Sentir e Saber As Origens Da Consciencia Antonio Damasio

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Sumário

Capa
Folha de rosto
Sumário
Antes de começar

PARTE I: SOBRE SER

No princípio não era o verbo


O propósito da vida
O constrangimento dos vírus
Cérebros e corpos
Sistemas nervosos como subprodutos da natureza
Sobre ser, sentir e saber
Cronologia da vida

PARTE II: SOBRE A MENTE E A NOVA ARTE DA REPRESENTAÇÃO

Inteligência, mente e consciência


Sentir não é o mesmo que estar consciente e não
requer uma mente
O conteúdo da mente
Inteligência sem mente
A produção de imagens mentais
Transformação de atividade neural em movimento e
mente
A fabricação de mentes
A mente das plantas e a sabedoria do príncipe Charles
Algoritmos na cozinha

PARTE III: SOBRE OS SENTIMENTOS

Os princípios dos sentimentos: preparação do palco


Afeto
Eficiência biológica e a origem dos sentimentos
Alicerçando sentimentos I
Alicerçando sentimentos II
Alicerçando sentimentos III
Alicerçando sentimentos IV
Alicerçando sentimentos V
Alicerçando sentimentos VI
Alicerçando sentimentos VII
Sentimentos homeostáticos em um contexto
sociocultural
“Mas este sentimento não é puramente mental”

PARTE IV: SOBRE CONSCIÊNCIA E CONHECIMENTO

Por que a consciência? Por que agora?


Consciência natural
O problema da consciência
Para que serve a consciência?
Mente e consciência não são sinônimos
Estar consciente não é o mesmo que estar acordado
(Des)construção da consciência
Consciência ampliada
Fácil — e a você também
O verdadeiro prodígio dos sentimentos
A prioridade do mundo interno
Reunião de conhecimentos
A integração não é a fonte da consciência
Consciência e atenção
O substrato é importante
Perda de consciência
Os córtices cerebrais e o tronco encefálico na
produção da consciência
Máquinas que sentem e máquinas conscientes

Epílogo: Sejamos justos

Agradecimentos
Notas
Bibliografia suplementar
Sobre o autor
Créditos
Para Hanna
A vida de uma peça começa e termina no momento da
execução.
Peter Brook
Antes de começar

Este livro que você vai ler tem origens curiosas. Isso se
deve muito a um privilégio de que desfruto há tempos e a
uma frustração que sinto frequentemente. O privilégio
consiste em ter tido o luxo do espaço quando precisei
explicar ideias científicas complicadas usando o grande
número de páginas de um livro de não ficção convencional.
A frustração veio de conversar com muitos dos meus
leitores ao longo dos anos e constatar que algumas ideias
sobre as quais escrevi com entusiasmo — e as que eu mais
gostaria de que os leitores descobrissem e apreciassem —
perderam-se em meio a longas discussões e mal foram
notadas, que dirá apreciadas. Nessas ocasiões, minha
resposta íntima foi uma decisão firme, mas sempre adiada:
escrever apenas sobre as ideias que me são mais caras e
deixar para trás o tecido conectivo e o andaime destinados
a estruturá-las. Em suma, fazer o que os bons poetas e
escultores fazem tão bem: desbastar o não essencial e
depois desbastar mais um pouco; praticar a arte do haicai.
Quando Dan Frank, meu editor na Pantheon, disse que eu
devia escrever um livro objetivo e muito conciso sobre a
consciência, não poderia ter previsto um autor mais
receptivo e entusiasmado. O livro que você tem nas mãos
não é exatamente o que ele sugeriu, pois não trata apenas
da consciência, mas chega perto disso. O que eu não
poderia antever é que o esforço de repensar e apurar tanto
material acabaria por ajudar-me a confrontar fatos que eu
deixara passar e a descortinar novas ideias não só a
respeito da consciência, mas também de processos
relacionados. O caminho para a descoberta é sinuoso, para
dizer o mínimo.

Não se pode ter noção do que a consciência é e de como


ela se desenvolveu sem antes tratar de algumas questões
importantes do universo da biologia, da psicologia e da
neurociência.
A primeira dessas questões diz respeito a inteligências e
mentes. Sabemos que os organismos vivos mais numerosos
na Terra são unicelulares, como as bactérias. Eles são
inteligentes? Com certeza, e em grau notável. Possuem
mente? Não possuem, acredito, e tampouco têm
consciência. São seres autônomos; claramente têm uma
forma de “cognição” relacionada ao seu ambiente, e, no
entanto, em vez de dependerem de mente e consciência,
contam com competências não explícitas — baseadas em
processos moleculares e submoleculares — que governam
sua vida com eficácia ao sabor dos ditames da homeostase.
E os humanos? Possuímos mente e apenas isso? A
resposta simples é não. Decerto temos mente, povoada por
representações sensoriais padronizadas chamadas imagens,
e também temos as competências não explícitas que
servem tão bem a organismos mais simples. Somos
dirigidos por duas formas de inteligência, sustentadas por
dois tipos de cognição. A primeira é aquela que os humanos
há muito tempo estudam e prezam. Baseia-se em raciocínio
e criatividade e depende da manipulação de padrões
explícitos de informação conhecidos como imagens. A
segunda é a competência não explícita encontrada nas
bactérias, a única variedade de inteligência da qual a
maioria das formas de vida na Terra dependeu e continua a
depender. Esse tipo permanece inacessível à inspeção
mental.
A segunda questão que precisamos examinar relaciona-se
à capacidade de sentir. Como somos capazes de sentir
prazer e dor, bem-estar e mal-estar, alegria e tristeza? A
resposta tradicional é bem conhecida: o que nos permite
sentir é o cérebro, e basta investigar os mecanismos
específicos por trás de sentimentos específicos. Entretanto,
meu objetivo não é elucidar os correlatos químicos ou
neurais de um ou outro sentimento específico — uma
questão importante que a neurobiologia tem procurado
examinar com certo êxito. Meu objetivo é outro. Desejo ter
conhecimento sobre os mecanismos funcionais que nos
permitem experimentar na mente um processo que ocorre
na esfera física do corpo. Convencionou-se atribuir essa
pirueta fascinante — do corpo físico à experiência mental —
aos bons ofícios do cérebro, especificamente à atividade de
dispositivos físicos e químicos chamados neurônios. Embora
sem dúvida o sistema nervoso seja necessário para realizar
essa transição notável, não há indícios de que ele faça isso
sozinho. Além disso, muitos julgam que é impossível
explicar a pirueta fascinante que permite ao corpo físico
abrigar experiências mentais.
Em uma tentativa de responder a essa questão crucial,
concentro-me em duas observações. Uma delas está
relacionada às características anatômicas e funcionais
únicas do sistema nervoso interoceptivo — o sistema
responsável pela sinalização do corpo ao cérebro. Essas
características diferem bastante daquelas que podem ser
encontradas em outros canais sensoriais, e, embora
algumas já tenham sido documentadas, sua importância foi
desconsiderada. No entanto, elas ajudam a explicar a
singular fusão de “sinais corporais” e “sinais neurais” que
contribui decisivamente para que experienciemos a carne.
Outra observação pertinente concerne à relação única
entre o corpo e o sistema nervoso, sobretudo ao fato de que
o primeiro contém inteiramente o segundo dentro de seus
limites. O sistema nervoso, incluindo seu núcleo natural, o
cérebro, está localizado totalmente no território do corpo
propriamente dito e está intimamente associado a ele.
Como consequência, corpo e sistema nervoso podem
interagir de modo direto e profuso. Não existe nada
comparável à relação entre o mundo externo ao nosso
organismo e o nosso sistema nervoso. Uma consequência
espantosa desse esquema é que os sentimentos não são
percepções convencionais do corpo, e sim híbridos, à
vontade tanto no corpo como no cérebro.
Essa condição híbrida pode ajudar a explicar por que
existe uma distinção profunda, mas não uma oposição,
entre sentimento e raciocínio, por que somos criaturas
sensíveis que pensam e criaturas pensantes que sentem.
Passamos a vida sentindo ou raciocinando ou ambas as
coisas, conforme requerem as circunstâncias. A natureza
humana beneficia-se de uma abundância de inteligência dos
tipos explícito e não explícito e do uso de sentimento e
razão, combinados ou cada qual isolado — bastante poder
intelectual, sem dúvida, porém nem de longe o suficiente
para que tratemos decentemente nossos semelhantes
humanos, que dirá os demais seres vivos.

Munidos de novos fatos importantes, estamos prontos


para tratar da consciência em si. Como o cérebro nos
proporciona experiências mentais que associamos
inequivocamente ao nosso ser — a nós mesmos? As
respostas possíveis, como veremos, são de uma
transparência surpreendente.
II

Antes de prosseguirmos, preciso dizer algumas palavras


sobre como procedo ao investigar fenômenos mentais. Sem
dúvida, a abordagem começa com os próprios fenômenos
mentais, quando indivíduos singulares se dedicam à
introspecção e relatam suas observações. A introspecção
tem seus limites, mas não tem rival, muito menos
substituto. Ela fornece a única janela direta para os
fenômenos que queremos compreender e serviu
notavelmente ao gênio científico e artístico de William
James, Sigmund Freud, Marcel Proust e Virginia Woolf. Mais
de um século depois, podemos dizer que logramos alguns
avanços, mas a realização deles permanece algo
extraordinário.
Os resultados da introspecção agora podem ser
associados e enriquecidos por resultados obtidos com a
aplicação de outros métodos que também se ocupam de
fenômenos mentais, porém os investigam de forma indireta,
concentrando-se em (a) suas manifestações
comportamentais e (b) seus correlatos biológicos,
neurofisiológicos, psicoquímicos e sociais. Em décadas
recentes, vários avanços técnicos revolucionaram esses
métodos e lhes deram um poder considerável. O texto que
você está prestes a ler baseia-se em resultados extraídos de
uma integração desses esforços científicos formais com os
resultados da introspecção.
Não há mérito em reclamar das imperfeições da auto-
observação e seus óbvios limites, tampouco em reclamar da
natureza indireta das ciências que tratam de fenômenos
mentais. Não existe outro modo de proceder, e as técnicas
multifacetadas que hoje são o estado da arte contribuem
bastante para minimizar as dificuldades.
Um último alerta: os dados gerados por essa abordagem
multiestratégica requerem interpretação. Eles sugerem
ideias e teorias destinadas a explicar fatos do melhor modo
possível. Algumas ideias e teorias encaixam-se muito bem
nos dados e são bem convincentes, mas não se engane:
também precisam ser tratadas como hipóteses, submetidas
a testes experimentais apropriados e corroboradas ou não
por evidências. Não devemos confundir teoria, por mais
sedutora que seja, com fatos verificados. Por outro lado,
também é verdade que, ao discutirmos fenômenos tão
complexos como os eventos mentais, muitas vezes temos
de nos contentar com a plausibilidade quando a
comprovação não está ao alcance.
PARTE I
SOBRE SER
No princípio não era o verbo

No princípio não era o verbo. Isso está claro. Não que o


universo dos vivos tenha sido simples em algum momento,
muito pelo contrário. Foi complexo desde a origem, 4
bilhões de anos atrás. A vida avançou sem palavras nem
pensamentos, sem sentimentos nem raciocínios, desprovida
de mentes e consciências. No entanto, organismos vivos
sentiam outros como eles e sentiam seus ambientes.
Quando digo que sentiam, refiro-me à detecção de
“presença” — de outro organismo inteiro ou de uma
molécula localizada na superfície de outro organismo, ou
ainda de uma molécula secretada por outro organismo.
Sentir não é perceber, e não é construir um “padrão”
baseado em alguma outra coisa para criar uma
“representação” dessa coisa e produzir uma “imagem” na
mente. Por outro lado, sentir é a variedade mais elementar
de cognição.
Ainda mais surpreendente é que organismos vivos
respondiam de modo inteligente às sensações que tinham.
Responder com inteligência significava que a resposta
contribuía para a continuidade de sua vida. Por exemplo, se
a sensação que lhes surgia representasse um problema,
uma resposta inteligente seria aquela que levasse à solução
do problema. Contudo, cabe ressaltar que a inteligência
desses organismos simples não se baseava em
conhecimento explícito do tipo usado hoje pela nossa
mente, o tipo que requer representações e imagens.
Baseava-se em uma competência oculta que levava em
conta o objetivo de manter a vida, nada além disso. Essa
inteligência não explícita incumbia-se de gerir a vida,
administrá-la de acordo com as regras e regulações da
homeostase. Homeostase? Pense na homeostase como um
conjunto de regras sobre como proceder, executadas
incansavelmente segundo um extraordinário manual de
instruções sem palavras nem ilustrações. As instruções
asseguravam que os parâmetros dos quais a vida dependia
— por exemplo, a presença de nutrientes, certos níveis de
temperatura ou pH — fossem mantidos dentro de faixas
ótimas.
Lembrando: no princípio palavras não foram ditas nem
escritas, nem mesmo no rigoroso manual de regulação da
vida.
O propósito da vida

Sei que falar sobre o propósito da vida pode causar certo


constrangimento, mas, do ponto de vista inocente de cada
organismo vivo, a vida é inseparável de um objetivo
evidente: sua própria manutenção enquanto a morte por
idade avançada não chega.
O caminho mais curto da vida para realizar sua própria
manutenção é seguir os ditames da homeostase, o intricado
conjunto de procedimentos regulatórios que possibilitaram a
vida quando ela surgiu nos organismos unicelulares
primevos. Por fim, quando organismos multicelulares e
multissistêmicos entraram na moda — cerca de três bilhões
e meio de anos depois —, a homeostase passou a ser
auxiliada por dispositivos coordenadores recém-evoluídos
conhecidos como sistemas nervosos. Estava pronto o
cenário para que esses sistemas nervosos não apenas
gerissem as ações, mas também representassem padrões.
Mapas e imagens estavam a caminho, e mentes — as
mentes que têm sentimentos e consciência possibilitadas
pelos sistemas nervosos — foram o resultado. Pouco a
pouco, ao longo de algumas centenas de milhões de anos, a
homeostase começou a ser parcialmente governada por
mentes. Para que a vida fosse ainda mais bem
administrada, só faltava o raciocínio criativo baseado no
conhecimento memorizado. Os sentimentos, de um lado, e
o raciocínio criativo, de outro, passaram a ter papéis
importantes no novo nível de administração permitido pela
consciência. Os avanços amplificaram o propósito da vida:
sobreviver, é claro, mas com uma abundância de bem-estar
derivada, em grande medida, da experiência de suas
próprias criações inteligentes.
O objetivo da sobrevivência e os ditames da homeostase
continuam em vigor hoje, tanto em seres unicelulares — nas
bactérias por exemplo — como em nós. Mas o tipo de
inteligência que auxilia o processo é diferente nos seres
unicelulares e nos humanos. A inteligência não explícita e
não consciente é tudo o que está disponível para os
organismos mais simples desprovidos de mente. Sua
inteligência não possui as riquezas e o poder gerados por
representações expressas. Os humanos têm os dois tipos de
inteligência.
Quando falamos sobre a vida e os tipos de gestão
inteligente usados por diferentes espécies, fica evidente
que precisamos identificar o rol de estratégias específicas e
distintas disponíveis a esses seres e dar nomes às etapas
funcionais que elas constituem. Sentir (detectar) é a mais
básica, e acredito que está presente em todas as formas de
vida. Usar a mente é a seguinte — requer um sistema
nervoso e a criação de representações e imagens, o
componente crítico da mente. Imagens mentais fluem sem
cessar ao longo do tempo e são infinitamente passíveis de
manipulação para produzirem novas imagens. Como
veremos, o uso da mente abre caminho para os sentimentos
e para a consciência. Não há esperança de elucidar a
consciência se não nos debruçarmos sobre a distinção
dessas etapas intermediárias.
O constrangimento dos vírus

A menção de competências decorrentes de inteligência


desprovida de mente me faz pensar na tragédia que
estamos vivendo e nas perguntas sem respostas
relacionadas aos vírus. Apesar do nosso êxito em conter a
pólio, o sarampo e o HIV e em lidar com a inconveniência e
os perigos da gripe sazonal, os vírus continuam a ser uma
causa importante de humilhação para a ciência e a
medicina. Somos negligentes e despreparados para
epidemias virais e ignorantes no que diz respeito aos
conhecimentos científicos necessários para falar com
clareza sobre os vírus e lidar eficazmente com suas
consequências.
Fizemos grandes progressos na compreensão do papel
das bactérias na evolução e de sua interdependência em
relação aos humanos, que em grande medida nos é
benéfica. O microbioma agora faz parte do modo como nos
compreendemos, mas para os vírus não há nada
comparável. Nossos problemas começam com a dificuldade
de classificar os vírus e entender seu papel na economia
geral da vida. Os vírus são vivos? Não. Vírus não são
organismos vivos. Mas então por que falamos em “matar”
vírus? Qual o status dos vírus no grande esquema biológico?
Onde eles se encaixam na evolução? Por que e como
devastam seres realmente vivos? As respostas a essas
perguntas costumam ser incertas e ambíguas, o que é
surpreendente, considerando o altíssimo custo em
sofrimento humano que os vírus acarretam. Comparar vírus
e bactérias é muito esclarecedor. Vírus não têm
metabolismo energético, mas bactérias sim. Vírus não
produzem energia nem resíduos, bactérias produzem. Vírus
não podem iniciar movimento. Eles são combinações de
ácidos nucleicos — DNA ou RNA — com algumas proteínas
diversas.
Os vírus não conseguem se reproduzir por conta própria,
mas podem invadir organismos vivos, sequestrar seus
sistemas vitais e se multiplicar. Em resumo, não estão vivos,
mas podem se tornar parasitas de seres vivos e ter uma
“pseudovida” enquanto, na maioria dos casos, destroem a
vida que lhes permite continuar sua existência ambígua e
promover a produção e disseminação dos “seus” ácidos
nucleicos. E, nesse aspecto, apesar de seu status de seres
não vivos, não podemos negar aos vírus uma fração da
variedade não explícita de inteligência que anima todos os
organismos vivos, a começar pelas bactérias. Os vírus têm
uma competência oculta que só se manifesta quando
alcançam terreno vivo apropriado.
Cérebros e corpos

Qualquer teoria que passe ao largo do sistema nervoso


para explicar a existência de mente e consciência está
destinada ao fracasso. A contribuição do sistema nervoso é
essencial para viabilizar a mente, a consciência e o
raciocínio criativo que as primeiras possibilitam. No entanto,
qualquer teoria que se baseie apenas no sistema nervoso
para explicar mente e consciência também está fadada ao
fracasso. Infelizmente, esse é o caso da maior parte das
teorias atuais. As tentativas inúteis de explicar a
consciência só com base na atividade nervosa são em parte
responsáveis pela ideia de que a consciência é um mistério
inexplicável. Embora seja verdade que a consciência como a
conhecemos só emerge por completo em organismos
dotados de sistema nervoso, também é verdade que a
consciência requer interações abundantes entre a parte
central do sistema nervoso — o cérebro propriamente dito
— e diversas partes não nervosas do corpo.
O que o corpo traz para o casamento com um sistema
nervoso é sua inteligência biológica fundamental, a
competência não explícita que governa a vida atendendo às
demandas da homeostase e que por fim se expressa sob a
forma de sentimento. O fato de que, em boa medida, o
sentimento só se manifesta plenamente graças ao sistema
nervoso não altera essa realidade fundamental.
O que o sistema nervoso traz para o casamento com o
corpo é a possibilidade de tornar o conhecimento explícito,
construindo os padrões espaciais que, como esclareceremos
adiante, constituem imagens. O sistema nervoso também
ajuda a gravar na memória o conhecimento representado
em imagens e abre caminho para o tipo de manipulação de
imagens que possibilita a reflexão, o planejamento, o
raciocínio e, por fim, a geração de símbolos e a criação de
novas respostas, artefatos e ideias. O casamento de corpo e
cérebro consegue até revelar parte do conhecimento
secreto da biologia — em outras palavras, as explicações
para a vida inteligente.
Sistemas nervosos como
subprodutos da natureza

Os sistemas nervosos apareceram tarde na história da


vida. Não, os sistemas nervosos não foram primários em
nenhum aspecto. Eles surgiram para servir à vida, para
torná-la possível quando a complexidade de organismos
requereu níveis elevados de coordenação funcional. E, sim,
sistemas nervosos ajudaram a gerar fenômenos e funções
surpreendentes que não estavam presentes antes de eles
aparecerem, como sentimentos, mente, consciência,
raciocínio explícito, linguagens verbais e matemática. De
um modo curioso, essas novidades “neuroautorizadas”
expandiram as realizações das inteligências biológicas não
explícitas e das habilidades cognitivas não explícitas que já
existiam e que tinham o propósito singular de servir à vida.
As inovações neurais atuaram otimizando a regulação
homeostática e mantendo a vida com mais segurança. Isso
é justamente o que os sistemas nervosos têm realizado,
possibilitando os altos níveis de coordenação funcional
requeridos por organismos multicelulares e multissistêmicos
complexos. Organismos multicelulares complexos dotados
de sistemas diferenciados — endócrino, respiratório,
digestório, imunitário, reprodutivo — foram salvos pelo
sistema nervoso, e organismos dotados de sistema nervoso
passaram a ser salvos pelos elementos que os sistemas
nervosos inventaram — imagens mentais, sentimentos,
consciência, criatividade, culturas.
Os sistemas nervosos são esplêndidos “subprodutos” de
uma natureza sem mente nem pensamento, mas de uma
presciência pioneira.
Sobre ser, sentir e saber

A história dos organismos vivos começou há 4 bilhões de


anos e seguiu caminhos diversos. No ramo da história que
conduziu até nós, gosto de imaginar três estágios
evolucionários distintos e consecutivos. Um primeiro estágio
é caracterizado pelo ser; o segundo é dominado pelo sentir;
e o terceiro é definido pelo saber no sentido geral do termo.
Curiosamente, em cada humano contemporâneo podemos
vislumbrar algo similar a esses mesmos três estágios, e eles
se desenvolvem na mesma sequência. Os estágios de ser,
sentir e saber correspondem aos sistemas anatômicos e
funcionais independentes que coexistem em cada um de
nós, humanos, e são acionados conforme se faz necessário
na vida adulta.1
Os organismos vivos mais simples — os que têm apenas
uma célula (ou pouquíssimas células) e não possuem
sistema nervoso — nascem, tornam-se adultos, defendem-
se e por fim morrem por idade avançada, por doença ou são
destruídos por outros seres. Eles são seres individuais,
capazes de escolher os lugares mais adequados à vida em
seus ambientes e capazes de lutar pela própria vida, apesar
de fazerem tudo isso sem a ajuda de uma mente, muito
menos de uma consciência. Eles tampouco têm sistema
nervoso. Em suas escolhas não há premeditação nem
reflexão — é impossível premeditar e refletir na ausência de
uma mente iluminada pela consciência. Esses seres fazem o
que fazem, em grande medida, baseados em processos
químicos eficientes guiados por uma competência
perfeitamente ajustada, porém oculta, sintonizada com os
ditames da homeostase, de modo que a maioria dos
parâmetros do processo da vida possa ser mantida em
níveis compatíveis com a sobrevivência. Isso é obtido sem a
ajuda de representações explícitas do ambiente ou do
interior — em outras palavras, sem uma mente — e sem o
auxílio do pensamento e da tomada de decisão baseada em
reflexão. O processo é complementado por uma forma
mínima de cognição, manifestada, por exemplo, sob a forma
de “sentir” obstáculos ou estimar o número de outros
organismos presentes em dado momento e em certo
espaço, uma capacidade conhecida como quorum sensing
[percepção de quórum].2
Competências ocultas refletem limitações físicas e
químicas e são um recurso para cumprir um objetivo — uma
vida boa, e com isso quero dizer uma vida regulada
eficientemente, capaz de sobreviver a ameaças — enquanto
se respeita a realidade. Cada um desses organismos vivos
competentes é, em essência, uma fábrica química
independente que opera um empreendimento metabólico e
gera produtos metabólicos, mesmo sem possuir sistema
digestivo ou circulatório. No entanto, há algo de inesperado
em suas atividades: esses seres “pseudossimples”, dos
quais o melhor exemplo são as bactérias, podem viver como
membros de um grupo social no mundo maior, isto é, dentro
de outros organismos vivos, como nós. Fornecemos casa e
comida e cobramos aluguel na forma de serviços químicos
úteis. Pode acontecer, é claro, de os inquilinos abusarem da
situação e tirarem mais do que deveriam na transação, e às
vezes as coisas não acabam bem para os senhorios nem
para os inquilinos.
O estágio inicial do ser não inclui nada que possamos
chamar de sentimento explícito ou conhecimento explícito,
embora o processo da “vida boa” tenha de obedecer às
disposições físicas sem as quais a vida não teria começado
ou se desintegraria facilmente. E assim, no vasto caminho
histórico que estamos descrevendo aqui, o ser é seguido
pelo sentir. A meu ver, para que seres vivos sejam capazes
de sentir, primeiro precisam adicionar várias características
ao organismo. Eles têm de ser multicelulares e possuir
sistemas diferenciados de órgãos, mais ou menos
elaborados, entre os quais se destaca o sistema nervoso,
coordenador natural de processos vitais internos e de
interações com o ambiente. Então o que acontece? Muita
coisa, como veremos.
Sistemas nervosos possibilitam movimentos complexos e,
por fim, o início de uma verdadeira inovação: as mentes. Os
sentimentos estão entre os primeiros exemplos de
fenômenos mentais, e é difícil exagerar sua importância.
Eles permitem que os seres representem em suas
respectivas mentes o estado de seu próprio corpo, voltado
para a regulação das funções dos órgãos internos
requeridas pelas necessidades da vida: comer, beber e
excretar; assumir posturas defensivas, como ocorre durante
o medo ou a raiva, o nojo ou o desprezo; coordenar
comportamentos sociais como a cooperação e o conflito;
exibir viço, alegria e exaltação; e até os comportamentos
relacionados à procriação.
Os sentimentos proporcionam aos organismos
experiências de sua própria vida. Especificamente,
proporcionam ao organismo proprietário uma avaliação
graduada de seu êxito relativo em viver, uma nota no
exame natural que se manifesta sob a forma de uma
qualidade — agradável ou desagradável, leve ou intensa.
Essas novas informações são preciosas, o tipo de
informação que organismos limitados ao estágio do “ser”
não podem obter.
Não é de surpreender que os sentimentos sejam uma
contribuição importante para a criação de um “self ”,3 um
processo mental movido pelo estado do organismo, e que se
ancorem na estrutura corporal (constituída pelas estruturas
muscular e esquelética) e se orientem segundo a
perspectiva fornecida por canais sensoriais como a visão e a
audição.
Assim que o ser e o sentir estão estruturados e em
funcionamento, estão prontos para sustentar e estender a
sapiência que constitui o terceiro membro do trio: saber.
Os sentimentos nos fornecem o conhecimento da vida no
corpo e, de pronto, tornam esse conhecimento consciente.
(Nas partes III e IV explicaremos como os sentimentos
conseguem fazer isso.) Esse é um processo central e
fundamental, e, no entanto, ingratos que somos, mal o
notamos, distraídos pela força de outro ramo do saber,
aquele que é construído pelos sistemas sensoriais — visão,
audição, sensações corporais, paladar e olfato — com a
ajuda da memória. Os mapas e as imagens criados com
base em informações sensoriais tornam-se os componentes
mais abundantes e diversos da mente, lado a lado com os
sentimentos sempre presentes e relacionados a eles. O mais
das vezes, eles dominam os procedimentos mentais.
O curioso é que cada sistema sensorial em si é desprovido
de experiência consciente. Por exemplo, o sistema visual,
formado por retinas, via óptica e córtices visuais, produz
mapas do mundo externo e contribui com imagens visuais
explícitas dele. No entanto, o sistema visual não nos
permitiria declarar automaticamente essas imagens como
nossas imagens, ocorridas dentro do nosso organismo. Não
relataríamos essas imagens ao nosso ser, não seríamos
conscientes delas. Apenas a operação coordenada dos três
tipos de processamento — os tipos que se relacionam a ser,
sentir e saber — permite que as imagens sejam conectadas
ao nosso organismo, que literalmente se refiram a ele e
sejam situadas dentro dele. Só então a experiência pode
emergir.
O que decorre dessa etapa fisiológica importantíssima
mas pouco aclamada é extraordinário. Assim que
experiências começam a ser gravadas na memória, os
organismos dotados de sentimentos e consciência são
capazes de manter uma história mais ou menos completa
de sua vida, uma história de suas interações com os outros
e de sua interação com o ambiente — em resumo, uma
história de cada vida individual como ela é vivida dentro de
cada organismo individual, nada menos do que o arcabouço
da individualidade.
Cronologia da vida

