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JUDICIALIZAÇÃO E ATIVISMO: AS DISTORÇÕES DECORRENTES


DA EXCESSIVA CONCRETIZAÇÃO JUDICIAL DA ASSISTÊNCIA
TERAPÊUTICA

JUDICIALIZATION AND ACTIVISM: THE DISTORTION


ARISING FROM EXCESSIVE IMPLEMENTATION OF JUDICIAL
ASSISTANCE THERAPY

Angela Araujo da Silveira Espindola1


Amanda de Moraes Weidlich2

RESUMO

O texto aborda os modelos de jurisdição presente nas diversas formas de organização do


Estado, com vistas a apontar as diferenças entre o fenômeno político-social da judicialização e
o ativismo de juízes e tribunais, concluindo-se com análise de casos práticos exemplificativos
da atuação arbitrária e desmedida do Poder Judiciário no tratamento das demandas ligadas à
assistência terapêutica.

Palavras-chave: Judicialização. Ativismo. Políticas públicas de saúde. Assistência


terapêutica.
ABSTRACT

The text addresses the present jurisdiction of models in various forms of state organization, in
order to point out the differences between the socio-political phenomenon of legalization and
activism of judges and courts, concluding with an analysis of exemplary case studies of
arbitrary action and excessive of the judiciary in handling the demands linked to therapeutic
care.

Keywords: Judicialization. Public health policies. Pharmaceutical assistance

1
Doutora e Mestre em Direito pela UNISINOS. Professora do Programa de Pós-Graduação da UFSM e do
Programa de Pós-Graduação da IMED. Vice-presidente da Associação Brasileira do Ensino do Direito – ABEDi.
Membro fundadora da Rede Brasileira de Direito e Literatura – RDL. Advogada. E-mail:
[email protected]
2
Mestre em Direito pelo PPGD/IMED. Especialista em Direito Civil pela Faculdade Meridional/IMED.
Procuradora do Estado do Rio Grande do Sul. E-mail: [email protected]

Revista Paradigma, Ribeirão Preto-SP, a. XX, n. 24, p. 121-150. Jan./Dez. 2015 ISSN 2318-8650
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1 A DEMOCRACIA INESPERADA E AS PROMESSAS NÃO CUMPRIDAS: A


OUTRA FACE DA JUDICIALIZAÇÃO

O Estado de Direito, como sabemos, emergiu a partir de disputas políticas durante


as revoluções liberais3. A noção de Estado Democrático de Direito, por sua vez, está
indissociavelmente ligada à realização dos direitos fundamentais, na medida em que
representa um plus em relação ao Estado Liberal e ao Estado Social, a impor o “resgate das
promessas da modernidade, tais como a igualdade, justiça social e a garantia dos direitos
humanos fundamentais e sociais” (STRECK, 2013, p. 150). O
Embora a modernidade tenha findado para boa parte da elite brasileira, que,
movida por ideais neoliberais, reclama um crescente encolhimento do Estado, é forçoso
reconhecer que a minimização do papel do Estado em países como o Brasil, onde não houve
um Estado Social efetivo, pode implicar consequências nefastas àqueles que dependem de
políticas públicas para a implementação dos mais comezinhos direitos fundamentais
(STRECK, 2009, p. 21-23).
E é exatamente num contexto de insatisfação entre o que somos e o que desejamos
ser que instalou-se a hipertrofia das expectativas salvacionistas de cada novo governo e o
sentimento de viver em uma sociedade cada vez mais aquém dos nossos desejos, nas palavras
de Bernardo Sorj (2004, p. 98), com reflexos inevitáveis no papel e perfil do Poder Judiciário,
forjando uma democracia inesperada (SORJ, 2004), resultado das promessas não cumpridas.
A modernidade no Brasil não passou de um simulacro, evidenciado pela manifesta
e reiterada negligência estatal em relação às questões sociais, razão pela qual as promessas de
liberdade, de igualdade, de bem-estar social, etc., ainda não foram alcançadas – ao contrário
do que apregoa o discurso neoliberal – exigindo, destarte, um fortalecimento do Estado para
minimizar as diferenças e assegurar a implementação dos direitos fundamentais (STRECK,
2009, p. 24-25).
E é justamente neste cenário que emerge o principal papel da Constituição,
sobretudo em países de “modernidade tardia”4 como o Brasil, qual seja: garantir os direitos do

3
Neste sentido, recorrer a STRECK, Lenio Luiz. BOLZAN DE MORAIS, José Luis. Ciência política e teoria do
estado. 3. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013.
4
Expressão empregada por Lênio Streck para denominar aqueles sistemas jurídicos nos quais os
avanços da modernidade foram pouco implementados: “No Brasil, a modernidade é tardia e arcaica. O que
houve (há) é um simulacro de modernidade […] OU seja, em nosso país as promessas da modernidade ainda não
se realizaram. E, já que tais promessas não se realizaram, a solução que o establishment apresenta, por paradoxal
que possa parecer, é o retorno ao Estado (neo)liberal. Daí que a pós-modernidade é vista como a visão
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cidadão contra maiorias eventuais e contra os excessos do Estado, bem como assegurar o
compromisso de resgate das promessas da modernidade, consubstanciadas em prestações
positivas – concretização dos direitos prestacionais – e em vinculações negativas – proibição
de retrocesso social (STRECK, 2014, p. 86-87).
O conteúdo material da Constituição expõe seu caráter compromissório e
dirigente, reclamando um redimensionamento das relações estabelecidas entre os Poderes,
passando o Judiciário a integrar o âmbito político, justamente para assegurar a concretização
dos objetivos e direitos previstos na Constituição. Isso porque não raramente são detectados
pontos de conflito entre o princípio democrático, representado pela vontade da maioria, e os
direitos fundamentais insculpidos na Constituição, forçando a intervenção do Poder Judiciário
para restabelecer esse equilíbrio e, principalmente, para assegurar a preservação da dignidade
da pessoa humana e os direitos que lhe são corolários (BARROSO, 2007).
Assim, diante de uma eventual oposição entre a vontade da maioria e os direitos
fundamentais, isto é, entre democracia e constitucionalismo, o Poder Judiciário deve assumir
seu papel com responsabilidade, sem deixar-se seduzir pelas armadilhas do decisionismo, pois
exsurge como meio de salvaguarda das conquistas trazidas pela Constituição Federal e, em
especial, dos direitos fundamentais nela insculpidos5.A justiça – ou melhor, o judiciário –
torna-se, portanto, o lugar onde se exige a realização da democracia (GARAPON, 1996, p.
45).
Infelizmente, por vezes, esse argumento é distorcido e a hipertrofia do poder
judiciário culmina em uma caricatura do protagonismo judicial, identificando-o como uma
“corrente do pensamento jurídico-processual (não apenas brasileiro), segundo a qual ao juiz
cabe um papel incisivo e, de certa forma, preponderante tanto na condução do processo
quanto no seu „gerenciamento‟ durante o desenrolar de suas fases” (STRECK; TOMAZ DE
OLIVEIRA; TRINDADE, 2013, p. 17)6. É, assim, exercido mediante o controle jurídico dos

neoliberal. Só que existe um imenso déficit social em nosso país, e, por isso, temos que defender as instituições
da modernidade contra esse neoliberalismo pós-moderno” (STRECK, 2009, p. 24-25) (grifos no original).
5
Cita-se, nesse aspecto, a doutrina de Jorge Reis Novais, inspirada nos ensinamentos de Ronald
Dworkin, para quem os direitos fundamentais representam “trunfos” contra a vontade da maioria, cuidando-se de
garantias jurídico-constitucionais, pois elevadas à natureza de normas constitucionais justamente para afirmar
sua supremacia jurídica e formal e para vincular os poderes públicos constituídos. Essa concepção funda-se no
reconhecimento a cada titular de direitos fundamentais de uma dignidade como pessoa, que impõe a delimitação
de uma esfera de autonomia e liberdade que o Poder não pode intervir. Parte, portanto, da ideia de
indisponibilidade dos direitos fundamentais, de limitação jurídica do poder político à observância desses direitos,
mesmo quando o esse poder é legitimamente eleito (NOVAIS, 2012, p. 45).
6
“Segundo os partidários dessa tese, quando decide, o juiz goza de um amplo espaço de conformação
que não mais pode ser resumido na estrita subsunção da lei ao fato, mas que, agora, precisa captar os valores
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poderes político e executivo e manifestado pela tarefa de dizer a última palavra sobre questões
de validade quanto a comportamentos e interesses sociais (CASTANHEIRA NEVES, 1998, p.
10-11),mas desde que necessário à tutela dos direitos fundamentais e exercido dentro dos
parâmetros da argumentação jurídica, ou seja, mediante a prolação de decisões fundamentadas
e redigidas em linguagem apropriada, conforme o discurso jurídico.
Por certo, que é possível, desejável e necessária a intervenção do Judiciário na
esfera de atuação dos demais poderes sempre que detectada afronta a direito fundamental
previsto na Constituição e na estrita medida do necessário para assegurar sua preservação. Isto
é, “para que seja legítima, a atuação judicial não pode expressar um ato de vontade própria do
órgão julgador” (BARROSO, 2007), mas, pelo contrário, deve fundar-se nos princípios e
normas instituídos pela Constituição Federal, de modo a preservar os direitos e garantias nela
inseridos e, assim, a ordem jurídico-constitucional vigente. Não há espaço, assim, para
subjetivismos, para solipsismos, para ativismo. Clama-se por respeito a direitos e garantias
fundamentais: clama-se por mais garantismos no processo.
A judicialização de questões políticas e sociais é fenômeno político recorrente nas
democracias contemporâneas e não deve dependerdo ato volitivo do Poder Judiciário, na
medida em que decorre naturalmente da expansão da sociedade, do dirigismo constitucional7,
da inflação legislativa e da crise da democracia8, cujos problemas exigem, para sua resolução,
atos de jurisdição constitucional (TOMAZ DE OLIVEIRA; TASSINARI, 2014, p. 76-77).
Justamente por se tratar de um fenômeno político, a intensidade da judicialização
da política tende a variar conforme aumenta ou diminui a conflituosidade da sociedade, o
cumprimento dos direitos fundamentais ou ainda o número de regulamentações existentes
(Leis, Decretos, Medidas Provisórias, etc.) existentes (TOMAZ DE OLIVEIRA;
TASSINARI, 2014, p. 76).Isso certamente explica o elevado grau de judicialização da política
no Brasil, especialmente das políticas públicas de saúde, pois, conforme asseverado alhures,

