TCC - Tamires Saldanha de Souza

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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

ESCOLA DE ENGENHARIA DE LORENA

TAMIRES SALDANHA DE SOUZA

Oportunidades e desafios da biotecnologia na transição agroecológica no


Cerrado: o caso da soja

Lorena, 2021.
TAMIRES SALDANHA DE SOUZA

Oportunidades e desafios da biotecnologia na transição agroecológica no


Cerrado: o caso da soja

Trabalho de Conclusão de Curso


apresentado à Escola de Engenharia de
Lorena como requisito da disciplina Trabalho
de Conclusão de Curso II do curso de
Engenharia Bioquímica.

Orientador: Prof. Dr. Elisson Romanel.


Coorientador: Prof. Dr. Júlio César dos
Santos.

Lorena, 2021

1
AUTORIZO A REPRODUÇÃO E DIVULGAÇÃO TOTAL OU PARCIAL DESTE
TRABALHO, POR QUALQUER MEIO CONVENCIONAL OU ELETRÔNICO, PARA
FINS DE ESTUDO E PESQUISA, DESDE QUE CITADA A FONTE.

Ficha catalográfica elaborada pelo Sistema


Automatizado da Escola de Engenharia de Lorena,
com os dados fornecidos pelo(a) autor(a)

2
ESTE EXEMPLAR CORRESPONDE A VERSÃO FINAL DO TRABALHO DE
CONCLUSÃO DE CURSO DA ALUNA TAMIRES SALDANHA DE SOUZA,
ORIENTADA PELO PROFESSOR ELISSON ROMANEL.

_________________________________________
ASSINATURA DO ORIENTADOR

3
DEDICATÓRIA

Dedicado este trabalho à Ecosfera e à biodiversidade, que por séculos foram


superexploradas pelo ser humano; à Natureza pela perfeição com que conduz a vida
e o universo; à juventude pelo potencial de mudança e às futuras gerações.

4
AGRADECIMENTOS

À minha família, mãe, pai, irmãos, tios, tias e avós, pela educação, carinho,
apoio, esforço e compreensão durante minha trajetória acadêmica e toda minha vida.

Aos meus amigos, pelo apoio, paciência e motivação nos momentos de


fragilidade e por tudo o que passamos juntos dentro e fora da academia.

Aos meus companheiros de quatro patas, Laika e Gato, pela serenidade


transmitida nos momentos de tensão.

Aos meus professores do ensino básico, pelos ensinamentos e por


desenvolverem em mim um senso crítico, racional que me permitiu criar meus próprios
valores. E por minha capacitação, que me permitiu ingressar em uma Universidade
pública de alta qualidade.

Ao Professor Júlio César dos Santos por disponibilizar voluntariamente seu


tempo para orientação neste trabalho e pelo conhecimento transmitido durante o curso
de Engenharia Bioquímica.

Ao Professor Elisson Romanel pela orientação e atenção neste trabalho e pelo


conhecimento transmitido durante o curso de Engenharia Bioquímica.

A todos que contribuíram de alguma forma para meu crescimento e processo


de formação acadêmica, obrigada.

5
“[...] O pensamento é a força criadora, irmão
O amanhã é ilusório
Porque ainda não existe
O hoje é real
É a realidade que você pode interferir
As oportunidades de mudança
'Tá no presente
Não espere o futuro mudar sua vida
Porque o futuro será a consequência do
presente
Parasita hoje
Um coitado amanhã
Corrida hoje
Vitória amanhã
Nunca esqueça disso, irmão [...]”
(Racionais MC’s)1

6
RESUMO

SOUZA, T. S. Oportunidades e desafios da transição agroecológica como agente


de adaptação e resiliência às mudanças climáticas no Cerrado. 2021. 93p.
Monografia (Trabalho de Conclusão de Curso) – Escola de Engenharia de Lorena,
Universidade de São Paulo. Lorena, 2021.

O presente trabalho abordou a contribuição brasileira para o aumento e redução das


emissões de gases do efeito estufa (GEE); para a redução da taxa de aquecimento
global; e, para a restauração ambiental (através de manejos agroecológicos, com
enfoque no Bioma Cerrado). Para o processo de transição, explorou-se as principais
biotecnologias brasileiras em sistemas de produção sustentável como forma de
identificar as melhores abordagens para uma transição agroecológica do sistema
agrário brasileiro. Ademais, foi realizado um levantamento das práticas insustentáveis
da agricultura moderna e os meios para reverter as consequências geradas (também
por meio da biotecnologia). Assim, foi proposta a sistematização da sustentabilidade
através da metodologia emergética e da análise de externalidades para que seja
possível tratar todas as dimensões da sustentabilidade de forma concisa, tornando a
análise holística. Concluiu-se que o fluxo de valor da agroindústria necessita ser
redesenhado a partir dos preceitos da ecologia e da sustentabilidade, a fim de
aumentar a resiliência e a adaptabilidade aos eventos climáticos e atingir as metas da
Agenda 2030. Ademais, para realizar a transição agroecológica e medir o grau de
sustentabilidade das atividades humanas, a metodologia emergética e a análise de
externalidades deverão ser empregadas.

Palavras-chave: Restauração ambiental, manejo agroecológico, Cerrado,


biotecnologia, sustentabilidade, transição agroecológica.

7
ABSTRACT

The follow research addressed the Brazilian contribution to the increase and reduction
of greenhouse gases emission (GEE); to reduce the rate of global warming and to
restore the environmental (through agroecological practices, focusing on Cerrado
Biome). For the transition process the main Brazilian biotechnologies in sustainable
production systems were explored as a way to identify the best approaches for an agro
ecological transition of the Brazilian agrarian system. In addition, a survey of
unsustainable practices of modern agriculture and the means to reverse the
consequences generated was carried out (also through biotechnology). Thus, it was
proposed the systematization of sustainability through the emergy methodology and
the analysis of externalities so that it is possible to deal with all dimensions of
sustainability in a concise way, making the entire analysis holistic. In conclusion the
agroindustry value stream must be redesigned in order to increase the adaptability,
resist to climate change events and achieve 2030 Agenda Goals - based on ecology
and sustainability concepts. Therefore, to measure the level of sustainability of human
activities, the emergy methodology and external analysis should be applied.

Kay-words: Environmental restoration, agroecological practices, Cerrado,


biotechnology, sustainability, agroecological transition.

8
LISTA DE SIGLAS

ABRAPA Associação Brasileira dos Produtores de Algodão


Aprosoja Associação Brasileira dos Produtores de Soja
Bt Bacillus thurigiensis
CBD Convenção sobre a Diversidade Biológica
CNA Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil
CTNBio Comissão Técnica Nacional de Biossegurança
CONAB Companhia Nacional de Abastecimento
DNA Deoxyribonucleic acid
EER Razão de intercâmbio de emergia
EIR Razão de emergia invertida
ELR Taxa de carga ambiental
EMBRAPA Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária
EYR Razão de rendimento emergético ou saldo emergético
F Retroalimentação da economia urbana
FBN Fixação biológica de nitrogênio
FP Florestas plantadas
GAAS Grupo Associado de Agricultura Sustentável
GEE Gases do efeito estufa
I Recursos da Natureza
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IDEC Instituto de Defesa do Consumidor
ILPF Integração lavoura-pecuária-floresta
INPE Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais
INPUT Iniciativa para o Uso da Terra
IPCC Intergovernmental Panel on Climate Change
M Materiais da economia
MAPA Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento

9
MATOPIBA Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia
MEC Ministério da Educação
MFV Mapa do fluxo de valor
MMA Ministério do Meio Ambiente
MO Matéria orgânica
N Recurso não renovável da Natureza
ODS Objetivos de Desenvolvimento Sustentável
OMG Organismos Geneticamente Modificados
ONU Organização das Nações Unidas
PDCA Plan, do, check, act
PGM Plantas Geneticamente Modificadas
Qp Energia potencial em um produto
R Recurso renovável da Natureza
Ren Renovabilidade
RPD Recuperação de pastagens degradadas
RR® Roundup Ready®
S Serviços
SAFs Sistemas agroflorestais
SBPC Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência
SPD Sistema de plantio direto
Tr Transformidade
TDA Tratamento de dejetos animais
USD, US$ Dólar americano
USP Universidade de São Paulo
Y Emergia total utilizada (∑ 𝑅, 𝑁, 𝑀, 𝑆)
YR Emergia renovável
WWF World Wide Fund for Nature

10
SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO......................................................................................................13
1.1 Objetivo geral.....................................................................................................19
1.2 Objetivo específico............................................................................................19
2 METODOLOGIA.....................................................................................................20
3 REVISÃO DA LITERATURA..................................................................................22
3.1 Bioma Cerrado, características geográficas, solo e flora..............................22

3.2 A expansão da soja e a Revolução Verde........................................................27

3.3 Biotecnologia aplicada à agricultura................................................................34

3.4 Agroecologia......................................................................................................39

3.5 Agroecologia e tendências biotecnológicas na agricultura tropical............49

4 RESULTADOS E DISCUSSÃO.............................................................................55
4.1 Contribuições da biotecnologia.......................................................................55

4.2 Aplicação da síntese em emergia em ecossistemas de Cerrado para a


transição agroecológica da sojicultura.................................................................67

5 CONCLUSÃO.........................................................................................................73
6 REFERÊNCIAS......................................................................................................78
ANEXOS....................................................................................................................88

11
Ecologia é um termo derivado do grego,
οικολογία (oikologia), formada a partir da
junção das palavras oikos e logia, que
significam, respectivamente, casa, mordia, lar
e estudo, reflexão, razão, lógica. Do mesmo
modo, economia, do grego, οικονοµία
(oikonomía) é formada pelas palavras oikos e
nomos, que significa administração,
organização, distribuição, portanto,
administração da casa.2
12
1 INTRODUÇÃO

A partir da Primeira Revolução Industrial, houve uma expansão desenfreada e


insustentável da extração de recursos naturais que está por trás dos inúmeros
problemas envolvendo o aumento do número de desastres naturais3 e o desequilíbrio
da Ecosfera.3,4,5 Entre os maiores agravantes desses problemas estão: a queima de
combustíveis fósseis, que contribui com a alta concentração de gases do efeito estufa
na Atmosfera; o desmatamento em virtude da agroindústria (impulsionada pelos
setores de energia, alimentos e fibras); poluições por produtos petroquímicos e a
erosão dos serviços ecológicos e da biodiversidade pela superexploração de recursos
naturais.6

Concomitante aos avanços tecnológicos e produtivos dos últimos séculos, a


temperatura média global cresceu sem precedentes (Figura 1). Na década de 1970,
as temperaturas anuais ultrapassaram a média mundial dos dois últimos séculos; o
início do novo milênio passou a ser recordista, com a temperatura média acrescida de
0,98°C. A curva de temperatura dos hemisférios, passaram a não sobrepor a partir
dos anos 2000,5 indicando o desequilíbrio ecológico causado pelas práticas
antropogênicas.

Figura 1 – Comportamento da temperatura global entre 1880 e 2020.

Fonte: NASA5, adaptado por Wikimedia Commons, 2018.


13
“Embora o clima tenha sempre variado de modo natural, a velocidade e a
intensidade observadas no aumento da temperatura nesse período são incompatíveis
com o tempo necessário à adaptação natural da biodiversidade e dos ecossistemas”. 7

Os recordes anuais da temperatura terrestre,5 foram acompanhados do


aumento da concentração de gases do efeito estufa na Atmosfera (Figura 2); sendo o
setor energético o maior poluidor, com 76,14% das emissões em 2017, seguido pela
agricultura, com 12,23%.4 Como maior contribuidor do aquecimento global, o setor
energético se vê obrigado a migrar para matrizes de energia limpa, ou livre de
qualquer poluição.8 Assim, como segundo maior contribuidor, a agroindústria deve
assumir sua parte na responsabilidade ambiental.

Figura 2 – Histórico de emissão de GEE em CO2e por setor no mundo, de 1990


a 2017.

Fonte: Climate Watch, 2021.9

Os principais GEE gerados pela agropecuária são os gases metano (CH 4),
carbônico (CO2) e o óxido nitroso (N2O),4,10 provenientes das fezes do gado, dos
alagados de arroz, do uso de fertilizantes químicos e da queima e decomposição de
biomassa,2 sendo absorvidos pela Ecosfera (Figura 3).

14
Figura 3 – Distribuição de gases liberados na Ecosfera.

Fonte: FRIEDLINGSTEIN, P. et al. Global carbon budget, 2019 apud PIVETTA, 2020.10

O Brasil ajuda a promover o ciclo da água no planeta, oferece serviços


ecológicos necessários para a estabilidade da vida na Terra e auxilia na regulação de
gases do efeito estuda (GEE) na Atmosfera.11 No entanto, somente o setor de uso da
terra e das florestas nacionais contribuiu com aproximadamente 75% das emissões
até 2010 (Figura 4); em 2018 este número caiu para 27,9%, uma redução de 65,36%
nas emissões do setor, que por sua vez, contribuiu substancialmente para a redução
de GEE desse setor no mundo, dada a influência da maior floresta tropical do
planeta.10

O gráfico de evolução das emissões de GEE por setor no Brasil (Figura 4),
mostra uma queda significativa das emissões entre 2010 e 2011. 9 Segundo o
Ministério do Meio Ambiente (MMA), o Cerrado é o segundo Bioma brasileiro em
emissões de GEE proveniente de desmatamento, depois da Amazônia. O Plano de
Prevenção e Controle do Desmatamento no Cerrado foi lançado em 2010, cinco anos
após o plano para a Amazônia; também foi instituído o Projeto de Monitoramento do
Desmatamento dos Biomas Brasileiros por Satélites (PMDBBS).12 Estas políticas
podem ter sido determinantes para a súbita redução nas emissões por “mudanças no
uso da terra”.

15
Comparando os gráficos das Figuras 2 e 4, observa-se que o perfil das
emissões de GEE brasileiras difere da mundial, com a agricultura liderando com 35%
das emissões gasosas do país e com o setor energético em segundo lugar, surgindo
a necessidade de entender o que faz com que a agricultura brasileira esteja em tal
posição. No geral, a emissão per capita do Brasil é próxima da mundial; entretanto o
setor agrícola apresenta uma lacuna quando comparado à média mundial (Figura 5).9
Esta lacuna pode ser uma oportunidade de investimento sustentável para o Brasil,
através dos créditos de carbono*.

Figura 4 – Evolução das emissões de GEE por setor no Brasil de 2000 a 2018.