Protocélulas 4 bilhões de
anos
Primeiras células (ou procariotas, como 3,8 bilhões de
bactérias), anucleadas anos
Fotossíntese 3,5 bilhões de
anos
Primeiros seres unicelulares nucleados 2 bilhões de
(ou eucariotas) anos
Primeiros organismos multicelulares 700-600
milhões de anos
Primeiras células nervosas 500 milhões de
anos
Peixes 500-400
milhões de anos
Plantas 470 milhões de
anos
Mamíferos 200 milhões de
anos
Primatas 75 milhões de
anos
Aves 60 milhões de
anos
Hominídeos 14-12 milhões
de anos
Homo sapiens 300 mil anos

 
PARTE II
SOBRE A MENTE E A NOVA ARTE DA
REPRESENTAÇÃO
Inteligência, mente e consciência

Esses são três conceitos espinhosos, e o trabalho de


esclarecer o que representam ainda não chegou ao fim.
Inteligência, da perspectiva geral de todos os organismos
vivos, significa a capacidade de resolver a contento os
problemas da luta pela vida. No entanto, a distância entre a
inteligência das bactérias e a inteligência humana é enorme
— uma distância de bilhões de anos de evolução, para ser
mais exato. O escopo dessas inteligências e suas
respectivas realizações também são previsivelmente
diferentes.

As inteligências humanas explícitas não são simples nem


pequenas. Requerem uma mente e a assistência de
desdobramentos relacionados à mente: sentimento e
consciência. Requerem percepção, memória e raciocínio. O
conteúdo da mente se baseia em padrões mapeados
espacialmente que representam objetos e ações. Para
começar, o conteúdo corresponde a objetos e ações que
percebemos tanto no interior do nosso organismo como no
mundo à nossa volta. O conteúdo dos padrões mapeados
espacialmente que construímos pode ser inspecionado
mentalmente. Considerando um padrão específico, nós, os
proprietários da mente, podemos inspecionar a “métrica” do
padrão ou sua “extensão”. Além disso, nós, os proprietários
dos padrões, podemos inspecionar mentalmente suas
estruturas em relação a um objeto específico e refletir, por
exemplo, sobre o grau de “semelhança” com o objeto
original.
Por fim, o conteúdo da mente é manipulável, isto é, nós,
os proprietários dos padrões, podemos mentalmente cortá-
los em partes e rearranjá-las de inúmeros modos para obter
novos padrões. Quando tentamos resolver um problema,
raciocínio é o nome que damos ao processo de manipulação
a que recorremos em busca de uma solução.
Um modo conveniente de nos referirmos aos padrões
mentais que constituem a mente é o termo imagens. Mas
com isso não quero dizer apenas imagens “visuais”, e sim
quaisquer padrões produzidos pelos canais sensoriais
dominantes: visuais, é claro, mas também auditivos, táteis,
viscerais. Quando usamos nossa mente com criatividade,
usamos nossa imaginação, certo?
Em contrapartida, a inteligência das bactérias é oculta,
não explícita. Nenhum de seus estratagemas é transparente
para o observador, nem — e isso é o mais importante —
para os próprios organismos inteligentes. Tudo o que nós,
observadores frustrados, sabemos sobre a resolução de um
problema é o começo e o fim, ou seja, a pergunta e a
resposta. Quanto aos organismos propriamente ditos,
acredito que saibam ainda menos! Pelo que sabemos, não
existe nada no interior de uma bactéria inteligente que seja
capaz de construir padrões representando objetos ou ações,
e em suas imediações ou em seu interior não há nada que
se assemelhe a imagens e, portanto, nada que se
assemelhe ao raciocínio. Contudo, o comportamento
inteligente funciona muito bem com base em computações
bioelétricas bem articuladas cujo teatro de operações é
pequeno — mas não simples — e se situa do nível molecular
para baixo, no alicerce físico de um organismo vivo.

Os descritores fundamentais dos dois tipos de inteligência


agora podem ser alinhados para maior clareza: de um lado,
inteligências encobertas, ocultas, disfarçadas, recônditas,
não explícitas; de outro, inteligências expressas, manifestas,
explícitas, mapeadas, de bases mentais. No entanto, apesar
de diferentes, os dois tipos de inteligência surgiram para
desempenhar a mesma tarefa: resolver problemas
encontrados na luta pela vida. As inteligências encobertas
resolvem problemas de maneira simples e econômica. As
inteligências explícitas são complicadas, porque requerem
sentimento e consciência. Elas levaram seus organismos a
se importarem com a luta e, no processo, inventaram novos
meios para isso.
É fácil deixar de perceber a importância das distinções
que delineio aqui entre as formas de inteligência não
explícita e explícita. Não explícito não significa “mágico”,
embora muitos mistérios biológicos ainda aguardem
elucidação. E explícito não significa totalmente explicado.
Ocorre apenas que os mecanismos não explícitos não são
transparentes nem inspecionáveis sem a ajuda de
microscópios ou bioquímica fina, para não falar em uma
construção teórica que dê sentido aos fatos; por outro lado,
em grande medida é possível observar mecanismos
explícitos seguindo a trilha de padrões imagéticos, suas
ações e relações.
Como descobriremos adiante, processos explícitos
requerem que os padrões imagéticos sejam construídos e
armazenados pelo organismo. Além disso, esse mesmo
organismo tem de ser capaz de inspecionar internamente os
padrões, mas sem a ajuda de tecnologia científica
elaborada, e de organizar comportamentos condizentes.

INTELIGÊNCIAS

encobertas expressas
ocultas, disfarçadas manifestas
não explícitas explícitas
baseadas em baseadas em padrões neurais
processos químicos/ mapeados espacialmente que
bioelétricos em “representam e se parecem”
organelas e com objetos e ações; imagéticas
membranas celulares

 
Bactérias e outros seres unicelulares beneficiam-se da
notável dádiva da inteligência não explícita. Mas nós,
humanos, desfrutamos de um privilégio muito maior. Nós
nos beneficiamos de ambas: tanto da variedade explícita
como da variedade não explícita de inteligência. Usamos
uma ou outra, ou ambas, conforme pede o problema a ser
resolvido, e nem sequer precisamos decidir qual tipo usar.
Nossos hábitos mentais e estilos de atividade mental
decidem por nós.1
Deixo de lado uma questão incômoda: a inteligência das
monstruosas combinações não vivas que chamamos de
vírus. Quando os vírus entram em um organismo vivo
adequado, e mesmo enquanto seu estado continua a ser de
“não vivo”, eles “agem” de um modo muito inteligente do
ponto de vista de sua permanência. Essa situação, como já
mencionei, é um paradoxo e um constrangimento que
temos de aceitar. Os vírus são coisas não vivas que agem
de modo inteligente para promover a expansão de sua
carga potencialmente produtora de vida: os ácidos
nucleicos.
Sentir não é o mesmo que estar
consciente e não requer uma mente

Todos os organismos vivos, por menores que sejam, têm a


capacidade de detectar — ou “sentir” — estímulos
sensoriais. Exemplos de estímulos sensoriais são a luz, o
calor, o frio, uma vibração, uma cutucada. Os organismos
também podem responder ao que é sentido, e a resposta é
voltada para o ambiente ao redor ou para o interior de seu
corpo, delimitado pela membrana celular que o contém.
Bactérias são capazes de sentir, e o mesmo ocorre com as
plantas, porém, pelo que sabemos, nem bactérias nem
plantas são conscientes. Elas sentem e respondem à
sensação; suas membranas celulares podem detectar
temperatura, acidez ou um mínimo empurrão, e elas podem
responder evitando esses estímulos ou, por exemplo,
afastando-se deles. Bactérias e plantas são dotadas de uma
forma básica de cognição e de uma inteligência notável,
mas não têm conhecimento explícito sobre as coisas que
fazem, tampouco são dotadas da capacidade de raciocinar
explicitamente. Como poderiam? O conhecimento só se
torna explícito para um organismo quando é expresso em
uma mente na forma de padrões imagéticos, e a capacidade
de raciocinar explicitamente requer a manipulação lógica
dessas imagens. Nem as bactérias nem as plantas parecem
possuir mente ou ser conscientes. E um dado importante:
nem bactérias nem plantas têm sistema nervoso.
Isoladamente, sentir não dota um organismo de mente ou
consciência. Mas há um precedente a ser observado. A
consciência só se torna possível em organismos capazes de
sentir e capazes de produzir uma mente.
Bactérias à nossa volta e dentro de nós são dotadas de
uma competência não explícita que lhes permite governar
sua vida de um modo não só eficiente, mas também
inteligente. O mesmo ocorre com as plantas. Sua
inteligência se ocupa de objetivos não expressos: sobreviver
sempre e florescer com frequência. Bactérias e plantas
operam como “devem”, obedecendo aos imperativos da
regulação da vida (ou homeostase), porém fazem isso
cegamente — ou seja, elas não sabem por que nem como o
fazem. A maquinaria química que executa suas ações com
tanto êxito não é representada em outra parte de seu
organismo e não tem possibilidade de se revelar ao
proprietário do organismo. As partes e os mecanismos
envolvidos no êxito ou no fracasso do organismo fazem seu
trabalho, mas nunca são “retratados” em outra parte do
organismo. Em nenhum lugar desses organismos as partes
ou os estratagemas constituem um conhecimento explícito.
Na discussão sobre a natureza desprovida de mente e não
consciente do sentir, devemos introduzir um fato intrigante
sobre o qual cabe reflexão: bactérias e plantas respondem a
numerosos anestésicos suspendendo suas atividades vitais
e entrando em uma espécie de hibernação durante a qual
sua capacidade de ter sensações desaparece. Esse fato foi
estabelecido pela primeira vez por nada menos que o
biólogo francês Claude Bernard, em fins do século XIX.
Imagine o assombro de Claude Bernard quando descobriu
que os rudimentares anestésicos inaláveis de sua época
levavam plantas a adormecer.1
Esse fato é especialmente digno de nota porque, como
acabamos de mencionar, nem plantas nem bactérias
parecem ser dotadas de mente ou consciência, as “funções”
que até hoje quase todo mundo, leigo ou cientista, associa à
ação de anestésicos. Somos anestesiados antes de uma
cirurgia para que a perda de “consciência” permita ao
cirurgião trabalhar em paz e nos poupe do sofrimento.
Minha proposição é: o que a anestesia causa — graças a
uma perturbação de canais iônicos nas propriedades das
bicamadas das membranas celulares — é uma interrupção
radical e básica das funções do sentir que acabamos de
mencionar. A anestesia não tem a mente como alvo
específico — a mente deixa de ser possível quando o sentir
é bloqueado. E a anestesia tampouco tem como alvo a
consciência porque, como proporemos, a consciência é um
estado mental específico e não pode ocorrer na ausência da
mente.
Assim que somos capazes de ter consciência, aquilo de
que nos tornamos conscientes constitui o conteúdo da
nossa mente.
Mentes conscientes equipadas de sentimento e de alguma
perspectiva sobre o mundo ao seu redor são amplamente
presentes no reino animal, não apenas em humanos. Todos
os mamíferos, aves e peixes são dotados de mente e são
conscientes, e desconfio que o mesmo possa se aplicar aos
insetos sociais. No entanto, acredito que isso não vale para
os organismos unicelulares mais simples. E como é que eles
fazem todas as coisas inteligentes que fazem? Ora, vimos
que as humildes bactérias possuem a nada humilde
competência de gerir sua vida. Elas têm alguns precursores
daquilo que por fim permitiria o desenvolvimento da mente
e até da consciência. Contudo, as bactérias ainda não estão
prontas para o grande avanço que chamamos de mente,
muito menos para uma mente consciente.
O conteúdo da mente

Vire uma mente do avesso e derrame seu conteúdo. O


que você encontra? Imagens e mais imagens, o tipo de
imagens que seres complexos, como nós somos,
conseguem gerar e combinar em um fluxo progressivo. Foi
exatamente esse “fluxo” que imortalizou William James e
deu fama à palavra “consciência”, visto que os dois termos
foram muitas vezes usados juntos na expressão “fluxo de
consciência”. Entretanto, veremos que o fluxo, para
começar, é simplesmente feito de imagens cujo fluir quase
ininterrupto constitui uma mente. É claro que a mente se
torna consciente assim que ingredientes adicionais se
apresentam.
As percepções de objetos e ações do mundo externo
transformam-se em imagens por obra da visão, da audição,
do tato, do olfato e do paladar, que tendem a dominar
nossos estados mentais — pelo menos é isso que parece
acontecer. No entanto, muitas imagens na nossa mente não
provêm do cérebro ao perceber o mundo externo, e sim do
cérebro ao mesclar-se e atuar junto com o mundo dentro do
nosso corpo. Um exemplo: a dor que você provoca quando
sem querer martela o dedo em vez do prego. Imagens
complexas desse tipo também podem dominar nossos
procedimentos mentais à medida que se incorporam ao
fluxo mental.
As imagens do interior são atípicas por várias razões. Os
dispositivos que produzem essas imagens não apenas
retratam nosso interior visceral, mas também estão
acoplados a ele, conectados à sua química em uma íntima
interação de mão dupla. O resultado é a produção de
híbridos que chamamos de sentimentos. Uma mente normal
é feita de imagens do exterior — convencionais ou diretas —
e do interior: especiais e híbridas.
Contudo, lidamos também com outros tipos de imagens.
Quando evocamos as memórias que criamos de objetos e
ações e quando recriamos os sentimentos que as
acompanham, as lembranças e recriações também vêm em
forma de imagens. Produzir memórias significa, em grande
medida, gravar imagens sob alguma forma codificada para
que posteriormente possamos recuperar algo próximo do
original. E quanto às traduções que fazemos de objetos,
ações e sentimentos nas linguagens que conhecemos
(línguas verbais, em sua maioria, mas também nas
linguagens da matemática e da música)? As traduções
também se manifestam sob a forma imagética.
Quando relacionamos e combinamos imagens em nossa
mente e as transformamos com a nossa imaginação
criativa, produzimos novas imagens que significam ideias,
tanto concretas como abstratas; produzimos símbolos; e
gravamos na memória boa parte de toda a produção
imagética. Ao fazermos isso, ampliamos o arquivo do qual
extraímos muitos dos conteúdos mentais futuros.
Inteligência sem mente

A inteligência sem mente precede em alguns bilhões de


anos a variedade de inteligência baseada em mentes. A
inteligência sem mente se oculta nas profundezas da
biologia, e o adjetivo “recôndita” é um termo ainda melhor
para designá-la. A inteligência sem mente está bem
escondida por trás do funcionamento de vias moleculares
que realizam coisas inteligentes para organismos vivos e
podem ajudar recipientes não vivos, como os vírus, a
executarem sua missão.
A inteligência sem mente se manifesta amplamente em
reflexos, hábitos, comportamentos emotivos, competição e
cooperação entre organismos. Atentemos para os
desprovidos de mente: seu repertório é vasto. E por favor,
leitor, perceba que nós, humanos arrogantes e dotados de
mente, também nos beneficiamos de mecanismos de
inteligência sem mente em todos os momentos do dia.
A produção de imagens mentais

Onde e como surgem as imagens? Elas surgem graças à


percepção, e é mais fácil tratar da percepção começando
pelo mundo ao redor do nosso organismo. Os padrões de
atividade neural que correspondem ao nosso entorno
começam a ser preparados pelos órgãos sensoriais, como
olhos, ouvidos ou os corpúsculos táteis na pele. Eles
trabalham em conjunto com o sistema nervoso central,
onde núcleos em regiões como a medula espinhal e o tronco
encefálico reúnem os sinais captados pelos órgãos
sensoriais. Por fim, depois de mais algumas estações
intermediárias, os córtices cerebrais recebem e organizam
os sinais perceptuais. Graças ao trabalho pioneiro de
fisiologistas como David Hubel e Torsten Wiesel, sabemos
que o resultado dessa configuração é a construção de
mapas de objetos e seus territórios em diversas
modalidades sensoriais — por exemplo, visão, audição, tato.
Os mapas são a base das imagens que experimentamos na
mente.1 Construímos mapas quando as células nervosas
(neurônios) tornam-se ativas de acordo com certos padrões,
como resultado de inputs provenientes de dispositivos
sensoriais como os olhos ou os ouvidos, em regiões dos
córtices cerebrais nos sistemas visual, auditivo e tátil. A
abundância de detalhes e o valor prático do material
abrangido por essas imagens explicam por que ele tende a
dominar nosso presente psicológico na maioria das
circunstâncias comuns. A relação entre o que é mapeado e
as imagens que formamos é íntima. Criar mapas com
precisão é essencial, e a imprecisão custa caro. Um mapa
impreciso pode nos levar a uma interpretação errada ou
pior: a fazer um movimento errado.
O leitor atento terá notado que não mencionei a produção
de mapas e imagens para o paladar ou o olfato, embora
ambos sejam canais sensoriais importantes; tampouco falei
em criar mapas e imagens do interior, uma etapa
importante na produção de sentimentos.
As estruturas que produzem cheiros e gostos apresentam
a lógica geral dos três principais sentidos, porém exploram
suas próprias combinações de química e montagem de
padrões. Compartilham características das formas
encoberta e expressa de inteligência, e talvez devamos
considerá-las transições de uma para outra.2
Por outro lado, os sentimentos, como mostraremos
quando tratarmos do afeto, são processos inteiramente
híbridos que dependem das características e da
estruturação únicas da interocepção, o processo que abre
nosso interior para a inspeção sensorial e, por fim, mental.
As informações fornecidas pelos sentimentos indicam
“qualidades” de coisas ou de estados — bom ou não tão
bom —, além de “quantidades” dessas qualidades:
realmente horrível ou não tão ruim. A precisão não é
fundamental, e às vezes as informações que os sentimentos
fornecem são intencionalmente incorretas porque o sistema
assim determinou. É o que acontece, por exemplo, quando
opiáceos produzidos internamente reduzem a dor aguda de
um ferimento sem a intervenção de um médico ou de
drogas.
Transformação de atividade neural
em movimento e mente

A forma como os disparos de um neurônio criam


movimento já não é um mistério. Primeiro, os fenômenos
bioelétricos dos disparos neuronais acionam um processo
bioelétrico nas células musculares; segundo, esse processo
causa contração muscular; terceiro, como resultado da
contração muscular, o movimento acontece, nos músculos
propriamente ditos e nos respectivos ossos.1
O modo como um processo eletroquímico conduz a
estados mentais segue a mesma lógica geral, mas é bem
menos transparente. A atividade neural relacionada a
estados mentais é distribuída espacialmente por conjuntos
de neurônios de maneira que naturalmente constitui
padrões. Os exemplos óbvios ocorrem nas sondas sensoriais
da visão, da audição e do tato, em conjunto com as das
atividades no nosso interior visceral. Os padrões
correspondem, em termos espaciais, a objetos, ações ou
qualidades que provocam a atividade neural. Eles retratam
objetos e ações não só espacialmente, mas também em
termos do tempo que as ações levam para ocorrer. A
atividade neural mapeia de modo abrangente os objetos-
alvo e suas ações. Os “padrões mapeados” são esboçados
depressa de acordo com os detalhes físicos de objetos e
ações presentes no mundo ao redor do nosso sistema
nervoso — sobretudo no mundo que se oferece a sondas
sensoriais como os olhos ou os ouvidos. As “imagens” que
constituem nossa mente são resultado da atividade neural
bem organizada que transmite esses padrões ao cérebro.
Em outras palavras, “padrões mapeados” neurobiológicos
se transformam nos “eventos mentais” que chamamos de
imagens. E quando esses eventos são parte de um contexto
que inclui sentimentos e autoperspectiva, então, e só então,
eles se tornam experiências mentais — vale dizer, eles se
tornam conscientes.
Dependendo da interpretação que se faz, pode-se
considerar essa “conversão-transformação” um passe de
mágica ou um fenômeno muito natural. Prefiro a segunda
alternativa, mas isso não quer dizer que a explicação seja
completa e que todos os detalhes estejam esclarecidos.
Como veremos adiante, a “física da mente” pede esforços
explicativos adicionais. Entretanto, essa “incompletude” não
deve ser confundida com o “problema difícil” da
consciência.2 Ela se relaciona ao tecido profundo da mente,
a tessitura que sustenta mapas e imagens e que não pode
ser de todo explicada pela física clássica. O tempo dirá o
quanto a física pode ou não nos dar as respostas a essa
incompletude.
A fabricação de mentes

Sabemos que nossa mente é feita de comboios de


imagens de vários tipos que se sucedem no tempo, desde
os que nos dão a visão e os sons até os que são parte dos
sentimentos. Também sabemos que as imagens dominantes
são comumente estruturadas em um “padrão”, um
esquema espacial, geométrico, no qual elementos são
dispostos em duas ou mais dimensões. Essa espacialidade
está no cerne do que é uma mente. Ela é responsável pela
natureza explícita dos componentes mentais, o exato
oposto das competências não explícitas que auxiliam, de
modo bastante inteligente, os organismos vivos desprovidos
de sistema nervoso e que também são úteis em organismos
complexos como o nosso. As competências não explícitas
são extraordinariamente eficazes, mas as engrenagens de
sua maquinaria continuam inacessíveis à inspeção mental.
Por exemplo, o RNA mensageiro (mRNA) pode ser lido com
precisão para formar cadeias de aminoácidos e até se
beneficiar de mecanismos de correção de erros. No entanto,
não podemos inspecionar “mentalmente” o processo de
transcrição. A ciência revelou os detalhes desse processo,
mas ele permanece oculto para nós sem a ajuda da
tecnologia.
Então onde se encontram os padrões de imagens
explícitos? Trabalhos clássicos em neuroanatomia e
neurofisiologia mostraram que os padrões são baseados em
“mapas dinâmicos”. Estes são gerados em alta velocidade
nos córtices cerebrais dos vários sistemas sensoriais,
incluindo as áreas corticais de associação, e também em
estruturas cerebrais abaixo do nível do córtex cerebral,
como os colículos e os gânglios geniculados. Os “padrões”
organizados em todas essas estruturas correspondem a
objetos e ações e a relações presentes e ativas fora do
sistema nervoso. Um modo de explicar como os padrões
surgem é dizer que sondas sensoriais como a retina ou a
cóclea analisam objetos e relações e os “imitam” ou
“retratam” em redes de neurônios, para marcá-los em um
espaço coordenado, respeitando as sequências em tempo
real dos objetos que se movem. A anatomia reticulada de
todas essas estruturas neurais é ideal para ativar neurônios
de um modo que se formem padrões, e com isso vários
arranjos, em dimensões variadas, podem ser “ativados”
bem depressa e eliminados com a mesma rapidez.
Dada a variedade de córtices disponível em cada canal
sensorial, podemos perguntar onde exatamente as imagens
são montadas e experimentadas. Seria nos córtices
cerebrais primários? Se assim for, em qual camada (ou
camadas)? Ou será que as imagens estão em mais de uma
região cortical, de modo que a imagem experimentada na
mente seria, na verdade, um composto construído com
vários padrões montados ao mesmo tempo?
Não há uma resposta definitiva que explique onde as
imagens estão. É evidente elas são produzidas em lugares
diversos, em momentos diferentes e com granulação
diferente. Além disso, a questão do “onde” se relaciona a
uma indagação semelhante: graças a qual mecanismo
adicional as imagens tornam-se conscientes? Trataremos
dessa indagação depois de discorrermos sobre os
sentimentos, que são contribuições indispensáveis ao
processo de tornar imagens conscientes.
Talvez uma questão ainda mais enigmática tenha ligação
com o tecido mais profundo da mente, a questão da
tessitura que já mencionei. Dizer que processos mentais se
baseiam em eventos bioelétricos nos circuitos neuronais
certamente é correto. Mas será que podemos procurar sob
essa afirmação? É lá, suspeito, que talvez seja útil investigar
a estrutura física e a dinâmica de tecidos neurais e do meio
não neural no qual eles se inserem. Nesse sentido, físicos
como Roger Penrose, o biólogo Stuart Hameroff e o cientista
da computação Hartmut Neven aventaram que os processos
de nível quântico que ocorrem no interior de células,
sobretudo nos neurônios, são agentes importantes em
eventos mentais.1
Corroborando essa ideia, avanços recentes em biologia
geral sugerem que eventos submoleculares de nível
quântico são cruciais para explicar processos biológicos
complexos como a fotossíntese. O mesmo se aplica ao
sonar, à ecolocalização e à determinação do norte
magnético por aves, todos fenômenos “relacionados à
mente”.
Ressalto que, da minha perspectiva, as considerações
anteriores aplicam-se à fabricação da mente e apenas da
mente. Como mostrarei nos próximos capítulos, explicar a
consciência — explicar como tornar mentes conscientes —
não requer que invoquemos o nível submolecular, mas
explicar o tecido da mente talvez requeira. A consciência é
um fenômeno que se dá em nível de sistemas. Exige um
rearranjo da mobília da mente, e não a fabricação de
móveis individuais.
A mente das plantas e a sabedoria
do príncipe Charles