sociais de modo a temporalizar – no sentido de atualizar –, pela via da jurisprudência, o sentido de justiça que
deve compor o Direito” (STRECK; TOMAZ DE OLIVEIRA; TRINDADE, 2013, p. 17).
7
Para J.J. Gomes Canotilho, o “Constitucionalismo Dirigente” designa o papel estratégico
desempenhado pelas Constituições, seja no sentido de instituir uma “forma racionalizada de política”, ou ainda
de constituir um “meio de direção social” (CANOTILHO, 2001, p. 27). Cuida-se, entretanto, de teoria
aparentemente abandonada pelo autor, haja vista as ponderações lançadas na obra posterior “'Brancosos' e
interconsitucionalidade”: itinerários dos discursos sobre a historicidade constitucional (2. ed. Coimbra:
Almedina, 2008, p. 31-37).
8
Clarissa Tassinari refere que (2013, p. 49-53) a ascensão do Poder Judiciário decorreu, dentre
outros fatores, de um ambiente de tensão entre os demais poderes, Executivo e Legislativo, conduzindo a uma
crise da democracia, que pode vir a transmudar-se em “juristocracia”, haja vista a posição de relevo assumida
por juízes e Tribunais no constitucionalismo do pós-guerra.
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trata-se de sociedade marcada pelos conflitos decorrentes da implementação insatisfatória das


promessas da modernidade e onde, portanto, o Estado Social não passou de um simulacro.
Não bastasse, a Constituição Federal de 1988 almejou constituir elemento de
transformação social, tanto que se propõe a estabelecer diretrizes, objetivos e fins a serem
alcançados pelo Estado, impondo aos gestores públicos a implementação de políticas públicas
que atendam às suas finalidades precípuas. Como consequência desse manifesto dirigismo
constitucional, tem-se o acúmulo de funções do Poder Judiciário, que, além de solucionar
conflitos individuais ou coletivos, passa a exercer o controle de constitucionalidade das
normas e a proferir a última palavra em questões afetas à interpretação constitucional
(TOMAZ DE OLIVEIRA; TASSINARI, 2014, p. 81-82).
Por outro lado, a inflação legislativa, que abrange, além de leis em sentido estrito,
também atos normativos editados pelos demais poderes, acaba por contribuir para o
incremento do fenômeno da judicialização, na medida em que conduz o Poder Judiciário ao
centro do sistema jurídico-político, incumbindo-lhe as tarefas de interpretar, colmatar lacunas
e integrar a complexa plêiade de normas que compõem o ordenamento jurídico brasileiro.
Mas não é só. O descrédito dos Poderes Legislativo e Executivo também contribui
para o incremento da judicialização e, consequentemente, para uma postura proeminente do
Judiciário, pois faz com que juízes e Tribunais sejam “o último refúgio da virtude e do
desinteresse” em uma República abandonada e saqueada por seus representantes e, portanto,
“naturalizado por uma antropologia que aparece em socorro de uma teoria do direito incapaz
de fundamentar a sua legitimidade” (GARAPON, 1996, p. 53 e 259).
Embora possa apresentar aspectos positivos, ligados à efetividade das normas
constitucionais e, mais precisamente, à implementação dos direitos fundamentais nela
contemplados, esse fenômeno da judicialização acaba conduzindo a um novo modo de
governo, ao subverter a ordem tornando regra o que deveria ser exceção: “A jurisdição é,
doravante, um modo normal de governo. A exceção torna-se a regra, e o processo de
resolução de um conflito torna-se o modo comum de gestão de setores inteiros [...]”
(GARAPON, 1996, p. 47).
Ao contrário de outros países, no Brasil o Poder Judiciário é assim levado ao
exercício do controle sobre a vontade do soberano em decorrência do modelo de controle
abstrato da constitucionalidade das leis, pois realizado com a intermediação de uma

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“comunidade de intérpretes”9 e “não com a assunção de novos papéis por parte de antigas
instituições” (VIANNA et al., 1999, p. 47).
Ou seja, o Supremo Tribunal Federal, assim como os demais órgãos integrantes do
Poder Judiciário, migraram, “silenciosamente, de uma posição de coadjuvante na produção
legislativa do poder soberano, […] para uma de ativo guardião da Carta Constitucional e dos
direitos fundamentais da pessoa humana” (VIANNA et al., 1999, p. 53).
Ocorre que a intensa judicialização da vida, aliada à retração do Poder Legislativo
e à redação vaga e imprecisa da legislação, vem levando o Judiciário a adotar uma postura
cada vez mais ativa na concretização das normas constitucionais, invadindo, não raras vezes,
a esfera de atuação dos demais poderes (BARROSO, 2014).
Consequência direta da autonomia adquirida pelo direito no Estado Democrático
de Direito tem sido o crescimento do controle de constitucionalidade das leis e, por
conseguinte, a ampliação do espaço da jurisdição (STRECK, 2009, p. 331), resultando no
agigantamento do Poder Judiciário, em detrimento das demais funções estatais.
Da mesma forma, a redação legal, normalmente vaga e imprecisa, confere ao seu
intérprete, ou seja, ao magistrado, amplo espaço para a criatividade e a discricionariedade
(CAPPELLETTI, 1993, p. 42), convertida, não raro, em arbitrariedade, dada a extrapolação
dos tênues limites de sua atuação legal e a manifesta ausência de neutralidade do Poder
Judiciário. Tal fato é reconhecido pela própria magistratura, ao admitir que “o magistrado
deve interpretar a lei no sentido de aproximá-la dos processos sociais substantivos e, assim,
influir na mudança social” (VIANNA et al., 1997, p. 259).
Disso resulta o que se denominará aqui de ativismo judiciário, revelado em
diversas situações, que, em comum, expressam um ato de vontade do órgão judicante: “O
activismo (sic) começa quando, entre várias soluções possíveis, a escolha do juiz é
dependente do desejo de acelerar a mudança social ou, pelo contrário, de a travar”
(GARAPON, 1996, p. 54). Assim, enquanto o termo judicialização designa um fenômeno
político-social, ligado à conjuntura da sociedade e, portanto, desvinculada da vontade dos

9
“No Brasil, o legislador constituinte confiou ao Supremo Tribunal Federal (STF) o controle abstrato da
constitucionalidade das leis, mediante a provocação da chamada comunidade de intérpretes da Constituição. E
tal importante inovação não pode ser creditada, quer a uma expressão de vontade da sociedade civil organizada,
antes, bem mais do que agora, alheia ás possibilidades democráticas da intervenção do Judiciário na arena
pública, quer a uma proposta amadurecida no interior do Poder Judiciário. Contudo, apesar de as ações diretas de
inconstitucionalidade (Adins) terem caído como um raio em dia de céu azul no cenário institucional brasileiro,
desde logo elas foram reconhecidas como um instrumento de significativa importância, não só para a defesa de
direitos da cidadania, como também para a racionalização da administração pública” (VIANNA et al., 1999, p.
47).
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juízes e Tribunais, o ativismo expressa um ato volitivo, fundado no paradigma da


subjetividade (STRECK; TOMAZ DE OLIVEIRA; TRINDADE, 2013, p. 19) e voltado à
satisfação da vontade do intérprete no momento da concretização do direito10.
Ou seja, o ativismo judicial é um problema exclusivamente jurídico, criado pelo
Direito sem qualquer interferência de ordem social, uma vez que decorre do modo pelo qual o
Poder Judiciário assume, voluntariamente, seu papel na tomada de decisões (TASSINARI,
2013, p. 56).Cuida-se, portanto, do emprego, pelo Poder Judiciário, de estratégias de
reivindicação de competências, que não lhes seriam de plano reconhecidas (SILVA et al.,
2010, p. 20). Com efeito, em sua origem, a supremacia do Poder Judiciário foi concebida
como instrumento de salvaguarda da democracia, a partir da tarefa de proteção da
Constituição, contudo, em nome desse valor, as cortes pátrias, em especial o STF, passaram a
reivindicar, em seu favor, “um salvo conduto ao desenvolvimento do ativismo, que se
combina com ferramentas de verticalização e vinculatividade das decisões judiciais”, que elas
mesmas constroem (SILVA et al., 2010, p. 30).

