Lehmkuhl, 2018
Lehmkuhl, 2018
Lehmkuhl, 2018
PUC-SP
SÃO PAULO
2018
2
PUC-SP
SÃO PAULO
2018
3
Banca Examinadora:
____________________________________
____________________________________
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4
AGRADECIMENTOS
RESUMO
Este estudo objetivou investigar a trajetória da relação entre público e privado na área da
educação especial no Brasil por meio dos discursos produzidos pela Federação Nacional das
Associações de Pais e Amigos dos Excepcionais (Fenapaes) no período de 1974 a 2016.
Justificamos este estudo por entendermos que a Fenapaes foi constituindo, ao longo do tempo,
uma das maiores redes institucionais do país, congregando mais de 2.000 mil unidades das
Apaes espalhadas por todo o território nacional. Para desenvolvermos tal análise, utilizamos
como fonte principal os discursos publicados pela revista Mensagem da Apae, órgão oficial de
divulgação da Fenapaes, no período de 1974 a 2016, e como fontes subsidiárias outros
documentos da Federação, bem como legislações e documentos oficiais. Os fundamentos na
abordagem do materialismo histórico-dialético basearam esta pesquisa, especificamente as
contribuições de Gramsci (1968, 1978, 2001, 2014) com referência às categorias Estado
Unitário (Integral), sociedade civil, hegemonia, aparelhos privados de hegemonia, partido e
intelectual orgânico. Para as análises das revistas buscamos as contribuições de Cruz e
Peixoto (2007). As análises na área da educação especial se apoiaram nos estudos de Jannuzzi
(1985, 2004, 2006), Bueno (1993, 2004, 2011), Jannuzzi e Caiado (2013), Rafante (2006,
2011, 2015) e Silva (1995). Para analisarmos a relação entre público e privado, buscamos as
contribuições de Fontes (2006, 2010, 2017), Peroni (2003, 2008, 2009) e Montaño (2008,
2010, 2014). A partir das categorias referenciadas e de sua relação com o material empírico,
elegemos três eixos de análise: filantropia, financiamento e organização da Fenapaes, que
constituíram os capítulos da tese. O estudo apontou que a filantropia e a caridade são
princípios que nortearam a área da educação especial no período investigado, inclusive no que
diz respeito às proposições políticas de educação inclusiva e à permanência do financiamento,
pelo poder público, das instituições privado-filantrópicas das Apaes, que conquistaram
hegemonia na oferta de atendimento educacional especializado, como prestadoras de serviços.
Nesse processo, a Fenapaes foi assumindo o protagonismo político e administrativo de todas
as unidades das Apaes e se ajustando aos encaminhamentos políticos neoliberais, expressados
por uma política de privatização e de publicização que transferiu parte das obrigações do
Estado no campo social para o setor privado do “terceiro setor”. Esse protagonismo crescente
confirmou a hipótese de que o movimento das Apaes, coordenado por sua Federação Nacional
e inicialmente marcado pela defesa dos direitos das pessoas com deficiência, foi construindo,
ao longo do tempo, um sistema educacional privado-filantrópico que se caracterizou não
somente pela busca e consecução de subsídios para sua manutenção, mas também por sua
constituição como parte integrante e fundamental das políticas nacionais de educação
especial.
Palavras-chave: Educação Especial. Público e Privado. Políticas Educacionais. Apae.
Fenapaes.
10
ABSTRACT
This study aimed to investigate the trajectory of the relationship between the public and
private sectors in the field of special education in Brazil through the discourses produced by
the National Federation of Associations of Parents and Friends of the Exceptional (Fenapaes)
from 1974 to 2016. This study is justified because we believe Fenapaes has become one of the
largest institutional networks in the country over the years, congregating more than 2,000
Apae units spread throughout the national territory. In order to develop such analysis, we
primarily used discourses published on the journal Mensagem da Apae, which is the official
Fenapaes press organ, from 1974 to 2016. We also reviewed other Federation documents as
subsidiary sources, as well as governmental legislation and documentation. Our research was
based on the principles of historical-dialectical materialism, particularly the contributions of
Gramsci (1968, 1978, 2001, 2014) regarding the categories Unitary (Integral) State, Civil
Society, Hegemony, Private Apparatuses of Hegemony, Party and Organic Intellectual. For
the analysis of the magazines we search for the contributions of Cruz and Peixoto (2007. The
analyses concerning special education were based on studies by Jannuzzi (1985, 2004, 2006),
Bueno (1993, 2004, 2011), Jannuzzi and Caiado (2013), Rafante (2006, 2011, 2015) and Silva
(1995). In order to analyze the relationship between public and private, we sought the
contributions of Fontes (2006, 2010, 2017), Peroni (2003, 2008, 2009) and Montaño (2008,
2010, 2014). Based on the referenced categories and their relationship with the empirical
material, we chose three axes of analysis: philanthropy, funding and organization of Fenapaes,
which constituted the chapters of our thesis. The study showed that philanthropy and charity
are principles that guided the field of special education during the investigated period,
including the political propositions of inclusive education and ongoing funding by the public
administration of the Apaes' private-philanthropic institutions, who have gained hegemony in
the offering of specialized educational assistance, as service providers. Throughout this
process, Fenapaes has taken the political and administrative lead of all Apae units, adjusting
itself to neoliberal political directions, expressed by privatization and publicization policies
that transferred part of the obligations of the State in the social field to private institutions of
the "third sector". This growing prominence confirmed the hypothesis that the Apaes
movement, coordinated by its National Federation, and initially characterized by the defense
of the rights of people with disabilities, has built a private-philanthropic educational system
over the years, characterized not only by seeking and obtaining subsidies for its maintenance,
but also for its constitution as an integral and significant part of the national policies for
special education.
Keywords: Special Education. Public and Private. Educational Policies. Apae. Fenapaes.
11
LISTA DE FIGURAS
TABELA
Tabela 1 – Número de Apaes filiadas em todo Brasil, por região e estado 116
13
LISTA DE QUADROS
LISTA DE SIGLAS
DF – Distrito Federal
do Magistério
Profissionais da Educação
GT – Grupo de Trabalho
MG – Minas Gerais
OS – Organizações Sociais
PA – Porto Alegre
Portadoras de Deficiência
PB – Paraíba
PE – Pernambuco
PI – Piauí
PR – Paraná
RJ – Rio de Janeiro
SC – Santa Catarina
SP – São Paulo
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 20
CAPÍTULO I – A APAE NO CONTEXTO DA EDUCAÇÃO ESPECIAL 38
NO BRASIL
1.1 A relação entre público e privado na educação especial na produção 40
acadêmica
1.2 A Apae como instituição hegemônica no atendimento da educação 47
especial
CAPÍTULO II – A FILANTROPIA COMO GÊNESE DA EDUCAÇÃO 56
ESPECIAL
2.1 A filantropia e a organização da educação especial 58
2.1.1 A filantropia tradicional 62
2.1.2 A profissionalização da filantropia 68
2.1.3 A nova filantropia e o “terceiro setor” 74
CAPÍTULO III – O FINANCIAMENTO PÚBLICO DAS APAES COMO 83
EXPRESSÃO DA RELAÇÃO ENTRE PÚBLICO E PRIVADO NA
EDUCAÇÃO ESPECIAL
3.1 A privatização pelo financiamento público à iniciativa privada 83
3.1.1 Subsídios financeiros públicos para as Apaes 85
3.1.1.1 A infraestrutura como forma de expansão das Apaes 92
3.1.2 Docência e atendimento de alunos 96
3.1.2.1 Cessão de professores especializados 96
3.1.2.2 O subsídio para o atendimento de alunos com deficiência nas Apaes 99
CAPÍTULO IV – A EXPANSÃO DAS APAES E A REORGANIZAÇÃO 113
DA FENAPAES NA CONSOLIDAÇÃO DE UMA REDE NACIONAL
4.1 A expansão das Apaes como fortalecimento institucional 113
4.2 Divulgação da excelência das Apaes 119
4.3 O papel dos presidentes da Fenapaes na constituição do movimento 126
apaeano
4.4 A trajetória política e organizacional da Fenapaes 136
CONSIDERAÇÕES FINAIS 150
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 157
ANEXO 172
20
INTRODUÇÃO
O estudo aqui apresentado teve por objetivo investigar a relação entre público e
privado na área da educação especial no Brasil, por meio dos discursos produzidos pela
Federação Nacional das Associações de Pais e Amigos dos Excepcionais (Fenapaes) como a
expressão mais qualificada das instituições privado-filantrópicas, procurando, de um lado,
detalhar e analisar o seu posicionamento e reposicionamento frente às proposições políticas
do Estado e, de outro, a sua incorporação pelas políticas educacionais implementadas pelo
poder público como parte integrante dessas mesmas políticas.
Na área da educação especial, ao longo do tempo, as instituições privadas de caráter
filantrópico e assistencial ― especialmente as Associações de Pais e Amigos dos
Excepcionais1 (Apaes) ― passaram a assumir o atendimento das pessoas com deficiência,
segundo os estudos de Jannuzzi (1985, 2004, 2006), Bueno (1993, 2004, 2011), Rafante
(2006, 2011, 2015) e Jannuzzi e Caiado (2013). Estatísticas educacionais revelam que essas
instituições, a partir dos anos de 1960, proliferaram-se por todo o território nacional,
disputando atendimento educacional com as instituições públicas que registravam crescente
número de alunos (BUENO, 1993).
Como funcionária da Fundação Catarinense de Educação Especial (FCEE) há mais de
15 anos e com formação em pedagogia com habilitação em deficiência mental2, a temática da
relação entre público e privado na educação especial me desperta grande interesse,
principalmente porque, ao longo desse período, venho observando as facetas da relação
estabelecida entre as instituições privado-filantrópicas das Apaes e o governo do estado de
Santa Catarina por meio da FCEE. A Fundação foi criada em 1968 como órgão estadual
responsável por coordenar e executar a política de educação especial no estado de Santa
Catarina e está vinculada à Secretaria de Estado da Educação (SED). Desde a sua criação,
teve 18 presidentes (FCEE, 2018) e, dentre eles, 10 eram participantes do movimento das
Apaes.
A participação dos representantes das Apaes não se restringia a assumir cargos. Nos
15 anos de atuação na FCEE, percebi que, muitas vezes, a diretoria das Apaes interferia nas
1
Excepcional era a terminologia utilizada no período de criação da primeira instituição especializada para
designar pessoas com deficiência, principalmente com diagnóstico de deficiência mental.
2
Serão utilizados, ao longo do texto, os termos deficiência mental/intelectual, considerando que “os dois termos
deficiência mental e deficiência intelectual estão em vigor na legislação brasileira atual. Essa compreensão faz
toda a diferença quando se analisam as políticas púbicas, os financiamentos e recursos estabelecidos, assim
como, os diagnósticos clínicos proferidos na área da educação especial” (CAIADO; BAPTISTA; JESUS, 2017,
p. 27).
21
Com base nesse estudo e em outras questões suscitadas no meu retorno à FCEE,
procurei dar continuidade à minha formação acadêmica, participando da seleção para o
doutorado no curso de pós-graduação em Educação: História, Política, Sociedade, na
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), na linha: Processos de
escolarização, desigualdades sociais e diversidade cultural, na qual fui aprovada.
3
O fundo social, segundo a Secretaria de Estado da Fazenda de Santa Catarina (SEF), configura-se em “um
fundo de natureza financeira, destinado a financiar programas e ações de desenvolvimento, geração de emprego
e renda, inclusão e promoção social, no campo e nas cidades, no Estado de Santa Catarina, inclusive nas áreas da
cultura, esporte e turismo, educação especial e educação superior”. No caso da educação especial, é destinado
para “ações desenvolvidas pelas Associações de Pais e Amigos dos Excepcionais – APAE’s, situadas no Estado
de Santa Catarina”. (SEF, 2016).
4
Ver LEHMKUHL, Márcia de Souza. Educação especial e formação de professores em Santa Catarina:
vertentes médico-pedagógica e psicopedagógica como base da formação continuada. Dissertação (Mestrado em
Educação) – Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2011.
5
Embora os documentos oficiais das Apaes e Fenapaes, incluam outras deficiências como a múltipla e autismo,
elas são incorporadas, desde que sejam associadas à deficiência mental/intelectual.
22
Em 1962, em reunião das Apaes que foram sendo criadas em diferentes regiões do
Brasil, a Fenapaes foi criada como órgão coordenador das instituições das Apaes, tendo como
objetivo “atuar na esfera administrativa, política e na sociedade civil” (JANNUZZI;
CAIADO, 2013, p. 13). A partir da criação da primeira Apae, constituiu-se um movimento
das Apaes que atualmente congrega mais de 2.000 Apaes filiadas à Fenapaes em todo Brasil
(APAE BRASIL, 2017a). É esse movimento das Apaes, coordenado pela Fenapaes, que este
estudo se propôs a analisar.
Com base nesse referencial teórico, este estudo procurou desvendar a relação entre
público e privado na área da educação especial, a partir do entendimento de que, mesmo que
aparentemente represente uma área específica da educação, ela é regida por leis gerais da
sociedade, que representam a totalidade das relações sociais estabelecidas.
Entendemos por sociedade política todo “conjunto de mecanismos através dos quais a
classe dominante detém o monopólio legal da coerção, [...], formado pelas burocracias ligadas
às forças armadas e à aplicação das leis” (COUTINHO, 2011, p. 25); são os aparelhos
23
executivo e judiciário (civis e militares) do Estado, como “peças decisivas nos mecanismos de
reprodução da sociedade como um todo” (COUTINHO, 2011, p. 24), denominado governo.
Como a sociedade civil não é neutra, e está em constante disputa por projetos
ideológicos de classe, a concepção dominante tem como tarefa, segundo Gramsci (1978),
24
conservar a unidade ideológica do bloco social6 como um todo, que é cimentado e unificado
precisamente por aquela determinada ideologia, transformando as proposições por meio de
diferentes repetições e divulgações, como “elemento de fé”, pois “a repetição é o meio
didático mais eficaz para agir sobre a mentalidade popular” (GRAMSCI, 1978, p. 27).
Assim, para uma classe transformar-se em classe dominante na sociedade civil, precisa
ser “‘dirigente’ e ‘dominante’: dirigente das classes aliadas e dominante das classes
adversárias” (LIGUORI; VOZA, 2017, p. 732), obtendo a “supremacia” tanto pela
“hegemonia como pela dominação” (COUTINHO, 2011, p. 27).
Para ser dirigente e realizar a sua hegemonia, uma classe busca “ganhar aliados para
suas posições através da direção político-intelectual e do consenso” (COUTINHO, 2011, p.
26). Para isso, se faz necessário a ampliação do Estado que ocorre pela expansão e absorção
de aparelhos privados de hegemonia que, segundo Fontes (2017), é a interpenetração da
sociedade civil e da sociedade política para assim, estabelecer o Estado Unitário.
Segundo Gramsci (2014, p. 121), o Estado “educa” o consenso por meio de
“organismos privados, deixados à iniciativa privada da classe dirigente”. O autor acentua que,
“nesta multiplicidade de sociedades particulares, de caráter duplo – natural e contratual ou
voluntário – uma ou mais prevalece relativamente ou absolutamente, constituindo o aparelho
hegemônico de um grupo social sobre o resto da população (ou sociedade civil)” (GRAMSCI,
2014, p. 257).