Não há como não simpatizar com uma pessoa que


conversa com plantas, como dizem que o príncipe Charles
faz. Indiscutivelmente, falar com plantas implica não só um
reconhecimento do valor de formas de vida não humanas,
mas também respeito pela ideia de que bons cuidados, reais
ou poetizados na forma de palavras gentis, fazem diferença
para a vida de organismos não humanos — uma ideia de
fato encantadora.
Não sei se o príncipe Charles é um conhecedor da
botânica especificamente ou da biologia em geral, mas ele
tem muita razão em respeitar e amar as plantas. E está em
boa companhia — nada menos que Claude Bernard, de
quem falamos há pouco. Claude Bernard descobriu o efeito
da anestesia na vida das plantas, percebeu a importância
da regulação da vida já no último quarto do século XIX e
explicou a necessidade dessa regulação para manter o
equilíbrio no interior físico-químico de todos os seres vivos,
ao qual ele deu o nome de “meio interno”. Algumas de suas
ideias foram inspiradas na vida das plantas, e é fácil
imaginá-lo conversando com elas também, embora não seja
preciso ir tão longe. Basta reconhecer que, embora o termo
“homeostase” só tenha se popularizado algumas décadas
mais tarde — pela mão do cientista americano Walter
Cannon —, o admirável Claude Bernard, trabalhando
discretamente em Paris, descreveu pela primeira vez o
fenômeno da homeostase e percebeu sua importância.1
E o que Claude Bernard viu em suas plantas? Ele viu seres
vivos com muitas células e diversos tipos de tecidos,
gerindo organismos multissistêmicos complexos com
bastante êxito, apesar de, em grande medida, estarem
envoltos em celulose, serem desprovidos de músculos e,
portanto, impedidos de executar movimentos evidentes. Ele
viu que, na verdade, as plantas eram bem capazes de
movimentos não evidentes, furtivos, com sua
impressionante rede de raízes subterrâneas. E como
pareciam (e parecem) ser conhecedoras essas raízes,
crescendo ao seu ritmo lento mas inexorável em direção à
região do subsolo que lhes fornecerá mais água e
nutrientes!
Claude Bernard também percebeu que a água podia ser
levada para a superfície, para as partes superiores expostas
das plantas e para suas folhas e flores, graças a um sistema
eficaz de circulação hidráulica. E notou que organismos
multicelulares e multissistêmicos tinham uma solução
brilhante para gerar movimento justapondo novos
elementos celulares, um ao lado do outro, e assim
“movendo” a extremidade de um ramo alongando o ramo
inteiro. Isso é o que as plantas fazem quando seu sistema
de raízes curva-se e cresce em uma direção específica,
voltado para o local onde moléculas de água aguardam em
abundância. Excepcionalmente, plantas podem de fato se
mover usando algo similar a músculos, como é o caso das
folhas da planta carnívora dioneia, mas essa não é a regra.
Claude Bernard não se espantaria se descobrisse o que
aprendemos desde a sua época: nas florestas, as raízes
formam vastas redes que contribuem para uma homeostase
coletiva.2
Todos esses prodígios são realizados na ausência de um
sistema nervoso, mas com a ajuda de uma capacidade
abundante de sentir e de uma inteligência sem mente. Ora,
quem precisa de uma mente quando consegue fazer tanto
sem ela? Razão de sobra, portanto, para Claude Bernard
admirar essa família de organismos vivos e investigar a
obediência que eles manifestam aos imperativos da
homeostase. Razão de sobra para o príncipe Charles honrá-
las com seus monólogos.
Algoritmos na cozinha

Muitos falam sobre os algoritmos com reverência, com o


devido respeito ao tipo de avanço científico ou técnico que
muda vidas. A reverência e o respeito são bem justificados,
porém é importante compreender a natureza dos algoritmos
e esclarecer seus limites, em especial quando os
comparamos a imagens. Podemos pensar nos algoritmos
como receitas, como o modo de preparar um bife à
milanesa ou, na sugestão de Michel Serres, uma tarte Tatin.1
Receitas são úteis, é claro, mas uma receita não é aquilo
que ela nos ajuda a obter. Não podemos degustar a receita
de um bife à milanesa ou saborear a receita de uma tarte
Tatin. Graças à nossa mente, podemos antecipar os sabores
e salivar, mas, se nos derem apenas uma receita, não
poderemos realmente saborear um prato inexistente.
Quando pessoas pensam em “fazer o upload ou o
download” de sua mente para se tornarem imortais,
deveriam perceber que sua aventura — na ausência de um
cérebro vivo em um organismo vivo — consistiria em
transferir receitas, e apenas receitas, para um computador.
Para me manter no mesmo exemplo, elas não ganhariam
acesso aos verdadeiros sabores e aromas da culinária real e
da comida real.
Não estou depreciando os algoritmos. Como poderia,
depois de todos os hinos de admiração que entoei em
louvor das inteligências recônditas e dos códigos que as
viabilizam?
PARTE III
SOBRE OS SENTIMENTOS
Os princípios dos sentimentos:
preparação do palco

Os sentimentos provavelmente começaram sua história


evolucionária como uma tímida conversa entre a química da
vida e a versão incipiente de um sistema nervoso em um
organismo específico. Em seres muito mais simples do que
nós, a conversa teria gerado sentimentos como um mero
bem-estar e um desconforto básico em vez de sentimentos
sutilmente graduados, muito menos algo tão elaborado
quanto uma dor localizada. Mesmo assim, que avanço
notável! Esses primeiros passos acanhados davam a cada
ser uma orientação, um conselheiro sutil sobre o que fazer
ou não fazer em seguida ou aonde ir. Algo novo e de valor
inestimável emergiu na história da vida: uma contrapartida
mental de um organismo físico.1
Afeto

A variedade mais simples de afeto começa no interior de


um organismo vivo. Surge de maneira vaga e difusa,
gerando sentimentos que não podem ser descritos ou
situados com facilidade. O termo “sentimentos primordiais”
capta essa ideia.1 Em contrapartida, “sentimentos maduros”
fornecem imagens vívidas e assertivas dos objetos que
guarnecem nosso “interior” — vísceras como coração,
pulmões e intestino — e das ações que eles executam,
como bater, respirar e contrair. Por fim, como no caso da
dor localizada, as imagens tornam-se nítidas e enfocadas.
Mas não se engane. Vagos, aproximados ou precisos, os
sentimentos são informativos: eles contêm conhecimentos
importantes e implantam firmemente esses conhecimentos
no fluxo de imagens. Os músculos estão tensos ou
relaxados? O estômago está cheio ou vazio? O coração está
batendo com tediosa regularidade ou tem palpitações? A
respiração está tranquila ou difícil? Meu ombro dói? Nós,
que temos o privilégio de sentir, ficamos sabendo sobre
esses estados, e essas informações são valiosas para a
subsequente administração da nossa vida. Mas como
chegamos a ter esse conhecimento? O que acontece
quando “sentimos” em vez de apenas “percebemos”
objetos no mundo em geral? O que é necessário para sentir,
e não meramente perceber?
Primeiro, tudo o que sentimos corresponde a estados do
nosso interior. Não “sentimos” a mobília à nossa volta ou a
paisagem. Podemos perceber a paisagem e a mobília, e
essas percepções podem facilmente fazer surgir respostas
emotivas e resultar nos respectivos sentimentos. Podemos
experimentar esses “sentimentos emotivos” e até dar nome
a eles — a bela paisagem e a poltrona confortável.
No entanto, o que “realmente” sentimos, no sentido
apropriado do termo, é como se encontra nosso organismo
ou partes dele, de momento a momento. Seu
funcionamento está regular e desimpedido ou há
dificuldades? Chamo esses sentimentos de homeostáticos
porque, como informantes diretos, eles nos dizem se o
organismo está ou não funcionando de acordo com
necessidades homeostáticas, isto é, de um modo
conducente ou não à vida e à sobrevivência.
Os sentimentos devem sua existência ao fato de que o
sistema nervoso tem contato direto com o interior do corpo
e vice-versa. O sistema nervoso literalmente “toca” o
interior do organismo, em todas as partes desse interior, e é
“tocado” em retribuição. A nudez do interior em relação ao
sistema nervoso e o acesso direto que o sistema nervoso
tem ao interior são características da natureza única da
interocepção, o termo técnico reservado para a percepção
do nosso interior visceral. A interocepção distingue-se da
percepção do nosso sistema musculoesquelético, conhecida
como propriocepção, e da percepção do mundo exterior, a
exterocepção. Podemos usar palavras para descrever a
experiência de sentir, é claro, mas não precisamos da
mediação de palavras para sentir.2
Os sentimentos, como expressos em nosso organismo e
experimentados na nossa mente, conseguem nos manobrar;
literalmente nos perturbam de modo positivo ou negativo.
Por que e como podem fazer isso? A primeira razão é clara:
eles são “de casa” e têm acesso ao nosso interior! A
maquinaria neural que nos ajuda a “fabricar um
sentimento” que tem interação direta com o objeto que
causou o sentimento. Por exemplo, sinais de dor
provenientes da cápsula renal doente viajam ao sistema
nervoso central e coalescem, tornando-se uma “cólica
renal”. Mas o processo não para aí. O sistema nervoso
central engendra uma resposta de volta para a cápsula do
rim doente e modula a continuação da dor; pode até
interrompê-la. Outros eventos na área — como uma
inflamação local — geram seus próprios sinais e contribuem
para a experiência. A situação geral demanda a atenção e o
envolvimento do indivíduo.
O exemplo da cólica renal ajuda a ilustrar a ideia de que
os sentimentos são formados por uma fisiologia elaborada,
distinta da fisiologia que o organismo usa para a visão e a
audição. Em vez de apontarem com precisão e estabilidade
para uma dada característica externa — por exemplo, uma
forma ou som específico —, sentimentos com frequência
correspondem a uma série de possibilidades. Sentimentos
representam certas qualidades ao longo de uma escala e
suas variações de tom e intensidade. Figurativamente, os
sentimentos não se limitam a tirar fotos instantâneas de
objetos ou eventos externos; eles filmam o espetáculo todo
e a atividade nos bastidores, ou seja, não apenas as
superfícies, mas também o que está por baixo.
Sentimentos são percepções interativas. Comparados a
percepções visuais — o exemplo clássico de percepção —,
os sentimentos são não convencionais. Sentimentos
coletam seus sinais “do interior do organismo” e até “de
dentro dos elementos localizados nesse interior”, e não
simplesmente do que está ao redor. Sentimentos retratam
ações que ocorrem em nosso interior e as consequências
dessas ações, e nos permitem um vislumbre das vísceras
envolvidas nessas ações. Não admira que os sentimentos
exerçam um poder especial sobre nós.
As operações de órgãos e sistemas internos são
representadas gradualmente no sistema nervoso, primeiro
nos nervos periféricos, depois em núcleos do sistema
nervoso central (no tronco encefálico, por exemplo) e então
no córtex cerebral. Mas existe uma cooperação intensa
entre as partes do corpo e os elementos neurais. Corpo e
sistema nervoso permanecem parceiros interativos e não
apenas “modelo” e “representação” separados. O que por
fim é convertido em imagens não é puramente neural nem
puramente corporal. Emerge de um diálogo, de um toma lá
dá cá dinâmico entre a química do corpo e a atividade
bioelétrica dos neurônios. E, para complicar ainda mais, a
qualquer momento uma resposta emotiva (por exemplo,
medo ou alegria) pode impor mudanças adicionais a
algumas vísceras — que são os agentes corporais primários
no processo emotivo — e gerar, como resultado, um novo
conjunto de estados viscerais e um novo conjunto de
parcerias cérebro-corpo. Essas respostas emotivas
modificam o organismo e, como consequência, mudam o
que deve ser convertido em imagens por meio da parceria
corpo-cérebro. O resultado é um novo conjunto de
sentimentos — agora parcialmente “emocionais” em vez de
puramente “homeostáticos” — e um novo estado afetivo.
Os estados de humor são consequência desse tipo de
dinâmica mantida por longos períodos. Eles são a origem do
“entusiasmo” ou do “desânimo” com que começamos cada
dia. E o mesmo se aplica a vários graus de animação ou
excitação e embotamento ou sonolência.

As definições a seguir devem esclarecer ainda mais as


descrições acima.
Homeostase: como já vimos, homeostase é o processo
que mantém os parâmetros fisiológicos de um organismo
vivo (por exemplo, temperatura, pH, níveis de nutrientes,
funcionamento das vísceras) dentro da faixa mais favorável
ao funcionamento ótimo e à sobrevivência. (O termo
“alostase”, relacionado porém distinto, refere-se aos
mecanismos usados por um organismo em seu esforço para
recuperar a homeostase.)3
Emoções: consistem numa coleção de ações internas
involuntárias que ocorrem em conjunto (por exemplo,
contrações na musculatura lisa, alterações na frequência
cardíaca, respiração, secreções hormonais, expressões
faciais, postura), desencadeadas por eventos perceptuais.
As ações emotivas em geral se destinam a respaldar a
homeostase — por exemplo, reagindo a ameaças (com
medo ou raiva) ou indicando estados de êxito (com alegria).
Quando evocamos eventos na memória, também
produzimos emoções.
Sentimentos: são fenômenos mentais que acompanham e
derivam de vários estados de homeostase do organismo,
que podem ser primários (sentimentos homeostáticos como
fome e sede, dor ou prazer) ou provocados por emoções
(sentimentos emocionais como medo, raiva e alegria).4
Independentemente de quais sejam os conteúdos
“precisos” da nossa mente — as paisagens, a mobília, os
sons, as ideias —, eles são necessariamente
experimentados com afeto. O que percebemos ou
recordamos, o que tentamos entender por meio de
raciocínio, o que inventamos ou desejamos comunicar, as
ações que executamos, as coisas que aprendemos ou
lembramos, o universo mental composto de objetos, ações
e abstrações decorrentes, todos esses diferentes processos
podem gerar respostas afetivas enquanto ocorrem.
Podemos pensar no afeto como o universo das nossas ideias
transmutado em sentimento, e também é útil pensar nos
sentimentos em termos musicais. Os sentimentos executam
o equivalente a uma partitura musical que acompanha
nossos pensamentos e ações.

Os conteúdos “precisos” da mente, que não são


sentimentos, fluem com distinção, destacados contra o
processo do afeto, mais ou menos como bonecos contra um
pano de fundo animado. Mas esses conteúdos precisos em
geral interagem com o processo do afeto. A qualquer
momento, um ou vários atores do elenco do “conteúdo de
precisão” podem roubar a cena e fazer com que ela “seja”
diferente, provocando novas emoções e produzindo os
sentimentos correspondentes. Algumas variações
interessantes na partitura musical que está sendo
improvisada ocorrerão. E o fascinante é que o oposto
também vale: o afeto pode alterar as luzes sob as quais os
conteúdos de precisão são experimentados. O afeto pode
alterar o tempo que as imagens permanecem no palco da
mente e a nitidez com que elas são percebidas. Conteúdos
precisos, de um lado, e afeto, do outro, são construídos pelo
organismo de modos distintos, mas são totalmente
interativos. Deveríamos celebrar a riqueza e a confusão que
nos são presenteadas pelo afeto.
Eficiência biológica e a origem dos
sentimentos

A noção de eficiência poderia parecer uma invenção


humana destinada a descrever o mundo moderno, porém
ela se aplica bem e simplesmente à vida primordial de
bilhões de anos atrás e às suas operações bem-sucedidas
na esfera do consumo de energia. A eficiência foi
arregimentada pela homeostase, e a seleção natural a
aperfeiçoou ainda mais. O modo como o grau de obediência
à homeostase resulta em maior ou menor consumo de
energia é um velho truque da vida, e não um avanço
recente. As bactérias têm explorado a eficiência a contento,
e assim o fazem numerosas espécies desprovidas de mente
porém bem-sucedidas entre as bactérias e os humanos.
Não é fascinante, então, que no decorrer da história
natural o sentimento tenha se tornado um guia parcial da
boa gestão da vida? Como isso aconteceu? Decerto um
ponto de partida foi o alinhamento da eficiência e da
sobrevivência com certos parâmetros da física e da química,
enquanto a disfunção e a morte alinharam-se a certos
outros parâmetros. Não há nada de errado na ideia de que
uma “forma do Bem” platônica estaria presente — é quase
certo que está — na física que sustenta a vida e a
prosperidade.1 A meu ver, porém, a notável expansão e
promoção de uma escolha — as configurações que
favorecem a vida —, em detrimento da alternativa da dor e
do sofrimento, surgiram graças aos sentimentos, o que, na
verdade, se deve à consciência. Todos os sentimentos são
conscientes, e, ao passo que sentimentos desagradáveis
indicam situações que impedem e põem em risco a vida,
sentimentos agradáveis indicam situações que ajudam a
vida a prosperar. Na ausência de sentimentos ou
consciência, os mecanismos alinhados à prosperidade da
vida não teriam prevalecido de modo tão retumbante. A
presença da consciência representou uma mudança radical
nas coisas. Só um demônio poderia ter alterado a
preferência que sentimentos conscientes indicavam com
tanta clareza.
A união entre homeostase, eficiência e variedades de
bem-estar foi assinada no céu, na linguagem dos
sentimentos, e difundida pela seleção natural. Sistemas
nervosos presidiram a cerimônia.
Alicerçando sentimentos I

Os sentimentos que nós, humanos, experimentamos só


poderiam ter começado para valer depois do
aprimoramento evolucionário de sistemas nervosos
complexos capazes de gerar mapeamentos e imagens
sensoriais detalhados. Os sentimentos primordiais
resultantes foram degraus importantes no caminho que
levou aos sentimentos elaborados que os humanos podem
experimentar agora.
Os mapas e as imagens sensoriais que fazem parte de
sentimentos elaborados incorporam ao fluxo mental
contínuo fatos concernentes ao estado do interior do
organismo. Esse papel informacional é uma contribuição
primária dos sentimentos, mas estes desempenham
também outro papel: fornecer o impulso e o incentivo para
que o indivíduo se comporte de acordo com as informações
que eles transmitem e faça o que é mais apropriado à
situação — por exemplo, correr de um perigo ou abraçar
uma pessoa querida.
Alicerçando sentimentos II

A atividade química espontânea no interior do organismo


destina-se a regular a vida segundo os ditames
homeostáticos. A atividade tende naturalmente a alcançar
faixas de funcionamento compatíveis com a sobrevivência e
com balanços de energia positivos, mas seu grau de êxito
varia conforme o organismo e a situação. Como
consequência, os perfis de atividade química em um
organismo específico correspondem a — e portanto
representam — graus de êxito ou fracasso na tentativa de
assegurar a homeostase e a sobrevivência. Esses perfis
constituem uma avaliação natural do processo da vida em
andamento.
Sentimentos entram nesse esquema porque existe uma
correspondência manifesta e fundamentada entre os
“graus” de êxito ou fracasso na regulação da vida e a
variedade de sentimentos positivos ou negativos que
experimentamos. O componente afetivo das nossas
experiências mentais reflete os perfis dos nossos processos
biológicos.
A mais antiga fonte fisiológica de sentimentos é um perfil
químico integrado do interior do organismo. É provável que
essa fonte de nível molecular tenha estado presente na
evolução antes do surgimento de sistemas nervosos. Mas
isso não quer dizer que organismos simples desprovidos de
sistema nervoso foram (ou são) capazes de experiências
mentais, começando pela experiência de sentimentos. Os
sentimentos refletem um processo químico regulatório, a
condição inicial sem a qual eles não poderiam ocorrer, mas
é preciso que outra condição seja atendida: um diálogo
entre a química corporal e a atividade bioelétrica de
neurônios em um sistema nervoso. Moléculas reguladoras
da química desencadeiam o processo dos sentimentos, mas
não podem concluí-lo sozinhas.
Alicerçando sentimentos III

Agora talvez estejamos prontos para uma descida órfica


às profundezas dos sentimentos. Mencionei que os
sentimentos se originam na química profunda do organismo,
mas será que podemos dizer alguma coisa sobre como e
onde isso acontece?
Os níveis mais profundos do processo dos sentimentos
relacionam-se com a maquinaria química responsável por
todo o escopo da regulação homeostática ao longo de várias
vias. Sob as qualidades e intensidades que constituem as
valorações expressas em sentimentos — suas valências —
há moléculas, receptores e ações.
O modo como essa orquestra química faz seu trabalho é
fascinante. Moléculas específicas atuam sobre receptores
específicos e causam ações específicas. Essas ações são
parte do árduo esforço pela manutenção da vida. Em si, elas
já são suficientemente importantes, mas também é decisiva
a dinâmica geral da qual fazem parte — a dinâmica que tem
a missão de gerir a vida de um organismo específico. Até aí,
é fácil compreender. Mas o que não é tão transparente é o
modo como as ações resultantes do trabalho feito por
moléculas e receptores podem nos ajudar a explicar, em
nossas experiências subjetivas, os “estrondos” que os
sentimentos podem causar em nós, que dirá a “qualidade”
de um sentimento.
Ao tentarmos responder a essas questões, é útil lembrar
que, embora as percepções simples de objetos ou ações no
mundo externo a nós provenham de sondas neurais
localizadas na periferia do organismo, os sentimentos se
originam nas profundezas do nosso interior e não
necessariamente em uma só região. Os mapas retinianos
que nos ajudam a ver ou os corpúsculos na pele que nos
ajudam a ter sensações táteis realizam milagres de
detecção e descrição, mas são dispositivos
“desinteressados” da nossa vida: não se envolvem de modo
imediato nas tribulações e glórias da manutenção da vida,
como fazem os sentimentos.
Como o verdadeiro objeto do sentimento ou da percepção
nada mais é do que uma parte do próprio organismo, esse
objeto se localiza, de fato, dentro do sujeito/ indivíduo que
percebe. Espantoso! Nada comparável ocorre com nossas
percepções externas — as visuais e as auditivas, por
exemplo. Os objetos de percepções visuais ou auditivas não
se comunicam com nosso corpo. A paisagem que vemos ou
as músicas que ouvimos não estão em contato com nosso
corpo, muito menos dentro dele. Existem num espaço
fisicamente separado.
Na esfera do sentimento, a situação é bastante diferente.
Como o objeto e o sujeito dos nossos sentimentos-
percepções existem dentro do mesmo organismo, eles
podem interagir. O sistema nervoso central pode modificar o
estado corporal que origina um determinado sentimento e,
ao fazer isso, modifica o que é sentido. Essa é uma situação
extraordinária que não tem contrapartida no mundo das
percepções externas. Você pode querer modificar um objeto
durante o processo da visão, pode até desejar embelezar
uma imagem específica que está contemplando.
Infelizmente, não será capaz de fazer isso na realidade,
apenas na sua imaginação.1
A perturbação física que distingue os sentimentos é
explicada pela incessante provocação de ações no interior
do nosso corpo, pelo subsequente reflexo dessas ações em
mapeamentos neurais amplos em múltiplos níveis desse
mesmo interior e pelo fato de que esses mapeamentos
estão ligados a vários compartimentos e ações do corpo.
Esses mapeamentos são a fonte primária das várias
“colorações” dos sentimentos. Eles geram as valências —
positiva ou negativa, prazerosa ou desconfortável,
agradável ou desagradável — que o organismo
experimenta.
As ações originadas no corpo são muito variadas. Podem
ocorrer descontração e relaxamento de fibras musculares
ou contração e estrangulamento de um órgão específico, ou
movimento real de uma parte interna ou do esqueleto. Os
perfis gerais de descontração e relaxamento, refletidos em
mapas sequenciais cada vez mais diferenciados, contribuem
para sentimentos que designamos com termos como bem-
estar e prazer; os padrões de contração e estrangulação
produzem o que chamamos de desconforto e mal-estar. Por
fim, dado o mapa detalhado e interativo de um músculo
localmente contraído ou de um ferimento, produzimos o
desconforto extremo que designamos como dor.
O prazer e a dor sentidos em um organismo específico
começam mais profundamente do que em órgãos e
músculos. Eles têm início nas moléculas e nos receptores
cujas ações transformam tecidos, órgãos e sistemas desse
organismo. E eles continuam onde algumas dessas
moléculas atuam sobre as redes neurais que processam os
sinais gerados pelo corpo.
Alicerçando sentimentos IV

Acabamos de ver como o sistema nervoso está no interior


do corpo e como o corpo e o sistema nervoso têm uma
interação direta, sem necessidade de intermediação. Por
outro lado, o sistema nervoso é separado do mundo externo
ao organismo; ele mapeia o mundo externo por meio de
processos sensoriais como a visão e a audição, que são
firmemente radicados no corpo e o usam como
intermediário.
Quando dizemos que “representamos” ou “mapeamos”
objetos do mundo à nossa volta, a noção de “mapear”
introduz uma distância entre o “mapa” e “as coisas
mapeadas”, como deveria ser. Muitas vezes há um abismo
entre o mapa e o objeto, como quando, alguns minutos
atrás, fui até o terraço e assisti enquanto o sol se punha
atrás das montanhas de Santa Monica e vi o crepúsculo
esbraseado em seguida.
Precisamos ter cuidado ao usar a noção de mapeamento
quando nos referimos ao nosso corpo e à geração de
sentimentos, como se os mapas fossem um puro “reflexo”
ou “retrato” da estrutura e estado do corpo, outro exemplo
de percepção isolada. Nossos sentimentos não são
apartados. Na prática, há pouca distância entre os
sentimentos e as coisas sentidas. Os sentimentos se
fundem às coisas e aos eventos que sentimos graças ao
diálogo profundo e excepcional entre estruturas do corpo e
o sistema nervoso. Essa intimidade, por sua vez, é um
produto das particularidades do sistema encarregado de
emitir sinais do corpo para o sistema nervoso, isto é, o
sistema interoceptivo.1

Figura 1: Axônios mielínicos e amielínicos. Os axônios amielínicos não têm


isolamento.

