimento de cereais, além de pouso para as comitivas que conduziam as
cargas. Conta-se que tal pouso fora construído a pedido do bandeirante Anhanguera num
terreno doado em cumprimento a uma promessa feita a São Pedro de Alcântara, daí o nome
do povoado, atual município de Ibiá. A chamada ―estrada real‖ ou ―salineira‖ nessa região
ligava as localidades de Formiga, Bambuí, Pratinha, São Pedro de Alcântara e Patrocínio, de
onde penetrava nos sertões goianos através do município de Catalão. Essa era a trajetória por
onde o progresso lentamente caminhava rumo ao oeste brasileiro. Assim, a ocupação da
região do atual município de Ibiá liga-se à estrada de Goiás e seu tráfego de pessoas e
mercadorias.
O povoado São Pedro de Alcântara elevou-se a distrito pela Lei provincial nº2980 de
10 de setembro de 1882, subordinado ao município de Araxá. Nesse mesmo ano o distrito foi
elevado à freguesia. E tornou-se comuna independente, pela Lei estadual nº843, de 7 de
setembro de 1923, com a denominação de Ibiá28.
28
Para o significado do nome, Ibiá, de origem indígena, encontramos três versões: ―serra cortada‖, ―chapadões‖
e ―cabeceiras altas‖, estando estes associados ao aspecto panorâmico dessa região.
74
29
Ibiá vem conhecer sua fase de industrialização no ano de 1964, quando da instalação da Fábrica Nestlé, que
iria produzir o leite em pó instantâneo. Já no período de instalação, viria a ser a maior fábrica da América Latina,
no gênero. Um produto altamente significativo e relevante para uma cidade premente de novos recursos.
77
Entretanto, tal empresa contava também com vários outros serviços como a fabricação
de foices e facões, esquadrias metálicas para construção civil, carrocerias de madeira para
ônibus e caminhões, charretes e capotas de lona para automóveis e charretes, sendo que tais
produtos eram comercializados em toda a região. A empresa ampliou seus domínios e instalou
uma cerâmica para fabricação de telhas francesas. Além de telhas e outros artefatos de barro
eram fabricados tijolos de barro em duas olarias localizadas nos arredores da cidade. Dessa
forma, explorando a facilidade de matéria prima fornecida pela olaria e cerâmica construiu
diversas casas residenciais, além do cinema e o estádio municipal.
Contudo, utilizamos a empresa Rodrigues e Freitas LTDA, não sendo essa a única nesse
período, apenas para ilustrar o quadro sócio-econômico do município para que possamos
compreender em que condições se processam a democratização do ensino e qual o valor da
escola para tal sociedade. Assim, num primeiro momento poderíamos chegar a uma conclusão
um tanto apressada de afirmar que em tais circunstâncias o processo de escolarização não
influenciaria os ibiaenses para manterem-se economicamente ativos. Mas, vale lembrar que a
educação é concebida como a forma eficaz de proporcionar o tão almejado progresso,
associado, é claro, ao desenvolvimento urbano-industrial. Era indispensável disciplinar a força
de trabalho e divulgar uma concepção de mundo civilizado, ordeiro e voltado para um sistema
independente de produção.
Nesse contexto, mediante explicitado no tópico anterior deste capítulo, como o Estado
não conseguia de forma quantitativa e qualitativa atender a emergência do ensino, numa forma
de parceria com a família e a Igreja, desponta a iniciativa privada. Como podemos constatar no
termo de inspeção do Grupo Escolar de Ibiá de 11 de outubro de 1937, o assistente técnico do
ensino faz algumas ressalvas às condições precárias em que os alunos estavam acomodados
em salas de aula, dificultando o processo de ensino e aprendizagem e, provavelmente,
afastando os alunos da escola. ―O estabelecimento tem falta de mobiliário, mormente
carteiras, o que determina ocuparem três alunos o mesmo banco, com evidente desconforto,
caso que está exigindo providências da administração superior do ensino.‖ (MINAS GERAIS,
1937, p. 8).
Dessa forma, em meio a esse contexto político-econômico e sócio-cultural, regional e
local, é criada a escola particular Santa Teresinha em 1937. A Escola Santa Teresinha de
iniciativa privada foi criada pelas filhas de Francisco Céndon e Leopoldina Mendes Cendón, e
atendia alunos em idade escolar de 7 a 14 anos, respondendo ao ensino elementar como
previsto na legislação da época. Localizada na praça São Pedro nº 56, circunvizinha ao Grupo
79
Escolar de Ibiá, convivia no mesmo espaço urbano do grupo, na praça central do município. O
memorialista Ivo Mendes no jornal Voz de Ibiá, em 04 de setembro de 1960, descreve a
família Cendón como modelo a ser seguido pela sociedade ibiaense, sendo esta colaboradora
na formação de valores e na instrução desse povo.
Ele veio de longe. De muito longe. La do outro lado do Atlântico. Seu berço
natal é a Espanha. A Espanha de grandes homens e de grandes feitos. A
Espanha que tem muito de comum conosco através dos tempos e dos
costumes. A Espanha de Francisco Cendón Moreira. O Sr. Cendón saiu
garoto de sua terra natal. Após uma escala de oito anos em Cuba e no
México, partiu em definitivo para o Brasil. Em 1910, quando aqui chegou
emprestou sua colaboração eficiente à construção da Estrada de Ferro Goiás,
hoje R.M.V. Seu setor estava circunscrito à montagem de pontes metálicas.
Trabalhando nesta região veio a conhecer D. Leopoldina, filha de um dos
fazendeiros pioneiros desta cidade. Dentro de pouco tempo, D. Leopoldina
veio a ser a esposa do Sr. Francisco Cendón Moreira. Posteriormente,
dedicou-se ao comércio de gado e madeira, sempre se pautando nos
princípios nobres da ética e da moral o que fez dele um esteio de dignidade.
O Sr. Cendón e D. Leopoldina Mendes Ferreira, têm sete filhos, que são
herdeiros de seus atos e de suas atitudes. Seis mulheres e um homem. Todas
as seis filhas são normalistas, e algumas delas, como professoras em Ibiá,
muito contribuíram e ainda contribuem para a instrução de nossa gente.
Quem é que por aqui, já não frequentou, ou não teve algum familiar que não
passasse pelos bancos da Escola Santa Terezinha? (...) Pois é, a exposição
está feita, a dedução está à vista. O Sr. Francisco Cendón, ao lado de D.
Leopoldina teve sempre um ideal: ser digno, honrado e trabalhador. Vejam
as coisas e os efeitos. Eles aí estão. Uma fabulosa riqueza de espírito que
para o observador mais acurado, está externada no semblante. Dividendos à
bessa: consciência de que trilhou o caminho certo, paz de espírito e uma
família que viu nos exemplos paternos um caminho a seguir. (...) Como
vemos, o Sr. Francisco Cendón Moreira atingia o seu ideal, com seus atos
elevados e dignos. O ideal de ser esteio de família; o ideal de ser pai; o ideal
que fez dele uma personalidade marcante. (Voz de Ibiá, p.04, 14 set. 1960).
A Escola Santa Terezinha popularmente conhecida como Escola das Irmãs Cendón ou
Escola da Dona Rosinha, foi fundada por Rosa Cendón e Célia Cendón30, e começou como
escola de reforço como relata uma de nossas depoentes,
30
São estas as primeiras filhas de Ibiá que se diplomaram, no Curso Normal. Filhas do Sr. Francisco Cendón
Moreira e de D. Leopoldina Mendes Cendón, essas duas moças iniciaram a sua carreira no tempo em que Ibiá
ainda não contava com Escola Normal. Os seus estudos foram iniciados no Externato S. Vicente de Paulo, então
existente nesta cidade. Mais tarde se transferiram para Formiga em cuja Escola Normal se diplomaram em 1936,
com raro brilhantismo. Além disto, em todo o tempo de estudantes, gozaram sempre do 1° lugar na Escola.
Inteligentes e cultas, com grande vocação para o magistério e gozando de um nome conceituado. Como
educadoras Rosa e Célia Cendón mantêm nesta cidade um estabelecimento de ensino muito frequentado, sob a
denominação de Escola Santa Terezinha. (ARAÚJO, 1942, p.25-26).
80
Ocorreu assim, nós éramos as mais velhas, a Rosinha e eu, acontece que
éramos sete irmãos e tínhamos que educar os outros. No ano que eu formei
as Irmãs Francesas fundaram o Colégio Normal São José. Então nós
terminamos o curso Normal em novembro (Célia e Rosa). Quando chegou
janeiro nós pensamos assim: Vamos dar umas aulas de reforço. Aproveitar
as férias e ganhar um dinheirinho, como escola particular. Porque nós
víamos as mães queixando: ―Ah, meu menino já está a dois anos no Grupo e
ainda não sabe ler‖. As mães viviam se queixando. Então nós pensamos em
dar aula de reforço, foi em janeiro ainda não tinha começado as aulas. Nós
não tínhamos sala de aula, nem nada. Desocupamos um quarto, e os meninos
começaram a chegar nas férias, um menino, outra menina. Um estava no 1°
ano, a outra no 3°, a outra estava no 2°; esta é a verdadeira fundação da
Escola Santa Terezinha. Porque nesses dois meses de intervalo a gente deu
aula de reforço e os meninos tiveram uma melhora de 100%. Excelente! E
aquilo correu a cidade, ela era pequenininha. (...) Quando começaram as
aulas, então as crianças que fizeram o reforço contou para a vizinhança
inteira. E as mães diziam: ―Põe lá na Dona Rosinha, vê como meu menino
está, a letrinha dele está uma beleza, olha ele já está lendo, fazendo
continha‖. E pronto e isto esparramou. Quando chegou o dia primeiro de
fevereiro que ia começar as aulas, nós recebemos aquele punhado de
meninos. (ENTREVISTA 1).
De acordo com o extrato dos estatutos da escola Santa Terezinha, publicado no Jornal
Minas Gerais em 5 de agosto de 1953, em seu art.I afirma que a escola fundada desde o ano
de 1937, tem sua sede na cidade de Ibiá, estado de Minas Gerias, e é de propriedade da
diretoria e professoras que estes estatutos subscreve. Em seu artigo II define tal instituição
como sendo uma sociedade civil, de caráter pedagógico, tendo por fim a educação integral de
crianças de ambos os sexos. No art.III afirma também que esse estabelecimento mantém e
manterá, para preencher as suas finalidades, o curso pré-primário (jardim da Infância) e
primário, que funcionarão em dois turnos pela manhã e à tarde. (Minas Gerais,1953). Assim, a
escola Santa Terezinha, mediante Livro de Matrícula, encontrava-se regularmente em
funcionamento a partir de 1937, sendo nesse ano matriculados 22 alunos.
Todavia, é importante ressaltar que a Escola Santa Terezinha se mantém sob a tutela
do Estado, sendo regida pela legislação vigente do ensino primário. Assim, mesmo possuindo
um registro civil tal instituição de ensino passava pelo controle do estado. Como podemos
constatar através do ―Livro de Ata de Promoção dos Alunos‖, no termo de encerramento do
primeiro ano letivo dessa instituição31, bem como nos demais anos de funcionamento, era
necessária a revisão, o visto do inspetor escolar municipal ou regional. Naquele momento
31
Ver anexo 1.
81
32
―Foi presidente da Câmara Municipal, cargo legislativo que exerceu até 10 de novembro de 1937.
Ultimamente, vem exercendo, com grande dedicação, o cargo de Inspetor Escolar Municipal. O Sr. Miguel
Teixeira é proprietário nesta cidade da Farmácia São Geraldo e Correspondente do Banco de Credito Real de
Minas Gerais.‖ (ARAÚJO, 1942, p. 46).
33
O curso de admissão ao ginásio funcionou até 1946.
82
O quarto ano nós não oferecíamos na Escola Santa Terezinha porque naquela
época o quarto ano era meio complicado. Porque a escola já era registrada,
mas tinha que levar as provas e toda documentação lá na Secretaria de
Educação, era complicadíssimo esse negócio. Então resolveu-se que não
iríamos dar o quarto ano, deixava para o Grupo Escolar. As crianças do
terceiro ano passavam para o Grupo Escolar e do Grupo a maioria voltavam
para se preparar para fazer o exame de admissão. (ENTREVISTA 2).
34
A esse respeito consultar Souza (2010).
83
Vale ressaltar que grande parte da elite ibiaense passou pelos bancos da escola Santa
Terezinha. Em média 3 a 5 filhos de uma mesma família frequentavam a escola. A escola
funcionou por 39 anos ininterruptos, passando por ela um total de 2661 alunos, encerrou suas
atividades em 30 de novembro de 1975 por motivos da aposentadoria das professoras.
Nessa conjuntura, no capítulo terceiro desse trabalho nos propomos a estudar a Escola
Santa Terezinha e buscar a essência da relação estabelecida entre a iniciativa privada e a
escola pública no município de Ibiá. Partiremos da formação das professoras para desvendar
as ideologias que perpassam as práticas educativas analisando o poder do Estado e a
influência da Igreja Católica, mas sem perder de vista as condições socioeconômicas que
estão intrinsecamente relacionadas ao processo de escolarização no Brasil.
84
CAPÍTULO 3
ESCOLA SANTA TEREZINHA E GRUPO ESCOLAR DOM JOSÉ GASPAR:
ENTRE TEORIAS E PRÁTICAS
3.1 Escola Santa Terezinha e a Escola Nova: a importância da formação das professoras
na disseminação dos princípios liberais
A história mostra que o jogo de forças e de poder que permeiam o cenário do público e
do privado na esfera da educação vai muito além das intenções educativas. Assim, após se
formarem Célia Cendón e Rosa Cendón, sendo essas as primeiras normalistas
verdadeiramente ibiaenses, por questões declaradamente políticas35 não conseguem espaço na
iniciativa pública. ―O papai fez três salas de aulas perto da horta, porque o prefeito não
combinava muito com o papai, então não quis nos colocar no Grupo Escolar. Aí papai falou:
vamos fazer uma escola pra nós! Então o papai fez três salas de aula e nessas salas de aulas
nós dávamos aulas de manhã e à tarde‖. (ENTREVISTA 2).