Fonte: Climate Watch, 2021.9

_______________________
*Créditos de carbono: de acordo com o Artigo 12 do Protocolo de Quioto, cada tonelada de CO2e que
deixar de ser emitida ou for retirada da Atmosfera por um país em desenvolvimento, poderá ser
negociada no mercado mundial de créditos de carbono.7

16
Figura 5 – Evolução das emissões de GEE per capita pela agricultura no Brasil
e no mundo de 2000 a 2018.

Fonte: Climate Watch, 2021.9

As preocupações do milênio (alimentar uma população crescente de forma


sustentável e mitigar as mudanças climáticas) podem se tornar oportunidades para o
Brasil no mercado da sustentabilidade, dado o potencial agroecológico do país. Existe
um consenso crescente de que o domínio do atual regime alimentar não é viável e
construir um sistema produtivo sustentável é uma tarefa urgente.13 Neste contexto, o
Brasil comprometeu-se a assumir o papel de fornecer 40% da produção de alimentos
para as mais de 9 bilhões de pessoas até 2050.14 Além disso, o país já havia se
comprometido a reduzir, até 2025, 37% dos níveis de emissões de GEE abaixo do
nível de 2005 e 43% dos níveis de 2005 até 2030.15

Este trabalho foi motivado pelo senso de responsabilidade ambiental,


apoiando-se sobre o preceito do desenvolvimento sustentável. A Organização das
Nações Unidas (ONU) define o desenvolvimento sustentável como “aquele que
atende as necessidades do presente sem comprometer a possibilidade de que as
gerações futuras atendam suas próprias necessidades”.16 Acredita-se que para
promoção do desenvolvimento rural sustentável é necessária uma mudança de
valores por parte dos agricultores. Uma forma de realizar esta transformação é migrar
para sistemas agrícolas de base ecológica que valorizem e incluam os serviços
ecológicos nas contas econômicas.
17
Molina (2020)13 explica que há anos a engenharia ecológica enfrenta o desafio
de ampliar, em quantidade e escala, os sistemas agroecológicos. Sendo que, há
séculos, o arcabouço institucional submete os serviços e recursos naturais ao
interesse monetário.13,17 Segundo o autor, é necessário “construir um sistema
alimentar alternativo e enfrentar a hegemonia das corporações alimentícias”. 13

Para tanto, a união internacional de Estados dispostos a instaurar a


sustentabilidade global e garantir a segurança alimentar, tem sido o principal motor
para redesenhar o modelo socioeconômico. A ONU, por exemplo, é a principal
organização mundial comprometida a promover tais diálogos, através de inúmeros
eventos e acordos internacionais, como a Declaração de Estolcomo (1972), 18 a
Convenção sobre a Diversidade Biológica (1992),19 os Protocolos de Quioto (1997),20
de Cartagena (2000)21 e de Nagoya (2014)22 e o Acordo de Paris (2015),23 assinado
na 21ª Conferência das Partes.

Conforme o Acordo de Paris determina, é prioridade manter o aumento da


temperatura abaixo de 2 °C com relação aos níveis pré-industriais até 2025, o que
significa reduzir para 40Gton a emissão de gases do efeito estufa (GEE), aumentando
os esforços para limitar a 1,5 °C o aumento da temperatura até 2100. 23 Uma das
empreitadas mais recentes da Organização são os Objetivos de Desenvolvimento
Sustentável (ODS). Também criado em 2015, os 17 ODS compõem a agenda 2030,
sendo que, cinco estão diretamente ligadas a proposta deste trabalho (objetivos 2, 12,
13, 14 e 15, Figura 6).24

Figura 6 – Objetivos de desenvolvimento sustentável 2, 12, 13, 14 e 15.

Fonte: Plataforma agenda 2030.24

Entende-se que, para o desenvolvimento sustentável da agricultura, de modo


que esta possa ser uma ferramenta chave na restauração do equilíbrio climático e na

18
conservação de ecossistemas, é necessário realizar a transição agroecológica dos
meios de produção e reproduzi-lo em escala industrial. Como estratégia de
investigação das oportunidades para uma transição ecológica, o Bioma Cerrado foi
adotado como objeto de estudo, principalmente por seu potencial agrícola e sua
função no equilíbrio ecossistêmico brasileiro, conforme prioriza a Agenda 21.25

1.1 Objetivo Geral

Propor alternativas às tecnologias agrícolas prejudiciais ao meio ambiente.

1.2 Objetivos Específicos

✔ Identificar e sugerir biotecnologias inseridas na transição agroecológica;


✔ Propor métodos, pesquisas e soluções biotecnológicas plausíveis para
a transição ecológica em sistemas de sojicultura no Cerrado.

19
2 METODOLOGIA

Para assimilar o movimento geral da transformação dos sistemas agrários no


tempo e no espaço, foi necessária uma abordagem dinâmica capaz de expressar tais
mudanças sob a forma de uma “teoria da evolução e diferenciação dos sistemas
agrários”.26 Para tanto, foram estudados os aspectos históricos, ecológicos e
tecnológicos.

Pode-se pontuar o conjunto de formas locais, variáveis no espaço e no tempo,


para descrever um sistema agrário consolidado em determinada região e período, e
observar que são tão diversas quanto as próprias observações. Assim, obtém-se a
expressão teórica de um tipo de agricultura historicamente constituído e
geograficamente localizado.26 Tais considerações permitem analisar as tecnologias
agrícolas sob o ponto de vista ecológico. Portanto, para a proposta do trabalho, foi
necessário iniciar com uma investigação multidisciplinar, que empregou a seguinte
estratégia:

Etapa 1: Foi definido como objeto de estudo a transição agroecológica da


sojicultura no Bioma Cerrado, dada sua importância econômica, alimentar e ecológica
para o Planeta.

Etapa 2: Foi realizada uma revisão histórica da agricultura para a compreensão


das implicações da atividade sobre o equilíbrio ambiental. Estudou-se as tecnologias
agrícolas e seus impactos ambientais.

Etapa 3: Realizou-se a caracterização do ambiente, suas condições climáticas


e biodiversidade predominante do Bioma Cerrado. Foram estudadas as condições de
conservação da flora e fauna, características da cobertura vegetal e suas alterações
e características físico-químicas e microbiológicas do latossolo. A literatura consultada
se deu na plataforma digital do IBGE.

Etapa 4: Estudaram-se conceitos básicos de sistemas agrários genéricos e da


soja Roundup Ready® no Cerrado. Foram estudadas as características da cultura,
manejos empregados, tecnologias disponíveis, serviços ecológicos associados,
agrobiodiversidade requerida, recursos humanos, contexto socioambiental e políticas
20
envolvidas. A busca por literaturas pertinentes à sojicultura foi realizada nas
plataformas digitais da EMBRAPA, em relatórios de sustentabilidade de organizações
não governamentais e artigos publicados em revistas científicas.

Etapa 5: Estudaram-se conceitos básicos de ecologia e sustentabilidade com


a finalidade de (a) compreender os problemas gerados pelas práticas da agricultura
convencional e (b) aplicá-la à transição agroecológica da sojicultura no Cerrado. As
literaturas consultadas foram livros de ecologia, agricultura tropical e biotecnologia.

Etapa 6: Estudou-se a relação causa-efeito da subordinação dos aspectos


ecológicos à eficiência socioeconômica decorrentes da agricultura convencional. Com
base na revisão da literatura, identificaram-se oportunidades e desafios na integração
de biotecnologias agrícolas para a transição ecológica no Cerrado.

Etapa 7: Como guia para sustentabilidade no processo de transição


agroecológica da produção agrícola convencional, foram empregados os conceitos e
metas ratificadas pela ONU no Acordo de Paris e publicadas na Plataforma Agenda
2030.

Etapa 8: De forma geral, a busca por literaturas pertinentes foi realizada nas
plataformas digitais do Governo brasileiro e de organizações não governamentais,
sobretudo os relatórios da Organização das Nações Unidas (ONU); bases de dados
da Web of Science, Scopus e Google Acadêmico; diretamente nas revistas Science e
Nature e no acervo digital da Universidade de São Paulo (USP).

Etapa 9: O âmago do trabalho gerou uma discussão de duas etapas. A primeira,


entorno dos esforços brasileiros para adequação à agenda 2030 e propostas no
sentido de intensificá-los. A segunda foi guiada pelo estudo de caso que avaliou
sistemas de sojicultura através da metodologia emergética.

Etapa 10: Através da revisão da literatura e da discussão, os resultados


apresentados foram dispostos como inferências acerca da aplicação de
biotecnologias modernas e milenares na produção agroecológica. Os resultados se
apresentam, também, como indicações e sugestões para futuras investigações.

21
3 REVISÃO DA LITERATURA

Para fins de contextualização do tema abordado, uma série de definições e


conceitos foram estabelecidos. Tratou-se de uma revisão multidisciplinar, cujo
potencial biotecnológico se encontra dentro da economia da própria Natureza.

3.1 Bioma Cerrado, características geográficas, solo e flora

A distribuição territorial se deu pela definição dos biomas brasileiros e pela


cobertura e uso da terra, seguindo a definição do Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE).27

Bioma, palavra derivada do grego bio = vida e oma = sufixo que pressupõe
generalização (grupo, conjunto), deve ser entendido como a unidade biótica
de maior extensão geográfica, compreendendo várias comunidades em
diferentes estágios de evolução, porém denominada de acordo com o tipo de
vegetação dominante. Assim, na configuração do Mapa de Biomas do Brasil,
o conceito leva ao entendimento de que um bioma: a) Constitui um conjunto
de tipos de vegetação, identificável em escala regional, com suas flora e
fauna associadas; b) É definido pelas condições físicas predominantes, sejam
climáticas, litológicas, geomorfológicas, pedológicas, assim como uma
história evolutiva compartilhada; e c) É dotado de diversidade biológica
singular. (IBGE, 2019, p. 149)27

De forma geral, “os biomas são um primeiro recorte possível da


heterogeneidade da agricultura nacional em macroescala”. Os principais biomas do
mundo são Tundra, Taiga, Floresta Temperada, Floresta Tropical, Savana, Campo
(Pradaria ou Estepe) e Deserto. A Savana brasileira, conhecida como Cerrado, é o
segundo maior bioma do país, com mais de 2 milhões de km² (24% do território
nacional). Seu clima é predominantemente tropical quente subúmido, com uma
estação seca e outra chuvosa. Possui áreas limítrofes com a Caatinga, Amazônia,
Mata Atlântica e em menor extensão, com o Pantanal (Figura 7). Vale ressaltar que

22
há porções savânicas dentro da Amazônia que não pertencem ao Cerrado, são
consideradas áreas de transição entre os Biomas.28

Figura 7 – Distribuição geográfica dos Biomas brasileiros.

Fonte: IBGE, 2019.27

A geologia do Bioma Cerrado é a mais complexa e diversificada do país. Seu


relevo é distribuído em altitudes diferenciadas, constituindo unidades bem definidas
entre planaltos, depressões e planícies, sendo os planaltos de topo plano
predominantes no Bioma.27 Os compartimentos de relevo abrigam “muitas plantas
endêmicas, em ambientes muito sensíveis a impactos e de difícil regeneração” e não
apenas no Cerrado. Infelizmente, estes locais contêm aproximadamente 70% de área

23
plantada com soja.29 Segundo o censo agropecuário de 2017 realizado pelo IBGE a
explicação se encontra nas condições favoráveis ao plantio da commodity.

Essa distribuição se deve, principalmente, ao fato de ser uma commodity cujo


plantio está associado a condições da alta mecanização, cuja aplicação
necessita ser feita em áreas planas ou levemente onduladas. Soma-se a esse
fator a predominância de Latossolos nessas áreas, o que também favorece o
plantio, por sua profundidade e capacidade de retenção de água e nutrientes.
(IBGE, 2017, p.1 )30

Os solos do Cerrado em sua maioria, são bem drenados, distróficos, ácidos e


com altos teores de alumínio trocável (tóxico às plantas), típico de latossolos. Essa
classe de solo é pobre em cálcio, magnésio e potássio, que são frequentemente
lixiviados.31

Em documento produzido pela EMBRAPA (2009),32 Ana Mazzocato explica


que em condições de baixo pH, o Al3+ permanece ligado aos minerais de argila e são
dissolvidos, ficando disponível para as raízes, sendo que a presença de matéria
orgânica no solo minimiza a toxicidade do íon, bem como a correção de pH. A
intoxicação por alumínio causa redução das raízes, diminuindo sua produtividade, por
isso grande parte das plantas de Cerrado são tolerantes ao Al3+.33

Quanto à composição bacteriana, Maria Silva (2012)34 relatou 18 filos em solo


de Cerrado, entre os quais AD3, Acidobactérias, Actinobactérias, Bacterioidetes,
Chloroflexi, Firmicutes, Planctomycetes, Proteobactéria, Verrumicrobia e WSP-2
foram as mais abundantes, com frequência maior que 1%. As demais, foram
Armatimonadetes, Chlamydie, Elusimicrobia, Gemmatimonadetes, BRC1, TMG e
TM7. As amostras foram recolhidas ao longo de um ano, abrangendo as estações
chuvosa e seca e seus períodos de transição. A análise da comunidade bacteriana do
solo foi realizada por pirosequenciamento*.

_____________________

*Pirosequenciamento é um método de sequenciamento de DNA.

