Contablidade Vs Fiscalidade
Contablidade Vs Fiscalidade
Contablidade Vs Fiscalidade
A adoção das normas internacionais de contabilidade e a sua relevância na determinação do lucro tributável
Contabilidade vs Fiscalidade:
A adoção das normas internacionais de contabilidade e a sua
relevância na determinação do lucro tributável
Universidade do Porto
Faculdade de Direito
Mestrado em Direito
Ciências Jurídico-Económicas
Julho de 2013
Resumo
Abstract
The adaptation of the rules for determining taxable profit to the accounting framework
resulting from the adoption of international accounting standards and related interpretations,
under Article 3 of Regulation (EC) No. 1606/2002 of the European Parliament and of the
Council of 19 July 2002, as well as from the approval of national accounting standards
convergent with that frame of reference, determined the modification of the Corporate Income
Tax Code, through Decree-Law No. 159/2009 of 13 July. In this context, this dissertation fits
the adoption of international accounting standards and the approval of internal accounting
standards convergent with that frame of reference within the evolution of accounting standard
setting at international level, in the European Union and in Portugal, further analysing the
corresponding relevance in determining taxable profit, given the partial dependency model in
the relationship between accounting and business taxation.
Sumário
Introdução................................................................................................................................... 1
I – As relações entre a contabilidade e a fiscalidade .................................................................. 4
1 – Colocação do problema .................................................................................................... 5
2 – As principais correntes doutrinais .................................................................................... 7
3 – A relação entre a contabilidade e a fiscalidade em Portugal .......................................... 10
3.1 – Perspetiva histórica ................................................................................................. 10
3.2 – O modelo de dependência parcial na atual legislação fiscal portuguesa................. 12
3.2.1 – A Constituição da República Portuguesa e a lei geral tributária ...................... 12
3.2.2 – O Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas .................. 14
II – Os esforços de harmonização contabilística ...................................................................... 16
1 – A necessidade de harmonização contabilística .............................................................. 17
2 – Os esforços de harmonização contabilística a nível mundial/internacional ................... 19
2.1 – International Accounting Standards Board (IASB) ................................................ 21
2.1.1 – Génese e estrutura ............................................................................................ 21
2.1.2 – Breve caracterização das normas internacionais de contabilidade................... 23
2.1.3 – A Estrutura conceptual ..................................................................................... 25
2.1.4 – O contributo do IASB na harmonização contabilística internacional .............. 27
III – O processo de harmonização contabilística ao nível da União Europeia ......................... 29
1 – Notas preliminares .......................................................................................................... 30
2 – As diretivas contabilísticas comunitárias ....................................................................... 31
3 – Reflexões da UE sobre a sua estratégia de harmonização contabilística ....................... 33
3.1 – “Nova Estratégia Contabilística” ............................................................................ 33
3.2 – Comunicação COM(2000) 359, de 13 de junho de 2000 ........................................ 34
4 – O Regulamento (CE) n.º 1606/2002 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 19 de
julho ...................................................................................................................................... 37
4.1 – O mecanismo de endosso das normas internacionais de contabilidade .................. 38
5 – Evolução do processo de adoção das NIC após o Regulamento (CE) n.º 1606/2002 .... 41
6 – As diretivas mais recentes em matéria contabilística ..................................................... 44
6.1 – A Diretiva 2003/51/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 18 de junho ... 44
6.2 – A Diretiva 2012/6/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 14 de março .... 45
6.3 – A Diretiva 2013/34/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho ... 46
Lista de tabelas
Abreviaturas
Introdução
Introdução
Capítulo I
1 – Colocação do problema
1
Curiosamente, a este respeito FERNANDES FERREIRA (1997, pp. 83-84) sublinha que «Nem sempre tem existido
convergência entre a contabilidade e a fiscalidade e muitos até afirmam não ser isso possível porque divergentes
são os fins dos respetivos apuramentos. A nossa opinião hoje é diferente: entende-se que são motivos
pragmáticos e não de ciência que provocaram as atuais divergências. A necessidade de acautelar a receita fiscal
perante arbítrios do seu apuramento, quer por vícios, quer por desacertos de natureza conceptual na fixação das
regras ou na interpretação dos textos legais e princípios técnicos adotados trouxe afastamentos e desfasamentos
inconvenientes que devem ser combatidos. Se a fiscalidade pretende apurar e tributar o lucro real, esse é
igualmente o objetivo da contabilidade. Se divergências existem é porque se carece de elaboração doutrinal
suficiente e de sinceridade na prestação das contas, situação de transição que deve culminar no apuramento de
um lucro fiscal cuja preocupação não seja reduzir o imposto mas sim propiciar a verdade do lucro».
resultado da intensificação quer da influência dos mercados de capitais quer das tendências de
harmonização dos normativos contabilísticos.
Concomitantemente, este debate em torno da relação entre a contabilidade e a
fiscalidade tem suscitado recentemente atenção acrescida, mercê da ocorrência de diversos
escândalos contabilísticos, com particular incidência nos Estados Unidos da América (EUA).
Porém, as conclusões têm sido divergentes.
Nos EUA, alguns autores exigem uma maior ligação entre contabilidade e fiscalidade,
no sentido de limitar as possibilidades de recurso a regimes de fiscalidade privilegiada e
aumentar a transparência e simplicidade das normas para efeitos de tributação, ou, ainda, um
acréscimo das regras de divulgação que permitam explicitar as diferenças entre os resultados
contabilístico e fiscal. No mesmo sentido, em países como a Holanda, a Irlanda e o Reino
Unido, existe um movimento no sentido de um maior alinhamento entre a contabilidade e a
fiscalidade. Pelo contrário, em países onde impera uma abordagem mais tradicional – como a
Alemanha, a França, a Áustria, a Suécia e a Espanha – encontramos uma tendência para
introduzir uma maior autonomia na fiscalidade.2
2
Para maiores desenvolvimentos sobre as previsíveis tendências na evolução das relações entre a contabilidade e
a fiscalidade em diversos Estados-membros da União Europeia, v. ESSERS e RUSSO (2009, pp. 38-43).
De uma forma geral, admite-se, no essencial, a existência das seguintes três grandes
correntes doutrinais quanto às relações entre a contabilidade e a fiscalidade:
a) Subordinação da fiscalidade à contabilidade, traduzindo-se na aceitação do
resultado contabilístico (accounting profit ou pretax profit) para efeitos de
tributação, sem correções extracontabilísticas de relevo para a determinação do
lucro tributável (taxable profit);
b) Subordinação da contabilidade à fiscalidade, em que a determinação do
resultado contabilístico é fortemente influenciada pelos normativos fiscais,
sendo as demonstrações financeiras elaboradas com o escopo essencial de
satisfazer exigências de ordem tributária, com eventual prejuízo na imagem
verdadeira e apropriada da situação financeira e dos resultados das operações3;
c) Autonomia entre a contabilidade e a fiscalidade, em termos absolutos ou
relativos (neste último caso, entendendo-se o resultado contabilístico como o
ponto de partida para a determinação do lucro tributável, sendo as divergências
entre este e aquele tratadas a nível extracontabilístico nas declarações fiscais).