De acordo com Souza (2010) a maioria do corpo docente do Grupo Escolar de Ibiá até
194036 era constituído por professoras leigas e estagiárias, dependendo a escola de professoras
designadas vindas de diferentes municípios mineiros. Naquele momento, além de poder servir
ao Estado como professoras formadas as irmãs Cendón37 também desenvolviam, de acordo o
imaginário da época, certo fascínio pelo Grupo Escolar. Lembrando que para muitos
professores, especialmente as mulheres, trabalhar nos Grupos Escolares nesse período
significava o máximo da ascensão na carreira do magistério, dado que os cargos superiores
estavam reservados ao sexo masculino.
Quando eu fazia a 3ª, a gente falava 3º ano, não era série. Estudava numa
casa que era adaptada. O Grupo ficou pronto depois. Então nós encontramos
o Grupo novinho. Esse é o melhor de Ibiá viu! Depois não fizeram outro
35
O clientelismo como forma de dominação perde espaço à medida que os direitos civis vão se estabelecendo,
mas ainda hoje está muito presente na sociedade brasileira, urbana ou rural, especialmente em tempos de
eleições. Desse modo, o clientelismo expressa uma prática patrimonialista na medida em que aqueles que estão
próximos dos cargos de poder fazem valer seus interesses privados e dispõem dessa prerrogativa como lhes
parecer conveniente.
36
Ao analisarmos os documentos dessa escola, observamos grande atuação de estagiárias até 1940, pois não
havia escola Normal para formação de professores no município até 1937. Todavia, em 1937 é instalada a Escola
Normal São José, e em 1940 essa instituição diploma sua primeira turma, indo ao encontro dos interesses do
Grupo Escolar de Ibiá, que carecia de professoras formadas. (SOUZA, 2010, p.108).
37
Célia Cendón e Maria José Cendón concluíram o ensino primário no Grupo Escolar de Ibiá.
85
melhor do que este não. Então nós passamos para lá. Ajudamos a carregar
as carteiras, felizes! O grupo novinho, muito bem construído, janelas
grandes. Foi motivo de felicidade passar a estudar no Grupo.
(ENTREVISTA 1).
Entretanto, ao serem questionadas sobre o motivo de não terem sido chamadas para
lecionar no Grupo Escolar, Célia Cendón afirma que seria muito mais lucrativo investir em
uma escola privada. ―É porque com a nossa escola nós ganhávamos mais que as professoras
do Grupo Escolar. A questão era o dinheiro. Então não teve um dia de começar a escola.
Quem fundou a escola foi a sociedade, ela que nos elegeu‖. (ENTREVISTA 1).
É importante ressaltar que um dos diferenciais da Escola Santa Terezinha era oferecer
um ensino ministrado de acordo com a nova pedagogia numa perspectiva de maior controle e
qualidade.
Uma vez teve uma amiga nossa que falou assim: Célia você podia me dar
uma classe na sua escola. Mas, eu resolvi que seriamos só nós. A Zifinha 38
formou no Colégio Normal São José e veio lecionar, depois a Vicentina. Nós
tínhamos uma maneira de ensino pessoal. Se pegássemos outras pessoas
estranhas e depois? (ENTREVISTA 1).
Assim, em todo seu período de vigência a Escola Santa Terezinha se configurou como
escola familiar, sendo seu quadro composto por professoras formadas o que dava à escola
certo status.
Todavia, como mencionado no capítulo 2 deste trabalho, o governo mineiro define
qualidade como oferta ao aluno de um ensino sob medida, ou seja, um ensino individualizado,
compatível com suas aptidões e características biopsicológicas e com as necessidades do
meio. Na prática, esse conceito traduz a garantia, ao aluno, de um ambiente cientificamente
organizado para a aprendizagem, tendo em vista a aplicação da metodologia da Escola Nova.
Em síntese, o conceito de eficiência e qualidade, com tratamento científico dos problemas
educacionais, oferta ao aluno de um ensino adequado à sua natureza, às suas aptidões e à sua
adaptação ao meio social, confere à educação um grau de especificidade que possibilita ao
governo não só restringi-la aos órgãos técnicos, mas também interferir na prática
desenvolvida nas escolas. Nesse sentido, a Escola Nova se dissemina particularmente nas
Escolas Normais como podemos constatar pelas falas das depoentes e mediante análise
documental.
38
Apelido de Dona Maria José Cendón.
86
Tinha que ser teórico e prático porque naquele tempo estava em grande
conversa a Escola Nova, que é a escola justamente contra a escola antiga do
soletração. E a Escola Nova era assim, era pra trás, começa da história, fazia
o pré-livro (contar a história dos três porquinhos, por exemplo). O pré-livro
chamava Método Global e justamente pra ir contra aquele método que
aprendia a letra e depois falava, ―B, A, Bá‖ ―L, A, Lá‖, chegaram à
conclusão que falar o nome da letra não altera no falar. O que manda é a
sílaba, método silábico. Tanto que sou pessoalmente, muito mais o método
silábico, mais prático do que o método global de Erik Day, Anita, Claparred,
Dewey, Pedro Nandon, e ate hoje ele é adotado nas escolas. (...) Era
obrigado a ministrar para os meninos, porque na Escola Normal de Formiga
tinha o curso do 4° ano primário que era um curso que a professora que
estava estudando tinha que dar aula. Para aprender a dar aula. Clamava-se
escola anexa. Você vê que a gente estudava e lecionava. (ENTREVISTA 1).
De acordo com o elucidado acima, espera-se do professor algo mais que a simples
transmissão de conhecimentos. Esperava-se que ele despertasse no aluno a vontade de
aprender e que desenvolvesse suas habilidades intelectuais/individuais e que fosse capaz de
manter a disciplina. Nesse sentido, a metodologia da Escola Nova contribuía para a
organização das turmas, de forma a possibilitar a homogeneização das classes, dando ênfase
às atividades de socialização (auditórios, excursões, associações de leitura), além de garantir a
legitimidade do processo de diferenciação mediante mecanismos que ocultassem a influência
da origem social do aluno na aprendizagem. De maneira que o conceito de educação mais
prática voltada para a competência incluía a ideia de uma educação diferenciada, segundo o
papel que se esperava de cada indivíduo na sociedade.
Nessa perspectiva, o trabalho de conclusão do curso Normal de Célia Cendón nos
revela tanto no tratamento da temática, Diferenças Individuais, como no parecer final da
banca examinadora (como podemos constatar na imagem abaixo) a ênfase dada à visão
salvacionista da escola moderna. A imagem positiva da Escola Nova como sendo esse método
e/ou metodologia o fim de todos os males da educação camufla a realidade socioeconômica
88
por não permitir uma análise crítica da situação de ingresso e permanência das crianças no
processo de escolarização.
Vê-se que para uma pessoa de 17 anos, falar sobre isso, o crescimento
mental da criança. É porque quando eu estudava, esse tema passou pela
professora de psicologia: crescimento mental da criança, influência do meio
e da hereditariedade é um tema meio complicado. A banca examinadora era
composta de médicos, em Formiga para compor o corpo docente da escola
eles chamavam pessoas de lá mesmo, médicos, engenheiros, estas pessoas
que tem curso superior. Então na banca examinadora, o dia que fui fazer a
minha defesa dessa tese fiquei muito devotada. Eles fizeram perguntas, eu já
tinha lido muito sobre o assunto, e fui respondendo. Depois eles fizeram uma
rodinha e ficaram discutindo o tema: ―não, eu acho que a hereditariedade
tem muito mais força sobre a formação mental psicológica da pessoa‖, outro
médico de lá, ―não eu acho que o meio‖. É um tema instigante!
(ENTREVISTA 1).
Dessa forma, a doutrina liberal rejeita os estratos sociais cristalizados, mas não a
divisão da sociedade em classe. Assim, influenciada pelos princípios liberais a fundadora da
Escola Santa Terezinha afirma que os homens são naturalmente diferentes. E leva-nos a
refletir sobre a origem socioeconômica das famílias das crianças que frequentam essa escola.
Mediante a afirmação apresentada quando questionada sobre a classe social dos alunos
matriculados na escola: ―Eram filhos de juízes, médicos, agiotas, ferroviários, coitadinhos‖
(Célia Cendón, 2010). Célia Cendón na verdade reafirma o que apontamos no capítulo
anterior sobre a opção da elite ibiaense pela Escola Santa Terezinha.
Não obstante, é importante ressaltar que a sociedade em mudança, num contexto de
nacional-desenvolvimentismo, exige que se forneça a cada indivíduo os meios para participar,
de acordo com as suas potencialidades, do conjunto das necessidades dessa sociedade. Nesse
aspecto, a educação é uma instituição social fornecedora dos meios a fim de que o indivíduo
compreenda o significado dos termos: civilização, progresso e modernidade e se aproprie das
habilidades e competências necessárias para contribuir para as mudanças em trânsito.
3.2 Da iniciativa pública à iniciativa privada: Grupo Escolar Dom José Gaspar e Escola
Santa Terezinha
Nesse contexto, não podemos deixar de citar a taxa escolar cobrada dos alunos
matriculados nas instituições de ensino público primário — como podemos constatar
92
abaixo pela portaria 417 no jornal Estado de Minas Gerais —, o que provavelmente possa
ter afastado os alunos do Grupo Escolar de Ibiá. Pois, mesmo com o objetivo de ajudar as
crianças carentes, mediante a lei, esta era uma contribuição obrigatória a quem não se
declarasse notoriamente como pobre.
39
A imponente e monumental presença dos prédios dos grupos escolares educava o olhar dos indivíduos na
medida em que eles poderiam ser identificados como uma ação modernizadora do Estado. A esse respeito ver
Souza (2010).
93
transferindo seu compromisso e/ou responsabilidade para a sociedade civil, além de colocar
em evidência as precárias condições de infraestrutura e qualidade de ensino da iniciativa
pública.
No livro de registro das atas do Conselho da Caixa Escolar do Grupo Escolar Dom
José Gaspar, de 2 de abril de 1959, fica nítida a resistência dos pais dos alunos com melhores
condições socioeconômicas, matriculados nessa instituição de ensino, ao negarem a
contribuição para manutenção da mesma. Isso cria uma situação de insatisfação, levando à
procura da iniciativa privada.
Na ata da reunião dos professores do Grupo Escolar Dom José Gaspar, de 18 de junho
de 1949, consta a solicitação da diretora da escola exigindo a máxima energia no recebimento
da Caixa Escolar. Estaria expressamente proibido fazer a prova mensal o aluno que não
regularizasse o pagamento até o dia determinado. Nesse contexto, a escola Santa Terezinha
torna-se pólo de atração da elite local. Assim, entre as décadas de 40 e 50 houve maior
procura pela Escola Santa Terezinha como podemos constatar na tabela abaixo.
94
Tabela 6: Número de alunos matriculados na Escola Santa Terezinha entre os anos de 1944 a 1954.
Alunos matriculados na Escola Santa Teresinha
Ano Total
1944 166
1945 144
1946 125
1947 120
1948 134
1949 139
1950 114
1951 142
1952 142
1953 122
1954 120
1955 73
1956 76
1957 56
1958 60
1959 60
1960 41
Fonte: Livro de Matrícula da Escola Santa Terezinha.
Nós nunca recebemos ajuda não. O Juscelino Kubitschek é que uma vez
esteve aqui quando era governador de Minas para fazer uma visita. Ele veio
aqui e aí pediram pra Rosinha que queriam que ela mandasse um
representante da Escola. Não sei se foi o Marcio do Dr. José Dias ou se foi o
Carlos Ernesto filho do Dr. Guilherme. Porque as pessoas de melhor poder
aquisitivo colocavam os filhos todos lá na escola, e eram muito inteligentes.
Então ela preparou esse aluno para falar umas palavras para o Dr. Juscelino
Kubitschek. E ele ficou doidinho. Chegando a Belo Horizonte ele mandou
um cartão agradecendo. (ENTREVISTA 2).
95
Nesse sentido, podemos concluir com a ajuda de Carlos Jamil Cury que nas sociedades
modernas todos os atos privados, mesmo indiretamente, possuem uma ressonância social. E
essa ressonância, na medida de sua extensão, provoca consequências sobre o todo social.
Assim, a educação não é algo supra-social, mas momento da reprodução dessa sociedade, em
que poucos constroem a História. (CURY, 1989). Diante disso, a sociedade brasileira acabou
resultando num híbrido que admitia simultaneamente valores republicanos, separação social e
privilégios. Consequentemente, uma escola seletiva estava sendo gestada.
Não obstante, uma das condições para estudar na escola Santa Terezinha era a
obrigatoriedade do uniforme que, somado à mensalidade da escola, restringia o acesso de boa
parte da população ibiaense. O uniforme criado por Célia Cendón em 1937 permanece em
todo o período de vigência da escola (1937 a 1975).
96
Figura 9: Desenho dos uniformes masculino e feminino da Escola Santa Terezinha (1937)
Fonte: Acervo particular de Célia Cendón, 2010.
Como podemos observar nas imagens acima, no bolso da blusa do uniforme masculino
e feminino constam as letras entrelaçadas E.S.T, que significa Escola Santa Terezinha.
Analisando a fala de uma das fundadoras da escola podemos concluir que a escolha pelo
nome da escola refletiu o poder de outra instância importante da sociedade nesse período, a
Igreja Católica. Pois, mesmo não sendo essa uma escola declaradamente confessional fica
evidente a influência da Igreja, importante canal de formação moral.
Porque Santa Terezinha que é uma santa francesa, ela foi canonizada com 24
anos, morreu com 24 anos. Ela foi canonizada novinha de tanta santidade.