24
A análise da composição e estrutura bacteriana se deu em áreas nativas
(Reserva Ecológica do IBGE), áreas com invasão por gramíneas exóticas (Melinis
minutiflora) e nativas (Echinolaena) e em áreas convertidas a pastagem e plantio de
arbóreas (Paracatu, Minas Gerais). Os resultados indicaram alterações induzidas pela
adição de nutrientes, pela invasão biológica em áreas nativas, pela conversão em
pastagem e manejo e pela sazonalidade das chuvas.34

Para comunidades fúngicas, um estudo avaliou a influência da prática de


monoculturas de soja e algodão sobre a comunidade em solo do Cerrado no município
de Montividiu, Goiás. Foram identificadas 109 espécies de fungos pertencentes a 42
gêneros. Os mais abundantes foram Trichoderma ssp. e Fusarium solani, que
apresentaram uma espécie patogênica a plantas. Os solos de área nativa e os
cultivados apresentaram diferentes espécies predominantes; enquanto o solo não
cultivado apresentou espécies dos gêneros Penicillium e Absidia, os solos cultivados
apresentaram similaridade de espécies entre si e um número maior de fitopatógenos
e antagonistas. A área mais rica em espécies foi a cultivada com algodão. O estudo
concluiu que o elevado número de espécies de fungos em solos cultivados, indica que
o manejo adotado nos sistemas agrícolas da região contribui de forma positiva para a
manutenção da biodiversidade de fungos.35

Considerado o berço das águas, o Cerrado abriga os aquíferos subterrâneos


Bambuí, Urucuia e Guarani, sendo que, três das maiores bacias hidrográficas da
América do Sul (Tocantins-Araguaia, São Francisco e Prata) têm origem neste bioma.
Um serviço ecossistêmico importante para a regulação da umidade é a presença dos
aquíferos, que são abastecidos pelas águas infiltradas no Cerrado, contudo, sua
irrigação tem sido prejudicada em função das mudanças na cobertura vegetal desde
1970.11

Em áreas de chapadas, as plantas nativas costumam apresentar raízes


profundas e ramificadas o bastante para alcançar os aquíferos nas profundezas dos
latossolos.11 75% do Cerrado é recoberto por formações campestres de Savana, “um
estrato arbóreo sem dossel contínuo, acompanhado ou não de um estrado arbustivo,
e um herbáceo”,27 sendo que, a Savana Arborizada é a composição vegetal que
melhor reflete as condições ambientais predominantes. Ricas em espécies adaptadas

25
à seca e ao fogo, apresentam estrutura e funcionalidades que minimizam a perda de
água por evaporação (xenomórficas).27

O Cerrado é a savana com a maior biodiversidade do mundo. Foi estimado que


o Bioma possui 160 mil espécies de seres vivos, dos quais mais de 12 mil são plantas
(Figura 8), 90 mil insetos, 1578 espécies de animais terrestres (incluindo anfíbios),
1.000 espécies de peixe e 40mil espécies de fungos. Infelizmente, 266 espécies da
fauna e 637 da flora estão ameaçados de extinção, sendo que apenas 8,3% de seu
território é legalmente protegido.28

Figura 8 – Número de espécies da fauna e flora do Bioma Cerrado.

Fonte: Agência IGBE de notícias, 2014.29

As principais alterações decorrentes da intensificação da agricultura no Bioma,


foram a incorporação de gramíneas africanas do gênero Brachiaria nos campos de
pastagem e pelo plantio de soja. Diferentemente da cobertura vegetal nativa, as
culturas exógenas não possuem raízes profundas capazes de escoar a água das
chuvas para repor os aquíferos, fazendo com que o Cerrado fique cada vez mais
seco.11

26
3.2 A expansão da soja e a Revolução Verde

Originária do Leste da Ásia, as primeiras citações do grão aparecem no livro


Pen Ts'ao Kong Mu em aproximadamente 2.883 a.C.. O cruzamento entre duas
espécies de soja selvagens chamaram a atenção dos chineses, que iniciaram sua
domesticação em 600 anos a.C.. Era uma planta sagrada36 utilizada nas produções
de tofu, óleos e molhos.37 Segundo os registros, eram plantas rasteiras que cresciam
ao longo de rio Yangtse, no Norte da China, cujo processo de expansão para os
demais países asiáticos e para a Europa foi lento.36,37

Na Europa do século XVIII, pesquisadores iniciaram estudos com brotos de


soja para produção de óleo e nutriente animal. Apenas na segunda década do século
XX, após a Primeira Guerra Mundial, as indústrias passaram a ter interesse comercial
na soja.37 No Brasil, apesar dos registros de plantios de soja em 1882 na Bahia e em
1908 com os imigrantes japoneses,37 sua expansão no país começa em 1966, na
região Sul do país como cultura de verão, em sucessão ao trigo.36

A produção de suínos e ovinos no país, tornou a sojicultura uma necessidade


estratégia, dada a demanda por farelo de soja na nutrição animal. Conforme o
aumento do interesse mundial no grão, o Brasil passou a investir na “tropicalização”
da soja, impulsionada principalmente pela EMBRAPA,37 que, concomitante à
Revolução Verde, trouxe prosperidade à cultura.28 Assim, variedades de soja mais
adaptadas às condições de clima e solo tropical foram desenvolvidas com a finalidade
de tornar a região mais produtiva.28

Grande parte desta prosperidade ocorreu no Bioma Cerrado, que até meados
de 1960 tinha a economia baseada na agropecuária de subsistência, suportada pelas
pastagens nativas, desde a Era colonial. Naquela época, havia um paradigma que foi
desmantelado com a Revolução Verde. Os solos ácidos, profundos e de baixa
fertilidade, foram considerados por muito tempo, improdutivos, “somente árvores e
arbustos tortuosos poderiam sobreviver nesse tipo de solo com baixa aptidão
agrícola”. Ao superar essas dificuldades, o Cerrado se tornou o principal produtor de

27
grãos do país, destacando a soja, o milho, o algodão e o café; além dos grãos, é um
grande produtor de carne bovina e cana-de-açúcar. 28

De 1977 a 2000, foram conduzidos vários experimentos de campo, a pesquisa


constatou que foi possível produzir 3 toneladas/hectare (ton/ha) de soja e 6 ton/ha de
milho. Foram estabelecidos quantidades e procedimentos para aplicação de
fertilizantes e calcário em proporção suficiente para atender as necessidades das
culturas da forma mais eficiente possível. Edson Sano (2019), cita 5 ton/ha de calcário
na superfície do solo para correção de pH.28 Quanto as necessidades nutricionais da
soja, o elemento mais exigido pela soja é o nitrogênio, cuja absorção direta do solo é
de 25% a 35% e em maior proporção pela fixação biológica (65% a 85%). Em seguida
estão o potássio, o enxofre e o fósforo.38

A Figura 9 traz a ilustração do pesquisador aposentado da EMBRAPA, Doutor


Plínio de Souza, onde observa-se a evolução do plantio de soja no Brasil.28

Figura 9 – Evolução da distribuição aproximada do plantio de soja no Brasil nos


anos de 1960, 1975 e 2002.

Fonte: Dr. Plínio Itamar de Souza (apud Edson Sano, 2019). Dados não publicados.28

Segundo o Report 2014 da organização WWF, “a área total dedicada à soja


ocupa mais de 1 milhão de km², isso equivale à área total da França, Alemanha,
Bélgica e Holanda juntas”.39 A Tabela 1 apresenta os dados colhidos pelo Instituto
Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) e corrobora com a ilustração do Dr. Plínio de
Souza, apresentado anteriormente.

28
Tabela 1 – Dados do estudo do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais.

Área plantada
Safra Cultura Aumento (%)
(mi ha)
2000/2001 a 2013/2014 Soja, milho, algodão 9,33 para 17,4 87%
2000/2001 a 2013/2014 Soja 7,5 para 15,7 108%
2013/2014 Soja 16 NA*
*Não se aplica.
Fonte: Agrosatélite, 2015 (apud Edson Sano, 2019). Adaptado.28

O sucesso da soja no Brasil, inserido no contexto da Revolução Verde,


provocou a expansão insustentável da sojicultura brasileira. A difusão de gêneros
alimentícios de clima temperado para o ambiente tropical e subtropical; junto aos
insumos sintéticos; a substituição da mão de obra por máquinas de alto custo
energético (cuja fonte não é renovável); o maior controle de irrigação e drenagem; o
controle de pragas através de agrotóxicos e o desenvolvimento da biotecnologia
moderna, principalmente o melhoramento genético de plantas, caracterizaram a
Revolução Verde.26,40,41,42,43

O novo modelo agrícola passou a apresentar seus inconvenientes em apenas


20 anos de cultivo.41 Paulo Lopes e Keila Lopes (2011),44 resumem a agricultura
convencional da época à artificialização e simplificação dos agroecossistemas.

O novo sistema de cultivo adotado, conjugando apenas a melhoria da


fertilidade química do solo, o terraceamento e a semeadura em contorno
como práticas conservacionistas, desencadeou, num primeiro momento, a
sensação de um agronegócio promotor de desenvolvimento regional e, num
segundo momento, transformou-se na principal causa de degradação dos
solos. (MAPA; EMBRAPA, 2008, p. 1253)45

Entre as consequências observadas em função das práticas características da


Revolução Verde estão a compactação, erosão e salinização do solo; intoxicação
crônica e aguda dos trabalhadores rurais; contaminação dos solos e das águas por
fertilizantes químicos e agrotóxicos; emissão de gases do efeito estufa (GEE) por
fertilizantes nitrogenados; aparecimento de pragas resistentes aos agrotóxicos;
susceptibilidade e surgimento de novas pragas e aumento da dependência em relação
aos países mais ricos que detinham as tecnologias indispensáveis ao cultivo. 4,26,40,41,44

29
Essas implicações comprometeram as relações ecológicas em diversos
ecossistemas, fragilizando sua estabilidade, resiliência e adaptabilidade. 44

Bird (1988, apud Alan Matos, 2010)40 identificou as seguintes práticas


insustentáveis do modelo convencional proporcionado pela Revolução Verde:

a) utilização de soluções paliativas para problemas estruturais;


b) utilização de soluções universais para problemas específicos locais;
c) utilização de insumos externos e máquinas de alto custo energético;
d) subordinação dos aspectos ecológicos à eficiência econômica.

Atualmente, o interesse comercial na soja provém, sobretudo, da produção de


rações animais, também é empregada nas produções alimentícias, no setor de
cosméticos e biocombustível. Seus principais produtos são o farelo de soja, a lectina
e óleo vegetal. A contínua expansão da soja no país foi impulsionada principalmente
pelo aumento em 294% na produção de suínos, 353% na produção de ovos e 711%
na produção de frango entre 1967 a 2007. De 2000 a 2009, a China duplicou o
consumo da soja; segundo a projeção da FAO, espera-se um aumento de 515 milhões
de toneladas do grão até 2050.46

Segundo Edson Sano (2019)28, apesar do Cerrado ser o Bioma mais


desmatado (em termos de área absoluta) é também o único lugar do mundo capaz de
produzir a quantidade de alimentos e energia que produz, preservando
aproximadamente 50% do ecossistema. Esta resiliência torna a região um importante
polo agrário, capaz de fornecer grande parte dos alimentos requeridos para 2050.

A região do MATOPIBA (Figura 10), porção do Cerrado composta por áreas


dos estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia, é onde está a maior parte da
vegetação intacta, no entanto é a nova principal fronteira agrícola do Brasil.11 Metade
dos correntões* para desmatamento estão no MATOPIBA,28 o que torna urgente a
necessidade de intervenções políticas de cunho ambiental, de modo a promover o
avanço sustentável da nova fronteira.

__________________

*Os correntões são ligados às grandes máquinas de tração que atravessam a floresta derrubando as
arvores à frente.11

30
Figura 10 – Contas econômicas: uso da terra nos Biomas brasileiros Região
MATOPIBA 2000 e 2018.

Fonte: IBGE, 2018.47

No MATOPIBA a área de vegetação florestal e, em maior grau, a área


campestre, foram substituídas, sobretudo, por áreas agrícolas e de pastagem.47 Só
no Oeste do estado da Bahia, estima-se que entre 1993 e 2002 o plantio de soja tenha
aumentado de 380.000 ha para mais de 1 milhão de ha.46 No leste baiano, de 2000 a
2018, duas áreas de silvicultura dão espaço à agricultura, no entanto, observa-se
31
pequenas áreas de silvicultura no Centro-Oeste do estado e no Norte de Minas
Gerais.47 O registro mais atual da distribuição da soja no país foi realizado em 2017
pelo IBGE (Figura 11), de acordo com o Instituto, 70% da soja encontra-se em áreas
de planaltos e chapadas,30 compartimentos de relevo que abrigam grande parte da
flora nativa e endêmica do Cerrado e da Mata Atlântica.29

Figura 11 – Distribuição da soja nos compartimentos de relevo, 2017.

Fontes: IBGE, 2017.30

A contribuição total da agricultura no uso das terras do Cerrado passou de 17


mil km² em 2000 para 66 mil km² em 2018. Apesar da expansão das fronteiras

32
agrícolas no Cerrado, o saldo de mudanças de áreas naturais (Figura 12) fornecido
pelo IBGE, aponta significativa redução deste indicador.48 Contudo, é o segundo
bioma com o maior número de espécies “criticamente em perigo” (Figura 13).29

Figura 12 – Saldo de mudanças de áreas naturais nos Biomas brasileiros, entre


2010 e 2018.

Fonte: IBGE, 2020.48

De acordo com Caio Belandi, editor da Agência IBGE Notícias, os dados das
Contas de Ecossistemas “o Uso da Terra nos Biomas Brasileiros (2000-2018)”,
divulgados em setembro de 2020 (Figuras 8 e 9), apontam uma perda da cobertura
natural de 269,8 mil km² para a Amazônia e 152,7 mil km² para o Cerrado. Todos os
biomas tiveram saldo negativo, as coberturas florestais e campestres, por exemplo,
foram substituídas principalmente por áreas de pastagem com manejo, de 248,8 mil
km² em 2000 para 426,6 mil km² em 2018.48

33
Figura 13 – Estado da flora terrestre em 2014.

Fonte: IBGE, 2014.29

3.3 Biotecnologia aplicada à agricultura

Para Ralph W. F. Hardy (1985 p.99, apud José S. Silva, 1990, p.5),49
“biotecnologia é a tecnologia que torna possível o uso de sistemas biológicos como
um produto, como um processo ou como um serviço”. Esta definição serve de subsídio
para compreender a engenharia de sistemas biológicos e sua amplitude. A respeito
da biologia, Eugene P. Odum (2001)50 considera as seguintes divisões (Figura 14):

34
Figura 14 – O “bolo em camadas” da biologia, ilustrando as divisões básicas
(horizontais) e taxonômicas (verticais).

Fonte: Odum, 2001.50

De acordo com a figura, as divisões da biologia são tão diversas quanto suas
divisões taxonômicas. Alguns exemplos de sistemas biológicos são dados por Odum
(2001)50 (Figura 15).

Figura 15 – Espectro dos níveis de organização de sistemas biológicos.