2. LEGITIMAR A JUDICIALIZAÇÃO DE QUESTÕES POLÍTICAS E SOCIAIS NÃO


AUTORIZA A INTERFERÊNCIA EM QUESTÕES POLÍTICAS

Não obstante a expressão “ativismo judicial” careça de determinação precisa11 e,


portanto, frequentemente seja utilizada indiscriminadamente, tanto para denominar a atividade
de concretização dos direitos fundamentais como a intervenção do Poder Judiciário na esfera
de atuação dos demais poderes, será aqui empregada como sinônimo de interferência do juiz
na vida política, seja diretamente, por meio de uma decisão judicial, seja indiretamente, por

10
Em que pese a definição ora adotada, segundo Gisele Cittadino (2003, p. 18), muitos autores identificam o
“ativismo” como um processo de “judicialização da política”.
11
Nesse aspecto, reputa-se relevante salientar que a postura do Poder Judiciário contribui para essa imprecisão
conceitual do “ativismo judicial”, pois, ao analisar as decisões proferidas pelos Tribunais brasileiros, Clarissa
Tassinari concluiu que “a) os termos „ativismo judicial‟ e seus correlatos figuram poucas vezes nas decisões
judiciais; b) por outro lado, quando aparecem, em sua maioria, são apenas referidos, sem que exista um
aprofundamento sobre o tema que ao menos cogite o significado deste termo ou que contextualize sua utilização;
c) quando presente algum esclarecimento doutrinário, ele se dá em termos de menção à escola instrumentalista
do processo (em especial, Cândido José Dinamarco); d) usualmente, o ativismo é concebido como sinônimo de
um papel mais atuante na condução do processo civil, em especial o que diz respeito à realização da instrução
probatória por parte do magistrado; e) em apenas um dos acórdãos, foi possível verificar um posicionamento no
sentido de que não se faz necessária a defesa de um ativismo judicial para concretizar direitos, que é o caso da
decisão sobre direito ambiental proferida no Superior Tribunal de Justiça; e f) os votos dos ministros do Supremo
Tribunal Federal, mais alta Corte do país, demonstram como a compreensão do ativismo ainda se mantém
vinculado a uma boa atuação do Judiciário, isto é, como consequência natural da intervenção do Judiciário para
além de suas atribuições” (2013, p. 127).
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meio da corporação a qual pertence (GARAPON, 1996, p. 54), ou ainda como a


“configuração de um Poder Judiciário revestido de supremacia, com competências que não
lhe são reconhecidas constitucionalmente” (TASSINARI, 2013, p. 36).
Embora não se olvide da importância da judicialização à concretização dos
direitos fundamentais e, portanto, à tutela dos valores inerentes à dignidade da pessoa humana
e à própria consolidação do Estado Democrático de Direito, a crítica se faz, contudo, ao
excesso de judicialização das questões políticas e da intervenção desmedida do Judiciário –
aqui designada de ativismo – nas atividades intrínsecas aos demais Poderes, levando-o a uma
perniciosa hipertrofia.
Ou seja, o problema surge quando, ao assumir essa postura proativa, o Judiciário
extrapola sua atividade criativa e invade potencialmente as demais funções estatais, em
contraste com o princípio democrático e com a separação dos poderes, preconizados,
respectivamente, nos arts. 1º e 2º da Constituição Federal, consubstanciando verdadeiros
“juízes-legisladores” e “juízes-gestores” públicos.
Não se questiona a legitimidade do Poder Judiciário de criar o direito, mas “o fato
de ser inexorável interpretar para se fazer direito não pode autorizar decisões arbitrárias por
parte do intérprete” (TOMAZ DE OLIVEIRA, 2013, p. 124), razão pela qual é preciso
estabelecer limites substanciais a essa atividade criativa, de modo a evitar que sua
discricionariedade se transmude em arbitrariedade. As críticas ao ativismo judicial residem
justamente “[...] nos riscos para a legitimidade democrática, na politização indevida da justiça
e nos limites da capacidade institucional do Judiciário” (BARROSO, 2014).
Como bem refere Lenio Streck: “essa nova postura da jurisdição constitucional
(concebida como judicialização da política) não pode representar uma perda ou ruptura na
legitimidade no âmbito das relações entre os poderes do Estado. Entre „substâncias‟ e
„procedimentos‟, em nenhum momento o Judiciário pode vir a se assenhorar do espaço
reservado à produção democrática do direito, na defesa do ativismo judicial. E qual é o limite
desse espaço? A Constituição e a força normativa de seu texto”(STRECK, 2013, p. 178).
No Brasil, esse ativismo judiciário é particularmente constatado na atuação do
Supremo Tribunal Federal que, após superar fases de “ressaca” e de “constitucionalização”,
nas quais se deparou, respectivamente, com a dificuldade em compreender o novo paradigma
do Estado Democrático de Direito trazido pela Constituição Federal de 1988 e com a
necessidade de uma ampla filtragem constitucional das normas vigentes, atualmente encontra-
se em um momento ativista, marcado pela expansão da atividade jurisdicional e não com a
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criação do Direito (TRINDADE; MORAIS, 2011).


Essa “expansão da atividade jurisdicional” veio, no Brasil, travestida de
discricionariedade, resultando numa “justiça lotérica”, marcada pela imprevisibilidade
(TRINDADE; MORAIS, 2011), que confere “carta branca” ao Poder Judiciário para a
resolução de conflitos, para a concretização de direitos fundamentais e, especialmente, para a
judicialização de questões eminentemente políticas.
Entretanto, essa “judicialização da política”, isto é, a tarefa atribuída ao Poder
Judiciário de concretização dos direitos fundamentais, muitas vezes conduzindo-o à
verdadeira execução de políticas públicas e, portanto, à invasão da esfera de atribuição dos
demais poderes, deve ser limitada a partir do próprio texto constitucional, sob pena de afronta
do princípio democrático.
Há que se diferenciar, portanto, o protagonismo judiciário, essencial à
concretização dos direitos fundamentais e, assim, à consolidação do Estado Democrático de
Direito, do ativismo judicial, na medida em que a hipertrofia desenfreada do Poder Judiciário,
marcada, como visto, pela discricionariedade e pela imprevisibilidade, em nada contribui para
afirmação do Direito, mas, pelo contrário, acentua a insegurança jurídica e o descrédito às
instituições estatais.Antoine Garapon critica duramente o ativismo judicial, justamente por
entender que a invasão da sociedade pelo Judiciário resulta no enfraquecimento do princípio
democrático. Para Garapon “o caráter „intocável‟ do juiz não deixa de ser preocupante. O juiz faz a
democracia correr um risco de ativismo, criando um direito pretoriano, ou, pelo contrário, um risco de
imobilismo, impedindo certas reformas pretendidas pela maioria. Em ambos os casos, prejudica a
virtude principal de qualquer sistema de direito, que é a segurança jurídica.” A lógica do ativismo
considera o juiz como aquele investido de uma missão redentora em relação à democracia, colocando-
o em uma posição de destaque, inacessível à crítica popular. Alimenta-se do descrédito do Estado, da
decepção em relação ao político. O ativismo culminaria, assim, na despolitização da democracia”
(GARAPON, 1996, p. 74-75).
De fato, “a ampliação do raio de ação do Poder Judiciário não pode, no entanto,
representar qualquer incompatibilidade com um regime político democrático”, incumbindo a
Juízes e a Tribunais expandir sua atuação sem violar os direitos dos cidadãos ou a soberania
popular e, portanto, sem comprometer o equilíbrio do sistema político (CITTADINO, 2003, p.
34).
Especificamente em matéria de saúde pública e assistência terapêutica, o ativismo
judiciário tem conduzido a uma “discricionariedade judicial”, em substituição à

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“discricionariedade do administrador” ou mesmo à “discricionariedade do legislador”, na


medida em que as medidas materiais são concedidas no contexto individualizado de um
determinado processo judicial (SCAFF, 2013, p. 142).
Em sendo assim, ainda que alguns considerem positivo o ativismo judiciário, por
entendê-lo abarcado pela competência interpretativa conferida ao Poder Judiciário pela
Constituição Federal (TAVARES, 2011), há que se delimitar as fronteiras da atividade
jurisdicional, de modo a adequá-la à esfera de atuação dos demais poderes, resguardando, por
conseguinte, o regime democrático.
Nesse contexto, o Poder Judiciário não pode assistir impassível aos problemas da
sociedade, pelo contrário, deve transcender as funções checks and balances e assegurar que os
direitos estabelecidos constitucionalmente prevaleçam sobre o princípio da maioria. Contudo,
essa nova postura não significa romper com a democracia representativa e, portanto, com o
princípio da separação dos poderes, mas (re)definir o papel do Judiciário na concretização de
direitos, evitando que as decisões sejam proferidas com fundamento exclusivo na vontade do
órgão julgador.
Em outras palavras, o Judiciário não pode substituir o legislador ou mesmo o
gestor público12, mas com o reconhecimento da Constituição como norma suprema, a qual
todas as demais encontram-se subordinadas, altera-se o papel da ciência jurídica e também da
relação entre política e direito, com a sujeição daquela a este.
É inegável a importância do jurista e do Poder Judiciário para a concretização os
direitos fundamentais previstos na Constituição, pois mais que assegurar o acesso ao processo
democrático de participação política, há que contemplar, ao menos em termos de mínimo
existencial, as inúmeras prestações materiais que emergem da vigência (em tese) de um
Estado Democrático de Direito.
Não se trata, a toda evidência, de legitimar o ativismo judicial desmedido, a
discricionariedade, a “justiça lotérica”, ou mesmo a invasão do Poder Judiciário na esfera de
atuação dos demais poderes, mas sim de assegurar a efetividade da Constituição contra o
perigo de esvaziamento de sua força normativa e, principalmente, de implementar
concretamente os direitos fundamentais nela consagrados.
12
Nesse aspecto, “É claro que não se deseja que o Judiciário exerça a administração do estado, muito menos
legisle, mas devido à notória ineficiência dos outros poderes é o que vem ocorrendo no Brasil. Limitações
impostas à administração pública que entende fazer por bem aquilo que politicamente lhe aprouver e a
substituição da falta da elaboração de leis pelo Congresso Nacional pela emissão sem controle de medidas
provisórias vem se demonstrando constantemente necessárias, sob pena de se assistir ao colapso total das
instituições nacionais” (TAVARES, 2011, p. 108).
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Não é possível confundir a necessária intervenção judicial para a garantia da