Embora os aparelhos privados respondam aos interesses dos diferentes grupos sociais,
virando um campo de tensão política constante, conforme Fontes (2006), na sociedade
burguesa ocorre o privilegiamento do conjunto de organizações de aparelhos privados que
expressem a sua hegemonia e que podem estar ligados à educação (aparelho escolar), às
instituições culturais e editoriais (bibliotecas, museus), à organização da informação (jornais,
diários, revistas), como também às Igrejas e aos clubes de serviços, como forma de
divulgação das proposições de classe e manutenção da sua hegemonia “pela estrutura
ideológica de classe” (BUCI-GLUCKSMANN, 1980, p. 70).
6
Bloco social ou bloco histórico é a relação estabelecida entre a superestrutura (ideologia) e a questão histórico
ético-política, ou seja, quando há um consenso predominante em toda sociedade, “quando ‘a relação entre
intelectuais e massas populares, entre dirigentes e dirigidos, entre governantes e governados ocorre por meio de
uma adesão orgânica na qual o sentimento paixão se torna compreensão e, portanto, saber (não mecanicamente,
mas de forma viva)’, apenas então se cria uma relação real de representação e ‘se realiza a vida do conjunto, a
única que é força social’ e se cria, assim, o ‘bloco histórico’” (GRAMSCI, 1975, p. 452 apud LIGOURI; VOZA,
2017, p. 66).
25
Os jornais e revistas dos grupos que operam para a manutenção do Estado burguês são
instituições que assumem a função de “partido”, desempenhando um papel complexo na
7
Para Gramsci (2014), a opinião pública é o ponto de contato entre a “sociedade civil” e a “sociedade política”,
entre o consenso e a força. “O Estado, quando quer iniciar uma ação pouco popular, cria preventivamente a
opinião pública adequada, ou seja, se organiza e centraliza certos elementos da sociedade civil” (GRAMSCI,
2014, p. 269).
26
organização de permanência status quo (GRAMSCI, 2001), e são compostos por uma elite
letrada, de homens de cultura, para dirigir de acordo com a ideologia geral dominante, mas
que podem representar uma fração de classe ou, no caso estudado, uma área específica da
educação.
Segundo Coutinho (2011), Gramsci define o partido mais por sua função de atuação
do que pela organização formal, considerando que, se os partidos não assumem essa função,
“ela pode ser exercida não só por outras instituições sociais, mas até mesmo por grandes
intelectuais” (COUTINHO, 2011, p. 31). Assim, a função social de intelectual se assemelha à
função do partido, pois, “em ambos os casos, estamos diante de atores empenhados na luta
pela hegemonia” (COUTINHO, 2011, p. 31).
Para Fontes (2017), a relação entre a sociedade civil e sociedade política ocorre tanto
pela aproximação entre os partidos oficiais quanto pelos aparelhos privados de hegemonia, os
“partidos”, que favorecem o “ingresso de seus integrantes no Estado restrito, sob inúmeros
formatos (eleitos, comissões de notáveis ou de ‘especialistas’ técnicos, concursos cujos perfis
são definidos previamente etc.)” (FONTES, 2017, p. 211). Desta forma, os aparelhos privados
de hegemonia, por meio de seus intelectuais, passam a constituir e até mesmo, a construir o
Estado (FONTES, 2017).
No âmbito da sociedade civil, Gramsci (2001) considera que a busca pela hegemonia
política se concretiza pela atuação de intelectuais orgânicos, na medida em que todo
Problema de pesquisa
As proposições de luta em prol das pessoas com deficiência defendida pela Fenapaes
são de manutenção da filantropia?
Como o movimento apaeano se posicionou, ao longo do tempo, em relação ao
financiamento público das instituições das Apaes?
Como se efetivou a expansão da rede Apaes e qual o papel que a sua Federação
assumiu?
28
Objetivos
A fim de responder estas questões, o estudo teve como objetivo geral, analisar a
trajetória da relação entre público e privado na área da educação especial no Brasil, desde os
anos de 1970 até os dias atuais, tendo por base os discursos produzidos pela Fenapaes.
- verificar como a Fenapaes foi se constituindo, ao longo do tempo, como uma das
principais protagonistas políticos na educação especial;
Hipótese
Como hipótese do trabalho, consideramos que o movimento das Apaes, embora tenha
nascido como uma associação de defesa das pessoas com deficiência, de caráter político e
reivindicatório dos seus direitos (Cf. SILVA, 1995) e com autonomia entre as diversas
instituições sediadas em diferentes localidades, foi se constituindo, ao longo do tempo, em
uma verdadeira rede institucional privado-filantrópica, sob a crescente coordenação de sua
Federação Nacional, que não só se caracteriza pela busca e consecução de subsídios para sua
manutenção, atuando significativamente para sua ampliação, como constituiu e constitui parte
integrante e fundamental das políticas nacionais de educação especial. Dessa forma, a
Fenapaes colabora para a manutenção da hegemonia da classe burguesa pelos princípios da
filantropia e da caridade.
29
As produções acadêmicas de Jannuzzi (1985, 2004, 2006), Bueno (1993, 2004, 2011),
Jannuzzi e Caiado (2013), Rafante (2006, 2011, 2015) e Silva (1995) foram utilizadas para as
análises da contextualização histórica da educação especial brasileira. Para análise da relação
entre público e privado, buscamos as contribuições de Fontes (2006, 2010, 2017), Peroni
(2003, 2008, 2009) e Montaño (2008, 2010, 2014).
três tipos: pelo modo de como são redigidas, pelo tipo de leitor e pela finalidade educativa que
querem atingir. As revistas poderão apresentar ao longo do tempo, mesmo apresentando uma
diretiva única centralizada, diferenças em relação aos períodos históricos e dos problemas
particulares enfrentados. Como também, poderão defender orientações políticas, econômico-
sociais ou científicas e assim, podemos distinguir, “entre o chamado jornal de informação ou
‘sem partido’ explícito e o jornal de opinião, o órgão oficial de um determinado partido”
(GRAMSCI, 2001, p. 199), como a revista Mensagem da Apae.
Segundo Cruz e Peixoto (2007), a pesquisa que utiliza a revista como fonte deve
analisar os dados conforme a conjuntura e a problemática investigada, retratando os
encaminhamentos de um grupo.
8
As primeiras edições da revista Mensagem da Apae (1963-1968) eram organizadas quase como um informativo
sobre a Fenapaes. Todas as edições tinham o mesmo desenho na capa, modificando-se a cor de cada edição.
9
As edições no 3 e 23 não foram encontradas.
10
Edição com problemas no ano de publicação; não consta o período.
32
Após a escolha desse material empírico, estabelecemos como critério inicial o roteiro11
de análise das edições da revista, seguindo orientação de Cruz e Peixoto (2007) sobre o que
observar nos periódicos: a identificação do periódico (título, subtítulo, data de publicação e
periodicidade); o projeto gráfico (que é a organização e distribuição dos conteúdos na revista,
seções, extensão de cada seção e autores; capas e primeiras páginas, edições comemorativas,
“balanço social”, colunas fixas e assinadas, manchetes, legendas, colunagens e frisos,
anúncios e publicidades); a produção e distribuição (Quem produz? Como é distribuído? A
quem é destinada a revista? Qual é o papel da revista no grupo? Quais as redes de
comunicação? Quais são os posicionamentos políticos na conjuntura ao longo do período
estudado?).
Examinando os dados colhidos, conforme roteiro proposto por Cruz e Peixoto (2007),
constatamos uma periodicidade extremamente irregular: a revista teve apenas um número no
primeiro ano (1974), publicação quadrimestral nos três anos seguintes (1975 a 1977)12 e se
tornou periódico trimestral nos quatro anos seguintes (1978 a 1981)13 ― alterações que
11
O roteiro está em anexo.
12
Embora não tenhamos localizado a edição n. 3, ela comprova a periodicidade quadrimestral.
13
Da mesma forma, a de nº 23 (não) indica que foram quatro os números publicados em 1981.
34
podem ser interpretadas como expressão das dificuldades que grande parte dos periódicos
acadêmicos e técnicos produzidos por instituições não pertencentes ao mercado editorial
enfrentavam até que se firmassem.
Cabe ressaltar outras irregularidades: desde o primeiro número até 1995, a indicação
dos volumes por ano seguiu a sequência do “Ano 1” até o “Ano 13” edição nº 41, apesar de
algumas imperfeições que interferiram nessa sequência, como a indicação de “Ano 9, 10 e
11” para um mesmo ano (1983). A partir da edição nº 42, o ano passou a ser escrito em
numeral romano (XIII) até a edição nº 78 (XXI), com uma contagem regular. A irregularidade
é indicada na revista número 79, a última de 1995: o ano indicado saltou de 21 (XXI) para 32
(XXXII), sem qualquer indicação que justificasse essa quebra sequencial. A numeração
desapareceu na edição nº 87, reaparecendo na de nº 92, de 2001, com algarismo arábico.
Essas irregularidades de numeração sugerem certo amadorismo editorial.
Com esse entendimento, realizamos uma análise do projeto editorial das edições da
Mensagem da Apae que foi sendo modificado ao longo dos 42 anos analisados: mudanças na
14
ISSN é o código aceito internacionalmente para individualizar o título de uma publicação seriada. Esse
número se torna único e exclusivo do título da publicação ao qual foi atribuído. Este código é solicitado no
Centro Brasileiro do ISSN (IBICT, 2018).
35
Em relação às capas da revista, a primeira edição analisada, de 1974, tinha a capa com
três cores (preto, branco e vermelho), não constava a tiragem e as fotos eram todas em preto e
branco. Com o passar do tempo, elas foram ganhando cores, com desenhos e imagens
coloridas – estas geralmente relacionadas aos atendimentos e serviços das Apaes. Na última
edição analisada, de 2017, a revista é organizada com fotos coloridas na maioria das páginas e
detalhes com frisos para indicar as matérias. O que evidenciou a mudança no projeto gráfico e
a profissionalização da revista.
exemplo, a gestão do deputado federal Eduardo Barbosa, com o título “Balanço Social”,
repetindo-se em 2008, 2009, 2010, 2011, 2012 e 2014, já na gestão de Aracy Lêdo.
Shiroma, Campos e Garcia (2005) salientam que os textos devem ser lidos em relação
ao contexto histórico em que foram produzidos e confrontados com outros documentos
elaborados na mesma época e local, pois, “palavras importam” (SHIROMA; CAMPOS;
GARCIA, 2005, p. 428) e produzem uma “hegemonia discursiva” (SHIROMA; CAMPOS;
GARCIA, 2005, p. 431).
A análise dos textos constantes nas edições da Mensagem da Apae foram evidenciando
as relações estabelecidas no movimento das Apaes e a relação da instituição com o poder
público, baseada nas categorias de análise propostas por Gramsci: Estado Unitário, sociedade
civil, hegemonia, aparelhos privados de hegemonia, partido e intelectual orgânico. A partir
das categorias foram escolhidos três eixos de análise: filantropia, financiamento e organização
da Fenapaes, que consolidaram os capítulos da tese.
CAPÍTULO I
Segundo Rafante e Lopes (2009), para Antipoff, “a escola não atendia às necessidades
das crianças, [...]. Assim, a educadora direcionou sua atuação no sentido de criar instituições
para receber essas crianças consideradas ‘excepcionais’ retirando-as do sistema de ensino
oficial” (RAFANTE; LOPES, 2009, p. 229). Em 1932, Antipoff criou a Sociedade Pestalozzi,
uma associação civil de caráter privado de princípios educativos para o atendimento dos
sujeitos que não se adequavam ao sistema de ensino (RAFANTE; LOPES, 2009).
Dessa forma, em 1954 foi criada a primeira Associação de Pais e Amigos dos
Excepcionais no Rio de Janeiro, capital do Brasil, a partir da iniciativa de pais de pessoas com
15
Segundo Bueno (1993, p 90), as entidades filantrópicas anteriores “na maior parte das vezes, estavam ligadas a
ordens religiosas” com exceção da iniciativa pioneira de Helena Antipoff, com a criação das Sociedades
Pestalozzi, mas que eram fruto da iniciativa de profissionais envolvidos com a população com deficiência.
40
deficiência, com a mesma condição econômica, social e cultural, além de profissionais da área
da saúde (médicos), profissionais liberais e professores envolvidos com a área da educação
especial (JANNUZZI; CAIADO, 2013; SILVA, 1995).
O que nos falam as pesquisas realizadas no Brasil sobre a relação das Apaes na área da
educação especial? Como se efetivou a relação entre público e privado na área? Para
responder essas questões, realizamos um levantamento da produção acadêmica na área da
educação especial.
16
Usamos, em todo o texto, a expressão “terceiro setor” entre aspas por entendermos que esse conceito se baseia
em uma visão segmentadora da realidade social, com forte ligação com a reestruturação do capital pelo
neoliberalismo, que desresponsabiliza o Estado das questões sociais. Consideramos esse conceito ideológico,
“portador da função de encobrir e desarticular o real” (MONTAÑO, 2010, p. 18).
41
17
Sem a utilização de aspas, com o descritor educação especial, encontramos 167.117 trabalhos.
42
Outro trabalho que nos ajudou a refletir acerca da relação entre público e privado na
educação especial foi a dissertação de mestrado de Rosado (2010), que discutiu a educação
especial no período de 1968 a 1998. A pesquisa de Rosado indicou que as instituições
especializadas de caráter privado-filantrópico foram as primeiras a atender os alunos com
deficiência no estado do Piauí, sempre com financiamento público, e que seus serviços
tiveram o apoio e o acompanhamento da Secretaria Estadual de Educação, enfatizando a
relação entre público e privado na área.
No segundo eixo, sobre a relação entre público e privado na educação especial pela
filantropia, escolhemos os trabalhos de Garcia (1998), Oliveira (2015) e Santos (2016). Na
dissertação de mestrado defendida em 1998, Garcia pesquisou, por meio de estudo de caso, a
presença de interações entre cidadania e filantropia no processo de escolarização de sujeitos
que apresentavam sequelas motoras. A autora se dedicou a analisar como os conceitos de
cidadania e filantropia influenciavam no atendimento a esses alunos. Essas análises foram
essenciais para as discussões destes conceitos neste trabalho.
instâncias privadas das Apaes, como reflexos das políticas do Estado que evidenciaram a
predominância da segregação e da filantropia.
Silva (2000), em sua tese de doutorado sobre a educação especial e a política pública,
analisou as políticas que definiram a educação especial, as influências das instituições sem
fins lucrativos nas definições da área, a expansão desse tipo de instituição e o aumento de
recursos públicos para a sua manutenção e concluiu que as instituições só conseguiam manter-
se pelo financiamento público, especialmente federal e estadual. Chamou a atenção para a
terceirização dos serviços públicos em educação especial e a reorganização das instituições
privadas filantrópicas para adequar os seus serviços aos encaminhamentos das políticas na
área e, assim, não perder o financiamento, concluindo que os recursos públicos obtidos
estavam diretamente ligados ao “jogo político e organizacional [...]. Esta seria a razão [para]
que as instituições com dirigentes com maior visibilidade política obtivessem mais recursos
que outras que não têm o mesmo perfil” (SILVA, 2000, p. 171).
A pesquisa de Marques (2015) mostrou a relação entre público e privado das Apaes no
estado do Paraná, a partir da mudança das instituições especiais para escolas da educação
básica, discutindo os impactos de financiamento e na estrutura institucional. Esse trabalho
trouxe uma análise das relações entre o Estado e as instituições privadas filantrópicas,
mostrando que 84% dos recursos por elas captados eram oriundos dos cofres públicos. Com
isso, “percebe-se uma grande relação entre o público e privado na constituição das instituições
especiais no estado do Paraná” (MARQUES, 2015, p. 9). Outra questão apontada na pesquisa
foi a influência da Federação Estadual das Apaes (Fenapaes-PR) na definição das atividades
nas instituições privado-filantrópicas: “ao longo dos anos, tais instituições especiais foram
sendo apropriadas por grupos políticos, criando uma rede de interesses que se superpôs aos
próprios interesses das pessoas com deficiência” (MARQUES, 2015, p. 38). Segundo a
autora, isso não ocorreu por omissão do Estado na prestação de serviços públicos na área da
educação especial, mas sim por causa de “uma estrutura, formato e organização de educação
especial que se fundamenta na caridade e filantropia” (MARQUES, 2015, p. 97).
base em uma abordagem histórica, as vinculações com o contexto social marcado por lutas de
segmentos sociais diferenciados e determinantes nas políticas. Ela concluiu que se manteve a
predominância do atendimento nas Apaes por causa da redução das políticas públicas e
sociais e da manutenção dos interesses clientelísticos do Estado.