Fonte: Odum, 2001.50

As biotecnologias em ascensão fornecem ferramentas para o desenvolvimento


da agricultura em sua totalidade. Em relação aos sistemas genéticos, uma empreitada
mais sustentável no emprego de herbicidas e pesticidas deu início à primeira geração
de plantas geneticamente modificadas (PMGs), através do aumento da tolerância ou

35
resistência a herbicidas, a doenças e pragas, como a soja e o milho Roundup Ready®
(RR®) e o milho e o algodão Bt.41,51

No Brasil, o cenário das tramitações do plantio de transgênicos foi polêmico e


caótico. Por um lado, grandes empresas de biotecnologia demonstravam interesse
em estabelecer políticas com o país; por outro, inúmeras instituições representantes
da sociedade civil e do meio ambiente opunham-se ao plantio de culturas
transgênicas no país. Tanto que, ainda em 1998, o Instituto de Defesa do
Consumidor (IDEC), o Greenpeace e a Sociedade Brasileira para o Progresso da
Ciência (SBPC), conseguiram uma liminar contra o pedido de cultivo comercial da
soja Roundup Ready® da Monsanto.51,52 Porém, em 2005, com a aprovação da nova
Lei de Biossegurança, houve a estabilização da situação legal dos organismos
geneticamente modificados (OGMs) no país (Figura 16).51,53

Nesta perspectiva, a EMBRAPA identificou a carência de resultados no tocante


à avaliação de riscos ambientais e segurança alimentar destes organismos. Desta
forma, assumiu para si o trabalho de dispor sobre protocolos de avaliação de riscos,
cuidadosamente elaborados e, oferecer padrões de estudos altamente confiáveis
através do projeto Rede de Biossegurança: Organismos Geneticamente Modificados
– BioSeg.54

Figura 16 – Aprovações de plantas transgênicas no Brasil

Fonte: Agroconsult, 2018.53


36
Desde então, a liberação de PGMs e sua área de plantio só aumentou. O
sucesso da tecnologia foi mundial. Em 2017 foram plantados 189,8 milhões de ha com
transgênicos, com domínio de quase 50% por soja (ANEXO A). 53 De toda soja
plantada em 1998 no Brasil, 6,1% foram transgênicas, enquanto em 2017 foram
92,3%. Este fato resultou no crescimento de 300% na produção de soja, enquanto a
área plantada cresceu apenas 170%;53 sendo que, a safra de 2019/2020 teve 84,2%
de toda área destinada à agricultura (7,6% do território brasileiro)55 ao cultivo de
PGMs.56,57 É importante ter em mente que apesar da soja RR® ter potencial prejudicial
ao meio ambiente, os benefícios financeiros permitiram a ascensão econômica do
país, bem como o importante papel na segurança alimentar mundial.

A soja RR® desenvolvida pela Companhia Monsanto em 1980 e comercializada


em 1996; possui material genético que permite seu crescimento sob a ação herbicida
do glifosato58 que, por sua vez, apresenta ação sistêmica de amplo espectro, sendo
considerado seletivo somente para culturas RR®, como as de soja e milho.51 A
proposta do cultivo da soja RR® foi a redução no volume de glifosato aplicado nas
lavouras da cultura.51,58

Outro transgênico largamente adotado no Brasil foi o milho-Bt, amplamente


resistente a pragas. Esta tecnologia emprega o gene da bactéria Bacillus thurigiensis,
capaz de produzir uma toxina que se instala no intestino dos lepidópteros (ordem de
insetos que inclui borboletas e mariposas) e coleópteros (inclui besouros e
joaninhas).59 O algodão Bt foi, também, uma das primeiras culturas transgênicas a
serem criadas. Isso se deu pelo algodão convencional ser uma planta extremamente
susceptível às pragas, de modo que, 25% de todos os inseticidas agrícolas do mundo
são consumidos na produção de algodão. Assim como a soja RR ®, a razão para
adoção do algodão Bt foi a promessa de um aumento de produtividade e redução do
uso de agrotóxicos, sendo a principal alternativa dos países em desenvolvimento
como opção mais sustentável.60

Conforme a regulação desta tecnologia em diferentes etapas da cadeia


produtiva, novos eventos foram aprovados no Brasil, entre 2005 e 2012, foram
aprovadas cerca de 40 PGMs. Das culturas liberadas pela CTNBio para uso comercial,
quase todas são resistentes a herbicidas, insetos e vírus; dos quase 100 eventos

37
transgênicos aprovados de 1998 a 2019, 17 foram de soja, 52 de milho, 22 de algodão,
cinco de cana-de-açúcar, um de feijão e um de eucalipto.61

Mais recentemente (2019-2021), a EMBRAPA Rondônia, motivada pela


previsão do IPCC para “diminuição das chuvas nas regiões Centro-Oeste, Nordeste e
Norte do Brasil, com aumento nos períodos de seca e na temperatura do ar nos
biomas da Amazônia, Cerrado e Caatinga”, criou cafeeiros voltados para mitigação
dos impactos causados pelas mudanças climáticas.62

Quanto a outras biotecnologias inseridas no contexto da transição


agroecológica, os bioinsumos estão em maior desenvolvimento no país. São divididos
em: produção de biofertilizantes; biopraguicidas; bioinseticidas; bioenergia;
bioestimulantes; fitormônios; reguladores de crescimento vegetal; inoculantes (vírus,
bactérias e fungos) e macrorganismos como polinizadores, parasitoides e ácaros
predados.63

“O bioinsumo que mais impacta economicamente a agricultura brasileira é o


inoculante à base de bactérias fixadoras de nitrogênio do gênero Bradyrhizobium na
soja.” Mais recentemente, inoculantes à base de Azospirillum (uma bactéria promotora
de crescimento vegetal), foi incorporada à inoculação simultânea com o
Bradyrhizobium em cultura de soja, em um processo chamado coinoculação, que
resulta em mais produtividade. O Azospirillum também pode ser coinoculado com
Rhizobium no feijoeiro ou sozinho em gramíneas como milho, trigo, arroz e pastagens.
Por fim, o custo-benefício do inoculante que substitui o fertilizante nitrogenado mineral
torna o uso deste agrotóxico inviável, pois, os resultados na economia anual são de
bilhões de dólares para o Brasil. 64

O desenvolvimento da indústria de bioinsumos (as biofábricas), juntamente


com a pesquisa pública-privada, proporcionou a geração de novas formulações que
deram ao produtor maior garantia de eficiência e segurança em seu uso. 64 De acordo
com Amélio Dall’Agnol e Marco Antonio Nogueira, pesquisados da EMBRAPA Soja:

O setor de bioinsumos movimenta perto de R$ 1.0 bilhão por ano no Brasil e


cresce a uma taxa anual superior a 10%. Entre 2015 e 2019, 40 novas
empresas produtoras de bioinsumos ingressaram no setor no país, que,

38
juntamente com as que já estavam operando antes de 2015, no final de 2019
totalizavam 80 biofábricas, indicando que mais da metade delas existem há
menos de 5 anos. O registro de novos produtos biológicos, por sua vez,
cresceu de apenas 3, em 2011 para 106, em 2018. (DALL’AGNOL,
NOGUEIRA, 2020, p. da web).64

Apesar da indústria de bioinsumos estar em crescimento, uma forte tendência


em agroecossistemas é a produção on farm, ou seja, a produção de bioinsumos dentro
da propriedade rural. Sobretudo para auto abastecimento, tornando a produção mais
diversificada (portando mais complexa) e reduzindo os custos com input externos.63
Um exemplo simples é o tratamento de dejetos animais, que além de contribuir para
a redução das emissões de metano, produz biofertilizante ou biogás, 65 reduzindo os
custos de produção.

Neste sentido, o espectro mais à direita dos biossistemas (Figura)50 é


contemplado. Utilizando-se dos conceitos de ecossistemas para produções agrícolas,
a biotecnologia envolvida tornou-se mais complexa.

3.4 Agroecologia

Os movimentos de agricultura alternativa (1920) que ajudaram a construir os


conceitos de agroecologia e sustentabilidade, estavam inseridos em um contexto de
pré-Revolução Verde e modernização agrícola. As consequências provenientes dos
modelos de produção da época, fez eclodir um movimento sociopolítico, que
posteriormente viria a ser definido como movimento agroecológico. É interessante
explanar que nos primeiros anos da contracultura*, os estudiosos dessa vertente
foram alvos de fortes críticas e rechaças. Foram tidos pelos agrônomos como inimigos
do progresso rural.39 Apesar da repressão pelos agrônomos, a importância e impacto
do movimento foi tanto, que um campo de estudo foi criado para estabelecer princípios
e práticas agroecológicas. 39,66,67,68

_____________________
*Contracultura: mentalidade dos que rejeitam e questionam valores e práticas da cultura dominante
da qual fazem parte.

39
Assim, para compreensão da agroecologia, adotou-se a seguinte definição de
ecologia fornecida por Eugene P. Odum (2001):50

Estudo das relações dos organismos ou grupos de organismos com o seu


ambiente, ou a ciência das interrelações que ligam os organismos vivos ao
seu ambiente. Uma vez que a ecologia se ocupa especialmente da biologia
de grupos de organismos e de processos funcionais na terra, no mar e na
água doce, está mais de harmonia com a moderna acepção definir a ecologia
como o estudo da estrutura e do funcionamento da natureza, considerando
que a humanidade é uma parte dela. (ODUM, 2001, p.4)50

Para Reiniger, Wizniewsky e Kaufmann (2017, p. 33),69 Stephen R. Gliessman


é um clássico da Agroecologia, uma de suas obras mais relevantes para a
compreensão dos agroecossistemas é “Agroecologia: processos ecológicos em
agricultura sustentável”, a obra apresenta um profundo estudo dos princípios da
sustentabilidade na agricultura. “O autor, ecólogo de formação, fundamenta seus
estudos na aproximação da agronomia à ecologia, levantando a bandeira da
ecologização das práticas agrícolas.”

O Marco Referencial em Agroecologia publicado em 2006 pela EMBRAPA, 70


apresenta uma reflexão sobre o conceito e definição de agroecologia, referenciado os
autores Miguel Alteri, Stephen Gliessman. Segundo a EMBRAPA:

Pela definição etimológica (agro + ecologia), a Agroecologia seria a “ecologia


dos sistemas agrícolas”, ou seja, o meio natural inerente a qualquer forma de
produção agrícola. A esta definição etimológica contrapomos outra, de
caráter humano: a Agroecologia como área de conhecimento social e
culturalmente construída. Nesse sentido, o (re)nascimento da Agroecologia
vem como resposta a situações objetivas e interesses convergentes hoje na
sociedade. O termo Agroecologia foi assim cunhado para demarcar um novo
foco de necessidades humanas, qual seja, o de orientar a agricultura à
sustentabilidade. (EMBRAPA, 2006, p.1)70

Numa perspectiva ampla, os princípios da agroecologia estão divididos em seis


dimensões (Figura 17). Todas as dimensões são igualmente importantes e
interdependentes. A base da pirâmide, composta das dimensões ecológica,
econômica e social, é responsável pela busca constante pela sustentabilidade na
agricultura; a cultura e a política são alicerces fundamentais que permitem o avanço

40
e sustentação da agroecologia; por fim, a dimensão ética é o compromisso com todos
os princípios e orienta as demais dimensões, influenciando-as diretamente.71

Figura 17 – Pirâmide multidimensional da sustentabilidade aplicada à


agroecologia.

Fonte: Caporal e Costabeber, 2004,71 adaptado por Reiniger, Wizniewsky e Kaufmann, 2017.69

Como não se pode definir a Dimensão Ecológica sem considerar as demais


Dimensões, “não importa quais sejam as estratégias para a intervenção técnica e o
planejamento do uso dos recursos naturais”, desde que a abordagem seja holística e
tenha enfoque sistêmico, “dando tratamento integral a todos os elementos do
agroecossistema que venham a ser impactados pela ação humana.” 71

Para o estudo, trabalhou-se com a dimensão ecológica isoladamente apenas


para seu desenvolvimento no plano teórico, pois na prática, não se pode analisar cada
ação sob uma única dimensão e esperar que o resultado seja de fato sustentável. 69
Assim, para uma abordagem mais eficiente da contribuição biológica e biotecnológica
nos processos de regulação da Ecosfera e da manutenção de agroecossistemas, os
serviços ecológicos estão divididos em:72

a) serviços de abastecimento: alimentos, fibra e água potável.


b) serviços de manutenção e regulação: controle de pragas, polinização e
depuração da água.
c) serviço de suporte: reciclo de nutrientes, solo e fotossíntese.
41
d) serviços culturais: recreação, turismo e estética.
Só é possível substituir as práticas de manejo convencionais por práticas
agroecológicas, dominando os conceitos de ecossistema, agroecossistema, suas
propriedades e processos. Assim, Eugene Odum 50 define o ecossistema:

Os organismos vivos e o seu ambiente inerte (abiótico) estão


inseparavelmente ligados e interagem entre si. Qualquer unidade que inclua
a totalidade dos organismos (isto é, a <<comunidade>>) de uma área
determinada interagindo com o ambiente físico por forma a que uma corrente
de energia conduza a uma estrutura trófica, a uma diversidade biótica e a
ciclos de materiais (isto é, troca de materiais entre as partes vivas e não vivas)
claramente definidos dentro do sistema é um sistema ecológico ou
ecossistema. (ODUM, 2001, p.11)50

No que diz respeito à produção agroecológica, empregou-se o conceito


oferecido por Gliessman (2002),73 que trata o agroecossistema como um local de
produção agrícola. O conceito de agroecossistema oferece uma referência para
analisar sistemas de produção de alimentos em sua totalidade, incluindo o complexo
conjunto de entradas e saídas e as interações entre suas partes.

Em suas considerações, Gliessman (2002),73 aborda o equilíbrio dinâmico e


estável de ecossistemas inseridos no espaço e no tempo, trazendo a perspectiva de
que as fronteiras do sistema ecológico podem ser arbitrariamente definidas, o que
permitiu a engenheira destes sistemas pelos seres humanos.74

Segundo a EMBRAPA (2006),70 “para que a agroecologia cumpra seu papel, é


necessário que produza mudanças na sociedade, colocando os alicerces para uma
gradual transformação das bases produtivas e sociais da agricultura.” Desta forma, a
transição agroecológica passou a ser um conceito associado à agroecologia, com
funções dentro e fora do sistema de produção. Sendo que, “não há necessidade de
filiar-se a uma ou outra escola de agricultura de base ecológica”, o importante é a
“opção ética por um meio ambiente equilibrado e por uma sociedade sem pobreza.” 70

Para a transição agroecológica, deve-se medir o grau de sustentabilidade da


produção no estado atual para então criar metas mensuráveis para a transição. A
criação e monitoramento dos indicadores de sustentabilidade das diferentes
dimensões só é possível considerando as leis do sistema natural, pois “é impossível
42
avaliar com os critérios de um subsistema econômico, o sistema que o contém
(sistema natural)”, sendo necessário fazer uso de uma unidade de medida do sistema
de maior dimensão para medir as contribuições dos subsistemas.75 Assim, apresenta-
se a metodologia emergética para a padronização métrica dos sistemas.