efetividade da Constituição com discricionariedade e decisionismo por parte de juízes e
tribunais, pois “defender um certo grau de dirigismo constitucional e um nível determinado de
exigência de intervenção da justiça constitucional não pode significar que os tribunais se
assenhorem da Constituição” (STRECK, 2014, p. 199).
A despeito dessas conclusões acerca do verdadeiro papel do Poder Judiciário
como assegurador do Estado Democrático de Direito, percebe-se hoje a prolação de decisões
cada vez mais arbitrárias e dissociadas da realidade, que, ao extrapolar os limites traçados
pela Constituição Federal à atuação de juízes e tribunais, consubstanciam verdadeiro ativismo
judicial e ilustram a face mais perversa dessa distorção. A não diferenciação entre
protagonismo e ativismo gera, inevitavelmente, distorções e grave lesão ao ordenamento
jurídico.

3 DECISÕES JUDICIAIS SOBRE ASSISTÊNCIA TERAPEUTICA: EXPANSÃO DA


ATIVIDADE JURISDICIONAL OU CRIAÇÃO DO DIREITO

No século XXI, o judiciário passou a tratar de modo mais sistemático sobre o ato
de julgar em saúde, fomentando cada vez mais o debate e a pesquisa. O avanço da
judicialização e, não raramente, do ativismo judicial, é especialmente sentido nas questões
afetas à concretização do direito à saúde e à assistência terapêutica, pois o Poder Judiciário
brasileiro padece com o aumento constante e exponencial do número dessas demandas
judiciais, que, longe de resolverem os problemas da saúde pública, consomem os escassos
recursos materiais e humanos das estruturas administrativa e judiciária.
Esse significativo incremento do número de demandas postulando prestações
materiais de assistência terapêutica não é eficaz no enfrentamento dos problemas afetos à
saúde pública brasileira, em especial ao direito de acesso à saúde da camada mais carente da
população, pois ao analisar os processos trazidos à sua apreciação, o Poder Judiciário limita-
se a verificar as condições e peculiaridades daquele determinado caso concreto, sem atentar às
consequências sociais e econômicas de suas decisões.
Por conseguinte, juízes e Tribunais acabam por proferir julgados dissociados da
realidade, que, além de ameaçarem o equilíbrio financeiro e econômico do Estado,

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comprometendo a implementação de políticas públicas de saúde, também vão de encontro aos


princípios mais comezinhos de direito administrativo, constitucional e processual civil.
Isso tanto é verdade que um levantamento inédito promovido pela Secretaria da
Saúde do Estado de São Paulo revelou que dois terços das ações judiciais contra o SUS
naquele Estado são movidas por pessoas com convênios médicos ou que frequentam clínicas
particulares. Ainda, que 65% das prescrições na origem dos processos partem de médicos
particulares (FOLHA DE SÃO PAULO, 2014), evidenciando que a judicialização acaba
privilegiando quem possui condições econômicas e, consequentemente, possibilidade de
acesso ao Poder Judiciário, em detrimento da população verdadeiramente carente.
Ou seja, além de não resolver os problemas afetos ao direito de acesso universal à
assistência médica e terapêutica, a judicialização em matéria de saúde pública fomenta as
desigualdades, ao consubstanciar uma espécie de “Robin Hood às avessas”, pois “tira dos
mais pobres para dar a quem tem condições de pagar um bom advogado” (FOLHA DE SÃO
PAULO, 2014).
São muitas, portanto, as distorções evidenciais a partir da judicialização em massa
das prestações vinculadas à assistência terapêutica e, especialmente, de seu indiscriminado
deferimento pelos Juízes e Tribunais Pátrios, razão pela qual a presente seção dedicar-se-á a
demonstrá-las especificamente. Para tanto, serão trazidos a lume exemplos práticos da
superficial análise realizada pelo Poder Judiciário em demandas sanitárias, que bem ilustram
as nefastas consequências da excessiva judicialização (e, ainda, do ativismo judicial) do
direito à saúde.
O primeiro caso envolve a postulação judicial do medicamento Lucentis
(Ranibizumabe), fabricado pelo laboratório Novartis e recomendado ao tratamento de “lesões
da retina (parte de trás do olho sensível a luz) causadas pelo vazamento e crescimento
anormal dos vasos sanguíneos em doenças como a forma úmida da degeneração macular
relacionada à idade (DMRI)” e também “para tratar o edema macular diabético (EMD) e o
bloqueio das veias da retina (OVR)” (ANVISA, 2015).
Cuida-se de fármaco devidamente registrado na ANVISA e amplamente receitado
por médicos oftalmologistas, razão pela qual pululam no Poder Judiciário diversas ações
postulando seu fornecimento gratuito, haja vista o alto custo do medicamento, que gira em
torno de R$ 4.000,00 cada ampola de 10ml, tornando-o inacessível para uma grande parcela
da população.

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Ocorre que recentemente o órgão italiano multou os laboratórios farmacêuticos


Roche (Roche Holding AG – ROG) e Novartis (Novartis AG – NOVN) em 182,5 milhões de
euros, por conspirarem para promoverem o ingresso do medicamento Lucentis
(Ranibizumabe) no mercado em substituição do similar Avastin (Bevacizumabe), produzido
pela Roche, igualmente para o tratamento de doenças oftalmológicas ligadas à degeneração
macular.
Conforme notícia veiculada pela agência Bloomberg (2014), Roche e Novartis
bloquearam a distribuição do medicamento Avastin, em favor da droga mais cara, o Lucentis,
produzido pela Novartis. Afirmaram, ainda, que o Avastin era “mais perigoso” que o Lucentis
e assim influenciaram médicos e serviços de saúde a receitarem esse último em detrimento do
primeiro.
Ocorre que, enquanto o Avastin custa aproximadamente 81 euros, o preço do
Lucentis gira em torno de 900 euros, o que representou um prejuízo superior a 45 milhões de
euros ao sistema de saúde Italiano, apenas em 2012, podendo esse rombo chegar a 600
milhões de euros por ano (BLOOMBERG, 2014).
Em sua defesa, os laboratórios farmacêuticos asseveraram que a utilização do
medicamento Avastin foi aprovada para o tratamento de câncer, ao passo que o Lucentis seria
recomendado especificamente à degeneração macular neovascular (PORTAL NOVARTIS,
2014), inexistindo qualquer conluio entre as indústrias para favorecer a utilização do fármaco
mais caro.
Entretanto, conforme o órgão regulamentador italiano, um medicamento pode ser
receitado para tratamento de doença diversa daquela para qual foi aprovado. Cuida-se, na
verdade, de prática comum, denominada uso off-label, ou seja, “fora da bula”, em tradução
livre. Ademais, ambas as drogas provêm da mesma família e apresentam efeitos semelhantes,
de modo a possibilitar a utilização segura do Avastin também para o tratamento da
degeneração macular (BLOOMBERG, 2014).
A similitude dos efeitos terapêuticos das duas drogas também é atestada pelo
Centro Cochrane do Brasil13, que, em parceria com a Federação das Unimeds do Estado de

13
O Centro Cochrane do Brasil cuida-se de “organização não governamental, sem fins lucrativos e sem fontes de
financiamento internacionais, que tem por objetivo contribuir para o aprimoramento da tomada de decisões em
Saúde, com base nas melhores informações disponíveis” (COCHRANE, apud UNIMED, 2013). Para tanto, o
Instituto, que é ligado à Pós-graduação em Medicina Interna e Terapêutica da Escola Paulista de Medicina -
Universidade Federal de São Paulo (EPM-UNIFESP), mantém e divulga revisões sistemáticas de ensaios
clínicos randomizados, que representam o melhor nível de evidência para as decisões em Saúde.
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São Paulo (Fesp), criou a cartilha do Comitê de Apoio ao Judiciário (Caju), reunindo textos
simplificados e claros sobre as melhores evidências e condutas médicas a serem tomadas em
diversos temas importantes, objetivando oferecer aos magistrados “um material que o auxilie
com informações científicas isentas e da mais alta qualidade, quando for tomar uma decisão
que envolva a saúde” (UNIMED, 2013).
Segundo as conclusões do Centro Cochrane, lançadas na mencionada cartilha,

Existem evidências de que o ranibizumabe e o bevacizumabe são igualmente


efetivos para o tratamento da degeneração macular relacionada à idade.
Devido à diferença nos custos (aproximadamente 50 vezes) o bevacizumabe
é mais custo-efetivo. Apesar de ainda não estar licenciado para esse uso o
bevacizumabe é utilizado no mundo inteiro (off-label). Ou seja, com o
dinheiro que se trata um paciente com o uso de ranibizumabe, podem ser
tratados 50 pacientes com o bevacizumabe, com resultados semelhantes
(UNIMED, 2013).

