Indução Ao Consumo E Os Danos Aos Direitos Da Personalidade Do Ciberconsumidor
Indução Ao Consumo E Os Danos Aos Direitos Da Personalidade Do Ciberconsumidor
Indução Ao Consumo E Os Danos Aos Direitos Da Personalidade Do Ciberconsumidor
Micaela Ribeiro
Zulmar Fachin
Doutor em Direito Constitucional (UFPR). Mestre em Direito das Relações Sociais (UEL). Mestre em Ciência
Política (UEL). Bacharel em Direito (UEM). Licenciado em Letras (Unicesumar). Professor de Direito Constitucional
na Universidade Estadual de Londrina e no Programa de Mestrado e Doutorado da Unicesumar. Coordenador do
Programa de Mestrado Profissional em “Direito, Sociedade e Tecnologias” da Escola de Direito das Faculdades
Londrina. Membro da Comissão Nacional de Estudos Constitucional do Conselho Federal da OAB (2010-2012).
Presidente da Comissão de Estudos Constitucionais da OAB Paraná (2007-2009) Membro do IAP – Instituto dos
Advogados do Paraná, da Liga Mundial de Advogados Ambientalista, do Centro Latinoamericano de Direito
Constitucional (Lima, Peru), da Associação Mundial de Justiça Constitucional (Bogotá, Colômbia). Presidente do
IDCC – Instituto de Direito Constitucional e Cidadania. Tem 19 (dezenove) livros publicados, entre os quais “Curso
de Direito Constitucional” (8ª edição, 2019) e “20 Anos da Constituição Cidadã” (2008). Procurador-Geral do
Município de Londrina (2013-2014), da Universidade Estadual de Londrina (2002) e da Câmara dos Vereadores
de Londrina (2000). Membro eleito da Academia Paranaense de Letras Jurídicas. Advogado. ORCID:
https://orcid.org/0000-0001-5514-5547. E-mail: [email protected].
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INTRODUÇÃO
Ser indivíduo participante de uma coletividade faz com que o consumo seja algo mais
recorrente do que o realmente necessário, sobretudo se considerados os contornos da
sociedade pós-moderna na era digital. Desde o início do século XXI, o comércio já investia em
plataformas digitais de venda, mas foi com a pandemia de COVID-19 que o consumo digital se
tornou ainda mais recorrente.
Não bastasse a necessidade inerente ao ser humano de consumir algo, induzindo-o a
acessar o mundo digital, o comércio eletrônico (E-commerce) também faz uso de
instrumentos persuasivos para convencer o usuário de que realmente precisa adquirir
determinado produto ou serviço e permanecer consumindo. Por meio de tais mecanismos,
como cookies e algoritmos, o comércio tem um certo grau de controle sobre a vontade do
consumidor.
A pesquisa tem por objetivo geral esclarecer se os mecanismos veiculados pelo
marketing para induzir o consumo viola direitos da personalidade. Os objetivos específicos são
estudar a evolução do consumo para o meio digital; os mecanismos utilizados pelo comércio
eletrônico para alavancar e direcionar o consumo; e aferir se as normas jurídicas
acompanharam esse desenvolvimento.
O problema de pesquisa está assim formulado: os instrumentos utilizados pelo
marketing e comércio digital para induzir o consumo podem violar direitos da personalidade?
O estudo considera a hipótese de que os direitos da personalidade são violados
quando a vontade de consumir for manipulada e não um ato de livre escolha. Muito embora
o consumidor tenha a liberdade de escolher entre adquirir ou não algo na internet, o caminho
de acesso a determinado site de compra, muitas vezes, é manipulado pelo comércio digital. A
indução ao consumismo, embora aceito involuntariamente como algo corriqueiro, não
deveria mais fazer parte da rotina do consumidor de uma forma tão invasiva.
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McCUNE (2000) assevera que a internet mudou a relação dos fabricantes com o
consumidor final, eliminando, em algumas situações, os intermediários (lojas de varejo),
agentes de vendas e distribuidores. Com isso, entendem que podem vender diretamente ao
consumidor final.
Em que pese existência da distinção entre o conceito de consumidor tradicional e
ciberconsumidor, não há óbice para que a norma jurídica existente aplicável ao consumidor
tradicional, em especial o Código de Defesa do Consumidor, seja também aplicado ao
ciberconsumidor. Essa assertiva, contudo, não descarta a possibilidade de que um novo
regramento jurídico, ainda mais específico e que garanta maior proteção, seja criado com
enfoque no meio virtual.
