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CRESCIMENTO,

DESENVOLVIMENTO
E ENVELHECIMENTO
HUMANO

Gustavo Leite Camargos


Segunda infância:
desenvolvimento físico,
cognitivo e psicossocial
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

„„ Reconhecer os diferentes aspectos envolvidos no desenvolvimento


físico, cognitivo e psicossocial durante a segunda infância.
„„ Listar os elementos fundamentais do desenvolvimento das primeiras
características da segunda infância.
„„ Identificar as atribuições da educação física na atenção ao desenvol-
vimento físico, cognitivo e psicossocial durante a segunda infância.

Introdução
A segunda infância é marcada por grandes transformações físicas e cog-
nitivas com implicações nas relações sociais estabelecidas pela criança.
É uma fase de constante aprendizado e muitas experiências novas. Nesse
período, a criança passa a ter maior noção de si mesma e de sua posição
no ambiente que a cerca, o que permite a construção do conceito do eu
e do convívio social, ainda que restrito.
Neste capítulo, você vai aprender quais são as principais alterações
relacionadas às mudanças físicas e motoras, as fases do desenvolvimento
cognitivo e como o pensamento se estrutura nessa fase, além de saber
quais são os principais aspectos na segunda infância do desenvolvimento
psicossocial.
2 Segunda infância: desenvolvimento físico, cognitivo e psicossocial

Desenvolvimento físico, cognitivo e psicossocial


Diversas mudanças ocorrem no desenvolvimento da criança ao longo dos
primeiros anos, tanto do ponto de vista físico quanto cognitivo e psicológico,
possibilitando uma interação social diferenciada a cada fase dessas mudanças
no desenvolvimento.
Para melhor compreensão desses aspectos, você aprenderá as principais
características de cada dimensão separadamente, mas saiba que elas estão
interligadas nos processos de aprendizagem, de apropriação de mundo e de
interação com ele.
Além disso, quando se fala de desenvolvimento cognitivo, falamos de
teorias do desenvolvimento. Dessa forma, você irá conhecer como cada teoria
analisa o desenvolvimento cognitivo nessa fase.

Desenvolvimento físico e motor


Passados os dois primeiros anos, o crescimento no peso e na altura já não são
tão rápidos como na fase anterior, apresentando uma média de crescimento de
5 cm por ano e de ganho de peso de 2,3 kg por ano (GALLAHUE; OZMUN;
GOODWAY, 2013). A partir dos 3 anos, a criança começa a perder a forma
roliça, comum na aparência dos bebês, e assume uma aparência mais esguia.
O tronco, braços e pernas tornam-se mais alongados, e a cabeça ainda possui
um diâmetro relativamente grande, mas as outras partes do corpo tornam-se
mais proporcionais. Outra característica comum nesse período está relacionada
ao sono. Crianças nessa fase necessitam dormir menos que no período da
primeira infância e tendem a desenvolver distúrbios do sono.
Dentre as ocorrências mais comuns de alteração no sono estão os terrores
do sono, com maior prevalência entre os meninos e nas idades de 3 a 13 anos;
caminhar e falar durante o sono, pesadelos e enurese também ocorrem com
maior frequência entre os meninos (BEE; BOYD, 2009).
Essa fase é acompanhada de um grande desenvolvimento e refinamento
motor, no qual tarefas fundamentais do início da infância se transformam em
habilidades motoras esportivas ou especializadas. Uma das justificativas é o
maior desenvolvimento das estruturas nervosas nessa fase, onde se observa
um maior crescimento do cérebro e maior mielinização dos neurônios, contri-
buindo na velocidade do processamento e transmissão de impulsos nervosos
(potenciais de ação) (GALLAHUE; OZMUN; GOODWAY, 2013). Aqui são
construídas as capacidades motoras do ser humano, e a educação física tem
um papel fundamental, pois contribui para o desenvolvimento dos aspectos
Segunda infância: desenvolvimento físico, cognitivo e psicossocial 3