Diante da existência de evidências científicas concretas acerca da similitude dos


medicamentos Bevacizumabe (Avastin) e Ranibizumabe (Lucentis), aliado à conduta dos
laboratórios fabricantes, as autoridades italianas então reconheceram que houve atuação
deliberada da indústria farmacêutica ao favorecer a utilização do medicamento mais caro, a
fim de incrementar seu lucro, ação essa que causou prejuízo considerável aos cofres públicos
e, por conseguinte, motivou a aplicação de penalidade pecuniária à Roche e à Novartis 14.
A notícia foi veiculada em diversos órgãos de comunicação e repercutiu
internacionalmente, conforme manchetes publicadas nas páginas eletrônicas dos jornais “The
New York Times” (2014) e “El Mundo” (2014), além das conceituadas agências de notícias
“Reuters” (2014) e “Bloomberg” (2014).
Esse é, pois, o panorama internacional da problemática envolvendo a utilização
dos medicamentos Avastin e Lucentis no tratamento da degeneração macular. No Brasil, o
prejuízo ainda não foi contabilizado, mas ele certamente existe, uma vez que tramitam na

14
A substituição de medicamentos já consagrados por novas fórmulas, com reduzida variação química efetiva, é
expediente corriqueiro na indústria farmacêutica, empregado para incrementar os lucros dos laboratórios, na
medida em que as novas drogas lançadas no mercado apresentam, invariavelmente, custo mais elevado. Salienta-
se, nesse sentido, que, entre os anos de 1998 e 2002, a FDA – Food and Drug Administration – aprovou 415
novos medicamentos, dos quais apenas 133 (32%) eram novas entidades moleculares, sendo o restante variações
de medicamentos já existentes. E desses 133, somente 58 eram drogas de inspeção prioritária, o que resulta em
apenas 12 medicamentos inovadores por ano: “Não apenas essa produção é muito baixa, mas, ao longo desses
cinco anos, ela foi piorando. Tanto em 2001 como em 2002 somente sete medicamentos inovadores foram
aprovados em cada ano, em comparação com nove em 2000, 19 em 1999 e 16 em 1998” (ANGELL, 2010, p. 71-
72).
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Justiça Comum Estadual Gaúcha inúmeras ações postulando – em face do Poder Público – o
fornecimento gratuito do medicamento Lucentis.
As pretensões são invariavelmente acolhidas, inclusive (e normalmente) sem o
deferimento de produção de provas, sob o argumento de que o médico que acompanha o
paciente possuiu competência para determinar a urgência e especificar qual o tratamento
correto e a forma de promovê-lo. Uma espécie de solipcismo médico!!
Isto é, a Corte Gaúcha vem acolhendo os pedidos de fornecimento do
medicamento Lucentis, para o tratamento da degeneração macular, fundamentando seu
entendimento na recomendação do médico assistente do paciente, sem atentar, porém, à
possibilidade de sua substituição por fármaco semelhante e sensivelmente mais barato, no
caso, o Avastin.
Mesmo advertido da ausência de superioridade entre os medicamentos,
permanece o TJRS determinando o fornecimento do Lucentis em detrimento do Avastin,
conforme despacho proferido nos autos do agravo de instrumento n. 70070059168104:

Em parecer médico complementar, o médico assistente ainda destacou que


„Com relação a troca do Lucentis (ranibizumabe) pelo Avastin
(bevacizumabe) não é o ideal para a doença da autora, pois o Conselho
Federal de Medicina (CFM) não aprova como prática este medicamento para
este fim. O Lucentis foi desenvolvido especificamente para uso
oftalmológico, enquanto que o Avastin foi para uso oncológico de Câncer de
aparelho digestivo.‟ (fl. 58). Dessa forma, a par das duas manifestações do
DMJ, ambas sustentando a possibilidade de substituição do LUCENTIS pelo
AVASTIN (fls. 46 e 75), nas circunstâncias, entendo pela prevalência do
laudo do médico que assiste a paciente que é quem, de regra, tem condições
de melhor apurar qual é a medicação a ser aplicada. […] Com isso, deve ser
alcançada à agravante/autora a medicação postulada (8 ampolas de
LUCENTIS – ranibizumabe), prevalecendo a indicação feita pelo médico
que assiste a paciente (RIO GRANDE DO SUL, 2014).

Nesse processo, oriundo da Comarca de Soledade, Rio Grande do Sul, onde foi
autuado sob o n. 036/1.14.0001149-2 (RIO GRANDE DO SUL, 2014), houve o
indeferimento da tutela de urgência que objetivava o fornecimento gratuito do medicamento
Lucentis, sob o argumento de que poderia ser substituído pelo similar Avastin sem qualquer
prejuízo ao paciente:

Apresentada declaração complementar do médico assistente, e acostados


exames, em se tratando de questão essencialmente técnica, determinei o
encaminhamento da nova documentação ao DMJ, para o respectivo exame
pelo médico oftalmologista. Com efeito, o médico oftalmologista do DMJ,
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136

após análise da declaração complementar do médico assistente e dos exames


anexados, à fl. 59, ratificou o seu parecer anterior (fl. 31). Corroborou a
indicação do medicamento Avastin para o caso, aduzindo que muitos estudos
recentes demonstram a mesma eficácia e os mesmos tipos de complicações
de curto e médio prazo com relação ao postulado fármaco Lucentis, este de
custo muito superior (cerca de 10 vezes o valor do Avastin). Ainda, afirmou
que a utilização de Avastin é prática usual e encontra amparo em longas
séries de estudos clínicos que atestam sua eficácia e segurança. Deste modo,
na esteira do parecer médico do DMJ, ora ratificado, mantenho a decisão que
indeferiu a antecipação de tutela (RIO GRANDE DO SUL, 2014).

Houve ainda manifestação dos peritos do próprio TJRS apontando a ausência de


superioridade do medicamento Lucentis em relação ao similar Avastin:

[…] o medicamento Lucentis (ranibizumabe) pode ser substituído, sem


prejuízos, pelo medicamento Avastin (bevacizumabe), cuja eficácia é
semelhante e cujo custo é muito menor (com diferença de até dez vezes).
[…] Conforme o próprio médico assistente da autora reconhece, a utilização
do Avastin é prática usual em meios acadêmicos e encontra amparo em
longas séries de estudos clínicos multicêntricos que atestam a sua eficácia e
segurança. O fato de não haver resolução específica do Conselho Federal de
Medicina sobre o tema não implica dizer que seu uso não é seguro […](RIO
GRANDE DO SUL, 2014).

Porém, conforme visto, em que pese a ausência de superioridade clínica entre os


medicamentos Ranibizumabe e Bevacizumabe, manifestada expressamente pelos peritos do
Departamento Médico do TJRS, o relator do agravo de instrumento determinou o
fornecimento gratuito, pelo RS, do medicamento substancialmente mais oneroso – Lucentis –
em detrimento de tratamento igualmente eficaz e de custo inferior – Avastin.
Nesse contexto, uma pergunta se impõe: ao determinar à Fazenda Pública o
fornecimento gratuito do medicamento Lucentis ao paciente portador de degeneração
macular, são concretizados os direitos do demandante ou se está contemplando o interesse
econômico dos laboratórios fabricantes do medicamento? A quem o ativismo judicial vem
servindo?
A resposta parece clara, na medida em que, comprovadamente, ambos os
medicamentos possuem efeitos semelhantes e podem ser utilizados, com segurança, no
tratamento das doenças oftalmológicas ligadas à degeneração macular15, de modo que inexiste
justificativa plausível para a preferência pelo tratamento mais caro.

15
Nesse aspecto, salienta-se que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) está avaliando a
regularização do uso da bevacizumabe para o tratamento da Degeneração Macular Relacionada à Idade, a fim de
que sua utilização deixe de operar off-label (ANVISA, 2015).
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Ou seja, ainda que sob o argumento de contemplar os direitos fundamentais do


paciente que postula judicialmente a tutela da saúde, a atividade jurisdicional é desvirtuada
para satisfazer o interesse econômico das gigantes farmacêuticas, com enorme prejuízo aos
cofres públicos e, portanto, em detrimento da coletividade.
Outro caso que chama atenção e ilustra o desvirtuamento da judicialização do
direito à saúde diz respeito ao fornecimento da associação medicamentosa Sulfato de
Glucosamina + Sulfato de Condroitina, comercializada sob as denominações “Artrolive”,
“Condroflex”, “Ártico”, “Glucoreumin”, dentre outras16. Trata-se de medicamento
amplamente receitado para o tratamento da Osteoartrite, mas cuja eficácia carece de
comprovação científica, conforme inúmeros estudos médicos publicados no portal “Pubmed”,
um dos mais importantes bancos de dados de literatura médica.Destaca-se, nesse aspecto, a
conclusão de que:

[...] em comparação com o placebo, a glucosamina, a condroitina, e a sua


combinação, não reduzem a dor articular ou têm um impacto no
estreitamento do espaço das articulações. As autoridades de saúde e
seguradoras de saúde não deve cobrir os custos dessas preparações, e novas
receitas para os pacientes que não receberam o tratamento deve ser
desencorajado (WANDEL et al., 2010).

