Publicação Quilombos Sao-Paulo 1e PDF
Publicação Quilombos Sao-Paulo 1e PDF
Publicação Quilombos Sao-Paulo 1e PDF
EM SAO PAULO
Al
GOVERNO DO ESTADZ
DE SAO PAULO
Vários autores
São Paulo
IMESP
1997
Quilombos em São Paulo
Tradições, direitos e lutas
Coordenação geral:
Maurício Pestana
Agradecimentos
Q 59
Quilombos em São ~ a d o tradições,
: direitos e lutas 1 org.
-
Tânia Andrade. São Paulo: IMESP, 1997.
Mário Covas
Governador do Estado de São Paulo
Qnilombos em São Paulo
Parte I
- Andiara B. Automare - Itesp, junho 97
Comunidade I\~aporundui~a
Histórico
professor de antropologia. no artigo "Essa terra é santa, essa terra e nossa" resgata
o trabalho acadêmico realizado junto a Comunidade Ivaporunduva. Vale do
Ribeira, entre os anos de 1977 e 1980.
A terceira parte fornece um inventário bibliográfico de títulos referentes aos
quilombos, fotos e mapa com a localização das comunidades quilombolas em nosso
Estado, que poderá auuiliar pesquisas futuras. Em "Quilombos: Repertório
bibliográfico de uma questão redefinida ( 1995 - 1996)", Auiedo Wagner Berno de
Almeida sugere, também, novos parâmetros que poáerão nortear a produção
intelectual e científica sobre o tema. A iconografia apresenta citações, fotos e mapa
que nos permitem visualizar a diversidade cultural e melhor conhecer esses atores
políticos. Anexamos cópia da legislação vigente que fundamentam as açiks
propostas.
E, com o intuito de despertar uma consciência solidária e anti-racista entre os
nossos jovens, incluímos no livro O encarte "Quilombos em São Paulo", elaborado
pelo cartunista Maurício Pestana, que com arte e simplicidade apresenta os eixos
centrais da questão.
Ainda foram necessárias duas guerras mundiais para que se proclamasse, em 1948,
na Declaração Universal dos Direitos Humanos, que os direitos humanos devem ser
protegidos pelo Estado de Direito, para que o homem não seja compelido, como
Último recurso, à rebelião contra a tirania e a opressão.
O artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias determina que
"aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas
terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes o
titulo dejnitivo ".
O que se faz hoje aqui, Senhor Governador, mais que cumprir um programa de
governo, muito além de assegurar a íntegra da carta constitucional, significa um ato
de memória que o seu Governo consagra ao exemplo da resistência. um início de
reparação ao povo negro. É um começo. É um símbolo.
O preconceito segue. Ele marca como o ferro, ele castiga como o açoite. Ele ainda
existe, vivo, insinuante, ora disfarçado, ostensivo muitas vezes. Em nossas
atividades cotidianas na Secretaria da Justiça e da Defesa da Cidadania, no Fórum
das Minorias, no Seminário contra o Preconceito, sentimos isto claramente.
Há outras políticas compensatórias a serem adotadas, mas este é um bom começo.
O primeiro grupo de trabdho no Brasil a cuidar da regularização fundiária que
dará a propriedade de terras aos remanescentes de quilombos está instalado. É um
exemplo para o resto do país. Constituído e trabalhando, no estilo deste Governo,
com participação ampla da sociedade civil. Nenhuma experiência será desprezada.
Os setores do Governo interessados no tema estão ali representados. O Instituto de
Terras, desta Secretaria,já havia cadastrado 12 comunidades de remanescentes das
ocupações de quilombos. Há setores não governamentais que reuniram importante
material a respeito. Tudo será considerado.
É uma tarefa difícil, esta do resgate da história, da reparação da violação.
Mas é um desafio. E este Governo. todos o sabem, não rejeita desafios.
Concluo.
Manoel Congo, tronco de árvore, barro do chão, pai e filho da natureza era líder de
quilombo. Conta a lenda, segundo João Luís Duboc Pinaud, em Malvados Mortos.
que a morte o colheu no meio da luta. Preso, foi imediatamente julgado, condenado.
executado pela justiça e pela lei do homem branco, pelo crime da esperança. Nada
lhe tiraria o sorriso dos lábios. Supõe o poeta carioca, supomos todos nós: pensava
em Mariana, pensava em sua casa, em seu leito, no roçado de plantio e criação que
faria quando a paz chegasse a serra da Taquara.
O depoimento de um remanescente daquele quilombo é sintomático:
"Manoel Congo, Mariana Crioula, Eu sempre soube dele...Dela
contavam muitas coisas, que tinha as costas riscadas de ferro quente
e andava sempre querendofugir. ..Mas isso tudo é igual ao vento, vai
passando, vai passando ... "
Não queremos que a história passe com o vento.
Temos a vontade e a necessidade de resgatar a esperança e o sorriso que nos
legaram tantos Manoel Congo, tantas Mariana Crioula e sua brava gente.
Obrigado.
Apresentação
O presente relatório, elaborado com fùndamento nos estudos desenvolvidos pelo
Grupo de Trabalho instituído pelo Decreto Estadual no 40.723, de 21.03.96,
consubstancia. como proctido final, os esforços intra-institucionais do Governo do
Estado de São Paulo de responder a demanda constitucional imposta pelos artigos
215 e 216 da Carta Magna, com ênfase para o artigo 68 do Ato das Disposições
Constitucionais Transit6rias. de conferir o direito de propriedade aos remanescentes
das comunidades de quilombos, impondo-se como um conjunto de conceitos,
diretrizes e medidas aptas não só a garantir a plena aplicabilidade dos dispositivos
constitucionais em temtório paulista, como também a promover o resgate e a defesa
da cidadania das comunidades quilombolas.
Nesse contexto, o trabalho ora apresentado assume destaque, posto ter, de forma
pioneira, se constituído como um fórum de conhecimento onde a participação da
comunidade técnicocientífica, das associaçb civis, organizações não
governamentais e das diversas instâncias do @r piiblico, responsáveis dou
interessadas pela questão, atingiu níveis de excelência, tornando-se base
fundamental para a eleição dos critérios aptos a definir as comunidades
quiiombolas e seus territ6rios, que serão beneficiárias do direito de propriedade,
diagnosticando sua situação, bem como das propostas metodológicas, jurídicas e
institucionais básicas a gestão e gerenciamento das ativiáades governamentais
necessárias a tal fim.
Nesse sentido, entende-se que a intervenção govemamental pretendida, qual seja a
da regularização fundiária e titula& da propriedade das terras às comunidades
quilombolas e da proteção das condições materiais e não materiais que permitam
sua reprodução fisica e cultural, sob o ponto de vista da defesa da cidadania, não
deverá constituir-se como uma aç%opontual e isolada, posto que demandará uma
série & trabalhos jurídicos e técnicos voltados a compatibilizar os diferentes
parâmetms de abordagem e inciâência das políticas ambientais, fundiária e
cultural, sob a ótica de um planejamento integrado e estratwco que respeite os
diferentes contextos regionais, mas deverá constituir-se sim, por essas mesmas
razões, em ação ampla e permanente de governo, cuja dimensão, embora tenha sido
observada e embrionariamente aqui proposta, extrapola o escopo do presente
estudo. Assim deve-se entender esse trabalho como portador de um duplo aspecto:
como instrumento técnico, de concreção imediata, no que tange a propositwa
dos criterios, diretrizes e ações para garantir a aplicabilidaáe dos dispositivos
constitucionais;
como uma contribuição para o início de um processo político permanente,
mediador, reflexivo e indutor de decisões que objetivem impuisionar todas as
ações necessárias a fomentar e proteger as condições de reprodução fisica e
cultural dos quilombolas, na condição de grupo étnico afro-brasileiro portador
de referências da formação e identiW da sociedade brasileira.
Sua realização só foi possível graças aos esforços de cada um dos integrantes do
Grupo de Trabalho em articular, no âmbito dos órgãos de governo ao qual
pertencem, e junto à sociedade civil, o levantamento e repasse de informações, bem
como de viabilizar tomadas de áecisões logisticas necedrias a caracterizar o
universo de estudo, penetranâo-o e diagnosticando-o.
Além disso, cumpre registrar que sua realização teve como mola propulsora a
vontade política e visão social do governo paulista de atender e interpretar o
mandamento constitucional, não só como obrigação estatal imposta pela lei, mas
principalmente como um ideal da democracia, de proteção aos direitos humanos e
respeito às minorias, a ser perseguido permanentemente, o que veio a permitir que
o Grupo de Trabalho fosse integrado por representantes de diversos órg%os
governamentais e não governamentais, enumerados no box a seguir.
Dessa forma, pretendendo contribuir com os debates proficuos que certamente
surgirão no seio da sociedade organizada junto aos órgãos & administração
pública, para a plena efetiva* dos direitos garantidos pela Constituição Federal
aos remanescentes das comunidades de quilombos, colaborando com a busca de
soluções para os impasses técnicos e políticos que possam surgir, segue essa versão
final dos estudos para os encaminhamentosque se fizerem pertinentes.
Quilombos em São Parilo
PARTICIPANTES
Secretaria da Justiça e da Defesa da Cidadania
Instituto de Terras do Estado de São Paulo "JoséGomes da Silva"
Secretaria do Meio Ambiente
Procumdoria Geml do Estado
Secretaria de Governo e GestãoEshatdgica
Secretaria da Cultum
Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Arh'stico e Turístico do Estado
de São Paulo - Condephaat
Conselho de Participação e Desenvolvimento da Comunidade Negm do Estado de S. ~aulo'
Ordem dos Advogados do Bmsil - Secção São ~ a u l o ~
m
F
' Estadual de Entidades Negras de São paulo3
Comunidade do Cafindó,pelo Sm. Maria Aparecida Rosa de Aguiar.
i
Procedimentos adotados
Três tipos de procedimentos básicos foram adotados pelo Grupo de Trabalho para a
condução dos trabalhos:
pesquisas bibliográficas e obtenção de pareceres técnicocientificos;
divulgação dos trabalhos e chamamento a participação;
pesquisas de campo.
O primeiro se deu em fontes históricas, antropológicas, etnográficas e jurídicas com
vistas a forma@o de uma visão geral sobre o tema objeto de estudo, e.
principalmente, para obter-se subsídios teóricos que permitissem sua abordagem.
Problemas especificas foram objeto de consultas e de pareceres técnicoxientííicos
de ilustres personalidadedentidades ligadas ao tema, tais como o jurista Walter
Ceneviva e o Incra. tendo em vista que esse Ultimo já procedeu a titulação das
Comunidades Quilombolas de Boa Vista, Fria e Pacoval, no Estado do F'ará, e
vem desenvolvendo trabalhos técnicos para a tituiação da Comunidade Quilombola
Rio das Rãs em Bom Jesus da Lapa. no Estado da Bahia.
O segundo, visando não só enriquecer os debates e ampliar o conhecimento de seus
membros, como também e principalmente, imprimir um caráter aberto e
participativo aos trabalhos, promovendo um espaço apto a somatória dos esforços
intra, inter e extra governamentais permitiu ao Grupo de Trabalho recolher farta
documentação e depoimentos pertinentes ao assunto. Colaboraram com os
trabalhos, ilustres conhecedores da questão5. Além disso, foi o Grupo de Trabalho
honrado pelas comunicações de diversas 0 ~ ~tendo s ~ ainda
; visitado diversas
comunidades quilombolas na região Vale do Ribeira e no município de Salto de
Pirapora, onde constatou suas diferentes formas de organização. suas carências e
suas riquezas culturais. Questões jurídicas específícas relativas a auto-
aplicabilidade do dispositivo constitucional, sua abrangência, competência para
executá-lo e demais procedimentos legais necessários a titulação foram objeto de
consulta e parecer formatado pelo ilustre jurista Walter Ceneviva, bem como objeto
de estudos entre o Instituto de Terras do Estado de São Paulo "José Gomes da
Silva" - Itesp e a Procuradoria Geral do Estado - PGE.
O terceiro, refere-se As pesquisas de campo que tiveram como pano de fundo três
ações desenvohidas por outros órgãos, que tangenciaram o desenvolvimento dos
estudos do Grupo de Trabalho, permitindo apropriação dos dados primários e que
foram:
a abertura de um inquérito civil pelo Ministério Público Federal, através da
Portaria no 05, de 06 de maio de 1996, visando adotar e fazer adotar pelos
órgãos públicos competentes, todas as medidas cabíveis para a identificaç%oe
demarcação física de todas as comunidades remanescentes de quilombos da
região do Vale do Ribeira, quer conhecidas, quer as que venham a ser
conhecidas, com ênfase para aquelas que se encontram em áreas sobrepostas às
Uniáades de Conservação, tal como o Parque Estaciuai Intervales, prevenindo
responsabilidades e, especificamente, visando o efetivo respeito As normas
constitucionais, onde foi instalado um Grupo de Trabalho composto por
antropólogo pertencente ao corpo técnico daquela casa, por técnico requisitado
ao Itesp e por historiaáores pertencentes ao quadro do M t u t o do Patrimônio
Critérios antropológicos
Identificacão das comunidades beneficiárias
. Conceito de quilombo
Para as comunidades beneficiárias serem consideradas remanescentes de
quilombos, não é preciso que elas tenham sido constituídas por escravos fugidos.
