Estase de Inglúvio em Filhote de Calopsita (Nymphicus Hollandicus)

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Estase de inglúvio em filhote de Calopsita (Nymphicus hollandicus)

Ana Beatriz Lima Firmeza


Gabriela Maria Schwinden
Fernanda Menezes de Oliveira e Silva

Resumo
Aves possuem diversas particularidades anatômicas, sendo uma dessas o inglúvio ou papo,
que se trata de uma dilatação do esôfago. O esvaziamento desse órgão ocorre a partir de
contrações da musculatura lisa. A estase de papo é uma condição de atonia da musculatura
lisa bastante associada a psitacídeos em condição de cativeiro. As causas para a
hipomotilidade são diversas e incluem erros de manejo alimentar, agentes infecciosos e
ingestão de corpos estranhos. Candida spp. são agentes que afetam aves jovens e o
principal órgão é o inglúvio. Esse agente provoca sinais clínicos como regurgitações,
apatia e retardo no esvaziamento do papo e seu diagnóstico se dá através de cultura.
Objetivou-se descrever o caso clínico de um filhote de Calopsita (Nymphicus hollandicus)
pesando 0,02 kg que deu entrada na Clínica Vetlife em Fortaleza/CE no dia 21/02/2023
com estase de papo. O tratamento do paciente consistiu no uso de Nistatina 0,15 ml VO
BID por 5 dias, Lactulose 0,01 ml VO BID por 7 dias, Metoclopramida 0,02 ml diluído
em soro IM BID por 5 dias. Além da lavagem de papo com solução salina 0,9% e vitamina
C, o animal era alimentado por sondagem com Critical Care para aves diluído (papa fina).
Após 5 dias de internamento, e com leve melhora do quadro clínico, o animal veio à óbito.
Palavras-chave: Psitaciformes; Estase; Inglúvio; Micose.

Introdução
O sistema digestório de aves passou por diversos processos evolutivos. O trato
digestório é composto por bico, orofaringe, esôfago, inglúvio, proventrículo, ventrículo,
intestinos, fígado e pâncreas. O Inglúvio, também conhecido como papo é uma dilatação
do esôfago, a qual acumula e amolece alimentos e pode ser palpado pelo lado direito do
pescoço da ave. Seu esvaziamento é feito pelas contrações da musculatura da parede do
órgão pelo estímulo parassimpático (MACWHIRTER, 2009).

A estase de inglúvio é uma condição de atonia da musculatura lisa do papo e é


bastante associada à psitacídeos mantidos em cativeiro, embora possa ocorrer em outras
espécies (JEPSON, 2010).
As causas para a hipomotilidade do papo são diversas e incluem: erros de manejo
alimentar (desidratação, alimento gelado, muito diluído, muito seco e superalimentação),
agentes infecciosos (Candida spp., bactérias, Poliomavírus e Circovírus) e ingestão de
corpos estranhos (C.E.) (DONELEY, 2010; REAVILL, 2011).

Bauck (1994) aponta que Candida spp. afetam bastante as aves jovens e o
principal órgão afetado é o inglúvio, podendo também ser encontrada em ventrículo e
proventrículo. A infecção por esse agente provoca sinais clínicos como regurgitações,
apatia e retardo no esvaziamento do papo. O fungo pode ser a causa primária destes
sintomas ou uma infecção secundária, devido a lesões por estase provocada por outros
fatores.

O papo da ave deve ser observado e palpado. Caso não haja esvaziamento no
período mínimo de 6 horas após a alimentação deve ser feita a lavagem com soro
fisiológico aquecido associada à massagem retrógrada, para evitar condições de
putrefação conhecida como “papo azedo” ou “sour crop” (REDIG e CRUZ-MARTINEZ,
2009).

O diagnóstico da causa é feito a partir dos sinais clínicos e da coleta do material


presente no papo ou fezes e realização de cultura ou coloração por Gram, que poderá
revelar crescimento excessivo de leveduras (JEPSON, 2010).

O tratamento varia de acordo com a causa da estase, mas no geral consiste em:
Correção da diluição da alimentação (JEPSON, 2010). Já para micoses, é feita terapia
antifúngica, normalmente com Nistatina via oral e acidificantes. Para quadros de C.E., é
indicada ingluviotomia para remoção (DONELEY, 2010).
Assim, objetivou-se relatar o caso de um filhote de calopsita com quadro de estase
de papo atendido e internado na Clínica Vetlife na cidade de Fortaleza/CE em fevereiro
de 2023.