cognitivos, sociais, afetivos e motores, de forma integralizada (ALMEIDA,


2018).
Além disso, o desenvolvimento das áreas sensoriais e motoras do córtex
cerebral permite que ocorra uma melhor coordenação entre o planejamento das
ações e sua execução motora. Com o desenvolvimento maior das habilidades
motoras grossas, dos ossos, da musculatura e da capacidade pulmonar, a criança
passa a executar atividades mais elaboradas, como correr, saltar, pular e escalar
— tudo com maiores ganhos de distância e rapidez (BEE; BOYD, 2009).
As habilidades motoras finas envolvem áreas musculares e do cérebro rela-
cionadas à coordenação olhos-mãos e de pequenos agrupamentos musculares.
A combinação de habilidades já adquiridas com as que estão em aprendizagem
com o objetivo de produzir movimentos e ações mais complexas é conhecido
como sistemas de ação.
Outro fato no desenvolvimento motor que ocorre nessa fase é a preferência por
usar uma das mãos para executar as principais tarefas das habilidades motoras
finas (Figura 1), também conhecida como lateralidade manual. Essa capacidade
só é possível pelo desenvolvimento das estruturas do cérebro e pela dominância
de um hemisfério, bem como pelo sistema de ação (BEE; BOYD, 2009).

3–4 anos de idade


Estágio de desenho 4–5 anos de idade
Estágio de forma Estágio pictório

Pictório Pictório
inicial tardio

Figura 1. Desenvolvimento artístico na segunda infância, mostrando as diferenças e riquezas


de detalhes provenientes de um controle motor e das habilidades motoras finas.
Fonte: Adaptada de Papalia (2013).
4 Segunda infância: desenvolvimento físico, cognitivo e psicossocial

Desenvolvimento cognitivo
O estágio pré-operatório do desenvolvimento cognitivo ocorre por volta dos 2
aos 7 anos, e é caracterizado pelo maior uso do pensamento simbólico ou da
capacidade representacional. Nesse período, há um crescente entendimento
pela criança das noções de espaço, causalidade, identidade e categorização
dos números.
Além disso, por intermédio da função simbólica, a criança passa a responder
não mais por estímulos sensórias ou motores, como ocorria no estágio anterior.
Essa evolução possibilita à criança fazer referência a partir de imagens mentais
e atribuir a elas significados específicos.
Segundo Faria (1998), entre as atividades mais comuns na utilização da
função simbólica estão as brincadeiras de faz-de-conta, a imitação diferida e
a própria linguagem exercida por meio de símbolos ou palavras.
A capacidade cognitiva do entendimento da causalidade apresenta em seu
desenvolvimento uma característica ainda generalista, ou seja, a criança começa
a ser capaz de entender a relação entre dois objetos ou entre eventos, mas sem
a flexibilidade necessária para que as respostas possam variar. Um exemplo
é quando a criança associa a atitude de fazer bagunça com a consequência
do castigo e, ao ver um adulto ou outra pessoa fazendo algo similar a uma
bagunça, ela determinará que a consequência será o castigo. Outro processo no
entendimento da causalidade é a transdução. Neste, a criança tende a vincular
mentalmente determinados fenômenos, havendo ou não uma relação causal
lógica entre eles (FARIA, 1998).
Na categorização ou classificação, a criança desenvolve a capacidade
de identificar similaridades e diferenças, estabelecendo também a noção de
identidades. Entre as categorizações existentes, uma delas é a capacidade de
distinguir coisas vivas de inanimadas, contudo, é muito comum nesse período
atribuir vida a objetos inanimados, o que é conhecido como animismo.
O pensamento pré-operatório é também caracterizado pelo processo da
centração, no qual a criança apresenta a tendência a concentrar-se em um
aspecto único de uma situação, passando a negligenciar os outros aspectos.
Isso ocorre porque as crianças nessa fase não sabem descentrar, ou seja, não
conseguem pensar em diversos aspectos de uma situação ao mesmo tempo
(PAPALIA, 2013).
Segunda infância: desenvolvimento físico, cognitivo e psicossocial 5