"O conceito de quilombo mudou. Joel Rufino dos Santos, presidente da Fundação
Cultural Palmares, define quilombo como um modelo de sociedade alternativa a
sociedade colonial escravista e adota uma definição da Associação Brasileira de
-
Antropologia ABA:
"Toda comunidade negra rural que agrupe descendentes de escravos
vivendo da culttrra de subsistência e onde as manifestações culturais
têmforte vínculo com o passado."
O termo remanescente de quilombo, conforme deliberado pela ABA, em encontro
realizado nos dias 17/18 de outubro de 1994, no Rio de Janeiro, embora tenha um
conteúdo histórico, designa:
"...hoje a situação presente dos segmentos negros ent diferentes
regiões e contextos e é utilizado para designar um legado, uma
herança cultural e material que lhe confere uma referência
presencia1 no sentimento de ser e pertencer a um lugar e a um grupo
especíjico." (Garcia, José Milton - PPVSP)"
Conforme ensina o professor João Pacheco de Oliveira. es-presidente da ABA:
"Contemporaneamente,portanto, o termo não se refere a resíduos ou
resquícios arqueológjcos de ocupação temporal ou de comprovação
biológica. Também não se trata de grupos isolados ou de uma
população estritamente homogênea. Da mesma forma nem sempre
foram constituídos a partir de movimentos insurrecionais ou
rebelados mas, sobretudo, consisten~em grupos que desenvol~~eram
práticas de resistência na manutenção e reprodução de seus modos
de vida característicos num determinado lugar.
.4 identidade desses p p o s não se dejine pelo tamanho e numero de
seus membros, mas pela experiência vivida e as versões
compartilhadas de sua trajetória coniuni e da continuidade enquanto
grupo. Trata-se, portanto, de unia referência histórica comum,
construida a partir de vivências e valores partilhados.
Neste sentido, constituem grupos étnicos conceitualmente defnidos
pela antropologia como um tipo organizacional que confere
pertencin~entoatravés de normas e meios entpregados para indicar
ajliação ou exclusão." (Barth, Fredrik - 1969: (ed.) Ethnic Groups
and Boundaries, UniversitetsForlaget, Oslo).
"No que diz respeito a territorialidade desses grupos, a ocupação da
terra não é feita em termos de lotes individuais, predominando seu
uso comum. A utilização dessas áreas obedece a sazonalidade das
atividades sejam agrícolas, extrativistas e outras, caracterizando
diferentesformas de uso e ocupação do espaço que tomam por base
laços de parentesco e vizinhança, assentados em relações de
solidariedade e reciprocidade. "
A par destas definições cumpre apontar que o mais eficaz instrumento considerado
pela antropologia como apto a caracterização dos beneficiários, é a auto-
identificação do grupo/indivíduo na condição de qquilmbola.
"Na concepção antropológica, as comunidades remanescentes de
quilombos constituem grupos étnicos, e assim sendo, a auto-
identijcação é o elemento dejnidor essencial desta condição"
(Comissão pró-índio - SP/maio de 1996). rlNormatização do
Processo de Regularização Fundiária das Terras de Comunidades
Remanescentes de Quilombos" (Revista Teoria e Debate - no prelo).
Esse procedimento encontra respaldo nas técnicas metodológicas adotadas pela
ciência da antropologia que trata o depoimento oral com o mesmo valor dos
documentos históricos, da tradição e dos registros bibliográficos e demais formas de
comprovação idôneas.
Há de se ressaltar, porém, que a demonstração da condição quilombola de uma
comunidade a ser informada por um pertinente laudo antropológico, ainda que
amparado por diferentes documentos, terá como base fundamental a caracterização
da identidade do grupo a partir do ponto de vista & seus integrantes.
Conceito de território
"Na produção acadêmica recente sobre a identidade de negros com
condições de vida rural, em inúmeros autores, as representações
sobre etnia e identidade estão articuladas ff questão fundamental da
territorialidade. Esta subsistiria também como uma categoria
cognitiva na cultura, operacionalizando na prática o processo de
identijcação do direito dos diversos sujeitos ao território." (Dória,
Siglia Zambrotti - op. cit.).
Esse entendimento coloca a questão da temtorialidade dos grupos tradicionais,
entre eles os quilombolas, como fator fundamental de construção da própria
identidade do grupo. fazendo ver que sua trajetória & vida em face a sua
adaptabilidade ao meio circundante e as formas de apropriação dos espaços, ditadas
pelas oportunidades econômicas e de subsistência encontradas nos diferentes
Quiiomòos em São Paulo
Situaçües já identificadas
Tendo oficiado a todas as Prefeituras e Câmaras Municipais do Estado de São
Paulo, bem como levantado acervo já existente sobre o tema junto aos órgiios de
Governo e entidades civis, obteve o Grupo de Trabalho informaç3es da existência
das seguintes comunidades:
Deve-se registrar, ainda, que o Grupo de Trabalho recebeu listagem feita pelo
etnólogo Guilherme dos Santos Barúosa e completada pela Equipe de Articulação
das Comunidades Negras da Diocese do Vale do Ribeira, que ratifica a existência
das comunidades acima descritas elencando outras que por sua vez deverão ser
objeto de estudosfuturos.
Sd, o ponto de vista da questão fundiária, algumas áreas já foram diagnosticadas
com base em informações solicitadas pelo Grupo de Trabaiho ao Instituto de Terras
do Estado de São Paulo "José Gomes da Silva" - Itesp, através de seu Departamento
de Regularmçiio Fundiaria - DRF, podendo-se aiirmar que abrangem toda sorte de
situa@es de natureza quanto a posse e domínio, inclusive sobrepostas por Unidades
de C o n s e ~ o .
Comunidade São Pedm
Localização: Municípios da Estância Turística de Eldorado e de Iporanga
Área reivindicada uela comunidade: 3.442,49 ha, incidentes em parte dos
perímetros 12" de Eldorado Paulista, 14' de Eldorado Paulista e 30' de Apiaí.
Situacão Fundiária:
12" Perímetro de Eldorado Paulista, julgado totalmente devoluto, demarcado e
incorporado ao patrimônio público.
Legitima@o de posses: foram consiatadas a época do levantamento de campo 09
ocupações (05 pertencentes a comuni&& quilombola) sem titulação.
14" Perímetro & Eldorado Paulista, julgado parcialmente &voluto, demarcado e
incorporado ao patrimô~opúblico.
Legitimação de posses: foram expedidas 08 permissões de uso individuais pela
PGE' a membros & comunidade, a época dos trabalhos de levantamento de
campo. Parte & área reivindicada pela comunidade está em terras julgadas
particulares, onde há conflito com os proprietários.
30" Perímetro & Apiaí, julgado parcialmente devoluto e demarcado.
Legitimação & posses: foram constatadas à época do levantamento de campo 42
o c u que~ não obtiveram titulação. Existem litígios entre os ocupantes.
Situacão Ambiental: A área reivindicada pela comunidade quilombola está
totalmente inseri& na APA - Área de Proteção Ambienta1 da Serra do Mar, sendo
que parte da mesma encontra-se em Zona Vida S i l v e . Na área reivindicada,
incidente no 12" Perímetro de Eldorado Paulista, há sobreposição com o Parque
Estadd Intervaies.
' Cumpre consignar que o artigo 2" do Decreto Estaduai 28.347, de 22 de abril de 1988,
dispõe que não será deferida a legitimação de posse de ocupantes de terras na Zona de Vida
Silvestre. Esse t o motivo pelo qual os membm da Comunidade São Pedro não receberam
tituios dominiais e sim permissões de uso.
Auida, segundo o artigo 225, parcigrafo 5O, da Constituição Federal, e artigo 203 da
Constituição Estadual, são indisponíveis as t e m devolutas necessárias a prot@io de
ecosistemasnaturais ou inseridas em unidades de preservação.
Essa situação não t especffica a Comunidade São Pedro e verifica-se t a m k nas demais
comunidades jB pré-identificadaspor outros órgãos de governo, revelando, conforme pode-se
notar pela descrição da situação fundiária das k a s acima referidas, uma série de
problemas, de ordem jurídica institucional, que se opõem a pretendida titulação das
comunidades remanescentes de quilomóos existentes em território paulista, com ênfase para
o arcaboup legal que disciplina o ordenamento fundiário do Estado e para os c d i t o s com
a legisla@o ambiental.
Quilombos em São Paulo
Comunidade Nhunguara
Localização: Municípios da Estância Turística de Eldorado e Iporanga.
Área reivindicada uela comunidade: Em fase de levantamento de campo, incidente
em parte do 55' Perímetro de Apiaí.
Situação Fundiária: O 55" Perímetro de Apiaí foi julgado devoluto. A demarcação
proposta em juízo antes de ser executada foi impugnada por recurso. Há trabalho de
campo em andamento.
Situacão Ambiental: A área reivindicada pela comunidade está inserida na APA -
Área de Proteqão Ambiental da Serra do Mar.
Observações: A área reivindicada pela comunidade está sujeita às interferências do
projeto de barragem da Usina Hidroelétrica de Batatal, projetado pela Cesp.
Em tese, caso os títulos de domínio outorgados não tenham sido levados a registro poderá o
Estado revogá-los para posterior titulação a comunidade quilombola.
51
Comunidade Ivaporunduva
É a comunidade mais conhecida no Vale do Ribeira; tendo sido objeto de
reportagens no jornal "O São Paulo", e de dissertação de mestrado no
Departamento de Ciências Sociais da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências
Humanas da Universidade de São Paulo - FFLCWUSP - com titulo "Caipiras
Negros no Vale do Ribeira: um Estudo de Antropologia Econômica", apresentada
por Renato da Silva Queiroz, em 1983. A igreja local (N.S. do Rosário) é de 1791 e
está tombada pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico,
-
Artístico e Turístico do Estado de São Paulo Condephaat.
A comunidade propôs ação ordinária declaratória contra a União Federal, Fazenda
do Estado de São Paulo e Alagoinha Empreendimentos S/A., perante a 2' Vara da
Justiça Federal, intentando ver reconhecidos os seus direitos de propriedade
referidos no Artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.
Localização: Município da Estância Turística de Eldorado.
Área reivindicada pela comunidade: 3.158,ll ha incidentes em partes dos
perímetros 10°, 12O, 13' e 14' de Eldorado Paulista.
Situação Fundiária:
10' Perímetro de Eldorado Paulista: julgado totalmente devoluto, demarcado e
incorporado ao patrimônio público.
Legitimação de posses: Foi iniciado o procedimento de legitimação de posses,
encontrando-se paralisado em função de litígios entre os ocupantes. O
levantamento de campo, a época, constatou 10 ocupações (01 referente a
comunidade). A área reivindicada pela comunidade neste perímetro é de 276 ha.
12" Perímetro de Eldorado Paulista: julgado totalmente devoluto, demarcado e
incorporado ao patrimônio público..
Legitimação de posses: Foram constatadas a época do levantamento de campo,
09 ocupações que não obtiveram titulação. A área reivindicada pela comunidade
quilombola neste perímetro é de 263,50 ha.
13" Perímetro de Eldorado Paulista: julgado parcialmente devoluto e
demarcado. A área reivindicada pela comunidade quilombola neste perímetro é
de 1.801,20 ha incidente na porção julgada de domínio particular.
14" Perímetro de Eldorado Paulista: julgacio parcialmente devoluto, demarcado
e incorporado ao patrimônio público. A área reivindicada pela comunidade
quilombola neste perímetro é de 301,63 ha, sendo 169,80 ha em terras julgadas
de domínio particular e 181,83 ha em terras julgadas devolutas.
Legitimação de posses: Na porção devoluta deste perímetro foram expedidas 09
permissões de uso individuais para membros da comunidade.
Quilombos em M o Paulo
Comunidade Pilões
Localização: Município de Iporanga.
Área reivindicada uela comunidade: 8.180,88 ha incidentes em partes dos
perímetros 28", 31" e 35" de Apiai.
SituaMo Fundiária:
28" Perímetro de Apiaí: julgado totalmente devoluto e demarcado.
Legitimação de posses: Houve procedimento de legitimação de posses, tendo
sido expedidos 08 títulos de domínio na parte reivindicada pela comunidade.
Destes 08 títulos outorgados individualmente, 07 foram a membros da
comunidade e 0 1 a não integrante da mesma.
3 1"Perímetro de Apiaí: julgado parcialmente devoluto e demarcado.