Moraes (2011) apresentou, em sua dissertação de mestrado, a relação entre público e
privado da educação especial no estado do Paraná. Analisou documentos relacionados ao
financiamento ou a benefícios utilizados pelas Apaes e confirmou a sua hipótese de
manutenção das escolas especiais no Paraná por meio de contratos de gestão com o Estado,
vinculados às propostas do “terceiro setor”. A pesquisa mostrou a hegemonia das instituições
especializadas das Apaes e como elas influenciaram na determinação das políticas de
educação especial no estado paranaense, evidenciando as articulações e estratégias políticas
dos representantes das instituições para se infiltrarem nos órgãos públicos, construindo
amarras políticas para a manutenção e a conservação da hegemonia desse segmento. A autora
concluiu que as escolas especiais foram gradativamente se consolidando com o fortalecimento
e a expansão das entidades filantrópicas, amparadas por recursos públicos.
O artigo de Silva (2004) discutiu as políticas de educação especial e a relação com as
instituições especializadas privado-filantrópicas diretamente vinculadas ao pensamento
neoliberal, que buscavam na privatização ou na terceirização o barateamento dos serviços
prestados ― uma indicação clara da relação entre público e privado na área. A autora
destacou duas propostas de privatização: a de “fornecimento” e a de “financiamento” ― quem
oferece e quem financia os serviços na área. A privatização por “fornecimento” envolve quem
fornece o serviço de educação especial, mas recebe o financiamento público, numa espécie de
privatização difusa e indireta utilizada pelo Estado para contemplar interesses privados
(SILVA, 2004). Segundo a autora, o atendimento na educação especial era basicamente
realizado por instituições privadas sem fins lucrativos com o amparo do Estado, “através do
financiamento dos serviços das instituições especializadas. Este financiamento ocorre em
formas variadas, da cessão de recursos humanos ao repasse de recursos financeiros” (SILVA,
2004, p. 6). Ela questionou se há “descaso” por parte do poder público nas ações na área da
educação especial ou se “estão sendo desenvolvidas de forma terceirizada pelas instituições
sem fins lucrativos” (SILVA, 2004, p. 15, grifo da autora).
Um dos artigos científicos que ajudou a compreender a relação do Estado com a
iniciativa privada na educação especial foi o texto de Corrêa (2004), que tratou da reforma do
Estado nos anos de 1990 e a educação especial, cotejando os dados coletados com as políticas
públicas no Brasil. A autora considerou que as políticas brasileiras incorporaram as
47
A Apae é uma instituição privada de cunho filantrópico e assistencial que surgiu nos
anos de 1950 sob a influência de representantes da Embaixada dos Estados Unidos que
48
Se essa era a situação do ensino para crianças não deficientes, o que podemos dizer
sobre o atendimento às pessoas com deficiência?
Apesar das restritas iniciativas públicas, não podemos desconsiderar que, desde os
anos de 1930, o poder público vinha se voltando, de forma gradativa e lenta, para o aluno
18
Ver RAFANTE, Heulália Charalo. Helena Antipoff, as sociedades Pestalozzi e a educação especial no
Brasil. Tese (Doutorado em Educação) – Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, 2011.
19
Anísio Teixeira, em sua obra “A educação no Brasil” (1976), mostrou que, em 1957, apenas 70% da
população em idade escolar frequentava o antigo curso primário e, dentre essas, cerca de 2,6 milhões de alunos
estavam matriculados na primeira série, que se reduziam a pouco mais de 1,0 milhão que cursavam a segunda
série, ou seja, com uma retenção de cerca de 61% na série inicial.
49
“excepcional”, notadamente nas grandes metrópoles como São Paulo e Rio de Janeiro, sem
contar a existência, na antiga capital do Brasil, de dois institutos públicos para a educação de
surdos e cegos, criados ainda no período imperial: em 1854 foi fundado o Imperial Instituto
dos Meninos Cegos e, em 1856, o Imperial Instituto dos Surdos-Mudos.
Vale lembrar que Anísio Teixeira criou, em 1933, a Seção de Ortofenia e Higiene
Mental do Instituto de Pesquisas Educacionais (Inep) que, desde a sua fundação até 1939,
havia diagnosticado dois mil alunos com deficiência mental (JANNUZZI, 1985). Esse
movimento redundou na criação, em 1961, da Seção de Educação Especial da Secretaria de
Educação e Cultura do estado da Guanabara (BLANCO, 2015).
Embora Jannuzzi e Caiado (2013) afirmem que a criação da Apae teve como
finalidade o atendimento do excepcional, para Silva (1995), assevera que a Apae-Rio
Jannuzzi e Caiado (2013), lembram que, desde a primeira reunião das Apaes,
notavam-se a estrutura bem organizada da associação, com a criação de uma comissão
coordenadora provisória para encaminhar os procedimentos burocráticos e legais, como, por
exemplo, a elaboração do estatuto da Apae, com aprovação em assembleia pelos membros do
grupo e “o impulso forte, incrementando uma organização com propósitos amplos para cuidar
dessa população e prometendo na sua fundação uma agremiação maior ao anunciar uma
futura federação” (JANNUZZI; CAIADO, 2013, p. 10).
A Apae, ao ser fundada, estendia sua ação a todas as áreas das deficiências, mas logo a
centralizou na área da deficiência mental (JANNUZZI; CAIADO, 2013). Com o passar do
tempo e a disseminação das Apaes pelo país, foi assumindo a hegemonia no atendimento da
educação especial, chegando a alcançar, em 1974, praticamente 60% do total de matrículas de
alunos em todos os tipos de escolarização de alunos com deficiência (BUENO, 2011).
50
20
A National Association of Parents and Friends of Mentally Retarded Children – NARC foi fundada em 1950
e atualmente se chama National Association for Retarded Citizens (ARC). O caráter básico da organização está
na sua capacidade para influenciar a política pública nos níveis estadual e federal. A ARC se expandiu e se
diversificou de forma constante desde meados dos anos cinquenta, constituindo-se atualmente, na ótica de seus
dirigentes, como a maior organização nacional baseada nas comunidades que defendem e atendem pessoas com
deficiências intelectuais e de desenvolvimento e suas famílias. Seu foco principal reside nas estratégias de ação
social, por meio das federações estaduais e locais para criar uma impressionante rede de agências de serviços
humanos, garantindo que eles tenham os mais fortes defensores dos direitos civis promovendo e protegendo suas
necessidades em todos os níveis (ARC, 2017).
21
O nome do marido de Beatrice Bemis aparece em várias edições da revista Mensagem da Apae, ora como
Robert e ora como George, na dúvida usaremos os dois nomes conforme excerto citado.
51
(SILVA, 1995). “Motivados por aquela cidadã, um grupo, congregando pais, amigos,
professores e médicos de excepcionais, fundou a primeira Associação de Pais e Amigos dos
Excepcionais – APAE do Brasil” (FENAPAES, 2014a, p. 9).
A mobilização dos pais do Rio de Janeiro influenciou outros pais e outras instituições
foram sendo criadas no Brasil. Inicialmente, as Apaes foram fundadas nas cidades do interior
e depois em outras capitais. A segunda Apae foi instalada no interior de Santa Catarina, na
cidade de Brusque22, em 1955, seguida pelas Apaes de Volta Redonda no Rio de Janeiro e de
São Lourenço, no interior de Minas Gerais, ambas criadas em 1956. Em 1957 foi inaugurada
a APAE de João Pessoa, capital da Paraíba, e, em 1961, a Apae de São Paulo (FENAPAES,
2008a).
A partir de então, outras Apaes foram sendo instaladas em municípios espalhados pelo
Brasil, fundadas pela iniciativa de pais, amigos da elite local, de classe média, e técnicos da
área da saúde e da psicologia, visando ao atendimento de pessoas com algum tipo de
deficiência como objeto da benemerência e da ajuda aos desvalidos.
Com essa disseminação, em 1962 foi criada a Federação Nacional das Apaes, a partir
de uma reunião nacional das Apaes, com o intuito de coordenar e orientar o trabalho das
Apaes (SILVA, 1995). A reunião foi articulada pela Apae de São Paulo, com participação de
representantes das diretorias de 12 Apaes23.
22
Brusque em Santa Catarina, tem população de 105.503 habitantes e território de 283, 223 Km², de acordo com
dados do Censo de 2010 realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2017b).
23
Participaram da primeira reunião as Apaes de Caxias do Sul (RS), Curitiba (PR), Jundiaí (SP), Londrina (PR),
Muriaé (MG), Natal (RN), Porto Alegre (RS), Recife (PE), Guanabara (RJ), São Leopoldo (RS), São Paulo (SP)
e Volta Redonda (RJ).
52
Ao escrever sobre a primeira reunião das Apaes, Antonio Santos Clemente Filho
(1974) salientou que Beatrice Bemis participou ativamente da reunião, “descreveu passo a
passo, a organização da NARC” (CLEMENTE FILHO, 1974, p. 17), e, na sua fala, “lembrou,
ainda, a necessidade de publicação de Boletim periódico, com notícias e informações gerais,
para todos os sócios” (CLEMENTE FILHO, 1974, p. 18).
Com o passar do tempo, as Apaes foram sendo criadas em diferentes regiões do Brasil.
Nos anos de 1960 e 1970 houve expansão das instituições das Apaes, com a fundação de mais
de 500 Apaes nesse período. Bueno (2011) confirma que ocorreu ampliação da rede privada
de atendimento às pessoas com deficiência, especialmente nas décadas de 1960 e 1970,
refletindo a importância cada vez maior que essas entidades assumiram na educação especial,
passando de instituições locais para federações nacionais, como as Pestalozzis e Apaes,
24
Stanislau Krynski é conhecido como introdutor da psiquiatria infantil no Brasil. Foi professor associado do
Departamento de Psiquiatria e Psicologia Médica da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo
e orientador técnico-científico da Apae de São Paulo.
25
A mudança para a capital do Brasil foi realizada com ajuda do Exército, a pedido do presidente da Fenapaes na
época (JANNUZZI; CAIADO, 2013).
53
Os anos de 1970 e 1980 foram marcados pela influência do movimento apaeano nos
setores públicos estatais da educação especial (MORAES, 2011). Nessa época, as Apaes se
consolidaram como instituições nas comunidades locais e estenderam seus serviços para o
atendimento desta população, expandindo cada vez mais o número de instituições privado-
filantrópicas.
A Fenapaes, como órgão coordenador das instituições das Apaes, tem como objetivo
atuar nas esferas administrativa e política e na sociedade civil, “ser porta-voz da área na
26
O título de utilidade pública federal foi criado pela Lei nº 91/1935, a qual estabelecia que “as sociedades civis,
as associações e as fundações constituídas no país com o fim exclusivo de servir desinteressadamente à
coletividade podem ser declaradas de utilidade pública” (BRASIL, 1935). Essa lei foi revogada pela Lei nº
13.204/2015 (BRASIL, 2015). Desde então, o Ministério da Justiça não mais concedeu ou renovou títulos de
utilidade pública federal.
54
27
A designação “sem fins lucrativos ou de fins não econômicos” é nova. Mais informações sobre esse assunto
podem ser obtidas no site do Instituto Brasileiro de Políticas Públicas (Ibrapp):
˂http://www.ibrapp.com.br/noticias/item/217-sem-fins-lucrativos-ou-sem-fins-economicos˃
55
CAPÍTULO II
Portanto, a ideia de cidadania não é algo pronto e acabado, mas sim constituída no
processo histórico e social que reflete as relações travadas entre diferentes grupos sociais e as
necessidades ao longo dos períodos históricos ― uma relação a ser conquistada, a ser
construída, mas, para ter acesso a ela na sociedade capitalista, é preciso ter também acesso a
bens materiais.
28
Ao referir-se à filantropia, Jannuzzi (2006, p. 94) indica que “no vocabulário cristão é entendida como amor
que move a vontade à busca efetiva do bem de outrem e procura identificar-se com o amor de Deus. Seria
benevolência, complacência, compaixão”.
57
Segundo Garcia,
a idéia de cidadania como algo que está pronto e acabado, esperando ser
consumido, está relacionada à concessão de direitos pelo Estado Liberal a
fim de acomodar os sujeitos cada um em seu local social. Neste caso, o
planejamento feito pelo Estado é o definidor de quais direitos a população
necessita e quais as camadas que terão acesso a esses direitos, elaborando
“pacotes” de políticas públicas a serem acessadas pela população, buscando
imprimir uma relação em que o Estado dá e a população recebe; uma relação
de concessão, de outorgar direitos, onde só o Estado aparece como sujeito.
(GARCIA, 1998, p. 43)
.
29
Ver SILVA, Márcia Regina Barros da. Santa Casa de Misericórdia de São Paulo: saúde e assistência se tornam
públicas (1875-1910). Varia História, Belo Horizonte, vol. 26, n. 44, p. 395-420, jul./dez. 2010.
30
Segundo Ivamoto (2003), a primeira santa casa criada no Brasil foi a de Santos, por iniciativa de Brás Cubas,
em 1543, ou seja, apenas meio século após a criação da primeira santa casa em Portugal, criada pela rainha D.
Leonor, em 1498.
59
margem da produção. Elas tinham “a função de auxílio aos desvalidos” (BUENO, 2004, p.
109).
Além dos enfermos, os demais sujeitos que passaram gradativamente a ser objeto de
atenção provavelmente eram aqueles que se “distinguiam, se distanciavam, os que
incomodavam; ou pelo aspecto global ou pelo comportamento altamente divergente. Os que
não o eram identificados a olho nu estariam incorporados às tarefas sociais simples, numa
sociedade rural desescolarizada” (JANUZZI, 1985, p. 28).
31
Mais informações a esse respeito, consultar Bueno (1993).
60
de Assistência (LBA)32, que tinha como missão “organizá-la e supervisioná-la em todo o País
a qual, embora criada e mantida pelo poder público, reitera o caráter caritativo-filantrópico,
não só pela outorga da responsabilidade às primeiras-damas dos governos federal estadual e
municipais” (ESCORSIM, 2008, p. 3), mas também pela incorporação dos serviços privados,
tal como indica o artigo 1º do decreto que a instituiu, no que tange ao seu objetivo:
Segundo Silva (1995), a primeira Apae foi criada no Rio de Janeiro, na época capital
do país, a partir da iniciativa de pais de crianças com deficiência, de uma fração de classe
média letrada, com o objetivo de constituir mecanismo de pressão junto aos poderes públicos
para criação de serviços de atendimento a seus filhos, mas que, em pouquíssimo tempo, dada
a absoluta falta de resposta dos órgãos oficiais, transformou-se em entidade de atendimento
direto dessa população.
32
A LBA foi criada pelo Decreto-lei nº 4.830, de 15 de outubro de 1942, no governo de Getúlio Vargas, para
prestar serviços de assistência social, diretamente ou em colaboração com instituições especializadas. (BRASIL,
1942).