A metodologia emergética para avaliar o desempenho termodinâmico das


atividades humanas, foi desenvolvida por Howard T. Odum (1988),76 correspondendo
a uma visão sistêmica da relação Natureza-economia e permite determinar “o grau”
de uso de recursos renováveis nas atividades produtivas.75 Segundo Howard T. Odum
e Elisabeth C. Odum (2000, apud Miguel Bacic, et al., 2020)75

A metodologia emergética mede todas as contribuições (fluxo de massa,


energia, monetária e informação) em termos equivalentes (emergia solar) e
depois, agrega os fluxos conforme suas fontes (R: renovável, N: não-
renovável, M: material, S: serviços) e calcula os índices de emergia para
analisar o desempenho de sistemas; que podem ser ambientes preservados,
unidades rurais, pessoas, setores da economia, países e a Biosfera. Além da
capacidade de analisar um sistema em estado estacionário, a metodologia
emergética permite visualizar a variação de um sistema em longos períodos,
usando a técnica de modelagem e simulação. (BACIC, et al., 2020, p. 11)75

A metodologia empregada na análise comparativa, é embasada na Teoria


Geral dos Sistemas, na Ecologia e na Termodinâmica; os princípios de funcionamento
seguem as características de sistemas abertos e foram propostos por Odum (2001,
apud Miguel Bacic, et al., 2020):75

a) existe uma hierarquia universal de energia;


b) há a capacidade de autorregulação para avançar na evolução;
c) possui tendência a maximizar o fluxo de energia potencial disponível;
d) há formação de redes para aproveitar os recursos disponíveis;
e) existe um mecanismo de produção lenta de recursos e um fluxo frenético
de consumo;
f) há oscilação entre situações de riqueza e pobreza de recursos e de
modelos organizacionais: competição excludente e colaboração inclusiva.

Para melhor compreender a hierarquia de energia nos processos de


transformação energética de sistemas abertos (integrados), os fluxos e
43
transformações de energia são apresentados na Figura 18, em que, cada produtor é
responsável pelo consumo de uma parte da energia, por sua transformação e
transferência. As transformações emergéticas implicam na redução da energia
transferida (J) e no aumento de sua transformidade (sej/J), ou seja, o modelo
considera que uma energia de maior qualidade é disponibilizada para o próximo
consumidor à cada etapa. A energia de maior qualidade indica que mais processos
foram necessários para produzir aquela quantidade de energia, significando que o
“preço” para utilizar a fonte de energia produzida pela Natureza é maior. 76

O modelo supoem um sistema de retroalimentação em cada


produtor/consumidor, buscando operar a uma eficiência que disponibilize o máximo
de energia útil, pois a retroalimentação reforça as entradas energéticas minimizando
as perdas e melhorando a eficiência.77

44
Figura 18 – Hierarquia energética de transformação de energia com
retroalimentação e caminhos de reciclagem omitidos.

Fonte: Odum, 1988.76

(a) fluxo de energia em teia; (b) cadeia de transformação de energia formada pela agregação da teia;
(c) gráfico de fluxos de energia em cada estágio na hierarquia e (d) transformações solares para cada
nível na hierarquia.

Acrescentando a análise de externalidades, conforme Bacic, Ortega e


colaboradores (2020)75 sugerem, e, aplicando o método de Odum para definir as
45
contribuições (fluxo de massa, energia, monetária e informação) em termos de
emergia solar, tem-se o seguinte diagrama da Biosfera atual (Figura 19):

Figura 19 – Diagrama simplificado da Biosfera atual.

Fonte: Miguel Bacic, Enrique Ortega, José Gusman-Ferraz e Ana Beatriz dos Santos, 2020,
adaptado.75

Observa-se a presença de feedback negativo conferido pelos meios de


produção socioeconômico, consolidados pela industrialização das atividades
humanas.75 Essa concepção é essencial para analisar os avanços e retrocessos na
sustentabilidade de ecossistemas.

Sabe-se que a busca por indicadores capazes de retornar informações precisas


dos processos em consideração, deve ter em conta as unidades monetária, de tempo,
massa e energia, contemplando a integração do sistema socioeconômico ao sistema
de economia da Natureza e atendendo às necessidades impostas pela agenda 2030.
46
Assim, apesar de Lia Reiniger, José Wizniewksky e Marielen Kaufmann (2017) 69
apontarem fatores para definição dos indicadores, Caporal e Costabeber reforçam: 71

O maior desafio, entretanto, está em estabelecer indicadores que sejam


capazes de mostrar os avanços e/ou retrocessos nos níveis de
sustentabilidade relativa de um dado agroecossistema. Por suposto, isto nos
remete à necessidade de urgentes esforços de pesquisa para estabelecer
indicadores e metodologias para medi-los, e isso deveria ser feito nas
condições reais dos diferentes agroecossistemas. (CAPORAL E
COSTABEBER, 2004, p.111)71

Assim, para medir o desempenho de sistemas abertos, Odum (2000b, apud


Bacic et al. 2020)75 estabelece os seguintes índices de emergia:

a) transformidade (Tr): valor unitário de emergia. É o valor inverso da eficiência


ecossistêmica. Permite comparar o desempenho. A transformidade solar de
um recurso produzido por um sistema é obtida ao dividir a emergia total pela
energia do recurso produzido.

Tr = Y/Qp = Emergia utilizada / Energia potencial contida em um produto (1)

Esse indicador pode ser referido a um produto específico do sistema ou a


soma de diferentes produtos, incluindo coprodutos de impacto negativo
(externalidades negativas);

b) razão de rendimento emergético, ou saldo emergético (EYR): Revela qual


é o saldo líquido para a etapa seguinte da cadeia trófica e calcula-se:

EYR = Y/F = Emergia / Economia (2)

EYR = Y/F => (R+N+F) / F = 1+[(R+N)/F] = 1+(Natureza / economia) (3)

A razão de rendimento avalia a viabilidade das fontes de energia. Quando


o valor deste índice é próximo de um, significa que não há saldo de emergia
e por tanto, de sustentar uma cadeia de transformação;

c) renovabilidade (%Ren): Mede a proporção de recursos renováveis usados.


Avalia a independência do sistema em relação às fontes de energia não
renovável. Com os valores dos fluxos de emergia se pode calcular a razão
entre as emergias dos recursos renováveis do total de recursos;
47
%Ren = (R/Y)*100 => %Ren = (YR/Y)*100 (4)

d) razão de emergia invertida (EIR): Permite saber se os recursos da economia


“serão uma boa contrapartida” aos recursos naturais. Indica o quão
econômico é o processo estudado.

EIR = F/I = economia / Natureza = recursos comprados / recursos gratuitos (5)

e) carga ambiental (ELR): Mede o impacto sobre o meio ambiente. Indica a


proporção de emergia não renovável (N+F) em relação a emergia renovável
(R). Nesta fórmula, F é considerado como não renovável, pois F possui essa
característica na maioria dos países industrializados;

ELR = (N+F)/R = recursos não renováveis / recursos renováveis (6)

f) razão de intercâmbio de emergia (EER): é a proporção entre a emergia


cedida ao consumidor e a emergia recebida pelo produtor em uma
transação comercial.

EER = Y/[produção*preço*(emergia/USD)] (7)

É interessante notar que as nações desenvolvidas, ao comprar matérias-


primas de países em desenvolvimento pagam um preço muito menor pelo
produto recebido, pois a emergia do dinheiro recebido pelos vendedores é
muito menor que a emergia contida nas matérias-primas adquiridas por
seus compradores;

Onde:

R = recursos renováveis provenientes da biosfera, hidrosfera e os acúmulos internos


mobilizados pela biodiversidade (recursos renováveis indiretos);

N = fontes não renováveis da Natureza: erosão e destruição do capital biológico;

Contribuições da Natureza: I = R+N (8)

R = R1+R2 (9)

48
S = serviço da economia: forças sociais de origem local, regional, nacional ou
internacional, ou gastos para cuidar do impacto sobre o meio ambiente (valores pouco
quantificados);

M = materiais da economia;

F = retroalimentação da economia urbana;

Y = soma de R, N, M e S: emergia total utilizada.

3.5 Agroecologia e tendências biotecnológicas na agricultura tropical

Com a proximidade dos prazos das metas internacionais (do Acordo de Paris,
2015), o Agropensa junto da EMBRAPA (2018), lançaram a “VISÃO 2030 O Futuro da
Agricultura Brasileira”,15 que explora as “sete megatendências” em decorrência do
crescimento econômico e populacional e da maior longevidade (Figura 20).

Figura 20 – O futuro da agricultura brasileira: principais sinais e tendências em


cada megatendência.

49
Fonte: Agropensa, 2018.15

O desdobramento atribuído a cada megatendência, se dividem em outras sete


tendências, das quais:

Mudanças socioeconômicas e espaciais na agricultura: Dinamicidade


espacial da população e produção; produção e renda mais concentradas;
escassez de mão de obra no meio rural; concentração do processamento e
distribuição de alimentos; avanços em análises espaciais de uso da terra nos
biomas; ampliação da gestão territorial estratégica; expansão da
multifuncionalidade do meio rural.

Intensificação e sustentabilidade dos sistemas de produção agrícolas:


Expansão sustentável e sistêmica da agricultura; maior preservação dos
recursos naturais; crescimento da produção agrícola especializada; avanços
em adequação ambiental e em serviços agroambientais das propriedades
rurais; redução de perdas e desperdícios de alimentos; influência crescente
de acordos internacionais e marcos regulatórios; expansão dos incentivos à
diversidade produtiva animal e vegetal.

Clima: Elevação da temperatura média mundial; crescentes


vulnerabilidades; incremento do fomento em ciência & tecnologia; novas
tecnologias de adaptação e mitigação; sistemas agropecuários de baixa
emissão de carbono; aumento dos acordos e compromissos mundiais;
valoração da agricultura sustentável nas negociações internacionais.

Riscos na agricultura: Incertezas geopolíticas globais; aumento dos


riscos econômicos, sociais e ambientais; persistência de gargalos em
logística e armazenagem; maior pressão por sanidade agropecuária;
elevação dos riscos associados ao mercado e do ambiente de negócios;
gestão integrada de riscos em expansão, novas ferramentas de gestão de
risco.

Agregação de valor nas cadeias produtivas agrícolas: Uso mais


intenso da biodiversidade; crescente oportunidade para turismo, gastronomia
e produtos regionais; alimentos mais nutritivos e saudáveis; rastreabilidade,
rotulagem e certificação mais intensos; inovações em nanotecnologia,
biotecnologia e automação; avanços em bioeconomia; desenvolvimento de
novos materiais e bioprodutos.

Protagonismo dos consumidores: Plataformas digitais nas relações de


consumo; empoderamento individual; cocriação de produtos e serviços;

50
crescente preocupação com sustentabilidade e bem-estar animal; maior
demanda por praticidade e saudabilidade; aumento do consumo de produtos
orgânicos; crescimento de mercados especializados e de nichos.

Convergência tecnológica e de conhecimentos na agricultura: Novos


arranjos institucionais em ecossistemas de inovação; inovações em biologia
sintética e engenharia genética; análises sistêmicas via bioinformática;
ampliação do compartilhamento de dados; automação e robotização;
transformação digital mais intensa no uso de tecnologia informação e
comunicação, acelerado desenvolvimento de inteligência cognitiva
computacional e da internet das coisas. (MAPA; EMBRAPA, 2018, p. 151) 15

Segundo a publicação da EMBRAPA “Visão 2030”, o Brasil investe em


processos de intensificação sustentável, “com destaque para o Plano Setorial de
Mitigação e de Adaptação à Mudança do Clima para a Consolidação de uma
Economia de Baixa Emissão de Carbono na Agricultura (Plano ABC)”, vinculado ao
MAPA. Os esforços do Ministério estão direcionados para a recuperação de
pastagens degradadas (RPD); integração de lavoura-pecuária-floresta (ILPF) e
sistemas agroflorestais (SAFs); sistema de plantio direto (SPD), fixação biológica de
nitrogênio (FBN); florestas plantadas (FP) e tratamento de dejetos animais (TDA).15

Os principais indicadores do Plano ABC são: a) área de pastagem recuperada;


b) área implantada com ILPF e SAFs; c) área manejada sob SPD; d) área cultivada
com FBN; e) área implantada com florestas; f) volume de biogás processado; g)
volume de metano utilizado na geração de energia; h) energia elétrica gerada a partir
do uso de biogás; i) ações de adaptação de plantas e de sistemas produtivos e, j) área
com ações de adaptação nas regiões mapeadas.78

O plano setorial de mitigação e de adaptação às mudanças climáticas para a


consolidação de uma economia de baixa emissão de carbono na agricultura dispõe
da operação do plano ABC e seu monitoramento. O plano de operacionalização foi
finalizado em 2020 e os resultados publicados pela Agroicone e pela Iniciativa para o
Uso da Terra (INPUT) (Tabela 2).65

51
Tabela 2 – Resumo dos resultados do plano de operacionalização de Plano
ABC.

Meta Resultado
Ações do Plano ABC Mitigação em g CO2 eq
(mi de ha) (mi de ha)

RPD (2010-2017) 15,0 10,44 39,57 a 57,52


ILPF (2010-2016) 4,0 5,83 22,10 a 36,40
SPD (2010-2017) 8,0 12,72 23,28
FBN (2010-2017) 5,5 10,64 17,98 a 19,47
FP (2010-2018) 3,0 0,784 26,05 a 26,59
TDA (2010-2019) 4,4 mi de m³ 38,3 mi de m³ 391,20
Fonte: Rodrigo Lima, Leila Harfuch e Gustavo Palauro, 2020, adaptado. 65

O documento produzido prevê ainda, propostas para uma nova fase do Plano
ABC 2021-2030, mencionando a intensificação das práticas de sistemas de produção
orgânico, agroflorestal, integrados e regenerativos; incentivo à polinização em culturas
de grão, frutas e outras; recomposição vegetal nativa; uso de insumos biológicos e
manejo integrado de pragas; adoção de culturas de diversificação e cobertura do solo
e adubação verde. Além das práticas ABC, constam estratégias para o monitoramento
do programa; assistência técnica e extensão rural; regionalização e governança
Federal e Estadual; promover a agropecuária de baixo carbono; financiamento e
integração de instituições e organizações.65

A EMBRAPA, por meio da EMBRAPA Rondônia, 79 EMBRAPA Agropecuária


Oeste80, EMBRAPA Agrossilvipastoril,81 EMBRAPA Gado e Corte82 até a EMBRAPA
Pesca e Aquicultura,83 têm promovido pesquisas e projetos incentivando a integração
lavoura-pecuária-floresta (ILPF, Figura 21).