Legitimação de posses: Não houve aplicação de cadastro fundiário e
conseqüentemente não houve procedimento de legitimação de posses. A área
ocupada pela comunidade quilombola abrange integralmente a porção julgada
particular (2%,31 ha), e estende-se em sua maior parte na porção de terras
julgadas devolutas.
35" Perímetro de Apiaí: julgado totalmente devoluto e demarcado.
Legitimação de posses: A área reivindicada pela comunidade quilombola
confronta com a porção de terras devolutas reivináicadas pela comunidade
Maria Rosa. Nesta porção do perímetro foram constatadas a época do
levantamento de campo, 19 ocupações tendo sido expedidos 03 títulos de
domínio e 02 permissões de uso individuais a membros da comunidade.
Situacão Ambiental: A área reivindicada pela comunidade está totalmente inserida
em Zona de Vi& Silvestre da APA - Área de Proteção Ambiental da Serra do Mar,
sendo que 2.529,40 ha estão sobrepostos ao Parque Estadual Intervales.
Comunidade Sapatu
Localização: Município da Estância Turística de Eldorado.
Área reivindicada pela comunidade: Em fase de levantamento de campo, incidente
em parte dos perímetros 2" e 27" de Eldorado Paulista.
Situação Fundiária:
2" Perímetro de Eldorado Paulista: julgado parcialmente devoluto, demarcado e
incorporado ao patrimônio público.
Legitimação de posses: A área reivindicada pela comunidade quilombola se
estende tanto na porção devoluta quanto na particular. Houve procedimento de
legitimação de posses tendo sido expedidos 08 títulos de domínio e 17
permissões de uso individuais a membros da comunidade.
27" Perímetro de Eldorado Paulista: está em curso a ação discriminatória.
Quilombos em São Paulo
Comunidade Cafundb
É a comunidade mais famosa por ter elaborado uma língua própria (a "cupópia" ou
"falange") com paiavras de origem afiicma, sendo também estudada por
professores universitários.
Localização: Município de Salto de Pirapora.
Área reivindicada bela comunidade: A comunidade quilombola reivindica área
maior (80 alqueires) do que aquela que efetivamente já lhe pertence (7,75 alqueires)
por força de sentença prolatada em ação de usucapião.
Situacão Fundiária: Pende ação judicial movida pela comunidade através da
Procuradoria de Assistência Judiciária da Procuradoria Geral do Estado para
conquista da área maior.
Observações: A área já efetivamente conquistada pela comunidade quilombola foi
tombada pelo Condephaat.
Propostas
Lançadas as bases para compreensão e dimensionamento do problema, tendo eleito
critérios essenciais para condução dos futuros trabalhos necessários a missão
imposta pelos dispositivos constitucionais, entendeu o Grupo de Trabalho oportuno
providenciar e propor o que se segue:
Outorga de uermissões de uso. em áreas Miblicas estaduais aos remanescentes
da comunidades de dlombos, conio medida preliminar e intermediária, no
sentido da regularizaçãojurídica da situação de fato, nos termos do artigo 68 do
ADCT da Constituição Federal. Tal proposta depende de parecer jurídico,
solicitado pelo Grupo de Trabalho a Procuradoria Geral do Estado. A outorga de
permissões de uso dependerá da aceitação prévia de cada comunidade
beneficiária.
Aceitacão das ocu~çõesdas comunidades auilombolas e revisão dos limites das
Unidades de Conservação, quando necessário for, bem como implementação de
planos de manejo sustentado e assessoria para produção econômica em bases
conservacionistas.
Alteração da legislacão fúndiária - em razão das limitações legais impostas a
tituiação de propriedades maiores que 100 ha (Lei 4925185, artigo 11) bem
como a limitação de titulação as pessoas jurídicas, (Lei 3962157, artigo 2",
inciso 11) entendeu o Grupo de Trabalho importante propor medidas capazes de
superar tais obstáculos legais. vislumbrando a oportunidade de se expedir títulos
às organkziç3es representativas das comunidaâes remanescentes de quilombos.
e por conseguinte, em áreas superiores a 100 ha.
Com tal propósito, apresentou minuta de anteprojeto de lei9, que após análise e
aprovação da Assessoria Técnico-Legislauva, foi aprovada pela Assembléia
Legislativa do Estado e promulgada pelo Sr. Governador.
Promma de desenvolvimento skioeconômico ambienta1 e cultural, instituindo
Grupo Gestor Interinstitucional - entenderam os membros do Grupo de
~rabalhooportuno apresentar sugestão de criação do programa em ep&rafe,
tendo em vista a complexidade e volume & trabalhos necessários a
compatibilizaçãodas diversas políticas setoriais, visando levar a efeito, não só o
cumprimento do dispositivo constitucional, como também de melhoria da
qualidade de vida das popula@edcomunidades remanescentes de qudombos.
Tal programa foi criado por demeto'' do Sr. Governador, conforme minuta
apresentada, envolvendo os mais diversos órgãos governamentais, bem como
entidades não-governamentais afetas a questão, prevendo parcerias com o
Governo Federal, Prefeituras e demais segmentos da sociedade civil, que
possam colaborar neste mister de resgate e defesa da cidadania viabilizando as
políticas fundiária, ambiental, culturai e social desenvolvidas pelo governo
estadual.
Audiência Pública
As propostas elencadas no item anterior foram objeto de ampla discussão em
audiência pública realizada no Centro Comunitário da Estância Turística de
Eldorado, no dia 30 de novembro de 1996, que contou com a presença dos membros
do Grupo de Trabalho, do Excelentíssimo Senhor Secretário da Justiça e da Defesa
da Cidadania, autoridades convidadas, lideranças e popuiação quilombola,
resultando no aperfeiçoamento e incorporação de sugestões ali apresentadas.
Ninguém contradi-La idéia predominante de que o Poder Público somente pode agir
na esfera da estrita legalidade, pódendo o governante, ou até qualquer servidor
público, ser responsabilizado se cometer um ato ilegal. Todavia os limites da
legalidade podem ser discutidos, e não raro. existem divergências quanto a aspectos
de interpretaçiio das leis. E isso pode ser e.uplicado pelo caráter dialético do Direito.
componente intrínseco da caracterização desse conio parte das ciências hunianas.
Muito embora, vánas vezes, a discussão quanto a aplicação de determinado
instituto jurídico existe pela divergência quanto à valoração (privilegialido certas
posições em detrimento de outras) de situações fáticas dada pelos operadores da
norma. Isto é cientifícamente aceitável. levando-se em conta inclusive a notória
teoria tridimensional do Direito (fato. valor e norma). de autoria do professor
Miguel Reale.
Este intróito é necessário para fixar algumas premissas em relação ao breve texto
que me propus a escrever sobre o assunto. Como membro do Gnipo de Trabalho
instituído pelo Decreto Estadual n. 40.723196, fui designado pelo Procurador-Geral
do Estado para representar nossa Instituição. Participei do Grupo não como um
conhecedor da questão dos quilombos, mas como representante de uma das
instituições do Estado, responsável pela guarda da Constituição e das leis.
remanescente de quilombo. Tal exclusão deve ser feita por meio de lei ordinária,
como dispõe o artigo 225,g 1°, inciso 111, da ConstituiçãoFederal.
Propus ao Grupo de Trabalho uma alternativa a tituiação. Melhor dizendo, não
seria uma alternativa, porque d o iria substituir a tituiação, mas somente adiantar
uma providência, com cunho preliminar.
Poderiam ser outorgadas permissões de uso pelo Governo do Estado aos
remanescentes de comunidades de quilombos que pleiteiam áreas com natureza de
terras devolutas estaduais. Evidentemente não teria ocorrido o cumprimento do
disposto no artigo 68 do ADCT, porque não haveria tituiação, mas a outorga de
uma permissão de uso pode trazer alguns benefícios.
A temtorialidade estaria assegurada. Para a outorga da permissão de uso o Pader
PUblico deve realizar os trabaíhos técnicos, estabelecendo limites e c o n f r o n m
fisicas, da área pretendida pelo remanescente de comunidaáe de quilombo. E o
Estado cederia a posse direta da área, podendo as pessoas que ali vivem exercer a
defesa da área, judicialmente ou não, contra a invasão de terceiros estranhos.
Também seria um beneficio o fato do Estado, por meio & decreto do Governador,
reconhecer publicamente o caráter de remanescente de comunidade de quilomim,
podendo, desde já, estabelecer programas de aiirmação da cidadania,
particularmente quanto à educação, saúde, assistência técnica agrícola e pecuária,
entre outras.
E, pelo lado do Poder Público, haveria uma simplificação de procedimentos
administrativos e legais, o que acarretaria uma antecipação no tempo em relaç40 à
titdação. Por ser a permissão de uso um ato unilateral da Administração Pública, e
não transmitir domínio, pode ser realizada por meio de termo público, após a
autorização do Governador do Estado. Não se cogitaria da suposta
indisponiiilidade de terras devolutas em áreas de preservação ambiental, nem da
alteração dos limites dos Fbrques e Reservas Ecológicas. Não necessitaria também
de qualquer revisão da legislação estadual, ou mesmo de procedimentos que
envolvam providências no âmbito do Poder Judiciário.
Por esse motivo, propus, como medi& preliminar, a outorga de permissões de uso
aos remanescentes de comunidades de quilombos, antecipando a titulação, como
parte do cumprimento do artigo 68 do ADCT.
Essas são as oôserva@es que entendo que deveriam ser feitas, sob as posturas
jurídicas que fundamento o relatório final do G r u p de Trabeího instituído pelo
Decreto n. 40.7231%. Isso não quer dizer que tais posições sejam intocáveis ou não
discutíveis.
O Direito, como acima afirmado, tem o brilho & ciência que comporta constantes
discussões, podendo até aceitar conclusões diversas para a mesma hipótese.
Contudo exige argumentação e lógica, e, a meu ver, as posig8es acima acenam no
senti& de uma interpretação & Constituição Federal que leva em conta seus
diversos dispositivos, e, em especial, a legalidade pela qual deve se pautar o
administrador público.
Luciano de Souza Godoy c5 Procurador do Estado de São Paulo desde 1993 e representou a
Instituição no Grupo de Trabalho instituído pelo Decreto 40.723196. Professor de Direito
Civil na Faculdade de Direito da Universidade São Judas, em São Paulo. Mestrando em
Direito Civil na Faculdade de Direito da USP.
Quilombos em São Paulo
Parte I1
Quilombos em São Paulo
71
Herdeiros de Zumbi: olhando o
futuro, sem esquecer o passado
Sandra Santos
Herdeiros de Zumbi:
olhando o futuro, sem esquecer o passado
' Moura, C . Quiiombm: resistência ao escmismo. 2' ed. São Paulo, Ática, 1989.
No Brasil, os quilombos tiveram vários tamanhos e graus de organização e se
assentaram em vários 10cais.~Praticamente todos os estados da União apresentam.
ainda, traços do que foram esses ajuntamentos de negros, porém. o maior e mais
famoso, o que ainda povoa o imaginário dos brasileiros, é Palmares, verdadeira
república de gente livre. que sobreviveu entre os anos de 1630 e 1695, na Serra da
Barriga, no atual Estado de Alagoas.
'Wo ano de 1583, as estimativas davam a colônia Prasil] uma população de cerca de
57.000 habitantes. Desse total, 25.000 eram brancos; 18.000 índios e 14.000 negros.
Segundo cálculos [...I para uma populapo de 3.250.000 habitantes em 1798, havia um total
de 1.582.000 escravos, dos quais 221.000 eram pardos e 1.361, negros, sem contarmos os
negros libertos que ascendiam a 406.000. Para o biênio de 1817-1818, as estimativas [...I
davam, para um total de 3.817.000 habitantes, a cifra de 1.930 escravos, dos quais 202.000
eram pardos e 1.361.000 negros. Havia, também, uma população de negros e pardos livres
que chegava a 589.000." (Moura, op. cit., pp. 6-7). 'A distribuição desses escravos pelo
territono nacional se fez de maneira mais ou menos uniforme obedecendo aos diversos
momentos de interesses da economia colonial, que era subordinada às necessidades do
mercado externo. Os primeiros grupos entraram pelo Nordeste e se espalharam [...I nos
campos e plantações de cana-de-açúcar, íümo e cacau [...I algodão. Durante o século XWü,
[...I na mineração principalmente em Minas Gerais, Mato Grosso e Goiás. [...I século XIX
[...I grande concentração deles em São Paulo e Rio de Janeiro, nas f&xadas cafeeiras. Além
do trabalho agricola, exerciam atividades domksticas e urbanas contribuindo para que, jB em
1819, nenhuma região do pais possuísse menos de 27% de escravos em sua população"
(Moura, op. cit., pp. 8-9). Para todos deve ser óbvio que, a luta pela liberdade - concretizada
a pariir dos mais diversos artificios como rebeliões coletivas, assassinatos de feitores e
senhores, incêndios de plantações e propriedades, fugas e alternativas individuais como
suicídios e abortos - foi uma constante desde que na América Colonial, pisou o primeiro ser
humano subordinado ao que se denomina escravidão modana - esta que está
intrinsecamente ligada ao capitalismo, esta que transformou homens e mulheres em
mercadorias. Os quiiombos existiram também em outros países como ColGmbia, Cuba,
Haiti, Peru, Guianas.