A primeira particularidade da interocepção é a ausência


disseminada de isolamento mielínico na maioria dos
neurônios interoceptivos. Neurônios típicos têm um corpo
celular e um axônio, sendo este último um “cabo” que leva
à sinapse. Por sua vez, a sinapse faz contato com o neurônio
seguinte e permite ou bloqueia sua atividade. O resultado é
o disparo ou o silêncio do neurônio.
A mielina atua como isolante do cabo de transmissão,
impedindo contatos químicos e bioelétricos externos. Na
ausência de mielina, porém, as moléculas ao redor de um
axônio interagem com ele e alteram seu potencial de
disparo. Além disso, outros neurônios podem fazer contatos
sinápticos ao longo do axônio em vez de na sinapse do
neurônio, gerando o que chamamos de sinalização não
sináptica. Essas operações são neuralmente impuras; não
estão verdadeiramente separadas do corpo que as abriga.
Em contrapartida, a predominância de axônios mielínicos
isola os neurônios e suas redes das influências de seu
entorno.

Figura 2: Seção transversal de um nervo importante mostrando axônios (a)


amielínicos e (b) mielínicos.
Uma segunda particularidade da interocepção está na
ausência da barreira que em geral separa atividades neurais
da corrente sanguínea, conhecida como barreira
hematoencefálica (quando se trata do sistema nervoso
central) ou barreira hematoneural (no caso do sistema
nervoso periférico). A ausência de uma barreira é
especialmente notável em regiões cerebrais relacionadas ao
processo interoceptivo, como os gânglios espinhais e do
tronco encefálico, onde as moléculas em circulação podem
fazer contato direto com o corpo celular dos neurônios.
As consequências dessas particularidades são
impressionantes. A ausência de isolamento mielínico e de
barreira hematoencefálica permite que sinais provenientes
do corpo interajam diretamente com sinais neurais. A
interocepção não pode, de modo algum, ser considerada
uma representação perceptual simples do corpo dentro do
sistema nervoso. Em vez disso, o que ocorre é uma ampla
mistura de sinais.
Alicerçando sentimentos V

A esta altura, cabe deixar clara a origem dos sentimentos.


Eles se originam no interior dos organismos, nas
profundezas de vísceras e fluidos onde a química
responsável pela vida em todos os seus aspectos reina
suprema. Falo das operações dos sistemas endócrino, imune
e circulatório encarregadas do metabolismo e da defesa.
E quanto à “função” dos sentimentos? Embora a história
das culturas e até a história da ciência tenham feito o papel
dos sentimentos parecer não apenas misterioso, mas até
mesmo insondável, a resposta é evidente: eles ajudam a
gerir a vida. Mais especificamente, sentimentos atuam
como sentinelas. Eles informam à mente — caso ela tenha a
sorte de ser assim equipada — o estado da vida no interior
do organismo ao qual essa mente pertence. Além disso, os
sentimentos dão a essa mente um incentivo para agir de
acordo com o sinal, positivo ou negativo, de suas
mensagens.
Os sentimentos coletam informações sobre o estado da
vida no interior do organismo, e as “qualidades e
intensidades” manifestadas por eles constituem valorações
do processo de gestão da vida. São expressões diretas do
grau de êxito ou fracasso do empreendimento da vida em
nosso corpo. Manter-se vivo é uma tarefa árdua, e nosso
corpo se empenha em um esforço complexo e multicêntrico
para tornar a vida não meramente, mas robustamente
possível. A robustez da vida é sentida como “plenitude” e
“prosperidade”; um processo vital equilibrado se traduz
como “bem-estar”. Por outro lado, “desconforto”, “mal-
estar” e “dor” indicam uma deficiência no esforço para
manter a vida.
A situação dramática que nós, seres vivos, enfrentamos
está ligada à manutenção da coerência e da coesão no
nosso organismo vivo. A coerência e a coesão dos objetos
inanimados à minha volta neste momento não representam
problema algum para esses objetos nem para mim. Em
grande medida, os objetos são perpétuos, a menos que eu
decida golpear com um machado a mesa onde escrevo, a
cadeira onde me sento ou as prateleiras e os livros que me
circundam. Isso não se aplica à minha vida e ao organismo
que ela anima. Preciso alimentá-los com café da manhã e
almoço, preciso manter o corpo em um ambiente com
temperatura adequada, prevenir ou evitar doenças ou tratá-
las se as contrair. Preciso, inclusive, manter e nutrir relações
sociais saudáveis com as pessoas do meu convívio para que
circunstâncias originadas no mundo social não interfiram no
meu estado interior e perturbem o processo de manutenção
da vida com base nas necessidades homeostáticas.1
Originados no interior dos nossos organismos ajustáveis e
dinâmicos, os sentimentos são tanto qualitativos como
quantitativos. Manifestam valência — as graduações de
qualidade que fazem seus alertas e recomendações valerem
o esforço e motivam nossas ações conforme necessário.
Assim que experimento sentimentos homeostáticos — uma
situação que reflete uma avaliação do meu interior quando
prevalecem certos perfis fisiológicos —, tomo
conhecimento, em primeira mão, do estado da minha vida,
e a valência negativa ou positiva da experiência recomenda
que eu corrija a situação, ou que a aceite e tome pouca ou
nenhuma providência. Faz com que eu entre prontamente
em ação ou relaxe e aproveite.
Considere a diferença da situação quando olho para os
objetos ao meu redor, ouço sons ambientes, toco em um
objeto ou vejo outros organismos vivos. Nessa
circunstância, também sou o receptor de informações.
Ainda estou sendo “informado” da presença e de
características dos objetos ou organismos, porém agora a
fonte dos dados é o mundo externo e seus objetos e seres.
Estou sendo informado sobre externalidades, não sobre o
interior das entidades que vejo, ouço ou toco. Uma distância
perceptual separa-me dessas entidades. Elas não estão
dentro do meu organismo.
Alicerçando sentimentos VI

Sentimentos como fome e sede indicam de forma muito


clara uma queda em fontes de energia ou um declínio da
quantidade ideal de moléculas de água. Felizmente, dado
que nenhuma dessas reduções é compatível com a
continuidade da vida, muito menos com uma vida saudável,
os sentimentos fazem mais do que fornecer informações
valiosas: eles nos forçam a agir de acordo com as
informações. Eles motivam nossas ações.
A trajetória por trás do processo dos sentimentos é clara:
uma infinidade de micromensagens básicas viaja de tecidos
e órgãos do corpo para (a) o sangue em circulação e daí
para o sistema nervoso ou diretamente para (b) terminais
nervosos existentes em tecidos e órgãos do corpo. Quando
os sinais chegam ao sistema nervoso central — na medula
espinhal e no tronco encefálico, por exemplo —, deparam
com vários caminhos possíveis que conduzem a diversos
centros neurais onde o processo dos sentimentos pode
continuar avançando. Por fim, essas complicadas trajetórias
dos sinais resultam na produção de imagens mentais
informativas. Imagens como boca seca, roncos no estômago
ou a mera falta de energia sinalizada por fraqueza
funcionam como indicadoras de problemas. São
acompanhadas de preocupação e desconforto — um estado
emotivo —, que, por sua vez, motivam uma resposta sob a
forma de ação corretiva.
Muitas das respostas que os sentimentos promovem ou
exigem são executadas automaticamente, sem necessidade
de intervenção baseada em raciocínio. O exemplo extremo
ao qual já aludi pode ser encontrado nos processos da
respiração e da micção. Uma redução ou interrupção do
fluxo de ar, como a que ocorre na asma grave ou na
pneumonia, é automaticamente acompanhada de um
estado desesperador de “fome de ar” — um termo literal e
preciso — e do pânico que ele causa na vítima e nas
pessoas que presenciam a crise. A necessidade de urinar
resultante da bexiga cheia é menos dramática que a fome
de ar e pode até dar margem a piadas, mas é outro
exemplo de crise homeostática traduzida em termos
emotivos poderosos e sentida como um imperativo, um
impulso inevitável.1
Em suma, a natureza nos dotou dos alarmes contra
incêndio, dos carros de bombeiro e das instalações médicas.
Um sinal de que a natureza andou aperfeiçoando essa
estratégia está na descoberta recente de controles de
respostas imunes no sistema nervoso central. Esses
controles estão localizados no diencéfalo, um setor do
sistema nervoso central situado abaixo do córtex cerebral e
acima do tronco encefálico e da medula espinhal. A região
encarregada desse controle imunitário é conhecida como
hipotálamo, um célebre orquestrador do sistema endócrino
que regula a secreção da maioria dos hormônios em todo o
corpo. As novas descobertas mostram que o hipotálamo
ordena ao baço que produza anticorpos contra certos
agentes infecciosos. Em outras palavras, o sistema imune
atua com a cumplicidade do sistema nervoso para promover
a homeostase sem pedir nenhuma ajuda para nós, supostos
controladores conscientes do nosso destino.
Igualmente fascinante é a conexão entre as instâncias
neurais superiores do processo dos sentimentos — os
córtices insulares — e a inervação da mucosa do estômago.
Sabemos que úlceras estomacais têm como causa direta
uma bactéria específica, mas a regulação das emoções do
indivíduo é um fator no processo que permite ou não à
bactéria causar a úlcera.
Alicerçando sentimentos VII

Quando nos perguntamos onde começam os sentimentos


homeostáticos, uma primeira resposta razoável é que eles
se iniciam em conjuntos de moléculas que indicam estados
vitais vantajosos ou desvantajosos no que diz respeito a
parâmetros fisiológicos como (a) balanço energético
positivo ou negativo; (b) presença ou ausência de (i)
inflamação, (ii) infecção, (iii) reações imunes; e (c) harmonia
ou discordância na execução de impulsos e objetivos.
A gama de moléculas fundamentais envolvidas é grande.
Inclui opioides, serotonina, dopamina, epinefrina e
norepinefrina e substância P, todas com grande participação
nas operações dessa esfera. Algumas dessas moléculas,
que historicamente são quase tão antigas quanto a vida e
atuam em muitos organismos sem sistema nervoso, são
conhecidas, infelizmente, como “neurotransmissores”. O
uso desse termo impróprio decorre do fato de terem sido
descritas pela primeira vez em seres dotados de cérebro.
Mas o efeito dessas moléculas nem sempre termina quando
elas são liberadas. As mudanças que impõem ao
funcionamento de sistemas corporais podem mais adiante
ser traduzidas pela interocepção, que é levada a influenciar
o sistema nervoso central e, mais uma vez, alterar as
experiências mentais do momento. Esse processo é
realizado por meio de terminais de fibras nervosas
distribuídos pelos tecidos do corpo — pele, vísceras
torácicas e abdominais, vasos sanguíneos — e por meio da
projeção desses terminais nervosos nos gânglios espinhais e
trigeminais e na medula espinhal. Dali esses neurônios
podem sinalizar para os núcleos do tronco encefálico (o
núcleo parabraquial e a substância periaquedutal
mesencefálica), para os núcleos da amígdala e do
prosencéfalo basal. Por fim, esses sinais podem chegar aos
córtices cerebrais das regiões insular e cingulada.
Nem todos os sentimentos homeostáticos são arautos de
más notícias ou indicam perigo à frente. Quando o
organismo está funcionando com um bom equilíbrio entre o
que ele requer para operar bem e o que ele recebe, quando
o clima do entorno é adequado e quando estamos à
vontade e sem conflitos em nosso ambiente social, o
sentimento homeostático mais destacado é o bem-estar,
disponível em vários modos e intensidades. O bem-estar
pode tornar-se tão abundante e concentrado que se eleva à
experiência de prazer. De forma análoga, no mundo dos
sentimentos homeostáticos negativos, o mal-estar pode ser
tão intensamente concentrado que se torna dor.
O sentimento homeostático da dor possibilita um
diagnóstico automático: já ocorreu dano em alguma região
de tecido vivo, ou está prestes a ocorrer, e ocorrerá se a
situação não for corrigida depressa. A agressão tem de ser
removida ou mitigada. A substância P é um agente crucial
no processo da dor, e a secreção de cortisol e corticosterona
é parte da resposta às agressões que conduzem à dor.1
Sentimentos homeostáticos em um
contexto sociocultural

Conhecemos bem o modo direto como a doença traz


desconforto e dor e como a saúde exuberante produz
prazer. É comum, porém, que desconsideremos o fato de
que situações psicológicas e socioculturais também têm
acesso à maquinaria da homeostase, de modo a resultar
também em dor ou prazer, mal-estar ou bem-estar. Em sua
infalível busca pela economia, a natureza não se deu o
trabalho de criar outros dispositivos para lidar com a boa ou
má situação da nossa psicologia pessoal ou condição social.
Ela se vira com os mesmos mecanismos. Dramaturgos,
romancistas e filósofos sabem disso há muito tempo, mas o
fato permanece pouco valorizado, talvez porque o modo
como as coisas funcionam tende a ser ainda mais nebuloso
quando se trata de sociedade e cultura do que quando
lidamos com os rigores do contexto médico. Ainda assim, a
dor da vergonha social é comparável à de um câncer
agressivo, uma traição pode nos dar uma sensação de
punhalada, e os prazeres resultantes da admiração social,
para o bem ou para o mal, podem ser verdadeiramente
orgásticos.1
“Mas este sentimento não é
puramente mental”

O verso acima está na letra da música “I Won’t Dance”


[Não quero dançar], composta por Jerome Kern e
consagrada por Fred Astaire, Frank Sinatra e Ella Fitzgerald.
Boa parte de seu sucesso se deve às palavras que Dorothy
Fields e Jimmy McHugh incluíram na letra da música em sua
versão revista: o verso “Mas este sentimento não é
puramente mental” é seguido de “porque não sou santo,
nem feito de amianto”.* A implicação picante é que o amor
não está apenas na mente, mas também na excitação física
que o mocinho sente quando dança com sua amada. Ele
não é feito de amianto, é um ser humano de carne e osso e
reage fisicamente à proximidade e ao clima romântico!
Constrangido, ele não quer mais dançar.
Às vezes a sabedoria popular ganha da ciência laboriosa.
Os sentimentos não são puramente mentais; são híbridos da
mente e do corpo; passam com facilidade da mente para o
corpo e vice-versa; e perturbam a paz mental — essas são
as noções da música e as noções que quero transmitir neste
capítulo. Só preciso acrescentar que o poder dos
sentimentos decorre do fato de que eles estão presentes na
mente consciente: tecnicamente falando, sentimos porque a
mente é consciente, e somos conscientes porque há
sentimentos! Não estou fazendo um jogo de palavras,
apenas declaro fatos que, apesar de parecerem paradoxais,
são muito verdadeiros. Sentimentos foram e são o princípio
de uma aventura chamada consciência.

* Tradução livre de “But this feeling isn’t purely mental/ For heaven rest us, I’m
not asbestos”. (N. T.)
PARTE IV
SOBRE CONSCIÊNCIA E CONHECIMENTO
Por que a consciência? Por que
agora?

Talvez você se pergunte por que tantos filósofos e


cientistas andam escrevendo sobre a consciência, ou por
que um assunto que até pouco tempo atrás não sobressaía
na literatura, muito menos entre o público em geral, agora é
tema destacado de trabalhos acadêmicos e alvo de
curiosidade. No entanto, a resposta é simples: a consciência
é importante, e o público enfim percebeu isso.
A importância da consciência advém do que ela
proporciona diretamente para a mente humana e do que ela
permite que a mente descubra em seguida. A consciência
possibilita experiências mentais, do prazer à dor, em
conjunto com tudo o que percebemos, memorizamos,
relembramos e manipulamos enquanto descrevemos o
mundo que nos cerca e o mundo dentro de nós no processo
de observar, pensar e raciocinar. Se removêssemos o
componente consciente dos nossos estados mentais
correntes, você e eu ainda teríamos imagens fluindo pela
mente, mas seriam imagens desvinculadas de nós como
indivíduos singulares. As imagens não pertenceriam a você,
a mim ou a qualquer outro. Fluiriam sem amarras. Ninguém
saberia a quem essas imagens pertencem. Sísifo seria
beneficiado. Ele é uma figura trágica só porque sabe que a
situação abominável que enfrenta é dele.
Nada pode ser conhecido na ausência de consciência. A
consciência foi indispensável para o surgimento de culturas
humanas, por isso contribuiu para mudar o rumo da história
da humanidade. É difícil exagerar a importância da
consciência. Ao mesmo tempo, é fácil exagerar a dificuldade
de compreender como a consciência surge e torná-la assim
um mistério impenetrável.

Mas por que escrevo sobre a importância da consciência


para os humanos se é muito provável que todos os
vertebrados e muitas espécies de invertebrados também
são dotados de consciência? Para esses seres, a consciência
não seria importante? Certamente é, e não estou
menosprezando as capacidades e a importância dos não
humanos. Apenas ressalto os seguintes fatos: (1) a
experiência humana de dor e sofrimento tem sido
responsável por uma criatividade extraordinária,
direcionada e obsessiva, que ocasiona a invenção de todo
tipo de instrumentos capazes de contrapor-se aos
sentimentos negativos que iniciaram o ciclo criativo; (2) o
bem-estar e o prazer conscientes motivam nos humanos
maneiras infinitas de assegurar e melhorar as condições
favoráveis à sua vida, no âmbito individual e em sociedade.
Os não humanos, com raras mas notáveis exceções,
também respondem à dor ou ao bem-estar nos mesmos
termos, porém de modo mais simples e mais direto que nós.
É evidente que os não humanos têm sido bem-sucedidos
em evitar ou mitigar causas de dor e sofrimento, porém não
foram capazes, por exemplo, de modificar as origens dessas
causas. Os desdobramentos da consciência para os
humanos têm sido imensamente mais variados e
abrangentes. Saliento que isso ocorre não porque os
mecanismos centrais da consciência sejam diferentes nos
humanos — acredito que não sejam —, mas porque os
recursos intelectuais dos humanos são muito superiores e
mais diversos. Esses recursos mais amplos permitiram aos
humanos responder às experiências opostas do sofrimento
e do prazer inventando novos objetos, ações e ideias que se
traduziram na criação de culturas.1
Existem algumas aparentes exceções a esse panorama.
Uma pequena fração de insetos, conhecidos como “sociais”,
conseguiu reunir um conjunto complexo de respostas
“criativas” cuja montagem obedece ao conceito geral de
“cultura”. É o caso das abelhas e das formigas, com a
urbanidade e a civilidade bem-organizadas de suas
“cidades” cuidadosamente construídas. Serão esses insetos
por demais pequenos e modestos para serem dotados de
consciência e terem sua criatividade fomentada por ela?
Nada disso. Desconfio que sejam impelidos pelos
sentimentos conscientes que experimentam. A
inflexibilidade da maioria de seus comportamentos limita a
evolução de suas proezas culturais — um modo delicado de
dizer que em grande medida elas são “fixas” e não
evoluem. No entanto, isso não deve diminuir nosso
assombro com o fato de esses avanços terem ocorrido 100
mil anos atrás nem com o papel que a consciência
provavelmente desempenhou nisso.
Outro aspecto acerca do impacto especial da consciência
nos humanos relaciona-se ao modo como certos mamíferos
respondem à morte de outros, evidenciado, por exemplo,
nos ritos fúnebres dos elefantes. Sem dúvida, a consciência
de seu próprio sofrimento causada pela observação do
resultado da dor e da morte em seus semelhantes atuou na
composição de respostas desse tipo. A diferença em relação
aos humanos está na escala de invenção e no grau de
complexidade e eficácia vistos na construção das respostas.
Essas exceções em geral corroboram a ideia de que as
diferenças de resposta estão relacionadas ao calibre
intelectual das espécies e não à natureza da consciência na
espécie em questão.

É razoável perguntar se a eficácia das respostas que a


consciência possibilita provém sobretudo do lado negativo
ou do lado positivo dos sentimentos, de sua valência
negativa ou positiva. A dor, o sofrimento e a compreensão
da mortalidade são especialmente capacitadores, mais
ainda, a meu ver, do que bem-estar e prazer. Nesse sentido,
desconfio que as religiões se desenvolveram
fundamentadas nessa compreensão, com destaque para as
religiões abraâmicas e o budismo. Em certa medida, em
termos históricos e evolucionários, a consciência foi um
fruto proibido que, uma vez comido, tornou o indivíduo
vulnerável à dor, ao sofrimento e, em última análise,
exposto a um confronto trágico com a mortalidade. Essa
perspectiva é compatível com a ideia de que a consciência
é introduzida na evolução por sentimentos — não
sentimentos quaisquer, mas especialmente sentimentos
negativos.
A morte foi bem estabelecida como fonte de tragédia em
narrativas bíblicas e no teatro grego, e permanece presente
em iniciativas artísticas. W. H. Auden sintetiza a ideia em
um poema que retrata humanos como gladiadores exaustos
mas rebeldes que suplicam a um imperador cruel dizendo:
“Nós, que temos de morrer, exigimos um milagre”. Auden
escreve exigimos e não requeremos ou pedimos, um sinal
inequívoco de um poeta que chegou ao seu limite,
assistindo com desespero ao inescapável desmoronamento
do indivíduo humano. Auden dera-se conta de que “nada
que seja possível pode nos salvar”, uma conclusão nem um
pouco original que se insinuou na história da fundação de
muitas religiões e sistemas filosóficos e ainda impele
mortais de todas as partes a seguir a orientação das igrejas
que lhes dão assistência em seus vales de lágrimas.2
No entanto, apenas a dor, a dor sozinha, sem a
perspectiva do prazer, teria promovido os esforços para
evitar o sofrimento, mas não a busca pelo bem-estar. Em
última análise, somos marionetes da dor e do prazer,
libertados ocasionalmente por nossa criatividade.
Consciência natural

Se usada inesperadamente e desacompanhada de uma


definição apropriada, a palavra “consciência” adquire
múltiplos significados e se torna um pesadelo linguístico. A
jovem palavra inglesa consciousness nem sequer existia no
tempo de Shakespeare e não tem correspondente direto em
línguas românicas; em francês, italiano, português e
espanhol é preciso quebrar o galho com o equivalente de
conscience e usar o contexto para esclarecer qual
significado de “consciência” o falante quer transmitir.1
Alguns dos vários significados de consciência relacionam-
se à perspectiva do observador/ usuário. Filósofos,
psicólogos, biólogos ou sociólogos enfocam a consciência de
modos distintos. E o mesmo podemos dizer das pessoas
comuns, que ouvem, dia e noite, que estão ou deixam de
estar “conscientes” de certos problemas e precisam se
perguntar se consciência é o nome erudito para estar
acordado, atento ou apenas possuir uma mente. Contudo,
discretamente, oculto sob a sua bagagem cultural, existe
um significado essencial da palavra “consciência” que
neurocientistas, biólogos, psicólogos ou filósofos
contemporâneos podem reconhecer, muito embora
estudem o fenômeno com métodos variados e o expliquem
de modos diferentes. Para todos eles, o mais das vezes,
“consciência” é sinônimo de experiência mental. E o que
vem a ser experiência mental? É um estado da mente
imbuído de duas características impressionantes e
relacionadas: os conteúdos mentais que ele exibe são
sentidos e adotam uma perspectiva singular. Uma análise
mais aprofundada revela que a perspectiva singular é a do
organismo específico ao qual a mente é inerente. Os leitores
que detectaram uma afinidade entre as noções de
“perspectiva do organismo”, “self ” e “sujeito” não estão
errados. Tampouco estarão errados quando se derem conta
de que “self ”, “sujeito” e “perspectiva do organismo”
correspondem a algo bastante tangível: a realidade da
“propriedade”. O “organismo é o proprietário de sua mente
específica”; a mente pertence a seu organismo específico.
Nós — eu, você, quem quer que seja a entidade consciente
— somos proprietários de um organismo animado por uma
mente consciente.
Para tornar essas considerações o mais transparentes
possível, precisamos deixar claro o significado dos termos
mente, perspectiva e sentimento. Mente, como já definimos,
é um modo de fazer referência à produção e exibição ativas
de imagens originadas da percepção real, da evocação de
memórias ou de ambas as fontes. As imagens que
constituem uma mente fluem em um cortejo sem fim e, ao
fazerem isso, descrevem todo tipo de atores e objetos, todo
tipo de ações e relações, todo tipo de qualidades, com e
sem traduções simbólicas. Imagens, de todos os tipos —
visuais, auditivas, táteis, verbais etc. —, individualmente ou
em combinação, são veículos naturais de conhecimento,
transportam conhecimento, significam, de forma explícita,
conhecimento.
Perspectiva se refere a “ponto de vista”, contanto que não
haja dúvida de que, quando uso a palavra “vista”, não estou
falando apenas de visão. A consciência de pessoas cegas
também tem uma perspectiva, porém totalmente
desvinculada do processo de enxergar. Quando uso a
expressão ponto de vista, falo de algo mais geral: a relação
que eu tenho não apenas com o que eu vejo, mas também
com o que ouço ou toco e, mais importante, até com o que
eu percebo no meu corpo. A perspectiva de que falo é a do
“proprietário” da mente consciente. Em outras palavras,
corresponde à perspectiva de um organismo vivo como ela
é expressa pelas imagens que fluem dentro de sua mente
quando atua no interior desse mesmo organismo.
Mas podemos ir um pouco além em nossa busca pela
origem da perspectiva. Em relação ao mundo que nos cerca,
a perspectiva comum à maioria dos organismos vivos é
definida, em grande medida, a partir da cabeça desses
organismos. Isso se deve, em parte, à localização das
sondas sensoriais — da visão, audição, olfato, paladar e até
equilíbrio — na parte superior (ou na extremidade frontal)
do corpo. E obviamente nós, seres refinados, também
sabemos que o cérebro está na cabeça!
Mas é curioso que, em relação ao mundo no interior do
nosso organismo, a perspectiva é dada por sentimentos que
revelam a inequívoca ligação natural entre mente e corpo.
Os sentimentos permitem que a mente saiba,
automaticamente, sem perguntas, que mente e corpo estão
juntos, cada um pertence ao outro. A clássica lacuna que
separa corpos físicos de fenômenos mentais é naturalmente
preenchida graças aos sentimentos.
O que mais é preciso dizer sobre os sentimentos no
contexto da consciência? Precisamos afirmar que a
autorreferência não é uma característica opcional dos
sentimentos, e sim uma característica definidora,
indispensável. E podemos nos aventurar mais: podemos
declarar que sentir é um componente fundamental da
consciência elementar.