A segundo a Empresa Brasileira, a ILPF:

Trata-se de uma estratégia de produção agropecuária que integra diferentes


sistemas produtivos, agrícolas, pecuários e florestais dentro de uma mesma
área. Pode ser feita em cultivo consorciado, em sucessão ou em rotação, de
forma que haja benefício mútuo para todas as atividades. (EMBRAPA, web)84

52
Figura 21 – Sistemas de produção integrada.

Fonte: EMBRAPA.84

Em uma de suas páginas na web “Tema”, no espaço temático da Integração


Lavoura-Pecuária-Floresta, a EMBRAPA escreve:

Se não bastassem todos os benefícios mencionados, os sistemas ILPF são


ambientalmente corretos. Ao possibilitarem maior produção em um mesmo
espaço, eles reduzem a pressão pela abertura de novas áreas e pelo
desmatamento. Além disso, é um sistema produtivo que ou tem de baixa
emissão líquida de gases causadores de efeito estufa, ou que sequestra
carbono, contribuindo para reduzir o aquecimento global. (EMBRAPA, web)84

No que se refere ao plantio agroecológico, os produtos orgânicos são os que


melhor representam a atividade no país, e, por possuírem uma legislação que
estabelece os critérios de produção e processamento85,86 e requerem certificação para
reconhecimento legal do produto,87 a contabilização destas propriedades as tornam
representativas e fiéis ao modelo agroecológico. Ainda assim, os últimos três anos
(2017 a 2019) da pesquisa (Figura 22) não apresentaram aumento significativo no
número de produtores certificados, embora o registro de produtores orgânicos tenha
crescido 33,5% de 2012 a 2019 e a sustentabilidade tenha se intensificado.88

53
Figura 22 – Número de produtores orgânicos cadastrados no Ministério da
Agricultura.

Fonte: MAPA, 2019 apud Débora Brito, Coordenação geral de Comunicação do MAPA, 2019. 88

Existe um estigma popular de que a produção orgânica é mais cara e menos


produtiva, apesar desta percepção errônea, o agricultor Rogério Vian mostrou que a
produção de soja orgânica em grandes quantidades é possível e mais barata. O
presidente do Grupo Associado de Agricultura Sustentável (GAAS), realizou a
transição de sua produção (convencional) para o sistema orgânico, o processo de
retirada total de agrotóxicos durou nove anos. Dos 12 anos de produção orgânica no
interior de Goiás, o agricultor relembrou que o primeiro ano de produção orgânica
rendeu 28 sacas por ha e conta que em 2020 a colheita rendeu 60 sacas por ha,
equivalente a uma produção convencional, cujo tratamento químico aumenta em 26%
o custo em relação ao orgânico. Ainda, “o custo da produção convencional é de
R$ 3.500 por hectare. Na produção orgânica, o meu custo ficou em R$ 2.000 por
hectare”, afirma.89
Algumas das práticas utilizadas pelo agricultor orgânico são o emprego de pó
de rocha como nutriente; controle integrado de pragas, com utilização de enxada
rotativa para o controle de ervas daninhas; para proteção contra insetos, Rogério
emprega uma mistura de sulfato de cobre, cal e água (calda bordalesa) e
microrganismos cultivados por ele,89 constituindo um conjunto de práticas milenares.

54
4 DISCUSSÃO

4.1 Contribuição da biotecnologia

De modo geral, o desenvolvimento da agroecologia como ferramenta


biotecnológica, permitiu ao ser humano acessar as informações da Natureza
necessárias ao desenvolvimento sustentável. Conforme a investigação, identificou-se
diferentes frentes de estudo que buscam o desenvolvimento sustentável, as mais
relevantes para aplicação em território rural nacional estão organizadas na Tabela 3.

Tabela 3 – Relação das tecnologias de maior potencial agroecológico para o


desenvolvimento sustentável brasileiro.

Área de
Tecnologia Valor agregado à produção
conhecimento
a) Saberes empíricos; a) Controle alternativo de pragas
1 - Cultural (repelentes naturais); misturas nutritivas
com rochas minerais;
a) Bioprocessos; a) Desenvolvimento de bioprodutos
(bioinsumos, bioenergia); eficiência
nutricional e energética;
b) Biorremediação; b) Benefício indireto, combate à
poluição, conservação dos serviços e
recursos do solo, da água e dos
minerais;
c) Melhoramento genético; c) Produtividade, qualidade nutricional,
fármacos;
d) Indicadores biológicos; d) Qualidade, biossegurança, eficiência,
2 - Biologia e sustentabilidade, gerenciamento e
Ecologia tomada de decisão;
e) Integração de bioprocessos e) Redução de input e custo;
(bioprodução on farm); valorização dos processos ecológicos;

f) Design de f) Eficiência, sustentabilidade e


agroecossistemas; biossegurança;

g) Indicadores ecológicos; g) Qualidade, eficiência,


sustentabilidade, gerenciamento,
tomada de decisão;

55
Área de
Tecnologia Valor agregado à produção
conhecimento

a) Opções de microrganismos
a) Bioprocessos; eficientes; FBN; coinoculação; fixação
de GEE no solo e nas plantas;

b) Suporte, resiliência, controle


b) Relações ecossistêmicas
fitossanitário, manutenção das
e metabolismos;
3 - Ciência dos condições básicas;
solos c) Qualidade, eficiência,
c) Indicadores bioquímicos; sustentabilidade, gerenciamento,
tomada de decisão;

d) Adaptabilidade, resiliência,
d) Transição ecológica; sustentabilidade e conservação dos
serviços e recursos do solo;

a) Design de a) Eficiência, sustentabilidade e


agroecossistemas; biossegurança;

b) Manutenção; b) Bom funcionamento do sistema;

4 - Engenharia
c) Melhoria contínua, produtividade,
c) Otimização;
eficiência;

d) Automação; d) Eficiência;

a) Banco de dados integrados,


informação, gerenciamento e
a) Bigdata;
tomada de decisão;
5 - Sistemas de b) Agilidade do fluxo de informação,
b) Inteligência artificial;
informação descentralização das tomadas de
decisão;
c) Internet das coisas*.
c) Segurança no armazenamento
de dados;
Fonte: Elaboração própria.

Alguns dos desdobramentos tecnológicos das áreas do conhecimento


identificadas na Tabela 3 foram considerados para avaliação de seu potencial
agroecológico e estão dispostos nas seguintes alíneas:

56
a) solos;

Vários serviços ecológicos de suporte e manutenção estão relacionados aos


ecossistemas do solo, responsáveis pelo desenvolvimento das plantas e da micro e
macrobiota. De acordo com Guilherme e colaboradores (2019), 28 o solo é material
biologicamente ativo e representa uma parte vital dos ecossistemas:

O solo – o meio principal para o crescimento das plantas – é uma camada de


material biologicamente ativo, resultante de transformações complexas que
envolvem o intemperismo de rochas e minerais, a ciclagem de nutrientes e a
produção e decomposição de biomassa. (GUILHERME; LOPES; SIQUEIRA,
2019, p. 207).28

Portanto, o estudo das propriedades bioquímicas e microbiológicas do solo,


permite a compreensão dos mecanismos metabólicos que promovem tais serviços, e
sua relação com a composição química da Atmosfera90 em um Planeta de mudanças
ambientais.

Estudos como os de González e colaboradores (2021),91 revelam as inúmeras


interações bacterianas com raízes de diferentes culturas e suas funções, permitindo
desenvolver plantações mais resistentes, com estratégias de biofortificação e
abordagens de sequestro de carbono. A descoberta possui também aplicações
potenciais em nutrição vegetal e humana e na qualidade e segurança alimentar.

Além disso, o conjunto solo-vegetação é capaz de armazenar 30% dos gases


liberados na Ecosfera,10 desta forma, a busca por compreender a utilização destes
gases pelas plantas pode ser uma estratégia crucial para o aproveitamento dos GEE
e para nutrição das plantas em solos com baixa matéria orgânica, como os do
Cerrado.

Em sua pesquisa, Salas-Gonzales (et al., 2021)91 revelaram que estratégias


baseadas na microbiota para controle da suberização* de raízes representa uma
oportunidade de criar plantações mais resilientes. Eles descobriram que as barreiras
de difusão da raiz influenciam a composição da microbiota da rizosfera que,
reciprocamente influencia a função da barreira de difusão da raiz e, determinaram que
a suberização da endoderme, é importante para a adaptação da planta a meios

57
praticamente estéreis e com baixa quantidade de nutrientes, como é o caso do
Cerrado.28 Segundo os autores do artigo:

No geral, as bactérias com flexibilidade metabólica para usar fontes de


energia orgânica e inorgânica provavelmente têm uma vantagem seletiva em
ambientes de solo. Na maioria dos solos, o carbono orgânico é o principal
fator que limita o crescimento microbiano; isso reflete a variabilidade espaço-
temporal inerente na disponibilidade de carbono orgânico dos solos, junto
com a recalcitrância de muitos polímeros orgânicos e a intensa competição
por compostos mais degradáveis. Assim, a capacidade de consumir fontes
alternativas de energia é provavelmente crítica para a adaptação e resiliência
de muitos táxons. H2 e CO são compostos ideais a este respeito, uma vez
que estão prontamente disponíveis em fontes atmosféricas e edáficas; da
mesma forma, seu alto conteúdo de energia, baixa energia de ativação e
difusibilidade em células microbianas tornam esses gases confiáveis para
persistência. (BAY; DONG; BRADLEY, et al., 2021, p. 250)90

Esta estratégia pode contribuir com a produtividade das plantações no Cerrado,


pois a baixa quantidade de MO representa um fator limitante tanto para a agricultura
convencional, como para a exploração de seu potencial agroecológico. Para contornar
essas limitações de forma sustentável, pode-se fazer uso da metagenômica** para
compreensão de suas propriedades biológicas e interações ecológicas, tal qual os
estudos apresentados.

Por fim, acredita-se que, a identificação de bactérias fixadoras de carbono


presentes em solos, rochas e outros ecossistemas minerais, possa contribuir (em
grande escala) para recuperação da homeostase dos gases atmosféricos, evitar a
máxima temperatura projetada e frear o aquecimento global; cabendo à ciência
desenvolver soluções inovadoras para remoção dos demais GEE. Desta forma,
reforça-se a necessidade da intensificação da metagenômica.

______________________

*A suberina é uma cera sintetizada pelas células do súber das plantas vasculares com crescimento
secundário. A suberização (ou suberificação) é a impregnação da parede celular com suberina ou
deposição de lamelas de suberina cobrindo a parede das raízes.
**Metagenômica é a análise genômica de um determinado ambiente (exemplo: solo, água, ar).

58
a) bioinsumos e produção integrada;
Quanto à produção agrícola integrada, a EMBRAPA afirma que “os sistemas
ILPF podem ser adaptados para pequenas, médias e grandes propriedades, em todos
os biomas brasileiros”,84 o que torna o sistema ideal para reprodutibilidade na
transição ecológica. Ademais, a ideia de integração de diferentes produções pode ser
extrapolada para a produção on farm de bioinsumos, reduzindo a necessidade de
insumos externos e diversificando a produção. Este modelo valoriza a
agrobiodiversidade e pode ser um aliado na preservação ambiental ao incorporar
espécies nativas para compor a agrobiodiversidade local, tornando o sistema mais
resiliente.

Um exemplo simplificado do fluxo de biomassa é capaz de demonstrar a


complementariedade de sistemas integrados LPF, a biomassa seca deixada pelas
folhas das arvores ou pelos restolhos da lavoura, resguardam a umidade do solo e
sua matéria orgânica, contribuindo com a qualidade do solo para as próximas
semeaduras e na sucessão do capim; bem como os dejetos animais deixados pela
propriedade renovam a fertilidade do solo. O manejo da biomassa e dos dejetos
gerados por meio de uma simples compostagem, pode otimizar este processo ou
servir para outras finalidades, como a produção de bioenergia (combustível e/ou gás)
e multiplicação da macrofauna. Este processamento via compostagem caracteriza
uma produção integrada de bioinsumo (ou produção on farm).

As tecnologias para a produção de bioinsumos variam das mais simples, como


a seleção de microrganismos selvagens detritívoros e decompositores para produção
de fertilizante (compostagem), até as mais complexas, como a regulação do
crescimento vegetal por bactérias inoculantes. Sendo que, não é qualquer
biotecnologia que pode ser empregada em processos on farm ou sem supervisão
técnica.

As opções de bioinsumos que se referem a fitossanidade, por exemplo, são tão


diversas quanto os problemas de sanidade vegetal. No caso de uma infestação de
pulgões, a solução pode estar tanto em um inseticida bioquímico, quanto em um
predador natural ou um patógeno da espécie alvo. Da mesma forma, as soluções para
nutrição e manutenção da qualidade do solo e para o desenvolvimento vegetal são

59
tão numerosas quanto a especificidade dos casos. Portando, um estudo de caso deve
ser conduzido para uma tomada de decisão agroecológica, de modo a causar o menor
distúrbio possível no agroecossistema. Por tanto, entende-se que a variedade de
opções tecnológicas é importante para garantir a acessibilidade dos produtores rurais
às biossoluções.

A aplicação de bioinsumos inoculantes tende a ser a mais rigorosa em termos


de segurança, por isso a competência técnica especializada é requerida, tornando-se
um fator de acesso excludente. Uma alternativa aos inóculos, seriam as bactérias
endofíticas. Segundo a EMBRAPA Agrobiologia, o conceito de endofítico possui
interpretações divergentes, as que melhor caracterizam este tipo de microrganismo
são, a definição dada pela EMBRAPA:

Bactérias endofíticas são organismos que se caracterizam pela associação


íntima com a planta hospedeira, despertando grande interesse agronômico.
Estes organismos oferecem a vantagem de estarem completamente
compatibilizados com o hospedeiro, e permitem a utilização de plântulas já
colonizadas por estirpes selecionadas antes das etapas de cultivo comercial,
evitado a necessidade do estabelecimento dos potenciais inoculantes.
(EMBRAPA, 2003, p. 7) 92

e a de Kloepper et al., (1997a*, apud EMBRAPA Agrobiologia, 2003)92 que as define


como:

Aquelas espécies isoladas de tecidos esterilizados superficialmente, ou


extraída de tecidos vegetais internos, e que não causam danos nem
produzem sintomas de patogenicidade, incluindo tanto colonizadores de
comportamento neutro, bem como simbiontes. (EMBRAPA, 2003, p. 9) 92

Wilson (1995**, apud EMBRAPA Agrobiologia),92 complementa afirmando que


estes microrganismos causam infecções não aparentes e assintomáticas, sem

_____________________

*KLOEPPER, J. W.; QUADT-HALLMANN, A.; MAHAFFE, W. F; HALLMANN, J. Recent studies on


microbial ecology of bacterial endophytes in plants. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE CIÊNCIA DO
SOLO, 26., 1997, Rio de Janeiro. Resumos... Rio de Janeiro: Sociedade Brasileira de Ciências do
Solo, 1997ª. CD ROM.
** WILSON, D. Endophyte – The evolution of a term, and classification of its use and definition. Oikos,
Copenhagen, v. 73, p. 274-276, 1995.