Outra característica relacionada à centração é o egocentrismo, que faz com


que a criança assuma apenas o seu ponto de vista sobre os fatos e as experiências
e ignore os demais. Além disso, a criança apresenta uma dificuldade de separar
a realidade daquilo que se passa em sua mente.
Outra forma de centração é a dificuldade que as crianças possuem de
entender a conservação, ou seja, a capacidade cognitiva de entender que duas
coisas permanecem iguais, desde que nada seja acrescido ou retirado, ainda
que tenham sua aparência alterada. Como a capacidade de conservação está
limitada, a irreversibilidade também apresentará limitações, o que impede a
criança de entender que uma operação ou ação pode ir e retornar, seja qual
for a direção (PAPALIA, 2013).

No vídeo disponível no link a seguir, ou no código ao lado,


você aprenderá um pouco mais sobre as capacidades de
conservação e irreversibilidade, na qual crianças no início
do estágio pré-operatório apresentam dificuldades de
entender suas propriedades.

https://qrgo.page.link/D1sC

É também na segunda infância que as crianças melhoram a atenção e


começam a formar memórias de longo prazo. Dessa forma, a codificação, o
armazenamento e a recuperação se estabelecem a partir de informações peque-
nas ou mais complexas. Esse processo utiliza tanto a memória sensorial, cujo
armazenamento inicial é breve, temporário e de informação sensorial, quanto
a memória de trabalho, cujo armazenamento de curto prazo de informações
está sendo processado ativamente.
O desenvolvimento da memória permite um uso maior da linguagem. Com
3 anos, uma criança pode utilizar cerca de 900 a mil palavras. Aos 6 anos, essa
criança possui um vocabulário médio e expressivo de cerca de 2,6 mil palavras,
e compreende cerca de 20 mil palavras. A linguagem irá sofrer influência direta
do desenvolvimento da memória. Além da memória, Leite (2011) afirma que
a associação rápida é a capacidade que permite à criança captar o significado
aproximado de uma nova palavra depois de ouvi-la mais de uma vez.
6 Segunda infância: desenvolvimento físico, cognitivo e psicossocial

Desenvolvimento psicossocial
Uma das características no desenvolvimento psicossocial é a formação do
autoconceito, uma construção cognitiva baseada em um sistema de represen-
tações descritivas e avaliativas a respeito de nós mesmos, nossas capacidades
e traços. A partir dessa representação é que definimos como nos sentimos
sobre nós mesmos e como iremos nos portar diante da vida (DESSEN; COSTA
JÚNIOR, 2005).
O autoconceito inicia sua formação ainda na primeira infância e, à medida
que a criança se desenvolve e passa a ter maior autoconsciência, ele se amplia
cada vez mais. Entre os 5 e 7 anos de idade, a criança tende a mudar a forma
como constrói seu autoconceito. Antes disso, até os 4 anos, ela descreve
principalmente comportamentos concretos e observáveis, características
externas do seu aspecto físico e ações concretas. Um exemplo é quando a
criança fala inicialmente que é alguém que gosta de pular ou de correr; com
o desenvolvimento do autoconceito, ela passa a se referir como alguém que
gosta de brincar (COLL; MARCHESI; PALÁCIOS, 2004).
Essa forma inicial de autodescrição é chamada de representações únicas,
sendo compostas por declarações sobre si mesmo de maneira unidimensional.
O pensamento característico nesse momento não possui uma conexão lógica e
há uma dificuldade para entender que é possível que aspectos contraditórios
sobre si mesmo coexistam. Além disso, há uma confusão entre a identidade
real e a identidade ideal.
Com o desenvolvimento do autoconceito, a criança entra na fase das asso-
ciações representativas e começa a fazer associações lógicas entre um aspecto
de si mesma e das pessoas do seu convívio. A interação social torna-se uma
referência para o estabelecimento de sua identidade e do seu autoconceito. De
acordo com Coll, Marchesi e Palácios (2004), a imagem de si mesmo ainda é
expressa em termos extremos, ou seja, a criança ainda não consegue perceber
que pode ser boa em algumas atividades e não tão boa em outras.
A terceira fase, chamada de sistemas representacionais, ocorre após os 7
anos, e nela a criança começa a integrar aspectos específicos de sua identidade
em um conceito geral e multidimensional (COLL; MARCHESI; PALÁCIOS,
2004).
Outro processo em desenvolvimento é a autoestima, uma autoavaliação
que a criança realiza a partir de seu autoconceito. É o julgamento que ela faz
sobre seu valor geral e que se baseia em um desenvolvimento crescente de sua
capacidade cognitiva em definir a si própria (FARIA, 1998).
Segunda infância: desenvolvimento físico, cognitivo e psicossocial 7

