Avaliação Objetiva Na PC
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Artigo Original
paralisia cerebral
RESUMO
Objetivo: Investigar as principais manifestações disfágicas na avaliação clínica e objetiva da deglutição em crianças com paralisia
cerebral. Métodos: Estudo transversal com amostra de 50 crianças com paralisia cerebral. A coleta de dados consistiu na realização
das avaliações clínica fonoaudiológica e videoendoscópica da deglutição para a detecção das principais manifestações disfágicas
presentes nas fases preparatória oral, oral e faríngea da deglutição, em diferentes consistências alimentares e tipos de paralisia cere-
bral. Resultados: Não houve influência significativa da idade e do tipo de paralisia cerebral sobre a maior presença de manifestações
disfágicas. As principais manifestações disfágicas na avaliação clínica foram: escape anterior de líquidos (70%); tosse na deglutição
de líquidos (60%); diminuição da formação do bolo alimentar sólido (57,9%); presença de resíduos alimentares na cavidade oral após
a deglutição de sólidos (47,4%); aumento do trânsito oral de pastosos grossos (47,1%) e presença da voz molhada após a deglutição de
líquidos (30%). As principais manifestações disfágicas na avaliação objetiva foram: aumento do trânsito faríngeo de pastosos grossos
(79%); escape posterior de líquidos (77,5%); presença de resíduos alimentares nas estruturas faríngeas após a deglutição de pastosos
grossos (58,8%); penetração laríngea de líquidos (37,5%) e aspiração traqueal de líquidos (20%). A sensibilidade laríngea esteve
alterada em apenas 16% da amostra. Conclusão: As avaliações clínica e objetiva da deglutição são complementares e essenciais no
diagnóstico das disfagias orofaríngeas em crianças com paralisia cerebral.
optou-se por empregar os testes ANOVA e Igualdade de Duas Quanto às principais manifestações disfágicas na VED, em
Proporções, realizados mediante o software SPSS v16, consi- ordem decrescente de ocorrência, foram encontradas: aumento
derando o nível de significância p≤0,05. do trânsito faríngeo de pastosos grossos; escape posterior
de líquidos; presença de resíduos alimentares nas estruturas
RESULTADOS faríngeas após a deglutição de pastosos grossos; penetração
laríngea de líquidos e aspiração traqueal de líquidos antes,
Todas as crianças com PC (100% – 50/50) apresentaram durante ou após a deglutição (Tabela 2).
alguma manifestação disfágica durante a ACF e VED, sendo A alteração na sensibilidade laríngea foi observada em
considerado um dado significativo (p≤0,001). apenas 16% (8/50) das crianças com PC.
Utilizou-se o ANOVA na comparação entre as idades, em
meses, e a presença de manifestações disfágicas durante a ACF DISCUSSÃO
e VED. Constatou-se que não houve influência significativa
da idade influenciando na presença da disfagia orofaríngea A PC pode ser definida como uma encefalopatia crônica
em crianças com PC. não progressiva, porém mutável, que acarreta desordem do tô-
No que concerne à função de deglutição, não se observou nus postural e movimento decorrente de um comprometimento
diferença significativa entre o tipo de PC e a presença de ma- do cérebro imaturo. Pode ser classificada, de acordo com o
nifestações disfágicas nas avaliações. local da lesão e alteração de tônus muscular, em espástica,
Durante a ACF e VED, 80% (40/50) das crianças com PC atetóide, atáxica ou mista(8).
se alimentaram com líquido, 52% (26/50) com pastoso fino, Independentemente de sua classificação clínica, o desen-
34% (17/50) com pastoso grosso e 38% (19/50) com sólidos. volvimento neuropsicomotor da criança com PC acompanha
Ressalta-se que não foram administradas as consistências que alterações motoras globais e orais que manifestam transtornos
a criança não consome habitualmente. da deglutição, os quais são agravados na presença de retardo
As principais manifestações disfágicas na ACF, em ordem mental(9-11).