Não se deve ignorar, no entanto, as dificuldades as dificuldades que existem para
regular as relações intersubjetivas no ciberespaço (FACHIN, 2021), especialmente no que
tange às relações de consumo. Essas dificuldades, porém, não afastam a necessidade de se
estabelecer um certo grau de regulação das relações de consumo.
Para se reinventar e manter a roda do consumo girando, o comércio fez e ainda faz o
uso de mecanismos que coletam dados dos clientes, como cookies e algoritmos, no intuito de
traçar um perfil de consumo e manter o relacionamento “empresa x consumidor” de forma
continuada. Embora seja algo aparentemente vantajoso, registrar as preferências do usuário
não tem apenas pontos positivos.
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o assunto que o usuário procura, assim é necessário aceitar ou recusar as preferências para
que aquele pop-up deixe de existir e atrapalhar a visualização do conteúdo.
Vale ressaltar, todavia, que, para Bauer (1966), o alvo das agências de publicidade
não é um ser indefeso. O consumidor sabe o que quer e somente se deixa persuadir quando
lhe convém. Dentro dessa perspectiva, tentar convencê-lo através de “vantagens
psicológicas” é legítimo. De acordo com o autor, não se trata de manipular os consumidores,
mas de oferecer-lhes aquilo que desejam e que não necessariamente se limita a elementos
estritamente materiais. A linha de pensamento de Bauer se distingue do momento atual
vivenciado em um imbróglio digital.
Kotler (2012), por sua vez, apresenta um modelo que demonstra os fatores
psicodinâmicos internos e externos que atuam sobre o consumidor, tais como fatores
culturais, sociais, pessoais e psicológicos. Uma necessidade passa a ser um motivo quando
alcança um nível de intensidade suficiente para levar uma pessoa a agir. Três das mais
conhecidas teorias sobre a motivação humana — as de Sigmund Freud, Abraham Maslow e
Frederick Herzberg — trazem diferentes implicações para a análise do consumidor e a
estratégia de marketing.
Sigmund Freud, segundo a interpretação de Kotler (2012), concluiu que as forças
psicológicas que formam o comportamento dos indivíduos são basicamente inconscientes e
que ninguém chega a entender por completo as próprias motivações. Abraham Maslow (1954)
depreendeu que as pessoas tentam satisfazer as mais importantes em primeiro lugar, e depois
vão em busca da satisfação da próxima necessidade.
Frederick Herzberg (1966) desenvolveu a teoria de dois fatores, que distingue os
“insatisfatores” (fatores que causam insatisfação) e os “satisfatores” (fatores que causam
satisfação). Em outras palavras, um manual de instruções de má qualidade não teria utilidade
nenhuma, então seria um insatisfator, enquanto que o satisfator seria, no contexto do
presente estudo, a publicidade direcionada.
Os indivíduos do século XXI, em sua maioria, tendem a escolher o que é mais
confortável e exige-lhes menos esforço para atingi um objetivo, especialmente quando se fala
em comprar. É muito mais conveniente fazer o pedido de alguma refeição por aplicativos de
delivery do que sair para jantar em algum restaurante. Ocorre que, ao longo de diversos
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pedidos, as preferências por determinados estabelecimentos ficam salvas nos apps e podem
ser utilizadas para direcionar as próximas compras.
Além disso, outro meio de controle é a coleta de informações ao longo do acesso a
determinadas páginas da internet por meio dos cookies, que podem ser definidos como
pequenos arquivos baseados em textos fornecidos ao usuário por um site visitado, que ajuda
a identificá-lo para essa página acessada.Também é usado para manter as informações de
estado conforme o usuário navega por diferentes páginas em um site ou retorna a ele
posteriormente. Para Xavier Pacheco (2005, p. 825), os cookies são textos colocados no
navegador do usuário.
Vale ressaltar que, embora ainda seja permitido o uso de cookies, é necessário que o
website disponha de forma expressa quais tipos de cookies utilizam, especialmente os de
publicidade e, ainda, faculte ao internauta a opção de aceitar ou rejeitar o uso.