Para o caso de nos distrairmos com a saga da importância


dos sentimentos, também precisamos lembrar que todos os
sentimentos são dedicados a refletir o estado da vida no
interior de um corpo, seja esse estado espontâneo ou
modificado pela emoção. Isso se aplica por completo a
todos os sentimentos que participam do processo de gerar
consciência.
Em suma, os sentimentos continuamente exibidos em
uma mente e tão essenciais à produção de consciência têm
duas fontes. Uma fonte é o trabalho incessante de gerir a
vida no interior do corpo, que, como não poderia deixar de
ser, reflete seus altos e baixos — bem-estar, mal-estar,
fome de alimento e de ar, sede, dor, desejo, prazer. Como já
vimos, esses são exemplos de “sentimentos
homeostáticos”. A outra fonte de sentimentos é o conjunto
de reações emotivas, fracas ou fortes, que os conteúdos
mentais frequentemente estimulam: medos, alegrias,
irritações. Suas expressões mentais são conhecidas como
“sentimentos emocionais”, e fazem parte da produção
multimídia que constitui as narrativas internas. Os
sentimentos gerados sem parar por esses dois mecanismos
também se incorporam às narrativas, porém são, para
começar, dispositivos na construção do processo
consciente. De fato, a variedade homeostática dos
sentimentos ajuda a construir o ponto de partida do nosso
ser.2
Portanto, a consciência é um estado particular da mente
resultante de um processo biológico para o qual contribuem
vários eventos mentais. As operações do interior do corpo
sinalizadas por meio do sistema nervoso interoceptivo
contribuem com o componente do sentimento, enquanto
outras operações do sistema nervoso central contribuem
com imagens que descrevem o mundo ao redor do
organismo e sua estrutura musculoesquelética. Essas
contribuições convergem, de modo ordenado, para produzir
algo bastante complexo e, no entanto, perfeitamente
natural: a abrangente experiência mental de um organismo
vivo surpreendido, momento após momento, no ato de
apreender o mundo dentro de si e, prodígio dos prodígios, o
mundo que o cerca. O processo consciente apreende a vida
no interior de um organismo, como ela é expressa em
termos mentais, e a situa em suas próprias fronteiras
físicas. Mente e corpo compartilham a propriedade desse
conjunto, com certidão registrada em cartório, e celebram
incansavelmente sua sorte, boa ou má, até adormecerem.
O problema da consciência

Diferentes ramos da psicologia — com a ajuda da biologia


geral, da neurobiologia, da neuropsicologia, da ciência
cognitiva e da linguística — fizeram um progresso
extraordinário na elucidação de percepção, aprendizado e
memória, atenção, raciocínio e linguagem. Também
lograram um avanço significativo na compreensão dos
afetos — impulsos, motivações, emoções, sentimentos — e
de comportamentos sociais.
As estruturas biológicas ou os processos que alicerçam
quaisquer dessas funções não têm nada de transparente,
quer sejam estudados com base em suas manifestações
públicas, quer de uma perspectiva subjetiva. Foi preciso
trabalho árduo, inventividade e uma convergência de
esforços teóricos e métodos laboratoriais para desenvolver
a ciência desses problemas variados. Assim, é
surpreendente vermos que a consciência é discutida como
se fosse isolada e tivesse um status especial, como se fosse
um problema único, não só difícil de investigar, mas
insolúvel. Alguns estudiosos da consciência procuraram sair
do impasse apresentando uma proposta extrema conhecida
como “pampsiquismo”. Os pampsiquistas falam sobre
consciência e mente como se fossem permutáveis, o que é
bastante problemático. Ainda mais problemático é o fato de
eles considerarem que mente e consciência são fenômenos
ubíquos, presentes em todos os seres vivos, partes
integrantes do estado vital. Todos os organismos
unicelulares e todas as plantas teriam sido contemplados
por sua parcela de consciência. E por que se limitar aos
seres vivos? Para alguns, até o universo e todas as pedras
que ele contém são conscientes e dotados de mente.1
As razões para que ideias como essas tenham sido
aventadas relacionam-se a uma posição injustificada: o que
funcionou para compreendermos outros aspectos da mente
não bastou para resolver o problema da consciência. Não
vejo evidências de que isso seja verdade. A biologia geral, a
neurobiologia, a psicologia e a filosofia da mente têm as
ferramentas necessárias para resolver o problema da
consciência e até para avançar bastante na solução de um
problema mais profundo subjacente: o tecido da própria
mente. E a física também pode ajudar.
Uma questão importante nos estudos da consciência é o
que hoje se costuma chamar de “o problema difícil”, uma
designação introduzida na literatura especializada pelo
filósofo David Chalmers.2 Em suas palavras, um aspecto
importante do problema é “por que e como processos
físicos no cérebro originam experiência consciente?”.
Resumidamente, o problema consiste na suposta
impossibilidade de explicar como um dispositivo físico-
químico conhecido como cérebro — feito de objetos físicos
conhecidos como neurônios (bilhões deles) interligados por
sinapses (trilhões delas) — poderia gerar estados mentais,
que dirá estados mentais conscientes. Como o cérebro
poderia gerar estados mentais indefectivelmente ligados a
um indivíduo específico? E como esses estados gerados pelo
cérebro são sentidos como alguma coisa, segundo a
suposição do filósofo Thomas Nagel?3
No entanto, a formulação biológica do problema difícil é
infundada. Perguntar por que processos físicos “no cérebro”
originam uma experiência consciente é a questão errada.
Embora o cérebro seja parte indispensável da geração de
consciência, nada indica que ele gere consciência sozinho.
Ao contrário, os tecidos não neurais do corpo propriamente
dito contribuem em grau importante para a criação de
qualquer momento consciente e devem ser parte da
solução do problema. Isso ocorre de forma mais perceptível
por meio do processo híbrido de sentir, cuja contribuição
consideramos crucial para a produção de mentes
conscientes.4

O que significa dizer “sou consciente”? No nível mais


simples imaginável, significa dizer que minha mente, no
momento específico em que me declaro consciente, está
em posse de um conhecimento que me identifica
espontaneamente como o proprietário dela. Em essência, o
conhecimento relaciona-se a mim de vários modos: (a) ao
meu corpo, sobre o qual sou informado todo o tempo com
mais ou menos detalhes por meio de sentimentos, (b) em
conjunto com fatos que evoco da memória que podem se
relacionar (ou não) ao momento perceptual e também são
parte integrante de mim. A dimensão da festa de
conhecimento que torna a mente consciente varia
dependendo de quantos convidados de honra estão
presentes, porém certos convidados não são apenas de
honra, mas também obrigatórios. São eles: primeiro,
conhecimento sobre as operações correntes do meu corpo;
segundo, conhecimento, recuperado da memória, sobre
quem sou no momento e quem fui recentemente e no
passado remoto.
Não cairei na armadilha de dizer que a consciência é
assim tão simples, pois ela não é nem um pouco simples.
Não se ganha nada subestimando a complexidade gerada
por tantas partes móveis e pontos de articulação. Contudo,
por mais complicada que seja a consciência, ela não parece
ser — ou não precisa permanecer — misteriosa ou
impossível de decifrar em termos do que ela é feita,
mentalmente falando.
Tenho imensa admiração pelo modo como nossos
organismos vivos — as partes que chamamos de neurais e
as que tendemos a desconsiderar e menosprezar como “o
resto do corpo” — combinam os processos que resultam em
estados mentais imbuídos de sentimento e de uma
sensação de referência pessoal. Mas admiração não requer
a invocação de um mistério. A noção de mistério e a ideia
de que uma explicação biológica está fora do nosso alcance
não se aplicam. É possível encontrar respostas para as
perguntas, e os enigmas podem ser decifrados. Ainda
assim, é assombroso o que a combinação de vários arranjos
funcionais relativamente claros acabou produzindo em
nosso benefício.5
Para que serve a consciência?

Essa é uma pergunta importante, mas poucos a fazem a


sério. A ideia de que a consciência é inútil foi aventada, mas
se a consciência não servisse para nada, ainda existiria? De
modo geral, funções úteis são mantidas e buriladas na
evolução biológica, enquanto as inúteis tendem a ser
descartadas — esse é o trabalho da seleção natural. Inútil,
com certeza, a consciência não é.
Primeiro, a consciência ajuda os organismos a controlar
sua vida obedecendo aos rigorosos requisitos para a sua
regulação. Isso vale para muitas espécies não humanas que
nos precederam e vale em um grau extraordinário para os
humanos. Não deveria ser surpresa. Afinal de contas, uma
das bases da consciência é o sentimento, cujo propósito é
nos ajudar a gerir a vida de acordo com os requisitos
homeostáticos. Tentando ser justos para com o nascimento
da consciência, poderíamos dizer que existe uma
cronologia, que o sentimento emergiu na evolução apenas
meio passo à frente da consciência, que o sentimento é, no
sentido literal, um degrau para a consciência. A realidade,
porém, é que o valor funcional dos sentimentos vem do fato
de que eles inequivocamente se situam no organismo do
seu proprietário, habitam a mente desse organismo ao qual
pertencem. Sentimentos originaram a consciência e, num
ato de generosidade, presentearam o resto da mente com
ela.
Segundo, quando um organismo é muito complexo —
quando possui um sistema nervoso capaz de sustentar uma
mente —, a consciência torna-se uma vantagem
indispensável na luta para gerir a vida com êxito.
É possível que organismos vivos independentes se
desenvolvam sem mente nem consciência, como vemos no
caso das bactérias e das plantas. Seus problemas de
existência e persistência podem ser resolvidos com muito
menos ostentação por uma poderosa capacidade sem
mente, uma espécie precursora, furtiva e muito inteligente,
da mente e da consciência combinadas. Qualifico essa
capacidade como “furtiva” porque ela gere muito bem a
vida de seres desprovidos de consciência sem os aparatos
atléticos das experiências subjetivas.
Contudo, é preciso salientar um aspecto importante: as
mentes conscientes, além de produzirem uma gestão
explicitamente inteligente, também são ajudadas por uma
inteligência não explícita quando necessário. Desassistida e
sem controle, a vida não é possível. Precisa ser
administrada. Ou uma mente consciente ou uma
capacidade não explícita é indispensável para uma boa
gestão da vida, mas nem todas as espécies requerem todo
o escopo — do não consciente até o consciente — da gestão
inteligente.
Como a consciência invariavelmente liga a mente a um
organismo específico, ela auxilia a mente a priorizar o
atendimento das necessidades particulares desse
organismo. E quando um organismo pode descrever
mentalmente o grau de suas necessidades e é capaz de
aplicar conhecimento para atender a essas necessidades,
então o universo se abre a ele para ser conquistado. A
mente consciente ajuda o organismo a identificar com
clareza o que é requerido para sua sobrevivência e, com
base em sentimentos, trabalha para atender a esses
requisitos. Com frequência, dependendo do grau de
sentimento envolvido, a consciência pode pedir e até impor
uma resposta às necessidades identificadas. Conhecimento
explícito e raciocínio fornecem recursos não disponíveis a
formas de capacidade implícitas, que são governadas por
variedades ocultas de inteligência e respondem somente à
homeostase básica. O conhecimento e o raciocínio criativo
inventam respostas novas para necessidades específicas.
Os organismos dotados de mente consciente adquirem
vantagens notáveis. Acompanhando seu grau de intelecto e
criatividade, seu campo de ação se amplia. Eles são
capazes de lutar pela vida em contextos mais variados.
Podem fazer frente a uma variedade maior de obstáculos e
têm mais chance de vencê-los. A consciência expande seu
habitat.
Os organismos com grande capacidade mental usam a
consciência — ou seja, a noção da propriedade dessas
capacidades mentais pelo seu corpo — em seus cálculos e
esforços criativos. Todo o seu programa de comportamento
se beneficia da consciência. Em vez de perguntar por que
nossos processos criativos devem ser acompanhados pela
consciência, deveríamos indagar como quaisquer dos
nossos melhores comportamentos seriam possíveis —
quanto mais úteis — na ausência de consciência.
Mente e consciência não são
sinônimos

Demorei a perceber que parte dos problemas que


enfrentamos quando debatemos sobre a consciência
provém de uma confusão grave. Consciência é um estado
singular da mente, mas os termos “consciência” e “mente”
costumam ser usados como se fossem sinônimos e
correspondessem ao mesmo processo. Se pressionados,
aqueles que fazem mau uso ou confusão no emprego dos
termos podem admiti-lo, porém deixam de lado a distinção
crucial. Eles e seus ouvintes tornam-se incapazes de
conceber o mecanismo central da consciência como uma
modificação do processo primário da mente.
Essa confusão decorre do “problema da composição”. É
difícil coligir os componentes constitutivos de fenômenos
complexos sob o envelope funcional que os obscurece.
Referir-se a “mente consciente” em vez de a “consciência”
é útil porque “consciente” qualifica “mente” e anuncia que
nem todos os estados mentais são necessariamente
conscientes, que há diversos componentes envolvidos na
produção de consciência.
Na minha proposição, a consciência é um estado mental
enriquecido. O enriquecimento consiste em inserir
elementos adicionais da mente no processo mental em
andamento. Esses elementos adicionais da mente são, em
grande medida, muito similares ao resto da mente — são
imagéticos —, mas, graças ao seu conteúdo, anunciam
firmemente que todos os conteúdos mentais aos quais eu
tenho acesso neste momento me pertencem, são meus,
desenvolvem-se de fato dentro do meu organismo. Essa
adição é reveladora.
A revelação da propriedade mental é feita, antes de tudo,
pelos sentimentos. Quando experimento o evento mental
que chamamos de dor, sou capaz de localizá-lo em alguma
parte do meu corpo. Na verdade, o sentimento ocorre tanto
na minha mente como no meu corpo, e por uma boa razão.
Sou o proprietário de ambos, e eles estão situados no
mesmo espaço fisiológico e podem interagir um com o
outro.
A propriedade manifesta de conteúdos mentais pelo
organismo integrado quando eles surgem é a característica
distintiva de uma mente consciente. Quando essa
característica está ausente ou não é dominante, o termo
mais simples, mente, é a nomenclatura apropriada.
Os mecanismos envolvidos no enriquecimento da mente
mediante uma conexão firme com o organismo que é seu
proprietário consistem em inserir no fluxo mental os
conteúdos que conectam a mente e o organismo
proprietário inequivocamente. Eles ocorrem no nível dos
sistemas. Não deveriam ser considerados um mistério.
Minha solução para o problema da consciência não
implica que todos os mecanismos biológicos por trás da
consciência estejam elucidados. Tampouco implica que os
estados da consciência sejam todos equivalentes em
escopo e grau. Há que fazer uma distinção entre minha
mente consciente quando acordo de um sono profundo — e
tudo o que sei, se tanto, é quem eu sou e onde estou — e a
mente consciente que me ajuda a pensar durante horas
sobre um problema científico complicado. Mas minha
solução para o problema da consciência é aplicável e
decisiva em ambos os casos. Para que uma mente
consciente venha a emergir, preciso enriquecer um
processo mental simples com conhecimentos que se
relacionem ao meu organismo e me identifiquem como o
proprietário da minha vida, do meu corpo e dos meus
pensamentos.
Tanto o processo da mente consciente simples, voltado
para um problema corriqueiro, como um processo da mente
consciente rico e panorâmico que engloba uma enorme
quantidade de história dependem de um rito de iniciação: a
identificação de uma “mente-proprietária” que requer a
localização dessa mente no âmbito do seu corpo.
Estar consciente não é o mesmo
que estar acordado

Muitos acham que estar consciente significa estar


acordado, mas consciência e vigília são coisas muito
distintas. É verdade, porém, que estão relacionadas.
Sabemos que, quando organismos adormecem, em geral
sua consciência é desligada, embora também seja preciso
lembrar uma gritante exceção a essa regra: quando
estamos profundamente adormecidos, a consciência retorna
durante os sonhos e cria uma situação bem esquisita.
Estamos adormecidos e estamos conscientes. Além disso,
em algumas variações do estado de coma, pacientes
aparentam estar inconscientes, mas seu
eletroencefalograma sugere que, a rigor, permanecem
despertos. Sei que isso parece complicado e confuso, mas
posso garantir que, assim que eliminarmos a névoa desses
casos, poderemos dizer com segurança que consciência não
é apenas vigília.1
Deveríamos conceber a vigília como a operação que nos
permite “inspecionar” imagens, algo como acender as luzes
do palco. Mas o processo da vigília não se encarrega da
montagem da procissão de imagens na nossa mente, nem
de nos dizer que as imagens que estamos inspecionando
são nossas.
Como já descobrimos na discussão sobre a mente, a
faculdade de “sentir” ou “detectar” — um toque, um
aumento na temperatura, uma vibração — também não
deve ser confundida com mente ou consciência.
(Des)construção da consciência

Por que acredito que existe uma solução plausível para o


problema da consciência? Primeiro, porque posso imaginar
um meio pelo qual os conteúdos mentais se conectam de
modo claro a um sujeito que sente, e o sujeito que sente
assume a propriedade desses conteúdos. Segundo, porque
o meio que imagino requer o uso de um mecanismo
fisiológico cujo estado, no nível dos sistemas, é
razoavelmente compreendido.
A consciência é construída adicionando-se ao fluxo de
imagens mentais que chamamos de mente um conjunto
extra de imagens mentais que expressam referências
sentidas e factuais ao proprietário da mente. Imagens
mentais, tanto convencionais como híbridas — por exemplo,
sentimentos —, transportam e transmitem significados que
são os ingredientes essenciais da consciência, do mesmo
modo como são os ingredientes essenciais das mentes
simples. Nenhum fenômeno previamente desconhecido é
requerido, e não é necessário adicionar nenhum material
misterioso na mistura de imagens a fim de tornar
consciente o conjunto. A chave da consciência está no
conteúdo das imagens capacitadoras. Está no conhecimento
que esse conteúdo fornece naturalmente. Tudo que as
imagens precisam é ser informativas para que possam
ajudar a identificar seu proprietário.
Propor uma solução para a consciência que não apele
para o desconhecido e o misterioso não significa que a
solução seja “simples” — não é — e não implica que todos
os problemas relacionados ao funcionamento de mentes
conscientes estejam resolvidos — não estão. Do ponto de
vista fisiológico, o que acontece em nosso organismo
quando experimentamos uma execução de O anel do
Nibelungo de Wagner não é para os fracos, musical, teatral
e biologicamente falando.
Os conteúdos imagéticos da mente provêm, em grande
medida, de três universos principais. Um universo está no
mundo que nos cerca: ele fornece imagens de objetos,
ações e relações presentes no ambiente que ocupamos e
que continuamente examinamos com os sentidos externos
— visão e audição, tato, olfato e paladar.
O segundo universo está no mundo antigo dentro de nós.
Esse mundo é “antigo” porque contém órgãos internos
evolutivamente antigos encarregados do metabolismo:
vísceras como coração, pulmões, estômago e intestino;
vasos sanguíneos grandes e independentes e aqueles
localizados em camadas profundas da pele; glândulas
endócrinas, órgãos sexuais etc. Esse é o universo que
origina os sentimentos, como vimos nas seções sobre o
afeto. As imagens que fazem parte dos sentimentos
também correspondem a objetos, ações e relações reais,
porém com algumas distinções monumentais. Primeiro, os
objetos e as ações estão localizados dentro do nosso
organismo, no interior visceral que se encontra, em grande
parte, dentro do peito, do abdome e da cabeça, e também
nas vastas vísceras que habitam a camada densa da pele
no corpo inteiro, percorridas por vasos sanguíneos com
paredes musculares lisas.
Além disso, em vez de meramente representar as formas
ou ações de objetos internos, as imagens do segundo
universo representam sobretudo estados dos objetos em
relação à sua função na nossa economia vital.
Por fim, os processos no universo do velho mundo
transitam em mão dupla entre os “objetos” reais — por
exemplo, as vísceras — e as “imagens” que os representam.
Ocorre uma interação contínua entre os locais onde o corpo
de fato muda e a representação “perceptual” dessas
mudanças. Esse é um processo totalmente híbrido, ao
mesmo tempo “do corpo” e “da mente”; ele permite que as
imagens da mente sejam atualizadas conforme as
alterações que ocorrem no corpo e sejam mudadas de
acordo com essas alterações. Cabe ressaltar que, em
relação ao processo da vida, as imagens representam
qualidades e seu valor momentâneo ou valência. O estado e
a qualidade desses objetos e dessas ações reais internos
são as verdadeiras estrelas. Quem encanta a plateia não
são os violinos ou as trompas, e sim os sons que eles
produzem. Em outras palavras, os sentimentos não são
redutíveis a padrões imagéticos fixos; eles se relacionam a
“faixas” de operação.
Um terceiro universo da mente também está ligado a um
mundo dentro do organismo, mas envolve um setor
totalmente diferente: o esqueleto ósseo, os membros e o
crânio, regiões do corpo que são protegidas e animadas por
músculos esqueléticos. Esse setor interno fornece estrutura
e suporte para o organismo inteiro e ancora os movimentos
externos executados por músculos esqueléticos, incluindo
aqueles que usamos para locomoção. Toda essa estrutura
serve de referência para tudo o mais que se passa no
primeiro e no segundo universos. É interessante que, de um
ponto de vista evolucionário, esse setor interno não é tão
antigo quanto o visceral e não tem as mesmas
características fisiológicas peculiares. Não há nada de mole
nesse “interior não tão antigo”. Ossos fortes e músculos
rijos dão bons andaimes e bons arcabouços.
Consciência ampliada

A ideia de que uma mente pode ser tornada consciente


quando sentimentos estão presentes e o sujeito é
identificado pode ser surpreendente à primeira vista, o que
não é um problema. No entanto, a ideia de que a explicação
que proponho para a consciência possa ser considerada
“pequena” demais para a “importância” do fenômeno é um
problema e precisa ser discutida.
A meu ver, na verdade o problema não vem da
explicação, e sim das expectativas associadas a noções
tradicionais, vagas e infladas sobre o que a consciência
seria, em contraste com o que a consciência de fato é e faz.
Já ressaltei o papel evolucionário sem igual da consciência e
o fato de que ela tem sido indispensável na história da
humanidade. Escolha moral, criatividade e cultura humana
são concebíveis apenas à luz da consciência. No entanto,
esses fatos são totalmente compatíveis com a escala na
qual situo os mecanismos cruciais que fundamentam a
consciência.
Uma razão pela qual a explicação que proponho pode
parecer modesta à primeira vista relaciona-se à noção da
consciência ampliada, um conceito que introduzi quando
comecei a estudar o problema e do qual eu gostava
bastante.1 A designação “ampliada” aplicava-se ao que eu
considerava uma variedade abrangente da consciência, que
englobava nossa experiência de ler Marcel Proust, Liev
Tolstói e Thomas Mann e de ouvir a “Sinfonia n. 5” de
Mahler: ampla, alta, rica, longa, contendo grande parte da
humanidade e seus respectivos habitats, que bebe do
passado gravado em nossa memória, brinca criativamente
com nossos repositórios de conhecimento e se projeta no
futuro possível.
O problema, sob minha perspectiva atual, é que eu devia
ter falado em mente ampliada e não em consciência
ampliada. O mecanismo fundamental pelo qual imagens são
tornadas conscientes permanece o mesmo quando o
recurso é aplicado a 1 milhão de imagens ou a apenas uma.
O que muda é a escala e a capacidade dos nossos
processos mentais conforme exigido pela quantidade de
materiais que evocamos, e com os quais estamos
trabalhando, e pelas forças da atenção que são chamadas a
intervir, e conforme, pouco a pouco, telas inteiras de
música, literatura, pintura e cinema são mentalmente
englobadas e passam a pertencer a nós, isto é, são
tornadas conscientes.
Fácil — e a você também

Eu considerava o famoso poema de Emily Dickinson “The


Brain — is Wider than the Sky” uma ode à consciência, mas
agora percebo que faz observações penetrantes sobre a
mente humana.1 Considere os quatro primeiros versos:

The brain is wider than the sky,


For, put them side by side,
The one the other will include
With ease, and you beside.*

Dickinson intui a necessidade do “você” — quer dizer, eu


ou qualquer outro indivíduo — no processo de criar uma
mente consciente, mas seu enfoque é na escala dessa
mente. Como é que o panorama visual e a cena auditiva
que contemplo agora são tão maiores do que a modesta
amplitude do meu cérebro? É isso que ela quer saber.
O cérebro tinha de ser mais vasto que o céu — e com isso
ela quis dizer maior que o crânio — porque o cérebro podia
conter não só o mundo que nos cerca, mas você também.
Porém, como Dickinson bem sabia, nem o mundo nem nós
podemos realmente caber dentro do crânio. Primeiro, nós e
o mundo teríamos de ser miniaturizados, redimensionados
às proporções do cérebro. Assim que as novas proporções
estivessem adequadas, seria permitido que nós e nossos
pensamentos inflássemos para o tamanho do universo
próximo e distante e mesmo assim coubéssemos dentro da
cabeça.
Dickinson comprometia-se francamente com uma visão
orgânica da mente e com uma concepção moderna do
espírito humano. No entanto, no fim das contas, o que se
mostrava mais vasto que o céu não era o cérebro, e sim a
própria vida, a genitora do corpo, do cérebro, da mente, dos
sentimentos e da consciência. Mais impressionante que o
universo inteiro é a vida, como matéria e processo, como
inspiradora do pensamento e da criação.