Por fim, as interações sociais permitem que a criança desenvolva sua


capacidade de entender, regular ou controlar os próprios sentimentos. A autor-
regulação emocional ajuda as crianças a guiar seus comportamentos. Crianças
na segunda infância geralmente conseguem falar sobre seus sentimentos e
discernir os sentimentos dos outros, compreendendo que as emoções estão
associadas às experiências e os fatos (FARIA, 1998).

Características da segunda infância


O crescimento e o desenvolvimento do indivíduo não são processos inde-
pendentes, que ocorrem apenas por influências hereditárias. Os fatores am-
bientais são extremamente importantes, até mesmo para se atingir, ou não,
a potencialidade de desenvolvimento estabelecida geneticamente. Entre os
principais fatores externos, podemos citar a nutrição, a atividade física e o
exercício físico (GALLAHUE; OZMUN; GOODWAY, 2013; HAYWOOD;
GETCHELL, 2016).
A segunda infância é o momento ideal para começar a ensinar bons há-
bitos de saúde às crianças. O rápido desenvolvimento de suas habilidades
de linguagem e seu amor pela imitação dos outros permitem que a elas se
beneficiarem das instruções verbais dos pais e de suas demonstrações de
comportamentos relacionados à saúde, tais como comer alimentos nutritivos
e/ou praticar atividade física (BOYD; BEE, 2011).

Nutrição
Deficiências e excessos alimentares de forma crônica podem ter um papel
muito forte nos padrões de desenvolvimento. Essas alterações irão depender da
duração e do momento em que ocorre a subalimentação ou superalimentação.
De fato, crianças que apresentam uma alimentação pobre e insuficiente até os
4 anos de idade tenderão a não atingir o mesmo desenvolvimento cognitivo
quando comparado com crianças bem alimentadas (GALLAHUE; OZMUN;
GOODWAY, 2013).
Quando se fala em má nutrição, deve-se considerar não só a quantidade,
mas também a qualidade alimentar. Deficiências em minerais e vitaminas
podem ser altamente prejudiciais para o desenvolvimento físico das crianças,
ou até mesmo contribuir para o surgimento de doenças que irão afetar esse
desenvolvimento. Como exemplo, pode-se citar a falta de vitamina D na dieta,
que pode resultar em raquitismo (Figura 2), uma condição que se apresenta
8 Segunda infância: desenvolvimento físico, cognitivo e psicossocial

como fraqueza e deformidade nos ossos em virtude da não absorção de cálcio.


Outra condição é a pelagra, que se manifesta com lesões na pele, alterações
gastrointestinais e sintomas neurológicos, e é causada pela deficiência de
vitamina B12 (GALLAHUE; OZMUN; GOODWAY, 2013).

Anatomia normal Raquitismo

Figura 2. Raquitismo.
Fonte: Adaptada de Accelarated Ideas (2018).