No mesmo sentido, outros estudos também concluíram que “a glucosamina e o


sulfato de condroitina isoladamente ou em combinação não reduzem a dor de forma eficaz no
grupo total de pacientes com osteoartrite do joelho” (CLEGG, 2006), e ainda que, mesmo
após dois anos de tratamento, não foram detectados benefícios superiores ao placebo
(SAWITZKE, 2008).
A Cartilha de Apoio Médico e Científico ao Poder Judiciário, elaborada pelo
Instituto Cochrane em parceria com a Federação das Unimeds do Estado de São Paulo
também atestou a ausência de evidência científica de eficácia do medicamento no tratamento
da osteoartrite, recomendando a desestimulação de seu consumo:

A nossa busca na literatura localizou inúmeras revisões sistemáticas, sendo a


mais recente e de melhor qualidade publicada em 2010 no British Medical
Journal (BMJ). Essa revisão incluiu dez estudos com 3.803 pacientes e
demonstrou que a condroitina e a glucosamina, combinadas ou isolada-

16
“Condroitina e glucosamina são dois componentes importantes das cartilagens. A suplementação dessas
substâncias na forma de comprimidos diários (Condroflex®, Artrolive®, Artico®) tem sido indicada para ajudar
a diminuir dores articulares de portadores de osteoartrite, a um custo aproximado de R$ 200 mensais, uso
contínuo” (UNIMED, 2013).
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138

mente não reduzem a dor articular ou apresentam qualquer efeito positivo na


articulação. […] A condroitina e a glucosamina não têm efetividade no
tratamento da osteoartrite e seu uso deve ser desestimulado (UNIMED,
2013).

Atentos a essa realidade e em vista do considerável número de demandas judiciais


ajuizadas no RS objetivando o fornecimento gratuito do medicamento Sulfato de
Glucosamina + Sulfato de Condroitina, os peritos vinculados ao Departamento Médico
Judiciário (DMJ) do Tribunal de Justiça do Estado firmaram parecer conjunto sobre a
utilização do fármaco no tratamento da artrose, asseverando, igualmente, pela sua ineficácia:

O sulfato de glicosamina e condroitina, embora conhecido como um


condroprotetor (protetor de cartilagem) foi analisado em estudos clínicos
randomizados, comparativamente ao paracetamol e ibuprofeno, não
demonstrando eficácia analgésica superior a essas drogas. Em outros
estudos, também randomizados, em que foi analisada seriadamente a medida
do espaço articular por método de imagem, não foi demonstrada eficácia em
reduzir a progressão ou o dano estrutural determinado pela doença. As
únicas intervenções médicas que demonstram eficácia em interferir na
progressão da Artrose são a prática de exercícios de fortalecimento muscular
e a redução da sobrecarga articular DMJ, 2013).

E assim concluíram os peritos do DMJ:

Pelo exposto, consideramos que, do ponto de vista da medicina baseada em


evidências, o benefício teórico a ser obtido com o uso da associação de
sulfato de glicosamina e condroitina para pacientes com artrose não encontra
suporte científico na literatura médica corrente (2013).

Porém, mesmo diante dos inúmeros estudos clínicos demonstrando a ausência de


comprovação científica da utilização do Sulfato de Glucosamina + Sulfato de Condroitina no
tratamento da artrose, inclusive atestada pelos peritos médicos do próprio TJRS, parte das
Câmaras que integram a Corte Gaúcha17, assim como grande parcela de seus juízes de

17
Salienta-se a existência de antecedentes pontuais, oriundos do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do
Sul, julgando improcedente a pretensão de fornecimento do complemento glucosamina+condroitina, por
reconhecer sua ineficácia para o tratamento da artrite reumatoide. Como exemplo é possível citar a apelação
cível n. 70062139035, de 26 de novembro de 2014, assim ementada: “APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO
HUMANO À SAÚDE. MEDICAMENTOS. SULFATO DE GLICOSAMINA E CONDROITINA.
EFICÁCIA CONTROVERTIDA. LAUDO PERICIAL DO DMJ. Em que pese a responsabilidade
estatal (União, Estados, Distrito Federal e Municípios) ao fornecimento de medicamento aos que dele necessitam
– sem restrição às listas do SUS -, na forma do que dispõem os artigos 196 da Carta Magna e 241 da
Constituição Estadual; demonstrada a ineficácia do tratamento prescrito pelo médico da autora, imperativa é a
reforma da sentença de procedência. APELAÇÃO PROVIDA.”.
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primeiro grau de jurisdição, permanecem condenando os Entes Públicos (Estado e


Municípios) ao fornecimento gratuito do medicamento18.
Para tanto, fundamentam suas decisões na impossibilidade de prevalência do
laudo técnico do DMJ sobre a opinião do médico que assiste a parte demandante, por
considerarem que este possui melhores condições de aferir as necessidades do paciente19.
As decisões, todavia, parecem desconexas com a realidade, pois, conforme visto,
negam a existência de estudos médico-científicos atestando a ineficácia do medicamento e,
ademais, desconsideram a existência de política pública de saúde para o tratamento da artrite
reumatoide, constante da Portaria n. 710, de 27 de junho de 2013, do Ministério da Saúde
(2013)20.
Ou seja, não obstante a existência de tratamento disponibilizado pelo SUS, e a
ausência de demonstração científica de eficácia do medicamento glucosamina+condroitina,
diversas decisões judiciais, proferidas tanto por juízes de primeiro grau de jurisdição como
pelo Tribunal de Justiça do Estado, compelem a Administração Pública ao fornecimento de
tratamento assemelhado a placebo, com manifesta repercussão aos cofres públicos e
comprometimento de seu equilíbrio financeiro.
O terceiro exemplo de distorção decorrente da tutela indiscriminada do direito à
saúde vem do processo número 075/1130001530-021 que tramita na Comarca de Três Passos,
Estado do Rio Grande do Sul. Nele, o autor postulou, inclusive em sede liminar, o
fornecimento gratuito de procedimento cirúrgico consistente na ociusão endovascular de
vístula arteriovenosa encefálica intracraniana e embolização de má-formação arteriovenosa,

18
Nesse sentido, citam-se as apelações cíveis n. 70063282578, 70063473128 e 70063058184, julgadas pelo
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul.
19
É possível citar, nesse sentido, a apelação cível n. 70064135882, julgada em 31 de março de 2015, na qual a
Desembargadora Relatora, Dra. Marilene Bonzanini, refere que “A declaração do médico da parte autora não
pode sucumbir diante de afirmação em abstrato de ineficácia do tratamento, levando-se em conta o fato de o
medicamento possuir indicação para a moléstia na bula e estar devidamente registrado na ANVISA. A
orientação exarada pelo DMJ é genérica, sem a análise da situação individual do paciente, razão pela qual não
pode prevalecer sobre o atestado elaborado pelo médico assistente da parte autora”.
20
A Portaria n. 710/2013, do Ministério da Saúde e, portanto, de caráter nacional, estabelece o conceito geral da
artrite reumatoide, seus critérios de diagnóstico, inclusão e exclusão, assim como o tratamento e os mecanismos
de regulação, controle e avaliação, a serem utilizados pelas Secretarias de Saúde dos Estados, do Distrito Federal
e dos Municípios. Em seus anexos, amparada por amplo estudo técnico-científico, a mencionada Portaria
estabelece um tratamento escalonado da artrite reumatoide, composto por diversas classes e espécies de
medicamentos, que, portanto, são disponibilizados pelo SUS. Todavia, mesmo após a ampla avaliação técnica da
Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS - CONITEC, do Departamento de Assistência
Farmacêutica e Insumos Estratégicos - DAF/SCTIE/MS e do Departamento de Atenção Especializada –
DAE/SAS/MS, o complemento glucosamina+condroitina não foi incorporado ao tratamento em questão.
21
Embora o mencionado processo não tramite sob segredo de justiça, os nomes da parte demandante e de seu
médico assistente serão omitidos no intuito de preservar o paciente e em atenção à questionável eticidade do
proceder do profissional médico.
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com utilização de Onix, não abrangido pelo SUS, por ser portador de má formação
arteriovenosa dos vasos cerebrais – CID Q 28.2 – e não possuir condições econômicas para
custear o tratamento com recursos próprios.
A inicial foi instruída com um único orçamento, subscrito pelo médico assistente
da parte autora, que estimou o procedimento em R$ 160.725,80 (cento e sessenta mil,
setecentos e vinte e cinco reais e oitenta centavos), dos quais R$ 60.725,80 referiam-se aos
materiais a serem utilizados e R$ 100.000,00 aos honorários médicos.
A pretensão foi prontamente despachada pelo MM. Juízo, que concedeu a tutela
de urgência determinando ao RS o fornecimento gratuito do procedimento, no prazo de
quinze dias, sob pena de sequestro de valores nos cofres públicos para seu custeio. Também
restou determinada, uma vez decorrido o prazo para cumprimento voluntário da medida, a
intimação da parte autora para acostar ao processo outros dois orçamentos do procedimento
cirúrgico postulado, a fim de possibilitar o bloqueio de valores pelo menor preço.
Citado, o RS contestou a pretensão asseverando que os materiais específicos
solicitados pelo médico assistente não são contemplados pelo SUS, mas que o tratamento
endovascular poderia ser realizado no Sistema, desde que utilizados os equipamentos
disponibilizados pela rede pública. Também impugnou o único orçamento apresentado, pois
exarado pelo médico que assiste a autora e, portanto, interessado na realização do
procedimento cirúrgico e no consequente recebimento dos honorários respectivos.
O Ente Público Estadual sustentou, ainda, sua ilegitimidade passiva, arguindo a
responsabilidade da União pelo fornecimento do procedimento, haja vista sua complexidade e
encerrou sua defesa postulando autorização para encaminhar o paciente ao atendimento via
SUS, com os materiais disponibilizados pela rede pública, assim como a intimação da parte
adversa para providenciar a juntada aos autos de outros dois orçamentos do procedimento
cirúrgico vindicado.
O paciente então novamente compareceu aos autos afirmando a impossibilidade
de obtenção de outros orçamentos da cirurgia e reiterando a necessidade de imediato
cumprimento da medida deferida em sede de antecipação de tutela, haja vista seu grave estado
de saúde.
Após outras providências administrativas, em 19.12.2013 foi determinado o
sequestro de R$ 160.725,80 da conta única do RS e, dessa forma, realizado o procedimento
cirúrgico postulado.