Numa outra sistematização tripartida destas relações, CASTRO TAVARES4 apresenta três
modelos distintos: um modelo de “dependência total”, no qual o lucro tributável assume, pura
e simplesmente, o rendimento que emerge do balanço comercial; outro modelo de “total
autonomia”, no qual o apuramento do lucro tributável é exaustivamente regulado pelos
preceitos fiscais; e um último modelo de “dependência parcial”, no qual o resultado
contabilístico é assumido como o ponto de partida para a determinação do lucro tributável,
mas sujeito a ajustamentos extracontabilísticos.
Em sentido semelhante, MASTELLONE5 distingue os seguintes modelos:
a) Aplicação integral do princípio de dependência entre a contabilidade e a
fiscalidade (modelo monorail ou single track), sendo que as jurisdições que
adotam este modelo geralmente conferem às respetivas autoridades fiscais uma
3
Segundo HENDRIKSEN (1991), as regras fiscais têm tido um efeito negativo acerca da teoria e princípios
contabilísticos. Efetivamente, o facto de a contabilidade da maioria das empresas ser elaborada com base nos
preceitos e normas de legislação fiscal, que nem sempre se baseiam em critérios contabilísticos corretos, dificulta
a adoção prática de princípios contabilísticos adequados para a prossecução do objetivo de relato da imagem
verdadeira e apropriada e limita, inclusive, a evolução dos mesmos.
4
Cfr. CASTRO TAVARES (1999, pp. 47-61).
5
Cfr. MASTELLONE (2011, pp. 241-242).
6
Numa perspetiva igualmente dicotómica, AGUIAR (2003, pp. 39-44) distingue entre dois grandes modelos: o
modelo de desconexão, caracterizado essencialmente pela inexistência de uma conexão formal entre a base
tributável e o resultado contabilístico; e o modelo de alinhamento ou dependência, no qual a lei fiscal estabelece
uma conexão formal entre o processo de apuramento da base tributável e o lucro apurado para efeitos
comerciais. Este último modelo pode ainda divergir em três variantes: sistema de conexão formal com receção
simples do lucro comercial; sistema de conexão formal com regulação parcial da contabilidade comercial pelo
direito fiscal; sistema de conexão formal com ajustamento extracontabilístico do lucro comercial.
7
Cfr. ESSERS e RUSSO (2009, p. 32).
Aliás, à luz do referido referencial e tendo por base um estudo de ENDRES [et al.]8, os
mesmos autores sistematizam da seguinte forma as relações entre a contabilidade e a
fiscalidade da grande maioria dos Estados-membros (EM) da União Europeia (UE):
8
Cfr. ENDRES (ed.), The Determination of Corporate Taxable Income in the EU Member States, Kluwer Law
International, 2007, pp. 159-168. De notar que os sistemas contabilísticos e fiscais da Estónia, da Bulgária e da
Roménia não são analisados nesse estudo.
9
Sobre a competência deste tribunal em relação às normas de contabilidade de cada Estado-membro v.
SALDANHA SANCHES (2006, pp. 189-190).
Entre nós, a relação entre a contabilidade e a fiscalidade sempre se assumiu como uma
de autonomia, embora esta autonomia possa ser caracterizada como relativa e seja possível
encontrar exemplos vários de proximidade significativa entre ambas10.
Com efeito, já no artigo 22.º do Código da Contribuição Industrial (CCI)11 se fazia
referência a esta relação da seguinte forma: «O lucro tributável reportar-se-á ao saldo relevado
pela conta de resultados do exercício ou de ganhos e perdas, elaborada em obediência a sãos
princípios de contabilidade, e consistirá na diferença entre todos os proveitos ou ganhos
realizados no exercício anterior àquele a que o ano fiscal respeitar e os custos ou perdas
imputáveis ao mesmo exercício, uns e outros eventualmente corrigidos nos termos deste
Código»; estabelecendo, ainda, que «As empresas organizarão a sua escrita de modo que os
resultados das atividades sujeitas ao regime geral da contribuição industrial possam
claramente distinguir-se dos das restantes».
Mais, segundo FERNANDES FERREIRA12, «A Reforma Fiscal da década de sessenta foi
um importante marco da evolução da Contabilidade e da Fiscalidade em Portugal. Antes da
anterior Reforma da Fiscalidade, a contabilidade estava dela ausente. Hoje é a base para a
tributação dos rendimentos e da despesa (IVA)».13
Apesar da já então evidente referência a princípios de contabilidade, apenas podemos
falar da existência de um verdadeiro normativo contabilístico com a publicação do primeiro
Plano Oficial de Contabilidade (POC), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 47/77, de 7 de
fevereiro14. Aliás, como refere LÉRIAS, este POC «surgiu impulsionado pelas necessidades de
informação para tributação das empresas na cédula da Contribuição Industrial, relativamente à
10
Trata-se, assim, de uma solução «de compromisso», cfr. ORDRE DES EXPERTS COMPTABLES ET DES
COMPTABLES AGRÉÉS (OECCA), Comptabilité et fiscalité, Paris, 1980, p. 39, Cit. por FREITAS PEREIRA (1988,
p. 54).
11
O Código da Contribuição Industrial (CCI), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 45103/63, de 1 de julho, insere-se
na Reforma Fiscal dos Anos 60 e estabelecia no seu artigo 6.º três grupos para efeitos de tributação: os Grupos A
(com tributação incidente nos lucros efetivamente obtidos pelos contribuintes e determinados através da
respetiva contabilidade); B (com tributação sobre os lucros que presumivelmente os contribuintes obtiveram); e
C (com tributação baseada nos lucros que os contribuintes normalmente poderiam ter obtido).
12
Cfr. FERNANDES FERREIRA (2002, p. 244).
13
Com efeito, o papel da contabilidade não se esgota no âmbito dos impostos sobre o rendimento, sendo de
referir, em sede de tributação do consumo, o artigo 44.º n.º 1 do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado
(CIVA).
14
Este POC foi aplicável a partir de 1 de janeiro de 1978 à generalidade das empresas do grupo A da
Contribuição Industrial (cfr. art.º 5.º do Decreto-Lei n.º 47/77, de 7 de fevereiro).
qual o Código de 1963 definia que “se mostra agora dominada pela preocupação de atingir o
mais proximamente possível o rendimento real dos contribuintes”, privilegiando “a tributação
incidente nos lucros efetivamente obtidos pelos contribuintes, e determinados através da sua
contabilidade”».15
Todavia, de entre os muitos trabalhos apresentados como contributo para o processo
de normalização contabilística em Portugal até à publicação do referido normativo, são de
destacar dois apresentados pelo Ministério das Finanças, que foram conotados como “planos
fiscalistas” em virtude da evidente ligação que pretendiam promover entre a contabilidade e a
fiscalidade: o “Ante-Projeto de Plano Geral de Contabilidade”16 e o relatório intitulado
“Normalização Contabilística - I Fase”, este último publicado em finais do ano de 1975 e
elaborado pela comissão constituída em novembro de 1974 para o estudo da normalização
contabilística das empresas e nomeada por despacho do Secretário de Estado do Orçamento,
de 27 de fevereiro de 197517.
O referido despacho referia no seu preâmbulo que: «De há muito se faz sentir a
necessidade de um plano de contas normalizado que permita analisar e comparar, de um modo
consistente, as situações patrimoniais e as demonstrações de resultados anuais das empresas.