33
Não se pode deixar de lado o fato de que uma das grandes polêmicas da época se centrava no debate político,
acadêmico e da prática social entre os defensores do ensino público e os que advogavam o direito ao ensino
privado.
61
Conforme Saviani (2013, p.12), “a periodização não é um dado empírico, isto é, não está
inscrita no próprio movimento objetivo dos fenômenos históricos investigados”. São eles:
Embora assim divididas, não se pode deixar de mencionar que essas formas parecem
ser aquelas que assumiram preponderância na estrutura dessa grande rede de atendimento e
que as formas mais “avançadas” dos períodos posteriores ao de sua implantação não
significam que as anteriores deixaram de ser exercidas, mas sim que foram subsumidas aos
processos mais modernos de filantropia.
Nesse primeiro período de análise das edições da Mensagem da Apae (1974 a 1990),
constatamos a importância das diferentes unidades em relação à constituição dessa rede, com
a criação da Fenapaes muito mais como porta-voz dessas unidades do que como mentora de
sua dinâmica e estruturação ― protagonismo que foi sendo construído gradativamente no
decorrer do tempo.
Nessa época, o papel dos pais e amigos das crianças atendidas pelas diferentes
unidades foi preponderante em relação à área técnica de atendimento às pessoas com
deficiência, na medida em que a sua base principal estava vinculada ao cuidado que essa
população demandava (D’ANTINO, 2013).
63
Sobre esse assunto, D’Antino (2013) comenta que os recursos financeiros recebidos
em feiras e campanhas promocionais tinham fortes apelos emocionais ao sentimento
humanitário da comunidade, “vinculados diretamente à imagem de ‘impotência’ produzida e
34
Sobre a relação entre pais e técnicos nas Apaes, ver D’ANTINO, Maria Eloísa Fátima. A máscara e o rosto
da instituição especializada: marcas que o passado abriga e o presente esconde. São Paulo: Memnon, 2013.
35
A denominação de “Feira da Bondade” expressa o caráter assistencialista dessas instituições. A Apae de São
Paulo, durante décadas, foi dirigida por pais de classe média cujos filhos não deficientes eram sujeitos de direito,
enquanto o atendimento especializado de seus filhos com deficiência era fruto da “bondade” da sociedade.
36
A Feira da Bondade, durante muitos anos, funcionou no Parque do Ibirapuera, na cidade de São Paulo, com
uma estrutura de barracas para venda de uma infinidade de produtos doados por empresas ou por particulares,
comercializados por preços muito abaixo aos de mercado, ocasionando uma verdadeira febre para seu usufruto
por membros da classe média paulistana. O Parque do Ibirapuera é um parque urbano, inaugurado em 1954,
com uma área de 1.584.000 m². O Pavilhão da Bienal no Parque do Ibirapuera possui uma área total térrea de
4.512 m² e, no Mezanino, uma área de 1.193 m². É um dos principais centros de eventos de São Paulo
(PREFEITURA DE SÃO PAULO, 2017).
37
A Feira da Bondade influenciou várias outras feiras pelo Brasil, como, por exemplo, a Feira da Esperança, da
Apae de Florianópolis (SC), a Feira da Bondade, promovida pela Apae de Bauru (SP), e Feira de Artesanato da
Apae de Mogi das Cruzes (SP).
64
O tema voluntariado aparece em outras edições (1981, 1983, 1986, 1987, 1988, 1994),
mas não como matéria principal da revista, mas sem perder o teor de enaltecer o seu papel nas
instituições das Apaes, a sua relevância e a divulgação da compaixão, da abnegação. A partir
das edições de 1987, aparece uma coluna intitulada “Voluntariado”, para divulgar as ações
dessa natureza nas Apaes, demonstrando o papel relevante para as ações na área da educação
especial.
38
Algumas edições da revista Mensagem da Apae não trazem a data da publicação. Deduzimos tratar-se de 1983
em função de indicar Ano 11, um ano depois da última edição de 1982.
66
Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), ao referir-se ao cuidado voltado as pessoas com
deficiência mental/intelectual, “que encontram na caridade evangélica recursos de
devotamento aos mais necessitados, chamados a cuidar, com preferência, dos que sofrem
maiores limitações e requerem, às vezes, dedicação integral” (ALMEIDA, 1991, p. 28), com
um apelo enfático ao poder público para que concedesse todo o apoio à criação e manutenção
das instituições das Apaes.
Segundo Mainwaring (2004) a fé, para a Igreja Católica, é que mantinha o contato
com o divino, mas, “não havia senso comum de que a fé exigisse um compromisso político ou
de que a ação política pudesse ser um componente maior da fé. [...], geralmente limitavam a
natureza dessa missão [social] à caridade e a medidas paliativas” (MAINWARING, 2004, p.
45). E o “bom católico manifestaria sua relação com Deus através da ação, mas a salvação só
viria através da fé” (MAINWARING, 2004, p. 45).
39
Dom Paulo Evaristo Arns era frade franciscano e foi cardeal e arcebispo emérito de São Paulo.
67
Escorsim (2008) nos ajuda a refletir acerca da filantropia e da religião. Ela considera
que a filantropia ajuda ao outro e, como prática social, foi historicamente referendada pela
Igreja Católica, que “alicerçou as condutas morais de seus seguidores na caridade e amor ao
próximo, ainda que num contexto europeu dividido por estamentos sociais rígidos,
determinantes da ocupação das classes naquelas sociedades.” (ESCORSIM, 2008, p. 1). Mas
na sociedade industrial, no capitalismo como produtor de desigualdades brutais, no
antagonismo de classe entre trabalho e produção, a filantropia assume outra roupagem, como
forma de consciência social.
Mestriner (2001) afirma que o Estado sempre exerceu papel secundário na assistência
social, exercendo apenas o papel de fiscalizador das instituições filantrópicas e de
transferência de recursos públicos. Essa relação também se estabeleceu na área da educação
especial, considerada como um atendimento pertencente à assistência social.
40
Na primeira edição da revista, em 1974, contamos 60 empresas patrocinadoras/anunciantes. Na edição nº 5, de
1976, encontramos 102 propagandas, e na de nº 38, de 1984, 39 anúncios.
70
das pessoas com deficiência à empresa (D’ANTINO, 2013). A autora ressalta que
possivelmente esse envolvimento,
se dê não pela clientela em si, ou pela instituição, mas sim pela “causa” da
deficiência. Causa essa que oculta um poder de mobilização e força que
provavelmente guarda e silencia algum benefício secundário (benemerência,
benevolência) e que representa um quarto poder [...]. Aliás, esse sentimento
humanitário, vinculado a valores afeitos ao espírito cristão, vem sendo
veiculado pelos diversos meios de comunicação de que dispõem as
instituições (D’ANTINO, 2013, p. 156, grifo da autora).
Jannuzzi e Caiado (2013, p. 27) assinalam que, “desde a fundação da primeira unidade
no Rio de Janeiro, há menção à arrecadação de fundos para auxílio, o que demonstra a
persistência entre nós de ligar o atendimento dessa população à caridade”. Para as autoras, as
diretrizes gerais do movimento das Apaes sempre foram a busca por convênios e parcerias
com o setor público e privado, colocando-se a instituição, desde o início, como uma entidade
privada, sem interesse, pelo menos de seus dirigentes, de serem incorporadas pelo Estado,
pois isso levaria a perder a condição de movimento apaeano (JANNUZZI; CAIADO, 2013).
D’Antino (2013) nos ajuda a pensar o papel dos sujeitos com deficiência
mental/intelectual atendidos nas instituições das Apaes e a relação com a filantropia:
vinha sendo “vacilante e escassa” (KOMORA, 1994b, p. 30), razão pela qual a sociedade
precisou encontrar mecanismos para resolver, ela mesma, os seus problemas, por meio das
ONGs e do trabalho social das comunidades. Ele argumentou que os sentimentos de caridade
são antigos, “sobressaem os sentimentos de compaixão e solidariedade entre os homens e
mulheres dotados de amor ao próximo” (KOMORA, 1994b, p. 31).
Já na edição nº 72, imediatamente anterior à da mensagem, o mesmo autor ― então
assinando como Carlos Alberto Komora Vieira ―, em artigo intitulado “Entidades
filantrópicas: um patrimônio a preservar”, afirmou categoricamente que “as Entidades
Filantrópicas representam a melhor alternativa para o enfrentamento dos problemas da
assistência à população carente” (VIEIRA, 1994c, p. 29)41. Salientou que sempre existiu
filantropia e que os recursos que financiavam a assistência social eram “doações de pessoas
naturais e empresas, do tesouro do Estado ― vale dizer, dos tributos cobrados de toda
sociedade ― em qualquer das suas dimensões ou regime político, das loterias, jogos e
sorteios, e da caridade” (VIEIRA, 1994c, p. 28). Segundo ele, a filantropia
41
Carlos Alberto Komora Vieira era médico sanitarista e representante das santas casas de misericórdia no
Conselho Nacional de Saúde (FENAPAES, 1994b).
72
e ideológico passar para as organizações públicas não estatais. Assim, se o Estado repassar o
controle político e ideológico para as organizações públicas não estatais e apenas financiar a
execução, estará transferindo a regulação e a coordenação dessas organizações para o
mercado. Para a autora, “o Estado gerou distorções e ineficiências ao tentar assumir funções
diretas de execução, e, nesse sentido, ‘reformar o Estado significa transferir para o setor
privado as atividades que podem ser controladas pelo mercado’” (PERONI, 2003, p. 60).
Essa transferência fica ainda mais evidente pelas estratégias estabelecidas: a primeira,
de “privatização”, é definida no documento como “a transferência, para o setor privado, da
propriedade de dado setor público com vistas a transformá-lo em uma instituição de e para o
mercado”; a segunda, de “terceirização”, concebida como o “processo de transferência, para o
setor privado, de serviços caracterizados como auxiliares ou de apoio às atividades
desenvolvidas pelo Estado”; e a terceira, de “publicização”, que nada mais é do que uma
forma de “transferência para o setor público não-estatal dos serviços sociais e científicos que
hoje o Estado presta” (ADRIÃO; BORGHI, 2008, p. 101).
42
É no governo de Fernando Collor de Mello que as instituições assistenciais ganham o estatuto de Organizações
não Governamentais (MELETTI, 2006).
74
43
Sérgio Sampaio Bezerra é bacharel em ciências econômicas pela Universidade Federal de Pernambuco
(UFPE), mestre em administração pela Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresa da Fundação
Getúlio Vargas (Ebape/FGV) do Rio de Janeiro e doutor em ciências sociais pela Pontifícia Universidade
Católica de Minas Gerais (PUC/MG). Foi assessor do deputado federal Eduardo Barbosa desde 2006 e
presidente da Federação Estadual das Apaes de Minas Gerais. Tem experiência na área da administração pública
e de organizações da sociedade civil, tendo como áreas de interesse: gestão de organizações da sociedade civil
(OSC), gestão da diversidade e inclusão da pessoa com deficiência intelectual no mercado formal de trabalho
(LATTES, 2018).
75
de forma sistemática (JANNUZZI; CAIADO, 2013), criando uma unidade institucional e uma
rede de atendimento.
A marca foi criada por Roland Humberto de Matos, em 1961, “Diretor de Arte e
Criação de uma das maiores agências de publicidade do mundo, a McCANN-Erickson, que
possui sede em São Paulo – SP” (APAE BRASIL, 2017b), sendo composta pela
As duas campanhas citadas, segundo matéria da edição nº 96, de 2008, tiveram como
finalidade, além de divulgar e promover a marca da Apae, aproveitar o período natalino,
considerado como, “um momento historicamente que as pessoas doam mais, especialmente
por ser uma festa religiosa” (FENAPAES, 2008b, p. 36).
ser amplamente valorizado pelos organismos multilaterais, como a Organização das Nações
Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) e o Fundo das Nações Unidas para a
Infância (Unicef). A Organização das Nações Unidas (ONU) considera que,
políticas sociais resulta em uma participação acrítica nos encaminhamentos das políticas
econômicas neoliberais (PERONI, 2008).
Para os teóricos que propõem a reforma do Estado e a “terceira via”, a sociedade deve
participar, tendo autonomia na execução das políticas, a partir de sinergia entre o público e o
privado e do envolvimento direto entre a sociedade civil e o governo. Porém, essa proposição
serve como estratégia para o repasse das políticas sociais aos organismos não governamentais
como algo inevitável, uma forma de privatização dos serviços públicos mantidos pelo Estado
(PERONI, 2008).
Grande parte das entidades sem fins lucrativos de utilidade pública, segundo Fontes
(2010), está sob a responsabilidade da classe empresarial (fundações, institutos) ou é por ela
financiada (ONGs) com repasse de recursos alardeado como compromisso social dos
empresários, mas que serve, fundamentalmente, para amenizar os conflitos sociais e
sensibilizar a sociedade em nome da filantropia.
A filantropia tem a sua própria lógica e atende interesses específicos, nem sempre
coincidentes com os de seus beneficiários. Seus compromissos estão ligados à manutenção da
ordem, da contenção social (UHLE, 1992). Assim, a filantropia, na ordem do Estado
neoliberal, busca a conciliação de classe pela caridade, sem resolver as diferenças econômicas
e sociais.
CAPÍTULO III
O FINANCIAMENTO PÚBLICO DAS APAES COMO EXPRESSÃO DA RELAÇÃO
ENTRE PÚBLICO E PRIVADO NA EDUCAÇÃO ESPECIAL
O financiamento das instituições das Apaes, como vimos, também ocorre pela coleta
de donativos, sendo parte desse financiamento realizado de forma individual ou por empresas
privadas pelo princípio da filantropia e da caridade.
No que se refere à educação especial, apesar da sua origem remontar aos dois
institutos imperiais fundados no início da segunda metade do século XIX, a sua disseminação
se deveu, até o final da Segunda Guerra, à criação de instituições especializadas, basicamente
criadas por instituições religiosas (BUENO, 1993).
A primeira iniciativa mais abrangente por parte da sociedade civil se deve a Helena
Antipoff que, em 1932, criou a Sociedade Pestalozzi de Minas Gerais. Segundo Rafante
(2011), Antipoff veio de Genebra para o Brasil a convite do estado mineiro para atuar como
professora na Escola de Aperfeiçoamento de Professores, iniciando, em 1929, a disciplina de
psicologia educacional. Ela também atuou na criação e coordenação do Laboratório de
84
Em 1962, a Federação Nacional das Apaes foi criada durante uma reunião nacional
das instituições, articulada pela Apae de São Paulo, com participação de representantes das
diretorias de doze Apaes45. De acordo com seus estatutos, a entidade constitui uma,
“associação civil, beneficente de assistência social, [...], sem fins lucrativos e de fins não
econômicos com duração indeterminada” (FENAPAES, 2012).
Partindo dessas informações, esta seção tem por objetivo levantar, organizar e analisar
as informações contidas na revista Mensagem da Apae, no sentido de tornar público como
essa relação entre público e privado vem se estabelecendo desde os anos de 1970.
Para tanto, organizamos a exposição em dois tópicos:
44
Nesse período, o Rio de Janeiro era a capital do Brasil, que foi transferida em 1960 para Brasília (DF) no
governo de Juscelino Kubitschek (1956 a 1961), que tinha como vice João Goulart, um dos criadores do Partido
Social Democrático (PSD) (SAVIANI, 2013).
45
Participaram da Primeira Reunião das APAEs, as APAEs de, Caxias do Sul (RS), Curitiba (PR), Jundiaí (SP),
Londrina (PR), Muriaé (MG), Natal (RN), Porto Alegre (RS), Recife (PE), Guanabara (RJ), São Leopoldo (RS),
São Paulo (SP), Volta Redonda (RJ).