Em países emergentes, as referências de altura e peso de adultos são con-


sideravelmente mais baixas, quando comparados a países desenvolvidos.
Uma hipótese seria a má nutrição crônica, crítica nos períodos da primeira
e segunda infância, que compromete o desenvolvimento completo e gera
atraso no crescimento. Assim, pode-se perceber que o estado nutricional
tem relação com as condições de vida de uma população. Por exemplo, em
alguns países em desenvolvimento, quase 50% das crianças apresenta atraso
de crescimento devido à má nutrição (GALLAHUE; OZMUN; GOODWAY,
2013; HAYWOOD; GETCHELL, 2016).
No outro extremo, os excessos alimentares também são responsáveis pelas
alterações no crescimento infantil. A obesidade infantil é, hoje em dia, uma
condição cada vez mais presente no Brasil e no mundo (FERREIRA; AYDOS,
2010). Segundo Miranda et al. (2015), o desenvolvimento de sobrepeso e
obesidade infantil está diretamente associado ao fator socioeconômico, o que
nos permite dizer, então, que o estilo e a condição de vida influenciam na
Segunda infância: desenvolvimento físico, cognitivo e psicossocial 9

composição corporal. Dessa forma, deve-se haver a elaboração de estratégias


que promovam maior educação em saúde no sentido de esclarecer para a po-
pulação geral quais as relações de causa e efeito do sobrepeso e da obesidade
na saúde das crianças (GALLAHUE; OZMUN; GOODWAY, 2013).
Existe uma preocupação muito grande com a alta ingestão de açúcares refi-
nados e amidos pelas crianças, que sofrem forte influência da mídia por meio
de propagandas financiadas por empresas do ramo alimentício. O sobrepeso e
a obesidade infantil contribuem para a ocorrência de outras desordens, como
hipertensão arterial, diabetes melito tipo 2, dislipidemias, problemas respi-
ratórios, entre outros, como ilustra a Figura 3 (FERREIRA; AYDOS, 2010).
Como, nessa fase, as crianças crescem mais lentamente, é normal que elas
pareçam comer menos do que quando eram bebês. Além disso, nessa fase é
comum que surja a aversão a alimentos, e a maioria das crianças entre 2 e 6
anos tem resistência à ideia de experimentar alimentos novos. A recomendação
geral é que uma variedade de alimentos nutritivos esteja disponível, não se
preocupando tanto com a quantidade, para que a criança possa se alimentar
de acordo com o seu apetite (BOYD; BEE, 2011).

Figura 3. Consequências da obesidade infantil.


Fonte: Pediatria Crescer Saudável (2018, documento on-line).
10 Segunda infância: desenvolvimento físico, cognitivo e psicossocial

Atividade e exercício físico


A prática regular de atividade física, nas crianças, promove diversos bene-
fícios, como melhora das capacidades funcionais e maior desenvolvimento
motor. Crianças mais ativas fisicamente tendem a apresentar menor percentual
de gordura corporal e maior densidade de massa magra. De maneira geral,
quando bem praticada e orientada, evitando-se os níveis excessivos, a ativi-
dade física tem efeito positivo sobre o crescimento (GALLAHUE; OZMUN;
GOODWAY, 2013).
Aqui deve-se chamar a atenção para o risco em potencial envolvido com
sua prática, pois acredita-se que treinamentos intensos podem gerar lesões
na placa de crescimento, afetando o seu desenvolvimento. Essa relação, no
entanto, ainda não está clara, mas cabe destacar que na segunda infância é
orientado a prática de atividades complexas e variadas, sem a necessidade de
especializações motoras, evitando-se, dessa forma, programas de treinamentos
intensos, principalmente que envolvam força muscular extrema (GALLAHUE;
OZMUN; GOODWAY, 2013; HAYWOOD; GETCHELL, 2016).
Em relação às crianças, a atividade física desempenha papel fundamental
sobre a condição física, psicológica e mental (SILVA; COSTA JR., 2011). Sua
prática regular pode promover a mineralização óssea e o desenvolvimento
muscular, contribuindo para a redução do depósito de gordura. Também
auxilia no desenvolvimento cognitivo e afetivo, melhorando a socialização
da criança, o espírito de companheirismo e a autoeficácia. (LAZZOLI et al.,
1998; SILVA; COSTA JR., 2011).
Existe uma associação entre o comportamento sedentário e o risco de obe-
sidade, hipertensão, diabetes e dislipidemias; crianças obesas provavelmente
chegarão à idade adulta obesas. Dessa forma, criar um estilo de vida ativo, já na
infância poderá reduzir a incidência de obesidade e doenças cardiovasculares
na idade adulta (SILVA; COSTA JR., 2011). A fim de se obter esses benefícios,
deve-se respeitar os limites de cada idade, promovendo estímulos que sejam
adequados a cada um (LAZZOLI et al., 1998).