' Palmares foi a maior manifestação de rebeldia contra o escravismo na América Latina
(Moura, op. cit., p. 38). O crescimento populaciod do quilombo aconteceu a partir de 1630,
durante a ocupqão holandesa, quando diversos senhores-deengenho tiveram que abandonar
as suas propriedades. A agricultura era sua atividade básica (milho, mandioca, feijão, batata-
doce, cana-de-açúwtr e banana). A sociedade era dividida em camponeses, artesãos,
guerreiros e funcionários que se dividiam pelas cidadelas de Macaco, centro político-
administrativo; Subupira, campo de treinamento; Amam, Andaliquituche, Aqualtune,
Acotirene, Tabocas, Zumbi, Osenga, Dambragança e outras menores. A hierarquia de poder
em Palmares compreendia a Administração, que se incumbia de coletar os excedentes
agrícolas para trocá-los nos vilarejos, a Justiça, que aplicava a puniçb aos delitos, a Militar,
que se subdividia em comandante-chefe, general de amas, oficiais e soldados. A população
- entre vinte e trinta mil pessoas - era composta por negros, a maioria, índios, mamelucos,
mulatos e brancos que geralmente eram soldados desertares, margudizados e lavradores
expulsos das terras. (Andrade, Mário E. F. Do quilombo a Fundação Palmares. Brasília,
FCP, 1993. pp. 5-6-7).
Quilombos em São Paulo
Dia-a-dia no quilombo
O que se percebe andando pela região é que a vida nessas comunidades realmente
mudou pouco no Último século6. As roças de arroz, feijão, batata, mandioca, milho,
banana, continuam a ser cultivadas de forma artesanal. Eistem também galinhas,
patos e cães correndo pelo terreiro e crianças crescendo de forma bastante livre e
saudável. Tomando banho nos riachos e cachoeiras da mata, parte da população
continua morando em casas de pau-a-pique cobertas de sapé, embora algumas
sejam de alvenaria, possuam luz elétrica e até antena parabólica.
No quilombo Nhunguara, as escolas oferecem ensino até a quarta série; quando
passam para o segundo grau, os jovens vão até Eldorado, em Ônibus que servem a
região, duas vezes por dia. A dificuldade de acesso à escola e ao trabalho começa a
impelir parte dos jovens em busca de melhores perspectivas de vida nas cidades
maiores. O trabalho nas plantaws de grandes proprietários é cada vez mais
comum entre os quilombolas modernos. Nas estradas, com freqüência se vê
crianças oferecendo cachos de bananas aos turistas.
Alguns aduítos, periodicamente vão a cidade, fazem compras, vendem ou trocam o
produto de seu trabaiho por algum gênero: sal, açúcar. Vão também quando
necessitam do posto de saúde ou de algum encaminhamento para o hospital. Nas
comunidades existem postos de saúde, mas, como dizem todos por lá
"somente as quatro paredes, pois médicos e enfermeiras não
aparecemfaz um tempüo [...I Em casos mais graves, tem que ir
alguém para a cidade, arrumar uma condução, avisar o posto de
saúde, e ir buscar a pessoa. Nem sempre a pessoa consegue se
salvar... o posto de saúde também não é muito bom... "
No século XVIiI, o ouro atraiu para a região muitos aventureiros que acabaram se fixando e
organizando plantações, principalmente de arroz. Várias situações contribuíram para o
entranhamento dos negros nas matas - fugas, heranças ou abandonos de proprieiários - e
posterior fixação. As histórias variam tantas vezes quanto o número de pessoas
entrevistadas, o que contribuiu para a riqueza da memória da região e para a formação de
um elo de solidariedadeentre a população.
Assim vivem esses afro-descendentes. herdeiros mais diretos de Zumbi dos
Palmares, distantes do que muitos militantes urbanos @m imaginar. Uma vida.
no entanto, feliz na sua simplicidade e como diz o Sr. José Paula França:
"aqui nós temos tudo, alimentação,@tas [...I eu pretendo dar aos
meusjlhos tudo o que não tive oportunidade de ter, principalmente
estudo. "
Quem sabe agora, com a propriedade definitiva das terras?...
Carlos Vogt
Peter Fry
Qu~iombosem São Paulo
A "Descoberta" do cafundól
' Para melhor visualizar a localizaçiio geográf~cado Cafundó, ver mapar w Apêndice 1, p.
2801283. (ver nota I)
O termo 'jxentela" WUZ a expmsão e o conceito em d e s d i n g ki&, &
acordo com o tmbalho de Fre~nan(1961). Refae-se a um grupo corporativo (corpomte
group), no qual a mc1usão dos membros depende, em primeiro lugar, de sua descendhcia
do ankpasdo fundador (neste caso, Joaquim Congo) e também do fato & seus membros
~ ~ ~ r e s n a s t e r r a s ~ t e S a o g n > p o .
O leitor pode?.6 encontrar no Ap&hce 2, p. 285 u?na genealogia que mapeia as relações de
parentesco destas e de outras personagens que a m o ao longo do livro. (ver nota I )
Quiiombos em Sdo Paulo
A nqão de resistência simbólica tem estado atualmente em grande voga nos meios
intelectuais. Entre outras coisas, aponta para a não-passividade dos grupos minoritános
perante os grupos dominantes da sociedade mais ampla. Sob esse aspecto, a questão da terra
é central e adquire ainda maior relevo no caso de índios e posseiros, dada a expansão das
fientes de colonizaçíro e o desenvolvimento agropecuário incentivados financeiramente pelo
Estado. No Cafundó, esses dois elementos - propriedade da temi e preservaqão do
vocabulário afficano - parecem estar esimiuraimente ligados.
mando de um outro fazendeiro de Sorocaba.O crime se deu no Caxambu, perto do
Cafimdó, onde havia uma comunidade negra proprietária das terras. falante de uma
"língua africana" semelhante a do Cafimdó e de onde emigrou a M l i a Rosa de
Almeida, cujo pai já era falecido e cuja mãe - dona Maria Augusta - vem a ser irmã
de Otávio Caetano.
Dado o novo problema jurídico criado pelo assassínio de Benedito de Souza, o
Jornal da Tarde, proamdo por nÓq respondeu, no dia 21 de julho de 1978,
hiperbolicamente ao nosso pedido: deu manchete e fotografia de primeira página ao
crime. Internamente repraáuzia outra foto de Otávio e introduzia a matéria com o
título, bem a caráter, em linguagem própria do Cafimdó: KWIPA (KWIPA É
MATAR)E UM HOMEM FOI MORTO NO CAF-.
Sem dúvida, nosso objetivo era despertar interesse nacional pela comunidade,
procurando ao mesmo tempo obter assistência jurídica para ela, no que dizia
respeito a questão das terras e do assassínio. Chegamos a telefonar para a Comissão
de Justiça e Paz em São Paulo, mas o que realmente nos movia era o áesep de ver
incorporado na defesa do Cafündó o Movimento Negro Unificado 0, fundado
fazia muito pouco tempo, no dia 7 de juiho do mesmo ano.
Surge então em cena Hugo Ferreira da Silva, advogado negro, integrante do MNü.
Mostra-se interessado e convida-nos a falar com o movimento. Lá fomos nós. Da
mesma forma procuramos a comunidade negra de Sorocaba por intermédio de seu
clube social, o 28 de Setembro.
Num e noutro caso obedecíamos ao mesmo impulso ideológico: a crença de que o
Cafundó era um símbolo de resistência negra, cujo alcance político, ainda que
legitimasse nosso trabalho acadêmico, o uimpassava. Era inconcebível para nós.
brancos que somos, que esse simbolo não fosse incorporado na luta mais ampla dos
movimentos negros. A seu modo, cada uma dessas entidades acabou por envolver-
se com o CafbndÓ, envolvendo-o numa trama de relaçlksque foram modificando e
alargando as suas &onteirasculturais.
O MNü, Hugo Ferreira da Silva em particular, cria um Projeto Ca€ündó. Esse
projeto, segundo a notícia publicada na Folha de São Paulo no dia 11 de outubro de
1979, página 33, visava a "reconstrução da antiga comunidade e a proporcionar aos
seus atuais componentes meios de sobrevivência". O mesmo texto, além de
convidar o público a participar do lançamento do projeto na Associação Brasileira
de Imprensa, passava ainda a seguinte informação sobre o Cafündó: "mantém uma
tradição oralaioda brasileira com linguagem própria, derivada do tupi-guarani
(sic) e de dialetos africanos falados pelos escravos dos quais são descendentes".
O 28 de Setembro prestou uma assistência não apenas retórica ao Cafundó,
agenciando e distribuindo auxílios como alimentos, roupas e sementes de várias
procedências para os seus habitantes. Jorge Matos, membro e mais tarde presidente
do 28 de Setembro, membro também do Rotary Club de Sorocaba, teve um papel de
Quibmbos em São Paulo
primeiro plano nessas ativiáades. A seu convite, fomos falar aos rotariaros sobre o
CMunáó. na tentativa de obter mais assistência para a comunidade. Aqui também
houve resultados. Médicos. dentistas, comerciantes e industriais se perfilaram para
ajudar o &fim&. Alimentos, sementes, plantadeiras manuais, arados de tração
animal e até mesmo um burro foram doados. E verda& que o burro jamais foi
encontrado. Ainda assim, valeu.
Além de Hugo Femira da Silva, outros dois advogados, ambos & Soracaba, foram
chamados a colaborar na defesa dos rapazes envolvidos na morte de Benedito de
Souza: Antônio Santana Marcondes Guimarães, o mais conceituado criminalista da
comarca, e Bernardino Antônio Francisco. O primeiro foi contactado por
intermédio do jomaíista Sérgio Coelho e o segundo, por intermédio do clube 28 de
Setembro, do qual é membro e para o qual edita O Tumbu, jornal que trata de
assuntos afro-brasileiros.
Todas essas entidades tinham em comum aquilo que confessavam: prestar
assistência ao Cafbnáó. Partilhavam também um outro interesse menos claro: o de
se autofortalecerem social e politicamente com base no espírito assistencial de suas
ações. O resultado dessas atividades não poderia, entretanto, ser partilhado. As
rivalidades logo surgiram.
Não se pretende que esse relato tenha, nem de longe, a isenção de um narrador
borgeano: a defesa de nossos interesses acadêmicos esteve freqüentes vezes
encoberta pelo nosso "apadrinhamento" do Cafunâó.
O que se pretende, sim, t enfatizar, a partir desse caso particular, o problema mais
geral da relação entre o intelectual e a assim chamada cultura negra no Brasil,
insistindo sobre o aspecto de ' ' ~ r t a contido
" nessa relação.
O relato que aqui será feito é o de um narrador cientista que, interessado em
relativizar o comportamento do outro, se clscobre ele p w o relativkado diante
desse comportamento. Um relato cujo narrador em terceira pessoa dá lugar a um
narrador em primeira pessoa, isso é, a um narrador-personagem.
Se o MNU e o 28 de Setembro competiam pelo possível lucro político que adviria
do Cafundó, nbs outros também entrávamos em concorrência pública para auférir
os lucros acadêmicos que daí poderiam ser tirados.
Entre os personagens desse pequeno drama lítero-intelectual, entraram em cena,
além de n6s, o Museu do Folclore de São Paulo, na figura do pesquisador
Guilherme dos Santos Barbosa e, por intermédio deste, ligacio também ao Centro de
Estudos Africanos da Universi&& de São Paulo, o etnólogo, musicólogo, lingüista,
poliglota austríaco Gehard Kubik.
Outros personagens apareceram ao longo do tempo e, como num folhetim
romântico, foram reivindicando seu lugar na história: Waterloo José Greg6rio da
Silva, do Instituto & Artes.da Unicamp, escreve uma peça intitulada O charme
discreto do Cafundó: Clélia Noronha defende uma tese de mestrado na PUC -
Sorocaha,área de Arquitetura, cujo titulo é Cafundó; Abdias do Nascimento lança
na PUC - São Paulo o Instituto de Pesquisa e Estudos Afro-Brasileiros (Ipeafro) e
inclui o Cafúndó no seu projeto básico de pesquisa subre uQuilombos
contemporâneos".