Ela morreu de tuberculose com 24 anos. Então ficou uma Santa muito
querida. Toda criança que nascia eles colocavam o nome de Terezinha. A
gente tinha em casa a novena de Santa Terezinha. Levava a imagem e
rezava. Então a Santa Terezinha era a santa do momento. Ela foi canonizada
em 1925, nós começamos a escola em 1937. (ENTREVISTA 1).
definitiva do Estado com a Igreja, e essa com os diferentes estabelecimentos de ensino, como
iremos constatar no tópico a seguir, analisando ora os documentos da Escola Santa Terezinha
ora do Grupo Escolar Dom José Gaspar.
O laicismo do Estado imposto à Igreja católica faz com que a mesma se organize em
torno de um projeto de recristianização da nação com várias frentes de luta. Convencida do
novo regime republicano, a Igreja precisou lutar pelo seu espaço junto aos órgãos oficiais,
especialmente no âmbito da legislação como vimos no capítulo primeiro, para reinvidicar do
novo governo o respeito aos direitos e à liberdade dos católicos. Além disso, outros
movimentos religiosos como o protestantismo e o espiritismo vinham se infiltrando com
competência relativamente expressiva no meio da sociedade brasileira disputando o espaço do
campo religioso que até então era hegemonicamente católico.
Vale lembrar que durante o Estado Novo, o governo e a Igreja tinham um
relacionamento baseado numa espécie de acordo moral, em que Getúlio Vargas comprometia-
se a assegurar à Igreja Católica a liberdade que ela precisava para agir em ambiente propício à
sua ação evangelizadora, ou seja, o espaço público da escola. Contudo, a atuação da Igreja
deveria limitar-se ao domínio religioso, em sentido restrito à pregação e ―domínio sobre as
almas‖. Em troca, o Estado Novo esperava dos membros do clero que estes, através da
palavra e do exemplo, ensinassem aos fiéis a obediência à lei, a ordem e a disciplina.
Nessa perspectiva, a escola se transforma no espaço legítimo para exercer a civilidade
e a moral cristã tão indispensável para a vida social no mundo moderno. Assim, por ser a
instituição que confere o aprendizado indispensável para a vida em sociedade, deveria
transmitir não só os padrões culturais em circulação, como modelar os comportamentos, os
afetos, os instintos visando o tipo de sociedade que se quer formar. Nesse sentido, as práticas
escolares do ensino religioso, podem ser entendidas perfeitamente como práticas civilizatórias
por abrangerem as várias esferas da vida moral do indivíduo. O novo homem civilizado
deveria carregar consigo as marcas do cristianismo, entendendo cristão como sinônimo de
católico. Todavia, tais ideais só encontrariam sua efetivação se a Igreja assumisse com maior
clareza o papel de educadora da população, desenvolvendo uma educação sistemática que
promovesse a recristianização do povo brasileiro e a recuperação do poder e da influência
98
religiosa na vida pública. Tal estratégia fica evidente nas disputas que se instauraram em torno
do campo educacional no período em apreço, tendo por ambiente legitimador a Associação
Brasileira de Educação. A luta pela introdução do ensino religioso nas escolas públicas visa
garantir a sua influência sobre as classes populares e urbanas.
Nesse contexto, no final do Estado Novo a atitude da liberdade católica com relação
ao governo Vargas começará a se modificar, em razão dos acontecimentos vinculados à
participação do Brasil na guerra e das pressões internas pela redemocratização do país.
Partindo da proposição do Padre Leonel Franca, de rejeição do totalitarismo e de aceitação de
um governo autoritário, o ministro da Educação proporá a Getúlio Vargas uma nova aliança
com a Igreja, bem mais ampla em suas exigências e mais modesta em suas promessas do que
o pacto proposto por Francisco Campos em 1931. Pois, enquanto Francisco Campos, em
1931, havia prometido a Vargas a mobilização de toda a Igreja Católica ao lado do governo
em troca da introdução do ensino religioso nas escolas oficiais, Capanema, em 1944, promete
a Vargas a simpatia das correntes militantes do catolicismo brasileiro em troca de uma tomada
de posição do presidente na defesa dos objetivos católicos essenciais. Segundo Capanema,
esses objetivos seriam: combater o totalitarismo, assegurar o primado do direito e manter
diretriz segura e constante com relação às políticas da família, do trabalho e da educação.
Todavia, tais políticas de educação deveriam garantir à escola a liberdade de ensinar a religião
dos alunos e dos pais e fazer com que o ensino, de um modo geral, estivesse orientado numa
concepção espiritualista da vida.
Na Escola Santa Terezinha, além de permear toda a formação moral dos alunos a
formação religiosa através da primeira comunhão colocava a escola em evidência. ―As
meninas de vestidinhos com roupa muito bonitinha e os meninos de terninho. Eram muito
apreciadas pela comunidade as primeiras comunhões da Escola Santa Terezinha‖.
(ENTREVISTA 2).
99
Figura 10: Primeira comunhão dos alunos da Escola Santa Terezinha (1949)
Fonte: Acervo particular de Célia Cendón, 2010.
Figura 11: Fotografias de momentos solenes dos alunos da Escola Santa Terezinha (1949)
Fonte: Acervo particular de Célia Cendón, 2010.
100
Nessa perspectiva, não podemos nos esquecer de que a Igreja reflete, como uma caixa
de ressonância, o jogo de interesses expressos no quadro maior da sociedade, e que é parte
integrante da sociedade civil. Assim, a relação da iniciativa privada com o ensino público e a
Igreja católica é uma constante nesse período. Como podemos observar na imagem abaixo,
alunos da escola Santa Terezinha no espaço público do Grupo Escolar Dom José Gaspar, em
1948, estão comemorando mais uma primeira comunhão.
Figura 12: Primeira comunhão dos alunos da Escola Santa Terezinha (1948).
Fonte: Acervo particular de Célia Cendón, 2010.
Não obstante, em consonância com as questões postas pela modernidade, com novas
técnicas educacionais, os novos dispositivos de circulação das ideias não passaram ao largo da
intelectualidade católica. Os métodos da Escola Nova traziam consigo as marcas da eficiência
e a garantia de uma aprendizagem segura e duradoura. A eficiência do método ativo atendia
bem a necessidade de se introduzir na alma da criança os preceitos morais e cristãos, e os
católicos não se abstiveram de usar essa nova metodologia experimentada e atestada nas
escolas (como iremos observar na transcrição do documento de época abaixo). Contudo, vale
ressaltar que a Constituição de 1946 prevê a liberdade religiosa, mas mantêm o Ensino
Religioso como disciplina nos horários das escolas oficiais, sendo sua matrícula facultativa;
será ministrado de acordo com a confissão do aluno, manifestada por ele, se for capaz, ou pelo
seu representante legal ou responsável.
101
Figura 13: Contribuição do Grupo Escolar Dom José Gaspar à Fundação Leão XIII (1951)
Fonte: Livro Termo de Visita, 1951.
Nesse contexto, tais documentos nos permitem recuperar conexões entre as estratégias
utilizadas pela Igreja para sua autoafirmação, elucidando fenômenos históricos que nortearam
o caminhar da sociedade local e regional no período em apreço, mediante a proposta de
laicização do ensino imposta pelo Estado. Nessa conjuntura, é importante ressaltar que a
Igreja Católica na década de 50 levanta a bandeira da liberdade de ensino como liberdade de
escolha do tipo de escola pela família, objetivando, entre outras coisas, a subvenção pública e
a não ingerência do estado. Assim, subordinada a ela, de certa forma estariam as escolas
particulares leigas, como a Escola Santa Terezinha, que sem uma doutrina própria apoiavam-
se na da Igreja para defender seus interesses, principalmente os de natureza financeira.
homem, é evidente que a educação constituísse campo de aplicação das filosofias e, como tal,
também de sua elaboração e revisão como vimos no tópico anterior. A educação como
processo de perpetuação da cultura, nada mais era do que o meio de se transmitir a visão do
mundo e do homem, que a respectiva sociedade honrasse e cultivasse. Com essa
compreensão, a educação como instância social que está voltada para a formação da
personalidade dos indivíduos, para o desenvolvimento de suas habilidades e para a veiculação
dos valores éticos necessários à convivência social, nada mais tem que fazer do que se
estabelecer como redentora da sociedade integrando harmonicamente os indivíduos no todo
social já existente.
Entretanto, para que se efetivasse a reconstrução social foi necessário criar padrões de
homogeneização. Nesse contexto, a organização pedagógica toma uma formatação do
controle do tempo, espaço e conteúdo, a partir de um plano de estudo do currículo e da
classificação homogênea dos alunos por idade. A racionalização e a padronização do processo
pedagógico, inseridas nas transformações que configuram o mundo urbano moderno, faz com
que a educação se transforme em um elemento fundamental para formatar o cidadão
republicano.
O ensino era individual, tomar as lições era individual. Não lia junto com
todo mundo para ser Global não. Porque cada aluno tinha um QI, uns mais e
outros menos. Então os que tinham menos eu tomava a lição até ele
aprender. Todos os meus alunos foram alfabetizados. Nunca encostei um
aluno porque ele tinha mais dificuldades. (ENTREVISTA 2).
Então vieram uns da roça dizendo que ouviu falar que a escola era muito boa
e queriam colocar seus filhos aqui. Perfeitamente! Nós aceitamos. Mas,
disseram: só queria lhe pedir uma coisa, pra não ensinar duas coisas pra eles.
Eu não quero que ensine ―o virundum‖ e nem o ―desce levanta‖. Pensei meu
Deus do céu o que será isso. O virundum era o Hino Nacional e o desce
levanta era a Educação Física. (ENTREVISTA 1).
106
Os depoimentos acima são indícios que a Escola Nova em Minas Gerais era uma
realidade, e a adesão aos seus princípios e métodos conferem à educação um novo formato. A
supremacia da técnica e o peso da organização como fatores indispensáveis para se garantir a
abordagem científica necessária à eficiência influem profundamente na estruturação dos serviços
educacionais e na prática desenvolvida nas escolas mineiras nesse período. Assim, os testes
psicológicos, a construção e a organização de tempos e espaços escolares, as atividades dos
alunos, os trabalhos manuais e a educação física eram formas de manter o aluno ativo, dando-lhe
uma ilusão de liberdade e autonomia que dispensavam a utilização da punição, na medida em que
eram constantemente vigiados e controlados.
Dessa maneira, tanto no Grupo Escolar Dom José Gaspar como na Escola Santa
Terezinha as práticas escolares abarcavam um manancial de civilidade e bons costumes:
hábitos de ordem, comportamento da criança na escola, casa, rua e lugares públicos, deveres
para com os pais e superiores. Como afirma o ex-aluno Edson Freitas que ingressou na Escola
Santa Terezinha em 1946, cursou o 1º, 2º e 3º anos do ensino primário, e em 1949 e 1950
concluiu o 4º e 5º anos sucessivamente no Grupo Escolar Dom José Gaspar:
A disciplina era rígida nas duas escolas. Na Escola Santa Terezinha elas
sabiam levar as coisas e as crianças estavam numa idade que podia receber
uma formação adequada para receber esta disciplina. Agora no Dom José
Gaspar a turma já era mais levada né! Aí tinha castigo, castigo de ficar
ajoelhado nos graus de milho ou ficar de pé virado pra parede no canto da
sala. (...) É tinha punição! Hoje não há mais punição eu não concordo com
isso, a pessoa que faz coisas errada tem que ser chamada atenção. (...) Eu me
lembro demais na escola era do caderno número um e número dois. O
caderno número dois era para caligrafia. O caderno número um era o
caderno normal e o caderno número dois era para caligrafia onde tinha mais
linhas, tinha linha onde você tinha que encaixar as letras de forma mais
homogênea. Tanto que lá no Colégio São José as normalistas tinham a
mesma forma de letra. Lembro-me também que tinha o lápis n° 2 e tinha um
que era mais macio para desenho. (...) Fazíamos muito desenho, fazíamos
muito ditado, no terceiro ano fazia dissertação, tabuada tinha demais, durante
um ou dois meses ficava uma tabuada de dois na parede aí todo dia
batalhava naquilo, quando vencia aquilo aí passava para a de três, quatro e
assim por diante. (ENTREVISTA 3).
Assim, mediante análise dos registros da Escola Santa Terezinha e do Grupo Escolar
Dom José Gaspar, constatamos que a metodologia utilizada particularmente na Linguagem
oral e escrita (literatura e redação), bem como nas Ciências Sociais estavam centradas em
histórias que despertavam o amor pelo que é bom e reto. Como deveres da criança para com
107
os pais e avós, deveres para com os irmãos e irmãs, temperança, prudência, sinceridade;
deveres de justiça e caridade, além dos deveres cívicos. A educação física era nesse aspecto
destacada pela sua influência moralizadora e higiênica. A metodologia aplicada nas duas
instituições de ensino buscava responder as exigências propostas pela legislação de ensino40
no período em apreço, com o intuito de formar nos educandos hábitos de vigor, coragem e
patriotismo. Podemos verificar isso através das orientações apresentadas pelo inspetor técnico
regional de ensino, Lourival Cantarino de Sousa, no termo de visita de 30 de setembro de
1948 do Grupo Escolar Dom José Gaspar.
40
Tempos e espaços escolares foram utilizados não só pelo Estado estrategicamente, mas também, de forma
tática, pelos sujeitos históricos que participaram da dinâmica da escola como medida de resistência e/ou meio de
adaptação às condições materiais que os envolviam. Assim, nessas circunstâncias, muitas vezes ignoradas pelo
Estado, diretores, professores e alunos criaram maneiras próprias, singulares de apropriação das normas legais do
ensino. De forma que as ações desses sujeitos nunca foram somente de submissão à ordem escolar que se
impunha. (SOUZA, 2010, p.168).
108
41
Em Minas, a expressão ―ensino ativo‖ indica o ensino por meio do Método de Projetos de Kilpatrick, a
aprendizagem da leitura pelo Método Global e a ênfase nas atividades de socialização e em disciplinas como
Canto, Trabalhos Manuais, Desenho e Educação Física. ( PEIXOTO, 2003, p.107).
