Viola Spolin - A Experiencia Criativa
Viola Spolin - A Experiencia Criativa
Viola Spolin - A Experiencia Criativa
1. A EXPERIÊNCIA CRIATIVA
Todas as pessoas são capazes de atuar no palco. Todas as pessoas são capazes de
improvisar. As pessoas que desejarem são capazes de jogar e aprender a ter valor no
palco.
Aprendemos através da experiência, e ninguém ensina nada a ninguém. Isto é
válido tanto para a criança que se movimenta inicialmente chutando o ar,
engatinhando e depois andando, como para o cientista com suas equações.
Se o ambiente permitir, pode-se aprender qualquer coisa, e se o indivíduo permitir,
o ambiente lhe ensinará tudo o que ele tem para ensinar. "Talento" ou "falta de
talento" tem muito pouco a ver com isso.
Devemos reconsiderar o que significa "talento". É muito possível que o que é
chamado comportamento talentoso seja simplesmente uma maior capacidade
individual para experienciar. Deste ponto de vista, é no aumento da capacidade
individual para experienciar que a infinita potencialidade de uma personalidade pode
ser evocada.
Experienciar é penetrar no ambiente, é envolver-se total e. organicamente com
ele. Isto significa envolvimento em todos os níveis: intelectual, físico e intuitivo. Dos
três, o intuitivo, que é o mais vital para a situação de aprendizagem, é negligenciado.
A intuição é sempre tida como sendo uma dotação ou uma força mística possuída
pelos privilegiados somente. No entanto, todos nós tivemos momentos em que a
resposta certa "simplesmente surgiu do nada" ou "fizemos a coisa certa sem pensar".
As vezes em momentos como este, precipitados por uma crise, perigo ou choque, a
pessoa "normal" transcende os limites daquilo que é familiar, corajosamente entra na
área do desconhecido o libera por alguns minutos o gênio que tem dentro de si.
quando a resposta a uma experiência se realiza no nível do intuitivo, quando a pessoa
trabalha além de um plano intelectual constrito, ela está realmente aberta para
aprender.
O intuitivo só pode responder no imediato - no aqui e agora. Ele gera suas dádivas
no momento de espontaneidade, no momento quando estamos livres para atuar e
inter-relacionar, envolvendo-nos com o mundo à nossa volta que está em constante
transformação. Através da espontaneidade somos re-formamos em nós mesmos. A
espontaneidade cria uma explosão que por um momento nos liberta de quadros de
referência estáticos, da memória sufocada por velhos fatos e informações, de teorias
não digeridas e técnicas que são na realidade descobertas de outros. A
espontaneidade é um momento de liberdade pessoal quando estamos frente a frente
com a realidade e a vemos, a exploramos e agimos em conformidade com ela. Nessa
realidade, as nossas mínimas partes funcionam como um todo orgânico. É o momento
de descoberta, de experiência, de expressão criativa.
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JOGOS
O jogo é uma forma natural de grupo que propicia o envolvimento e a
liberdade pessoal necessários para a experiência. Os jogos desenvolvem as técnicas e
habilidades pessoais necessárias para o jogo em si, através do próprio ato de jogar. As
habilidades são desenvolvidas no próprio momento em que a pessoa está jogando,
divertindo-se ao máximo e recebendo toda a estimulação que o jogo tem para
oferecer - é este o exato momento em que ela está verdadeiramente aberta para
recebê-las.
A ingenuidade e a inventividade aparecem para solucionar quaisquer crises que
o jogo apresente, pois está subentendido que durante o jogo o jogador é livre para
alcançar seu objetivo da maneira que escolher, desde que obedeça às regras do jogo,
ele pode balançar, ficar de ponta-cabeça, ou até voar. De fato, toda maneira nova ou
extraordinária de jogar é aceita e aplaudida por seus companheiros de jogo.
Isto torna a forma útil não só para o teatro formal, como especialmente para os
atores interessados em aprender improvisação, e é igualmente útil para expor o
iniciante à experiência teatral, seja ele adulto ou criança. Todas as técnicas,
convenções etc., que os alunos-atores vieram descobrir lhes são dadas através de sua
participação nos jogos teatrais (exercícios de atuação):
APROVAÇÃO/DESAPROVAÇÃO
O primeiro passo para jogar é sentir liberdade pessoal. Antes de jogar, devemos
estar livres. É necessário ser parte do mundo que nos circunda e torná-lo real tocando,
vendo, sentindo o seu sabor, e o seu aroma - o que procuramos é o contato direto com
o ambiente. Ele deve ser investigado, questionado, aceito ou rejeitado. A liberdade
pessoal para fazer isso leva-nos a experimentar e adquirir autoconsciência (auto-
identidade) e auto-expressão. A sede de auto-identidade e auto-expressão, enquanto
básica para todos nós, é também necessária para a expressão teatral.