Entre parênteses, é preciso mencionar ainda duas tentativas de influenciar
diretamente a cultura material da comunidade: uma, bem sucedida. é a de João
Mercado Neto, de Sorocaóa, que ensina o pessoal do Cafundó a fabricar tijolos de
cimento, fornecendo-lhes para tanto material e instrumentos básicos. Em
âecorrência, as moradias, que eram de pau-a-pique e barro batido, cobertas & sapé,
vão cedendo lugar a casas de cimento com cobertura de amianto. A outra tentativa,
com resultados menos transparentes e cronologicamente anterior a primeira, é a do
advogado, nosso conhecido, Hugo Ferreira da Silva. Ele pretendia que a
comunidade se empenhasse na fabricação de peças de cerâmica que, depois de
vendidas nos grandes centros, reverteriam em lucro para os seus autores. Chega a
orientar a construção de um pequeno fomo para a queima do barro e até mesmo a
levar para o Cafúnd6 fotografias de cerâmicas de Apiaí tiradas da revista Cultura,
do Ministério da Educação.
Uma outra idéia do mesmo personagem foi a de transformar o Cafundó num museu
vivo da escravidão. Nele estariam presentes não só os instrumentos de opressão e
tortura, como também haveria representações da vida social do escravo no Brasil.
Ck atores, é 6bvi0, seriam os habitantes do Cafúndó. O objetivo, mais uma vez, era
o de angariar fundos para a comunidade. Enfim, essa piedosa iniciativa também
não deu certo
O fato 6 que, se a questão entre o 28 de Setembro e o MNU se dava no plano de
comportamentos políticos controver~os,~ entre os acadêmicos ela teria de se
desenrolar no palco das controvérsias teóricas.
Assim foi.
Não nos terá faltado, a uns e outros, aquele motivo inconfesso que leva Brás Cubas
a sonhar com a invenção de seu famoso emplasto, espécie de panacéia universal.
Além do espírito humaniíário e cristão, além dos lucros financeiros que dele
poderiam advir, há a satisfação de ver seu nome brilhando nos céus da
popularidade. Ou,para retomar as palavras do próprio Brás Cubas no romance de
Machado de Assis (1%2:513): "[ ...I minha idéia trazia duas faces, como as
medalhas, uma virada para o público, outra virada para mim. De um lado,
filantropia e lucro; de outro lado, sede de nomeada. Digamos: - amor da glória".6
Crise de consciência a parte, trouxemos para o embate as armas de que
dispúnhamos.
Kubik, por exemplo, é um viajante de sua própria teoria. Começa em Viena, tem
seu compus avançado em Angola e projeta-se em significações filogenéticas sobre
todo mundo para onde houve tráfico de escravos, de preferência bantos.
Kubik parece estar respondendo, quase cem anos depois, a advertência dramática
de Sílvio Romero estampada como epigrafe no livro de Nina Rocírigues (1977:~).
Os aji-icanosno Brasil: "[ ...I temos a África em nossas cozinhas. como a América
em nossas sel\jas, e a Europa em nossos salões [...I Apressem-se os especialistas.
visto que os pobres moçambiques, benguelas, monjolos, congos, cabindas,
caçangas... vão morrendo...".
A conferência por ele realizada na Universidade de São Paulo (USP) no dia 12 de
setembro de 1980 é ilustrativa a esse respeito. Começa dizendo que seu ponto de
vista em relação ao Caíimdó "é diferente do ponto de vista da Europa, das Ciências
Sociais e do ponto de vista brasileiro". Embora não tenha ficado claro o que possa
ser esse ponto de vista da África. é certo que a ortografia constitui um de seus
pilares de sustentação. Senão, como captar a profundidade dessa observação feita
pelo estudioso?
E um erro dos pesquisadores brasileiros escrever as palavras (da
"línguaaji-icana7 numa ortograja brasileira. Épreciso escrever as
palavras numa ortografia banto. Do contrário, é impossível
comparar o vocabulário do CaBndó com as línguas de Angola.
Porque só se podem comparar coisas que têm um denominador
comum.
A hipótese geral de seu trabalho, apresentada na conferência &senvolvida
posteriormente no artigo "ExtensionenAfnkanischer Kulturen in Bra~ilien"(Kubik
1981) é que a comunidade do Cafundó tem uma relação direta com Angola, e que
utiliza palavras cujas combinaçóes não teriam necessariamente nenhum sentido,
salvo talvez o & apontar para suas origens na Áfiica. De modo mais direto e um
pouco menos elegante, Kubik chega a sugerir que os falantes do Cafundó são
impostores na medida em que intencionalmente procurariam fraudar os ouvintes
não iniciados na sua "língua". Desse modo, desqualifica a atualidade semântica das
palavras do léxico africano do Cafundó para reforçar a hipótese de sua
autenticidade etimológica.
8
A tendência para romantizar o dominado contém, na prática, a tentativa de limpar a sua
experiência de aspectos considerados negativos. No caso, as dissensões e disputas políticas
internas ao grupo que a magia expressa. Mas tanto a solidariedade e a harmonia sociais,
enquanto atributos de religiosidade, como o individualismo e as disputas politicas, enquanto
predicados de magia, são, da mesma forma, &tutivos dos candomblés.
necessários para que pudéssemos distinguir os que fan'am religião e
os que fan'am exploração.
Por outro lado, acreditamos que mesmo a "estrangeirização" do negro nessa fase
heróica, se ocorreu, deve ser avaliada também de um outro prisma. Aquele que
decorre do próprio heroismo e romantismo da fase: seria preciso refazer a
identidade do negro no país. Deixando de ser escravo, arriscava-se a marginalidade
que o estigma da escravidão lhe impunha numa sociedade de homens livres. Era
preciso, pois, considerá-lo estrangeiro, &r-lhe um passaporte e fazê-lo entrar
novamente no país através da eleição e da dignidade de suas origens.
Vê-se por aí o quanto seria interessante comparar este movimento com o
movimento & valorização mítica do índio do século XU(. Razões e impedimentos
históricos os separam no tempo em quase cem anos. Apesar das diferenças que
certamente serão muitas e importantes, é preciso lembrar que já Silvio Romero, na
famosa advertência citada por Nina Rodrigues, chamava a atenção para a presença
do negro na cultura brasileira fazendo menção da presença da América, vale âizer
do índio, em nossas selvas. Pensando nessa possível comparação é que chamamos
romântica essa fase dos estudos afro-brasileiros.
Contrariamente ao que muitas vezes se pensa, as alianças de interesse,as relações
entre os intelectuais e os produtores & cultura negra mostram que o meracio da
produção acadêmica não é restrito à própria academia. Na verdade, esse tipo de
aliança gera' compromissos mais amplos: aqueles em que o intelectuai busca o
autêntico e cartorialmente o autentinca. Uma vez reconhecida a firma,o objeto da
pesquisa integra, como prova de sua autenticihde, o carimbo do intele~tual.~
Beatriz Góis Dantas (1982: 162) observa que
"omovimento de legitimação dos candomblés acompanhava o
movimento de aproximação mítica com a Áfica. Os pais-de-terreiro
que não podiam viajar bebiam a Áfica na literatura que no Brasi.1se
produzia sobre as crenças e práticas rituais dos candomblés mais
puros".
Deste fenômeno M referências não só em Roger Bastide que na década de 40, em
sua primeira viagem ao Nordeste, encontra muitos pais-de-santo possuidores dessa
literatura, mas também em Edison Came.iro (1964:208) para a Bahia, em @cular
'O Essas infhnqões forrmi também colhidas na tese de Beatriz Góis Dantas (1982). Nela,
em pariicuiar no Capituio 4, há toda uma parte - "A signinaçh da 'voita' A Áfíica e da
exaitação do 'nag6 puro' " - que discute mais &tabdamente o problema.
as suas antigas vinculações tribais para interessar-se pelos
problemas nacionais como um brasileirode quatro costados. Tudo
imo signijca que devemos analisar o particular sem perder de vista
o geral, sem prescindir do geral, tendo sempre presente a velha
constataçdo ciendjica de que a modijicação na parte implica em
modificação no todo, como qualquer modificação no todo importa
em modi~caçi3esem todas as suas partes. (1 964:11 7)
Agora já não interessa mais o concerto ou o &mncerto do país em relação as
nações desenvolvidas. É na dialética do universal e do particular que se Mo de
encontrar os caminhos para as nações do Terceiro Mundo. Mas esse empenho
programático não terá, como dissemos, maiores conseqiiencias na obra de Edison
Carneiro, e sim na da chamada Escola Sociológica de São Paulo, com os trabalhos
de Florestan Femandes, Femando Henrique Cardoso e Octavio Ianni, entre outros.
Um caso curioso pela dualidade & comportamento te6rico é o do pesquisador
francês Roger Basti&. Em As religiões aficanas no Brasil (197144) afirma em
latim a sua identidade africana: "afhcanus sum". Essa adoção espontânea e um
tanto emotiva & uma identidade africana, coerente com parte de seus trabalhos, é,
no entanto, um pouco surpreendente quando se levam em conta as suas
p r e o c e teóricas presentes, por exemplo, no livro que escreve com Fiorestan
Fernan&s (1959) - Brancos e negros em São Paulo -,sob o patrocínio da Unesco.
Nessa época, a África já não tem a mesma importância epistemológica que tivera
anteriormente. Importa, isto sim, a estrutura de classes no Brasil, a história
particular do negro, primeiro como escravo, &pois como trabaihador livre marcado
pelo estigma do preconceito de cor.
Ao romantismo da fixe precedente substitui-se, então, um realismo de inspiração
sociológica, & fundo social e & aspiração socialista.
O movimento que se po& acompanhar nesses estudos, que comentamos de maneira
bastante genérica, parece vir da análise em termos médico-legais para a análise
culturalista e, enfim, para a análise sociológica, justamente na década em que,
superada a queslh da nacionalidade, quer em termos de raça, quer em termos
culturais, o pais não tem mais que se integrar em nenhum concerto universal &
nações, mas ser um dos estopins da revolta terceiro-nnindisía contra a desigualdade
e a injustiça social.
Mas 1978, quando o Cafundb foi " ~ r t o " são
, outros anos.
O golpe militar & 1964 consolidou-se no poder; a guemlha urbana foi esmagada
pelas forças de repressão; os modelos universais & redenção social do homem
adquirem figuras de impasses históricos; o humanismo & direita (o liberalismo) e o
& esquerda (o comunismo) perdem-se nas disputas de áreas & influência e em
confrontos da hegemonia política; nas entrelinhas do universalismo reaparece o
Quilombos em São Paulo
" O painel aqui esboçado é, sem duvida, incompleto. Tendências mais contemporâneas no
estudo no negro no Brasil deveriam ser também apontaclas. Entre elas, a que poderíamos
chamar l ~ c o - a n t r o p o l ó g i c a , na qual nosso trabalho podena estar inscrito,
camcterizand+se, de fato, por fszer uma espécie de antropologia da linguagem. Seria
preciso mencionar outras perspectivas de anáiise que, mesmo partilhando de atitudes
teóricas comuns a outros tratamentos, têm As vezes elementos singulares de distinção. É o
caso, por exemplo, da obra de Clóvis Moura que, além de associar uma visão histórico-
cultural do negro às signifiwçks estruturais de sua participação na sociedade brasileira,
caracteriza-se também, entre outras coisas, pelo ativismo político de seu autor.
Carlos Vogt é linguista e poeta. Foi Reitor na Unicamp e hoje coordena o Laboratório de
Estudos Avançados em Jornalismo desta instituição. É também diretor-executivo do Instituto
Uniemp - Fórum Permanente das Relações Universidade-Empresa.
Peter Fry é antropólogo e professor do M t u t o de Filosofia e Ciências Sociais da UFRJ.
Foi professor no Museu Nacional e antes, quando de sua vinda da Inglatema para o Brasil,
foi professor do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicarnp, que ajudou a
implantar.
Referências bibiiogMicas
Amaral, A (1976) O dialeto caipira. São Paulo, 3' ediçilo.
Bastide, R (1945) Imagens do Nordeste místico em branco e preto. Rio & Janeiro.
.(1971) As religões aflcanas no Brasil. 2 vols. São Paulo.
Cardoso, F.H. (1962) Capitalismo e escravidão no Brasil meridional. O negro na
sociedade escravocrata do Rio Grande do Sul. São Paulo.
Carneiro, E. (1964) Ladnos e crioulos. Rio & Janeiro
Cavalcanti, P. (1935) "As seitas africanas do Recife". In Estudos Aj-o-Brmdeiros.
Rio de Janeiro
Cunha, E. da (1914) Os sertões (Campanha de Canudos). Rio de Janeiro
Dantas, B.G. (1988) Vovô na& e papai branco: usos e abusos da h c a no Brasil.
Rio & Janeiro.
Fernancies, F. (1%5) A integração do negro na sociedade de classes, 2 vols. São
Paulo.
,(1972) O negro no mundo dos brancos. São Paulo.