109
Nesse sentido, para que se efetivasse a reconstrução social que o Estado tanto
desejava, foi necessário criar padrões de homogeneização pela organização didático-
pedagógica. Ocorria a formatação do controle do tempo, do espaço e de conteúdos, de
maneira que, a partir da classificação homogênea dos alunos por idade e da racionalização e
padronização do processo pedagógico, a escola pudesse contribuir com as transformações que
configuraram o mundo urbano e moderno que se constituíra a partir da década de 1940. Dessa
forma, concluímos que a versão ideológica dos pioneiros da Escola Nova representa a
adaptação da política educacional ao processo político e econômico pelo qual passava o país.
42
Mais que fazer parte de uma comunidade, o que é essencial é tomar sua parte dela. Isso significa mais do que o
reconhecimento de pertencimento por razão geográfica e/ou cultural. É um estado de estar envolvido na
comunidade a tal ponto que, sem sua presença, essa não se apresentaria da mesma forma. É um recíproco
movimento de constituir-se individualmente na comunidade e de constituí-la imprimindo a sua identidade sob a
sua forma coletiva.
110
Anísio Teixeira em sua obra: Educação não é privilégio, nos faz refletir sobre o
desajuste qualitativo e quantitativo do sistema de ensino que está sendo gestado no período
em apreço. A evolução do regime democrático a partir de 1946 exigirá a extensão das
influências socializadoras da escola às camadas populares, assim como a transformação do
estilo inoperante do trabalho didático tradicional, sendo esse incompatível com a formação de
personalidades democráticas. Pois, na medida em que o sistema educacional restringe o
acesso dos candidatos a um processo de escolarização de qualidade torna-se inoperante em
relação às mudanças solicitadas, sendo a escola um dos instrumentos de difusão de uma
consciência científica da sociedade e um importante instrumento de mudança social.
Entretanto, a importância da educação como técnica social e as funções que ela chega a
desempenhar na formação da personalidade dependem estreitamente das concepções de
valores em que a mesma está inserida, bem como das condições materiais para sua existência.
111
No caso, basta-nos lembrar que o único nível do ensino que tem atingido
parcelas variáveis, mas extensas das camadas populares é o do ensino
primário. Contudo, os especialistas que se dedicaram à investigação da
escola primária brasileira concluem que ela não produz os efeitos educativos
que seriam desejáveis. Ela opera como agência de evasão nas zonas rurais;
porém nas zonas urbanas, não oferece preparação bastante sólida para a vida
ulterior dos educandos. (FERNANDES, 2008, p.108).
Tabela 7: Percentual de alunos aprovados no Grupo Escolar Dom José Gaspar em 1950.
Turma / Professor Alunos Promovidos Não promovidos % de Aprovação
1° Ano Marina Alves 7 24 22%
1° Ano Maria José 2 30 6%
1° Ano Olivia Araujo 10 25 28%
2° Ano Elza Rocha 14 29 32%
2° Ano Gema Araujo 25 11 69%
2° Ana Candida 30 5 85%
3º Maria José 17 33 48%
3 Ano Amélia Pirilo 29 7 80%
Fonte: Livro de Promoção do Grupo Escolar Dom José Gaspar 1946 a 1958.
112
Tabela 8: Percentual de alunos aprovados no Grupo Escolar Dom José Gaspar em 1951.
Turma / Professor Alunos Promovidos Não promovidos % de Aprovação
1° Ano – Terezinha de 22 12 64%
Angelis
1° Ano – Conceição 17 16 51%
Amaral
1° Ano – Eunice Pimenta 5 22 17%
1° Ano – Neme Saliba 0 32 0%
1° Ano – Elnice Alves 19 14 57%
2° Ano – Maria Percilia 8 23 25%
2º Ano – Francisca 17 33 48%
Ferreira
2 Ano – Francisca Ferreira 17 17 50%
2° Ano – Mirtes Andrade 5 32 13%
Fonte: Livro de Promoção do Grupo Escolar Dom José Gaspar 1946 a 1958.
Nas tabelas acima selecionamos apenas as três primeiras séries do ensino primário
para que pudéssemos fazer um paralelo entre as duas instituições de ensino em análise.
Enquanto o Grupo Escolar Dom José Gaspar, de certa forma repelia seus alunos, a Escola
Santa Terezinha os atraía (dentro de suas possibilidades financeiras é claro). ―Quando você
tem condição de pagar para receber alguma coisa em troca você é muito mais bem tratado.
Uma professora que tem uma escola particular é preciso fazer o nome dela, para no outro ano
garantir mais alunos‖. (ENTREVISTA 4) Nesse sentido, Vicentina Cendón professora das
duas instituições de ensino em estudo, confirma a diferença do atendimento prestado aos
alunos no processo de alfabetização.
Não eram muitos alunos, eram vinte e poucos em cada sala. Então dava bem
para a gente olhar tudo direitinho. (...) O ensino era individual, tomar as
lições era individual. Não lia junto com todo mundo para ser Global não.
Porque cada aluno tinha um QI, uns mais e outros menos. Então os que
tinham menos eu tomava a lição até ele aprender. Todos os meus alunos
foram alfabetizados. Nunca encostei um aluno porque ele tinha mais
dificuldades. (...) Na Escola Santa Terezinha a gente tinha tempo de olhar o
material de cada um. Onde errava a gente dizia: aqui você errou preste
atenção e corrija! No Grupo, por exemplo, a minha sala não era a melhor.
Minha sala sempre era a pior. Tinha aluno cheio de dificuldades. Quando eu
pegava a folha de matrícula, pois eu já conhecia os alunos de lá, me dava até
tristeza, pois eu pensava: Nossa Senhora meu Deus outra vez esta sala
difícil! Mas eu passava mais de 80% e aquelas professoras das salas
melhores ficavam com raiva, pois eu passava mais alunos de que elas.
(ENTREVISTA 2).
113
A citação acima nos faz refletir sobre as condições do ensino público43 e reforça a
análise realizada no capítulo 2 deste estudo em relação à condição social que estava
intimamente relacionada ao QI desses alunos. Em geral os alunos da Escola Santa Terezinha,
como já apontado anteriormente, provinham de uma população heterogênea que incluía
setores da classe média, profissionais liberais, filhos de trabalhadores urbanos mais bem
inseridos no mercado de trabalho. Enquanto no Grupo Escolar Dom José Gaspar,
principalmente a partir da década de 40, frequentam alunos em sua maioria oriundos das
camadas populares como registrado no livro de matrícula da instituição, ao descrever a
profissão dos pais de tais alunos. Dentre as profissões consta inclusive indigentes, além de
carroceiros, pedreiros, oleiros, marceneiros, e outras profissões associadas às atividades
ferroviárias como guarda-freio, guarda-chave, ferreiro e maquinistas.
Dessa forma, o depoimento da professora Vicentina Cendón nos permite algumas
leituras associadas às relações de conflito entre as duas instituições de ensino. A citação acima
deixa evidente a comparação em relação ao desempenho dos alunos. Em outros momentos
chega a afirmar que a Escola Santa Terezinha sofreu com perseguições por parte dos
representantes do Grupo Escolar Dom José Gaspar.
Alguns eram muito bons. Mas, teve uma época que entrou uma lá para ser
inspetora, nossa! O tanto que ela implicava com a escola. Ela era professora
do Grupo Escolar Dom José Gaspar. Implicar por quê? A escola não estava
prejudicando em nada o Grupo Escolar. Tinha aluno que sofria tudo lá. Não
precisava implicar com os de cá, pois a escola aqui que era pequena.
(ENTREVISTA 2).
43
Em nossa análise das práticas escolares do Grupo Escolar de Ibiá, percebemos grande omissão do Estado
referente às condições oferecidas para efetivação dos princípios escolanovistas. Pois, para melhor desempenho
do processo de ensino e aprendizagem, a legislação previa um ambiente escolar cientificamente organizado,
além de material didático apropriado às diferentes disciplinas. Todavia, o que constatamos no Grupo Escolar de
Ibiá foi uma grande carência de recursos físicos e humanos, tais como carteiras, materiais didáticos e outros
materiais para o museu e a horta, além de professores formados. O Estado determinava, via legislação, como
deveriam ser ministradas as aulas para maior qualidade do ensino, mas não proporcionava aos alunos e
professores as condições adequadas de trabalho. (SOUZA, 2010, p. 170).
114
44
Nesse período em cenário nacional os defensores das escolas particulares argumentavam que para agir
democraticamente o Estado deveria distribuir com equidade a parcela de seus recursos destinados à educação,
beneficiando por igual a escola particular e a escola pública, considerando-se que todos contribuem para as
rendas do Estado e somente os frequentadores da escola pública se valem do direito.
115
Chegamos ao final desse capítulo com a sensação de que enquanto no plano nacional o
debate político-ideológico entre a iniciativa de ensino público e privado se acirrava no final da
década de 50, no universo local podemos intuir que o acordo firmado entre a Escola Santa
Terezinha e o Grupo Escolar Dom José Gaspar reflete a política clientelista do Brasil. De
forma que essas duas instituições de ensino, antagônicas em sua essência, se integram
configurando ora uma relação de conflito ora de complementaridade.
116
CONSIDERAÇÕES FINAIS
45
Mediante análise do discurso dos depoentes.
117
passaram pela Escola Santa Teresinha, em sua vigência de 1937 a 1975, número bastante
significativo se considerarmos a população do município nesse período.
Até a presente data, por descuido de nossas lideranças atuais e passadas, não
existe em nossa cidade sequer uma solitária placa em homenagem às
pioneiras do ensino básico em Ibiá. Porém, existe em abundância muito
carinho e gratidão de centenas e centenas de ex-alunos, espalhados por todo
o Brasil. Uma prova concreta foi dada por um ex-aluno Dr.Wylson Borja,
advogado e um dos mais bem sucedidos empresários no setor imobiliário de
Belo Horizonte. O Dr. Wylson Borja ao lotear uma grande área de sua
propriedade na capital do Estado, onde hoje é um aprazível bairro
residencial, fez questão de denominar a rua principal do local com o nome
de PROFESSORA ROSA CENDÓN. (MENDES, 1999, p.194).
Com a Escola Santa Terezinha o Grupo Escolar de Ibiá manteve uma relação muito
íntima, pois, à medida que a escola pública não consegue atender às expectativas de
alfabetização de boa parte da população ibiaense, entra em cena a iniciativa privada. De forma
que a escola Santa Terezinha só oferecia os três primeiros anos do ensino primário, ou seja, a
escola particular preparava os alunos, mas era a iniciativa pública que detinha o mérito de
diplomá-los. Todavia, tais instituições de ensino desfrutavam do mesmo espaço privilegiado,
mesmo status dentro da sociedade ibiaense. As duas instituições de ensino se
complementavam, mas, em diferentes momentos desenvolveram relações de conflito. Então,
chegamos à conclusão de que mesmo no cenário nacional estivessem ocorrendo constantes
debates entre a iniciativa pública e a iniciativa privada, no município de Ibiá a Escola Santa
Terezinha desenvolvia com o Grupo Escolar Dom José Gaspar, ora uma relação de conflito,
ora de complementaridade.
Vale ressaltar que não tivemos a intenção de esgotar a temática apresentada como
proposta de estudo e pesquisa na introdução deste trabalho, apenas levantamos alguns pontos
que poderão ser discutidos em outros momentos ou por outros pesquisadores. Nossa pretensão
foi instaurar o debate entre as possíveis relações do ensino público e privado entre as décadas
de 40 e 50, lembrando que tal temática perpassa toda a História da Educação no Brasil.
121
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formular sugestões, no sentido de maior eficiência do ensino cívico e do combate ao
comunismo em todas as escolas do Estado de Minas Gerais. Coleção das Leis e Decretos do
Estado de Minas. Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 1938.
MINAS GERAIS. Secretaria Estadual de Educação. Livro de atas das reuniões dos
professores: Grupo Escolar Dom José Gaspar, realizada no dia 16 de março de 1951. Ibiá,
1951, livro 2.
APÊNDICES
Grupo novinho. Esse é o melhor de Ibiá, viu! Depois não fizeram outro melhor do que este
não.
Então nós passamos para lá. Ajudamos a carregar as carteiras, felizes! O grupo
novinho, muito bem construído, janelas grandes. Foi motivo de felicidade passar estudar no
Grupo. E todo mundo quer saber por que se chama Dom José Gaspar? É porque Dom José
Gaspar era um filho de Araxá e chegou aqui Arcebispo de São Paulo. Uma irmã dele até
lecionou aqui, um ano ou dois. Mas, infelizmente quando ele estava muito bem lá em São
Paulo, como Arcebispo, ele foi dar uma volta de avião sobre a cidade e o avião descontrolou,
caiu e ele faleceu neste acidente, novo ainda e querido lá em São Paulo.
A partir de que momento o Grupo passou a se chamar Grupo Dom José Gaspar?
A data não me lembro.
Houve alguma festividade, algo diferente para esta mudança?
Não, é porque o Grupo estava sem nome mesmo. Aconteceu que este acidente abalou
muito não só São Paulo, como Araxá que era a terra dele, como Ibiá que é pertinho né.
Nos documentos que estive analisando cita Agar, na biografia do Dom José Gaspar,
Agar era Irmã de Dom José Gaspar. Será que não foi por este motivo que foi feita a
homenagem?
Não, a Agar, esteve aqui. Ela chegou a lecionar, trabalhou no Grupo. Ela ficou até na
casa da minha mãe. Ela precisava ficar em uma casa de família, minha mãe então ofereceu
para ela ficar conosco.
Ela ficou quanto tempo em Ibiá?
Muito pouco tempo. Porque depois na sequência foi para Araxá, voltou para a casa
dela. Ela deve estar aposentada agora. Ela deve ser uma religiosa lá, uma pessoa boa.
Hoje ela estaria com quantos anos?