decrescente de ocorrência, foram: escape anterior de líqui- Tais alterações justificam a semelhança encontrada nas
dos; tosse antes, durante ou após a deglutição de líquidos; manifestações disfágicas nos dois grupos de PC, já que uma
diminuição da formação do bolo alimentar sólido; presença deglutição eficiente é dependente dos sistemas motores global
de resíduos alimentares na cavidade oral após a deglutição e oral(12,13). Outro aspecto que influenciou na não-significância
de sólidos; aumento do trânsito oral de pastosos grossos das diferenças entre o tipo de PC e o maior comprometimento
e presença da voz molhada após a deglutição de líquidos da deglutição foi o tamanho da amostra; porém, nos valores
(Tabela 1). brutos, verificou-se que as crianças com PC atetóide apresen-
Tabela 1. Manifestações disfágicas na avaliação clínica fonoaudiológica em crianças com paralisia cerebral
Líquida (n=40) Pastosa fina (n=26) Pastosa grossa (n=17) Sólida (n=19)
Manifestação disfágica
n (%) Valor de p n (%) Valor de p n (%) Valor de p n (%) Valor de p
Escape anterior 28 (70) <0,001* 18 (69,2) 0,006* 10 (58,8) 0,303 13 (68,4) 0,023*
Aumento do trânsito oral 12 (30) <0,001* 11 (42,3) 0,267 8 (47,1) 0,732 6 (31,6) 0,023*
Diminuição da formação do bolo
12 (30) <0,001* 11 (42,3) 0,267 9 (52,9) 0,732 11 (57,9) 0,330
alimentar
Resíduo alimentar 4 (10) <0,001* 5 (19,2) <0,001* 7 (41,2) 0,303 9 (47,4) 0,746
Tosse 24 (60) 0,074 10 (38,5) 0,096 6 (35,3) 0,086 6 (31,6) 0,023*
Voz molhada 12 (30) <0,001* 6 (23,1) <0,001* 5 (29,4) 0,016* 5 (26,3) 0,004*
* Valores significantes (p≤0,05) – Teste Igualdade de Duas Proporções
Tabela 2. Manifestações disfágicas na avaliação videoendoscópica da deglutição em crianças com paralisia cerebral
Líquida (n=40) Pastosa fina (n=26) Pastosa grossa (n=17) Sólida (n=19)
Manifestação disfágica
n (%) Valor de p n (%) Valor de p n (%) Valor de p n (%) Valor de p
Escape posterior 31 (77,5) <0,001* 18 (69,2) 0,006* 9 (52,9) 0,355 7 (36,8) 0,025*
Aumento do trânsito faríngeo 11 (27,5) <0,001* 13 (50) 0,279 13 (76,5) 0,009* 15 (79) 0,002*
Resíduo alimentar nas estruturas
6 (15) <0,001* 6 (23,1) <0,001* 10 (58,8) 0,790 11 (57,9) 0,330
faríngeas
Penetração laríngea 15 (37,5) <0,001* 6 (23,1) <0,001* 2 (11,7) <0,001* 1 (5,2) <0,001*
Aspiração traqueal 8 (20) <0,001* 3 (11,5) <0,001* 1 (5,9) <0,001* 1 (5,2) <0,001*
* Valores significantes (p≤0,05) – Teste Igualdade de Duas Proporções
taram menor quantidade de manifestações disfágicas nas duas considerada a mais indicada para o oferecimento à criança,
avaliações realizadas. em virtude das melhores informações sensoriais que esta
O escape anterior de líquido pode estar relacionado ao oferece(21,23,24).
vedamento labial ineficiente e às alterações sensoriais na A consistência sólida foi a menos consumida pelas crianças
cavidade oral(14). Destaca-se que estes achados influenciam deste estudo. Este fato deve ter ocorrido em razão da maior
no desempenho das estruturas orais responsáveis pela mani- exigência na manipulação, organização e formação do bolo
pulação, organização e ejeção do bolo alimentar, ocasionando alimentar e ao receio dos responsáveis em introduzir alimentos
o escape posterior de líquidos, o que pode resultar na entrada de texturas diferentes(21,25).
do alimento na via aérea desprotegida(14,15). Esses dados demonstram a hierarquia em relação às mani-
As alterações no tônus e na mobilidade de lábios, boche- festações disfágicas e às diferentes consistências alimentares,
chas e língua contribuíram para o aumento do trânsito oral e evidenciando a importância do estudo das disfagias mediante
para a diminuição da formação do bolo alimentar. Estudos(14-17) as avaliações clínica e objetiva da deglutição.