60
apresentar patogenicidade. Portanto, os microrganismos neutros e simbiontes
possuem mecanismos de infecção semelhante aos patogênicos, requerendo o
entendimento dos processos de expressão e regulação destes genes nas relações
endofíticas. Tal compreensão gera aplicabilidade no estímulo da produção de
fitormônios (e outros bioinsumos) por bactérias endofíticas.

A falta de exigência de um inoculante para culturas endofíticas representa uma


vantagem para o produtor rural, por tanto, defende-se o estudo da viabilização desta
biotecnologia para o desenvolvimento rural sustentável.

b) biossegurança e competências técnicas;

A chancela dos presidentes do Grupo Associado de Agricultura Sustentável


(GAAS), da Associação Brasileira dos Produtores de Soja (Aprosoja Brasil), da
Associação Brasileira dos Produtores de Algodão (ABRAPA) e da Confederação da
Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), indica a necessidade de uma ratificação dos
meios de produção de base ecológica que conduza à transição agroecológica. 93 A
carência foi observada pela falta de definições públicas sobre estas práticas,
separando a agricultura em convencional ou orgânica. Estas definições são pouco
flexíveis e dificultam a transição.

Não obstante, no terceiro painel do “Seminário Produção on Farm de


Bioinsumos: eficiência, segurança e regulamentação”, mostra a importância dessa
discussão. O consultor de tecnologia da CNA Reginaldo Minaré, reforça a
necessidade da regulamentação e registro dos produtores rurais que trabalham com
bioprodução on farm, a necessidade de um técnico responsável e certificação técnico-
sanitário, mesmo se tratando de práticas milenares.63

Sob a perspectiva da biossegurança, principalmente por parte de inoculantes e


da condução de processos biológicos pelo produtor rural, pergunta-se quais são os
riscos que nos deixam em situação de vulnerabilidade na possibilidade de
irregularidades? A Tabela 4, pontua e descreve situações de risco a mamíferos e
possíveis soluções:63

61
Tabela 4 - Análise de riscos a mamíferos.

Situação Solução
Baixo rigor asséptico em ambientes Equipamentos mínimos para manter
de produção; assepsia do local: autoclave,
infravermelho e ambientes estéreis;

Meios de cultura inespecíficos para Utilizar inóculos de alta pureza,


o microrganismo com qual se está registrados, devidamente rotulados e
trabalhado, de fontes duvidosas ou com as orientações de uso;
sem pureza definida; manipulação rigorosa e frequentes
análises toxicológicas;

Ausência de conhecimento técnicos Presença de técnico responsável com


de operadores; conhecimento em microbiologia e
treinamento adequado de operadores.

Fonte: Álvaro Salles, diretor executivo do Instituto Mato-Grossence do Algodão (IMA), 2021,
adaptado.63

Entre os riscos a mamíferos, estão as epidemias e pandemias Álvaro Salles


(2021),63 afirma que “assim como no ambiente há microrganismos que nos traz
enfermidades, as plantas também são acometidas por doenças, os microrganismos
se multiplicam da mesma forma”. Ao integrar os processos biológicos na propriedade
sem a devida atenção à biossegurança e aos aspectos ecológicos, coloca-se a
segurança dos trabalhadores e a segurança alimentar em risco.
Por outro lado, sob o contexto de desenvolvimento sustentável, é inaceitável
ignorar a pirâmide multidimensional da agroecologia. Portanto, deve-se pensar
questões como acessibilidade às adequações, sua real necessidade; incentivo público
e privado, à permanência no campo, criação de novos cursos técnicos com base nas
atuais necessidades do meio rural e reestruturações de cooperativas; buscando
abranger pequenos a grandes produtores em transição agroecológica.
É irrevogável que a agricultura familiar deve ter espaço prioritário no
desenvolvimento rural sustentável, entretanto, são os grandes latifundiários,
produtores de monoculturas e culturas transgênicas os maiores poluidores do setor
agrícola. Por isso, faz-se necessário uma conscientização direta, com base nas
evidências do aumento de produtividade com manejo de base ecológica. Assim, um
62
dos desafios do Brasil na transição agroecológica, é criar mecanismos que mobilizem
a transição de grandes fazendas, aproveitando os serviços que os pequenos e médios
produtores podem oferecer.
Uma dificuldade para suportar a transição ecológica de sistemas agrícolas é a
mão de obra especializada. Dos produtores rurais que não podem pagar por ela,
muitos não possuem instrução técnica especializada. O aporte do Estado (Governo
Federal, Ministérios, universidades, institutos e outros) em parceria com o setor
privado é fundamental para garantir o aumento da mão de obra rural.
São poucos os produtores orgânicos que possuem conhecimentos e
habilidades como as de Rogério Vian. O presidente do GAAS é um exemplo do perfil
desejado para “nova agricultura”, ele se reconhece como “técnico agrícola, engenheiro
agrônomo e agricultor sustentável”, afirma.89 Assim, espera-se que em contato com o
conhecimento técnico e das ferramentas disponíveis, o produtor rural (de pequenas a
grandes áreas agricultáveis) seja capaz de realizar a autogestão de sua produção e
dos processos integrados.
Por tanto, para contemplar as seis dimensões da agroecologia, propõem-se a
tutela dos bioprocessos integrados à agroecossistemas por técnicos de bioprocessos.
A necessidade de mão de obra especializada no espaço rural abre oportunidade para
o desenvolvimento profissional dos membros da comunidade. Assim, como forma de
aumentar o acesso ao conhecimento, diferentes parcerias são necessárias para
disponibilizar os cursos técnicos que se fazem necessários em bioprocessos on farm
ou em biofábricas.

Assim, torna-se imprescindível a presença de engenheiros bioquímicos,


engenheiros de bioprocessos, ecólogos e biotecnólogos que proponham diferentes
níveis de gerenciamento agroecológico para adequação das propriedades rurais às
novas condições de trabalho, na adequação da infraestrutura e antecipação de riscos
de forma inteligente.

c) transgênicos;
Atualmente, a agroecologia e as monoculturas transgênicas podem parecer,
num primeiro momento, imiscíveis; apesar desta impressão, a concepção de que
monoculturas transgênicas não são (e não podem ser) agrosustentáveis, não pode
ser verdadeira. Esta construção engessa o desenvolvimento da sustentabilidade em
63
sistema de monoculturas transgênicas. A biotecnologia de OGMs potencializa a
capacidade de produção de alimentos, fármacos e biocombustível, permitindo a
humanidade enfrentar o desafio de prover o bem-estar às mais de 9 bilhões de
pessoas em 2050, de forma sustentável.14

A verdade é que a alta produtividade de culturas transgênicas é um fator de


sustentabilidade à medida que não interfere “estatisticamente” nas relações
ecossistêmicas. É preciso ter em mente que a adoção de culturas transgênicas, como
as de soja e milho, estão próximas do máximo (Figura 23) o que torna sua
ecologização imprescindível.

Figura 23 – Adoção de culturas transgênicas no Brasil de 1998 à 2017.

Fonte: Agroconsult, 2018.53

Em estudo sobre os impactos ecológicos das culturas transgênicas na saúde


de agroecossistemas, Miguel A. Altieri (2000),94 abordou a teoria ecológica que sugere
que a intensificação do plantio de monoculturas transgênicas podem criar condições
ambientais críticas, desde de o fluxo gênico entre culturas transgênicas e parentes
selvagens, a aceleração na seleção de indivíduos resistentes; impactos na fauna do
solo e em organismos não alvo.

No caso da soja RR®, sua especificidade ao glifosato fragiliza o sistema à


medida que cria o ciclo vicioso dependente do herbicida, o que seleciona ervas

64
daninhas resistentes ao glifosato, além de contaminar solos, corpos d’água e a
biodiversidade. Portanto, entende-se que a biotecnologia empregada na soja RR® a
tornou prejudicial, não por ser transgênica, mas porque projeto desta semente não foi
ecologicamente planejado. Ademais, fica evidente a necessidade da diversidade
genética nos agrossistemas para a sanidade das plantas. Desta forma, tem-se que o
plantio de soja transgênica deve ser priorizado em projetos de transição
agroecológica.

De forma geral, independente do agroecossistema empregar tecnologia


transgênica, sua gerência deve se apoiar nos serviços ecológicos de abastecimento,
manutenção e suporte. Contudo, defende-se a priorização dos processos Naturais e
a avaliação da real necessidade de novas PGM, deixando num segundo plano, a
utilização da transgenia. Acredita-se que há necessidade de estudar as alternativas a
esta tecnologia antes de aplicá-la, principalmente no que se refere a eficiência na
absorção de nutrientes, no controle fitossanitário e na resistência a determinadas
condições ambientais, pois é possível que a solução para tal problema esteja na
simbiose entre a microbiota do solo e as raízes das plantas.

Atualmente o Brasil conta com muitas variedades de soja. Entre transgênicas


e convencionais, a Embrapa possuí três portfólios de cultivares de soja: Sistema
intacta, soja RR® e o sistema de produção convencional, este, com mais de 270
cultivares convencionais. Entre elas, “a soja BRS 284 (convencional) ganhou
sucessivos concursos nacionais de produtividade, onde concorreu em condições de
igualdade com as outras tecnologias de soja disponível”, outro reconhecimento de que
as cultivares convencionais estão voltando a ganhar espaço no mercado. 95

Segundo a EMBRAPA,95 a soja BRS 284 conta com a resistência ao cancro da


haste, à mancha “olho-de-rã”, à podridão parda da haste e moderada resistência ao
nematoide de galha, apresenta melhor desempenho em áreas com altitudes menores
que 700 metros, seu ciclo e porte viabilizam a segunda safra de milho. Seu
desempenho em baixas altitudes representa uma redução da pressão agrícola nas
áreas de planalto do Cerrado e da Mata Atlântica, onde atualmente a cultura compete
com a vegetação nativa.

65
Espera-se que, com a incorporação de práticas ecológicas em sistemas de
monoculturas transgênicas de soja RR®, o produtor rural reconheça a viabilidade
econômica da soja convencional e opte por mudar a escolha das sementes e por
realizar a transição agroecológica.

Os OGMs também representam uma tecnologia de alto potencial para criação


de resiliência, adaptabilidade e mitigação dos impactos climáticos nas plantações de
diferentes regiões do Brasil, acelerando as respostas de plantas e animais frente as
mudanças ambientais. Neste sentido, os programas de aperfeiçoamento genético da
EMBRAPA têm sido realizados com base nas previsões do Painel Intergovernamental
sobre Mudanças do Clima (IPCC) e prioriza a concepção de plantas resistentes a seca
e a altas temperaturas do ar.62 Por outro lado, existem tecnologias com potencial de
serem alternativas competitivas aos transgênicos, como as culturas produtoras de
bactérias que ajudam a planta a conviver com a seca, como o Bacillus aryabhattai.96

4.2 Aplicação da síntese em emergia em ecossistemas de Cerrado para a


transição agroecológica da sojicultura

Deve-se reconhecer que, grande parte da produção agroindustrial do Brasil


vem das monoculturas de soja transgênica e uma quantidade considerável de
propriedades que a cultivam se localizam no Cerrado. Com isso, definiu-se tanto a
soja convencional quanto a soja RR® em ecossistemas do Cerrado como modelo para
a transição ecológica. Neste sentido, um estudo de caso foi conduzido seguindo a
metodologia emergética. Miguel Bacic, Enrique Ortega e colaboradores (2020),75
utilizaram os seguintes diagramas (Figuras 24 e 25) na contabilidade dos sistemas de
sojicultura.

66
Figura 24 – Diagrama simplificado de um sistema de produção rural.

Fonte: Miguel Bacic, Enrique Ortega, José Gusman-Ferraz e Ana Beatriz dos Santos, 2020,
adaptado.75

O segundo diagrama evidencia as perdas, as externalidades negativas e a


pressão antropológica do sistema, que por sua vez podem ser mitigadas através da
síntese em emergia para tomada de decisão.

67
Figura 25 – Diagrama de fluxos agregados de um sistema rural.

Fonte: Miguel Bacic, Enrique Ortega, José Gusman-Ferraz e Ana Beatriz dos Santos, 2020,
adaptado.75

O estudo de caso comparou a performance de três diferentes sistemas de


sojicultura (orgânica, convencional e transgênica) através da metodologia emergética.
O estudo concluiu que o sistema orgânico de produção é mais sustentável que os
demais, corroborando com a fala do agricultor Rogério Vian, que afirmou que a
produção orgânica é tão rentável quando a convencional e possui menor custo de
produção.89 Os resultados do estudo (Tabela 5) mostram que, nos indicadores abaixo,
o sistema orgânico apresentou o melhor desempenho.

68
Tabela 5 – Principais indicadores considerados na análise de sustentabilidade
dos sistemas de sojicultura.

Sistema Sistema Sistema


Indicador
orgânico convencional soja RR®
Transformidade sistêmica (sej/J) 2.046 94.400 198.733
Renovabilidade 87% 26% 15%
Índice de rendimento emergético 1,38 1,23 1,12
Emergia invertida 2,62 4,42 4,97
Taxa de troca de emergia (USD/kg) 1,19 3,02 4,97
Lucro por kg (US$/kg) 0,85 0,17 0,18
Fonte: Miguel Bacic, Enrique Ortega, José Gusman-Ferraz e Ana Beatriz dos Santos, 2020,
adaptado.75

Os valores contidos na Tabela 5, permitem algumas inferências sobre os


sistemas de produção analisados. A menor transformidade do sistema orgânico, por
exemplo, indica sua alta eficiência na disponibilização de energia útil. Enquanto os
altos valores para os demais sistemas se explicam pelo uso intensivo de insumos
industriais, input externo, de alto custo energético, que aumenta a transformidade do
sistema.