Para além de uma uniformidade de conceitos e de designações das diferentes contas que
integram os documentos básicos contabilísticos, impõe-se também a adoção de sãos critérios
de contabilidade que deem aos elementos apresentados pelas empresas o grau de confiança e a
transparência de conceitos indispensáveis para uma generalidade e confiante apreciação, não
só dos seus sócios e trabalhadores mas também do público em geral, interessado pelo
desenrolar da vida económica e financeira do país. Paralelamente, sob o ponto de vista
tributário, a adoção de uma normalização contabilística também oferece inúmeras vantagens
tornando mais eficiente e, nalguns casos, menos controversa a missão do fisco18. Por esse
motivo se justifica que no Programa de Política Económica e Social, há pouco divulgado pelo
Governo Provisório, se refira especificamente, entre o conjunto de medidas a adotar para um
mais eficiente combate à evasão fiscal, a “adoção de planos de contas normalizados para as
empresas” (…)».
15
Cfr. LÉRIAS (2012, P. 77).
16
Este documento foi elaborado por uma Comissão de Estudos do Plano constituída por ex-técnicos da então
Direção-Geral das Contribuições e Impostos (DGCI) e publicado nos Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal n.º
108, Centro de Estudos Fiscais da DGCI, 1973.
17
Publicado no Diário do Governo, 2ª série, n.º 65, de 18 de março de 1975.
18
O sublinhado é nosso.
19
Cfr. ponto 10 do preâmbulo do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (CIRC),
aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442-B/88, de 30 de novembro.
20
Para uma caracterização e comparação dos conceitos de tributação do rendimento normal e tributação do
rendimento real, v. XAVIER DE BASTO (2001, pp. 9-11).
21
Embora SALDANHA SANCHES (2007b, p. 371) defenda a utilização da contabilidade no processo de
quantificação do lucro real das empresas, por contraposição à tributação segundo o lucro normal, o autor não
deixa de alertar para as limitações do recurso aos métodos contabilísticos na determinação do lucro exato de uma
empresa. No seu entender, «O lucro real deve, por isso, ser considerado um conceito normativo que corresponde
a uma valoração do legislador (o meio mais adequado para a distribuição dos encargos tributários). Só pode ser
alcançado se forem usados os meios mais idóneos para a sua determinação, tal como foram formulados pela
prática contabilística».
22
Para um conceito amplo de empresa na delimitação do alcance subjetivo do princípio constante do artigo 104.º
n.º 2 da CRP, v., por todos, XAVIER DE BASTO (2001, pp. 5-9).
23
Cfr. artigos 87.º a 89.º da lei geral tributária (LGT).
24
Cfr. FERNANDES FERREIRA (1997, p. 323).
25
Cfr. XAVIER DE BASTO (2001, p. 12).
26
Cfr. FREITAS PEREIRA (1990, p. 127). Efetivamente, foram reconhecidas as limitações da conceção do
rendimento sob a perspetiva da teoria da fonte ou do rendimento produto – consagrada legislativamente através
dos chamados impostos parcelares ou cedulares sobre o rendimento –, porquanto, ao não incluir os ganhos e
perdas de capital e os rendimentos ocasionais não derivados da atividade normal, excluía da base de tributação
componentes relevantes na aferição da capacidade contributiva. Para uma caracterização completa da teoria do
incremento patrimonial ou do rendimento acréscimo, v., por todos, FREITAS PEREIRA (1990, p. 128-132).
27
Em alguns casos – v.g. no tratamento fiscal dos instrumentos financeiros – tem vindo a ser utilizada pelo
legislador ainda a denominada teoria do rendimento de mercado. Sobre esta teoria, v. TEIXEIRA (2010, p. 86).
28
Cfr. ponto 5 do preâmbulo do CIRC.
29
Estas correções traduzem-se normalmente em ajustamentos extracontabilísticos que permitem o apuramento
do lucro tributável a partir do resultado contabilístico e concretizam-se atualmente, em sede de IRC, no Quadro
07 da declaração de rendimentos Modelo 22.
30
Cfr. AGUIAR (2003, p. 44).
31
O SNC foi aprovado pelo Decreto-Lei n.º 158/2009, de 13 de julho, sendo objeto de uma análise mais
aprofundada no Capítulo IV.
32
Cfr. preâmbulo do Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de julho.
Capítulo II
33
Cfr. CRAVO [et al.] (2009, p. 19).
34
Cfr. TAS e ZANDEN (2009, p. 2).
35
Desde 1973, este organismo encontra-se incumbido do estabelecimento das normas de contabilidade
financeira que orientam a preparação das demonstrações financeiras das entidades privadas, sendo estas normas
reconhecidas pela Securities and Exchange Commission (SEC) e pelo American Institute of Certified Public
Accountants (AICPA).
36
Este documento pode ser consultado no site do FASB na Internet, através do seguinte endereço:
http://www.fasb.org/cs/ContentServer?c=Document_C&pagename=FASB%2FDocument_C%2FDocumentPage
&cid=1218220086560 [Consultado em 29 de julho de 2013] (versão em inglês).
37
O teor deste memorando de entendimento (e das respetivas atualizações) pode ser consultado no site do FASB
na Internet, através dos seguintes endereços [Consultados em 29 de julho de 2013] (versões em inglês):
http://www.fasb.org/cs/ContentServer?c=Document_C&pagename=FASB%2FDocument_C%2FDocumentPage
&cid=1176156245558
http://www.fasb.org/cs/ContentServer?c=Document_C&pagename=FASB%2FDocument_C%2FDocumentPage
&cid=1175801856967
http://www.fasb.org/cs/ContentServer?c=Document_C&pagename=FASB%2FDocument_C%2FDocumentPage
&cid=1176156953931
38
O IASB e o FASB publicaram três relatórios de progresso em abril, junho e novembro de 2010. No último
relatório de progresso, publicado em abril de 2011, o IASB e o FASB identificaram os projetos conjuntos
prioritários e acordaram a extensão do calendário de trabalho para além de junho de 2011. Em abril de 2012,
publicaram uma nota de atualização conjunta sobre a matéria de convergência contabilística, na qual lamentam
os atrasos na conclusão de alguns dos projetos, mas reconhecem a sua inevitabilidade a fim de garantir que os
resultados obtidos sejam operacionais e conducentes à melhoria efetiva do relato financeiro.
39
Com efeito, no início da década de 90, iniciou-se a discussão sobre o reconhecimento mútuo dos normativos
contabilísticos dos EUA e da Europa, sendo que os primeiros insistiram na sua recusa em aceitar num plano de
igualdade a informação financeira baseada noutros normativos contabilísticos, mantendo a exigência de
reconciliação das demonstrações financeiras para os US GAAP.
40
Cfr. SEC, Acceptance From Foreign Private Issuers Of Financial Statements Prepared In Accordance With
International Financial Reporting Standards Without Reconciliation To US GAAP, RIN 3235-AJ90, Federal
Register, Vol. 73, No. 3, Friday, 4 Jan. 2008, também disponível para consulta na Internet em:
http://www.sec.gov/rules/final/2007/33-8879.pdf [Consultado em 29 de julho de 2013].
41
Em 7 de agosto de 2007, a SEC publicou o documento “Concept Release On Allowing U.S. Issuers To
Prepare Financial Statements In Accordance With International Financial Reporting Standards” com o intuito
de auscultar a opinião pública sobre esta possibilidade. Disponível para consulta na Internet em:
http://www.sec.gov/rules/concept/2007/33-8831.pdf [Consultado em 29 de julho de 2013].