Não sei, por que nesta época eu já tinha saído de Ibiá, porque aqui não tinha colégio
de freiras e eu tinha, nós, eu (Célia) e a Rosinha tínhamos uns parentes, muito influentes lá em
Formiga. Tinha um ministro da educação e cultura de Getúlio Vargas, o ministro chamava-se
Washington Ferreira Pires, este ministro criou uma Escola Federal lá em Formiga. É por isso,
na qualidade de ministro foi uma ótima escola! Ela era filial do Instituto de Educação de Belo
Horizonte. Os fiscais eram de lá, os professores eram de lá. Então como eu tinha estes
parentes em Formiga, me chamaram: - ―Ô vem para aqui para Formiga para você fazer o
curso que você quer, sei que você já passou no primário‖. Então a gente foi para Formiga pra
estudar em uma escola muito boa. Então nós fomos, fizemos o Curso Normal lá.
129
Então após o curso primário concluído aqui em Ibiá a Senhora fez o curso em
Formigas?
Numa Escola Federal muito boa!
Quais as disciplinas a Senhora considerava mais importantes no curso normal?
Pra mim que gosto desse assunto foi metodologia do ensino e psicologia, mas infantil.
Tanto que quando formei eu tinha 17 anos, formei em novembro, aí tive que defender uma
tese. Então eu achei tranquilo da minha parte, eu escolhi o tema: Diferenças individuais,
influências do meio e da hereditariedade.
A Senhora tem algum registro desta época?
Eu tenho, está tudo nessa lambança aí.
Vê-se que para uma pessoa de 17 anos, falar sobre isso, o crescimento mental da
criança. É porque quando eu estudava, esse tema passou pela professora de psicologia:
crescimento mental da criança. Influencia do meio e da hereditariedade é um tema meio
complicado. A banca examinadora era composta de médicos, em Formiga para compor o
corpo docente da escola eles chamavam pessoas de lá mesmo, médicos, engenheiros, estas
pessoas que têm curso superior. Então na banca examinadora, o dia que fui fazer a minha
defesa dessa tese fiquei muito devotada. Eles fizeram perguntas, eu já tinha lido muito sobre o
assunto, e fui respondendo. Depois eles fizeram uma rodinha e ficaram discutindo o tema:
―não, eu acho que a hereditariedade tem muito mais força sobre a formação mental
psicológica da pessoa.‖, outro médico de lá, ―não eu acho que o meio‖. É um tema instigante!
Como era o procedimento metodológico das aulas?
Tinha que ser teórico e prático porque naquele tempo estava em grande, grande,
conversa a Escola Nova, que é a escola justamente contra a escola antiga do soletração. E a
Escola Nova era assim, era pra traz, começa da história, fazia o pré-livro (contar a história dos
três porquinhos, por exemplo). O pré-livro chamava Método Global e justamente pra ir contra
aquele método que aprendia a letra e depois falava, ―B, A, Bá‖ ―L, A, Lá‖, chegaram à
conclusão que falar o nome da letra não altera no falar. O que manda é a sílaba, método
silábico. Tanto que sou pessoalmente, muito mais o método silábico, mais prático do que o
método global de Erik Day, Anita, Claparred, Dewey, Pedro Nandon, é ate hoje ele é adotado
nas escolas.
Ele era considerado o método Ativo?
Ativo. E era obrigado a ministrar para os meninos, porque na Escola Normal de
Formiga tinha o curso do 4° ano primário que era um curso que a professora que estava
130
estudando tinha que dar aula. Para aprender a dar aula. Clamava-se escola anexa. Você vê que
a gente estudava e lecionava.
A Senhora chegou a lecionar?
Lecionei uai, todas eram obrigadas. A gente sabia quase tudo de prática, o método
novo que estava aprendendo. O método global é assim, pega um livro o pré-livro que
chamava, e decora a história: ―Era uma vez os três porquinhos: o primeiro porquinho
chamava‖ e decorava a história inteirinha, tudo decoreba e depois (...) Da um trabalho pra
gente! Porque depois a gente escrevia a frase na cartolina: ―Era uma vez os três porquinhos‖ ,
e escrevia aquilo em cartolina e recortava, levava aquilo tudo esparramado para os meninos, e
os meninos levavam tesourinhas para depois transformar aquelas frases em palavras. Andando
tudo pra traz. E perguntava para o menino: ―Ô menino onde é que está aí a palavra ―Era‖ e o
menino ia com a tesourinha, ficava aquela bagunça de tesourinha, pedacinhos de papel. Não
dava.
Como eram repassados os conteúdos e as orientações das aulas?
Ué, pela própria aula. A professora dava aula. Eu por exemplo, não estudei taquigrafia
não. Mas eu fazia, ouvia a professora e ia tomando nota num caderno, só com as palavras, e
eu fazia um resumo. Chegava em casa eu tinha aquilo tudo né. Tinha amigas que falavam:
―Célia, eu posso estudar com você?‖ e ai a gente recordava tudo.
Como aconteceu a sua decisão de ser professora? Em que momento?
Não, não teve um estouro de momento não. É que naquele tempo não tinha outra
opção pra as moças da roça não.
Era uma profissão que dava um certo status e prestígio?
Ah, dava, dava e infelizmente não dá mais.
Em que período a Senhora trabalhou como professora primária?
Sempre, sempre. Não era considerado primário um curso que nós fundamos, chamado
curso de admissão ao ginásio. Porque aqui não tinha ginásio e mas tinha o colégio para as
moças. E as moças começaram a ficar mais cultas que os homens. Mas, quem tinha dinheiro
para pagar ia para Patrocínio, Araxá, ou Formiga onde nós estudamos. Então nós fundamos
um curso de admissão ao ginásio, porque aí preparava a turma que podia pagar o internato.
Este curso de admissão veio junto com a escola primária Santa Terezinha?
Este curso de admissão ele foi criado pelo instituto de educação o MEC, não podia
entrar no ginásio sem o curso de admissão. É igualzinho hoje, não se pode entrar na
faculdade, sem fazer o exame vestibular. Era uma espécie de vestibular.
131
Mas quando a Senhora concluiu o curso Normal a senhora saiu de Formiga e veio
para Ibiá e aqui junto com as suas irmãs fundaram a Escola Santa Terezinha. Como
ocorreu isto?
Ocorreu assim, nós eramos as mais velhas, a Rosinha e eu, acontece que éramos sete
irmãos e tínhamos que educar os outros. No ano que eu formei as Irmãs francesas fundaram o
Colégio Normal São José. Então nós terminamos o curso Normal em novembro (Célia e
Rosa). Quando chegou janeiro nós pensamos assim: Vamos dar umas aulas de reforço.
Aproveitar as férias e ganhar um dinheirinho, como escola particular. Porque nós víamos as
mães queixando: ―ah, meu menino já está a dois anos no grupo e não sabe ler. As mães
viviam se queixando. Então nós pensamos em dar aula de reforço, foi em janeiro ainda não
tinha começado as aulas. Nós não tínhamos sala de aula nem nada. Desocupamos um quarto,
e os meninos começaram a chegar nas férias, um menino, outra menina. Um estava no 1° ano
a outra no 3°, a outra estava no 2° ; esta e a verdadeira fundação da Escola Santa Terezinha.
Porque nesses dois meses de intervalo a gente deu aula de reforço e os meninos tiveram uma
melhora de 100%. Excelente! E aquilo correu a cidade era pequenininha.
Quantos habitantes?
Muito menos que a metade. Menos de 10 mil pessoas. Então isso aí não há como
negar. A conversa de boca em boca.
E a questão legal, como ocorreu a regularização da escola Santa Terezinha?
Quando começaram as aulas, então as crianças que fizeram o reforço contou para a
vizinhança inteira. E as mães diziam: ―Põe lá na Dona Rosinha, vê como meu menino está, a
letrinha dele está uma beleza, olha ele já está lendo, fazendo continha. E pronto e isto
esparramou. Quando chegou o dia primeiro de fevereiro que ia começar as aulas, nós
recebemos aquele punhado de meninos.
Como era nomeado um diretor de uma escola particular?
Não, não era nomeado. Ele não era nomeado, ele era autônomo.
Mas na questão legal como funcionava?
Pois é, isto pra frente eu vou falar. Era autônomo, não existia, INSS, INPS, aqui antes
de nós já teve um professor particular. Muito bom! Então nós somos autônomos. O professor
era um professor bom. Era uma pessoa querida, estimada do povo. Não tinha esta falta de
respeito que existe hoje. Primeiro que nós tínhamos diploma. As outras não tinham! Fomos as
primeiras normalistas de Ibiá.
132
A Rosa foi diretora durante 8 anos, depois ela cansou e o meu irmão que fundou a
USIMINAS, você conhece a USIMINAS, já ouvi falar? A melhor siderúrgica do Brasil. Então
meu irmão fez parte da USIMINAS e ficou lá até aposentar. Então minha irmã que ajudou a
fundar a escola ficou cansada. Meu irmão Pedro Cendón já tinha escritório, então ele falou vai
trabalhar no meu escritório lá em Belo Horizonte, então ela deixou a escola.
Em 1938 já foram 70 alunos, mais que o dobro. Então foi tendo que arrumar
acomodação para os alunos. Mas isso tudo porque a escola era boa!
A Escola Santa Terezinha não foi uma concorrente para o Grupo Escolar?
Não, isso não, por que aqui era nessa base, particular e lá era público. Muitos pais ao
invés de levar para lá, trazia para cá.
De que classe social era a maioria dos alunos?
Eram filhos de juízes, médicos, agiotas, ferroviários, coitadinhos.
Então vieram uns da roça dizendo que ouviu falar que a escola era muito boa e
queriam colocar seus filhos aqui. Perfeitamente! Nós aceitamos. Mas, disseram: ―só queria lhe
pedir uma coisa, pra não ensinar duas coisas pra eles. Eu não quero que ensine ―o virundum e
nem o desce levanta‖. Pensei meu Deus do céu o que será isso. O virundum era o Hino
Nacional e o desce levanta era a Educação Física.
Eu era secretaria e anotava tudo. Observa só como em 1940 aumentou
consideravelmente o número de alunos (livro de matrícula), foram construídas duas salas em
terreno anexo. Em 1946 Vicentina se tornou normalista. Era uma Escola da Família, eles
falam assim a Família Cendón. Cendón é do meu pai que formou família com uma das
famílias mais antigas daqui, da minha mãe. Mas o meu pai puxou mais, porque quando a
gente começou a aprender a ler e tudo, quando ele mandava assinar puxava mais pro nome
dele. É porque o nome dele é que é menos comum. E a gente ficou mais conhecida por
Cendón.
Nós tínhamos até 5º ano porque não tinha Ginásio aqui. Tinha que parar de estudar ou
mandar os meninos pra fora. E naquele tempo ninguém entrava no Ginásio, qualquer Ginásio
de Minas Gerais e do Brasil, sem prestar uma espécie de vestibular, que se chamava de exame
de admissão ao Ginásio. Esse exame de admissão ao Ginásio ministrávamos muito bem!
Constavam de cinco matérias: Português, Matemática, História, Geografia e Ciências.
Ciências é claro que elementar, Química, Física e etc. Se você não passasse no exame de
admissão nenhum Estado ou Colégio da época não matriculava você no primeiro ano ginasial.
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Aí, tinha que fazer. Igualzinho hoje no curso superior. Hoje não tem isso mais, hoje tem gente
que passa colando.
Como a Senhora mantinha a disciplina da turma em sala de aula?
Não dava castigo, mas tinha que obedecer. A disciplina, uma coisa que eu não tenho é
falsa modéstia, disciplina a gente impõe.
Aqui (Livro de Matrícula) por exemplo Moema Borja, Esquema Borja, Irajá Borja,
vinha era assim, Carvalho, Carvalho, Carvalho, os irmãos todos. Vinham a maioria das
fazendas. A boa Escola é a que tem bons professores!
Mas o que a Senhora considerava importante ensinar para os alunos?
Civilidade, civilidade, começa por aí. Ninguém podia gritar na aula. Começa cedo se a
professora grita os alunos gritam junto, não. É a professora falando baixo, os alunos
conversando normal. Eu me lembro da minha irmã Rosinha, os meninos vinham lá da fazenda
e menino da fazenda fala auto, porque vai chamar o outro no fundo da horta: ―Ô Joaquim!
Então chegava falando auto e chegava à sala de aula Ôooo Dona Rosinha! Ela baixava a voz
para ensiná-lo a fala assim. E ela respondia assim baixinho, não meu filho aqui na sala você
não precisa falar gritado não. Você pode me chamar se você quiser, mas chama baixinho. É
assim que se ensina disciplina.
E ainda ensinávamos catecismo e íamos à missa com eles no domingo. E
preparávamos para a primeira comunhão. Eu tenho uma caixinha aí cheiinha de retratos. Mas,
recebíamos crianças de todas as religiões, havia muitos protestantes.
Olha esta é uma turma de primeira comunhão. Chegava pra gente as mães que eram
protestantes e falavam: ―Dona Rosinha eu quero falar uma coisa pra senhora, na hora que for
ensino religioso, a senhora coloca o meu menino pra fora da sala de aula. Pois não dona
Maria. Aí eu fala, pro Zezinho filho da dona Maria: ―Zezinho pode brincar lá fora‖, aí ele
brincava sem atrapalhar a aula, brincava sem gritar. A gente falava pra eles, porque tinha
vizinhos, não podia gritar se atormentava a vizinhança. Os meninos eram meninos puros e
sábios.
Existiam momentos de recreação?
Tinham, todo dia. Depois de comer a merenda, vai brincar. Aqui não tinha muito
espaço pra correr. Tinha alunos que sentavam no quintal era arborizado. Então os meninos
brincavam de tudo quanto é coisa. Brincavam de contar estória ou então pedia a professora
pra contar. Tinha uma padaria aqui, padaria do Robão, então eles pediam pra gente comprar
muitas coisas.
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desenhava faca, vovó, sapo, girafa e assim por diante. Conclusão, a língua portuguesa em
sílabas coube em poucos cartazes. E estes cartazes ficam grudados na sala. Os alunos m os
cartazes, pra frente, pra traz, pra baixo, pra cima, liam os cartazes todos os dias. Quando ele
passava para a cartilhas já conheciam as sílabas todas, e ia embora na leitura.
Como eram realizadas as avaliações?