Outros fatores
Existe uma série de outros fatores que podem influenciar no processo de
desenvolvimento, incluindo doenças, clima, alterações emocionais e outras
condições incapacitantes. Os males causados por doenças na infância irão
depender de sua duração, gravidade, estado do indivíduo e estado nutricional.
Segunda infância: desenvolvimento físico, cognitivo e psicossocial 11

No entanto, como todos os fatores se interagem, fica difícil determinar como


cada um deles poderá influenciar negativamente ou positivamente no desenvol-
vimento e crescimento das crianças, sendo necessários mais estudos nessa área
(GALLAHUE; OZMUN; GOODWAY, 2013). Uma preocupação importante
nessa fase é em relação aos acidentes (Figura 4), que mostram ser o principal
fator de mortalidade na primeira e na segunda infância (BOYD; BEE, 2011).

50
Porcentagem de óbitos entre crianças abaixo de

40 Geral
Americanos brancos
Afro-americanos
Hispano-americanos
5 anos no Estados Unidos

30 Americanos asiáticos
Americanos nativos

20

10

0 Defeitos Defeitos
Acidentes Câncer Homicídio Infecções
congênitos cardíacos

Figura 4. Diferenças entre grupos étnicos nas causas de morte entre crianças com menos
de 5 anos.
Fonte: Adaptada de Boyd e Bee (2011)

Atribuições da educação física


É inegável a importância da prática de atividade física como um meio extre-
mamente valioso no processo de desenvolvimento geral da criança. Dessa
forma, a implementação da atividade física na infância deve ser considerada
como prioridade em nossa sociedade (SILVA; COSTA JR., 2011).
A seguir, você verá quais são as recomendações gerais para a prescrição de
atividade física na infância fornecidas pela Sociedade Brasileira de Medicina
do Esporte (SBME) (LAZZOLI et al., 1998).
12 Segunda infância: desenvolvimento físico, cognitivo e psicossocial

„„ Todos os profissionais da saúde devem combater o comportamento


sedentário na infância, estimulando a práticas de exercício físico no
cotidiano e/ou de forma estruturada, mesmo para crianças com doenças,
visto que são raras as contraindicações absolutas ao exercício físico.
„„ Os profissionais devem estimular atividades com aspectos lúdicos e
evitar a prática em temperaturas extremas.
„„ A educação física escolar deve ser considerada essencial e parte indis-
sociável do processo global de educação das crianças.
„„ A atividade física na infância deve ser considerada uma questão de
saúde pública, divulgando esse tipo de informação e implementando
programas para a prática orientada de exercício físico.