42
Cfr. “Roadmap for the Potential Use of Financial Statements Prepared In Accordance With International
Financial Reporting Standards by U.S. Issuers”, disponível para consulta na Internet em:
http://www.sec.gov/rules/proposed/2008/33-8982.pdf [Consultado em 29 de julho de 2013].
posição corrente acerca de normativos contabilísticos globais, deixando clara a sua convicção
de que os investidores norte-americanos beneficiariam de um normativo contabilístico de
elevada qualidade globalmente aceite43. Nessa conformidade, apesar de reconhecer que o
referencial contabilístico do IASB é aquele que se encontra melhor posicionado para cumprir
essa função no mercado dos EUA, a SEC continua a incentivar a convergência entre os US
GAAP e aquele normativo e apresenta uma série de preocupações a ter em consideração no
decurso do processo de avaliação das NIC do IASB e da forma como as mesmas poderão ser
incorporadas no sistema de relato financeiro das sociedades norte-americanas.
43
Cfr. “Commission Statement in Support of Convergence and Global Accountiung Standards”, disponível para
consulta na Internet em: www. http://www.sec.gov/rules/other/2010/33-9109.pdf [Consultado em 29 de julho de
2013].
44
Esta organização, sedeada em Nova Iorque, congrega 157 membros e associados em 123 países e jurisdições,
entre associações de contabilidade nacionais e outros grupos com interesse nas questões contabilísticas.
45
Efetivamente, foram aderindo ao IASC não só associações profissionais de países da Europa, tais como Itália,
Dinamarca, Suécia e Noruega, mas também outras sedeadas em países como Nigéria, África do Sul, Zimbabué,
China, Singapura, Hong Kong, Malásia, Coreia, Índia, Sri Lanka, Paquistão, Jordânia e Nova Zelândia. Assim,
em 2000, o IASC agregava mais de 150 associações profissionais de contabilidade de mais de 110 países e
possuía o apoio da International Federation of Accountants (IFAC).
46
Segundo RODRIGUES (2005, p. 22) esta alteração de denominação envolve uma mudança de fundo: «enquanto
a denominação IAS abrange apenas a Contabilidade, a denominação IFRS passa a abranger o Relato Financeiro.
(…) pretende-se enfatizar a importância do relato financeiro e não meramente o tratamento de aspetos
contabilísticos».
47
Assim, na presente dissertação é utilizada indistintamente a designação NIC quando nos referimos às
International Accounting Standards (IAS) ou às International Financial Reporting Standards (IFRS), exceto
quando a distinção se mostre indispensável, até porque, em regra, o legislador não distingue entre as duas
tipologias.
Foundation)48, corporação sem fins lucrativos, sedeada nos EUA e incumbida da sua
supervisão e financiamento, bem como da nomeação dos seus membros.
O IASB é atualmente constituído por 15 membros independentes a tempo inteiro –
nomeados pelas suas competência profissional e experiência prática, tendo em vista “agregar”
a melhor combinação possível de conhecimento técnico, diversidade de negócios
internacionais e experiência de mercados – e o seu processo de trabalho passa pela emissão de
Documentos de Debate (Discussion Papers) e Projetos de Normas (Exposure Drafts) sobre
cada temática principal, sujeitando-os a debate antes da efetiva produção de uma IFRS49.
Pese embora seja intenção do IASB desenvolver normas de contabilidade que relatem
os fenómenos económicos independentemente de qualquer sistema legal, é indiscutível que as
suas normas evidenciam uma óbvia influência da perspetiva anglo-saxónica, em particular do
sistema legal anglo-saxónico. Desde logo, destaque-se que na origem da iniciativa de criação
do IASC estiveram associações de profissionais de contabilidade do Canadá, do Reino Unido,
da Irlanda e dos EUA, países com tradição no desenvolvimento de normativos contabilísticos
baseados nas “boas práticas” e, como tal, conceptualmente assentes em princípios gerais.
Esta abordagem tendencialmente pragmática é igualmente patente nas NIC e traduziu-
se na produção de normas dirigidas a temáticas específicas, à semelhança do que acontece no
Reino Unido e nos EUA. Nesse contexto, as NIC são normas extensas e abrangem não só as
regras propriamente ditas, mas também a sua explicação e orientações para a sua
implementação, o que representa uma abordagem diversa daquela que se encontra no direito
positivo da Europa continental, no qual as leis e os regulamentos são criados no âmbito de um
sistema integrado e as explicações e orientações não são incluídas no texto da norma.
Cada IAS ou IFRS apresenta a mesma estrutura organizativa em relação ao
correspondente tópico ou assunto. Assim, a norma inclui uma primeira parte destinada a
48
Designada de International Accounting Standards Committee Foundation (IASC Foundation) anteriormente a
1 de julho de 2010, a IFRS Foundation conta atualmente com 22 trustees, selecionados não só com base nas suas
competência técnica e experiência profissional, mas também na sua origem geográfica de encontro aos limites
que se encontram definidos no seu ato constitutivo: um máximo de seis da América do Norte, seis da Europa,
seis da região de Ásia/Oceânia, um de África, um da América do Sul e dois do resto do mundo.
49
De forma semelhante, o International Financial Reporting Interpretations Committee emite Projetos de
Interpretações (Draft Interpretations) sujeitos a debate antes da emissão de cada IFRIC e reúne publicamente
com o IASB, sendo os registos dessas reuniões públicos. Já no que respeita ao SAC, este tem apenas um papel
de aconselhamento e, tal como a IFRS Foundation, não pode intervir no conteúdo das IFRS e das IFRIC.
50
Cfr. FEE, Comparative Study on conceptual Accounting Frameworks in Europe, May 1997, Avenue
d’Auderghem, 22-28/8, B-1040 Brussels, Cit. por TAS e ZANDEN (2009, p. 11).
51
Esta imagem verdadeira e apropriada é de resto igualmente um objetivo consagrado na Quarta Diretiva
comunitária (Diretiva 78/660/CEE do Conselho, de 25 de julho de 1978), tendo posteriormente sido transposto
para a legislação nacional de cada Estado-membro, como aliás teremos oportunidade de descrever mais adiante.
52
Esta preocupação com a certeza e a segurança jurídicas levou a que tendencialmente nos EUA as normas
fossem mais detalhadas e permitissem um menor número de opções.
53
Cfr. ORDEM DOS REVISORES OFICIAIS DE CONTAS (OROC), Estrutura conceptual para a Preparação e
Apresentação das Demonstrações Financeiras, tradução a partir do texto aprovado em língua inglesa disponível
no Manual do Revisor Oficial de Contas (edição em suporte CD-ROM).
54
A própria Estrutura conceptual constitui mais um exemplo da forte influência anglo-saxónica na medida em
que resulta de uma transcrição das estruturas conceptuais dos EUA e do Reino Unido.