Não parece adequado lançar uma informação genérica como a de que “ao clicar em
‘Aceitar todos os cookies’, o usuário concorda com o armazenamento de cookies no seu
dispositivo para melhorar a navegação no site, analisar a utilização do site e ajudar nas nossas
iniciativas de marketing”. Em casos assim, deve-se disponibilizar ao internauta a opção de
rejeitar tal armazenamento ou a possibilidade de analisar as opções.
É importante salientar que as informações genéricas disponibilizadas pelo site fazem
com que o usuário aceite o direcionamento de marketing sem mesmo se atentar ao que de
fato aceitou. Assim, uma navegação diária em sítios eletrônicos que deveria ser algo acessível,
simples e prazeroso, torna-se algo estressante em razão da quantidade colossal de anúncios
direcionados que surgem na tela, tornando muitas vezes o uso da internet algo desagradável.
O espaço virtual e as redes sociais proporcionam maior sintonia do ciberconsumidor
com o mercado, facilitando o contato entre eles enquanto buscam estar constantemente
conectados e produzindo informação. Essa facilidade, no entanto, nem sempre deve ser vista
com bons olhos. Nem toda evolução é positiva. Nem toda tecnologia é confiável. Esta não é
dotada de autonomia e pode implicar em erros e, por consectário, em danos ao usuário.
O uso de algoritmos pelo mercado, em alguns casos, pode incorrer na discriminação
do consumidor. É o caso da discriminação geográfica ocasionada pelo geopricing e pelo
geoblocking. Isto significa que a plataforma digital identifica a origem geográfica do
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Em princípio, deve-se reconhecer que consumir pode ser percebido como um ato para
suprir determinadas necessidades de sobrevivência e convivência na sociedade, como
alimentação, vestuário e moradia. Todavia, há tempos o consumo deixou de ser apenas o
atendimento às necessidades básicas de sobrevivência para se tornar um preenchimento de
desejos. Nesse item, será analisado como o consumo pode ser desenfreadamente manipulado
pelo marketing, unicamente para suprir os desejos e não mais as necessidades do ser humano.
Há diversas teorias que esmiúçam o comportamento do consumidor, dentre elas, as
mais importantes são a teoria econômica e a teoria behavorista. A teoria econômica dispõe
que toda compra envolve uma escolha do consumidor e este, por sua vez, tenta extrair o
máximo de retorno possível dos recursos gastos (SIMON, 1955)1. Em outras palavras, o que se
retira da compra equivale à sua utilidade para o comprador e não ao valor do objeto.
ParaSamir Alves Daura (2018)2, a obtenção em nível máximo da utilidade decorreria
da habilidade do consumidor em se organizar e “estabelecer escolhas apropriadas ao seu
próprio interesse, de acordo com uma capacidade computacional garantidora da melhor
1
SIMON, H. A. A behavioral model of rational choice. The Quarterly Journal of Rational Choice, Oxford, v. 69, n.
1, p. 99-118, fev. 1955.
2
DAURA, S. A. Behavioral economics e direito do consumidor: novas perspectivas para o enfrentamento do
superendividamento. Rev. Bras. Polít. Públicas, Brasília, v. 8, n. 2, p. 567-598, 2018.
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tomada de decisão, dentre todas as alternativas existentes”. Desse modo, enquanto a teoria
econômica trata do consumidor racional, a teoria behaviorista substitui o homem racional por
um ser moldado pelo ambiente por intervenção de estímulos, recompensas e punições
(WATSON, 1971). Estes são propiciados pelo meio e constroem a organização do
comportamento do usuário, independentemente de qualquer processo interno, racional ou
não.
Longe de avaliar sistematicamente as opções que lhe são oferecidas, o consumidor
apenas aprende, como um animal condicionado, a responder, favoravelmente ou não, a
determinados estímulos. Seu comportamento é governado por fatores que escapam ao seu
controle; que podem ser identificados e, eventualmente, manipulados por cientistas
(CHAUVEL, 1999).
A utilidade do produto ou serviço deixou de bastar, abrindo espaço para que a
satisfação não só das necessidades, mas também dos desejos seja algo maximizado pelos
consumidores (BENNETT; KASSARJIAN, 1975, p.24). Passa-se a viver em uma sociedade de
controle em que o convívio social é reduzido, e a maior parcela do tempo é gasta consumindo.