85
46
Laudo Natel, natural de São Paulo, foi governador do estado por duas vezes, no período de ditadura civil
militar, ambas pelo partido da Aliança Renovadora Nacional (Arena), de 1966 a 1967 e de 1971 a 1975. Foi
bancário, político, empresário e dirigente esportivo do São Paulo Futebol Clube (FOLHA DE S. PAULO, 2010).
47
Jorge Konder Bornhausen é um político de Santa Catarina, pertencente a uma família de políticos. Formado
em direito, começou a sua vida política em 1967. Filiado à Arena (partido que apoiou o golpe militar de 1964)
foi eleito indiretamente para o cargo de governador do estado de Santa Catarina com 27 anos. “Jorge Bornhausen
apoiou publicamente o nome do general João Batista Figueiredo para suceder a Geisel e defendeu a manutenção
de eleições indiretas para presidente da República, sob o argumento de que, num país com as dimensões do
Brasil, eleições presidenciais diretas geravam instabilidade” (FGV, 2017).
86
Mas esse apoio não se restringia somente às entidades do eixo Sul/Sudeste, como
mostra a matéria divulgada nesse mesmo ano, na qual o vice-presidente da Fenapaes48 e
presidente da Apae de Teresina (PI), João Porfírio de Lima Cordão, declarou que o ex-
governador Arcoverde49 “reservou 37% da renda do Estado para a educação, subsidiando a
Apae com professores e combustível para o transporte dos alunos” (CORDÃO, 1979c, p. 6).
Os três exemplos, extraídos da revista Mensagem das Apaes nas primeiras edições
analisadas, evidenciam o apoio oferecido pelos governos estaduais às instituições privado-
filantrópicas das Apaes, ainda no período da ditadura civil militar (1964 a 1983), no qual os
governadores eram indicados pelo governo federal, de acordo com as suas propostas e sua
filiação partidária ― os três Governadores eram filiados à Aliança Renovadora Nacional
(Arena), partido político situacionista.
Além dos subsídios obtidos dos governos estaduais, as Apaes recebiam apoio
financeiro dos governos municipais, como mostra a notícia veiculada sobre a Apae de
Mirassol (SP), que indica fontes oficiais de financiamento, como o “Conselho Estadual de
Auxílios e Subvenções da Secretaria da Promoção Social (trezentos mil anuais), Secretaria da
Educação (bolsas de estudo) e Prefeitura local (cinco mil anuais, duas professoras e merenda
escolar)” (FENAPAES, 1978a?, p. 14).
48
Nesse período, os presidentes das federações regionais eram denominados vice-presidentes. João Porfírio de
Lima Cordão, da Região Nordeste Ocidental, era o 8º vice-presidente (FENAPAES, 1979).
49
O ex-governador do estado do Piauí, Dirceu Mendes Arcoverde, pertencia a uma família de classe média alta
do Piauí. Formou-se em medicina, fez pós-graduação nos Estados Unidos, foi secretário da Saúde do estado do
Piauí em 1975. A partir de 1974 passou a dar aulas na Universidade Federal do Piauí. No mesmo ano, foi eleito
pela Assembleia Legislativa do Piauí como governador do estado, com apoio da Arena. Em 1978, deixou o
governo para se eleger senador do Brasil e, em 1979, faleceu em decorrência de um derrame cerebral (FGV,
2017).
50
Esposa do ex-governador biônico de Santa Catarina, Henrique Cordova (1982/1983), tendo sido processada
por trabalho escravo em fazenda de sua propriedade (HUMANITAS, 2017).
87
No entanto, nessa década, parece ter sido iniciada uma inflexão, especialmente no que
se refere aos subsídios estaduais e federais, para âmbitos mais largos do que aqueles
destinados especificamente para determinadas unidades de atendimento, como nos exemplos
anteriores.
foi indicada nas edições 46, 47 e 48 de 1987 e 1988, que antecederam a aprovação da
Constituição51. Na edição nº 47, por exemplo, o presidente da Fenapaes, deputado federal
Nelson Seixas, declarou que “calmamente vamos conseguindo introduzir dispositivos na
futura Carta Magna” (SEIXAS, 1987a, p. 4). Uma das proposições da Fenapaes era a
disponibilização de recursos públicos para as instituições das Apaes, conforme matéria da
edição nº 46, que trata sobre a inserção, na Constituinte da destinação de dez por cento do
orçamento da educação para as instituições de educação especial (FENAPAES, 1987b).
51
O texto final da Constituição do Brasil foi aprovado em 22 de setembro de 1988.
90
Canziani propôs uma reorganização das Apaes, apontando mudanças para que elas
adequassem aos novos encaminhamentos nacionais e internacionais, de maneira a configurar
claramente a utilização de sua função pública estatal para o benefício da Fenapaes. Em 1994,
foi aprovada a Política Nacional de Educação Especial (PNEE) ― documento reproduzido na
íntegra na edição no 74, de 1994 (FENAPAES, 1994a) ―, que anunciou as modificações
sugeridas por Canziani.
52
Maria de Lourdes Canziani coordenou a Corde de 1990-1997. Natural do estado do Paraná e formada em
pedagogia pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), com especialização em cursos de pós-graduação em
universidades e instituições especializadas do Brasil e do exterior, entre 1965 e 1983 coordenou o Departamento
de Educação Especial na Secretaria de Estado da Educação do Paraná. Posteriormente, coordenou a
Coordenadoria de Capacitação de Recursos Humanos e Tecnologia na Área de Educação Especial, da Pontifícia
Universidade Católica do Paraná. Em 1986, foi convidada para integrar o Centro Nacional de Educação Especial
(Cenesp), no Ministério da Educação e Cultura. Quando o Cenesp foi transformado em Secretaria da Educação
Especial, assumiu o cargo de assessora técnica da diretora (LANNA JUNIOR, 2010).
91
Nos anos de 1970 e 1980, o noticiário da Mensagem da Apae informava que distintos
subsídios oferecidos pelo poder público eram obtidos, basicamente, por iniciativa dos
dirigentes de cada unidade.
Na edição nº 16, de 1979, a revista divulgou que o general Floriano Brasil Mendes,
vice-presidente da Apae do Rio de Janeiro, apresentou uma retrospectiva histórica da
instituição: “A APAE-Rio recebe substancial auxílio do Presidente Castelo Branco, que lhe
permite construir, em seu terreno, à rua Bom Pastor, uma sede condigna”. Acrescentou que,
“em 1975, tem a APAE-Rio a ventura de receber, em comodato, por ato do Presidente Médici,
uma área na rua Prefeito Olímpio de Melo, [...], instalar satisfatoriamente o seu Centro de
53
Há o entendimento de que o primeiro setor é o Estado, o segundo setor é o mercado e o “terceiro setor”, a
sociedade civil (MONTAÑO, 2010).
93
Treinamento Profissional”, e finalizou com a declaração de que “o Governador Faria Lima fez
doação de uma área em Engenheiro Pedreira, município de Nova Iguaçu, [...][para]
construção do Lar- Fazenda/APAE-Rio” (MENDES, 1979c, p. 14-16).
Em relação à Apae de São José do Rio Preto (SP), “terreno para construir o internato
não falta à APAE. Em maio de 1976, como resultado de mais uma luta de Nelson Seixas, o
então prefeito Wilson Romano Calil doou à entidade um sítio de dez e meio alqueires,
localizado a poucos quilômetros da cidade” (FENAPAES, 1978b?, p. 8).
Pelos exemplos citados, verificamos a larga influência que tinha uma Apae como a do
Rio de Janeiro, que conseguiu subsídios inclusive por decisão direta do presidente da
República, ao lado de municípios de menor porte, cuja pressão se efetivava, basicamente, no
âmbito municipal ou regional.
54
Segundo documento do IBGE intitulado Regiões de influência das cidades de 2007, a cidade do Rio de Janeiro
era considerada uma metrópole nacional, com população de 11,8 milhões em 2007, diferentemente de Laguna,
uma cidade de pequeno porte que tem uma influência local, com 51.562 habitantes (IBGE, 2007c).
94
Nos anos de 1990, os subsídios do governo deixaram de ser destinados para as Apaes e
passaram a ser dirigidos para a Fenapaes, ou seja, deslocaram-se da competência individual de
cada instituição para a competência nacional, da Federação.
Na mesma edição da revista foi divulgado que a Fenapaes foi agraciada com aparelhos
de televisão pelo Programa de Educação a Distância do MEC: “A Federação Nacional das
APAEs foi contemplada pela Secretaria de Educação Especial/FAE com 100 aparelhos de
televisão e vídeo cassete, que foram destinados às mais novas filiadas” (FENAPAES, 1999b,
p. 39).
Outro projeto que mostra a posição de frente da Federação foi a incorporação das
instituições privadas-filantrópicas ao Projeto de Informática na Educação Especial (Proinesp),
com recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE). Ao todo, foi
95
destinado 1,8 milhão de reais para execução da primeira edição do Proinesp, envolvendo a
implantação de 27 laboratórios. (FENAPAES, 2001a).
Essas dúvidas nos levaram a acessar os relatórios sobre os convênios por órgão
concedente disponibilizados no Portal da Transparência do Ministério da Transparência e
Controladoria Geral da União (2017). Com o descritor “federação nacional”, envolvendo
apenas o Ministério da Educação, constatamos a existência de 19 convênios com a Federação
Nacional das Apaes no período de 1996 a 2007.
55
Segundo esse documento, a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva tem
como objetivo o acesso, a participação e a aprendizagem dos alunos com deficiência, transtornos globais do
desenvolvimento e altas habilidades/superdotação nas escolas regulares, orientando os sistemas de ensino para
promover respostas às necessidades educacionais especiais (BRASIL, 2008).
56
Esses dois últimos projetos se dividem em compra de equipamento e formação de professores. Optamos por
colocar o valor no financiamento de infraestrutura por considerarmos relevante para as análises.
96
Para isso, dividimos essa seção em dois subitens: um relacionado à cessão de professor
especializado com financiamento público e outro referente ao atendimento oferecido à
população deficiente.
57
Antes mesmo da criação da FCEE, em 1968, o governo de Santa Catarina criou, na Secretaria de Estado da
Educação, em 1961, a Divisão de Ensino Especial, cujas atribuições, a partir de 1963, incluíam a provisão dos
serviços e a cedência de professores às entidades privadas (FCEE, 2017b).
97
catarinense repassou para as Apaes o valor total de “R$ 155 milhões, sendo R$ 80 milhões
para a contratação de 850 professores efetivos e R$ 75 milhões para a contratação de 2.500
professores temporários em 216 instituições especializadas em educação especial” (FCEE,
2017a, p. 9). Por meio da FCEE, o governo estadual contratou 3.350 professores especialistas
para atuarem nas Apaes catarinenses.
Além da cedência direta dos professores pelo governo estadual, havia outra
possibilidade de contratação de professor para atuar nas Apaes com subsídio público,
conforme divulgado na edição nº 36, na matéria sobre o “Enquadramento da educação
especial no salário-educação”, (FENAPAES, 1984a?58, p.10), que trata da possibilidade de
contratação de professores para atuarem diretamente nas instituições privado-filantrópicas de
educação especial, por meio das bolsas de estudos concedidas pelo governo com os recursos
do salário-educação (FENAPAES, 1984a?).
58
Algumas edições da revista Mensagem da Apae não têm data de publicação. Essa edição tem como referência
o Ano 12, nº 36.
98
O atendimento das pessoas com deficiência nas instituições especializadas nas Apaes,
assim como os subsídios públicos para o financiamento do atendimento desses sujeitos,
começou com a criação da primeira Apae no Rio de Janeiro em 1954. O atendimento era de
caráter local, municipal, para um público que não se encaixava na educação regular e estava
excluído do processo educacional.
atender uma população de excluídos na sociedade capitalista. Em 1974 foi criado o Ministério
da Previdência e Assistência Social (MPAS)59 e outros setores para o atendimento nessa área.
Portanto, “a atividade assistencial pública se realiza[va] através de complexa organização
estatal” (SPOSATI et al., 1985, p. 83).
Entre outros aspectos positivos, cabe ressaltar, desde logo, que a diretriz
adotada para o atendimento do excepcional, na área do Ministério da
Previdência e Assistência Social, oportuniza as seguintes vantagens: ao
robustecer o valor das subvenções sociais, a entidade filantrópica, [...]; cria
uma nova forma de atendimento, instituindo o pagamento de consultas
especializadas de avaliação e de orientação médico-social e psico-
pedagógica à família do excepcional, o que também amplia o campo de
participação das instituições convenentes ou contratadas (FENAPAES,
1978a?, p. 21).
De acordo com a matéria sobre o financiamento da assistência social, de um total de
254 entidades subvencionadas pelo INPS, 131 eram das Apaes espalhadas pelo Brasil e 47
destas estavam localizadas na região Sul, 70 na região Sudeste, nove na região Nordeste,
quatro na região Centro-Oeste e uma na região Norte.
59
Ver SPOSATI, Aldaíza de Oliveira et al. Assistência na trajetória nas políticas sociais brasileira: uma
questão em análise. São Paulo: Cortez, 1985.
60
Secretaria de Assistência Social.
101
Outro motivo de descontentamento divulgado pela revista dizia respeito aos recursos
para a educação. Segundo a matéria da edição nº 28, a reclamação se voltava para o “pífio”
recurso destinado às instituições das Apaes pela educação. Na seção “Carta do Presidente”, o
presidente da Fenapaes, Elpídio Neris, exemplificou com a Apae do Rio de Janeiro, que,
para atender 450 alunos durante um ano inteiro, recebeu para educação,
excluída a Previdência Social, entre projeto de cooperação técnica e
financeira, verba extra e do Fundo Nacional do Desenvolvimento da
Educação, a quantia global de Cr$ 4.190.000,00, correspondendo a uma
subvenção global anual per capita de Cr$ 9.310,55. Bem ponderada essa
situação, ver-se-á quão longe anda o Poder Público de dar um atendimento
condigno a essa massa imensa de brasileiros excluídos da igualdade de
61
Nesse período, o Brasil passava por um processo de hiperinflação relacionado ao aumento dos gastos públicos
durante o governo militar e ao endividamento externo. Já que o “milagre econômico” no período da ditadura
militar foi financiado por empréstimos internacionais. A partir de 1973, a economia brasileira passou a
apresentar taxas de inflação crescentes (ADVFN, 2017).
102
De acordo com o relatório, a Fenapaes pagava suas contas com dinheiro proveniente
das mensalidades cobradas das Apaes associadas e com recursos recebidos do poder público.
Foi apresentado como exemplo um projeto desenvolvido com o Ministério da Saúde:
“Recebemos uma verba de Cr$ 2.500.000,00, a qual foi distribuída entre cinqüenta APAEs
previamente selecionadas, segundo critério das vice-presidências62, cabendo a cada uma a
quantia de Cr$ 40.000,00” (PEREIRA, 1981a, p. 38). Mas, para a Federação, o valor
destinado foi de “Cr$ 500.000,00” para pagamento das “despesas administrativas de
supervisão, avaliação e materiais necessários” (PEREIRA, 1981a, p. 38). O presidente
afirmou que a Federação também ficava com uma porcentagem das doações recebidas pelas
Apaes de cada região do Brasil. Citando relato do tesoureiro, ele acentuou que “das doações
conseguidas pela 5ª Vice-Presidência63 recebemos a quantia de Cr$ 1.500.000,00”
(PEREIRA, 1981a, p. 38) ― valor bastante alto para instituições que reclamavam da falta de
recurso público.