A gente dava uma prova todo mês. Todo mês tinha prova. Este é o livro de aprovação.
Tinha ditado?
Tinha, eu aprendi foi com ditado. Eu dava composição, dava um quadrinho, depois eu
dizia vamos falar sobre aquele quadrinho. Eu ensinava português e os meninos conheciam as
oito categorias e não misturavam. As oito categorias gramaticais. Não é brincadeira não. Por
exemplo eu ditava um trecho do livro e depois pedia: ―O que for verbo sublinha com uma
linha vermelha, o que for adjetivo sublinha com uma linha azul, o que for substantivo (...)
dentre as quatro categorias estudadas eles não misturavam adjetivo com advérbio, com
preposição. E hoje tem gente formado que não sabe o que isso.
Sobre as categorias gramaticais esses meninos do Ginásio não sabe disso não. Essa
parte teórica. O Eugênio o filho mais velho da Alda que é a caçula né ele entregou.
Aqui (fotografia) está papai e mamãe. Ele morreu com 76 anos. Mas engraçado esta
fotografia a mamãe estava sentada em uma cadeirinha pequena, ficou parecendo que ela
estava em uma escada.
Ibiá tem uma história entrelaçada com os trilhos da ferroviária federal, iluminando o
caminho para o desenvolvimento.
Finaliza a entrevista falando dos ex-alunos que voltaram para visitá-las e do orgulho
de ter contribuído para formação de tão ilustres personagens, como pudemos constatar através
dos registros realizados por elas ao longo dos anos.
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conhecia os alunos de lá, me dava até tristeza, pois eu pensava: Nossa Senhora meu Deus
outra vez esta sala difícil! Mas eu passava mais de 80% e aquelas professoras das salas
melhores ficavam com raiva, pois eu passava mais alunos de que elas.
Além dos cadernos já mencionados, tinham outros?
Tinha também. Tinha o caderno de desenho, que nós usávamos uma vez por semana.
Porque precisávamos descansar também né.
Além destes materiais existiam livros didáticos?
Não, tinha uma cartilha. Chamava Cartilha da Infância. Era muito boa para ensinar
porque ela era dividida, por exemplo, para os meninos gravarem bem a gente falava assim o
―V‖ é da vaca, tem os dois chifrinhos. Então você vê os chifrinhos lembra que o ―V‖ é da
vaca e os meninos gravavam. O ―B‖ da bola, o ―P‖ do pato e ―T‖ do tatu. Então íamos
arranjando alguma coisa que parecia com aquilo. O ―F‖ da faca e assim por diante. Então nós
fazíamos, porque naquela época não tinha para vender ou comprar, o cartaz com as sílabas
todas de cada letra. E líamos todos os dias, e os meninos iam decorando, porque grava
melhor.
E assim a Sra. procedia nas duas escolas, Santa Terezinha e Grupo Escolar Dom
José Gaspar?
A mesma coisa. O método que utilizava em uma escola também utilizava na outra. Na
primeira série utilizávamos cartazes e cartilhas para alfabetizar.
Além das disciplinas de Português e Matemática quais eram as outras disciplinas
ministradas?
A partir do segundo ano dávamos umas noções de Ciências, de Geografia falávamos
sobre os rios, colocávamos um mapa na frente para eles decorarem a figura de Minas Gerais,
a figura de São Paulo, o mapa do Brasil. Porque vai gravando. À medida que vai subindo de
série ele vai tendo noção daquilo. Lá para terceiro ano tinha os afluentes do Rio Amazonas.
O quarto ano nós não oferecíamos na Escola Santa Terezinha porque naquela época o
quarto ano era meio complicado. Porque a escola já era registrada, mas tinha que levar as
provas e toda documentação lá na Secretaria de Educação, era complicadíssimo esse negócio.
Então resolveu-se que não iríamos dar o quarto ano, deixava para o Grupo Escolar. Então as
crianças do terceiro ano passavam para o Grupo Escolar e do Grupo a maioria voltavam para
se preparar para fazer o exame de admissão.
Para ir para o Ginásio tinha que fazer o exame de admissão. Depois do quarto ano
tinha o exame de admissão para ir para primeira série ginasial. De primeiro era até a quinta
142
série ginasial depois eles cortaram ficou somente até a quarta série. E a quinta que era quinta
série ginasial já foi para faculdade. E tinha que fazer o exame, se passasse, e graças a Deus os
alunos de quinto ano da escola nenhum tomava bomba. Todos passavam com notas boas.
Então a escola ficou conhecida em Araxá, Patrocínio, Formiga, Lavras, Ribeirão Vermelho.
Até em cidades de São Paulo que em virtude da Nestlé o pessoal mudava para lá e as crianças
iam, então quando chegavam lá: O que você veio fazer aqui? Vim fazer o exame de admissão!
Em qual escola você estudou? Escola Santa Terezinha. Ah, então você já passou! E passava
mesmo e todos com notas boas. Graças a Deus!
A partir de quando a Sra. começou a dar aulas na Escola Santa Terezinha?
Quando comecei estava com 16 anos em 1946.
E no Grupo Escolar Dom José Gaspar?
Bom, depois que casei fiquei cinco anos parada. Me casei em 1955 e de 56 a 60 fiquei
na fazenda. Da fazenda eu vim para a cidade e a partir de 1961 voltei a lecionar e não parei
mais até aposentar. E contando tudo inclusive a APAE eu mexi com educação mais de 50
anos.
Além das disciplinas já mencionadas existiam aulas de religião?
Tinha, na nossa Escola e também no Grupo. Na nossa Escola principalmente,
preparávamos os alunos para primeira comunhão. Lá as meninas, Célia e Zifinha, têm retratos
até hoje. As meninas de vestidinhos com roupa muito bonitinha e os meninos de terninho. Era
muito apreciadas pela comunidade as primeiras comunhões da Escola Santa Terezinha.
Naquela época os pais todos faziam questão dos filhos fazerem a primeira comunhão.
Hoje tem uns que nem ligam né, tá tudo mudado. Mas, graças a Deus os meninos saiam muito
bem preparados. O padre quando ia confessar as crianças, eles coitadinhos iam morrendo de
medo. A gente contava: não precisa ter medo não, fale as coisas que vocês acham que fizeram
de errado. E meu sobrinho foi confessar e o padre perguntou o que é a eucaristia? É Jesus no
Sacrário, respondeu o menino. E o padre deu uma resposta mais técnica. Então ele mais do
que depressa perguntou: mas não é a mesma coisa não? Criança não tem jeito não!
Qual era a relação da Igreja com a Escola Santa Terezinha e com o Grupo Escolar
Dom José Gaspar?
Os padres visitavam as escolas, iam ensinar a cantar, ajudar a ensinar religião, fazia
tudo o que tinham obrigação de fazer mesmo. A religião era olhada com muito carinho!
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Já que a Sr(a). começou a falar sobre a disciplina na Escola, então relate como
vocês conciliavam esta questão ? Existiam castigos?
Tinha um aluno que era muito levado até, o Leleu, o pai dele tinha uma sorveteria, Zé
do Zair, na época era a melhor sorveteria da cidade. O Leleu era um ―capeta‖ e Leleu que era
custoso! Então ele falava, eu vou fazer raiva na Dona Rosinha para ela me colocar de castigo
lá dentro. Então geralmente tinha um fogão de lenha e tinha uma empregada que ajudou a
mamãe criar os filhos, a preta, Cicília era no nome dela, até hoje todos os filhos tem um
carinho muito especial com ela. Já morreu! Então punha o Leleu de catigo lá no rabo do
fogão, punha de castigo era lá dentro e ele ficava junto com a Cicília, e ela fazendo o almoço
e ele fazendo as tarefas.
Então ela fazia um bolinho de arroz que era uma maravilha e acabava de fazer e dava
pra ele, e ele achava aquilo muito bom. Ele aprendeu, vou fazer uma estripulia para ir para o
castigo de novo. Depois ele chegava em casa e ia contava para o pai: Pai hoje eu fiz isso
assim e a Dona Rosinha me pôs de castigo. Ah, pôs? Dizia o pai: que coisa boa! Ele tinha lata
de goiabada, ou marmelada ele colocava no embrulho e depois mandava levar de presente,
porque pôs de castigo. E falava pro menino: E dá o recado qualquer coisa eu pergunto para ela
se você deu o recado. Quando ele chegava na escola o menino entregava o embrulho e dizia:
aqui Dona Rosinha o papai mandou trazer para a Sra. porque a Sra. me deixou de castigo.
Então a Rosinha, falou pro Sr José: Oh, seu José, por favor, não faz isso não, porque
depois fica parecendo que eu estou colocando o menino de castigo para ganhar presentes. Os
pais agradeciam! Hoje se o professor faz alguma coisinha qualquer ou chama atenção ou
põem de castigo os alunos, o pai e mãe vão à escola tirar satisfação com o professor, hoje a
disciplina está muito ruim. Por causa disso os professores não têm mais liberdade nem
respeito.
Como era realizado o lanche? Eles podiam ir comprar o lanche fora da escola ou
tinha que levar de casa?
Eles já levavam de casa. É engraçado que os meninos são muito simples e tudo que
tiver que falar eles falam. De vez em quando chegava um perto da gente e falava Dona
Vicentina a Sra. quer este biscoito aqui pra Sra.? - Tá ruim! Eles tinham toda liberdade de
conversar com a gente, no que eu falava: Tá tudo bem! Eu vou comer depois.
E lá no Grupo também era assim?
Lá tinha a sopa, então eu fiz o curso de assistente escolar e supervisora de merenda,
fiquei lá três meses, e eu quem dava a ficha para os alunos. Ia de sala em sala, via quem
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queria quem era da Caixa Escolar e dava as fichas. Na verdade eu já sabia quem era da Caixa
ou não. A maioria queriam tomar a sopa, que era muito bem feita, muito gostosa.
Antigamente tinha charqueada aqui, os pedaços de carnes eles mandavam tudo pra nós. Então
fazia aquela sopa muito saborosa. Até as professoras tomavam. A gente vendia, pelo um preço
mínimo, simbólico. Aí eu saia nas salas, quando dava o sinal, eles já iam ficar nas filas
certinho, já tinha tudo arrumadinho as mesas e os pratos. Eles iam pegando os pratos e a
colher iam sentar-se à mesa.
O que era e como funcionava este Caixa Escolar?
Estas verbas eram para caderno, lápis, borracha e até mesmo uniforme. Este caixa era
cobrado apenas daqueles que tinham condições aqueles que não tinham condições não
pagavam não, eles ganhavam. Se nós ganhássemos tudo não teria necessidade de cobrar. Mas,
geralmente não ganhava tudo. Ganhava como já mencionei a carne da charqueada. Tinha o
servente que ia lá na charqueada buscar e trazia aquele balde cheio de carne. Carne boa como
estavam em pedaços não servia para eles, eles doavam para todas as escolas públicas.
A Caixa Escolar era paga trimestralmente, bimestralmente, mensalmente?
A Caixa Escolar, tanto do Grupo como das outras escolas era para poder ajudar as
crianças que não podia. Uniforme, material escolar, tudo ganhado. Mas a professora olhava o
caderno, tinha que aproveitar o material bem aproveitado: Deixa eu ver se não está
desperdiçando caderno. Se continuar assim não vai ganhar mais não.
Existia alguma relação entre o Grupo Escolar e a Escola Santa Terezinha. Eu pude
perceber que a Dona Rosinha aparece em alguns documentos do Grupo Escolar, como
homenageada para paraninfar algumas turmas?
Tinha. Nós éramos amigas. A diretora era amiga. A Dona Elza, por exemplo, mulher
do Dr José Dias, o filho dela estudava não era lá (Grupo Escolar) era cá (Escola Santa
Terezinha). Éramos todos amigos, não tinha ninguém inimiga não.
Em relação ao nível social do Grupo? Lá também existiam níveis sociais distintos
pessoas mais ricas e mais pobres?
Não tratava todo mundo igual, não tinha nenhuma distinção não.
Como eram dispostas as salas em relação ao mobiliário e quais eram os materiais
didáticos?
Nós não ganhávamos carteiras. As carteiras eram feitas por meu pai. Ele era
carpinteiro. Então elas cabiam dois alunos. Porque antigamente as carteiras das escolas eram
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de dois alunos. Então púnhamos de dois em dois. Tinha também as estantes para guardar os
livros, guardar as coisas que precisava lá na sala, também feitas pelo meu pai.
Só concluindo teve algum prefeito que pretendeu ajudar a Escola, ou ainda que não
tenham ajudado diretamente o fizeram através da matricula de seus filhos na Escola Santa
Terezinha?
Têm, os filhos de prefeitos todos estudaram lá conosco.
A Dona Célia, comentou de houve um Deputado que tentou ajudar a Escola. Porém
não conseguiu.
Não estou lembrando. É acontece que nem todo mundo é assim. Ele deve ter
levantado a ideia, mas não teve apoio. Com certeza!
Qual foi o papel do Estado no processo de modernização do Município?
A ferrovia trouxe o processo de modernização, pois empregou muita gente, e o povo
era todo daqui. Então os filhos dos ferroviários nos ajudaram demais, pois colocavam seus
filhos todos aqui. Então lá no Grupo eles ficaram com raiva, porque os ferroviários ao invés
de colocar lá colocavam seus filhos aqui. Mas a gente não ligava para isso, depois ficávamos
amigas de novo. Porque o que se pode fazer os se pais queriam assim.
E a cidade, o comércio como ficou com este processo de modernização?
Melhorou demais, por exemplo, porque eles ganhavam um salário muito bom então o
comércio foi muito bom. Lembro-me de um rapaz que morava aqui que ele disse que foi lá no
seu Alfredo, onde é padaria. Ele disse que foi comprar o presente de Natal pra filha dele, e
que ele saiu de lá numa humilhação. Chegou lá e estava olhando a boneca e que achou muito
cara né. Ah eu não posso porque eu tenho que comprar presente pros outros filhos também. E
então chegou um ferroviário lá e perguntou quanto custa àquela boneca, tantos reais. Me dá
cinco. Quanto custa aquela bola me dá quatro. Então ele falou que tristeza ser pobre! Mas
ajudou demais tanto faz o comércio de grãos, como loja, ajudou as farmácias. Todo mundo
ganhou.