55
Nesse sentido, o propósito da Estrutura conceptual é o de: a) ajudar o Conselho do IASC no desenvolvimento
de futuras Normas Internacionais de Contabilidade e na revisão das Normas Internacionais de Contabilidade
existentes; b) ajudar o Conselho do IASC na promoção da harmonização de regulamentos, normas contabilísticas
e procedimentos relacionados com a apresentação de demonstrações financeiras ao proporcionar uma base para
redução do número de tratamentos contabilísticos alternativos permitidos pelas Normas Internacionais de
Contabilidade; c) ajudar as organizações nacionais de estabelecimento de normas no desenvolvimento de normas
nacionais; d) ajudar os preparadores das demonstrações financeiras na aplicação das Normas Internacionais de
Contabilidade e no tratamento de tópicos que ainda tenham de constituir assunto de uma Norma Internacional de
Contabilidade; e) ajudar os auditores na formação de opinião quanto a se as demonstrações financeiras se
conformam ou não com as Normas Internacionais de Contabilidade; f) ajudar os utentes das demonstrações
caso de conflito entre esta e uma qualquer norma internacional de contabilidade, os requisitos
da segunda prevalecem em relação à primeira, se bem que o IASC manifeste a sua intenção de
rever as normas existentes e desenvolver as normas futuras tendo como ponto de orientação a
própria Estrutura conceptual, antecipando assim uma diminuição de situações de conflito.
Acresce que este documento define o objetivo das demonstrações financeiras como
sendo o de «proporcionar informação acerca da posição financeira, desempenho e alterações
na posição financeira de uma empresa que seja útil a um leque vasto de utentes na tomada de
decisões económicas»56 e estabelece os pressupostos subjacentes à elaboração das
demonstrações financeiras, a saber: o regime de acréscimo57 e a empresa em continuidade58,
assim como as características qualitativas que as referidas demonstrações devem possuir59.
Mais, a Estrutura conceptual articula as definições dos elementos integrantes das
demonstrações financeiras e os respetivos critérios de reconhecimento e desreconhecimento,
enumerando, ainda, como bases de mensuração possíveis no reconhecimento desses
elementos: o custo histórico, o custo corrente, o valor realizável (ou de liquidação) e o valor
presente (ou atual)60. Por fim, a Estrutura conceptual conclui com os conceitos de capital –
conceito financeiro de capital ou conceito físico de capital – e os conceitos de manutenção de
capital derivados dos primeiros, na medida em que a opção por um destes conceitos deve
refletir as preocupações dos utentes das demonstrações financeiras e indicar o objetivo a ser
atingido na determinação do lucro.
De acordo com o IASC, a seleção das bases de valorimetria e do conceito de
manutenção de capital determinará o modelo contabilístico a usar na preparação das
demonstrações financeiras e, dado que se pretende que a Estrutura conceptual seja aplicável a
uma escala de modelos contabilísticos, não se pretendia prescrever um modelo em particular.
De referir que, além de o documento prever a revisão periódica da Estrutura
conceptual – que, após diversas alterações, é atualmente designada de “Estrutura conceptual
de relato financeiro 2010” (conceptual framework for financial reporting 2010)61 –, um dos
projetos comuns com o FASB em curso prossegue o desenvolvimento de uma estrutura
conceptual aprimorada e convergente, que permita, no futuro, produzir normas mais
consistentes e baseadas em princípios.
Embora não sendo juridicamente vinculativas, as NIC do IASB foram tendo grande
aceitação por parte de diversas empresas de grande dimensão e multinacionais por todo
mundo. Mais, tornaram-se, mesmo, uma forte influência no processo de normalização
contabilística de vários países. Com efeito, em 1995, o então IASC e a International
Organization of Securities Commissions (IOSCO)62 celebraram um acordo, no qual o
primeiro se comprometeu a rever as suas normas, procedendo não só à redução das diversas
opções previstas nas mesmas, mas também à alteração de algumas delas, tendo em vista a
criação de um corpo normalizador coerente que incentivasse a comparabilidade e que,
mediante aval da segunda, pudesse ser utilizado na preparação e divulgação da informação
financeira prestada por sociedades cotadas em bolsas estrangeiras.
A aprovação, em dezembro de 1998, da IAS 39 relativa a “Instrumentos Financeiros”
(Financial Instruments) – entretanto substituída pela IFRS 9 – representou o culminar deste
processo de formulação do grupo básico de normas e, em maio de 2000, a IOSCO
recomendou aos seus membros a aceitação de demonstrações financeiras elaboradas em
consonância com trinta normas do ex-IASC, sendo que o reconhecimento da sua qualidade
motivou que as mesmas fossem dotadas de força coerciva.
61
Na sequência das referidas atualizações, nesta versão de 2010, o objetivo das demonstrações financeiras de
finalidades gerais passa a ser proporcionar informação útil a investidores, financiadores e outros credores, atuais
e potenciais, para a tomada de decisões sobre a afetação de recursos à entidade, as quais envolvem a compra, a
venda ou a detenção de instrumentos de capital e de dívida, bem como a concessão ou liquidação de
empréstimos e outras formas de crédito. Mais, sublinha-se que, embora outras partes (que não as acima referidas)
possam achar úteis as demonstrações financeiras de finalidades gerais, nunca serão os principais destinatários
dessa informação (cfr. § OB2 e § OB10 do Capítulo 1 da Estrutura conceptual de Relato Financeiro 2010).
62
A IOSCO (Organização Internacional de Comissões de Mercado de Valores Mobiliários) foi oficialmente
criada em 1983 e tornou-se o principal fórum internacional para as autoridades reguladoras dos mercados de
valores e futuros, contando atualmente com mais de 130 membros de 80 países.
Frise-se, ainda, que o IASB arroga como um dos seus principais objetivos o trabalho
desenvolvido ativamente com as Comissões de Normalização Contabilística dos vários países
com vista à convergência da normalização contabilística. De tal modo que, através de anúncio
público, o IASB destacou a elevada importância do dia 1 de janeiro de 2005, data que marca a
adoção formal das NIC pela UE. Esta decisão da UE foi, aliás, crucial para promover o
interesse e a aceitação das NIC por todo o mundo. Em dezembro de 2007 estas normas eram
exigidas ou aceites em mais de 100 países63.
Inequivocamente, «o IASB é atualmente o principal organismo privado emissor de
normas internacionais de contabilidade, sendo a preponderância da sua atuação globalmente
reconhecida»64 e as NIC emitidas pelo IASB estão numa posição privilegiada em termos de
aceitação, pelo que a sua ascendência sobre os diversos normativos contabilísticos nacionais
assume uma particular relevância.
63
Na senda da adoção das NIC na UE, diversos países terceiros vieram exigir ou permitir o uso das NIC do
IASB, estimando-se que, em 2012, cerca de três quartos dos países do G20 exigiam a sua utilização. Além disso,
outros países – entre os quais a China – decidiram alterar os normativos contabilísticos nacionais no sentido de
convergência com as NIC.
64
Cfr. GUERREIRO (2006, p. 9).
Capítulo III
1 – Notas preliminares
65
O Tratado sobre o Funcionamento da UE (TFUE) resulta da renomeação do Tratado que estabelece a
Comunidade Europeia (TCE, Roma; 1957), no âmbito da reforma promovida pelo Tratado de Lisboa (2007).
66
Este objetivo – partilhado também pelo IASB, como tivemos oportunidade de verificar – foi enfatizado de tal
forma que, tendo consagração no n.º 3 do artigo 2.º desta diretiva, foi estabelecida, por um lado, a obrigação de
prestação de informações complementares quando a mera aplicação da diretiva não fosse suficiente para alcançar
tal objetivo (cfr. n.º 4) e ficou prevista, por outro, a possibilidade de derrogação excecional das disposições da
diretiva caso a sua aplicação colocasse em causa a prossecução do mesmo (cfr. n.º 5).