relatam que o tempo do trânsito oral, que é regulado na área Destaca-se o fato de que houve correlação entre as ava-
do córtex cerebral responsável pela movimentação voluntária, liações clínica e objetiva da deglutição, contribuindo para os
encontra-se aumentado em crianças com PC em razão das questionamentos referentes à presença de aspiração traqueal
desordens motoras e cognitivas que estas apresentam. silenciosa em crianças com PC, o que justificou a realização
As dificuldades na formação e ejeção do bolo alimentar da ACF associada à VED. Este estudo coincide com a lite-
para a faringe e a quebra da pressão intraoral favorecem a ratura(4,6,7,26), ao verificar que essas avaliações são comple-
presença de resíduos alimentares na cavidade oral após a deglu- mentares, sendo essenciais no estudo da disfagia orofaríngea
tição(18). Somadas aos prejuízos da musculatura faríngea, essas neurogênica.
alterações contribuem para o aumento do trânsito faríngeo e, Houve limitações referentes à dificuldade na cooperação da
consequentemente, para a presença de resíduos alimentares população para realizar a VED, em decorrência do incômodo
nas estruturas faríngeas de valéculas e recessos piriformes(18,19). gerado pelo exame às crianças com PC.
Indivíduos com disfagia orofaríngea neurogênica, frequen-
temente apresentam lentidão e falta de controle das estruturas CONCLUSÃO
orais relacionadas às fases oral e preparatória da deglutição,
fato que acarreta resíduos alimentares nas estruturas faríngeas, Independentemente do tipo de PC, ou da idade cronológica
manifestações disfágicas associadas à penetração laríngea e da criança, haverá manifestações disfágicas na dinâmica da
aspiração traqueal após a deglutição(14-21). deglutição.
A sensibilidade laríngea esteve presente na maioria das Quanto à administração das consistências alimentares e
crianças com PC, sendo considerado um achado positivo neste à presença de manifestações disfágicas, observou-se que o
estudo, em razão da possibilidade da ativação do mecanismo escape anterior e posterior do alimento; e a presença de sinais
de tosse reflexa, que favorece a limpeza da via aérea(22). clínicos de penetração laríngea e/ou de aspiração traqueal, es-
Quanto às consistências alimentares, os resultados de- tiveram associados com a consistência líquida. Em contrapar-
monstraram que as alterações mais associadas à consistência tida, as consistências pastosa grossa e sólida relacionaram-se
líquida foram o escape anterior e posterior do alimento, além com o aumento do trânsito oral e faríngeo, a diminuição da
da entrada de substâncias na via aérea. A presença de resíduos formação do bolo alimentar e a presença de resíduos após a
alimentares em cavidade oral e estruturas faríngeas, assim deglutição na cavidade oral e estruturas faríngeas.
como o aumento do trânsito oral e faríngeo, foram observados Conclui-se que são complementares e essenciais as avalia-
com maior frequência no aumento da consistência do bolo ções clínica fonoaudiológica e videoendoscópica da deglutição
alimentar. no diagnóstico das disfagias orofaríngeas, além auxiliarem no
Geralmente, as consistências líquidas e sólidas são as de prognóstico e processo terapêutico.
mais difícil controle pela criança com PC, sendo a pastosa
ABSTRACT
Purpose: To investigate the main manifestations of dysphagia in clinical and instrumental evaluation of swallowing in children
with cerebral palsy. Methods: Cross-sectional study of 50 children with cerebral palsy. The data collection consisted of clinical
speech-language pathology evaluation and fiberoptic endoscopic evaluation of swallowing for the detection of the main manifes-
tations of dysphagia present in oral preparatory, oral and pharyngeal phases of swallowing, with different food consistencies and
types of cerebral palsy. Results: There was no significant influence of age and type of cerebral palsy over the presence of dysphagia
manifestations. The main manifestations in the clinical evaluation were: anterior premature spillage for liquids (70%); cough during
swallowing of liquids (60%); decreased solid bolus formation (57.9%); presence of food residues on the oral cavity after deglutition
of solids (47.4%); extended oral transit of thick food (47.1%); and presence of wet voice after swallowing of liquids (30%). The main
manifestations of dysphagia in instrumental evaluation were: extended pharyngeal transit of thick food (79%); posterior premature
spillage for liquids (77.5%); presence of thick food residues on the pharyngeal cavity after swallowing (58.8%); laryngeal pene-
tration for liquids (37.5%), and tracheal aspiration for liquids (20%). Laryngeal sensibility was altered in only 16% of the sample.
Conclusion: Clinical and instrumental evaluations of swallowing are complementary and essential in the diagnosis of oropharyngeal
dysphagia in children with cerebral palsy.
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