Relato de caso
No dia 21 de fevereiro 2023, foi atendido na Clínica Vetlife em Fortaleza/ CE um
filhote de Calopsita (Nymphicus hollandicus) de aproximadamente 10 dias de vida,
pesando 0,02 kg. A tutora relatou que o animal apresentava desenvolvimento retardado
em comparação aos demais filhotes. O animal havia sido alimentado no dia anterior com
3ml de papa para psitacídeos e, mesmo após quase 24 horas desde a última alimentação,
não houve esvaziamento do inglúvio.
A suspeita por parte da médica veterinária responsável foi de estase de inglúvio,
que pode ocorrer por diversos fatores. Devido à idade e porte do animal, não foi possível
realizar a coleta de amostras biológicas para exames complementares. Sendo assim, após
a admissão no internamento, o procedimento inicial foi a remoção do conteúdo alimentar
que já se encontrava em estado fermentativo, seguido de lavagem de papo feita com
solução salina a 0,9% aquecida acrescida de vitamina C.
Para seu tratamento foram estabelecidas as seguintes medicações: Nistatina 0,15
ml VO BID por 5 dias (dose de 750.000 UI/kg), Lactulose 0,01 ml VO BID por 7 dias
(dose de 0,5 mg/kg), Metoclopramida 0,02 ml diluído em soro IM BID por 5 dias (dose
de 0,8 mg/kg). Além das medicações, o manejo do paciente continuou com lavagem de
papo e alimentação 30 minutos após a administração do antifúngico com 2 ml de Critical
Care diluído (papa fina). O paciente foi mantido aquecido com bolsas térmicas durante a
estadia na clínica.
Durante os dias 22/02 e 23/03 o animal se mostrou apático, dormindo bastante e
ainda com atraso de esvaziamento de papo, com alto risco de óbito. No dia 23/02 o
protocolo inicial completo foi realizado, exceto a administração de Metoclopramida.
A partir do dia 24/02 começou a defecar, digerir pouca quantidade de alimento e
se apresentar mais ativo durante o momento de alimentação, mas ainda dormia bastante
durante o dia. Nesse dia o protocolo inicial completo foi realizado. Houve aumento na
dose de Metoclopramida para 0,05ml diluído em soro.
No último relatório médico do dia 25/02, encontrava-se mais ativo, o papo
começou a esvaziar mais rapidamente, mas ainda apresentava certa hipomotilidade. Além
disso, havia sido alimentado 5 vezes e foram feitas duas lavagens do inglúvio. Animal
veio a óbito no dia 26/02 por parada cardiorrespiratória, como consta no relatório médico.

Figura 1: Peso do paciente no dia 25/02/2023.

Figura 2: Papo do paciente parcialmente esvaziado 2 horas após alimentação no dia 25/02/2023.

Discussão
A estase de papo pode ser considerada uma condição multifatorial e o manejo do
paciente depende dos seus sinais e causas, tornando o prognóstico bastante reservado
(DONELEY, 2010).
Jepson (2010) e Doneley (2010) apontaram a alimentação com papa para
psitacídeos diluída em excesso como causas para a hipomotilidade. Sendo possível ser
corrigida facilmente utilizando a diluição de acordo com cada fabricante (JEPSON, 2010).
Segundo Bauck (1994), infecções por Candida spp. podem ocorrer secundariamente a
outras causas de estase de inglúvio.
O tratamento escolhido foi baseado nos sinais clínicos do paciente e presença de
possível infecção fúngica secundária, devido a presença de alimento em estado
fermentativo. O uso de antifúngico associado a acidificantes é bastante utilizado em casos
de micoses. Embora a Anfotericina B seja um fármaco de escolha no tratamento de
leveduras no trato gastrointestinal por ser fungicida, a Nistatina possui menos efeitos
tóxicos (CARPENTER, 2010), por isso sua escolha.
A Vitamina C funcionou como um acidificante gástrico leve e foi utilizada como
substituto do ácido acético (vinagre de maçã), que normalmente é escolhido em casos de
doenças fúngicas do trato gastrointestinal por promover um bom controle de crescimento
de fungos e bactérias. (DONELEY, 2010).
A Lactulose, embora seja um laxante importante no tratamento de constipação,
aumenta gram-positivas no sistema gastrointestinal (CARPENTER, 2010). Apesar de não
apresentar vômitos ou regurgitação, uso da Metoclopramida foi escolhido por estimular
a motilidade do trato gastrintestinal superior, embora, segundo Doneley (2010), não seja
de uso universal.

Conclusão
Por se tratar de um animal muito jovem, pequeno e por não haver a possibilidade
de coletar amostras para pesquisa por agentes infecciosos, não foi possível fechar o
diagnóstico e descobrir a causa da estase de papo.

Referências
BAUCK, Louise. Mycoses. In: RITCHIE, Branson W. Avian Medicine: Principles and
Application. New Jersey: Wiley–Blackwell, 1994. Cap. 35. p. 997-1006.
CARPENTER, James W. Formulário de Animais Exóticos. 3. ed. São Paulo: Medvet,
2010. 578 p.
DONELEY, Bob. DISORDERS OF THE GASTROINTESTINAL TRACT. In:
DONELEY, Bob. Avian Medicine and Surgery in Practice: companion and aviary
birds. Londres: Manson Publishing, 2010. Cap. 13. p. 156-171.
JEPSON, Lance. Psitaciformes. In: JEPSON, Lance. Clínica de Animais Exóticos. Rio
de Janeiro: Elsevier, 2010. Cap. 5. p. 174-245.
MACWHIRTER, Patricia. Anatomia, fisiologia e nutrição básicas. In: TULLY JUNIOR,
Thomas N. et al. Clínica de Aves. 2. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009. Cap. 2. p. 66-
133.
REAVILL, Drury. The Differential Diagnosis. Association of Avian Veterinarians
Proceedings, West Sacramento, p. 155-161, 2011.
REDIG, Patrick T.; CRUZ-MARTINEZ, Luis. Rapinantes. In: TULLY JUNIOR,
Thomas N. et al (ed.). Clínica de Aves. 2. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009. Cap. 9. p.
464-526.

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