67
Sendo uma diretiva sectorial, contém derrogações às Quarta e Sétima Diretivas na medida em que são
necessárias para tomar em linha de conta as características específicas do setor.
68
Idem.
69
A própria Comissão Europeia concedeu em relação à Quarta Diretiva que: «Em conformidade com a sua base
jurídica, esta diretiva não pretende atingir uma completa normalização das normas contabilísticas. Pretende sim a
comparabilidade e equivalência das informações financeiras. Consequentemente, a diretiva prevê um vasto
número de opções a utilizar pelos Estados-membros ou pelas empresas, que possibilitam tratamentos
contabilísticos diferentes» (COMISSÃO EUROPEIA, 1995, p. 3).
70
A este respeito, GUERREIRO (2006, p. 10) partilha da opinião de que «apesar de nesta primeira fase ter
ocorrido um aumento da harmonização formal na União Europeia, principalmente dos requisitos de divulgação,
o efeito das diretivas foi bastante inferior ao esperado».
71
Uma das soluções consistia na exclusão das empresas de grande dimensão cotadas em bolsa do âmbito de
aplicação das diretivas, permitindo-lhes observar outras regras. Porém, esta solução levantaria inúmeras questões
relativamente não só ao âmbito da exclusão, mas também às regras que as empresas excluídas estariam
autorizadas a aplicar, implicando, ainda, um moroso processo de alteração das diretivas numa direção oposta à
do pretendido percurso de homogeneização das normas contabilísticas. Outra solução consistia na tentativa de
obtenção de um acordo com os EUA sobre o reconhecimento mútuo das contas, mas a parte norte-americana
demonstrou escasso interesse na iniciativa, uma vez que as contas elaboradas pelas empresas americanas nos
termos das normas US GAAP já eram efetivamente reconhecidas em todos os EM, ao contrário das diretivas que
não fornecem um conjunto de normas suficientemente pormenorizadas para preencherem as exigências norte-
americanas. Uma outra solução passava pela atualização das diretivas contabilísticas de modo a incluírem
pelo que a abordagem, por fim, recomendada resulta, nas palavras da Comissão (cfr. ponto
5.1), de «especial atenção ao respeito dos princípios da subsidiariedade e proporcionalidade,
tal como consagrados no Tratado de Maastricht» e da intenção de preservar o grau necessário
de segurança jurídica e garantir a observância da legislação comunitária, pretendendo evitar-
se, na medida do possível, nova legislação ou alterações da legislação já existente ao nível da
UE, mas admitindo-se a necessidade de «um enquadramento mais flexível, que possa
responder rapidamente aos atuais e futuros desenvolvimentos».
Nessa medida, a abordagem proposta passa pela participação da UE no debate sobre a
harmonização internacional em curso ao nível do então IASC72, agindo com vista a garantir a
conformidade entre as IAS (que elegem o investidor bolsista como destinatário principal da
informação financeira) e as diretivas comunitárias em matéria contabilística (que pretendem
assegurar a proteção de associados e credores), bem como a manutenção dessa conformidade
no que respeita às IAS a definir no futuro. Acresce que a Comissão admite que esta
intervenção será ainda mais eficaz com a promoção de uma cooperação mais estreita entre os
EM, que permita adotar posições comuns sobre questões contabilísticas nacionais e
internacionais, bem como aumentar a coerência na aplicação das normas acordadas.
soluções técnicas para as várias questões contabilísticas que não haviam sido objeto de abordagem. Esta solução
foi abandonada em virtude de se anteciparem sérias dificuldades na negociação do processo de revisão das
diretivas, o qual, aliás, exigiria um investimento de tempo e de recursos de grande envergadura. Uma última
solução envolvia a criação de um organismo europeu de fixação de normas contabilísticas. Todavia, a maioria
dos EM manifestou reticências quanto a esta solução, atentos os recursos temporais e financeiros que a mesma
exigiria e considerando já existir um organismo internacional – o IASC – cujas normas contabilísticas eram
objeto de reconhecimento nos mercados de capitais internacionais.
72
Substituído em 2001 pelo IASB, como descrevemos aliás no Capítulo anterior.
73
Cfr. pontos 20 e 21 das Conclusões da Presidência no Conselho Europeu de Lisboa (23 e 24 de março de
2000).
78
O funcionamento eficaz do sistema de aprovação tinha como pressuposto a coordenação com os diversos
organismos nacionais de normalização e com as autoridades de supervisão dos mercados de valores mobiliários
ao nível da aplicação prática das normas IAS no quadro da UE, sendo que esta coordenação da posição dos
diferentes EM poderia contribuir para o reforço da posição da UE no âmbito do então IASC.
79
A este respeito, o regulamento aponta as diretivas contabilísticas conexas baseadas no TCE, que já foram
identificadas no presente capítulo e cuja transposição para o direito interno permitiu definir as normas de
referência do relato financeiro ao nível das contas individuais e consolidadas para sociedades de natureza diversa
(cfr. Considerando 3).
80
A este propósito, o regulamento refere o reforço da liberdade de circulação dos capitais no quadro do mercado
interno, como contributo para assegurar a competitividade dos mercados de capitais da UE, sem esquecer a
proteção dos investidores e a manutenção da confiança nos mercados financeiros (cfr. Considerando 4).
81
Para efeitos deste regulamento e conforme o seu artigo 2.º, entende-se que a designação «normas
internacionais de contabilidade» abrange as International Accounting Standards (IAS), as International
Financial Reporting Standards (IFRS) e interpretações conexas (SIC-IFRIC), bem como as alterações
subsequentes a essas normas e interpretações conexas e as futuras normas e interpretações conexas emitidas ou
adotadas pelo IASB. Por convenção, ao longo desta dissertação temos vindo (e continuaremos) a utilizar aquela
designação com idêntico sentido e alcance.
82
A definição de sociedades que consta do segundo parágrafo do artigo 48.º do TCE (atual artigo 54.º do TFUE)
abarca «as sociedades de direito civil ou comercial, incluindo as sociedades cooperativas, e as outras pessoas
coletivas de direito público ou privado, com exceção das que não prossigam fins lucrativos», tendo-se refletido
no âmbito das diretivas contabilísticas conexas já referidas.
83
Cfr. n.º 3 do artigo 2.º da Diretiva 78/660/CEE e n.º 3 do artigo 16.º da Diretiva 83/349/CEE. Contudo,
embora a conformidade de uma norma com o princípio da imagem verdadeira e apropriada seja apreciada à luz
destas duas diretivas, não se exige uma estrita conformidade com cada uma das disposições das mesmas.
84
Criado ao abrigo do artigo 6.º do Regulamento (CE) n.º 1606/2002.
85
De acordo com o Regulamento (CE) n.º 1606/2002, «a Comissão deverá informar periodicamente o Comité de
Regulamentação Contabilística sobre os projetos em curso, os documentos de debate, as sínteses relativas a
questões pontuais e os projetos sobre riscos elaborados pelo IASB, bem como sobre o trabalho técnico
posteriormente desenvolvido pelo Comité Técnico Contabilístico» (cfr. Considerando 14).