* “O cérebro é mais vasto que o céu,/ Pois se os pomos lado a lado —/ Aquele o
outro contém —/ Fácil — e a você também —” (Emily Dickinson, Uma centena de
poemas. Trad. de Aíla de Oliveira Gomes. São Paulo: T. A. Queiroz; Edusp, 1985,
pp. 90-1) (N. T.)
O verdadeiro prodígio dos
sentimentos

Sentimentos de novo? De novo, sim, senhor. Eles


protegem nossa vida informando-nos sobre perigos e
oportunidades e nos dando o incentivo para agir de acordo.
São prodígios da natureza, sem dúvida, mas oferecem outro
prodígio, sem o qual seu direcionamento e seus incentivos
não seriam levados em consideração. Eles fornecem à
mente dados que nos permitem saber, sem esforço, que
qualquer outra coisa que esteja na mente no momento
também pertence a nós, está acontecendo em nós. Os
sentimentos permitem que tenhamos experiências e nos
tornemos conscientes, que unifiquemos nossos pertences
mentais em torno do nosso ser singular. Os sentimentos
homeostáticos são os primeiros facilitadores da consciência.
Os fatos cruciais que os sentimentos oferecem ao
processo mental relacionam-se a especificidades sobre o
interior do organismo continuamente modificado por ajustes
homeostáticos. Eles mostram que todo o processo está
ocorrendo em uma mente que é parte do organismo dentro
do qual estão acontecendo ajustes homeostáticos! A mente
“pertence” ao “seu” organismo.
Os sentimentos que possibilitam a consciência não estão
em uma classe separada. Eles justapõem dois fenômenos
principais: (1) imagens do interior, que pormenorizam as
alterações nas configurações internas do organismo
impelidas pela homeostase; e (2) imagens que
pormenorizam as interações entre os mapas e suas fontes
no corpo e, com isso, revelam naturalmente que os
mapeamentos são feitos dentro do organismo que eles
representam. A descoberta da propriedade resulta das
influências mútuas e transparentes do estado do organismo
e das imagens geradas nesse organismo; a propriedade
resulta do patente fato de que um processo — a fabricação
de imagens mentais — ocorre dentro do outro — o
organismo.
O fato de que o organismo é o proprietário da mente tem
uma consequência intrigante: tudo o que ocorre na mente
— os mapas do interior e os mapas das estruturas, ações e
posições espaciais de outros organismos/objetos que
existem e ocorrem no entorno — é construído,
necessariamente, adotando a perspectiva do organismo.
A prioridade do mundo interno

Muitas vezes, numa conversa informal sobre consciência,


as pessoas pensam primeiro no mundo externo. Costumam
igualar estar consciente com ser capaz de representar o
mundo ao redor. Isso é compreensível, pois nossa mente
favorece desproporcionalmente o mundo que está fora de
nós. Mas por que é assim? Porque mapear o mundo à nossa
volta é essencial para gerenciar nossas interações com ele
de modo que possa favorecer a nossa vida. No entanto,
embora esse processo ajude a revelar o que pode ser
conhecido e usado como vantagem para nós, ele não
sugere, muito menos explica, como ou por que somos
conscientes do material que mapeamos em imagens — em
outras palavras, por que sabemos que sabemos. Para saber
e estar consciente, você precisa “conectar” ou “referir”
objetos e processos ao seu organismo, a você mesmo.
Precisa estabelecer seu organismo como inspetor dos
objetos e processos.
Tornamo-nos conscientes da nossa existência e das
nossas percepções quando usamos o conhecimento para
estabelecer referência e propriedade.
Só passamos a saber o que sabemos — o que, na
verdade, significa que só passamos a saber que cada um de
nós, individualmente, está em posse de conhecimento —
porque somos informados ao mesmo tempo sobre dois
outros aspectos da realidade. Um aspecto diz respeito aos
estados do nosso antigo interior químico e visceral,
expressos no processo híbrido que chamamos de
sentimento. Outro aspecto é a referência espacial fornecida
pelo nosso interior musculoesquelético, em especial a
estrutura estável que sustenta o edifício da nossa
individualidade.
Reunião de conhecimentos

É possível tentar conceber o processo de construir a


“consciência” como o de um empreiteiro bem-sucedido que
reúne o material e os profissionais necessários para seu
projeto. A consciência reúne os fragmentos de
conhecimento que revelam, graças à sua presença
simultânea, o mistério do pertencimento. Eles me dizem —
ou a você — às vezes na linguagem sutil dos sentimentos,
às vezes em imagens comuns ou até em palavras
traduzidas para a ocasião, que sim, eis que sou eu — ou que
é você — pensando essas coisas, vendo essas visões,
ouvindo esses sons e sentindo esses sentimentos. O “eu” e
o “você” são identificados por componentes mentais e
corporais. Não faz diferença, contanto que a conexão entre
os eventos mentais e a fisiologia geral do corpo tenha sido
firmemente estabelecida. O mundo pode ir até você, diz o
seu empreiteiro encarregado da consciência, porque o seu
organismo vivo — todo o organismo, não apenas o cérebro
— é um palco aberto onde uma peça sem fim é encenada
em seu benefício. Os materiais da construção, tijolo após
tijolo, são apenas conhecimento e não diferem daqueles
que há no resto da mente. Seu substrato são imagens e
mais imagens, incluindo aquelas imagens híbridas que
dependem de interações cérebro-corpo e surgem completas
com puxões e empurrões: as “imagens” que chamamos de
sentimentos. Os fragmentos de conhecimento que são
empilhados sobre os trilhos mentais — aquelas edificações
rebuscadas de imagens que descrevem o momento das
nossas vidas, o nosso tempo vivido — são uma
demonstração incessante do ser.
A consciência é uma reunião de conhecimento suficiente
para gerar automaticamente, em meio ao fluxo de imagens,
a noção de que as imagens são minhas, estão acontecendo
no meu organismo vivo, e de que a mente é… bem, é minha
também! O segredo da consciência é reunir conhecimento e
exibi-lo como um certificado de identidade da mente. A
consciência não é mera integração de elementos mentais,
embora a integração tenha um papel a desempenhar
quando a consciência é outorgada a grandes números de
imagens.
Em retrospecto, um erro que é cometido repetidamente
na busca pela consciência consiste em tratá-la como uma
função “especial”, até mesmo como uma “substância”
separada, uma fragrância que paira sobre o processo
mental mas é desconectada dele ou de suas bases. Até
aqueles dentre nós que imaginaram soluções menos
estapafúrdias para o problema retrataram-no como mais
misterioso do que precisaria ser.1
A integração não é a fonte da
consciência

Quando nos dizemos conscientes de uma cena específica,


precisamos de uma integração considerável dos elementos
que a compõem. No entanto, não há razão para supor que a
integração sozinha, mesmo que abundante, seja
responsável pela consciência. Uma integração maior de
conteúdos mentais, abrangendo grandes quantidades de
material imagético presente no fluxo, fornece um escopo
maior de material consciente, mas duvido que a consciência
seja explicável pela “ligação” dos conteúdos uns aos outros.
A consciência não surge só porque conteúdos mentais são
reunidos apropriadamente. Eu sugeriria que o resultado da
integração é uma ampliação do escopo mental. O que de
fato começa a engendrar consciência é o enriquecimento do
fluxo mental com o tipo de conhecimento que indica o
organismo como o proprietário da mente. O que começa a
tornar conscientes os meus conteúdos mentais é identificar
a MIM como o proprietário dos pertences mentais vigentes. O
conhecimento sobre a propriedade pode ser obtido a partir
de fatos específicos e, de forma muito direta, de
sentimentos homeostáticos. Com facilidade, de modo
natural e instantâneo, com a frequência necessária,
sentimentos homeostáticos identificam minha mente com
meu corpo inequivocamente, sem necessidade de raciocínio
ou cálculos adicionais.1
Consciência e atenção

A consciência não é diferente de leite e ovos. Ocorre em


graduações que correspondem, em boa medida, ao tipo e
quantidade do material mental tornado consciente em dado
momento. No entanto, a graduação é complicada por uma
curiosa interação entre o tipo de material presente na
mente e a atenção dedicada a ele. Por exemplo, quando
comecei a escrever esta página, eu estava bastante
concentrado nas ideias que desejava transmitir. Mas algo
aconteceu enquanto eu refletia: também acionei o controle
remoto do CD player e surgiu o som de um disco que eu
havia escolhido no começo do dia. O escopo da minha
consciência ampliou-se consideravelmente para comportar
o novo material, de forma que fiquei dividido entre o tema
do meu texto — o escopo da consciência! — e uma
comparação entre o modo como o pianista específico que
eu estava ouvindo interpretava certas frases e como outra
pianista, mais velha, executava as mesmas passagens. Este
texto demonstra as consequências: o propósito principal do
meu projeto foi para segundo plano, ainda na “mente
consciente”, porém ao fundo, distante, enquanto a música
perseverou até se impor. Não muito depois, reverteu-se a
posição dos conteúdos, e eu mais uma vez estava
escrevendo sobre a consciência.
Eu me distraíra, mas depois retornei ao enfoque
apropriado.
Não é razoável analisar minha distração com base apenas
na consciência ou na atenção. Ambas influenciaram. O
processo secundário de realçar a qualidade de certas
imagens ou sua “edição” cinematográfica — qual o tamanho
das sequências selecionadas ou quanto tempo elas
demoram — é, rigorosamente falando, uma questão do
domínio da atenção. Mas tampouco é razoável menosprezar
o papel do afeto na alocação da “atenção” entre os
materiais disponíveis para seleção no meu fluxo de
imagens. Decidir sobre como e onde Leif Ove Andsnes
diferia de Martha Argerich na execução da música de
repente era mais gratificante — prazeroso — do que
esclarecer minhas ideias sobre o escopo da consciência.
Permiti que essa tarefa agradável dominasse os
procedimentos.
Nada do que ocorreu acima deve alterar nossa
interpretação da realidade biológica: os conteúdos
selecionados para a minha mente foram identificados como
pertencentes a mim graças ao fundamental processo dos
sentimentos, que me declarava o único proprietário, e
graças a fatos periféricos que me descreviam na posição
corrente, na minha mesa de trabalho, com os sons
enchendo o espaço à volta, e o sol se pondo atrás do Museu
Getty, lá fora à minha direita, um pouco a oeste e um pouco
a norte.
A atenção ajuda a gerir a abundante produção de imagens
na mente. Faz isso com base (a) nas características físicas
intrínsecas das imagens, por exemplo, cores, sons, formas,
relações; (b) na importância das imagens, tanto
pessoalmente (conforme estabelecido com a ajuda da
memória individual) como historicamente. Uma mistura de
respostas emotivas e cognitivas subsequentemente regula o
tempo e a escala alocados para as imagens que vêm a ser
incorporadas ao fluxo mental consciente.1
O substrato é importante

Uma consequência peculiar do sucesso extraordinário das


ciências da computação é a ideia de que as mentes,
inclusive a variedade humana, não dependem do substrato
que as sustenta. Explico. Escrevo estas sentenças com um
lápis Paper Mate nº 2 em um bloco de papel amarelo, mas
também poderia tê-las datilografado em uma velha
máquina de escrever Olivetti ou digitado no meu iPad ou
num laptop. Minhas palavras seriam as mesmas, assim
como a sintaxe e a pontuação. As ideias e sua interpretação
linguística seriam independentes do substrato usado para
comunicá-las. Isso pode parecer razoável à primeira vista,
mas não condiz com a realidade da mente dotada de
sentimento e consciência. Podemos afirmar que o conteúdo
da nossa mente independe do substrato orgânico que a
sustenta, isto é, o cérebro e o organismo vivo do qual ela
faz parte? Na verdade, não. As narrativas que construímos,
os personagens e eventos nas narrativas, as considerações
que fazemos sobre os personagens que atuam nesses
eventos, as emoções que atribuímos a esses personagens e
as que experimentamos enquanto assistimos aos eventos e
reagimos a eles não independem de seu substrato orgânico.
A ideia de que o conteúdo da nossa mente está para o
sistema nervoso e o organismo vivo como o texto que
escrevo está para seus muitos substratos possíveis — lápis,
máquina de escrever, computador — é equivocada.
Boa parte da nossa experiência mental — às vezes, a
maior parte — não se restringe estritamente aos objetos,
personagens e deslizes nas narrativas que avançam em
nosso fluxo mental. Uma parte também inclui a experiência
do próprio organismo, que depende do estado da vida nesse
organismo, bom ou não tão bom. No fim das contas, nossas
experiências mentais são mais bem descritas como
experiências de “ser” enquanto “outros conteúdos da
mente” fluem. Os “outros conteúdos da mente” fluem
paralelamente aos “conteúdos de ser”. Além disso, “ser” e
“outros conteúdos da mente” dialogam entre si. Um ou
outro domina o momento mental, dependendo do quão
ricas sejam as respectivas descrições. O componente “ser”
está presente o tempo todo, mesmo quando não é
dominante, construído com elementos não neurais e
neurais. Dizer que nossa mente consciente independe do
substrato equivaleria a dizer que é possível dispensar o
edifício do “ser” e que apenas os “outros conteúdos da
mente” são importantes. Seria negar que o alicerce das
experiências mentais é, antes de tudo, a experiência ou
consciência de um tipo específico de organismo, em um
estado específico.
O substrato é importante, tem de ser, pois esse substrato
é o organismo da pessoa que está vivenciando a história e
reagindo afetivamente a ela. E essa é também a pessoa
cujo sistema afetivo está sendo “tomado de empréstimo”
para dar alguma impressão de vida às emoções dos
personagens retratados na história.
Perda de consciência

O renomado filósofo John Searle gostava de iniciar suas


palestras sobre a consciência com uma definição lapidar
que expressava sua resolução satisfatória do problema. Ele
dizia que a consciência não é um mistério. Consciência é
meramente aquilo que desaparece quando somos
anestesiados ou atingimos um sono profundo e sem
sonhos.1 Esse é um modo atrativo de começar uma
palestra, sem dúvida, porém não satisfaz como definição de
consciência e é equivocado com relação à anestesia.
É verdade que a consciência não está disponível durante
o sono profundo ou sob anestesia. A consciência não é
encontrada no estado de coma ou no estado vegetativo
persistente, pode ser comprometida sob a influência de
diversas drogas e álcool e escapa de nós
momentaneamente quando desmaiamos. A consciência não
é perdida, embora pareça ser, em pacientes neurológicos
acometidos por um mal devastador conhecido como
síndrome do encarceramento; esses pacientes são
incapazes de se comunicar e parecem alheios ao ambiente,
mas na verdade estão perfeitamente conscientes.
É uma pena, mas nem a anestesia nem as condições
neurológicas que impedem a consciência produzem esse
resultado afetando especificamente os mecanismos de
construção de uma mente consciente que venho
descrevendo. A anestesia e os estados patológicos são
ferramentas embotadas.2 Seus alvos são funções das quais
a consciência normal depende, mas não a consciência em
si. Como já indiquei, os anestésicos potentes usados em
cirurgias são instrumentos rápidos que suspendem
instantaneamente a capacidade de sentir ou detectar, essa
interessante função que salientei quando tratamos das
bactérias sem mente e não conscientes. São claras as
evidências que corroboram essa afirmação. Bactérias são
capazes de sentir, plantas também, porém não possuem
mente nem consciência. No entanto, a anestesia suspende
sua sensibilidade e as põe literalmente em estado de
hibernação, enquanto é óbvio que não faz coisa alguma
especificamente contra a consciência — uma função
inexistente em bactérias e plantas.
A capacidade de sentir não nos dota de mente e
consciência; porém, na ausência dessa capacidade não
podemos reunir as operações que gradualmente capacitam
a mente, os sentimentos e a autorreferência, os
ingredientes que, por fim, viabilizam a mente consciente.
Em poucas palavras, a meu ver os anestésicos não alteram
primariamente a consciência; alteram a capacidade de
sentir. O fato de, no fim das contas, eles impedirem a
capacidade de montar uma mente consciente é um efeito
muito útil e prático porque estamos interessados em
realizar procedimentos cirúrgicos sem a consciência da dor.
O álcool, muitos analgésicos e diversas drogas que os
seres humanos usam há milênios por todo tipo de razões
pessoais e sociais são outro exemplo de interferência no
processo normal de montagem de uma mente consciente e
chegam um pouco mais perto do alvo. Eles podem
chacoalhar a montagem final da consciência ou impedir um
passo decisivo. Essa conexão é curiosa. As imemoriais
razões pessoais e sociais que explicam o uso e o abuso de
substâncias como narcóticos e álcool estão associadas a
seus efeitos sobre a fisiologia dos sentimentos. Os usuários
não estão interessados em modificar especificamente a
consciência, e sim em alterar certos sentimentos
homeostáticos, como dor e mal-estar — que todos nós
gostaríamos de expulsar da nossa existência — e bem-estar
e prazer — que todos desejamos maximizar e até, se
possível, exagerar.
É evidente que qualquer droga capaz de penetrar na toca
dos sentimentos homeostáticos encontra um caminho para
entrar na máquina da consciência, a qual se baseia, em boa
medida, no processo dos sentimentos homeostáticos. Essa é
uma conexão que explica a interferência das drogas no
processo da consciência.

E quanto à síncope, também conhecida como desmaio?


Desmaiamos porque o fluxo sanguíneo para o tronco
encefálico e o córtex cerebral cai subitamente a um nível
inaceitável. Uma grande gama de operações cerebrais é
suspensa como resultado do aporte insuficiente de oxigênio
e nutrientes para os neurônios em regiões cerebrais que
contribuem em grau importante para a montagem dos
sentimentos, sobretudo no tronco encefálico. De repente,
informações do interior do organismo são mantidas fora do
sistema nervoso central, e a contribuição dos sentimentos
para a consciência é interrompida de forma brusca. O tônus
muscular é tão comprometido quanto o sentimento de si e
do ambiente, e é por isso que a vítima bambeia e cai no
chão, exatamente como aconteceu com alguns pacientes
notáveis durante as magistrais demonstrações de Jean-
Martin Charcot no Hospital Salpêtrière, em Paris. Charcot foi
um dos pioneiros da neurologia e da psiquiatria na segunda
metade do século XIX. Ficou célebre por estudar uma doença
que não existe mais: a histeria. Sigmund Freud assistiu a
algumas de suas palestras e delas tirou muito bom proveito.
Figura 3: O detalhe mostra uma ampliação da região do tronco encefálico. O
dano no setor marcado como B é firmemente associado à perda de consciência.
O dano no setor A é associado a comprometimentos motores.

Associar a perda de consciência ao tronco encefálico é


uma noção moderna, proposta por outra figura histórica, o
neurologista Fred Plum.3 Minha interpretação para o porquê
de o tronco encefálico ser crucial para a consciência
relaciona-se à noção de que os sentimentos são expressões
de operações homeostáticas e são essenciais para produzir
a consciência. Hoje sabemos que componentes importantes
da maquinaria que baseia a homeostase e os sentimentos
localizam-se no setor superior do tronco encefálico, acima
do nível da entrada do nervo trigêmeo e, bem
especificamente, na porção posterior desse setor (a área
marcada como B na figura 3). Um fato interessante é que o
dano nesse setor do tronco encefálico é uma causa
comprovada de coma.4 O curioso é que o dano na porção
frontal desse mesmo setor (marcada como A na mesma
figura) não causa coma, não compromete em nada a
consciência e, em vez disso, causa a já mencionada
síndrome do encarceramento. As trágicas vítimas dessa
síndrome estão despertas, alertas e conscientes, mas em
grande medida incapazes de se mover e severamente
limitadas em sua capacidade de comunicar-se.
Os córtices cerebrais e o tronco
encefálico na produção da
consciência

Afirmou-se que os córtices sensoriais posteriores, em


contraste com os córtices anteriores, pré-frontais, são a
base natural da consciência. Há um quê de verdade nessa
ideia, mas a realidade é mais complicada.
Os córtices sensoriais posteriores — localizados, em
grande medida, na parte de trás do cérebro — incluem as
áreas corticais sensoriais chamadas “iniciais” da visão,
audição e tato; eles são os principais fabricantes e
expositores de imagens visuais, sonoras e táteis. Mas os
chamados córtices de associação de “ordem superior” de
cada modalidade sensorial, cuja intersecção se dá na junção
dos lobos temporais e parietais (JTP), também participam da
produção de imagens e da montagem de imagens
compostas (ver figura 4, onde são identificados os principais
córtices cerebrais).
De fato, todo o território cortical lateral e posterior
participa da produção e da exibição de imagens, e isso
equivale a dizer que participa da produção da mente. No
entanto, precisamos perguntar: e quanto à consciência?
Será que essa região cerebral também contribui para tornar
a mente consciente? Pelo menos em parte parece que sim.
Como a consciência é um processo baseado em imagens,
ela requer muitas delas como substrato, algo que os
córtices sensoriais posteriores fornecem em abundância.
Algumas regiões desses córtices ajudam na integração das
imagens e provavelmente orquestram o sequenciamento
delas à medida que se tornam conscientes. Mas o que nos
torna conscientes das imagens que os córtices posteriores
fabricam e sequenciam com facilidade é a adição de
conhecimento certificando a posse dessas imagens, a
descoberta de que essas imagens pertencem a um
organismo específico dotado de características físicas
únicas e de uma história mental única ancorada na
memória. Para quem supõe que os córtices sensoriais
posteriores são os únicos fornecedores de consciência, é aí
que o problema começa: o mecanismo primário para
conferir a propriedade das imagens é a presença de
sentimentos homeostáticos, mas essa presença não
depende essencialmente dos córtices posteriores. Como
vimos, os sentimentos são processos híbridos cujas imagens
retratam interações de mão dupla do sistema nervoso
interoceptivo com nossas vísceras.
Figura 4: As principais regiões do córtex cerebral humano. PF = Córtex Pré-
Frontal; CPM = Córtices Posteromediais; JTP = Junção Temporoparietal.

As estruturas responsáveis pelos sentimentos estão


localizadas (1) no componente periférico do sistema
interoceptivo, (2) em núcleos do tronco encefálico, (3) no
córtex cingulado e (4) nós córtices insulares. Os inputs e a
organização geral da região insular permitem que ela
integre representações de múltiplos recursos de processos
internos, incluindo os que correspondem a interações de
sensores com vísceras reais. Os níveis superiores do
processo dos sentimentos provavelmente dependem da
região do córtex insular, um setor que completa e refina o
trabalho realizado por numerosas estruturas anteriores em
uma longa cadeia que tem início nos gânglios espinhais e na
medula espinhal e continua no tronco encefálico, sobretudo
no núcleo parabraquial, na substância periaquedutal
mesencefálica e no núcleo do trato solitário. Juntos, o córtex
insular e os componentes subcorticais dos quais ele recebe
inputs constituem um “complexo do afeto” (ver figuras 5 e
6).
A questão fundamental, a esta altura, é: como esses dois
conjuntos de estruturas — os córtices sensoriais posteriores
e o “complexo do afeto” — se combinam para produzir uma
mente consciente? Imagino duas possibilidades. Uma delas
requer projeções neurais reais do “complexo do afeto” para
o “conjunto sensorial posterior” e vice-versa. A outra
possibilidade requer uma simultaneidade aproximada de
ativações nos dois conjuntos, resultando na produção de
uma montagem de base temporal. Em cada uma dessas
opções, a realização de uma mente consciente que por fim
ocorre depende de ambos os conjuntos de estruturas
cerebrais; não podemos “localizar” a consciência em um
conjunto ou no outro. Além disso, parece que ainda outro
setor dos córtices cerebrais desempenha um papel na
coordenação dos processos mentais conscientes. Esse setor
é conhecido como CPM (os córtices posteromediais; ver
figura 4). Ele inclui córtices localizados, em grande medida,
nas superfícies mediais (internas) e posteriores dos
hemisférios cerebrais. Essa região possivelmente pode
dirigir a participação de outros córtices cerebrais na
produção de uma mente consciente.
E quanto aos córtices frontais? Eles participam da
produção de consciência? A resposta é que os córtices
frontais anteriores ou pré-frontais (PF na figura 4) não têm
um papel fundamental na produção de uma mente
consciente. Estudos clássicos sobre lesão cerebral em
humanos mostram que o dano ou até a ablação cirúrgica
dos córtices pré-frontais não comprometem o processo
básico de produzir uma mente consciente. Os córtices
frontais anteriores participam da manipulação de imagens e
promovem a ativação, o sequenciamento e o
posicionamento espacial de imagens fabricadas nos córtices
sensoriais posteriores, o papel orquestrador desempenhado
também por algumas regiões dos córtices sensoriais
posteriores e dos CPM. Os córtices frontais parecem ser úteis
na montagem dos vastos panoramas mentais que o
processo da consciência literalmente ilumina e identifica
como nossos.