De acordo com o Colégio Americano de Medicina do Esporte (ACSM,


2018), crianças que apresentem boa condição de saúde podem participar de
atividades de baixa e moderada intensidade, de caráter lúdico e de lazer, sem
a necessidade obrigatória de uma avaliação médica pré-participação. No
entanto, deve-se sempre estar atento ao estímulo adequado para a sua idade,
bem como à sua condição nutricional.
O envolvimento em tarefas motoras complexas irá contribuir para a for-
mação do indivíduo, auxiliando no seu desenvolvimento motor, cognitivo e
afetivo. Nesse sentido, torna-se importante o incentivo à realização de ações
que envolvam programas de movimento desenvolvimental (GALLAHUE;
OZMUN; GOODWAY, 2013). Deve-se aplicar ações pedagógicas que pro-
movam a inserção das crianças em experiências corporais e gestos mais
complexos, ampliando o leque de aprendizagem dentro dos padrões para cada
idade (ALMEIDA, 2018).
Nessa fase, os cuidadores e profissionais, como os professores de educação
física, devem promover grandes oportunidades para jogos motores amplos que
envolvam ao máximo a exploração de novos movimentos para a resolução de
problemas e que maximizem sua criatividade e o desejo à exploração. Reforços
positivos devem ser oferecidos para estimular o autoconceito saudável e evitar
o medo de fracassar, sem a necessidade de se propor atividades diferentes para
meninos e meninas. As atividades propostas devem ser organizadas de forma a
permitir o maior desenvolvimento perceptivo-motor, exigindo manipulação de
objetos e coordenação olho–mão (GALLAHUE; OZMUN; GOODWAY, 2013).
De fato, quase todas as ações motoras podem ser consideradas uma habili-
dade perceptivo-motora, já que o nosso movimento se baseia na interação com
o ambiente ao nosso redor, ou seja, exige a necessidade de constantes captações
Segunda infância: desenvolvimento físico, cognitivo e psicossocial 13

e processamento de informações, para, a partir daí, estabelecer um padrão de


movimento que permita essa interação (HAYWOOD; GETCHELL, 2016).
Deve-se propor exercícios que permitam trabalhar a percepção de obje-
tos, como a percepção figura–fundo (Figura 5) e a percepção parte–todo, e
a percepção de movimento, de forma a contribuir para o desenvolvimento
cinestésico da criança (HAYWOOD; GETCHELL, 2016).

Figura 5. Teste para avaliação de percepção figura–fundo.


Fonte: Adaptada de Haywood e Getchell (2016).

O sistema cinestésico ou proprioceptivo é importante para o desenvolvimento de


habilidades motoras, pois permite reunir informações sobre a relação das partes
do corpo entre si e a velocidade com que estão se movimentando, a posição do
corpo no espaço, a natureza dos objetos que estão em contato com o nosso corpo
etc. Dessa forma, temos, espalhados pelo corpo, uma série de receptores sensoriais
conhecidos como proprioceptores, localizados tanto na periferia quanto em músculos,
articulações e tendões.
14 Segunda infância: desenvolvimento físico, cognitivo e psicossocial