Por outro lado, seria difícil de aceitar que o normativo contabilístico da UE fosse da
exclusiva responsabilidade de um organismo privado como o IASB, pelo que TAS e ZANDEN86
sustentam que este normativo deverá resultar de um procedimento de controlo democrático,
sendo apenas de questionar a forma como o mesmo é desenvolvido. Assim, sugerem que se
ganharia em eficácia e eficiência na opção pela aprovação do próprio mecanismo em si,
combinado com a avaliação frequente do processo de elaboração de normas do IASB87, em
vez da avaliação e subsequente endosso de cada norma individualmente considerada. Outra
alternativa apresentada pelos mesmos autores88 passaria pela transferência da
responsabilidade pela regulamentação das normas contabilísticas ao nível das contas
consolidadas das sociedades com valores mobiliários cotados para a esfera das entidades
reguladoras dos mercados de capitais, o que obrigaria, todavia, à introdução de uma cláusula
de exclusão para as obrigações previstas na Sétima Diretiva para as sociedades que preparam
contas consolidadas, sob pena de estas sociedades se verem confrontadas com a obrigação de
possuir dois conjuntos de contas consolidadas distintos: um elaborado de acordo com as
diretivas contabilísticas comunitárias e outro baseado nas NIC.
86
Cfr. TAS e ZANDEN (2009, p. 10).
87
Esta sugestão baseia-se na forma como a SEC prevê aceitar a eventual aplicação das IAS/IFRS nos EUA:
através de uma rigorosa monitorização do processo de emissão das normas pelo IASB, ao invés do endosso
norma a norma.
88
Cfr. TAS e ZANDEN (2009, p. 10).
No seguimento da estratégia definida, entre 1996 e 2000, foram levados a efeito vários
estudos para avaliar a compatibilidade das diretivas contabilísticas comunitárias com as NIC89
e, embora houvesse expectativas de encontrar alguns conflitos, na medida em que se tratam de
normas completamente diferentes e baseadas em princípios distintos, concluiu-se que, de um
modo geral, não havia divergências assinaláveis, em virtude de se encontrar sempre alguma
opção das diretivas contabilísticas que gerava um tratamento semelhante ao preconizado por
alguma das opções das IAS90.
Não obstante os estudos terem concluído pela existência de compatibilidade entre as
diretivas contabilísticas e as NIC, quando considerada a UE como um todo, prevê-se que o
mesmo exame ao nível de cada Estado-membro conduziria ao reconhecimento de
incompatibilidades entre as normas internas resultantes de opções tomadas aquando da
transposição das diretivas comunitárias e as NIC. Assim, no âmbito do já descrito mecanismo
de endosso e na sequência dos procedimentos previstos no Regulamento (CE) n.º 1606/2002,
foi aprovado o Regulamento (CE) n.º 1725/2003 da Comissão, de 21 de setembro, que veio
adotar as NIC vigentes em 14 de setembro de 2002 (com exceção das IAS 32 e IAS 39, bem
como das SIC 5, SIC 16 e SIC 17), procedendo, desta forma, à integração das mesmas no
ordenamento jurídico da UE91.
Posteriormente, foram aprovados vários outros regulamentos que vieram introduzir no
Regulamento (CE) n.º 1725/2003 alterações que incluíram quer a inserção de outras normas
no referencial, quer a alteração das NIC já adotadas pela UE. Neste conjunto de regulamentos
destaca-se o Regulamento (CE) n.º 1126/2008 da Comissão, de 3 de novembro, que, além de
substituir o Regulamento (CE) n.º 1725/2003, procedeu à consolidação dos textos de todas as
normas e interpretações aprovadas até 15 de outubro de 2008 (com uma pequena exceção
quanto à IAS 39), visto que «as diversas normas internacionais foram adotadas no âmbito de
89
Estes estudos encontram-se disponíveis para consulta na Internet em (versões em inglês):
http://ec.europa.eu/internal_market/accounting/documents/index_en.htm [Consultado em 29 de julho de 2013].
90
As IAS que remetem para o conceito de “justo valor” (fair value), designadamente as IAS 39, IAS 40 e IAS
41, constituíram, nesta altura, uma exceção a esta compatibilidade, porquanto este conceito não se encontrava
previsto no acervo da UE. Contudo, a Diretiva 2001/65/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de
setembro, veio alterar as Diretivas 78/660/CEE, 83/349/CEE e 86/635/CEE relativamente às regras de
valorimetria aplicáveis às contas anuais e consolidadas de certas formas de sociedades, bem como dos bancos e
de outras instituições financeiras, ao permitir que determinados ativos e passivos financeiros fossem
contabilizados pelo justo valor, tal como previsto no referencial IAS.
91
As NIC adotadas através do Regulamento (CE) n.º 1725/2003 da Comissão, de 21 de setembro, encontram-se
elencadas no Anexo A.
diferentes regulamentos, o que cria insegurança jurídica e dificulta a correta aplicação das
normas internacionais de contabilidade na Comunidade. A fim de simplificar a legislação
comunitária relativa às normas de contabilidade, é conveniente, por razões de clareza e
transparência, incorporar num único texto as normas atualmente constantes do Regulamento
(CE) n.º 1725/2003 e respetivos atos modificativos»92.
Todavia, constata-se, atualmente, que esta pretensão de simplificação da legislação
comunitária relativa às normas de contabilidade da Comissão foi gorada, na medida em que
os constantes desenvolvimentos em matéria contabilística e a existência de um trabalho
contínuo do IASB, em diálogo permanente com a UE, resultaram, entretanto, na aprovação de
outros tantos regulamentos93, que procederam a alterações no Regulamento (CE) n.º
1126/2008.
Por outro lado, em novembro de 2003, a Comissão Europeia publicou um documento
denominado “Observações relativas a certas disposições do Regulamento (CE) n.º 1606/2002,
do Parlamento Europeu e do Conselho, de 19 de julho de 2002, relativo à aplicação das
normas internacionais de contabilidade, bem como da Quarta Diretiva 78/660/CEE do
Conselho, de 25 de julho de 1978, e ainda da Sétima Diretiva 83/349/CEE do Conselho, de 13
de junho de 1983, relativa às contas consolidadas”, clarificando uma série de questões
suscitadas na sequência do Regulamento (CE) n.º 1606/2002.
Uma das questões abordadas prendeu-se com os procedimentos a seguir com
referência às “NIC ainda não adotadas e NIC rejeitadas pela UE”. A este respeito, esclareceu,
desde logo, que caso uma norma não seja adotada, não é necessária ou, em certas
circunstâncias, não é permitida a sua aplicação por uma empresa que elabore as suas contas
em conformidade com o referido regulamento, acrescentando que, se uma norma rejeitada ou
ainda não adotada for coerente com as condições estabelecidas no § 22 da IAS 194 (ainda que
não seja coerente com as normas adotadas pela UE), poderá ser utilizada como orientação, a
qual deverá ser objeto de divulgação clara. Já quando uma norma rejeitada entrar em conflito
92
Cfr. Considerandos 3 e 4 do Regulamento (CE) n.º 1126/2008 da Comissão, de 3 de novembro.
93
Estes regulamentos encontram-se elencados no Anexo B.2. Por seu turno, o Anexo B.1 elenca os atos
modificativos do Regulamento (CE) n.º 1725/2003.