A renovabilidade da opção orgânica é três a seis vezes maior que as opções


que utilizam agroquímicos e fontes de energia não renováveis. O índice de rendimento
emergético do sistema orgânico também é maior que os outros sistemas e, portanto,
têm um saldo de emergia maior para ser usada por outros sistemas. A razão de
emergia invertida do sistema orgânico é menor que as demais, exigindo menos
recursos da economia (M e S). A taxa de intercâmbio de emergia da sojicultura
orgânica está próxima ao valor de equilíbrio (1,0), portando, pode-se dizer que seu
preço é mais justo que os outros modelos produtivos.75 Miguel Bacic, Enrique Ortega
e colaboradores ressaltam que:

É interessante notar que o preço justo da soja orgânica é próximo ao valor de


mercado, o consumidor paga um preço adequado que garante a produção
ecológica sem externalidades negativas e gerando externalidades positivas
importantes, como trabalho rural de boa qualidade e serviços ecossistêmicos.
(BACIC, et al., 2020, p. 28)75

69
Desta forma, sugere-se que os diagramas acima (Figuras 21 e 22) sejam
utilizados como modelo para mapear o atual fluxo de valor e projetar o fluxo futuro em
propriedades rurais em transição ecológica. Ademais, um estudo sobre as implicações
energéticas do século XXI na transição agroecológica mostrou a necessidade de uma
abordagem que priorize o acesso aos recursos locais e incorpore análises de
intensidade de energia na governança do uso da terra.97

Assim, chega-se à etapa que esta discussão pretende: elencar os próximos


passos para projetos de transição ecológica em agrossistemas. Para tanto, definiu-se
o ecossistema, a propriedade rural e a cultura: planaltos de topo plano no Cerrado;
propriedades de grande, médio e pequeno porte; soja convencional e transgênica.

Próximos passos:

1- Análise florística para definição das áreas de estudo e contribuição em


serviços ecossistêmicos. Critério: proximidade com espécies nativas e
endêmicas;
2- Definir randomicamente as propriedades de acordo com seu tamanho e
localização;
3- Reconhecer as condições atuais da área: análises de solo (conservação,
físico-química, microbiológica etc.), fitossanitária, estado de conservação e
saúde do ecossistema circunstante;
4- Reconhecer as práticas de manejo utilizadas em todos os sistemas
integrados, análise sanitária dos bioprocessos integrados (se houver),
análise emergética e de externalidades negativas de todo o fluxo de valor;
5- Estabelecer condições básicas para o fluxo de valor futuro, análise de
externalidades positivas;
6- Definir indicadores agroecológicos;
7- Monitorar a sustentabilidade da transição;
8- Verificar os resultados obtidos;
9- Padronizar quando os resultados atingirem o esperado;
10- Agir na causa do problema quando os resultados não atingirem o esperado;
11- Reiniciar o ciclo a partir da etapa 5 para o monitoramento contínuo do
desempenho agroecológico da propriedade.

70
A sugestão de próximos passos é um esboço inicial para considerações mais
detalhadas, retiradas de estudos não considerados neste trabalho. Desta forma, obras
como as de Gliessman, Odum e Ortega, são a base para se definir modelos
sustentáveis. Ao definir as condições de espaço e tempo e os limites do
agroecossistema, é possível maximizar a sustentabilidade agrícola, em qualquer local
e período. Esta mesma otimização pode ser realizada em sistemas maiores e outros
subsistemas para atingir a sustentabilidade em todas as seis dimensões descritas por
Capora e Costabeber (2004).71

As ciências emergentes do século XX e XXI, estão em pleno desenvolvimento


e as dificuldades identificadas vêm sendo superadas. A engenharia, a genética, a
biologia, a ecologia e a economia circular; o desenvolvimento tecnológico, como a
tecnologia da informação, que utiliza drones e satélites para coleta e integração de
bigdata; a biotecnologia, como apresentado, aplicadas à agricultura, estão quebrando
alguns paradigmas infundadamente criados. Assim, o gerenciamento da transição
agroecológica será mais eficiente quanto melhor a capacidade dos dados interagirem
entre si, em vista de retornar informações claras que auxiliem na tomada de decisão.

Para além da agroecologia no Cerrado, Odum (1988)76 sugere pulsos de


consumo (Figura 26), o que implica dizer que a sustentabilidade de um sistema
autossuficiente não é composta de uma estabilidade contínua, pois nele sempre
haverá períodos de escassez de recursos, dada a característica inerente dos sistemas
abertos: da produção lenta de recursos e um fluxo frenético de consumo; além das
oscilações entre situações de riqueza e pobreza de recursos e de modelos
organizacionais: competição excludente e colaboração inclusiva.

71
Figura 26 – Pulsos de consumo frenético e lenta produção de recursos.

Fonte: Fonte: Odum, 1988, adaptado.76

Desta forma, o sucesso de um sistema autossustentável está em sua


capacidade de auto-organização, de modo que a espécie humana, através da
tentativa e erro, reúna informações fundamentais para compreender a
sustentabilidade como a capacidade de auto-gestão (processo evolutivo que envolve
a auto-organização da Biosfera).76

72
5 CONLUSÃO

Paralelamente e síncrono as mudanças dos últimos 100 anos e acompanhando


as tendências da agricultura alternativa, Roberto Moreira (2000)42 descreve três
caracteres adquiridos pela crítica à Revolução Verde no Brasil, os caracteres: técnico,
social e econômico. De modo geral, eles compreendem, respectivamente, os aspectos
filosóficos das relações do ser humano com a Natureza; o domínio dos latifundiários
sobre a formação social brasileira; e associada a crise do petróleo, a consciência da
necessidade de migrar para matrizes energéticas alternativas.42

Desta forma, as resoluções tomadas pelo Brasil para solucionar os problemas


decorrentes das práticas insustentáveis descritas por Bird (1988 apud Alan Matos,
2010).40 Concluiu-se que “os problemas locais decorrentes de soluções universais”,
foram superados no Brasil com o início das pesquisas voltadas à agricultura tropical,
a partir de 1970. No que se refere a adoção de insumos químicos, o Programa
Nacional de Bioinsumos98 lançado em 2020 pretende aumentar a disponibilidade e
regulamentar sua produção. Sua integração ao agroecossistema (ou produção on
farm) possibilita ainda, a autossuficiência em determinados insumos, como
biofertilizantes e matéria orgânica.63 Quanto ao uso de máquinas de alto custo
energético, as inovações em bioenergia têm dispendido esforços dos setores
automobilístico, de abastecimento elétrico e empresas de base petroleira.

Por fim, a “subordinação dos aspectos ecológicos à eficiência econômica”,


encontra resistência em empresas que não aderiram à política de desenvolvimento
sustentável e de posseiros “conservadores” ou que agem de forma criminosa. Para
sanar este problema, a fiscalização e sansão das Leis devem aumentar, iniciativas
público-privada para incremento do alcance de informações sobre as vantagens
econômicas e a importância da mudança na base agrária devem ser impulsionadas e
os incentivos às práticas de produção sustentável devem ser capazes de atrair os
grandes produtores para o novo modelo agrícola.

Quanto ao papel da agroecologia, num primeiro momento, a produção on farm


integrada parece atender às necessidades de pequenos a grandes produtores,

73
constituindo uma poderosa ferramenta para promoção do desenvolvimento rural
sustentável, com o potencial de reequilibrar o carbono atmosférico, tornando-se um
elemento-chave na redução da aceleração das mudanças climáticas. Portanto, o
agricultor do século XXI tem duas missões principais: a) garantir a segurança
alimentar e a sustentabilidade do planeta, contribuindo com ações locais; b) contribuir
com o controle do balanço de GEE.

É importante destacar que a biodiversidade e suas interações são vitais para a


manutenção da vida no planeta, se não, os serviços ecológicos proporcionados por
ela não existiriam.19 Por isso é importante compreender como essas interações são
afetadas pela forma de manejo e desenvolver técnicas mais apropriadas (ou que
causem menos distúrbio) ao sistema, reproduzindo-as e gerenciando-as na
agricultura.

O resultado das pesquisas na literatura com a finalidade de sugerir medidas,


pesquisas e soluções biotecnológicas para o desenvolvimento sustentável da
agricultura tropical, mostraram que a agricultura orgânica tem potencial para garantir
a segurança alimentar global, usando sistemas complexos para preservar a
seguridade ecossistêmica e climática.75

É possível constatar também, que modelos agroecológicos promovem o


aumento de oportunidades de emprego no espaço rural, tanto para mão de obra
operária quanto técnica, tornando-se um fator promotor da fixação da população no
meio rural e êxodo urbano.

Assim, enxerga-se na agrobiotecnologia potencial para extrair as informações


sobre a Natureza. Tais informações são necessárias para construção de uma
percepção humana mais fiel do funcionamento da Natureza, contribuindo com
inovações sustentáveis, capazes de otimizar a eficiência emergética para atingir a
máxima potência de output em sistemas biológicos.

Por tanto, os estudos e considerações de Gliessman, Odum, Bacic, Altieri e


Ortega, são a base para se definir modelos matemáticos que permitam gerenciar a
sustentabilidade da Ecosfera e dos diferentes subsistemas (naturais ou
antropogênicos), sua melhoria contínua e as contas econômicas como um todo.

74
Entretanto, as imposições para o desenvolvimento sustentável condicionam a
uma abordagem ampla e complexa, constituindo uma dificuldade para tratar o todo.
Desta forma, faz-se necessário tratá-lo por partes, mantendo-se a visão holística.
Assim, para a dimensão ecológica (ambiental) do desenvolvimento sustentável deve
se basear nas considerações levantadas pela ONU meio ambiente no Brasil (2019)
(Figura 27).15

Figura 27 – Dimensão ambiental do desenvolvimento sustentável.

Fonte: ONU Meio Ambiente no Brasil, 2017/2019.99

75
Para atingir o objetivo de produzir 40% de alimentos para humanidade até 2050
e promover a adaptabilidade às mudanças climáticas, a agricultura brasileira deve ser
redesenhada sob os preceitos da agroecologia (portanto, da sustentabilidade) e fazer
uso das inovações tecnológicas desenvolvidas através das informações presentes na
própria Natureza. Entretanto, deve-se considerar a limitação dos recursos e os
mecanismos de autorregulação do sistema,76 o que significa admitir que, apesar os
esforços mundiais, não será possível suportar o aumento exponencial da população.
É preciso reconhecer, através da história da humanidade e da agricultura, que os
pulsos de consumo que ocorreram durante os milênios, promoveram fome, mazelas
sociais, enfermidades e outros mecanismos de controle populacional, 26 que por sua
vez, assemelham-se ao episódio da pandemia pela Covid-19.

Conclui-se que a limitação dos recursos, o aumento populacional e as


alterações climáticas são elementos chaves para compreender como a espécie
humana pode agir no sentido de mitigar os impactos decorrentes das características
de sistemas abertos, não de forma a controlá-los, mas administrá-los.

Neste sentido, recomenda-se a utilização dos sistemas pré-definidos e a leitura


das obras de Howard T. Odum, para o estudo de ecologia, economia da Natureza e
metodologia emergética; Stephen R. Gliessman, para o estudo da agricultura
sustentável e transição agroecológica; William J. Mitsch, para o estudo da engenharia
ecológica; Manuel G. Mollina para o estudo de escalonamento de modelos
agrossustentáveis.

Espera-se que a padronização da métrica utilizada para os diferentes sistemas


(sobretudo o econômico e ecológico) auxilie na construção dos indicadores dos ODS,
contabilizando contribuições que aparentam ser subjetivas, como a exploração
turística dos ecossistemas. Contudo, as dificuldades em quantificar e desenvolver tais
indicadores não foi totalmente explorada neste estudo, portanto, faz-se necessário um
estudo em profundidade da metodologia emergética e dos indicadores dos ODS.

Bacic75 e colaboradores (2020), sugerem estudos para desenvolver mais os


conceitos de externalidades negativas, especialmente aquelas relacionadas com as
alterações climáticas. Também, incluir as externalidades positivas, entre elas:

76
a) verificar como recuperar a capacidade de planejamento e gestão, local
e regional e, como fixar pessoas no meio rural;
b) estudar como preservar os ecossistemas e os serviços ecossistêmicos;
c) desenhar e implantar sistemas integrados agrícolas, pecuários e
florestais com autossuficiência alimentar, energética e em recursos
renováveis;
d) estudar os meios para desenvolver uma cultura que se apoie nos
recursos e valores locais de forma a recuperar a resiliência natural e
social, descentralizando serviços públicos (saúde, educação etc.) para
empoderar as localidades;
e) estudar como introduzir o Global Reporting Initiative nas atividades
agrícolas;
f) estudar os sistemas industriais para que evidenciem seu grau de
sustentabilidade mostrando suas interações com a biosfera e os
ecossistemas;
g) estudar como calcular o grau de sustentabilidade de uma atividade
observando a cadeia produtiva completa, desde a extração de insumos
básicos até a devolução dos recursos utilizados, em boas condições, ao
meio ambiente. (CAVALETT E ORTEGA, 2009, apud Bacic, et al., 2020,
p. 30)75

Por fim, acrescenta-se a esta lista a) a necessidade de projetar novos produtos


que sejam desenhados para retornar à cadeia produtiva, na forma de retroalimentação
do sistema; b) a necessidade de inovar em processos bioquímicos para tratar o lixo
gerado por projetos de produtos não ecológicos; c) estudar a aplicação de
biotecnologias no projeto de novos materiais; d) estudar aplicações biotecnológicas
para recuperação da qualidade da água, do solo e do ar.

Conclui-se também que a atual dicotomia entre economia e Natureza, nunca


existiu, foi criada ao decorrer do desenvolvimento humano, 100 que agora é capaz de
compreendê-la. Pode-se dizer que, o projeto de um fluxo de valor autossustentável
está implícito nas ideias de Odum e a sutileza dessa compreensão pode permitir a
espécie de organismo superior mais abundante do Planeta restaurar a homeostase
do sistema (através de sua capacidade auto-organização).

77
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86
100 LUTZENBERGER, J. A. Manifesto ecológico brasileiro. Fim do futuro? Editora
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101 ODUM, H. T. Environmental accounting. Emergy and environmental decision
making. John Wiley & Sons, INC, New York, 1996. 370 p.

87
ANEXO A

Fonte: Agroconsult, 2018.69

88
ANEXO B

Símbolos utilizados na confecção dos diagramas de emergia.

Fonte: Odum, 1996.101

89

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