"Tendopermanecido, desde a
d e d n c i a da mineração,
acentuadnnente isolado dos centros
urbanos regionais, o p o W o de
I v ~ r u n d u v aassumiu durante longo
tempo asfeições de uma com uni^
racial e, em alguns aspectos,
culturalmente diferenciada... "
O presente trabalho ccmstitui,em grande parte, uma síntese do meu livro Caipims Negros
no Vale do Ribeim: um estudo de antropoIogia econômica (1983), escrito com base em
pesquisa de campo realizada em Ivapomduva entre 1977-1980. Nessa ocasião, contei 202
moradores na Comunidade Ivaporunduva, 166 dos quais declararam-se nascidos no próprio
povoado.
abastecimento, tudo isto em decorrência de maciços investimentos oficiais para lá
canalizados depois que a região foi sacudida por um surto guerrilheiro liderado pelo
capitão iamarca.
Embora as sedes dos municípios tenham se beneficiado destes investimentos, o
mesmo não se verificou, conhido, nas zonas mais afastadas dos núcleos urbanos, a
não ser indiretamente, e mesmo assim as vezes com resultados negativos, pois sua
população, composta na quase totalidade & pequenos sitiantes e posseiros, passou a
ser assediada por fazendeiros e empresários seduzidos pelas terras que se
valorizaram. Abertura de estradas, incremento da pecuária, estímulos aos cultivos
de cacau, chá, banana e outras culturas, todos esses fatores transformaram certas
áreas antigamente inacessíveis e depreciadas em zonas disputadas, sendo por isso lá
frequentes os litígios envolvendo terras ocupadas por famílias de camponeses-
posseiros que retiram da agricultura, da pesca e do extrativismo os seus escassos
recursos de subsistência.
De modo geral, o povoamento da Baixada do Ribeira, sobretudo o das áreas mais
atkbdas dos atuais centros urbanos, é resultante da penetração de colonos europeus
através das vias fluviais. Nessa expansão, encontraram pela frente aldeias
ináígenas, provavelmente grupos Tupiniquins, de quem teriam assimilado as
técnicas & cultivo do solo, perpetuadas pela população rurai & região (Pinho,
1964:29/30).
Já a sede do município da Estância Turística de Eldorado teria sido fundada no
sécuio XVIII, com as penetrações de mineradores através do rio Ribeira e seus
afluentes, surgindo assim um dos primeiros povoados no interior da região (Pinho,
1964:31). Outra versão nos informa que Eldorado teria se originado & um
aldeamento indígena já em fins do século XVI (Almeida, 1947:49).
Ivaporunduva: a origem e o mito de origem
As fontes mais antigas pertinentes i comunidade de Ivaporunduva talvez sejam as
anotações deixadas por Edmundo Krug no relato da viagem que fez pela regiao,
documento importante publicado em 1912 (primeira edição) na Revista do Instituto
Histórico e Geográfico de São Paulo. Partindo de Eldorado pelo rio Ribeira de
Iguape, após dois dias de viagem Krug chegava a Ivaporunduva,
[...I logar ermo e habitado por algumasfamílias de pretos,
descendentes dos escravos de época da qual logo mais tratarei. Uma
capellinha, sem architectura alguma, apenas com uma larga porta
no pavimento térreo e duasjanellas no andar superior, que dão l u
ao côro, está construida no logar mais alto da beira do Ribeira:
íngremes morros, como o morro da "Joanna"e outros, cercam-n'a
pelo lado de traz, dando assim ao logarejo uma vista agradável e
poetica @g, 1942:272).
Quilombos em São Paulo
-
Assinala ainda o nosso viajante que naquela época final do sécuio XIX e início Q
-
XX Ivaporundwa abrigava um pequeno número de habitantes,
[...]fazendo, talvez, sómente o necessáriopara entreter a vida e
ganhar alguma cousa mais do que o suficiente quotidiano. E
acrescenta: O arraial, que é bem mais antigo que Jaguary (Itaúna),
está hoje em completa decadência, havendo ahi talvez só umas seis
casas mal acabadas quasi em ruinas, habitadaspor pessoas que se
dedicam exclusivamente á lavoura e gado (idem).
Em 1914 Cornelio Schmidt, que perambulou pela região com a comissão geográfica
e geológica do Estado de São Paulo encarregada de avaliar a área do rio Ribeira de
Iguape e afluentes, registrou algumas outras observações a respeito de
Ivaporunduva:
Este logar, interessantepela sua posição entre morros, está situado
na margem esquerda do Ribeira; compõe-se apenas de ires casas
velhas e uma pequena capella mais velha ainda, a qual, diz a
tradição ter sido construidapelos captivos que, ha mais de 240 anos,
mineravam ouro, no Ribeirão de Ivaporunduva. Por concessão de
seus senhores, dispunham dos domingos para a construcção do
templo; verdade é que este ribeirão temfama, de longa data, de
grandes riquezas em ouro (Schmidt, 1914:1).
Vê-se assim que os dois autores acima citados descrevem Ivaporunduva como uma
comunidade bastante antiga e isola&, habitada por áescendentes & africanos
escravizados que para lá foram compulsoriamente levados no século XVIII por
senhores sedentos de ouro. Destacam eles, ademais, as modestas atividades
econômicas dos moradores lá estabelecidos, práticas típicas do que se chama hoje
de "economia de subsistência". Ambos também mencionam, por fim, a existência
de uma capela, &cada pelas mãos dos próprios cativos em 1791.
A precariedade das edifícaq&, relataáa tanto por Krug quanto por Schmidt, pode
ser atribuida à decadência da mineração, com o que os &scen&ntes dos africanos
escravizaáos que permaneceram em Ivapomáuva viram-se oôrigaáos a encontrar
formas alternativas de obtenção de meios de vida. Além disso, se o núcleo áo
povoado dava a impressão de congregar poucas famílias, é porque boa parte delas
localizava-se em glebas distmciadas da área central2, configurando assim uma
forma característica de povoamento no mundo agrário paulista, conhecida como
"bairro rural" (Miiller, 1951; Queiroz, 1%7; Candido, 1964).
Na memória de seus atuais moraáores, a origem de Ivaporunáuva remonta à
chegada ao local de uma senhora portuguesa, de nome Maria Joana, que para lá
Era hábito arraigado dos moradores, seja por comtnqhento, seja por temor, esconderem-
se quando da chegada de estranhos.
levou negros escravizados para o seMço da mineração de ouro. Essa lendária
mulher teria mandado construir mais tarde a capela onde pudessem ser realizadas
as celebrações religiosas e também uma casa para sua moradia. A capela sobreviveu
ao tempo e foi tombada pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico,
Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado de São Paulo (CONDFPHAAT). Da
casa, já demolida, assim como do cemitério local, restavam no final dos anos de
1970 apenas vestígios das fundaçks. Adoentada, teria essa senhora retomado a
Portugal, não sem antes doar suas terras à santa padroeira do povoado - Nossa
Senhora do Rosário dos Homens Pretos - e alfoniar os escravos. Difusa entre os
habitantes de Ivaporundwa é também a crença na existência de uma fortuna em
ouro, escondido nas paredes da capela.
A luz de uma reflexão antropol&gica,o relato dos moradores contém, grosso modo,
todos aqueles elementos que configuram um verdabeiro mito de origem de um
grupo ou povo: 1) uma personagem l e n M a escolhe um determina& local para se
estabelecer; 2) cria as condições para a emergência & um ambiente humanizado
(construção da capela e difusão da fé cristã) e, mais tarde, tendo compieiado a sua
missão; 3) retira-se para terras distantes, inatingíveis (Portugal); 4) deixando para
trás uma comunidade estrutura&, iguaütária (alforria dos escravos) e rica (o ouro
escondido nas paredes do templo religioso).
Edmundo Krug teve o cuidado de trankmer em seu relatório de viagem certas
passagens do Livro de Tombo de Xiririca (antiga desigt@ío do município de
Eldorado), revelando que a senhora referida pelos moradores de Ivaporundwa
chamava-se Joanna Maria,nascida em Minas Gerais (e não em Portugal), fálecida
[...I aos 2 de abril & 1802. com idade & noventa annos. sem deixar bens alguns,
porque em vida soube dish-ibuil-os, e remunerar com a liberdade os escravos que
lhe servi% (Kmg, 1942: 274).
As anotações do Livro de Tombo, prossegue Kmg, registram que a coluiru@o da
capela data de 1791. E como Toda igreja deve ter um pahimonio, isto d, bens
consignados para o sustento do padre que ahi diz missas, ou então para, com os
rendimentos, poder se concertar a igreja, o cem-tèrio,emfim para se poder manter
decentemente tudo o que diz respeito á casa de Deus, [...I este patnmdnio pode
constar & casas, [...] ou de terrenos, que são alugadospara lavradores, ou mesmo
de terrenos aurifros em arraiaes de minas @. 276). No caso de Ivapo- tido
como um lugar muito rico, I...] ldgrco era que qualquer proprietário piedoso
tivesse feito doaçtio de alguma lavra à Santa protetora da capellinha. O ouro era
bateado tambdm pelos crentes, que, por mera devoçdo, ~servavamalguns dias do
anno para este serviço, cujo producto, depois de lava&, era entregue & igreja
(idem).
Consta que do patrimônio da capela de Nossa Senhora do Rosário dos Homens
Pretos faziam parte uma casa de taipa e uma lavra de ouro. KNg avalia que a
Quiiombos em São Paulo
Todas as falas de moradores transcritas neste trabalho foram retiradas de Queiroz, 1983
Na década de 1950 os moradores de Ivapomáuva praticamente abandonaram as
roças de subsistência que cultivavam e passaram a extrair palmito das matas
vizinhas. atividade que perdurou até o final da decada de 1%0. É bom lembrar que
a progressiva áevastação florestal do Estado de São Paulo fez com que das vastas
porções de mata restantes no Vale do Ribeira fossem cortadas expressivas
quantidades de palmito por Ma da superexploraçáo da força de trabalho camponesa
local.
A extração do palmito impôs uma maior dispersão demogránca, abandono das
roças e das criações, acarretando também um certo afrouxamento dos mecanismos
tradicionais de entreajuda e sociabilidade5. As condições de vida e trabalho do
cortador & palmito são em gemi muito penosas: ocupaçfh & habitações
transitdrias e precárias, exposi@o constante a intempéries, alimenbçb deficiente,
isolamento, endividamento, etc. Mais do que isso, essa atividade submeteu toda a
comunidade ao controle do compradar do paimito, alem de torná-la
economicamente vulnerável porque dependente de um Único produto.
0 s demais meios & vida, até então praduzidos diretamente pela comunidade - o
que lhe garantia acentuada auto-suficiência - passaram a ser aáquiridos por meio de
trocas monetárias, não sendo raro que um mesmo agente desempenhasse o duplo e
lucrativo papel de comprador de palmito e vendedor de outras mercadorias. Assim,
de lavradores a paimiteiros, os moradores viram-se compelidos a uma troca cada
vez mais desigual e impossibilitados, a partir de então, de retornar à condição
anterior, a & lavraâores, quer pela inexistência âe um "fundo de c o m u 6 ,
perdido com o abandono das roças e das criaçk, quer pela introdução de hábitos,
necessidades e estilo de trabalho até aquele momento desconhecidos no interior do
povoado.
Tristes evocaç&s a respeito da época em que o corte do palmito monopolizava a
comunidade de Ivaporunduva pontuam as falas de moradores mais velhos:
o pessoal daqui trabalhava muito no corte do palmito nesse sertão.
Corta palmito, corta palmito, e esqueceram da lavoura. O palmito
mesmo não dava nada, era coisa muito barata. Era trinta palmrmrtoe
pagavam uma dúzia. Nojim o pessoaljicava só com a canseira e
nadafazia. Palmiteiro C bicho danado, com o perdão da palavra.
Então, esqueceram da lavoura, o mato cresceu e estragou tudo.
Ficaram sem roça.
Mecanismos que openun em práticas sooiais tais como o mutirão, festas religiosas -
sobretudo a da Padroeira -,ritos fúnebres etc.
Meios de consumo necessários a manutenção do trabalhador antes da finairzação da
produção (Marx, 1971:459).
Quilombos em São Paulo
Para que se tenha idéia da rusticidade decorrente deste isolamento, ainda em 1%9 as
mulheres cortavam a foice os tecidos utilizados na confqão de roupas, pois não dispunham
de tesouras, segundo nos informou em 1979 a esposa do então agente educacional-
comunitário residente em Ivaponinduva.
Quilombos em São Paulo
O agente educacional que chuante vários anos prestou relevantes serviços para a
comunidade assim defíniu a atividade dos palrniteiros:
o palmito estraga qualquer região. m a g a os moradores e talvez
facilite para os donos defábrica. O que aconteceu aqui quando eu
cheguei é que eles cortavam dez dúzias de palm.to e recebiam por
duas ou três. Eles pegavam um pacote de palmito e era um. Este
interneatário que compa palmito põe também uma chiboguina e o
que vai lá no mato cortar palmito, quando vai acertar as contas,já
está devendo outra vez. Entdo, o quefaz? Comprapinga e leva pro
mato. A tuberculose aqui é acentuada porque é conseqü@nciaainda
do tempo do palmito, falta de al~mentaçãoadequada e serviço
intenso, com sol e chuva. N&otinha o que comer, eles tomavam
pinga.