A busca pelo recurso público foi recorrente nas matérias, com indicações de
documentos e regulamentações para o recebimento de verbas. Um exemplo é a matéria do
estado de Minas Gerais, publicada na edição nº 36, sobre o “enquadramento da educação
especial no salário educação” (FENAPAES, 1984a?, p.11). Nela foi explicado como as Apaes
mineiras conseguiram receber recursos a partir de solicitação à Secretaria de Estado de
Educação de Minas Gerais e dadas orientações sobre o procedimento a outras Apaes. Uma das
solicitações atendidas foi de “renovação automática das bolsas de estudos através de recursos
do Salário-Educação mantidas em 1984 [pela] DEMEC64/MG, com expansão e melhoria do
número de bolsas segundo normas do CEE e apoio da Diretoria de Educação Especial”
(FENAPAES, 1984a?, p.11).
62
As vice-presidências são regionais, eleitas em cada região.
63
Segundo a relação da diretoria da Federação (FENAPAES, 1981b), que foi eleita no X Congresso Nacional
para biênio 1981/1983, a 5ª vice-presidência ficou com a região Nordeste Ocidental.
64
Delegacia Regional do Ministério da Educação.
103
Os anos de 1970 e 1980 foram marcados pela busca de financiamento público, tanto
no campo da assistência social como no da educação, para garantir o atendimento dos alunos
com deficiência nas instituições privadas de caráter filantrópico-assistencial. Nesse período
foi feita uma série de reclamações de falta de recurso e manifestada a preocupação com a
garantia de permanência do atendimento nas Apaes, especialmente depois da promulgação da
Constituição Federal em 1988, que regulamenta o atendimento educacional especializado
preferencialmente na rede regular de ensino.
O veto do presidente Lula gerou várias manifestações dos representantes das Apaes;
Este valor está muito abaixo de nossas expectativas, até porque, durante as
negociações, a liderança do governo falava em um montante de R$ 50
milhões para o PAED e não de R$ 7 milhões, como aconteceu. Por estes
motivos, encampamos uma luta ainda mais obstinada pela inclusão definitiva
dos alunos das escolas de educação especial no FUNDEF. É por isso que
convocamos as entidades da área para uma mobilização nacional com o
objetivo de sensibilizar os parlamentares de todos os partidos políticos, que
representam seus Estados no Congresso Nacional, chamando sua atenção
para este descaso. É muito importante que vocês se pronunciem neste
momento, procurando deputados e senadores (particularmente aqueles que
fazem parte da base de apoio do governo, com ênfase aos parlamentares do
PT) e propondo que façam pronunciamentos e acompanhem as discussões
sobre este assunto no Congresso Nacional (SENADO, OF/CIRC/CWB/N.º
07/04, 2004 apud MORAES, 2011, p. 92).
O pronunciamento do senador Flávio Arns gerou várias manifestações de outros
parlamentares e a “justificativa apresentada para a incorporação dessas entidades filantrópicas
no programa de financiamento [Fundef] baseia-se no tipo de serviços prestados, considerados
de caráter público” (MORAES, 2011, p. 93). Desta forma, as instituições privado-
filantrópicas das Apaes seriam consideradas públicas não estatais. A partir das pressões
internas e externas foi aprovado a Medida Provisória e transformada na Lei Nº 10.845/2004,
que foi regulamentada pelo FNDE através da Resolução Nº 11/2004 e assim, as instituições
passaram a receber o recurso do Fundef (MORAES, 2011).
105
65
Os recursos do Fundef eram subsidiados pela arrecadação municipal e estadual, recursos dos impostos de
circulação de mercadorias e serviços, como também, sobre produtos industrializados.
106
A revista Mensagem da Apae não foi publicada em 2002, 2003 e 2004. Em 2005, na
edição nº 93, as indicações de recursos estavam relacionadas ao programa de autossustentação
da Fenapaes, tornando perceptível o reposicionamento da instituição em virtude dos
encaminhamentos das políticas de educação especial na perspectiva da educação inclusiva.
Para favorecer o processo de inclusão dos alunos da educação especial, de acordo com
a Resolução CNE/CEB nº 4/2009, a matrícula deve ser contabilizada duplamente, pelo Fundo
de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da
Educação (Fundeb), uma matrícula em escola do ensino regular e outra no AEE (BRASIL,
2009). E o Decreto nº 6.253, de 13 de novembro de 2007, que regulamenta o Fundeb,
possibilita que o AEE aos alunos da rede pública do ensino regular seja “oferecido pelos
sistemas públicos de ensino ou por instituições comunitárias, confessionais ou filantrópicas
sem fins lucrativos, com atuação exclusiva na educação especial, conveniadas com o Poder
Executivo competente” (BRASIL, 2007).
66
Cada estado deverá calcular o valor aluno/ano com base nos valores do fundo do estado dividido pelo número
de matrículas na rede de ensino, ponderadas pelos fatores definidos para esse segmento da educação (BRASIL,
2008b).
108
Quadro 3 – Financiamento público estatal ao AEE das instituições privado-filantrópicas - 2009 e 2012
Ano Recursos AEE - instituições Recursos educação TOTAL
conveniadas especial conveniadas
2009 - R$ 282.271.920,02 R$ 282.271.920,02
2010 R$ 8.731.156,35 R$ 284.510.279,51 R$ 293.241.435,86
2011 R$ 356.819.654,90 R$ 320.844.961,40 R$ 677.664.616,30
2012 R$ 516.056.144,41 R$ 325.825.270,91 R$ 841.881.415,32
Fonte: Brasil (2016)
Essa inferência é feita com base em ampla divulgação da Fenapaes por meio da revista
Mensagem da Apae, do trabalho pedagógico desenvolvido ao longo do tempo e da produção
dos materiais na área da educação. Na edição nº 1 de 2014, na matéria da Coordenação de
Educação e Ação Pedagógica, afirmava-se que as Apaes mantêm um compromisso com a
educação desde a implantação da primeira Apae, quando instalou “uma escola especial”
(FENAPAES, 2014a, p. 116).
A partir dos anos 2000, o recurso público de larga escala se consolidou com as
políticas de financiamento por projetos. Com o encaminhamento da Política Nacional de
Educação Especial na Perspectiva de Educação Inclusiva em 2008, a disputa passou a ser pelo
lugar de atendimento, pelo financiamento dos serviços das Apaes e pela organização do
atendimento educacional especializado.
O capítulo mostrou que, mesmo com as orientações das políticas de educação especial
na perspectiva de educação inclusiva, ou seja, de encaminhamento dos alunos público-alvo da
educação especial para a rede regular de ensino, o financiamento público continuou sendo
disponibilizado para as instituições privado-filantrópicas das Apaes, só que agora também
como prestadora de serviços no AEE.
E, afinal, quais foram os reposicionamentos feitos por essas instituições que
possibilitam a continuidade de recebimento de recursos públicos?
113
CAPÍTULO IV
Nos anos de 1960 e 1970 houve expansão das instituições das Apaes, com a criação de
mais de 500 unidades nesse período. Em 1962, pela iniciativa conjunta de 12 das 16 Apaes
existentes, foi criado, como órgão nacional, a Federação Nacional das Apaes para coordenar e
orientar o trabalho das Apaes (SILVA, 1995).
Em 1982, o presidente Elpídio Araújo Neris afirmou que “somos hoje a maior
organização comunitária e filantrópica nacional, já com 417 filiadas e cerca de 610 APAEs
organizadas” (NERIS, 1982b, p. 3), realçando que, “do número de pessoas atendidas
atualmente no País, as Apaes são responsáveis por cerca de 80 mil, equivalentes a mais de
50% de todo o atendimento nacional”. (NERIS, 1982b, p. 3).
Na divulgação deste último dado, o presidente Eduardo Barbosa afirmou que se sentia
orgulhoso por presidir por quatro anos a instituição: “Orgulhoso por ser a maior organização
67
Algumas edições da revista Mensagem da Apae não tem a data da publicação. Estamos inferindo o ano de
1983, em função de ser o ano 11, um ano depois da última edição de 1982.
115
68
Os dados foram retirados do site institucional da Fenapaes: ˂https://apaebrasil.org.br/˃
116
Analisando a figura 4, percebemos que 39% das Apaes estão localizadas na região
Sudeste e 35% na região Sul, totalizando 74% de Apaes nessas duas regiões, que têm o
Produto Interno Bruto (PIB)69 mais alto.
No documento Produto Interno Bruto (IBGE, 2015), consta que as regiões Sudeste e
Sul concentram o maior índice do PIB per capita, com valores de R$ 34.789,78 na Região
Sudeste e de R$ 30. 495,79 na Região Sul, enquanto na Região Norte o valor é de R$
17.213,00 e na Região Nordeste é de R$ 12. 954, 80.
A disseminação das Apaes se mostrou mais intensa exatamente nas regiões e unidades
da federação mais ricas do país e onde havia maior possibilidade de iniciativas públicas em
relação à educação especial.
69
O Produto Interno Bruto (PIB) é um dos indicadores mais utilizados na macroeconomia e tem como principal
objetivo mensurar a atividade econômica de determinada região. Representa a soma, em valores monetários, de
todos os bens e serviços produzidos durante um período específico de tempo (ano, semestre, trimestre ou mês).
O PIB per capita é calculado a partir da divisão do PIB pelo número de habitantes da região e indica quanto cada
habitante produziu em determinado período. (IBGE, 2016).
118
Figura 5 – Comparativo entre o número de Apaes nos municípios, estados e regiões no Brasil.
Fonte: Elaborado pela autora com base em dados da Fenapaes (2017a) e do IBGE (2017a)
Nesse estado, de acordo com a Sinopse do Censo Escolar de 2016 (INEP, 2016),
58.842 alunos com deficiência mental/intelectual e múltipla (público-alvo das Apaes) estavam
matriculados exclusivamente em instituições privadas de educação especial e apenas 31.786
no ensino público. No estado paranaense as instituições das Apaes têm autorização de
funcionamento como escola da educação básica. Isso quer dizer que, apesar de a Fenapaes
alardear seu apoio à inclusão, 65% desse alunado era atendido exclusivamente em instituições
especializadas, enquanto que apenas 35% frequentava o ensino público em 2016. Como as
119
Apaes no Paraná estão distribuídas por cerca de 80 % dos municípios, fica evidente que a
maioria esmagadora desses alunos estava nelas matriculada.
Fazendo a mesma análise em Minas Gerais, verificamos que dos 853 municípios,
somente 418 possuíam uma instituição da Apae ― menos de 50%. Portanto, nesse estado, a
meta da Fenapaes estava longe de ser alcançada. No estado mineiro, 34.921 alunos com
diagnóstico de deficiência mental/intelectual e múltipla estavam matriculados exclusivamente
em instituições privadas de educação especial e 65.454 alunos com essas características
estavam matriculados na educação básica. Diferentemente do Paraná, Minas Gerais,
registrava mais alunos matriculados no ensino regular do que nas instituições das Apaes.
A excelência das atividades desenvolvidas pelas Apaes foi propagandeada nas edições
da Mensagem da Apae por meio de matérias sobre os atendimentos nas instituições, que
tinham, em nossa opinião, como um dos principais objetivos, disseminar as experiências dos
atendimentos nas áreas da saúde, da educação e da assistência social, nas diferentes faixas
etárias, desde bebês, pela estimulação essencial, ao atendimento educacional, passando pela
educação profissional e as casas-lares.
A Apae com maior frequência de divulgação na revista foi a de São Paulo, com
matérias em diferentes áreas, tornando-se referência de atendimento para outras Apaes. A
instituição paulista se destacou com pesquisas no campo da saúde, como a identificação de
120
doenças metabólicas que resultou no teste do pezinho70, hoje obrigatório para os recém-
nascidos em todo Brasil, e o processo de avaliação diagnóstica e de atendimento
multidisciplinar como referência.
A unidade paulista foi mostrada como modelo a ser seguido pelas outras instituições.
Na área educacional, a divulgação deu ênfase ao atendimento em regime de semi-internato
com “atividades escolares especializadas”, casa de estar, oficina protegida, setor de recursos
pedagógicos e centro ocupacional, às moradias compartilhadas para pessoas em processo de
envelhecimento e com diagnóstico de deficiência mental/intelectual e múltipla com severos
comprometimentos e ao atendimento domiciliar. A estrutura física da Apae de São Paulo
também foi constantemente divulgada, como o espaço da Biblioteca da Apae e o Laboratório
(FENAPAES, 1975b).
70
O teste do pezinho faz parte dos exames de triagem neonatal oferecidos pelo Sistema Único de Saúde (SUS) e
é capaz de identificar doenças metabólicas, genéticas e infecciosas que podem interferir no desenvolvimento
físico, neurológico e motor dos bebês, como atrasos neuropsicomotores e mentais (BRASIL, 2018).
121
No mesmo ano (1986), na edição nº 43, foram expostos casos de atendimentos bem-
sucedidos de parceria com o poder público estatal. Um era relacionado à Apae de Curitiba
(PR) com ênfase ao transporte dos alunos da Apae fornecido pelo governo municipal e
inserido no Sistema Integrado de Transporte Escolar-Ensino Especial (Sites) (FENAPAES,
1986b).
Outros dois casos foram citados em matérias que destacaram o atendimento das Apaes
do Rio Grande do Sul em parceria com a Fundação Riograndense de Atendimento ao
Excepcional (Faers): uma intitulada “Deficiente é atendido no RS com pioneirismo”, na qual
a unidade de Porto Alegre foi apresentada como “instituto modelo [...] mantido pela
APAE/PA” (FENAPAES, 1986d, p. 38), e outra, com o título “Trabalho no campo em Caxias
do Sul”, que divulgou o trabalho com agricultura realizado na “chácara” da Apae de Caxias
do Sul (FENAPAES, 1986d).
As matérias ressaltaram experiências de atendimento das Apaes, salientando a
articulação com o poder público como de excelência, tanto na esfera municipal como na
estadual. Essa articulação foi demonstrada tanto nas matérias em relação ao Distrito Federal
como nas referentes ao Sul do país. Supomos que, baseados no entendimento de que havia
122
Nos anos 2000, a divulgação da Fenapaes passou a ser por diretrizes das áreas de
atendimento, como na matéria da edição nº 88, que noticiou as atividades de arte como parte
do “currículo escolar das APAEs” (FENAPAES, 2000a, p. 5), salientando que, “de acordo
com a realidade de cada APAE, localizadas em diversas regiões, acreditamos que a Arte deve
ser aprofundada especificamente” (FENAPAES, 2000a, p. 6).
Esse período foi marcado por uma reorganização na publicação das matérias. De
propagadora dos atendimentos das Apaes, de forma individual ou por estado, a revista se
tornou divulgadora das propostas por áreas de atendimento ― como forma de organização
dos serviços de educação, artes, educação física e educação e trabalho ― elaboradas pelas
coordenações técnicas de unificação dos serviços da própria federação.
Tal posicionamento foi confirmado em 2001, quando da publicação do documento
Apae educadora: a escola que buscamos (TIBOLA, 2001a), que organizou o atendimento na
área educacional de todas as instituições filiadas à Fenapaes como escolas especiais. O
71
Fontes (2017) usa o termo “interpenetração” para demonstrar a relação entre público e privado, de acordo com
o conceito de Estado Integral de Gramsci (1968).
72
A Apae de Jundiaí (SP) foi divulgada na matéria como a segunda Apae do Brasil, mas, segundo a Fenapaes, a
Apae de Brusque (SC) foi inaugurada em 1955 e depois a Apae de Volta Redonda (RJ) em 1956. A Apae de
Jundiaí foi inaugurada em 1957, antes da Apae de São Paulo, que foi inaugurada em 1961 (FENAPAES, 2008).