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Entretanto, uma análise mais aprofundada do processo permite alguns


apontamentos que demonstram a desproporcionalidade da medida judicialmente deferida e,
portanto, a forma como a tutela do direito à saúde vem sendo tratada pelos juízes e tribunais
pátrios.
Inicialmente chama atenção o fato de o médico assistente – credenciado ao SUS –
formular vultosa proposta particular de honorários (R$ 100.000,00), a qual foi acolhida pelo
MM. Juízo sem maior indagação sobre a razoabilidade do montante solicitado.
Para ilustrar a excessividade e, portanto, a abusividade da proposta de honorários
profissionais, salienta-se que, de acordo com a Classificação Brasileira Hierarquizada de
Procedimentos Médicos – CBHPM22 – que serve como parâmetro remuneratório dos
procedimentos médicos, a cirurgia em questão – embolização de aneurisma cerebral – é
orçada, ainda que em parâmetros mínimos, em R$ 1.315,30 (AMB, 2014)23, do que se extrai a
manifesta desproporcionalidade dos honorários médicos adimplidos nos autos do processo em
estudo.
Ainda que a CBHPM estabeleça os patamares mínimos de remuneração do
profissional médico, sendo comum uma variação de 20% para mais ou para menos e admitida
a livre negociação entre as partes, a notória discrepância entre os valores fixados pela AMB
(R$ 1.315,30) e o montante dos honorários solicitados pelo médico assistente (R$ 100.000,00)
permite concluir pela onerosidade excessiva do procedimento, em manifesto prejuízo do
Erário Estadual.

22
A Classificação Brasileira Hierarquizada de Procedimentos Médicos (CBHPM) é o resultado do trabalho
conjunto da Associação Médica Brasileira (AMB), de suas Sociedades de Especialidades e do Conselho Federal
de Medicina, na elaboração de uma lista hierarquizada e ética de procedimentos, contemplando todas as
especialidades médicas e remunerando dignamente os serviços profissionais (AMB, 2014). De acordo com a
AMB, portanto, “a CBHPM serve como referência para estabelecer faixas de valoração dos atos médicos pelos
seus portes, fixando, assim, os patamares mínimos de remuneração do profissional médico: A pontuação dos
procedimentos médicos, que foi realizada por representantes das Sociedades Brasileiras de Especialidades com
assessoria da FIPE – Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas, está agrupada em 14 portes e três subportes
(A, B e C). Os portes anestésicos (AN) permanecem em número de oito e mantém correspondência com os
demais portes. Os portes de atos médicos laboratoriais seguem os mesmos critérios dos portes dos
procedimentos, mas correspondem a frações do menor porte (1A). Quanto aos custos, estabeleceu-se a unidade
de custo operacional (UCO), que incorpora depreciação de equipamentos, manutenção, mobiliário, imóvel,
aluguéis, folha de pagamento e outras despesas comprovadamente associadas aos procedimentos médicos. Este
custo foi calculado para os procedimentos de SADT de cada Especialidade. Custos operacionais referentes a
acessórios e descartáveis serão ajustados diretamente e de comum acordo entre as partes. A valoração dos portes
e da UCO ficará sujeita a alteração sempre que modificadas as condições que nortearam suas fixações, sendo
admitida banda de até 20%, para mais ou para menos como valores referenciais mínimos, em respeito à
regionalização e a partir destes, os valores deverão ser acordados por livre negociação entre as partes” (AMB,
2014).
23
Nesse aspecto, salienta-se que a Unidade de Custo Operacional (UCO) válida a partir de outubro de 2015 é de
R$ 15,15, atribuindo-se ao procedimento de embolização de aneurisma cerebral (porte 11B) o valor de R$
1.315,40, conforme comunicado oficial da CBHPM (CBHPM, 2015).
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Não bastasse, no curso do processo, antes do deferimento do sequestro de valores


nos cofres públicos, sobreveio manifestação subscrita pela Secretaria Municipal de Saúde
informando que o paciente foi orientado, pelo próprio médico assistente, que inclusive se
dispôs a providenciar advogado, a buscar judicialmente a realização do procedimento
cirúrgico, haja vista seu vultoso custo.
Ademais, a Secretaria Municipal também relatou que a Coordenadoria Regional
de Saúde providenciou administrativamente a internação hospitalar do paciente, em 18 de
novembro de 2013, para a realização do procedimento cirúrgico via Sistema Único de Saúde,
com o próprio médico assistente, pois credenciado à rede pública. Todavia, referiu que, ao
perceber que não se tratava da liberação judicial e sim do encaminhamento administrativo, o
médico assistente deu alta ao paciente sem realizar o procedimento cirúrgico.
Ou seja, os elementos coligidos ao processo evidenciam que o Poder Público
demandado buscou atender administrativamente à pretensão de saúde, sendo obstado pela
conduta do médico assistente que, embora credenciado ao Sistema Único de Saúde, recusou-
se a atender o paciente pela rede pública, o que veio a fazer somente após depositados os
vultosos honorários profissionais de R$ 100.000,00.
Em seu favor, o médico assistente relatou que a cirurgia restou inviabilizada em
virtude da indisponibilidade, pelo SUS, dos materiais específicos solicitados (“Onix”),
olvidando-se, contudo, que a Resolução n. 1.956/2010 do Conselho Federal de Medicina
(CFM, 2010) veda expressamente a exigência de fornecedor ou marca comercial exclusiva de
materiais especiais implantáveis24.

24
A Resolução n. 1.956/2010, do Conselho Federal de Medicina disciplina a prescrição de materiais
implantáveis, órteses e próteses e determina a arbitragem de especialista quando houver conflito, salientando-se,
haja vista a abordagem deste estudo, as prescrições e vedações constantes dos artigos 1º a 6º: “Art. 1° Cabe ao
médico assistente determinar as características (tipo, matéria-prima, dimensões) das órteses, próteses e
materiais especiais implantáveis, bem como o instrumental compatível, necessário e adequado à execução do
procedimento. Art. 2° O médico assistente requisitante deve justificar clinicamente a sua indicação, observadas
as práticas cientificamente reconhecidas e as legislações vigentes no país. Art. 3° É vedado ao médico assistente
requisitante exigir fornecedor ou marca comercial exclusivos. Art. 4° As autorizações ou negativas devem ser
acompanhadas de parecer identificado com o nome e número de inscrição no Conselho Regional de Medicina do
médico responsável pelo mesmo. Art. 5° O médico assistente requisitante pode, quando julgar inadequado ou
deficiente o material implantável, bem como o instrumental disponibilizado, recusá-los e oferecer à operadora ou
instituição pública pelo menos três marcas de produtos de fabricantes diferentes, quando disponíveis,
regularizados juntos à Anvisa e que atendam às características previamente especificadas. Parágrafo único. Nesta
circunstância, a recusa deve ser documentada e se o motivo for a deficiência ou o defeito material a
documentação deve ser encaminhada pelo médico assistente ou pelo diretor técnico da instituição hospitalar
diretamente à Anvisa, ou por meio da câmara técnica de implantes da AMB ([email protected]), para as
providências cabíveis. Art. 6° Caso persista a divergência entre o médico assistente requisitante e a operadora ou
instituição pública, deverá, de comum acordo, ser escolhido um médico especialista na área, para a decisão. §
1° Esta decisão não deverá ultrapassar o prazo de cinco dias úteis, contados a partir do conhecimento do
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Questiona-se, ainda, acerca da real necessidade e da urgência do procedimento


