Estase de Inglúvio em Filhote de Calopsita (Nymphicus Hollandicus)
Estase de Inglúvio em Filhote de Calopsita (Nymphicus Hollandicus)
Estase de Inglúvio em Filhote de Calopsita (Nymphicus Hollandicus)
Resumo
Aves possuem diversas particularidades anatômicas, sendo uma dessas o inglúvio ou papo,
que se trata de uma dilatação do esôfago. O esvaziamento desse órgão ocorre a partir de
contrações da musculatura lisa. A estase de papo é uma condição de atonia da musculatura
lisa bastante associada a psitacídeos em condição de cativeiro. As causas para a
hipomotilidade são diversas e incluem erros de manejo alimentar, agentes infecciosos e
ingestão de corpos estranhos. Candida spp. são agentes que afetam aves jovens e o
principal órgão é o inglúvio. Esse agente provoca sinais clínicos como regurgitações,
apatia e retardo no esvaziamento do papo e seu diagnóstico se dá através de cultura.
Objetivou-se descrever o caso clínico de um filhote de Calopsita (Nymphicus hollandicus)
pesando 0,02 kg que deu entrada na Clínica Vetlife em Fortaleza/CE no dia 21/02/2023
com estase de papo. O tratamento do paciente consistiu no uso de Nistatina 0,15 ml VO
BID por 5 dias, Lactulose 0,01 ml VO BID por 7 dias, Metoclopramida 0,02 ml diluído
em soro IM BID por 5 dias. Além da lavagem de papo com solução salina 0,9% e vitamina
C, o animal era alimentado por sondagem com Critical Care para aves diluído (papa fina).
Após 5 dias de internamento, e com leve melhora do quadro clínico, o animal veio à óbito.
Palavras-chave: Psitaciformes; Estase; Inglúvio; Micose.
Introdução
O sistema digestório de aves passou por diversos processos evolutivos. O trato
digestório é composto por bico, orofaringe, esôfago, inglúvio, proventrículo, ventrículo,
intestinos, fígado e pâncreas. O Inglúvio, também conhecido como papo é uma dilatação
do esôfago, a qual acumula e amolece alimentos e pode ser palpado pelo lado direito do
pescoço da ave. Seu esvaziamento é feito pelas contrações da musculatura da parede do
órgão pelo estímulo parassimpático (MACWHIRTER, 2009).
Bauck (1994) aponta que Candida spp. afetam bastante as aves jovens e o
principal órgão afetado é o inglúvio, podendo também ser encontrada em ventrículo e
proventrículo. A infecção por esse agente provoca sinais clínicos como regurgitações,
apatia e retardo no esvaziamento do papo. O fungo pode ser a causa primária destes
sintomas ou uma infecção secundária, devido a lesões por estase provocada por outros
fatores.
O papo da ave deve ser observado e palpado. Caso não haja esvaziamento no
período mínimo de 6 horas após a alimentação deve ser feita a lavagem com soro
fisiológico aquecido associada à massagem retrógrada, para evitar condições de
putrefação conhecida como “papo azedo” ou “sour crop” (REDIG e CRUZ-MARTINEZ,
2009).
O tratamento varia de acordo com a causa da estase, mas no geral consiste em:
Correção da diluição da alimentação (JEPSON, 2010). Já para micoses, é feita terapia
antifúngica, normalmente com Nistatina via oral e acidificantes. Para quadros de C.E., é
indicada ingluviotomia para remoção (DONELEY, 2010).
Assim, objetivou-se relatar o caso de um filhote de calopsita com quadro de estase
de papo atendido e internado na Clínica Vetlife na cidade de Fortaleza/CE em fevereiro
de 2023.
Relato de caso
No dia 21 de fevereiro 2023, foi atendido na Clínica Vetlife em Fortaleza/ CE um
filhote de Calopsita (Nymphicus hollandicus) de aproximadamente 10 dias de vida,
pesando 0,02 kg. A tutora relatou que o animal apresentava desenvolvimento retardado
em comparação aos demais filhotes. O animal havia sido alimentado no dia anterior com
3ml de papa para psitacídeos e, mesmo após quase 24 horas desde a última alimentação,
não houve esvaziamento do inglúvio.
A suspeita por parte da médica veterinária responsável foi de estase de inglúvio,
que pode ocorrer por diversos fatores. Devido à idade e porte do animal, não foi possível
realizar a coleta de amostras biológicas para exames complementares. Sendo assim, após
a admissão no internamento, o procedimento inicial foi a remoção do conteúdo alimentar
que já se encontrava em estado fermentativo, seguido de lavagem de papo feita com
solução salina a 0,9% aquecida acrescida de vitamina C.