123
Isso indica que, mesmo com as proposições de encaminhamento dos alunos com
deficiência para o ensino regular, de acordo com as políticas de educação especial nesse
período, a Fenapaes propôs a permanência de atendimento educacional exclusivo nas
124
A adesão ao partido deve ser individual, por uma motivação interna, e a direção deve
inovar, mas essa “inovação não pode tornar-se de massa, em seus primeiros estágios, senão
por intermédio de uma elite, cuja concepção implícita em sua atividade humana já tenha
tornado, [...], consciência atual coerente e sistemática e vontade precisa e decidida”
(GRAMSCI, 1978, p. 23).
Ainda segundo Gramsci, (1968, p. 23), “um jornal (ou um grupo de jornais), uma
revista (ou grupo de revistas), são também êles ‘partidos’, ‘frações de partidos’ ou ‘funções de
um determinado partido’”. Nessa perspectiva, a revista Mensagem da Apae não se estabelece
como um partido, mas instrumento de difusão de ideias, de concepções, de excelência, assim
como a Universidade Corporativa da Rede Apae (Uniapae), são instrumentos do partido.
Os presidentes eram eleitos juntamente com uma diretoria executiva, cujos membros
eram escolhidos, levando-se em conta o seu envolvimento no movimento das Apaes e o seu
127
73
Em 2001, o deputado Flávio Arns deixou o PSDB e filiou-se ao Partido dos Trabalhadores (PT). Em
2009, retornou ao PSDB (MORAES, 2011).
129
A partir dos dados do quadro 4, percebemos que a maioria dos presidentes exerceu
mais de um mandato, com exceção dos dois primeiros, que cumpriram apenas uma gestão de
dois anos ― situação diametralmente oposta à do coronel José Cândido Maés Borba, que
ficou 10 anos à frente da diretoria executiva (de 1967 a 1977).
Depois da gestão do coronel José Cândido Maés Borba, os presidentes ficaram quatro
anos à frente da Fenapaes. Flávio Arns e Eduardo Luiz Barros Barbosa retornavam à
presidência, intercalando com outros mandatos, e, no mesmo período, foram eleitos para o
cargo de deputado federal.
Os perfis dos presidentes expressam de forma bastante clara os contextos políticos nos
quais as Apaes foi se inserindo ― razão pela qual dividimos as gestões em dois períodos: o
primeiro, desde a sua fundação até 1991, e o segundo, de 1991 até 2017.
Situação distinta à de José Cândido Maés Borba, natural do Rio de Janeiro, um dos
fundadores da Fenapaes e o terceiro presidente (1967-1977)77, permanecendo por dez anos na
presidência da instituição. Coronel do Exército Brasileiro e pai de uma pessoa com
deficiência, foi o segundo presidente da Campanha Nacional de Educação e Reabilitação de
Deficientes Mentais (Cademe), assim como o segundo presidente da Apae do Rio de Janeiro.
A sua permanência como presidente por 10 anos, apesar da restrição estatutária, exatamente
no período da ditatura civil-militar, evidencia que a eleição de um coronel do Exército para
assumir a Fenapaes, nesse período, foi de extrema importância para a sua consolidação e
75
Natural de São Paulo, foi o primeiro Presidente da Fenapaes (1963-1965), médico especializado em
radiologia, professor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e pioneiro em laboratórios por imagem na
capital paulista. Com um filho com síndrome de Down, foi um dos fundadores da Apae de São Paulo, da
Fenapaes, da Federação das Apaes do estado de São Paulo e da Federação Internacional. Casado com Jolinda
Garcia dos Santos Clemente, mais conhecida como Jô Clemente, o casal sempre foi bastante atuante no
movimento apaeano.
76
Antônio Simão dos Santos Figueira, natural do Recife (PE), representando a Apae do Recife, foi presidente da
Fenapaes em uma gestão. Formado em medicina pela Universidade do Rio de Janeiro, em 1931. Médico pediatra
e pai de um filho com deficiência. Foi professor da disciplina de Puericultura até a sua aposentadoria na
Universidade Federal de Pernambuco, presidente da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) e reitor da
Fundação de Ensino Superior de Pernambuco. Faleceu em 1995. (SBP, 2018).
77
Segundo dados extraídos da Mensagem da Apae, o coronel José Cândido Maes Borba ficou mais de dez anos
na presidência, terminando a sua gestão em 1979 e não em 1977.
131
expansão da entidade e, ao mesmo tempo, o autoritarismo com que eram tratadas as normas
estabelecidas.
Após esse período, assumiu a presidência o José Justino F. Alves Pereira78 (entre 1979
a 1981), natural de Minas Gerais, mas paranaense por opção, médico de formação e pai de
pessoa com deficiência. Em seguida, Elpídio Araújo Neris79 assumiu a Fenapaes no período
de 1981 a 1987. O sexto presidente da Fenapaes foi Nelson de Carvalho Seixas80, natural de
São Paulo, que permaneceu na presidência da Fenapaes de 1987 a 1991.
78
Justino Alves Pereira fez carreira política antes de se tornar presidente da Fenapaes. Como médico no
município de Ibiporã (PR), foi eleito vereador e, posteriormente, alcançou a suplência de deputado estadual
(1959). Foi secretário da Saúde do Paraná, no governo de Nei Braga (1961), quando se elegeu deputado estadual
(1963/1966) e deputado federal (1967/1970). Nas eleições de 1971 não conseguiu se reeleger, abandonando a
vida pública.
79
Natural do estado do Piauí, bacharel em direito, advogado aposentado pelo Banco do Brasil, diácono
consagrado da Igreja Batista, Elpídio de Araújo Néris foi um dos fundadores da Associação Brasileira de
Desporto dos Deficientes Mentais, vinculado à Fenapaes e membro do conselho consultivo da Fenapaes.
80
Nelson de Carvalho Seixas estudou medicina na Universidade de São Paulo (USP) e atuou como médico no
interior do estado de São Paulo. Importante político na região, foi vereador em São José do Rio Preto, deputado
federal por um mandato pelo PSDB, sendo este no mesmo período que presidiu a Fenapaes. Pai de dois filhos
com deficiência mental/intelectual, coordenou o Conselho Nacional de Saúde e foi secretário municipal de Saúde
em São José do Rio Preto. Foi criador da Apae Rural e um dos fundadores da Associação Brasileira para Estudos
Científicos da Deficiência Mental (ABDM).
132
Além dessa reestruturação, ocorrida entre 1993 e 1995, Flávio Arns deixou sua marca
no legislativo brasileiro, alardeada na matéria “Movimento apaeano sai fortalecido no
contexto político brasileiro”, que destacou a participação do deputado federal em diferentes
setores do governo federal, fortalecendo os encaminhamentos políticos para a Fenapaes.
81
Formado em letras pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC/PR) e em direito pela Universidade
Federal do Paraná (UFPR), mestre em letras pela UFPR e PhD pela Universidade de Northwestern (EUA) em
linguística e professor da UFPR. Depois do seu retorno do EUA em 1981, aproximou-se do movimento das
Apaes (LANNA JUNIOR, 2010). Atuou como diretor do Departamento de Educação Especial na Secretaria de
Educação do Estado do Paraná, na gestão do governador José Richa (1983 e 1990), ampliando o número de
instituições especializadas da Apae no estado. (LANNA JUNIOR, 2010). Iniciou sua carreira política legislativa
em 1991, como deputado federal pelo Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), e foi reeleito por três
mandatos, inclusive comandou simultaneamente a Fenapaes nos períodos de 1991 a 1995 e 1999 a 2001. Foi
presidente da Associação Brasileira de Desportos de Deficiência Mental (Abdem), membro do Conselho
Nacional de Direitos da Pessoa Portadora de Deficiência (Conade) e da Associação Nacional de Amigos da
Pastoral da Criança (Anapac). Foi senador, vice-governador do estado do Paraná, com o governador Beto Richa,
ambos do PSDB, secretário de Educação do Estado do Paraná e atualmente é secretário para Assuntos
Estratégicos no governo do estado do Paraná. (LANNA JUNIOR, 2010).
133
O primeiro presidente da Fenapaes que não tinha filhos com deficiência foi Eduardo
Luiz Barros Barbosa82, presidente em três gestões, de 1995 a 1999, de 2006 a 2008 e de 2009
a 2011. Durante suas gestões aconteceram os principais movimentos de reorganização
administrativa e financeira que culminaram com a estruturação da entidade nos moldes
empresariais.
Luiz Alberto Silva83, natural de Santa Catarina, foi presidente da Fenapaes em dois
mandatos, de 2001 a 2005. Com formação em administração de empresas, ele deu
continuidade à reestruturação iniciada por seus antecessores.
Entre 2011 e 2017 (dois mandatos), o cargo foi ocupado por Aracy Maria da Silva
Lêdo84. A dupla função dessa presidente, respondendo pela Fenapaes e, ao mesmo tempo,
pela Fundação de Articulação de Desenvolvimento das Políticas Públicas para Pessoas
Portadoras de Deficiência e Altas Habilidades no Rio Grande do Sul (Faders), conotava a
relação estreita entre o público e o privado. Contudo, não se levantou qualquer óbice
sustentado num possível favorecimento à entidade filantrópica que ela presidia.
Nessa breve apresentação dos presidentes da Fenapaes, podemos perceber
principalmente um ponto de convergência entre eles: o pertencimento à mesma classe social,
uma elite letrada que, de acordo com Jannuzzi e Caiado (2013), era formada por profissionais
liberais das áreas da saúde (a maioria médicos), do direito (advogados), da administração
(proprietário e administrador de escola privada que atende da educação infantil ao ensino
médio) e da educação (um professor de nível superior e uma professora que ocupou cargos
importantes na administração pública).
82
Médico de formação, iniciou carreira como médico voluntário na Apae de Pará de Minas (MG) em 1986 e
presidiu a instituição por vários mandatos. Fundou a Federação das APAES em Minas Gerais atuando na
presidência por cinco mandatos. Foi eleito como deputado federal por seis mandatos (de 1994 até hoje) pelo
PSDB, tendo como principal bandeira a defesa do movimento das Apaes. Foi vice-presidente, em 2001, da Liga
Internacional de Associações Para Pessoas com Deficiência Mental (atual Inclusion International) (ONU) e vice-
presidente da Assembleia Parlamentar Euro-Latino-Americana (Eurolat), de 2006 a 2010. Participou, em 2012,
do curso do Programa de Liderança Executiva em Desenvolvimento da Primeira Infância, na Universidade de
Harvard nos Estados Unidos. (BARBOSA, 2017).
83
Luiz Alberto Silva é empresário na área da educação, proprietário do Colégio Estimoarte em Florianópolis
(SC) desde 1980. Foi Presidente da Apae de Florianópolis de 1984 a 1990, presidente da Federação Estadual das
Apaes em Santa Catarina de 1990 a 1996 e presidente da Fundação Catarinense de Educação Especial, órgão
público na área da educação especial no Estado de Santa Catarina em 2010. Em 1998 se candidatou a deputado
federal pelo Partido Progressista Brasileiro (PPB), mas ficou no cargo de suplência. Utilizou, como nome de
campanha, Luiz Alberto da Apae (SILVA, 2017).
84
Natural da cidade de Bagé (RS), Aracy Maria da Silva Lêdo atuou na presidência da Federação Estadual das
Apaes do Rio Grande do Sul de 2006 a 2011, concomitantemente com a direção da Faders, sendo sua presidente
de 2004 a 2010. Em 2010 assumiu o cargo de assessora na Secretaria Municipal de Acessibilidade e Inclusão
Social (Seacis) de Porto Alegre, tornando-se secretária municipal em 2012 e atuando paralelamente na
presidência da Fenapaes (CÂMARA DE VEREADORES DE PORTO ALEGRE, 2016).
134
O primeiro grupo reúne os presidentes desde a gestão de Antonio dos Santos Clemente
Filho até a de Flávio Arns. Nele se encontram os precursores do movimento das Apaes que se
envolveram ativamente pelo vínculo afetivo familiar, pelo atendimento de seus filhos em uma
instituição que possibilitasse uma forma de esses sujeitos serem ativos na sociedade, já que
eram considerados, pela sua condição, improdutivos na sociedade capitalista.
A luta pela inserção social dos filhos com deficiência na sociedade, envolvendo uma
concepção vinculada à proteção (D’ANTINO, 2013), passou a ser pela manutenção das
instituições existentes e pela expansão e fortalecimento da Fenapaes como órgão nacional. O
135
objetivo inicial desse grupo era a busca de atendimento institucional para seus filhos com
deficiência, uma procura por atendimento escolar que o poder público não disponibilizava
(BUENO, 2011).
Nesse grupo, Flávio Arns chama atenção por uma peculiaridade: além de ser pai de
uma pessoa com deficiência, ele era professor universitário, foi secretário da Educação no
estado do Paraná e depois passou a fazer parte do movimento apaeano. Candidatou-se à vaga
de deputado federal, no mesmo ano em que assumiu a presidência da Fenapaes, e se elegeu.
Arns, de acordo com os documentos analisados, sempre esteve ligado a uma casta política
partidária.
Com base nas análises da revista Mensagem da Apae e da vida dos presidentes da
Fenapaes, estes passaram a assumir a função de intelectuais orgânicos na instituição, já que
tiveram papel determinante na organização institucional, na relação com o Estado, nos
encaminhamentos políticos e administrativos e nas proposições de organização dos serviços
prestados à população com diagnóstico de deficiência mental/intelectual e múltipla.
136
Desde a sua criação em 1962, a Fenapaes foi edificada como uma instituição cuja
“atuação se faria através de um organismo que reunisse as APAEs [...] para lhes dar força,
coerência e sentido único aos seus esforços” (FENAPAES, 1974, p. 16).
85
Antonio S. Clemente Filho foi professor de radiologia da Escola Paulista de Medicina e pai de um filho com
deficiência. Maria Lúcia V. Machado, foi funcionária do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e amiga
pessoal de Maria Amélia Vampré Xavier (Apae de São Paulo). Antônio Semas S. de Figueira foi presidente da
Fenapaes de 1965 a 1967. Almirante Henry Broadbent Hoyer, foi capitão-de-fragata da Marinha do Brasil, pai de
uma criança com Síndrome de Down e um dos fundadores da Apae do Rio de Janeiro. Laeta Rousselet era
diretora da Escola Nazareth (Apae de Porto Alegre). Casuhê Udiaha era professora, mãe de uma pessoa com
deficiência e representante da Apae de Londrina (PR). Pedro Jaimovich atuava como médico ginecologista.
Gilberto Silva Telles foi fazendeiro da região de Araras (SP) e participou da fundação da Apae de São Paulo e da
Apae de Araras (SP), junto com sua esposa, Ruth Ferreira da Silva Telles, pais de um filho com deficiência.
Thelmo Schilling foi presidente da Apae de São Leopoldo (RS). Luiz Nadalini era médico oftalmologista e
representante da Apae de São Paulo. Luiz Brandi era representante da Apae do Rio de Janeiro e coordenou o 1º
Congresso Nacional das Apaes. Rezende Puech era médico ortopedista e representante da Apae de São Paulo.
Nair Lemos Gonçalves foi professora da Universidade de São Paulo, advogada, defensora da participação das
pessoas com deficiência no mercado de trabalho. Olívia Pereira foi membro da Sociedade Pestalozzi (RJ),
psicóloga, professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro e da PUC-RJ. Militão Chaves era comerciante
de Natal (RN), pai de uma criança com deficiência e um dos fundadores da Apae de Natal.
137
Para Jannuzzi e Caiado (2013), o primeiro estatuto da federação chama a atenção pela
organização rigorosa com que se iniciou a instituição e também pela definição de a diretoria
ser constituída pela maioria de pais de excepcionais, “sendo o presidente obrigatoriamente pai
de excepcional (art. 9º, § 1º). [...] alterada em 1995, com a eleição de Eduardo Barbosa”
(JANNUZZI; CAIADO, 2013, p. 13).