O trabalho assaianado
O final da & a i a de 1%0 leva até Ivaporunciuva a estrada de rodagem e com ela
também novos costumes, hábitos, necessidades, mercaãorias, apropriação privada e
cercarnento & terras e, soòretuúo, um tipo de relação de trabalho até então esbanho
ao grupo: o dariamento. Fragilizados pelo engajamento no corte do palmito,
deqmvidos & fundos de consumo, os nossos sujeitos, tendo pela frente a redução
& disponibilidade de terras e a progmsiva dependência face às trocas monetizadas
para o provimento & necessidadeç ampiiadas, viraxn-se coagidos a vender a sua
força de trabalho aos fãzendeiros da região.
Muitos chefes de Ebmilia, deixando mulheres e fiihos no bairro, partiram à procura
de trabalho nas fazendas,onde pemamciam às vezes por vátias semanas. Quando
retomavam, traziam ine@vas quantias em dinheiro e escsssas mercadorias. Na
condição de "diaristas", jamais viram respeitaâos os seus direitos trabalhistas. De
outro lado, permaneciam sedentárias as mulheres, labutando nas roças, contando às
vezes com uma fbrça & trabalho masculina sempre eventual e suplementar.
Por sua vez, moças e rapazes solteiros jxwaram, a migrar à procura de
oportunidades de trabalho nos centros urbanos. As primeiras ofereciam-se
ocupações suboùtemas, em geral empregos domésticos, e aos segundos nada além de
algumas colacapões nuais ou urbanas igualmente mal remuneradas.
C o w o período no qual a comunidade com@-se de grupos familiares
auto-sufícientes com essa fase mais mente, caracterizada pelo assalariamento, um
velho morador assim se expressou:
é certo que não c0rn.a dinheiro, mas a pessoa plantava e comia do
seu, do bom. Eu tenho 74 anos [em 19791, nunca tive recurso, mas
também nunca me entreguei emfazenda nenhuma. isso é como a
escravatura que está voltando de novo.
A transição para o trabalho d a r i a d o , assim como já ocorrera com a introdu$lo
do corte de palmito, acentuou a c & s o ~ dao comunidade de Ivaporunduva
empobrecendo as famílias, roubando braços às lavouras de subsistência.
subvertendo costumes e amtxqando sobremaneira as suas práticas tradicionais de
solidariedade. Tudo isso compunha um quacb.o ameaçador, colocando em risco a
própria reprodução da comuniâaâe enquanto um grupo camponês cujas terras, tidas
-
como sagradas as "terras da santa" -,vinham sendo progressivamente grilaâas.
Conclusões
Uma ação ordinária declaratbria foi recentemente proposta, perante a 2" Vara da
Justiça Federal, contra a União Federal, a Fazenda do Estado e a "Alagoinha"
Empreendimentos S/& solicitando o reconhecimento de Ivaporundwa como uma
comunidade descendente de quilombo. Ademais, os seus advogados pleiteiam que a
União se veja oôrigada a demarcar as terras que a comunidade vem ocupando pelo
menos desâe meados do sécuio XWI, bem como a emitir-lhe um titulo dorniniai.
Como já foi visto, essas reivindiczqões da comunida& de Ivaporunduva baseiam-se
em sólidas evidências históricas, antropo16gicas e até mesmo arqueológicas, e por
isso encontram total amparo nas disposições constitucionais da Carta ~agna'.
Senão, vejamos.
Antes de mais nada, é preciso mencionar os critérios recentemente estabelecidos
para a definição das "comuniáades quilombolas": não são elas apenas as
constituidas de remanescentes de escravos fugidos, mas toda comunidade negra
rural que agrupe descendentes de escravos vivendo da cultura de subsistência e
onde as manifestações culturais têm forte vínculo com o jmssado8. Sendo assim,
devem ser feitas as seguintes considerações:
Em primeiro lugar, fontes escritas (Kmg e Schmidt) e a própria tradição oral dos
moradores mostram que a comunidade de Ivaporunduva originou-se & um grupo
de escravos que para lá foram compulsoriamente mn&eridos na condição & m3o
de obra cativa destinada a mineração do ouro.
Em segundo, a capela existente em Ivaporunduva (tombada pelo CONDEPHAAT)
data, segwido q$tros escritos, & 1791, e tudo indica ter sido construída pelos
próprios cativos, configurando pois, a um só tempo, uma evidência de ocupação
bastante antiga da área e um patrimônio da comunidade.
' Os artigos 215 e 216 da Constituição Federal e o artigo 68 do Ato das Disposições
Constitucionais Transit6rias conferem o direito de propriedade aos remauescentes das
comunidadesde qwiombos. Para uma melhor compreensão deste assunto, vea neste mesmo
l i m o excelente Relat6rio Final do Grupo de Trabalho criado pelo Decreto no 40.723 de
21/03/1996.
D e f ~ ç ã oadotada pela Associação Brasileira de Antropologia (ABA) em 1994.
Quilornbos em São Paulo
Parte I11
Quilomhos em São Paulo
119
Quilombos:
Repertório Bibliográfico
de uma Questão Redefinida
(1995- 1996)
Leia Azevedo, T. As elites de cor numa cidade bm'leim - uni estudo de arcasão social &
clarses sociais e grupos dtnicos. Salvador. Emp. Graf. Da Da. 19%. p180.
'%i& OaDwyer,E. C. (org.) - T e m de Quilombos. Rio de Janeiro. Asw%$o Brasileira de
Antropologia ICFCH - UFRI. 1995. p139.
" Cf. Agorsah, E. (ed.) Maroon Henentage - Archaedqgicul, Ethnggmphic and Historicul
Persptives. University of The West Indies. Canoe Press. Barbados/ Jamaica/Trindad and
Tobago. 1994. p210.
l2 Este GT foi coordenado pela pr0fexm-a Neusa M. Mendes Gusmão, Unicamp, e realizado
no decorrer da XX Reunião da ABA subdividido em duas sessões. Na primeua, foram
apresentadas comunicac6es, que incluíam não a- teses mais recentes, mas também
resultados de trabalhos & pesquisa iniciados no nnal da decada de 19óO-70, como o da prof
-
Mari N.Baioccbi, autora de Negros do Cedm Eshuio anhopoógicode um Bainv Rum1 de
Negmr em Goih. Sãlo Paulo. Ática. 1983, mas que m b w a m redefinições teóricas
consoante as reapropriaçlks atuais da categoria quilomba Senão vejamos:
Reis, D. M. - "Quilombo: uma história de índios pmeiros e negros quilombolas"
Funes, E. A. - "Pacovai do Marambiré, do Contraveneno, Pmval dos Mocambeiros."
A XX Reunião deu tamóém continuidade aos objetivos do Grupo de Trabalho áa
ABA sobre Comunidades Negras Rurais, fixados a partir de encontro realizado no
Rio de Janeiro nos dias 17 e 18 de outubro de 1994.
Também, c i d o u para um público restrito o "borrador", em processo de edição,
denominado "La inclusión de los afrooolombianos. Meta inalcanzable?" - Bogotá.
UniversiQd Nacional de Colômbia. 19%. p76, de autoria do antrojhlogo Jaime
Arocha, que visitou a Universidade Federal do MaranMo, em meados de 19%, no
âmbito das atividades do projeto de pesquisas realizadas com apoio de Colciencias,
Centro Norte Sur de La Universidad de Miami, Unesco e Cindec de Universidad
Nacional de Colômbia.
Os autores jB realizam pesquisa com respeito a esta situaçh desde íins dos anos 1970-80.
Para tanto consulte, também, dos mesmos autores: "A descoberta do Cafundó, alianças e
conflitos no cenário da cultura negra no Brasil" in Religião e Socieciâde no 8. Rio de Janeiro.
ISER. 1982.
incluem-se neste tópico dezenas de títulos alusivos ao tricentenário de Zumbi do
Quiíombo de Palmares e temas correlatos que mobiliunrmi no decurso de 1995 inheros
produtores intelectuaisafetos ti questão (Moura, C.; Freitas, D.; Nascimento, & Wemeck de
Castro, M.; Mariano, B. D.), bem como suscitaram polêmicas diversas, tais como:a adoção
de cotas raciais no Brasil ou o sentido da ação afínnativa (Santos, H.> a sexualidade de
Zumbi dos Palmares (Moti, L. e as inúmeras conte&@es) e ainda as acusações de racista
contra a peça "Zmnbi" do grupo de teatro Olodum ajxesentada no Festival Internacional de
Teatro, em Londres (Inglaterm). Acresante-se a atenção especial dada ao tema da
escravidão pelas editorias de peri6dicm como Pmns. Caderrros do Terceiro Mundo, V&
Teoria & Deòate. Pambóli~s.Sem Fnmteims e Os caminhos da Tertu, dentre outros. A
consulta a estes periódicos poderá propiciar uma lisiagem bastante extensa de Mtulos. Para
efeitos desta breve resenha vale citar:
Maestri, M. "Zumbi 300 anos: Palmares - a comuna negra no Brasil escravista" in:
PmrLs.Belo Horizonte (MG). Out-Dez. 1995. p. 33-34.
Andrade, L. M. M. "Os 300 anos de Zumbi e os quilombos contemporâneos'' in: ''Faça a
coisa certa", encarte de Teoria & Debate no 31. São Paulo. SNCRWT. 1995. p. 12-16.
Toledo, R. P. "Escravidão - o passado que o Brasil esqueceu. A sombra da escravidão"
in. Veja no20 - Ano 29.15 de maio de 19%. p. 5245.
As publicações científicastambém diwlgamm artigos segundo esta orienta@o:
Gomes, F. S. 'Em tomo dos burnerangues: outras histórias de mocambo na Amazonia
Colonial" in.Revista USP no 28 São Paulo. Dezembro de 1995 - fevereiro de 19%.
Reis, J. J. "Quilmbos e revoltas de escravos no Brasil" in: Revisto USP no 28. S%o
Paulo. DQanbro de 1995 - fevereiro de 19%.
Araújo, L. F. ''0 projeto quilombo: estudos de caso Cacimbinha e Boa Esperança,
municipio de Presidente Kennedyl Espirito Santo" Un: Revisto de História no 4 . Vitória.
Dept" de História da UFES. 1995. p. 95-109.
Podem ser classificados neste t6pico os livros e artigos de jornalistas e demais
divulgadores e comeniarista da questão. O caderno "'Mais" da Folha de .!Uio Paulo, em 19 de
março e 12 de novembro de 1995, dedicou praticamente duas edições especiais ti discussão
sobre os quilombos. Foram enfatizadas as fontes documentais e arquivisticas dqoníveis no
Arquivo Histórico Ultnmiarino, em Lisboa (Portugal) e nos Museus Históricos e Nacional de
Amsterdã e na Casa de Maurício de Nassau em Haia (Holanda).
Há ainda os livros de jornaiistas, elaborados a partir de viagens feitas a algumas situações
classificadas como quilombos, tais como o de Paula Saidanha sobre o Quilombo do Frechal
(MA) e ainda o de Hermes Leal, intitulado, Quilombo: uma avslhrm no vão das almas. São
Paulo. Mercuryo. 1995 p142.
Dentre os artigos podem ser lembrados pelos menos dois, quais sejam:
Quilombos em São Paulo
Teles, R.- "A tem prometida" in: Os caminhos da t e m . Ano 5(7). Julho de 19%. p.66-
73.
Chacon, V. 'O cadáver da escravidão e o Estado desorganhdo" in: Folha de São
Paulo, 5 de janeiro de 1995.
no Iikmbãon, de autoria da prof Matistela de Pauia Andrade, coordenadora do
mestrado em Políticas Públicas, da Universidade Federal do Mai.anh%o.A Fundação
Ford aprovou o projeto que refere-se ao tema 2, compreendendo simultaneamente
três instituiçh: Associação Brasileira de Antmpologia (ABA), Instituto
Sócioambientai (ISA) e Projeto Vida de Negro-SDDH-CCN do Maranhão. Em
outras palavras, pode-se asseverar que diferentes gêneros de pro&ção intelectual
perscrutam aspectos desta nova temática.
Neste estado atuai de conhecimento, que envolve mais de uma centena de
produtores intelectuais, parece que se percebe os quilombos menos como uma
definição jurídico-formal, que remete às &posições legais das autoridades
coloniais, do que como um instrumento de luta, nemsuiamente, imposto como
tema de reiiexão pelas mobikações camponesas para assegurar seus territórios,
designados como terras de preto, e o reconhecimento de sua identidade coletiva
objetiva& em movimento. Talvez sejam estes os padmetros2' que passam a
orientar esta proáução intelectual e científíca que ora constitui um domínio próprio
de investigação e em cujos meandros se dispõem essas ~ ç õ e s e* novos títulos.