cirúrgico postulado, na medida em que inexistem estudos científicos de boa qualidade
metodológica atestando a superioridade da utilização de micromolas na intervenção
percutânea para malformações arteriovenosas sobre a cirurgia convencional “aberta”
(UNIMED, 2013). Além disso, os orçamentos que instruíram a inicial datavam de junho de
2013, ao passo que a cirurgia foi realizada somente em 28 de fevereiro de 2014, cerca de oito
meses após o diagnóstico, sem que fossem relatados prejuízos ao tratamento do paciente.
Em síntese, portanto, o processo n. 075/1130001530-0 representou um prejuízo
superior a R$ 160.000,00 aos cofres públicos estaduais, que certamente poderia ter sido
evitado ou reduzido se indagados e investigados o valor dos honorários solicitados pelo
médico assistente, a necessidade do procedimento e, em especial, dos materiais específicos
requeridos, e, ainda, a urgência de sua realização.
Ou seja, da análise do caso em liça, é possível concluir que, na ânsia de promover
a tutela individual do direito à saúde, o Poder Judiciário não raro é manipulado por médicos e
planos de saúde, transformando-se em um instrumento para a obtenção de lucro dessa rentável
indústria que circunda a judicialização da saúde.
Por fim, ainda no intuito de ilustrar as distorções que podem ocorrer em
decorrência da tutela judicial indiscriminada do direito à saúde, refere-se a operação policial
desencadeada no RS objetivando apurar a aquisição fraudulenta de próteses, órteses e outros
materiais cirúrgicos. De acordo com a denúncia de irregularidade investigada, distribuidoras
de materiais cirúrgicos pagariam comissões diretamente aos médicos que recomendassem ou
utilizassem as próteses fornecidas por essas empresas, vantagens essas que poderiam alcançar
a cifra de R$ 100.000,00 mensais (G1, 2015).
Além do recebimento de comissões, que giravam entre 20% e 30% do valor das
próteses, também foi apurado que alguns médicos, objetivando incrementar as vantagens
recebidas pelas distribuidoras de materiais, também cobravam por materiais não empregados
ou ainda recomendavam procedimentos cirúrgicos desnecessários, custeados pelo SUS ou
mediante sequestro de valores determinados judicialmente, fomentando uma verdadeira
“indústria de liminares” (G1, 2015).

responsável pela arbitragem. § 2° Cabe arbitragem mesmo nas situações de emergências, quando não for
possível pré-autorização e tenha sido usado o material implantável, órtese ou prótese. § 3º O médico que atua
como árbitro tem direito a remuneração.”
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A prática fraudulenta funcionaria da seguinte forma: ao buscar o atendimento via


Sistema Único de Saúde, o paciente recebia do médico assistente um orçamento superfaturado
da cirurgia e era aconselhado a buscar judicialmente a realização do procedimento, muitas
vezes por meio de advogado recomendado pelo próprio médico (G1, 2015).
Como os pedidos judiciais eram (e ainda são) invariavelmente acolhidos, o
procedimento cirúrgico superfaturado e/ou desnecessário era realizado mediante o
deferimento liminar de sequestro de valores nos cofres públicos, consolidando, assim, o
prejuízo à Administração.
Reflexo dessa alarmante realidade, em 15 de janeiro de 2015 foi deflagrada pela
Polícia Civil em conjunto com a Procuradoria-Geral do Estado do Rio Grande do Sul, a
“Operação Bones”, objetivando justamente apurar, no âmbito do Estado do Rio Grande do
Sul, a solicitação judicial superfaturada ou desnecessária de procedimentos cirúrgicos
(POLÍCIA CIVIL, 2015).Por meio dessa força-tarefa,

[... foram cumpridos 21 mandados de busca e apreensão na Capital, Região


Metropolitana e nas cidades de Pelotas, Rio Grande e Xangri-Lá, além de ter
sido determinada a indisponibilidade de bens imóveis dos investigados. As
diligências foram cumpridas em residências de médicos, clínicas, hospitais e
empresas que comercializavam próteses (POLÍCIA CIVIL, 2015).

As investigações ainda seguem em curso, inexistindo, nesse momento,


condenação dos envolvidos25, mas a operação – que também desencadeou a instauração de
sindicância pelo Conselho Regional de Medicina do RS(2015) e a instalação de Comissão
Parlamentar de Inquérito no Senado Federal26 – evidencia uma prática já consolidada dentro
do Sistema Único de Saúde e que se utiliza da tutela jurisdicional para incrementar os lucros
de profissionais médicos e de distribuidores de equipamentos e materiais cirúrgicos, em
detrimento da coletividade representada pela Fazenda Pública.
Trata-se, portanto, de mais um exemplo de distorção que a indiscriminada
judicialização da saúde pode ensejar, uma vez que, ao serem confrontados com demandas
objetivando a concessão de prestações materiais sanitárias, juízes de primeiro grau e Tribunais

25
Diante da ausência de condenação dos investigados pela “Operação Bones” e, portanto, em respeito ao
princípio da presunção de inocência inserto no artigo 5º, inciso LVII, da Constituição Federal, serão omitidos os
nomes das pessoas físicas e jurídicas envolvidas.
26
A partir das irregularidades apuradas pela “Operação Bones”, foi instaurada, em 31.03.2015, Comissão
Parlamentar de Inquérito objetivando “investigar as irregularidades e os crimes relacionados aos procedimentos
médicos de colocação de órteses e próteses no País, desde a indicação e execução dos procedimentos até a
cobrança pelos produtos e serviços prestados” (SENADO FEDERAL, 2015).
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invariavelmente as deferem, não raramente em sede de antecipação de tutela, sob os


argumentos – normalmente não aprofundados – da necessidade de concretização do direito
fundamental à saúde e da prevalência do direito à vida às limitações orçamentárias e,
portanto, à “reserva do possível”.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A forma pela qual o Poder Judiciário vem tratando as demandas judiciais,
sobretudo aquelas que versam sobre assistência terapêutica, contribui para fraudes como essa,
na medida em que, ao acolher indiscriminadamente os pedidos que lhe são deduzidos, muitas
vezes em sede de antecipação de tutela e, portanto, sem oportunizar à parte adversa o
exercício de seu direito constitucional à ampla defesa, abre-se espaço para os excessos
apontados e, ainda, para o desvirtuamento da concretização judicial do direito fundamental à
saúde. Não estamos aqui atacando a judicialização em si, mas a sua distorção, o decisionismo.
Essa judicialização da política de saúde pública, inaugurada a partir de meados
dos anos 1990, encontrou seu ápice nos tempos atuais, pois os números obtidos a partir dos
dados do Conselho Nacional de Justiça e da Procuradoria do Estado do Rio Grande do Sul
permitem concluir pela existência de uma verdadeira “epidemia”, consistente no ajuizamento
maciço de demandas objetivando as mais diversas prestações em matéria de saúde e de
assistência terapêutica.
Além do abarrotamento do Poder Judiciário, essa crescente judicialização da
política traz perniciosas consequências às finanças públicas, na medida em que destina boa
parte do orçamento disponível à concretização de prestações individualizadas em matéria de
assistência terapêutica, deixando em segundo plano a implementação de políticas públicas
voltadas ao atendimento universal e isonômico da população.
Não se olvida, porém, da reponsabilidade do Poder Público pela efetiva
concretização do direito fundamental à assistência terapêutica, pois corolária dos princípios
que fundamentam o Estado Democrático de Direito. A questão que se apresenta diz, porém,
com a proporcionalidade e a razoabilidade dessa atuação desmedida do Poder Judiciário, não
raras vezes travestida de ativismo.
De fato, é necessário diferenciar a judicialização, fenômeno político e social, do
pernicioso ativismo judicial, produto de um ato volitivo por parte do Poder Judiciário voltado
à satisfação da vontade do intérprete no momento da concretização do direito e que resulta em
uma “justiça lotérica”, pois submetida ao arbítrio do julgador.
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O ativismo substitui, assim, a discricionariedade do legislador e do adminstrador


público pelo arbítrio do Poder Judiciário, criando as inconstitucionais figuras de juízes-
legisladores e juízes-gestores, a quem incumbe decidir quais as prioridades a serem atendidas
em matéria de assistência terapêutica e onde alocar os escassos recursos públicos.
Para além dessas esdrúxulas figuras – juízes-legisladores e juízes-gestores
públicos –, o ativismo judicial também implica severas distorções na prestação da assistência
terapêutica à população, como se observou dos exemplos colacionados ao final do segundo
capítulo desta dissertação.
Ocorre que essa postura ativista do Poder Judiciário, que defere a quase totalidade
das pretensões em matéria de assistência terapêutica que lhe são submetidas, gerando,
frequentemente, as distorções detectadas, vem comprometendo os escassos recursos públicos,
com efeitos negativos para todo um contingente populacional que depende exclusivamente
das políticas públicas de saúde engendradas pelo Poder Público.
Em outros termos, o ativismo judiciário, levado a efeito na ânsia de concretizar os
direitos fundamentais positivados na Constituição Federal e assim anteder às exigências da
vida com dignidade, acaba sendo utilizado como instrumento da ignóbil exploração
econômica, gerando um Direito flutuante e reflexivo, pois a mercê do mercado (ROSA, 2009,
p. 52).
Há que se repensar, portanto, o modo pelo qual o Poder Judiciário exerce seu
mister, pois a Ciência Jurídica deve ser empregada de modo a contemplar os direitos
fundamentais constitucionalmente reconhecidos, não se admitindo, a toda evidência, que o
Estado de Direito seja utilizado como instrumento de fomento da exploração econômica.
E é justamente por distorções como as aqui apresentadas que se faz necessário
redefinir o papel do Poder Judiciário na concretização do direito à assistência terapêutica, de
modo a afastar a figura – hoje onipresente – desses “juízes legisladores e gestores públicos”.
Mas o papel do judiciário

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