A primeira infância é uma fase de grande imaginação, portanto, ativi-


dades que se valem dessa capacidade podem ser altamente benéficas para o
desenvolvimento do pensamento abstrato, como, por exemplo, exercícios que
envolvam dramatização ou elaboração de histórias. Essas atividades podem,
ainda, ajudar as crianças a enfrentarem seus medos e timidez, reforçando sua
autoestima de forma positiva e melhorando sua autoeficiência (GALLAHUE;
OZMUN; GOODWAY, 2013).
A partir dos 2 anos de idade, a criança já começa a desenvolver o sentido
de lateralidade, cujo desenvolvimento total ocorre por volta dos 4 a 5 anos.
Ela passa a perceber que existem dois lados, direito e esquerdo, e que possui
controle individual sobre os diferentes membros, podendo, por exemplo, colocar
as mãos em posições diferentes ao mesmo tempo. Junto com essa capacidade,
a criança começa a melhorar sua orientação espacial independente da visão.
Exercícios que exijam andar em linha reta, de olhos fechados, propiciam o
desenvolvimento dessa habilidade. Além disso, deve-se estar atento ao desen-
volvimento da capacidade de direcionalidade, pois crianças com lateralidade
pobre apresentam pouca direcionalidade, ou seja, baixa capacidade de projetar
as dimensões espaciais do corpo no espaço imediato e de se apoderar de
conceitos espaciais sobre movimento ou localizações de objetos no ambiente
(HAYWOOD; GETCHELL, 2016).
É aconselhada a realização de atividades que envolvam o máximo de
aspectos motores, sem focar na especialização precoce de gestos específicos,
ou seja, sem objetivar a performance. Nessa fase de desenvolvimento, as
crianças possuem maior predomínio de fibras do tipo 1, mais resistentes e
menos “explosivas”. Além disso, por terem menos massa muscular, alcançam
menor produção de potência anaeróbica absoluta (GALLAHUE; OZMUN;
GOODWAY, 2013; HAYWOOD; GETCHELL, 2016). Dessa forma, não se deve
acentuar a coordenação em combinação com a velocidade e a agilidade, mas
sim proporcionar atividades complexas, saudáveis e prazerosas, respeitando
sempre a individualidade e oferecendo orientações sensatas para estabelecer o
senso de fazer o que é certo e adequado em vez do que é errado e inaceitável.
Quanto a atividades aeróbias, a reposta fisiológica das crianças é muito
eficiente, mas elas não podem se exercitar por um tempo tão longo quanto os
adultos, pois tendem a apresentar um débito cardíaco proporcionalmente menor
do que eles. Além disso, possuem concentrações mais baixas de hemoglobina,
o que significa baixa capacidade no transporte de oxigênio. Essas condições
Segunda infância: desenvolvimento físico, cognitivo e psicossocial 15

representam um consumo máximo de oxigênio absoluto mais reduzido, no


entanto, a partir dos 4 anos de idade, ocorre uma elevação linear nessa variável,
até o final da adolescência, em meninos, e até os 12 ou 13 anos, em meninas
(HAYWOOD; GETCHELL, 2016). Portanto, a prática sistemática e prolongada
de exercícios aeróbios, além de desmotivadora, é altamente desgastante para
as crianças na primeira infância e deve ser desencorajada.
No estudo de revisão conduzido por Jones e Okely (2011), foram apresen-
tadas as diretrizes de orientações para a prática de atividade física na primeira
infância. Veja os dados a seguir.

„„ Austrália: as crianças de 3 a 5 anos devem praticar atividades físicas


diariamente, por, pelo menos, 3 horas (180 minutos), distribuídas ao
longo do dia.
„„ Conselhos provisórios do Reino Unido: as crianças capazes de andar
sozinhas devem praticar atividades físicas todos os dias durante, pelo
menos, 3 horas (180 minutos).

No entanto, a prática de atividade física pode sofrer alguns obstáculos,


como o custo, ambientes sem segurança e pouco acesso a facilidades existentes.
O conhecimento dessas barreiras permitirá ao profissional propor formas e
meios que possam auxiliar no seu enfrentamento. Para se realizar atividade
física, nem sempre é necessário um espaço físico especializado, e muitas vezes
ele pode ser adaptado (SILVA; COSTA JR., 2011). É papel do profissional de
educação física auxiliar nesses casos.
Pode-se concluir que, devido à grande importância do movimento no desen-
volvimento da personalidade da criança, é extremamente importante realizar
um trabalho que promova a melhoria de suas potencialidades. As experiências
adquiridas pelas crianças na primeira infância sofrem influência das relações
que ela estabelece com os outros e com o meio em que está inserida. Essa
fase é crucial para o desenvolvimento da autoconfiança e do conhecimento
de suas potencialidades. Brincadeiras e jogos recreativos podem promover
o desenvolvimento de habilidades fundamentais para o futuro da criança.
Além disso, a formulação de recomendações prescritivas de atividade física,
baseadas em evidência, pode, na primeira infância, permitir melhora na saúde
das crianças e contribuir, assim, para o seu futuro.
16 Segunda infância: desenvolvimento físico, cognitivo e psicossocial

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