Todas as Apaes passaram a seguir estatuto padronizado pela Fenapaes, que foi sendo
modificado conforme as mudanças na legislação brasileira (FENAPAES, 2005). As Apaes
tinham, também, regimento e documentação que possibilitam convênios com a esfera pública,
orientados pelo órgão nacional.
86
Essa edição da revista Mensagem da Apae não tem data definida; traz apenas as indicações nº 31, Ano 11.
Deduzimos a data de 1983 em função da sequência das edições e da continuidade na numeração.
139
unificação do estatuto, todas as unidades das Apaes foram orientadas de acordo com as
documentações necessárias para o estabelecimento de convênios com a esfera pública.
Essa perspectiva é reafirmada por Maia (apud JANNUZZI; CAIADO, 2013, p. 8),
para quem a expressão ajustamento social significa o “processo através do qual as relações se
harmonizam para um bom ambiente social. [...]. Essa conformidade contribui, então, para a
manutenção da ordem social”. O ajustamento surgiu, então, como forma de contenção social
de uma população desajustada aos padrões da época.
87
Retiramos o objetivo da Revista Mensagem da Apae, nº 1, Ano II de janeiro a março de 1964, mesmo estando
fora do período analisado.
140
Considerando que, quanto mais se fala em inclusão mais se exclui (FREITAS, 2002), e
que as políticas neoliberais incrementam a exclusão, concordamos com Ferraro (2005, p. 104)
quando ele afirma que “o que mais assombra é o cinismo com que se justifica a exclusão
social e se tranquiliza a consciência argumentando que isto é da natureza das coisas e, por
isso, inevitável”.
Para a Fenapaes, a discussão sobre a inclusão social era focal, de acordo com a política
neoliberal de consenso ativo, porque ela não incluía as relações de classe, não diferenciava os
alunos com deficiência mental/intelectual como se isso não afetasse a área da educação
especial.
A escola especial é uma instituição escolar que, no Brasil, foi criada com a
finalidade de prestar atendimento educacional especializado a alunos com
deficiência e, ao mesmo tempo, oferecer terapias e atendimentos
141
mudanças ao longo dos 42 anos analisados, optamos por descrever a organização do corpo
diretivo.
A partir de 1987, doze anos depois, além de criação de duas vice-presidências, uma de
assuntos internacionais e outra de educação física, esporte e lazer. Neste período, a ênfase
estava nas práticas desportivas e nas relações com entidades de educação especial no exterior.
Os cargos de secretário-geral e tesoureiro passaram a ser denominados diretor-secretário e
diretor-tesoureiro. Foram mantidos os vice-presidentes por região, o conselho fiscal e o cargo
de procurador geral.
Essa reformulação parece expressar, ainda mais, a centralização política nas mãos da
presidência, já que as demais funções, como diretorias de áreas, passaram a ser exercidas
pelos primeiro e segundo diretores secretários, primeiro e segundo diretores financeiros,
diretores para assuntos internacionais, além do coordenador de educação física, desporto e
lazer e do procurador geral, além dos cargos dos conselhos fiscal e administrativo
(representantes das Apaes regionais). Em 2005 foi introduzida na diretoria executiva a função
de autodefensores nacionais, representados por pessoas com deficiência mental/intelectual,
matriculados nas instituições das Apaes.
A ampliação dos quadros da Federação fica ainda mais evidente pela criação, nesse
período, da equipe técnica da Fenapaes, com secretário executivo e várias coordenações
gerais (de monitoramento, de articulação e promoção de políticas, de autodefensores, de apoio
143
88
De acordo com o Planejamento Estratégico da Fenapaes 2009-2011, a Uniapae foi criada em 2009 com o
objetivo de promover a formação de pais, amigos e técnicos envolvidos no movimento apaeano, com cursos na
área da educação especial e na área administrativa, como, por exemplo, o marco regulatório do terceiro setor,
elaboração de projetos e captação de recursos, capacitação em autogestão e autodefensoria e estimulação
precoce, na modalidade de ensino a distância (FENAPAES, 2009b).
144
89
O projeto Águia é um planejamento estratégico da Fenapaes, organizado em dois manuais e elaborado a partir
de uma consultoria especializada na área da administração, que define a organização das Fenapaes e das Apaes.
145
A partir desse primeiro plano em 1998, a sua reelaboração ficou a cargo de cada nova
diretoria executiva. Na gestão de Luiz Alberto Silva (2001 a 2005) na Fenapaes, o
planejamento estratégico de 2004-2005 não foi disponibilizado, mas, de acordo com matéria
publicada na edição nº 93, de 2005, da Mensagem da Apae, o presidente manteve o
planejamento de 1998 a 2003.
Uma das políticas que a Fenapaes entende como sendo prioritária e que
resulta, fundamentalmente, da ampliação da própria rede e de sua expressiva
capilaridade e diversidade, é a proposição de uma política que oriente a
qualificação técnica do Movimento, buscando evitar que a fragmentação das
ações e dos projetos, principal responsável pela falta de efetividade de
muitas iniciativas desenvolvidas (BARBOSA, 2009a, p. 16).
As modificações com base no Projeto Águia foram consideradas pelo presidente
Eduardo Barbosa como importantes para fortalecer o movimento apaeano: “Cada vez mais as
APAEs vêm se consolidando como maior movimento filantrópico do país, formando maior
rede de atendimento neste segmento” (BARBOSA, 1999d, p. 6). A palavra “rede” é utilizada
para indicar a modificação do movimento apaeano em busca de uma rede de atendimento do
sistema apaeano.
Com o “terceiro setor” propondo situar os projetos sociais fora da estrutura do Estado
e do mercado, com uma lógica ligada à solidariedade e à filantropia, o Estado repassa para as
instituições de diferentes segmentos sociais a responsabilidade pela gestão e implementação
dos direitos e das políticas sociais (COUTINHO, 2006).
A Fenapaes difundiu suas ideias, utilizando a Uniapae tanto pela Federação Nacional
como pelas federações estaduais, principalmente por cursos na modalidade a distância em
todo Brasil. Segundo a Coordenadora Geral de Articulação e Promoção de Políticas da
Federação Nacional das Apaes, a Universidade é produto de mudanças nas diretrizes políticas
da Rede Apae (FENAPAES, 2008b).
atualização contínua da Rede Apae, contribuir para intensificar o relacionamento das Apaes
com a sociedade, instituições governamentais e não-governamentais e o mercado, entre
outros. E como objetivo:
CONSIDERAÇÕES FINAIS
90
A gênese da educação especial brasileira no período imperial foi detalhada nesta tese no Cap. II, p. 54: “No
período imperial ocorreram as primeiras iniciativas em relação ao atendimento de crianças com deficiências com
a criação dos dois institutos imperiais destinados à educação de crianças surdas e cegas, no início da segunda
metade do século XIX, que permanecem como únicas até o início do século XX, com a criação e disseminação
de escolas especiais mantidas por instituições religiosas” (BUENO, 1993).
151
dessas contradições no Brasil, assume na educação especial, assim como em outras áreas da
política social, o caráter assistencialista” (BUENO, 1993, p. 139).
Assim, de forma mais tradicional, o núcleo central do discurso e das práticas dos
apaeanos se dirigia aos cidadãos, fundamentalmente, por meio de um apelo emocional
fortíssimo de “ajuda aos desvalidos”, com a tônica no papel exercido pelos pais e amigos, de
cuidado que essa população demandava. A imagem divulgada era “de ‘impotência’ produzida
e impressa no filho deficiente” (D’ANTINO, 2013, p. 67); por isso, toda a comunidade era
chamada a prestigiar os eventos promovidos pelas Apaes ― a exemplo da “Feira da
Bondade” e da “Feira da Esperança” ― em nome da solidariedade.
Embora, nas diversas unidades de atendimento, essa perspectiva se mantenha até hoje,
cabe lembrar que, a partir dos anos de 1990, esse apelo foi se configurando. Se antes ele
visava somente às contribuições individuais coletadas em feiras beneficentes, nessa época
conquistou apoio empresarial, o que oportunizou acordos com grandes empresas para realizar
campanhas de arrecadação de recursos.
As Apaes não tardaram a assumir os princípios do que chamamos de “nova
filantropia”, articulada a uma reorganização institucional voltada para a aquisição de uma
marca forte e a incorporação dos encaminhamentos do “terceiro setor”, com estratégias de
sustentabilidade, autonomia e independência institucional.
O que deve, neste momento final, ficar evidente é que, apesar de o discurso público
oficial de inserção dos alunos com deficiência na escola pública ― o que, até certo ponto,
criou relativo campo de disputa ―, a relação de complementariedade entre o serviço público e
91
Segundo Garrido (2015), somente em 2009 o número de matrículas de alunos com deficiência nas classes
comuns do ensino regular superou as das escolas e classes especiais (375.775 nas primeiras, contra 319.924 nas
últimas).
152
as instituições filantrópicas se fez sempre presente, na medida em que poder público, durante
todo esse período, apoiou essas instituições e incorporou a filantropia como um princípio a ser
valorizado.
Nesse processo, dividiu-se a população entre aqueles que, pela posição social,
privilegiada, usufruem dos direitos sociais (de saúde, de educação, de moradia), e os que
dependem de “ajuda aos desvalidos”. Na sociedade capitalista, o direito ao acesso às
condições básicas de cidadania foi sendo condicionado ao mercado, à produção, ou seja, a
cidadania é adquirida, como bem de consumo, cabendo, à filantropia, estimular a contribuição
social “daqueles que podem” para os que, por condições socioeconômicas adversas, “não
podem” (GARCIA, 1998).
discurso oficial da educação nacional, e assim, adequar a educação escolar das pessoas com
deficiência mental/intelectual e múltipla nas unidades das Apaes, garantindo a manutenção do
atendimento em instituições segregadas, o recebimento de financiamento público pela área da
educação e o reconhecimento das instituições como escola do sistema regular de ensino.
Esse movimento conseguiu, após várias negociações dos intelectuais da Fenapaes que
estavam dentro da sociedade política atuando como representantes das instituições, que
considerassem as matrículas nas instituições privado-filantrópicas da educação especial com o
mesmo peso das do ensino público, passando a usufruir da distribuição dos recursos, tanto do
Fundef92 quanto do Fundeb93, quando conveniadas com os municípios, o estado e o Distrito
Federal (BASSI, 2012).
92
O Fundef foi promulgado pela Lei nº 9.424, de 24 de dezembro de 1996 e pelo Decreto nº 2.264, de 27 de
junho de 1997.
93
Quando da promulgação da Lei Federal n. 11.494 de 20 de junho de 2007, que instituiu o referido Fundo, a
distribuição dos recursos proporcionalmente ao número de matrículas de alunos incluía não somente as redes
públicas estaduais e municipais, mas se estendia às “instituições comunitárias, confessionais ou filantrópicas sem
fins lucrativos, conveniadas com o poder público, com atuação exclusiva na modalidade”. (BRASIL, 2007, Cap.
III, Art. 8º, § 4º). No entanto, a essas instituições estava vedada a oferta de atendimento educacional
especializado, situação que rapidamente se reverteu com a promulgação do Decreto nº 6.253, de 13 de novembro
de 2007, que regulamentou a matrícula dos alunos com deficiência que frequentam a rede regular de ensino e o
AEE nas instituições filantrópicas. Em 2011, com o Decreto 7.611, de 17 de novembro de 2011, foi
regulamentado a dupla matrícula, contabilizando duas vezes o recurso do Fundeb para matrícula no ensino
regular e no AEE.
155
prestando serviços e recebendo pagamentos por eles, o que reconfigurou o apelo filantrópico,
a partir daí ancorado na excelência do atendimento oferecido.
Com isso, o movimento das Apaes se ajustou aos encaminhamentos políticos
expressados por uma política de privatizações e de publicizações que transferiu a execução de
serviços sociais para organizações não-governamentais passando eles a serem prestados pelo
“terceiro setor” (JANNUZZI; CAIADO, 2013).
A privatização na área da educação especial se consolidou desde a organização dos
serviços pelas entidades privadas, diferentemente do ensino regular que é organizado para o
mercado. Não é o lucro que permeia a privatização na educação especial, mas pela
manutenção da filantropia, da caridade e do financiamento público.
Quanto à reorganização da Fenapaes, evidenciamos o deslocamento do centro
decisório das unidades de atendimento espalhadas pelo país para a sua representante oficial, a
Fenapaes, que foi assumindo não somente o protagonismo político junto aos órgãos públicos e
à sociedade, como formuladora das políticas institucionais em relação ao público externo, mas
também a organização interna das unidades, configurando uma forte rede nacional sob os
auspícios, a coordenação e o controle da Federação.
As unidades das Apaes se expandiram por várias regiões do país, atualmente com mais
de 2.000 Apaes localizadas nos municípios, especialmente nos grandes centros e nas regiões
mais desenvolvidas, evidenciando a capilaridade institucional, a sua força política e social em
todas as regiões do Brasil.
A capilaridade política evidenciou o papel dos intelectuais orgânicos na organização
do movimento apaeano e na participação governamental, representados pelos presidentes da
Fenapaes ao longo dos 42 anos de análise. Uma participação decisiva na apropriação do
aparelho do Estado para defender os seus interesses, como forma de manutenção e ampliação
de privilégios. Uma relação de “interpenetração” (FONTES, 2017) tornando difícil distinguir
o setor público do setor privado no Estado Integral.
Desta forma, a Fenapaes como prestadora de serviços e detentora de um monopólio
institucional configurou-se, de acordo com o referencial teórico utilizado no estudo, como um
“partido” (GRAMSCI, ), assim como um aparelho privado de hegemonia, de difusão de suas
concepções de mundo, suas ideias e proposições, com uma estrutura de dirigentes (diretoria
executiva), de dirigidos (unidades das Apaes), instrumentos de difusão (revista, informativo,
relatório de atividades) e de formação de quadros de intelectuais (Uniapae).
156
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170
FONTES DOCUMENTAIS
ANEXO A – Roteiro de análise da imprensa periódica (CRUZ; PEIXOTO, 2007, p. 265- 267)
I. Identificação do Periódico
Título:
Subtítulo:
Datas-Limites da publicação:
Periodicidade:
Classificação na Instituição:
A. Projeto Gráfico
Propõe indagar sobre a organização e distribuição de conteúdos nas diversas partes
e seções no interior do periódico; as formas de hierarquização, relacionamento e ênfase
dos temas e conteúdos; a localização e extensão das seções e partes, as funções editoriais a
elas atribuídas e por elas desempenhadas assim como seus modos de articulação e
expressão:
Capas e Primeiras Páginas
Partes e Cadernos
Cadernos Especiais e Suplementos
Edições Comemorativas
Seções:
Colunas Fixas e Assinadas
Iconografia: ilustrações, charges, desenhos, gráficos
Manchetes, Legendas, Colunagem e Frisos
Anúncios e Publicidade
B. Produção e Distribuição
Propõe indagar sobre algumas outras dimensões da publicação relativas às suas
formas de produção e distribuição, pensadas como processo social e não meramente
técnico e que nos remetem aos grupos produtores, aos públicos leitores e às redes de
comunicação que aí se constituem. Os grupos produtores remetem às forças sociais que
conduzem a publicação e suas condições de produção. A análise das referências sobre
circulação e distribuição propõe a reflexão sobre públicos leitores e redes de comunicação.
B.1.Grupos Produtores
Proprietários, Diretores, redatores e colaboradores
Condições Técnicas: tecnologias de produção e impressão, organização da redação
e sucursais e serviços de apoio.
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