Figura 5: O córtex insular localiza-se profundamente no interior de cada


hemisfério. A marca oval no painel A indica o território cortical sob o qual o
córtex insular está situado, como mostra o painel B.
Figura 6: Diagrama das principais estruturas do tronco encefálico envolvidas em
processos afetivos, suas interligações, fontes de input e alvos de output. SPM =
substância periaquedutal mesencefálica; c. s. = colículos superiores; NPB =
núcleo parabraquial; AP = área postrema; NTS = núcleo do trato solitário.

Embora o setor frontal tenha contribuição significativa


para operações mentais inteligentes — raciocínio, tomada
de decisão, construções criativas —, ele não parece
contribuir para o enriquecimento do conhecimento essencial
do qual a consciência básica depende. Ele não legitima o
proprietário da mente e não lhe concede a posse, mas é útil
para gerar a mente ampliada de grande escopo que
representa as capacidades humanas em seu ápice.1
Máquinas que sentem e máquinas
conscientes

A robótica é a expressão suprema da inteligência artificial


(IA), e começarei dizendo que a qualificação “artificial” não
poderia ser mais apropriada. Não há nada de “natural” na
inteligência de dispositivos que tornam nossa vida tão
eficiente e confortável, e não há nada de “natural” na
construção desses dispositivos. Ainda assim, os brilhantes
inventores e engenheiros que possibilitaram a IA e a robótica
se inspiraram em organismos naturais, vivos, sobretudo na
engenhosidade com que seres vivos resolvem os problemas
que encontram e na eficácia e economia de seus
movimentos.
Seria de esperar que os pioneiros da IA e da robótica
buscassem inspiração na plenitude de seres como nós —
ricos em eficiência e rapidez, mas também em sentimentos
sobre tudo aquilo em que empregamos nossa eficiência e
rapidez —, em suma, alegres e até mesmo eufóricos pelo
que fazemos (e o que fazem a nós), mas também
frustrados, tristes e até aflitos, conforme a ocasião.
Mas os brilhantes pioneiros preferiram uma abordagem
econômica e foram direto ao ponto. Tentaram emular o que
consideraram mais essencial e útil — chamemos de
inteligência simples — e deixaram de fora o que talvez
considerassem supérfluo e até inconveniente: os
sentimentos. Muito possivelmente, para eles o afeto era não
apenas antiquado, mas também ultrapassado, algo que
ficou para trás na marcha triunfal para a clareza de
pensamento, a resolução exata de problemas e a ação
precisa.
À luz da história, essa escolha é compreensível. Ela
produziu, não se pode negar, muitos resultados excelentes
e riqueza correspondente. Minha ressalva, porém, é que,
agindo como agiram, os pioneiros revelaram um equívoco
significativo com respeito à evolução humana e, com isso,
limitaram o escopo da IA e da robótica no que tange ao seu
potencial criativo e nível máximo de inteligência.
O equívoco evolucionário deveria ser óbvio tendo em vista
o que examinamos neste livro. O universo do afeto — as
experiências de sentimentos derivadas de impulsos,
motivações, ajustes homeostáticos e emoções — foi uma
manifestação de inteligência anterior na história,
acentuadamente adaptativa e eficiente, e foi essencial para
o surgimento e o crescimento da criatividade. Situou-se
vários degraus acima das competências ocultas e cegas das
bactérias, por exemplo, mas não alcançou o nível da
inteligência humana plenamente desenvolvida. De fato, o
universo do afeto foi o patamar onde se apoiou a
inteligência superior que a mente consciente pouco a pouco
desenvolveu e expandiu. O universo do afeto foi uma fonte
e um instrumento no desenvolvimento da autonomia
gradual que nós, humanos, conquistamos.
É hora de reconhecer esses fatos e de iniciar um novo
capítulo na história da IA e da robótica. Evidentemente,
podemos construir máquinas que funcionem nas linhas dos
“sentimentos homeostáticos”. Seria necessário dar aos
robôs um “corpo” que requeira regulações e ajustes para
persistir. Em outras palavras, precisamos acrescentar, quase
paradoxalmente, um grau de vulnerabilidade à robustez tão
valorizada na robótica. Hoje isso pode ser conseguido
instalando sensores em toda a estrutura do robô para que
detectem e registrem os estados mais ou menos eficientes
do corpo e integrem as informações correspondentes. As
novas tecnologias da “robótica soft” possibilitam esse
avanço trocando estruturas rígidas por outras que sejam
flexíveis e ajustáveis. Também precisamos transferir essa
influência do corpo “que sente e é sentido” para os
componentes do organismo que processam e respondem às
condições do ambiente ao redor da máquina, para que a
resposta mais efetiva — e inteligente — possa ser
selecionada. Em outras palavras, o que a máquina “sente”
em seu corpo influenciará no modo como ela responde às
condições do entorno. Essa “influência” destina-se a
melhorar a qualidade e a eficiência da resposta, portanto a
tornar o comportamento do robô mais inteligente do que
seria na ausência de um direcionamento baseado em suas
condições internas. Máquinas que sentem não são robôs
indiferentes e previsíveis. Em certa medida, elas cuidam de
si mesmas e superam suas condições.
Essas máquinas “que sentem” tornam-se máquinas
“conscientes”? Bem, vamos com calma. Elas de fato
desenvolvem elementos funcionais relacionados à
consciência, sendo a capacidade de sentir uma parte do
caminho para a consciência, porém seus “sentimentos” não
são iguais aos sentimentos de seres vivos. O “grau” de
consciência que essas máquinas por fim alcançariam
dependeria da complexidade das representações internas,
tanto do “interior da máquina” como de seu “ambiente
externo”.
No cenário apropriado, é provável que uma nova geração
de “máquinas que sentem”, como híbridos de seres naturais
e artificiais, forneça assistentes eficazes dos seres humanos
que sentem de verdade. Igualmente importante é o fato de
que essa nova geração de máquinas constituiria um
laboratório incomparável para a investigação do
comportamento e da mente do ser humano em diversos
cenários reais.1
Epílogo
Sejamos justos

A vida e a seleção natural são responsáveis pela


infinidade de organismos que vemos à nossa volta e
também pela nossa presença. Ao longo de bilhões de anos,
organismos diversos aferraram-se à vida, em bons e maus
momentos, por períodos mais ou menos limitados, e,
quando sua existência chegou ao fim natural ou acidental,
abriram caminho e deram lugar para outros organismos
vivos. Os humanos, novatos nessa saga, em vez de
meramente perdurar e prevalecer com modéstia, tornaram-
se cada vez mais elaborados em seus comportamentos,
criaram ambientes condizentes com as suas inovações e
dominaram o planeta. Nesse vasto panorama de sucesso,
interessam-me em especial os artifícios que os capacitaram.
Que características e estratagemas específicos levaram a
tamanho triunfo? Serão verdadeiras inovações humanas,
evoluídas a partir do zero para resolver problemas humanos
em situações de necessidade, ou serão, na verdade,
aperfeiçoamentos, uma parte de soluções já disponíveis na
herança biológica?
Na busca por esses artifícios capacitadores, não é de
surpreender que comecemos por enfocar a própria mente
humana consciente. Ela avulta como um instrumento
potencialmente responsável pela travessia que trouxe o
nosso universo à sua eminência atual. Essa poderosa mente
humana consciente é auxiliada por notáveis capacidades de
aprendizado e memória e por habilidades extraordinárias de
raciocinar, decidir e criar, todas complementadas pelas
faculdades de linguagem verbal, matemática e musical.
Dotados desse equipamento riquíssimo, os humanos foram
capazes de fazer em tempo recorde a transição de “seres
simples” para “seres que sentem e conhecem”. Não admira
que tenham inventado sistemas morais e religião, arte,
ciência e tecnologia, política e economia, e também filosofia
— em resumo, que tenham inventado a partir do zero o que
chamamos (com nosso orgulho e presunção insaciáveis) de
culturas humanas. Depois de moldar a Terra — a biomassa e
a estrutura física pura — segundo nossas necessidades, os
humanos estariam prontos para fazer o mesmo com o
espaço intergaláctico.
Essa explicação de como a mente consciente e a invenção
de culturas humanas teriam nos ajudado a enfrentar os
dramas da vida contém algumas verdades óbvias, mas
também desconsidera fatos importantes. Infelizmente, as
omissões ensejam uma interpretação deformada das
realizações e das dificuldades humanas e uma visão
problemática do futuro possível.
A distinção exagerada entre as capacidades humanas e
não humanas de enfrentar desafios, gerada pela
pressuposição de excepcionalidade das faculdades
humanas, é equivocada por completo, porque enaltece os
humanos e diminui injustificavelmente os não humanos;
além disso, deixa de reconhecer a interdependência e
cooperatividade de seres vivos, desde os de nível
microscópico até os humanos. Por fim, não reconhece a
presença de poderosos motivos, estruturas e mecanismos
que se manifestam na natureza desde o início da vida — e
até na física e na química que a precederam — e que, muito
provavelmente, são ao menos em parte responsáveis pelo
esquema dos avanços culturais em geral atribuídos aos
humanos.
Um motivo fundamental é a própria vida, com seu
conjunto de relações e compensações químicas que permite
a homeostase e com os ditames homeostáticos que ajudam
a identificar desvios perigosos em relação às faixas
favoráveis à vida e comandam as correções necessárias.
Todos os organismos, de bactérias a humanos, dependem
desse motivo fundamental.
As estruturações e mecanismos que ajudam a sustentar
os requisitos homeostáticos vêm em seguida na lista das
surpresas que nos dão lições de humildade. Refiro-me à
inteligência, a capacidade de aplicar soluções satisfatórias a
problemas impostos pela vida, desde encontrar fontes
básicas de energia, como nutrientes e oxigênio, até
controlar um território e defendê-lo de predadores,
juntamente com estratégias para enfrentar esses problemas
— por exemplo, a cooperação social e o confronto.
Também aqui o primeiro e eloquente exemplo dessa
inteligência está nas bactérias. Elas resolvem com grande
facilidade todos os problemas da lista acima. Sua
inteligência é não explícita. Independe de uma mente com
imagens da estrutura do organismo ou de imagens do
mundo ao redor. Independe de sentimentos — barômetros
do estado interno dos organismos — e da consequente
posse do organismo e da perspectiva única resultante dessa
posse, em suma, do fenômeno que chamamos de
consciência. Contudo, a competência oculta, não explícita e
sem mente desses organismos simples permitiu-lhes
perdurar na vida por bilhões de anos e ofereceu um
esquema poderoso para a inteligência expressa, explícita e
provida de mente que emergiria em seres multicelulares e
dotados de cérebro como nós. A capacidade de detecção
simplificada mas de amplas consequências que existe nas
bactérias — e também nas plantas — foi o mecanismo
inovador que permitiu a organismos simples detectar
estímulos como a temperatura e a presença de outros e
reagir preventivamente para se protegerem. Curiosamente,
essa modesta estreia da cognição foi uma antecipação da
contribuição que os sentimentos expressos dariam mais
tarde para o estabelecimento da mente.
A mente, baseada no mapeamento de padrões
multidimensionais expressos, foi um avanço poderoso que
permitiu, simultaneamente, produzir imagens do mundo
interno e externo ao organismo. As imagens do exterior
guiaram as ações bem-sucedidas dos organismos em seu
ambiente, mas os sentimentos, os processos interativos
híbridos do interior, ao mesmo tempo mentais e físicos,
foram os mais extraordinários capacitadores de ações
adaptativas e criativas desde que sistemas nervosos
surgiram em cena, meros 500 milhões de anos atrás. Os
sentimentos forneceram orientação e incentivo às criaturas
assim equipadas e também alicerçaram a consciência.
O surgimento e a estrutura de fenômenos sociais e dos
notáveis instrumentos da cultura humana devem ser
entendidos sob a perspectiva dos fenômenos biológicos que
os precederam e viabilizaram. Destes, a longa lista inclui a
regulação homeostática, a inteligência não explícita, os
sentidos, a maquinaria para a produção de imagens, os
sentimentos como tradutores mentais do estado vital no
interior de um organismo complexo, a consciência
propriamente dita e os mecanismos de cooperação social.
Um poderoso predecessor destes últimos na história da vida
é a capacidade de “percepção de quórum” das bactérias.
Um vívido exemplo das extraordinárias consequências da
cooperação entre espécies é o microbioma humano, onde
encontramos trilhões de bactérias cooperativas que
auxiliam cada vida humana individual a permanecer
saudável, enquanto essas bactérias recebem da vida
humana o sustento necessário para seu ciclo de vida. Outro
exemplo é a impressionante cooperação entre árvores e
fungos no subsolo e na superfície das florestas.
Certamente temos de admirar e até exaltar as proezas
ímpares da mente humana consciente e todas as suas
inovações fabulosas, muito superiores às soluções já
direcionadas pela natureza. Contudo, precisamos ponderar
o modo como os humanos chegaram ao presente e
reconhecer que os recursos fundamentais que usamos para
ter êxito em nosso nicho consistem em transformações e
aprimoramentos de artifícios previamente usados por outras
formas de vida no decorrer de uma longa história de
sucessos individuais e sociais. Precisamos respeitar a
inteligência e as organizações fenomenais da própria
natureza que ainda não foram completamente
compreendidas.
Por trás da harmonia ou do horror que reconhecemos em
grandes obras de arte criadas pela inteligência e pela
sensibilidade humanas estão sentimentos relacionados com
bem-estar, prazer, sofrimento e dor. Por trás desses
sentimentos há estados vitais que cumprem ou violam os
requisitos da homeostase. E sob esses estados vitais há
processos químicos e físicos responsáveis por viabilizar a
vida e sintonizar a música das estrelas e planetas.
Reconhecer prioridades e perceber interdependências
pode ser útil para lidarmos com os danos que nós,
humanos, infligimos ao planeta e suas formas de vida,
danos que provavelmente são responsáveis por algumas
das catástrofes que nos atingem na atualidade, com
destaque para as mudanças climáticas e pandemias. Isso
nos dará um incentivo adicional para ouvir as vozes
daqueles que dedicam a vida a refletir sobre os problemas
de larga escala que enfrentamos e recomendar soluções
que sejam sábias, éticas, práticas e compatíveis com o
grande palco biológico que os humanos ocupam. Existe uma
esperança, afinal de contas, e talvez também deva haver
um pouco de otimismo.1
Agradecimentos

Este é o espaço onde os autores costumam relatar as


circunstâncias em que nasceu o seu projeto. Contudo, no
prefácio deste livro já expliquei que uma ideia do meu
editor, Dan Frank, e minha frustração com o formato
tradicional dos livros científicos conduziram-me a Sentir e
saber. Agradeço a ele por colocar-me no caminho de
redescobrir minha obra e perceber que, na verdade, eu já
havia resolvido alguns dos problemas científicos que tanto
me preocupavam.
Este também é o espaço destinado a expressar
reconhecimento aos colegas e amigos que possibilitaram
este tipo de empreendimento insólito. Menciono primeiro
meus colegas do Brain and Creativity Institute, com quem
vivo meu cotidiano científico trocando ideias sobre todos os
aspectos da biologia, da psicologia e da neurociência.
Alguns deles leram pacientemente as versões iniciais do
manuscrito, fizeram comentários inteligentes e deram
recomendações sábias. São eles: Kingson Man, Jonas
Kaplan, Max Henning, Helder Araujo, Anthony Vacarro, John
Monterosso, Marco Verweij, Gil Carvalho, Assal Habibi, Rael
Cahn, Mary Helen Immordino-Yang, Leonardo Christov-
Moore, Morteza Dehghani e Lisa Aziz-Zadeh.
Vários amigos fizeram a gentileza de ler, incentivar e
comentar: Peter Sacks, Jorie Graham, Hartmut Neven,
Nicolas Berggruen, Dan Tranel, Josef Parvizi, Barbara
Guggenheim, Regina Weingarten, Julian Morris, Landon
Ross, Silvia Gaspardo Moro e Charles Ray. Sou grato a eles,
sobretudo porque esta não é a primeira vez que alguns me
fizeram companhia no tolo esforço de registrar ideias numa
página.
Reparei, com o passar dos anos, que escrever meus livros
depende da estabilidade do ambiente de trabalho, e a
música que ouço e as obras de arte que vejo tornam-se
associadas ao meu texto, a ponto de serem necessárias
para sua compreensão. Sei que alguns dos meus livros
anteriores têm uma ligação indelével com Maria João Pires,
Yo-Yo Ma e Daniel Barenboim, entre outros artistas
admirados e amigos. Desta vez a violoncelista Elena
Andreyev e sua rica versão das Suítes para violoncelo, de
Bach, foram uma ilha de estabilidade e clareza em muitas
horas de necessidade. Sou grato por sua companhia.
Michael Carlisle e Alexis Hurley são não apenas agentes
literários extraordinariamente profissionais, mas também
amigos indispensáveis. Agradeço-lhes o bom humor e o
incentivo.
Já não consigo imaginar minha vida profissional sem
Denise Nakamura. Ela é a mais calma e mais competente
office manager, faz pesquisas bibliográficas com uma
tranquilidade que poucos de nós conseguimos demonstrar e
prepara impecavelmente meus textos manuscritos e
ditados. Nunca poderei agradecer-lhe o suficiente.
Hanna Damásio sabe o que penso, mas ainda assim lê
cada palavra que escrevo. Concordando ou não com as
minhas ideias, ela pacientemente oferece comentários
construtivos. Suas contribuições são fundamentais para a
obra, e minha gratidão é imensa.
Notas

SOBRE SER, SENTIR E SABER

1. Em meu livro anterior, The Strange Order of Things: Life, Feeling, and the
Making of Cultures (Nova York: Pantheon Books, 2018, publicado no Brasil com o
título A estranha ordem das coisas, Companhia das Letras, 2018), analiso os
fatos surpreendentes mencionados aqui. Os primeiros seres na história da vida
foram muito mais inteligentes do que se poderia esperar. Ver também António
Damásio e Hanna Damásio, “How Life Regulation and Feelings Motivate the
Cultural Mind: A Neurobiological Account”, em Olivier Houdé e Grégoire Borst
(Orgs.), The Cambridge Handbook of Cognitive Development (Cambridge, UK:
Cambridge University Press, 2021) para uma exposição recente sobre a
intersecção entre biologia e cultura.
2. O quorum sensing é um exemplo impressionante da extraordinária
inteligência de bactérias e outros organismos unicelulares. Ver Stephen P.
Diggle, Ashleigh S. Griffin, Genevieve S. Campbell e Stuart A. West, “Cooperation
and Conflict in Quorum-Sensing Bacterial Populations”, Nature, v. 450, n. 7168,
2007, pp. 411-14; Kenneth H. Nealson e J. Woodland Hastings, “Quorum Sensing
on a Global Scale: Massive Numbers of Bioluminescent Bacteria Make Milky
Seas”, Applied and Environmental Microbiology, v. 72, n. 4, 2006, pp. 2295-97.
As obras a seguir apresentam detalhes dos processos da vida e das
extraordinárias capacidades de organismos unicelulares: Arto Annila e Erkki
Annila, “Why Did Life Emerge?”, International Journal of Astrobiology, v. 7, n. 3-
4, 2008, pp. 293-300; Thomas R. Cech, “The RNA Worlds in Context”, Cold Spring
Harbor Perspectives in Biology, v. 4, n. 7, 2012, a006742; Richard Dawkins, The
Selfish Gene: 30th Anniversary Edition (Nova York: Oxford University Press,
2006); Christian de Duve, Singularities: Landmarks in the Pathways of Life
(Cambridge, UK: Cambridge University Press, 2005); Christian de Duve, Vital
Dust: The Origin and Evolution of Life on Earth (Nova York: Basic Books, 1995);
Freeman Dyson, Origins of Life (Nova York: Cambridge University Press, 1999);
Gerald Edelman, Neural Darwinism: The Theory of Neuronal Group Selection
(Nova York: Basic Books, 1987); Gregory D. Edgecombe e David A. Legg, “Origins
and Early Evolution of Arthropods”, Palaeontology, v. 57, n. 3, 2014, pp. 457-68;
Ivan Erill, Susana Campoy e Jordi Barbé, “Aeons of Distress: An Evolutionary
Perspective on the Bacterial SOS Response”, FEMS Microbiology Reviews, v. 31, n.
6, 2007, pp. 637-56; Robert A. Foley, Lawrence Martin, Marta Mirazón Lahr e
Chris Stringer, “Major Transitions in Human Evolution”, Philosophical
Transactions of the Royal Society B, v. 371, n. 1698, 2016,
doi.org/10.1098/rstb.2015.0229; Tibor Gantí, The Principles of Life (Nova York:
Oxford University Press, 2003); Daniel G. Gibson, John I. Glass, Carole Lartigue,
Vladimir N. Noskov, Ray-Yuan Chuang, Mikkel A. Algire, Gwynedd A. Benders et
al., “Creation of a Bacterial Cell Controlled by a Chemically Synthesized
Genome”, Science, v. 329, n. 5987, 2010, pp. 52-56; Paul G. Higgs e Niles
Lehman, “The RNA World: Molecular Cooperation at the Origins of Life”, Nature
Reviews Genetics, v. 16, n. 1, 2015, pp. 7-17; Alexandre Jousset, Nico
Eisenhauer, Eva Materne e Stefan Scheu, “Evolutionary History Predicts the
Stability of Cooperation in Microbial Communities”, Nature Communications, n.
4, 2013; Gerald F. Joyce, “Bit by Bit: The Darwinian Basis of Life”, PLoS Biology, v.
10, n. 5, 2012: e1001323; Stuart Kauffman, “What Is Life?”, Israel Journal of
Chemistry, v. 55, n. 8, 2015, pp. 875-79; Daniel B. Kearns, “A Field Guide to
Bacterial Swarming Motility”, Nature Reviews Microbiology¸ v. 8, n. 9, 2010, pp.
634-44; Maya E. Kotas e Ruslan Medzhitov, “Homeostasis, Inflammation, and
Disease Susceptibility, Cell, v. 160, n. 5, 2015, pp. 816-27; Karin E. Kram e
Steven E. Finkel, “Rich Medium Composition Affects Escherichia coli Survival,
Glycation, and Mutation Frequency During Long-Term Batch Culture”, Applied
and Environmental Microbiology, v. 81, n. 13, 2015, pp. 4442-50; Richard
Leakey, The Origin of Humankind, Nova York: Basic Books, 1994; Derek Le Roith,
Joseph Shiloach, Jesse Roth e Maxine A. Lesniak, “Evolutionary Origins of
Vertebrate Hormones: Substances Similar to Mammalian Insulins Are Native to
Unicellular Eukaryotes”, Proceedings of the National Academy of Sciences, v. 77,
n. 10, 1980, pp. 6184-88; Michael Levin, “The Computational Boundary of a ‘Self
’: Developmental Bioelectricity Drives Multicellularity and Scale-Free Cognition”,
Frontiers in Psychology, 2019; Richard C. Lewontin, Biology as Ideology: The
Doctrine of DNA (Nova York: HarperPerennial, 1991); Mark Lyte e John F. Cryan,
Microbial Endocrinology: The Microbiota-Gut-Brain Axis in Health and Disease
(Nova York: Springer, 2014); Alberto P. Macho e Cyril Zipfel, “Plant PRRs and the
Activation of Innate Immune Signaling”, Molecular Cell, v. 54, n. 2, 2014, pp.
263-72; Lynn Margulis, Symbiotic Planet: A New View of Evolution (Nova York:
Basic Books, 1998); Humberto R. Maturana e Francisco J. Varela, “Autopoiesis:
The Organization of Living”, em Humberto R. Maturana e Francisco J. Varela
(Orgs.), Autopoiesis and Cognition (Dordrecht: Reidel, 1980), pp. 73-155;
Margaret J. McFall-Ngai, “The Importance of Microbes in Animal Development:
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402; Lucas John Mix, “Defending Definitions of Life”, Astrobiology, v. 15, n. 1,
2015, pp. 15-19; Robert Pascal, Addy Pross e John D. Sutherland, “Towards an
Evolutionary Theory of the Origin of Life Based on Kinetics and
Thermodynamics”, Open Biology, v. 3, n. 11, 2013: 130156; Alexandre Persat,
Carey D. Nadell, Minyoung Kevin Kim, François Ingremeau, Albert Siryaporn,
Knut Drescher, Ned S. Wingreen, Bonnie L. Bassler, Zemer Gitai e Howard A.
Stone, “The Mechanical World of Bacteria”, Cell, v. 161, n. 5, 2015, pp. 988-97;
Abe Pressman, Celia Blanco e Irene A. Chen, “The RNA World as a Model System
to Study the Origin of Life”, Current Biology, v. 25, n. 19, 2015, R953-R-963; Paul
B. Rainey e Katrina Rainey, “Evolution of Cooperation and Conflict in
Experimental Bacterial Populations”, Nature, v. 425, n. 6953, 2003, pp. 72-74;
Kepa Ruiz-Mirazo, Carlos Briones e Andrés de La Escosura, “Prebiotic Systems
Chemistry: New Perspectives for the Origins of Life”, Chemical Reviews, v. 114,
n. 1, 2014, pp. 285-366; Erwin Schrödinger, What Is Life? Cambridge, UK:
Cambridge University Press, 1944; Vanessa Sperandio, Alfredo G. Torres, Bruce
Jarvis, James P. Nataro e James B. Kaper, “Bacteria-Host Communication: The
Language of Hormones”, Proceedings of the National Academy of Sciences, v.
100, n. 15, 2003, pp. 8951-56; Jan Spitzer, Gary J. Pielak e Bert Poolman,
“Emergence of Life: Physical Chemistry Changes the Paradigm”, Biology Direct,
v. 10, n. 33, 2015; Eörs Szathmáry e John Maynard Smith, “The Major
Evolutionary Transitions”, Nature, v. 374, n. 6519, 1995, pp. 227-32; D’Arcy
Thompson, On Growth and Form (Cambridge, UK: Cambridge University Press,
1942); John S. Torday, “A Central Theory of Biology”, Medical Hypotheses, v. 85,
n. 1, 2015, pp. 49-57.
3. Em um livro anterior tratei da noção de self e suas variedades e examinei
suas possíveis bases fisiológicas. António Damásio, Self Comes to Mind:
Constructing the Conscious Brain (Nova York: Pantheon Books, 2010, publicado
no Brasil com o título E o cérebro criou o homem, Companhia das Letras, 2011).
INTELIGÊNCIA, MENTE E CONSCIÊNCIA