Para seu tratamento foram estabelecidas as seguintes medicações: Nistatina 0,15
ml VO BID por 5 dias (dose de 750.000 UI/kg), Lactulose 0,01 ml VO BID por 7 dias
(dose de 0,5 mg/kg), Metoclopramida 0,02 ml diluído em soro IM BID por 5 dias (dose
de 0,8 mg/kg). Além das medicações, o manejo do paciente continuou com lavagem de
papo e alimentação 30 minutos após a administração do antifúngico com 2 ml de Critical
Care diluído (papa fina). O paciente foi mantido aquecido com bolsas térmicas durante a
estadia na clínica.
Durante os dias 22/02 e 23/03 o animal se mostrou apático, dormindo bastante e
ainda com atraso de esvaziamento de papo, com alto risco de óbito. No dia 23/02 o
protocolo inicial completo foi realizado, exceto a administração de Metoclopramida.
A partir do dia 24/02 começou a defecar, digerir pouca quantidade de alimento e
se apresentar mais ativo durante o momento de alimentação, mas ainda dormia bastante
durante o dia. Nesse dia o protocolo inicial completo foi realizado. Houve aumento na
dose de Metoclopramida para 0,05ml diluído em soro.
No último relatório médico do dia 25/02, encontrava-se mais ativo, o papo
começou a esvaziar mais rapidamente, mas ainda apresentava certa hipomotilidade. Além
disso, havia sido alimentado 5 vezes e foram feitas duas lavagens do inglúvio. Animal
veio a óbito no dia 26/02 por parada cardiorrespiratória, como consta no relatório médico.
Figura 2: Papo do paciente parcialmente esvaziado 2 horas após alimentação no dia 25/02/2023.
Discussão
A estase de papo pode ser considerada uma condição multifatorial e o manejo do
paciente depende dos seus sinais e causas, tornando o prognóstico bastante reservado
(DONELEY, 2010).
Jepson (2010) e Doneley (2010) apontaram a alimentação com papa para
psitacídeos diluída em excesso como causas para a hipomotilidade. Sendo possível ser
corrigida facilmente utilizando a diluição de acordo com cada fabricante (JEPSON, 2010).
Segundo Bauck (1994), infecções por Candida spp. podem ocorrer secundariamente a
outras causas de estase de inglúvio.
O tratamento escolhido foi baseado nos sinais clínicos do paciente e presença de
possível infecção fúngica secundária, devido a presença de alimento em estado
fermentativo. O uso de antifúngico associado a acidificantes é bastante utilizado em casos
de micoses. Embora a Anfotericina B seja um fármaco de escolha no tratamento de
leveduras no trato gastrointestinal por ser fungicida, a Nistatina possui menos efeitos
tóxicos (CARPENTER, 2010), por isso sua escolha.
A Vitamina C funcionou como um acidificante gástrico leve e foi utilizada como
substituto do ácido acético (vinagre de maçã), que normalmente é escolhido em casos de
doenças fúngicas do trato gastrointestinal por promover um bom controle de crescimento
de fungos e bactérias. (DONELEY, 2010).
A Lactulose, embora seja um laxante importante no tratamento de constipação,
aumenta gram-positivas no sistema gastrointestinal (CARPENTER, 2010). Apesar de não
apresentar vômitos ou regurgitação, uso da Metoclopramida foi escolhido por estimular
a motilidade do trato gastrintestinal superior, embora, segundo Doneley (2010), não seja
de uso universal.
Conclusão
Por se tratar de um animal muito jovem, pequeno e por não haver a possibilidade
de coletar amostras para pesquisa por agentes infecciosos, não foi possível fechar o
diagnóstico e descobrir a causa da estase de papo.
Referências
BAUCK, Louise. Mycoses. In: RITCHIE, Branson W. Avian Medicine: Principles and
Application. New Jersey: Wiley–Blackwell, 1994. Cap. 35. p. 997-1006.
CARPENTER, James W. Formulário de Animais Exóticos. 3. ed. São Paulo: Medvet,
2010. 578 p.
DONELEY, Bob. DISORDERS OF THE GASTROINTESTINAL TRACT. In:
DONELEY, Bob. Avian Medicine and Surgery in Practice: companion and aviary
birds. Londres: Manson Publishing, 2010. Cap. 13. p. 156-171.
JEPSON, Lance. Psitaciformes. In: JEPSON, Lance. Clínica de Animais Exóticos. Rio
de Janeiro: Elsevier, 2010. Cap. 5. p. 174-245.
MACWHIRTER, Patricia. Anatomia, fisiologia e nutrição básicas. In: TULLY JUNIOR,
Thomas N. et al. Clínica de Aves. 2. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009. Cap. 2. p. 66-
133.
REAVILL, Drury. The Differential Diagnosis. Association of Avian Veterinarians
Proceedings, West Sacramento, p. 155-161, 2011.
REDIG, Patrick T.; CRUZ-MARTINEZ, Luis. Rapinantes. In: TULLY JUNIOR,
Thomas N. et al (ed.). Clínica de Aves. 2. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009. Cap. 9. p.
464-526.