Muito poucos de nós são capazes de estabelecer esse contato direto com a
realidade. Nosso mais simples movimento em relação ao ambiente é interrompido
pela necessidade de comentário ou interpretação favorável por uma autoridade
estabelecida. Tememos não ser aprovados, ou então aceitamos comentário e
interpretação de fora inquestionavelmente. Numa cultura onde a
aprovação/desaprovação tornou-se o regulador predominante dos esforços e da
posição, e freqüentemente o substituto do amor, nossas liberdades pessoais são
dissipadas.
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EXPRESSÃO DE GRUPO
Para o aluno que está iniciando a experiência teatral trabalhar com um grupo
dá segurança, por um lado e, por outro lado, representa uma ameaça. Uma vez que a
participação numa atividade teatral e confundida por muitos com exibicionismo (e
portanto com o medo de se expor), o indivíduo se julga isolado contra muitos, Ele luta
contra um grande número de "pessoas de olhos malevolentes", sentadas, julgando seu
trabalho. O aluno se sente constantemente observado, julgando a si mesmo e não
progride.
No entanto, quando atua com o grupo, experienciando coisas junto, o aluno-
ator se integra e se descobre dentro da atividade. Tanto as diferenças como as
similaridades dentro do grupo são aceitas. Um grupo nunca deveria ser usado para
induzir conformidade, mas, como num jogo, deveria ser o elemento propulsor da ação.
PLATEIA*
*o termo "platéia" foi assim traduzido na tentativa de expressar tanto a dualidade palco-platéia, como o
caráter ativo dos elementos que a formam. É, portanto, deliberado o uso de platéia para expressar
aquele grupo de indivíduos que, como num Jogo de futebol ou basquete, mesmo estando tora. do
campo, influi ativamente no seu resultado. Platéia, dessa forma, deve ser considerado diferente de
público, principalmente se se pensar em público televisivo, público leitor, ou mesmo em termos de
público do teatro formal. (N. da T.)
TÉCNICAS TEATRAIS
Quando o artista cria a realidade no palco, sabe onde está, percebe e abre-se
para receber o mundo fenomenal. O treinamento teatral não se pratica em casa (é
fortemente recomendado que nenhum texto seja levado para casa para ser decorado
mesmo quando se ensaia uma peça formal). As propostas devem ser colocadas para o
aluno-ator dentro das próprias sessões de trabalho³ (veja pg 303). Isto deve ser feito
de maneira que ele as absorva e carregue dentro de si para sua vida diária.
Por causa da natureza dos problemas de atuação, é imperativo preparar todo o
equipamento sensorial, livrar-se de todos os preconceitos, interpretações e
suposições, para que se possa estabelecer um contato puro e direto com o meio criado
e com os objetos e pessoas dentro dele. Quando isto é aprendido dentro do mundo do
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FISICALlZAÇÃO
para a forma teatral. Não liberta seus pés nem traz o fogo da inspiração aos olhos da
plateia. O teatro não é uma clínica. Não deveria ser um lugar para se juntar
estatísticas.
O artista capta e expressa um mundo que é físico. Transcende o objeto - mais
do que informação e observação acuradas, mais do que o objeto físico em si. Mais do
que seus olhos podem ver. A "fisicalização" é um desses instrumentos.
Quando o ator aprende a comunicar-se diretamente com a plateia através da
linguagem física do palco, seu organismo como um todo é alertado. Empresta-se ao
trabalho e deixa sua expressão física levá-lo para onde quiser. No teatro de
improvisação, por exemplo, onde pouco ou quase nenhum material da cena, figurino
ou cenário são usados, o ator aprende que a realidade do palco deve ter espaço,
textura, profundidade e substância - isto é, realidade física. É a criação dessa realidade
a partir do nada, por assim dizer, que torna possível dar o primeiro passo, em direção
àquilo que está mais além.
O ator cria a realidade teatral tornando-a física.