1. O trabalho de František Baluška e Michael Levin é especialmente


importante para o exame das inteligências implícitas. František Baluška e
Michael Levin, “On Having no Head: Cognition Throughout Biological Systems”,
Frontiers in Psychology, n. 7, 2016, pp. 1-19; František Baluška e Stefano
Mancuso, “Deep Evolutionary Origins of Neurobiology: Turning the Essence of
‘Neural’ Upside-Down”, Communicative and Integrative Biology, v. 2, n. 1, 2009,
pp. 60-5; František Baluška e Arthur Reber, Sentience and Consciousness in
Single Cells: How the First Minds Emerged in Unicellular Species”, BioEssays, v.
41, n. 3, 2019; Paco Calvo e František Baluška, “Conditions for Minimal
Intelligence Across Eukaryota: A Cognitive Science Perspective”, Frontiers in
Psychology, n. 6, 2015, pp. 1-4, doi.org/10.3389/fpsyg.2015.01329.
SENTIR NÃO É O MESMO QUE ESTAR CONSCIENTE E NÃO
REQUER UMA MENTE

1. Claude Bernard, Leçons sur les phénomènes de la vie communs aux


animaux et aux végétaux (Paris: J.-B. Baillière et Fils, 1879), reimpresso da
coleção da University of Michigan Library; A. J. Trewavas, “What is Plant
Behavior?”, Plant Cell and Environment, n. 32, 2009, pp. 606-16; Edward O.
Wilson, The Social Conquest of the Earth (Nova York: Liveright, 2012).
A PRODUÇÃO DE IMAGENS MENTAIS

1. Para uma análise abrangente de seu pioneiro trabalho sobre a visão, ver
David Hubel e Torsten Wiesel, Brain and Visual Perception (Nova York: Oxford
University Press, 2004); Richard Masland, We Know It When We See It: What the
Neurobiology of Vision Tells Us About How We Think (Nova York: Basic Books,
2020) apresenta uma perspectiva recente sobre a percepção visual. Ver também
Eric Kandel, James H. Schwartz, Thomas M. Jessell, Steven A. Siegelbaum e A. J.
Hudspeth (Orgs.), Principles of Neural Science, 5. ed. (Nova York: McGraw-Hill,
2013); Stephen M. Kosslyn, Image and Mind (Cambridge, Mass.: Harvard
University Press, 1980); Stephen M. Kosslyn, Giorgio Ganis e William L.
Thompson, “Neural Foundations of Imagery”, Nature Reviews Neuroscience, n.
2, 2001, pp. 635-42; Stephen M. Kosslyn, Alvaro Pascual-Leone, Olivier Felician,
Susana Camposano et al., “The Role of Area 17 in Visual Imagery: Convergent
Evidence From PET and rTMS”, Science, n. 284, 1999, pp. 167-70; Scott D.
Slotnick, William L. Thompson e Stephen M. Kosslyn, “Visual Mental Imagery
Induces Retinotopically Organized Activation of Early Visual Areas”, Cerebral
Cortex, n. 15, 2005, pp. 1570-83.
2. As complexidades da percepção olfatória e gustativa foram investigadas
nos estudos pioneiros de Richard Axel, Linda Buck e Cornelia Bargmann. Ver, por
exemplo, L. Buck e R. Axel, “A Novel multigene family may encode odorant
receptors: A molecular basis for odor recognition”, Cell, n. 65, 1991, pp. 175-
187.
TRANSFORMAÇÃO DE ATIVIDADE NEURAL EM MOVIMENTO
E MENTE

1. Kandel, Schwartz, Jessell, Siegelbaum e Hudspeth, Principles of Neural


Science. Capítulos sobre a anatomia e fisiologia do sistema nervoso.
2. Colin Klein e Andrew B. Barron, “How Experimental Neuroscientists Can Fix
the Hard Problem of Consciousness”, Neuroscience of Consciousness, v. 2020, n.
1, 2020: niaa009, doi.org/10.1093/nc/niaa009.
A FABRICAÇÃO DE MENTES

1. Stuart Hameroff, “The Quantum Origin of Life: How the Brain Evolved to
Feel Good”, em Michel Tibayrenc e Francisco José Ayala (Orgs.), On Human
Nature (Amsterdam: Elsevier/AP, 2017), pp. 333-53; Roger Penrose, “The
Emperor’s New Mind”, Royal Society for the Encouragement of Arts,
Manufactures, and Commerce, v. 139, n. 5420, 1991,
www.jstor.org/stable/41378098.
A MENTE DAS PLANTAS E A SABEDORIADO PRÍNCIPE
CHARLES

1. Walter B. Cannon, The Wisdom of the Body (Nova York: Norton, 1932);
Walter B. Cannon, “Organization for Physiological Homeostasis”, Physiological
Review, n. 9, 1929, pp. 399-431; Claude Bernard, Leçons sur les phénomènes de
la vie communs aux animaux et aux végétaux (Paris: J.-B. Baillière et fils, 1879),
reimpresso da coleção da University of Michigan Library; Michael Pollan, “The
Intelligent Plant”, New Yorker, 23 e 30 dez., 2013.
2. Em certas circunstâncias, plantas podem ser parte de relações
colaborativas e até simbióticas. As redes subterrâneas de raízes de árvores em
florestas são ótimos exemplos. Tudo isso demonstra o poder de variedades de
inteligência sem mente, sem consciência e, desnecessário dizer, não neurais.
Ver Monica Gagliano, Thus Spoke the Plant (Nova York: Penguin Random House,
2018).
ALGORITMOS NA COZINHA

1. Michel Serres, Petite Poucette (Paris: Le Pommier, 2012).


OS PRINCÍPIOS DOS SENTIMENTOS: PREPARAÇÃO DO
PALCO

1. Stuart Hameroff, entre outros, aventou que os organismos talvez tenham


tido sentimentos antes mesmo do surgimento de sistemas nervosos. A fonte
dessa ideia, no meu entender, é o fato de que é mais provável que certas
“configurações físicas” sejam associadas a estados de vida mais estáveis e
viáveis. Acredito que isso seja verdade, mas não decorre daí que essas
configurações físicas propícias iriam ou poderiam gerar sentimentos, isto é,
gerar estados mentais concernentes à condição corrente do organismo. Que eu
saiba, a existência de estados mentais requer a presença de um sistema
nervoso consideravelmente elaborado e depende da representação de estados
do organismo em mapas neurais. Ver Stuart Hameroff, “The Quantum Origin of
Life: How the Brain Evolved to Feel Good”, em Michel Tibayrenc e Francisco José
Ayala (Orgs.), On Human Nature (Amsterdam: Elsevier/AP, 2017), pp. 333-53.
AFETO

1. Meu uso do termo “primordial” é convencional e se refere à natureza


simples e direta daquilo que concebo como sentimentos do modo como eram
quando emergiram no começo da evolução humana e como eles ainda
provavelmente são em muitas espécies não humanas, para não falar dos bebês
humanos. Refiro-me a todos esses sentimentos incipientes como
“homeostáticos” para separá-los claramente dos sentimentos emocionais, cuja
fonte é o acionamento de emoções. Derek Denton escreveu um livro importante
intitulado The Primordial Emotions [publicado no Brasil com o título As emoções
primordiais] em que o termo “primordial” indica uma classe de processos
homeostáticos que produzem, em suas palavras, “estados imperiosos de
excitação e intenções urgentes de agir”. Os processos de respiração e excreção
(como a micção) são exemplos. Essas emoções primordiais são seguidas pelos
respectivos sentimentos. A situação original que causa essas emoções ou
sentimentos primordiais é o bloqueio de vias respiratórias e a resultante “fome
de ar”. Derek Denton, The Primordial Emotions: The Dawning of Consciousness
(Oxford: Oxford University Press, 2005).
2. Manos Tsakiris e Helena De Preester coligiram uma notável coletânea de
artigos sobre o tema da interocepção, escritos pela maioria dos neurocientistas
que lideram o interesse atual pela interocepção: Manos Tsarikis e Helena De
Preester (Orgs.), The Interoceptive Mind: From Homeostasis to Awareness
(Oxford: Oxford University Press, 2019).
Ver também A. D. Craig, How Do You Feel? An Interoceptive Moment with Your
Neurobiological Self (Princeton, N.J.: Princeton University Press, 2015); A. D.
Craig, “Interoception: The Sense of the Physiological Condition of the Body”,
Current Opinion in Neurobiology, v. 13, n. 4, 2003, pp. 500-5; Hugo D. Critchley,
Stefan Wiens, Pia Rotshtein, Arne Öhman e Raymond J. Dolan, “Neural Systems
Supporting Interoceptive Awareness”, Nature Neuroscience, v. 7, n. 2, 2004, pp.
189-95.
3. Para uma distinção razoável entre homeostase e alostase, ver Bruce S.
McEwen, “Stress, Adaptation, and Disease: Allostasis and Allostatic Load”,
Annals of the New York Academy of Sciences, v. 840, n. 1, 1998, pp. 33-44.
4. As fontes a seguir abordam abrangentemente o tema do afeto e variam
desde a concepção geral até a implementação biológica: Ralph Adolphs e David
J. Anderson, The Neuroscience of Emotion: A New Synthesis (Princeton, N.J.:
Princeton University Press, 2018); Ralph Adolphs, Hanna Damásio, Daniel Tranel,
Greg Cooper e António Damásio, “A Role for Somatosensory Cortices in the
Visual Recognition of Emotion as Revealed by Three-Dimensional Lesion
Mapping”, Journal of Neuroscience, v. 20, n. 7, 2000, pp. 2683-90; António
Damásio, The Feeling of What Happens: Body and Emotion in the Making of
Consciousness (Nova York: Harcourt Brace, 1999, publicado no Brasil com o
título O mistério da consciência, Companhia das Letras, 2000); António
Damásio, Hanna Damásio e Daniel Tranel, “Persistence of Feelings and
Sentience After Bilateral Damage of the Insula”, Cerebral Cortex, n. 23, 2012,
pp. 833-46; António Damásio, Thomas J. Grabowski, Antoine Bechara, Hanna
Damásio, Laura L. B. Ponto, Josef Parvizi e Richard Hichwa, “Subcortical and
Cortical Brain Activity During the Feeling of Self-Generated Emotions”, Nature
Neuroscience, v. 3, n. 10, 2000, pp. 1049-56, doi.org/10.1038/79871; António
Damásio e Joseph LeDoux, “Emotion”, em Eric Kandel, James H. Schwartz,
Thomas M. Jessell, Steven A. Siegelbaum e A. J. Hudspeth (Orgs.), Principles of
Neural Science, 5. ed. (Nova York: McGraw-Hill, 2013); Richard Davidson e
Brianna S. Shuyler, “Neuroscience of Happiness”, em John F. Helliwell, Richard
Layard e Jeffrey Sachs (Orgs.), World Happiness Report 2015 (Nova York:
Sustainable Development Solutions Network, 2015); Mary Helen Immordino-
Yang, Emotions, Learning, and the Brain: Exploring the Educational Implications
of Affective Neuroscience (Nova York: W. W. Norton, 2015); Kenneth H. Nealson e
J. Woodland Hastings, “Quorum Sensing on a Global Scale: Massive Numbers of
Bioluminescent Bacteria Make Milky Seas”, Applied and Environmental
Microbiology, v. 72, n. 4, 2006, pp. 2295-97; Anil K. Seth, “Interoceptive
Inference, Emotion, and the Embodied Self ”, Trends in Cognitive Sciences, v. 17,
n. 11, 2013, pp. 565-73; Mark Solms, The Feeling Brain: Selected Papers on
Neuropsychoanalysis (Londres: Karnac Books, 2015); Anthony G. Vaccaro, Jonas
T. Kaplan e António Damásio, “Bittersweet: The Neuroscience of Ambivalent
Affect”, Perspectives on Psychological Science, n. 15, 2020, pp. 1187-99.
EFICIÊNCIA BIOLÓGICA E A ORIGEM DOS SENTIMENTOS

1. Stuart Hameroff, “The Quantum Origin of Life: How the Brain Evolved to
Feel Good”, em Michel Tibayrenc e Francisco José Ayala (Orgs.), On Human
Nature (Amsterdam: Elsevier/AP 2017), pp. 333-53.
ALICERÇANDO SENTIMENTOS III

1. Helena De Preester escreveu um texto incisivo e informativo sobre a


fenomenologia dos sentimentos que aborda diretamente essa questão. Os
sentimentos, se quisermos nos referir a eles como “percepções”, certamente
são exemplos não convencionais desses processos. Helena De Preester,
“Subjectivity as a Sentient Perspective and the Role of Interoception”, em
Tsakiris e De Preester, Interoceptive Mind.
ALICERÇANDO SENTIMENTOS IV

1. António Damásio e Gil B. Carvalho, “The Nature of Feelings: Evolutionary


and Neurobiological Origins”, Nature Reviews Neuroscience, v. 14, n. 2, 2013,
pp. 143-52; Gil Carvalho e António Damásio, “Interoception as the Origin of
Feelings: A New Synthesis”, BioEssays, 24 mar. 2021, disponível em:
<https://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1002/bies.202000261>
ALICERÇANDO SENTIMENTOS V

1. António Damásio, The Strange Order of Things: Life, Feeling, and the
Making of Cultures (Nova York: Pantheon Books, 2018). [Ed. bras.: A estranha
ordem das coisas. São Paulo: Companhia das Letras, 2018.]
ALICERÇANDO SENTIMENTOS VI

1. Derek Denton, Primordial Emotions: The Dawning of Consciousness (Oxford:


Oxford University Press, 2005).
ALICERÇANDO SENTIMENTOS VII

1. He-Bin Tang, Yu-Sang Li, Koji Arihiro e Yoshihiro Nakata, “Activation of the
Neurokinin-1 Receptor by Substance P Triggers the Release of Substance P from
Cultured Adult Rat Dorsal Root Ganglion Neurons”, Molecular Pain, v. 3, n. 1,
2007, p. 42, doi.org/10.1186/1744-8069-3-42.
SENTIMENTOS HOMEOSTÁTICOS EM UM CONTEXTO
SOCIOCULTURAL

1. As profundas conexões entre fenômenos biológicos e estruturas e


operações socioculturais são analisadas em The Strange Order of Things (op.
cit.). Ver também Marco Verweij e António Damásio, “The Somatic Marker
Hypothesis and Political Life”, em Oxford Research Encyclopedia of Politics
(Oxford University Press, 2019).
POR QUE A CONSCIÊNCIA? POR QUE AGORA?

1. Analiso a relação íntima entre biologia e evolução de culturas em meu livro


The Strange Order of Things: Life, Feelings, and the Making of Cultures (Nova
York: Pantheon Books, 2018) [Ed. bras.: A estranha ordem das coisas. São Paulo:
Companhia das Letras, 2018.].
2. W. H. Auden, For the Time Being: A Christmas Oratorio (Londres: Plough,
1942).
CONSCIÊNCIA NATURAL

1. A palavra consciousness é tão recente que não aparece em nenhuma obra


de Shakespeare. As línguas românicas não criaram um equivalente da palavra
inglesa consciousness e ainda usam “consciente” tanto como sinônimo de “em
estado consciente” como para referir-se ao comportamento moral. Quando
Hamlet diz “Thus conscience does make cowards of us all” [“Assim a consciência
faz de todos nós covardes”] ele se refere a escrúpulos morais e não ao estado
consciente. A palavra consciousness estreou em 1690, definida por John Locke
como “a percepção do que se passa na mente de um homem”. Nada mau,
porém não tão bom quanto precisa ser.
2. Derek Denton. The Primordial Emotions: The Dawning of Consciousness.
Oxford: Oxford University Press, 2005.
O PROBLEMA DA CONSCIÊNCIA

1. Stuart Hameroff e Christof Koch são dois biólogos que adotam uma
perspectiva pampsiquista em seus estudos sobre a consciência.
2. David J. Chalmers, The Conscious Mind: In Search of a Fundamental Theory.
(Oxford: Oxford University Press, 1996).
3. Thomas Nagel, “What Is It Like to Be a Bat?”, Philosophical Review, v. 83, n.
4, 1974, pp. 435-50, doi.org/10.2307/2183914.
4. Alguns filósofos criticam a noção do problema difícil por outras razões,
como é o caso de Daniel Dennett. Daniel C. Dennett, “Facing Up to the Hard
Question of Consciousness”, Philosophical Transactions of the Royal Society B,
2018, doi.org/10/1098/rstb.2017.0342.
5. Para uma análise recente de teorias e fatos sobre a consciência, ver Simona
Ginsburg e Eva Jablonka, The Evolution of the Sensitive Soul: Learning and the
Origins of Consciousness (Cambridge, Mass.: MIT Press, 2019). O livro apresenta
um levantamento abrangente de concepções contemporâneas sobre a
consciência, contemplando perspectivas principalmente fisiológicas e biológicas.
Ver também António Damásio, “Feeling & Knowing: Making Mind Conscious”,
Cognitive Neuroscience, 2021.
ESTAR CONSCIENTE NÃO É O MESMO QUE ESTAR
ACORDADO

1. António Damásio e Kaspar Meyer, “Consciousness: An Overview of the


Phenomenon and of Its Possible Neural Basis”, em Steven Laureys e Giulio
Tononi (Orgs.), The Neurology of Consciousness (Burlington, Mass.: Elsevier,
2009), pp. 3-14.
CONSCIÊNCIA AMPLIADA

1. António Damásio, The Feeling of What Happens: Body and Emotion in the
Making of Consciousness (Nova York: Harcourt Brace, 1999).
FÁCIL — E A VOCÊ TAMBÉM

1. Emily Dickinson, “Poem XLIII”, em Collected Poems (Filadélfia: Courage


Books, 1991).
REUNIÃO DE CONHECIMENTOS

1. Meu colega Max Henning fez o seguinte comentário sobre essa passagem:
“Explicar a consciência localizando o sujeito mental não em alguma função ou
substância fisiológica especial e distinta e sim de forma fragmentada, em
atributos de cada imagem do fluxo mental, tem um precedente fascinante na
filosofia budista. Especificamente, as doutrinas budistas do ‘não eu’ (anattā, em
pali) e da ‘originação dependente’ professam que o sujeito mental ou ‘eu’ não
tem uma essência substantiva distinta; ele existe somente em relação a
‘objetos’ mentais, que por sua vez só existem em relação ao sujeito, como
afirma o filósofo David Loy. Essa aparente convergência da investigação
soteriológica e epistemológica da natureza da consciência e do sujeito mental
pede mais estudos”.
David R. Loy, Nonduality: In Buddhism and Other Spiritual Traditions
(Somerville: Wisdom Publications, 2019).
A INTEGRAÇÃO NÃO É A FONTE DA CONSCIÊNCIA

1. Giulio Tononi e Christof Koch propõem um papel diferente para a integração


de informações. Ver Christof Koch, The Feeling of Life Itself: Why Consciousness
is Widespread but Can’t Be Computed (Cambridge, Mass.: MIT Press, 2019). A
palavra feeling no título do livro de Koch parece referir-se a uma conjunção de
fatores cognitivos e não ao fenômeno afetivo que examino neste livro.
CONSCIÊNCIA E ATENÇÃO

1. Stanislas Dehaene e Jean-Pierre Changeux contribuíram notavelmente para


elucidar a intersecção de atenção e consciência e forneceram os textos
fundamentais nessa área. Ver Stanislas Dehaene, Consciousness and the Brain:
Deciphering How the Brain Codes Our Thoughts (Nova York: Viking, 2014).
PERDA DE CONSCIÊNCIA

1. Recordações pessoais.
2. František Baluška, Ken Yokawa, Stefano Mancuso e Keith Baverstock,
“Understanding of Anesthesia — Why Consciousness is Essential for Life and Not
Based on Genes”, Communicative and Integrative Biology, v. 9, n. 6, 2016,
doi.org/10.1080/19420889.2016.1238118.
3. Jerome B. Posner, Clifford B. Saper, Nicholas D. Schiff e Fred Plum, Plum and
Posner’s Diagnosis of Stupor and Coma. Nova York: Oxford University Press,
2007.
4. Ver Damásio, Feeling of What Happens, cap. 8, sobre a neurologia da
consciência. Ver também Josef Parvizi e António Damásio, “Neuroanatomical
Correlates of Brainstem Coma”, Brain, v. 126, n. 7, 2003, pp. 1524-36; Josef
Parvizi e António Damásio, “Consciousness and the Brainstem”, Cognition, v. 79,
n. 1, 2001, pp. 135-60.
OS CÓRTICES CEREBRAIS E O TRONCO ENCEFÁLICO NA
PRODUÇÃO DA CONSCIÊNCIA

1. António Damásio, Self Comes to Mind: Constructing the Conscious Brain


(Nova York: Pantheon Books, 2010); António Damásio, Hanna Damásio e Daniel
Tranel, “Persistence of Feelings and Sentience After Bilateral Damage of the
Insula”, Cerebral Cortex, n. 23, 2012, pp. 833-46; António Damásio e Kaspar
Meyer, “Consciousness: An Overview of the Phenomenon and of Its Possible
Neural Basis”, em Steven Laureys e Giulio Tononi (Orgs.), The Neurology of
Consciousness (Burlington, Mass.: Elsevier, 2009, pp. 3-14).
MÁQUINAS QUE SENTEM E MÁQUINAS CONSCIENTES

1. Kingson Man e António Damásio, “Homeostasis and Soft Robotics in the


Design of Feeling Machines”, Nature Machine Intelligence, n. 1, 2019, pp. 446-
52, doi.org/10.1038/s42256-019-0103-7.
EPÍLOGO: SEJAMOS JUSTOS

1. Admiro especialmente as ideias de Peter Singer e Paul Farmer como


respostas para as atuais adversidades da espécie humana. Ver Peter Singer, The
Expanding Circle: Ethics, Evolution, and Moral Progress (Princeton, N.J.: Princeton
University Press, 2011); Paul Farmer, Fevers, Feuds, and Diamonds: Ebola and
the Ravages of History (Nova York: Farrar, Strauss and Giroux, 2020).
Bibliografia suplementar

BARSALOU, Lawrence W. “Grounded Cognition”. Annual Review


of Psychology, n. 59, 2008, pp. 617-45.
BOSTROM, Nick. Superintelligence: Paths, Dangers, Strategies.

Oxford: Oxford University Press, 2014.


CARROLL, Sean. The Big Picture. Nova York: Dutton, 2016.

GRAY, John. The Silence of Animals: On Progress and Other

Modern Myths. Nova York: Farrar, Straus and Giroux, 2013.


HUSTVEDT, Siri. The Delusions of Certainty. Nova York: Simon &

Schuster, 2017.
QUIROGA, Rodrigo Quian. “Plugging into Human Memory:

Advantages, Challenges, and Insights from Human Single-


Neuron Recordings”. Cell, v. 179, n. 5, pp. 1015-32, 2019.
doi.org/10.1016/j.cell.2019.10.016.
RUDRAUF, David; BENNEQUIN, Daniel; GRANIC, Isabela; LANDINI,

Gregory; FRISTON, Karl; WILLIFORD, Kenneth. “A Mathematical


Model of Embodied Consciousness”. Journal of Theoretical
Biology, n. 428, pp. 106-31, 2017.
doi.org/10.1016/j.jtbi.2017.05.032
TORDAY, John S. “A Central Theory of Biology”, Medical

Hypotheses, v. 85, n. 1, pp. 49-57, 2015.


VILLARREAL, Luis P. “Are Viruses Alive?” Scientific American, v.
291, n. 6, pp. 100-5, 2004. doi.org/10.2307/26060805.
WILSON, Edward O. The Social Conquest of the Earth. Nova
York: Liveright, 2012.
JB HUYNH

ANTÓNIO DAMÁSIO é professor e ocupa a cadeira David Dornsife de


neurociência na Universidade do Sul da Califórnia, onde também
dirige o Instituto do Cérebro e da Criatividade. Recebeu, entre
outros, os prêmios Grawemeyer, Honda, Príncipe de Astúrias de
Pesquisa Científica e Técnica, Pessoa e Signoret, os dois últimos
com sua esposa e colaboradora, Hanna Damásio. É autor de O
erro de Descartes, O mistério da consciência, Em busca de
Espinosa, E o cérebro criou o homem e A estranha ordem das
coisas, todos publicados pela Companhia das Letras.
Copyright © 2021 by António Damásio
Copyright das ilustrações © 2021 by Hanna Damásio Agradecemos
imensamente à Harvard University Press pela permissão para publicar um
trecho de “The Brain — is Wider than the Sky”, retirado de The Poems of Emily
Dickinson: Variorum Edition, organizado por Ralph W. Franklin (Cambridge, MA:
The Belknap Press of Harvard University Press, 1998). Copyright © 1998 by
President and Fellows of Harvard College. Copyright © 1951, 1955 by President
and Fellows of Harvard College, copyright renovado 1979, 1983 by President and
Fellows of Harvard College. Copyright © 1914, 1918, 1919, 1924, 1929, 1930,
1932, 1935, 1937, 1942 by Martha Dickinson Bianchi. Copyright © 1952, 1957,
1958, 1963, 1965 by Mary L. Hampson.

Grafia atualizada segundo o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990,


que entrou em vigor no Brasil em 2009.

Título original
Feeling and Knowing Capa
Kiko Farkas e Gabriela Gennari/ Máquina Estúdio Preparação
Mariana Donner Revisão
Camila Saraiva
Paula Queiroz Versão digital
Rafael Alt ISBN 978-65-5782-467-2

Todos os direitos desta edição reservados à


EDITORA SCHWARCZ S.A.
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