E a cidade melhorou em infraestrutura? Rede elétrica, água e saneamento básico?
Ah melhorou demais. A luz aqui parecia uns tomatinhos daqueles vermelhos, cheios
de aleluia e a gente de baixo não enxergava quase nada. Era uma tristeza! Mas com o tempo
foi melhorando foi trocando os postes. A água também, o Totonho colocou água nas ruas, que
tinha era só um pinguinho em cada casa. Agora tem fartura graças a Deus! Mas foi um bem
muito grande para a cidade. Depois veio a Nestlé também mais pessoas foram chamadas para
trabalhar. Então foi melhorando o poder aquisitivo do povo. Porque eram muitos os pobres.
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Todo mundo trabalhava com muita dificuldade nem todo mundo tinha fazenda. Ficavam
trabalhando nas roças para poder adquirir um dinheirinho. Depois que veio a ferrovia
melhorou demais. Tinha a Charqueada também o Sr. Manuel Terra Cruz, depois ele vendeu e
até mudou daqui e veio o José Cambraia, lá de Campo Belo, ele tinha uma charqueada lá em
Campo Belo, então ele veio para cá porque fez a charqueada maior por que o local era bom
para comprar gado. Ele era muito bom, muito caridoso, ajudou muito gente daqui. Tanto que
colocaram o nome dele na avenida, Avenida José Cambraia. Morreu num acidente de avião
ele e a mulher. Parece até que puseram alguma coisa no avião. Pois o avião ia subir depois
caiu.
Como foi seu exame de admissão? Por que Sra. começou na escola desde novinha
até ser professora?
Na minha época não era obrigado a fazer o ano inteiro não. Teve uma época que era o
ano todo. Então eram só dois meses, dos dois meses de férias, dezembro e janeiro. Nós
tínhamos aulas e no final de janeiro prestava o exame. Aí começava a fazer o curso lá no
Colégio. Mas no nosso tempo, no meu tempo, eu fiz ginásio também. Tinha dois anos de
adaptação e depois três anos de Normal e formava. Quer dizer você fazia em 5 anos curso
superior. Depois que fazia o francês. Hoje tem muito mais. Tem Internet e muito mais. Eu não
sei nada de Internet, sou nua e crua, aprendi datilografia. Outro dia estava com uma máquina
usada das meninas (Célia e Zifiinha), que eu peguei emprestado. Meu Deus do céu, como é
que a gente pára e perde a prática. Eu estava catando bico, como falava antigamente.
150
foi a um jogo de futebol e mataram ele. Mas os outros irmãos tiveram oportunidade também
de estudar. As irmãs as duas estudaram no Colégio São José e tem um irmão que chegou até
na sexta série e parou. Meu pai ficou com receio de que ele não fosse progredir, afinal foi o
que progrediu mais que todos os irmãos, mas é isso é a vida né.
Com que idade o Sr. foi para a escola?
Não, eu tive aulas na casa de um ferroviário a filha dele me deu um iniciozinho. Tive
uns 2 ou 3 meses e aí entrei na escola Santa Terezinha e fiquei 3 anos.
Era obrigatório o uso do uniforme?
Sim, tinha o uniforme era obrigatório.
Porque seus pais escolheram a Escola Santa Terezinha?
Era tradição aqui em Ibiá, era escola de muito bom nível, muito reconhecida pela
comunidade. Então as irmãs Cendón eram realmente boas professoras. Era uma educação de
muito boa qualidade e elas se orgulham disso. Foi uma vida de dedicação e devoção à escola.
E elas se orgulham disso quando encontramos a dona Zifinha (Maria José Cendón) ela
encontra com qualquer pessoa na rua e diz: 2.660 alunos passaram pela escola e hoje são
engenheiros, médicos, bancários com muito orgulho.
O Grupo Escolar quando foi criado despertou algum interesse na população
daquela época?
Era porque a Santa Terezinha ela não podia concluir as quatro primeiras séries, só as
três primeiras eram autorizadas na época. Então todo aluno terminando o terceiro ano ia
automaticamente para o Grupo Escolar. Era uma escola muito boa também ótimas
professoras, disciplina rígida.
Era rígida nas duas escolas ou só no Grupo Escolar?
Na Escola Santa Terezinha elas sabiam levar as coisas e as crianças estavam numa
idade que podia receber uma formação adequada para receber esta disciplina. Agora no Dom
José a turma já era mais levada né! Aí tinha castigo, castigo de ficar ajoelhado nos grãos de
milho ou ficar de pé virado pra parede no canto da sala.
É tinha punição né. Hoje não há mais punição eu não concordo com isso, a pessoa que
faz coisas errada tem que ser chamada atenção. Depois eu fui para um internato e lá a
disciplina era brava também.
E na Escola Santa Terezinha o Sr. estudou com todas as irmãs?
Somente com duas, iniciei o primeiro ano com a Dona Rosinha Cendón. Lá adotava o
seguinte, quando o aluno atingia certo nível ele passava para o segundo ano. Tinha primeiro
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ano A e B. Segundo ano A e B, terceiro ano. Então de acordo com o progresso do aluno ele
passava para o próximo ano. Minha esposa, por exemplo, ela começou no segundo ano B. A
mãe dela estudou em Barbacena, naquela época quem tinha condição mandava os filhos para
Barbacena, dois dias de distância, então a mãe dela deu as primeiras orientações, os primeiros
passos, por causa disso. Então ela começou lá na Dona Rosinha no 2° ano B.
O que me lembro mais da escola era do caderno número um e número dois. O caderno
número dois era para caligrafia. O caderno número um era o caderno normal e o caderno
número dois era para caligrafia onde tinha mais linhas, tinha linha onde você tinha que
encaixar as letras de forma mais homogênea. Tanto que lá no Colégio São José as normalistas
tinham a mesma forma de letra. Me lembro também que tinha o lápis n° 2 e tinha um que era
mais macio para desenho.
Vocês praticavam desenho naquela época?
Sim fazíamos muito desenho, fazíamos muito ditado, no terceiro ano fazia dissertação,
tabuada tinha demais, durante um ou dois meses ficava uma tabuada de dois na parede aí todo
dia batalhava naquilo, quando vencia aquilo aí passava para a de três, quatro e assim por
diante.
Assim vocês iam memorizando?
Sim e tinha também Geografia, a gente aprendia muita coisa de Geografia, o nome das
capitais, os rios, afluentes da margem direita do Amazônia, da margem esquerda, a gente
tinha isto gravado na memória, Tapajós, Juá, Madeira … da progressão da nascente para a
foz. Sabia o nome das cidades de Minas Gerais, Montes Claros, Juíz de Fora, vou te falar a
gente aprendia muita coisa.
Hoje parece que o Estudo está meio devagar. O Rotary tem um programa de ajuda
mundial na área da saúde. Você sabia que quem iniciou o programa de vacinação no Brasil foi
o Rotary. O Rotary financiava a vacinação no mundo inteiro. Você não acredita o beneficio
que o Rotary trouxe para o Brasil erradicando a Pólio.
O que você lembra sobre as duas professoras com quem teve contato na Escola
Santa Terezinha?
Eu comecei com a Dona Rosa Cendón no primeiro ano quando eu comecei a ler, ela
falou pode passar para a outra sala a da Dona Maria José Cendón que era a Dona Zifinha.
153
Por que a Escola Santa Terezinha não oferecia o curso primário completo?
Por falta de reconhecimento do Governo, por questões da época a escola conseguiu
aplicar apenas os 3 primeiros anos e do quarto ano e seguintes deveriam ser na escola oficial.
O Sr. mencionou que na escola Santa Terezinha estudavam as pessoas mais
abastadas porque conseguiam pagar as mensalidades e no Grupo Escolar qual era o nível
sócio-econômico dos alunos?
Aí era geral. Os egressos da Escola Santa Terezinha e os que já estavam no Grupo
desde o primeiro ano.
Fale sobre a Caixa Escola, o que era, como funcionava?
Existia uma caixa escolar onde as pessoas que podiam pagavam uma taxa simbólica
para ajudar com materiais para aqueles que não tinham condições, depois compravam
caderno, lápis, borracha para os alunos mais carentes.
Qual era o método e a metodologia empregada no Grupo Escolar?
Era continuação, o sistema de metodologia empregada era a mesma, os professoras das
duas escolas foram formadas na Escola São José.
Como eram realizadas as certificações da conclusão do primário? Existia alguma
cerimônia?
O aluno iniciava o primeiro ano com a idade de 7 anos, após o terceiro ano
passávamos para o Grupo Escolar cursar o quarto e no quinto ano tinha o exame de admissão.
No quarto ano foi-me entregue o certificado no Cine-Brasil, e eu me lembro que logo para
baixo do cinema tinha uma sorveteria, bomboniere, uma lanchonete e eu me lembro da
Terezinha de Angeles, que era minha professora, ter oferecido um doce, após a entrega dos
canudinhos da diplomação. Como menino lembro muito dessas coisas! Do mesmo modo que
quando eu estudava no Colégio Bom Bosco em Araxá, no 7 de setembro, acordava ao som do
Hino Nacional e lembrava logo na mesa na hora do almoço havia uma garrafinha de guaraná e
um pacotinho de bala. Era uma coisa tão eventual que eu me lembro disso até hoje com
saudade. Hoje esta meninada toma refrigerante o dia inteiro né.
Qual era o significado da educação naquela época?
Era obrigação da família dar aos filhos um diploma de primário. Então todo mundo
reconhecia o valor desse diplominha e se batia por ele.
O Sr. fez exame de admissão? Como foi fazê-lo?
Eu fiz o quinto ano valendo como exame de admissão. E quando eu fui para Araxá eu
fiz o exame outra vez, o exame de admissão ao colégio Dom Bosco.
156
Agropecuária de subsistência. Nós tivemos aqui uma charqueada, você conhece? Ali
funcionou uma indústria do charque, durante uns 5 anos que trouxe um certo desenvolvimento
para a cidade. Mas depois do falecimento do Sr. José Cambraia num acidente de avião, aí foi
desativado e não apareceu nenhum prefeito que pudesse trazer alguém para atualizar as
instalações, e instalar um ramal ferroviário dentro da charqueada, então ele não podia ter
morrido né.
Entrevista 4. Grupo Focal: Ex- alunos da Escola Santa Terezinha, Julio Cesar de
Paiva e Neiva Bicalho de Paiva.
aqui que foram construídas por eles. Eles eram de uma família aqui do Rio Paranaíba,
aconteceu de não sei porque mataram um padre lá. A família deles um indivíduo matou um
padre.
Dona Neiva: Eles vieram todo mundo fugido de lá.
Sr.Júlio: Aí veio todo mundo fugido para Ibiá. E aqui eles se instalaram. Se
estabeleceram aqui. Aí tiveram muitos anos. Eram uma família razoavelmente bem de vida,
foram depois para Belo Horizonte e lá ficaram ricos.
Dona Neiva: Lá as meninas tinham escola né, aqui Ibiá não tinha escola.
Sr.Júlio: Tem um hospital evangélico lá que é custeado por esta família. Então são
pessoas boas, que acontecem coisas na vida das pessoas que mudam o rumo das coisas. Então
criou a Igreja presbiteriana aqui e ficou esta rivalidade que Neiva tá falando. A Igreja Católica
não aceitava eles aqui.
Sr.Júlio: A Dona Tatá que é quem puxou o carro aqui. Foi a primeira professora que
veio para Ibiá, com uma certa formação. Veio do Rio para lecionar para minha mãe e irmãs
mais velhas da minha mãe. Minha mãe era de 1911 então deve ter vindo por volta de 1900.
Então foi a primeira professora qualificada, vamos dizer assim.
Sr.Júlio: Mais ou menos na mesma época as Cendón, estavam formando as duas mais
velhas a Célia e a que faleceu a Rosa, abriram uma escola aqui. Logo depois a Zifinha formou
ficaram 3. A Célia logo adoeceu no princípio, ela lecionou pouco, relativamente pouco, ela é
muito inteligente sabe tudo a respeito. Mas sala de aula mesmo, ela não dava conta não. Ela
tinha uma dor de cabeça. Tinha uma dor de cabeça que ela não deu conta de enfrentar a
classe. E depois disso nós tivemos o professor Sílvio Braga de Araújo, que foi mais ou menos
na mesma época, ou até um pouquinho antes delas. Depois eu quero ver aí, ou perguntar para
elas. E depois teve o seu Dativo.
Dona Neiva: Mas o seu Dativo era só admissão. Porque aqui em Ibiá não tinha ginásio
masculino as freiras não aceitavam homens. Então as mulheres eram privilegiadas, tinha
ginásio, tinha Curso Normal. E os meninos, os homens se o pai não pudesse mandar para o
internato ficavam e cursavam só até o 4° ano. Então este seu Dativo dava um reforço para os
meninos aprenderem para trabalhar no comércio e enfrentar o Ginásio. Fazia o reforço com
ele e depois tinha mais energia para enfrentar o Ginásio.
Sr.Júlio: Inclusive, vocês falando a respeito de recursos, este colégio onde eu estudei
no Ginásio de Patrocínio, eu tinha dois irmãos mais velhos que estudavam lá. Uma certa
época meu pai recebeu no fim de ano uma carta comunicando que arranjasse outro colégio
160
para o próximo ano porque eles iam fechar o colégio. Aí o papai já estava providenciando
para onde íamos, eu e meus irmãos. Daí alguns dias vem outra carta dizendo que o problema
já havia sido resolvido. Tinha um parente muito rico, era o homem mais rico da região. Ficou
sabendo que os padres estavam fechando o colégio. Chegou lá e perguntou para os padres. O
que está acontecendo? Tá fechando por quê? Não estamos tendo dinheiro, para isso, para
aquilo, para aquilo outro. Por causa disso vocês não vão fechar o colégio não. Eu vou arrumar
o dinheiro para vocês e vocês não vão fechar o colégio. E por causa disso quando os padres
estavam precisando de uns ―cobres‖ eles iam lá e pediam.