Artigo 68 ADCT
Constituição da República Federativa do Brasil
TITULOVIII
Da Ordem Social
cAPÍTUL0 111
Da Educação, da Cultura e do Desporto
SEÇÃO n
Da Cultura
-
Artigo 215 O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos
direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a
valorização e a difusão das manSksta@es culiurais.
g 1" - O Estado protegerá as manifestações das culturas
popuiares, indígenas e afin-brasileiras, e das de outros grupos participantes do
processo civilizatório nacional.
§ 2" - A lei disporá sobre a fixação de datas comemorativas de
alta significação para os difbentes segmentos dtnicos nacionais.
..
Dispõe sobre o processamento das legitimações de
posse em terras devolutas
O Vr
I- do Estaáo & S%o Paulo, no exercício do cargo &
Governador, f h q ~saóer que a Assembitia Legislativa DECRETA e eu
PROMULGOa seguinte lei:
-
Artigo 4" Apresentada reclamação que de algum m d
interfua wm o interesse & um possuidor cujo nome figure na relação que alude o
artigo 2", inciso II, será este pessoalmente intimado para, dentro & 15 dias,
ofbrecer&ba.
ArtgoC-Ratifícadooyseforocaso~cadooplano
geral, os possuidores, a que o Estado haja afinal reconhecido o direito de
legithaçáo, seserão pessoalmente intimados a pagar, no prazo de 10 dias,
prorrogável a exclusivo critério do Pnxmaáor-Chefe, a taxa & tmnderência,
calculadanabase& lO'%sobreovaior&terra.
Artigo11-OEstadoobservaráolimitede100(cem)~
nas legibações de posses e m terras &volutas.
Decreto no40.723, de 2 1 de março de 1996
-
Artigo 4" A Secretaria & Justiça e da Defesa da Cidadania
fornecerá o suporte técnico e administrativo necessário ao desenvolvimento das
atividades do Grupo de Trabalho ora criado.
Parágrafo único - O Grupo de Trabalho contará, ainda, com
uni Secretário Executivo e um Relator, para esse fim designados pelo Secretário da
Justiça e da Defesa da Cidadania.
-
Artigo 1" Fica instituído Programa de Cooperação Técnica e
de Ação Conjunta a ser implenientado entre a Procuradoria Geral do Estado. a
Secretaria da Justiça e da Defesa da Cidadania. a secretaria do Meio Ambiente. a
Secretaria da Cultura, a Secretaria de Agricultura e Abastecimento. a Secretaria da
Educação e a Secretaria do Governo e Gestão Estratégica. para identificação.
discriminação e legitimação de terras devolutas do Estado de São Paulo. ocupadas
pelos Remanescentes das Comunidades de Qwlombos. sua regularização fundiária.
e implantação de medidas sócio-econônucas. ambientais e culturais.
-
Artigo 3" Para implementação do Programa. fica instituído
uni Grupo Gestor, vinculado ao Gabinete do Governador. que será composto por:
-
I 1 (um) representante da Procundoria Geral do Estado:
I1 - 2 (dois) representantes da Secretaria da Justiça e da Defesa
da Cidadania. sendo 1 (um) do Instituto de Terras do Estado de São Paulo "José
-
Gomes da Silva'' ITESP;
-
I11 2 (dois) representantes da Secretaria da Cultura. sendo 1
(um) do Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico. Arqueológico. Artístico e
Turístico do Estado de São Paulo - CONDEPHAAT:
-
IV 2 (dois) representantes da Secretaria do Meio Ambiente.
sendo 1 (um) da Fundação Florestal:
V - 1 (um) representante da Secretaria do Govenio e Gestão
Estratégica:
VI - 1 (um) representante da Secretaria de Agricultura e
Abastecimento:
VI1 - 1 (um) representante da Secretaria da Educaçâo;
VI11 - 1 (um) representante do Conselho de Participação e
Desenvolvimento da Comunidade Negra;
IX - 1 (um) representante da Ordem dos Advogados do Brasil
-Secção de São Paulo - Subcomissão do Negro. da Comissão dos Direitos
Humanos:
X - 1 (um) representante do Fórum Estadual de Entidades
Negras do Estado de São Paulo.
Parágrafo único - Os integrantes do Grupo Gestor serão
indicados. respectivamente. pelo Procurador Geral do Estado. pelos Secretários de
Estado e Entidades nele representadas.
-
Artigo 5" Os membros do Grupo Gestor terão. de acordo com
as respectivas esferas de competência dos órgãos que representam. as seguintes
atribuições:
I - coordenar e acompanhar o andamento dos serviços:
I1 - estabelecer permanentemente intercâmbio de informação
visando a padronização de linguagem de documentos relativos a questão
quilombola;
111 - realizar estudos para o estabelecimento de métodos de
trabalho de campo e de escritório que, sem prejuízo de precisão e acuidade, tornem
iiiais dinâmico o desenvolvimento das diversas fases dos trabalhos:
-
IV estabelecer cronograma de atuação:
V - estabelecer os contatos que se fizerem necessários.
propondo a celebração de convênios com Órgãos públicos ou privados. como o
Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária. Fundação Palmares.
Universidades e Entidades correlatas, visando a troca de informações e experiências
comuns no trato das questões quilombolas.
S 1" - Os programas específicos de cada comunidade
quilombola serão definidos em conjunto coni os Remanescentes das Comunidades
de Quilombos. que participarão. também. de todas as etapas de sua implementação
e execução.
~.nilonibosem São Paulo
-
Artigo 6" O Grupo Gestor reunir-se-á periodicamente. pelo
menos uma vez por mês. devendo elaborar ata sucinta dos assuntos e decisões
toniadas e apresentar. trimestralmente. relatórios das atividades realizadas.
-
Artigo 9" Compete a Secretaria do Meio Ambiente:
I - instituir programas de extensão ambienta1 e fomento de
atividades sustentadas de utilização de recursos florestais junto as comunidades:
I1 - acompanhar eiii conjunto coiii a Procuradoria Geral do
Estado e Secretaria da Justiça e da Defesa da Cidadaniahistituto de Terras do
-
Estado de São Paulo "José Gomes da Silva" ITESP. demarcação das divisas das
Unidades de Conservação. consolidando e conipatibilizaiido os liiiiites dessas
unidades nas regiões onde se encontram os Remanescentes das Comunidades de
Qulombos:
111 - proceder a regulamentação das Áreas de Proteção
Ambienta1 e áreas de entorno das Unidades de Coiisen.ação. visando a
compatibilização de regiões onde possa ser mantida a ocupação já existente. da
forma de utilização da terra e a viabilidade da eirpedição de títulos de domínio pelo
Poder Piiblico:
IV - propor medidas aptas a conipatibilizar as ocupações de
Renianescentes das Comunidades de Qulombos com áreas de unidades de
conservação, alterando os limites das mesmas. quando necessário
V - prestar. sempre que for solicitada. informações e serviços
especializados a Procuradoria Geral do Estado. no caso das a&s interpostas por
particulares contra a Fazenda do Estado. envolvendo as terras ocupadas por
Remanescentes das Comunidades de Qulombos cujos limites estão sobrepostos aos
das Unidades de Conservação.
-
Artigo 13 Compete a Secretaria do Governo e Gestão
Estratégica compatibilizar as a ç k s dos diversos órgãos com os fins especificados
no presente áecreto.
-
Artigo 4' Aplica-se sub6i-nte o disposto na Lei no
3.962, de 24 & julho de 1957, exceto em ~eia@oà posse por preposto e à
obrigatoriedade do pagamento & taxa de transferência.
São Pedro
"Todo mundo irabalha no mutirão. Homem, mulher, de idade. No
sábado teve um para barrear uma casa. Foram todos, as crianças,
todo munáo. Trabalharam o dia inteiro, não pararam. Terminou essa
barreaçi70 meio dia e meia"
''O mutirdo a gentefaz desde o começo dos nossvs irabalhos,já foi o
tempo inteiro. Quando dava sete horas o pessoal está todo reunido.
Ali tinha a cozinheira, tinha o cozinheiro, tinha o ajudante. Uns
faziam uma coisa, unsfaziam outra coisa. Depoisfaz afesta, o baile.
Está dando para a gente fazer".
SenhorEduNolascodeFrança
58 anos, 5 nuiaS.
Comunidade S&,Peclro, Município de EIdorado, em 04.06. %.
4
Ivaporunduva
André Lopes
Maria IgnezMmicondi,
Itesp. junho/97
-
d Ugua é uma
gentinha pequena, coni dente aba. Lá onde eu moma. ele vinha
virando cambota na dgua. Subia para cima, mas tinha uma pedra
grande emfrente onde mora a comadre Pedrina, ele vinha da
morada dele na Revessa. Esse lugares de Revessa ele gosta de
morar. Revessa é um lugarfundo. Eu fui bater roupa, e m t e i um
assobio. Quando eu espiava ele afundava ouha vez, eu não
enxergava. Eu com medo de gente que tinha monido afogada. Eu
jquei prestando atenção, bati a mp, queria saber o que era isso,
quando ele fezpsiu, eu sai e assustei ele. Ele emborcou na @a e foi
emhora. "
Andiara B. Automare IJ
Itesp. junho/97
Mana Ignez Mmicondi U
Castelhanos
"JoséJúlio da Silva nasceu aqui e levaram ele para a guerra que
teve no Paraguai. Foi sorteado para ir para a guerra. quando o
m p tinha 21 anos era sorteado militar. Os outros morreram em
combate, ele era forte. não morreu em combate, voltou paro a terra
dele. Ele contava de ir de navio para 16. de navio poro có.
trincheira. I-le contava que o material de lutarfoi armamento. ele
lutou com armas. Ele contava queJicou três anos na guerra. "
"Chico Paula era irahalhador. Morava no centro do mato, depois
mudou-se p u a Porto dos Pil&s, onde tem a igreja de São José. Dai
ele formou a fdbrica de pinga, casa de sobrado, era bonita a caso
dele, tinha assoalho. A casa delefoi desmanchada depois que ele
morreu. Ele pagava os camarada, elesfaziam uns 15 ou 20 alqueires
de roça,fazia mutirdo de plantaçdo, de roçada. IJm dia ele quis
comprar um boi de mim. eu tinha um gadinho, queria,fmerpuxirdo,
comprou o boi de 13 m b a s para matar para fazer o puximo. Se
garlaram de comer carne nesse dia. Foi a Aminda, os homens
daqui,foi muita gente. Ele sempref i - a puairão. nnha gente que
tocava nasfestas. linha uns três contador: José Vendncio, o outro
chamava-se Moteus, o outro chamava Laurindo cantador,plho da
Paula. Vinhagente de Iporanga s6 para ver eles cantar, pasma a
noile. "
''.Si0 Gonçalo e m uma dança de rodo. Tratavam de m a r i a . era
uma promessa, juntava muita gente. Era uma roda de dar a mdo e
cantava. Ilançava SBo Gonçalo até amanhecer o dia, era bom
quando pegava uma bonita para dançar, dançava a noite toda.
Demorava muito a dança e não dava para Irocar no meio. F d a
prome.wapara o santo, o São Gonçalo. Qualquer um que fazia a
pramesso, tinha de dar afesta para pagar, juntava gente. E dipcil de
fazer hoje. Minhas crianças quase que não viram a festa. r...] Aqui
tinha um homem chamado Mané Corimba. ele era de Iporanga. Ele
vestia a romaria, esse erafesteiro. Dizia assim: eu ouvia uma
antiga de uma galinha com galo, viva São Gonçalo. Dançava. Era
bonita. [...I Não ia padre ne.rsoswtai. mas era uma coisa &a.
tudo direitinho; todo mundo respeitava. "
~ ~ ~ ~~-~~
Pilões
-L ""
GOVERNADOR DO ESTADO
Mário Covas
VICE-GOVERNADOR DO ESTADO
Geraldo José Rodrigues Alckmin Filho
ITESP
INSTITUTO DE TERRAS DO ESTADO DE SÁO PAULO
COORDENADORA
Tânia Márcia Oliveira de Andrade
"Em Ivayortlndttva veio um pessoal que tmbnlhou conzo escravo
e figiam, assim como filgianl pcrrn Siio Pedro, para Pilões e par~7
otítros lzrgnres, &iam tanzbém pam aqtíi. Aqui é Barra do Nhtrnguara,
ali em cima é o Boqueiriio que trrna far?iilia jugiu e foi morar parcr
aquele lado. Lá em cima tem o córrego da Lavrinha que tamhénz
f o ~oczlpado porfiígitivos, por pessoas que ezí conheci Ltm velho
que morreu há pocrco tempo, seu Altalitzo, seti Zé Felicio, que inorrerai?z."
4475
Quikmòw em 9ã0 Paufo
L--.
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