Quando se fala em consumo no meio virtual, não se limita a compras específicas no e-
commerce. Fala-se, principalmente, do consumidor bystander, que não necessariamente
adquire diretamente um produto, mas trafega na rede de forma aparentemente gratuita e faz
uso do que é oferecido pela mídia, como é o exemplo das redes sociais.
Essa manipulação da autonomia do consumidor no ambiente das novas tecnologias,
com constante violação da sua privacidade, pode elevar o consumidor digital – aquele que
“concorda” com apenas um click com as políticas de privacidade das plataformas, sites e
aplicativos digitais – à condição de consumidor hipervulnerável (VERBICARO, 2020).
Não se sabe até que ponto o ciberconsumidor está protegido. Sabe-se, contudo, que
o limite se identifica quando os padrões ético-constitucionais de convivência de mercado de
consumo são violados ou, ainda, quando contraria o próprio sistema difuso de normas, legais
e regulamentares, de proteção do consumidor. Nesse contexto, potencializam-se as
possibilidades de violação de direitos da personalidade.
Os direitos da personalidade, no entendimento de Carlos Alberto Bittar (2015, p. 37),
são direitos reconhecidos à pessoa humana, tomada em si mesma e em suas projeções na
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consumo que prometem auxiliar na confiança do consumidor para enfrentar esse desafio de
adequação.
Na era atual das redes sociais, está o intercâmbio de informações pessoais. Os usuários
ficam felizes por revelarem detalhes íntimos de suas vidas pessoais e por compartilharem
fotografias. Esse compartilhamento se mostra preocupante, visto que, por uma necessidade
de inclusão na sociedade, os consumidores abrem mão de direitos da personalidade. Nesse
sentido, o poder de decisão do consumidor está evidentemente afetado pela mídia
manipuladora. Muito embora ainda tenha a liberdade de escolher, o caminho que o
consumidor percorre até chegar ao fim da compra não é por livre-arbítrio. Os anúncios de
determinado produto que aparecem na tela durante a navegação em determinado site, de
certo modo, é traçado de forma manipuladora para induzir o ato de consumir.
Niklas Luhmann (2005, p. 83) assevera sobre a manipulação pela publicidade:
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4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Fazer parte da sociedade pós-moderna, imersa no mundo digital, traz facilidades
incalculáveis. Em contrapartida, esse preço pode ser mais caro do que se pode ter ideia. Seria
equívoco acreditar que tais facilidades integrariam o cotidiano das pessoas sem nenhuma
compensação ou consequência.
A quarentena ocasionada pela recente pandemia expandiu o acesso à internet e à
tecnologia. Por consectário, enquanto se via no conforto de sua casa, com acesso a
mecanismos de compra com apenas alguns “clicks”, o consumidor rendeu-se aos encantos do
consumo virtual por acreditar que diversas facilidades lhe seriam disponibilizadas sem custo
algum.
O ser humano passou a viver em uma sociedade na qual as necessidades básicas não
são mais a única justificativa para o consumo. Suprir desejos e necessidades fictícias impostas
pela própria sociedade do consumo passa a ser a base para o consumo. É a essa realidade que
a proteção ao direito do consumidor deve se adaptar.
Com o intuito de facilitar e agilizar a rotina das pessoas, ao longo dos anos, os estudos
na área de tecnologia se aperfeiçoaram. O que não se esperava eram as infinitas possibilidades
que a revolução da inteligência artificial proporcionaria, bem como os seus impactos na rotina
do ser humano, principalmente, do consumidor moderno.
A inteligência artificial, alimentada por algoritmos, auxilia na coleta e análise de
dados armazenados para a criação de um perfil padronizado do ciberconsumidor. Atingido
determinado padrão de consumo, a publicidade é direcionada de modo a induzir o
consumidor a acreditar que precisa adquirir determinado produto para fazer parte do
desenvolvimento da sociedade e se sentir acolhido pelos demais integrantes da coletividade.
Embora no ordenamento jurídico brasileiro existam normas aplicáveis ao consumo
virtual, não se sabe com certo grau de precisão até qual ponto o ciberconsumidor está
protegido. O que se sabe é que há um limite que não pode ser ignorado e que traça uma linha
entre os padrões ético-constitucionais de convivência de mercado de consumo e a proteção
do consumidor.
Estudaras relações de consumo na sociedade atual, principalmente no meio virtual,
traz à tona a ideia de que embora o comércio faça o uso de mecanismos indutores ao
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