Qual a importância que sua família dava para a educação?
Sr.Júlio: Meu pai falava que ele queria que todos nós fôssemos formados. Então ele
mudou para Belo Horizonte, com essa finalidade. Para o tratamento de saúde de nossa irmã.
Mas eu fugi da raia, eu cheguei a um ponto porque eu tenho um problema cardíaco e meu pai
estava muito sozinho na fazenda e lutando com muita dificuldade. E lá um dia eu resolvi e
falei com ele: Eu vou parar de estudar e eu vou pra fazenda tomar conta para o Sr. Ele quis
fazer alguma coisa mas, ele respeitava um bocado por causa do meu problema cardíaco. Então
ele não criou muito caso não. Achou de certa forma até bom porque ele sabia que eu gostava
era daquilo e vivia daquilo e mudei pra cá, mudei sozinho e fiquei 10 anos tocando sozinho
tocando os negócios dele e ele vinha de mês em mês.
E os outros todos quase todos estudaram tem o Loila este também não estudou. O
interesse dele é que todos tivéssemos um diploma. Não interessa de que forma seja. O rumo
de vocês é vocês que vão escolher.
Vocês receberam algum tipo de instrução antes de ir para a Escola Santa
Terezinha?
Dona Neiva: Eu não, minha mãe coitada tinha filho um atrás do outro, não tinha
tempo para isso não. E eu morava na Pratinha, lá é bem mais atrasado.
Sr.Júlio: Lá em casa meu pai contratou, inclusive uma das primeiras formandas daqui
para lecionar. Pros meus irmãos velhos e filhos dos empregados. Então ela morou lá dois anos
e eu era sapo da escola. Entrava um pouco saia. Enquanto não estava amolando ela aceitava
ficar por lá, rabiscando aprendendo alguma coisa, começa a amolar ela mandava brincar. E a
minha mãe também coitada estudou pouco não tinha tempo. Meus pais: minha mãe enquanto
menina ela saiu daqui e estudou um ano em Barbacena. Meu pai saiu daqui garoto, talvez 7
anos e estudou um ano em Oliveira e depois resolveram transferir ele para Juiz de Fora e lá
ele ficou não sei quanto tempo.
161
Rosinha, é melhor, uma escola menor. Aí meu pai foi lá e me matriculou no 2º ano porque lá
no Grupo eles tinham falado que eu não tinha capacidade para o 3ª ano. E eu saí bem, eu era
uma das melhores da sala. Gostei, amei a escola as professoras. Fui muito feliz lá!
Sr.Júlio: Um dos motivos que fui estudar na Escola Santa Terezinha foi porque as
Cendóns eram primas primeiras do meu pai. Talvez este tenha sido o principal motivo. E
outra, até hoje quando você tem condição de pagar para receber alguma coisa em troca você é
muito mais bem tratado. Uma professora que tem uma escola particular é preciso fazer o
nome dela, para no outro ano garantir mais alunos. E o Grupo que é Estadual quanto menos
gente for lá mais gente vai aprender. A menos que tenha dom, eu costumo falar que esse
negócio de professor é um dom que as pessoas têm e não adianta inventar se não tiver dom
que não vai dar conta.
O aspecto físico do Grupo Escolar impressionava?
Dona Neiva: Impressionava! Foi o que eu choquei quando eu vim da Pratinha. Aquele
pátio de cimento, aquelas varanda com as escadarias para subir, eu nunca tinha visto aquilo.
Eu tive um impacto muito assustador. E outra coisa, minha mãe tinha feito a matrícula com
Tereza de Ângeles minha prima, então chamaram os alunos tudo e quem não tivesse chamado
o nome ficasse e eu fiquei sozinha naquele pátio. Sobrou eu sozinha. Então eu comecei a
gritar e a chorar e vim embora. No segundo dia eu não consegui escrever nem fazer nada.
Sr.Júlio: Eu não estudei no Grupo não. Depois da Escola Santa Terezinha teve um
período de dois anos que lá no Colégio aceitaram a entrada de homens para estudar lá. Eu fiz
o terceiro e quarto ano.
O Sr. se lembra das professoras naquela época? Como elas se portavam como se
vestiam e se posicionavam?
Sr.Júlio: Além da convivência da escola as Cendóns vinham todos os dias na casa da
minha avó. Então a gente tinha uma ligação uma intimidade muito grande. Este irmão delas
que morreu, inclusive o ultimo dia que eu estive com ele, ele estava com câncer ele me falou:
Agora a doença me pegou mesmo, pegou na minha caveira inteira. De forma que eu sempre
tive um relacionamento muito bom com elas. Elas toda vida foram muito cuidadosas, muito
caprichosas. Aliás até vaidosas.
Dona Neiva: É elas não andavam muito chique não. Mas muito bem alinhadas, cabelo,
roupas muito bem passadas. Tudo impecável. Eu fui aluna só da Dona Rosinha.
Vocês lembram qual era o procedimento inicial das aulas delas?
163
Dona Neiva: Tinha oração, rezar um Pai Nosso, com três Ave Marias, porque elas
eram muito católicas, elas eram muito piedosas, liam um trechinho do evangelho,
comentavam a Bíblia. Elas preparavam alunos para a primeira comunhão.
Sr.Júlio: Não exigia daquelas pessoas que não eram daquela crença participar não.
Dona Neiva: Depois elas já abriram, assim, você fazia um teatrinho infantil. Elas
tinham a voz muito bonita ensinavam a gente a cantar a declamar. Era muito arrumadinho
bem ensaiado.
O padre frequentava muito a escola?
Dona Neiva: Era o Padre Olímpio Oliviere. Ele visitava muito a Escola. Lá tinha aulas
aos sábados, aos sábados elas davam catecismo.
O que acontecia quando os alunos faziam algo que as professoras desaprovassem?
Dona Neiva: Eu lembro só dela colocar uma menina de castigo. Ela colocava em pé
perto do quadro. Não eram rigorosas não. Dona Rosinha falava muito baixinho. Elas eram
umas Damas era uma lade (leides)? Dona Zifinha fala muito baixinho. A Dona Célia quando
eu estudei lá ela só dava aula pro admissão e 5° ano. Elas chamavam atenção com muita
educação. Se tivesse algum castigo elas punham a gente perto do quadro em pé e a gente
ficava ali olhando os colegas.
Sr.Júlio: Havia também muita ameaça de ficar depois da aula. Mas ninguém estava a
fim de ficar tomando conta de menino, nem o menino de assistir a aula.
Os pais de vocês acompanhavam vocês nos estudos?
Dona Neiva: Mamãe não estudou nada não, ela fez só até o 3° ano primário. Mas ela
acompanhava, ela nunca deixou de faltar uma reunião lá na escola. Visitava as irmãs, lá na
Dona Rosinha também ela ia perguntar como estava. Pena que ela faleceu tão cedo.
Sr.Júlio: O meu pai era muito ligado principalmente ao colégio. Meu pai também
quando eles precisavam dele, mas lá não tinha muita reunião não.
Vocês lembram como eram as aulas? Os conteúdos estudados?
Dona Neiva: A gente tinha aula de Português, Matemática, História, Geografia e
Ciências. A gente não tinha livro. Elas davam para gente ponto, a gente tinha o cadernos do
ponto. Eu lembro muito de um ponto em específico. Na prova era marcado para estudar. Eu
lembro muito de um ponto chamado: Os Bandeirantes, no século XVII houve a entrada das
bandeiras... e assim elas ditavam e a gente copiava.
Sr.Júlio: Era uma coisa que usava muito na nossa época de ensino, era o ditado.
Dona Neiva: Não tinha livro né Júlio?
164
Qual era o significado que tinha a educação para a sociedade ibiaense? Todos
tinham a preocupação de levar os filhos para estudar?
Sr.Júlio: Nós os homens, não tínhamos escola além do Grupo. O quarto ano. Às vezes
tinha como te falei o caso de um professor como o Dativo, que dava um reforço, que dava
uma noção diferente. Então era diferente. Os homens que saiam para estudar daqui eram de
família que tinham mais recursos. Mesmo que às vezes o colégio fosse barato. Tinha a
questão do transporte, tinham que levar uma mala de roupa.
O que eu tenho para te dizer é o que eu acho que Ibiá ganhou muito nesta questão da
educação. Vieram diversos europeus. E o europeu de modo geral já vinha classificado. Ele era
pedreiro ele já vinha com um curso técnico de pedreiro lá na Europa. Ele não vinha para
aprender. E a gente vê as diferenças de estilo quando passeia pela cidade. Eu tenho um amigo
pedreiro que sabe a observação da diferença de uma arquitetura para outra nas casas de Ibiá.
De forma que isso foi muito bom para Ibiá
167
Sim eram mistas, homens e mulheres. Estudava pobre e rico. Não tinha diferença.
Inclusive na hora da merenda. Uns levavam merenda e outros não. Tinha a merenda que a
escola oferecia era uma sopa cada um levava uma coisa: um levava verdura, o outro levava
um óleo e depois ganhava a sopa. A gente levava o fubá, a costela porque trabalhava em
açougue. Era couve, tudo o que a gente levava trocava por sopa.
Existiam disciplinas de trabalhos manuais?
Não, não tinha.
Existiam momentos cívicos, festas religiosas?
Naquela época eram comuns festas religiosas, tinha o dia da bandeira, cantava o Hino
Nacional, mas tinha que ficar quietinho não podia nem mexer. Hoje a gente vê o povo não
tem mais respeito. Tá tocando o Hino Nacional tem gente mascando chicletes, tá brincando,
de boné. O desrespeito está demais tudo que acontece é culpa da professora.
Como eram feitas as avaliações?
Eram provas né. E era bem mais rigoroso que hoje. Às vezes perguntava alguma coisa
mais não era muito não. O que mais eles perguntavam era a tabuada. Assim ou elas tomavam
oral, ou elas colocavam no quadro e chamava a gente para escrever a resposta.
Você era bom aluno?
Eu era bom aluno não desrespeitava o professor, o diretor.
Como o Sr. avaliaria a qualidade do ensino daquela época?
Eu vou te falar que o ensino daquela época era dos melhores, porque se não soubesse
as matérias eles não passavam. E hoje a pessoa mal sabe ler, ou escrever e eles tão passando o
menino. A gente chegou a repetir até dois anos.
Qual é a importância da Escola Santa Teresinha?
Ela era muito importante. As professoras se empenhavam muito. Era a escola
particular mais importante que tínhamos em Ibiá.
Que relação existia entre o Dom José Gaspar e a Escola Santa Teresinha?
Elas sempre se comunicavam uma com a outra sempre saia da Dona Rosinha para o
Grupo Escolar. Ficávamos somente até o 3° Ano e depois íamos pro Dom José Gaspar. Elas
preparavam bem para prestar o exame de admissão. Sempre saía de uma e ia para a outra.
O Sr. estudou no Grupo Escolar durante quanto tempo?
Na Escola Santa Teresinha eu fiquei lá 2 anos e os outros foram no Grupo Escolar.
170
Por que o Sr. acha que lá na Escola Santa Teresinha tinha só até o 3° ano?
Ficava lá até o 3° ano depois ia para o Dom José Gaspar. Mas elas preparavam bem
para o Grupo. Por que sempre eles pegavam meninos mais novos ensinavam até certo ponto e
depois passava para lá. O aprendizado lá era melhor né.
Qual era o nível socioeconômico do Grupo Dom José Gaspar?
Não existia rico e pobre não, lá era tudo igual todo mundo era recebido igual. Do
mesmo jeito que ensinava um, ensinava os outros.
E a caixa escolar como funcionava?
Sempre tinha a Caixa Escolar, servia para comprar giz, caderno para as pessoas que
não tinha condição de comprar, então a caixa fornecia. Ajudava as pessoas mais carentes
Havia alguma diferença no ensino de uma escola para a outra?
Não, não, sempre ensinavam igual, tudo do mesmo jeito.
Como era realizada a cerimônia de entrega dos certificados?
Sempre tinha o dia de fazer. Era uma cerimônia de formatura onde entregavam o
certificado sempre na própria escola. Nunca fizeram em outros lugares como hoje que faz na
câmara. Era sempre na Escola.
Naquela época todos tinham acesso à escolarização?
Todo mundo tinha acesso à escola, sempre na época só tinha o Grupo Dom José
Gaspar. Hoje todos os bairros têm seu Grupo. Tinha também a Dona Rosinha e também o
colégio mas para as crianças era só o Grupo e a Dona Rosinha.
Qual era a relação professor aluno naquela época?
Sempre as professoras se comunicavam muito com as crianças, quando as crianças
não estavam indo bem na escola elas iam na casa da gente para comunicar à família.
Qual é a importância da educação na sua vida?
Para a gente ter uma comunicação com as outras pessoas. Nos valores que nos foram
passados ate hoje a gente respeita muito as pessoas.
E a Ferrovia você acha que propiciou um maior desenvolvimento para a cidade?
Ela oferecia muito emprego. Tinha também a charqueada que empregava muita gente.
A charqueada era onde matava o gado, na época da ferrovia vinha muito gado a gente matava
e mandava para fora.
171
Eu aceito participar do projeto citado acima, voluntariamente, após ter sido devidamente
esclarecido
Participante da Pesquisa
173
Eu aceito participar do projeto citado acima, voluntariamente, após ter sido devidamente
esclarecido
174
Eu aceito participar do projeto citado acima, voluntariamente, após ter sido devidamente
esclarecido
Participante da Pesquisa
175
Eu aceito participar do projeto citado acima, voluntariamente, após ter sido devidamente
esclarecido
Participante da Pesquisa
176
Eu aceito participar do projeto citado acima, voluntariamente, após ter sido devidamente
esclarecido
177
ANEXOS
A- Ata de aprovação dos alunos do Grupo Escolar Dom José Gaspar de 1950.
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