94
De acordo com o § 22 da NIC 1, «Na falta de uma Norma Internacional de Contabilidade específica e de uma
interpretação do Standing Interpretations Committee, a gerência usará ponderação no desenvolvimento de uma
política contabilística que proporcione a informação mais útil aos utentes das demonstrações financeiras da
empresa. Ao fazer tal ponderação, a gerência considerará: (a) as exigências e orientação das Normas
Internacionais de Contabilidade que tratem de assuntos similares e relacionados; (b) as definições, critérios de
reconhecimento e de mensuração de ativos, passivos, rendimentos e gastos estabelecidos na Estrutura conceptual
do IASC; e (c) tomadas de posição de outros órgãos normalizadores e práticas do setor aceites até ao ponto, e
somente até ao ponto, em que estas sejam consistentes com as alíneas a) e b) deste parágrafo».
com uma norma adotada pela UE, a primeira não pode ser aplicada e a segunda deve
continuar a ser aplicada plenamente.
Outro aspeto relevante respeita ao enquadramento a dar à Estrutura conceptual do
IASB – já descrita no capítulo anterior – porquanto, embora esta não constitua por si uma
NIC ou uma interpretação e, como tal, não esteja sujeita a adoção para efeitos de integração
no Direito da UE, é um elemento crucial no estabelecimento dos conceitos subjacentes à
preparação e apresentação das demonstrações financeiras e, por conseguinte, proporciona uma
base para efeitos de resolução de questões contabilísticas. Nessa medida, a Comissão
reconhece que a “Estrutura conceptual” adquire particular relevância quando não exista
qualquer norma ou interpretação que se aplique especificamente a uma rubrica das
demonstrações financeiras, sendo que, nessas situações, o referencial do IASB prevê a
consideração das definições, dos critérios de reconhecimento e dos conceitos de mensuração
nela previstos, tendo em vista a produção de informação relevante e fiável95.
Destes esclarecimentos prestados pela Comissão Europeia resulta que disposições não
sujeitas ao mecanismo de endosso (caso não só das normas ainda não aprovadas, mas também
da Estrutura conceptual ou apêndices e orientações emitidos relativamente às normas), bem
como disposições rejeitadas pelo referido mecanismo poderão mesmo assim ser aplicadas na
elaboração e apresentação das demonstrações financeiras no âmbito do referencial
contabilístico adotado pelo Regulamento (CE) n.º 1606/2002.
95
À semelhança do enquadramento preconizado para a “Estrutura conceptual”, a Comissão Europeia também
sugere que a aplicação de qualquer NIC ou interpretação seja realizada tendo em conta igualmente quaisquer
apêndices à norma que não façam parte da NIC (tais como as Bases para Conclusões) e qualquer orientação de
implementação emitida relativamente à NIC.
96
Este fora um compromisso assumido pela Comissão Europeia, desde logo, na Comunicação COM(2000) 359,
de 13 de junho de 2000, já mencionada neste capítulo.
97
Denominação adotada pela Diretiva 2003/51/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 18 de junho, para
o Regulamento (CE) n.º 1606/2002 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 19 de julho (cfr. Considerando 3).
98
Cfr. Considerando 5.
das Quarta e Sétima Diretivas, bem como a possibilidade de valorização de certos elementos
do ativo imobilizado, que não os instrumentos financeiros, segundo o critério do justo valor,
em consonância com a evolução registada a nível internacional, tal como expressa através das
normas emitidas pelo IASB. Mais, tendo em vista o cumprimento do objetivo de
comparabilidade da informação financeira, esta diretiva criou condições para a aproximação
dos relatórios de auditoria aos padrões estabelecidos a nível internacional, através da
definição de requisitos específicos em termos de formato e conteúdo.
gestoras de participações sociais ou às sociedades cotadas (ou seja, cujos valores mobiliários
sejam admitidos à negociação num mercado regulamentado).
101
COM(2011) 684/3.
102
Cfr. Comunicação da Comissão “Europa 2020 - Estratégia para um crescimento inteligente, sustentável e
inclusivo”, COM(2010) 2020.
103
Cfr. Comunicação da Comissão ao Conselho, ao Parlamento Europeu, ao Comité Económico e Social
Europeu e ao Comité das Regiões: Ato para o Mercado Único - Doze alavancas para estimular o crescimento e
reforçar a confiança mútua “Juntos para um novo crescimento”, COM(2011) 206.
104
Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e
ao Comité das Regiões - “Análise do Small Business Act para a Europa”, COM(2011) 78 final.
diretivas (cfr. n.os 3 e 4 do artigo 4.º), já nos princípios gerais de relato financeiro
expressamente consagrados é de destacar a ênfase dada aos já conhecidos princípios da
prudência e do custo histórico [cfr. alíneas c) e i) do n.º 1 do artigo 6.º, respetivamente], sendo
permitida a base de mensuração alternativa pelo justo valor apenas em derrogação deste
último princípio e sob reserva das condições estabelecidas no artigo 8.º.
Por outro lado, é introduzido um princípio geral de materialidade, que prevê a
dispensa do cumprimento dos requisitos relativos ao reconhecimento, mensuração,
apresentação, divulgação e consolidação nos casos em que o efeito de tal cumprimento for
imaterial [cfr. alínea j) do n.º 1 do artigo 6.º] 105, assim como é introduzida, enquanto princípio
geral, a obrigação de apresentar na demonstração de resultados e no balanço a substância
(realidade económica) de cada operação ou acordo e não apenas a sua forma jurídica [cfr.
alínea h) do n.º 1 do artigo 6.º] 106.
Apesar de diversas alterações que visam sobretudo a modernização e a simplificação
das exigências das demonstrações financeiras, sem descurar, contudo, a proteção dos
interesses dos seus utilizadores, resulta da revisão de uma proposta que «mantém princípios e
terminologia das anteriores diretivas, não acompanhando, ou até colidindo, com as NIC e
demarcando um modelo contabilístico europeu de pendor legal-formalista que parecia
esbater-se com a adoção das NIC»107.
105
Os EM podem limitar o âmbito desta dispensa às apresentações e divulgações (cfr. n.º 4 do art.º 6.º).
106
Os EM podem dispensar certas empresas de tais requisitos (cfr. n.º 3 do art.º 6.º).
107
Cfr. LÉRIAS (2012, pp. 88-89).
Capítulo IV
108
Doravante designado POC/77.
109
Cfr. GUERREIRO (2006, p. 12). De resto, CUNHA GUIMARÃES (2011, p. 20) refere, a propósito do anteprojeto
de Plano Geral de Contabilidade, a opção pela adaptação do Plano Contabilístico Francês.
110
Doravante designado POC/89.
111
Enquanto o primeiro tornou obrigatória a adoção do sistema de inventário permanente e a elaboração da
demonstração dos resultados por funções e definiu os elementos básicos a incluir na listagem do inventário físico
das existências, o segundo centrou-se na clarificação da eficácia temporal daquele diploma e na explicitação dos
critérios objetivos de dispensa da obrigação de adoção do sistema de inventário permanente e da elaboração da
demonstração de resultados por funções em virtude de algumas dificuldades de interpretação na sua aplicação.
112
Como evidencia o correspondente ponto 1.4, a seguir parcialmente transcrito: «… estão a ser desenvolvidos,
no âmbito das organizações europeias dos profissionais de contabilidade e em ligação com as estruturas da CEE,
vários trabalhos com vista a conseguir a harmonização contabilística mundial, objetivo máximo da International
Federation of Accountants (IFAC). Para a sua consecução estão a fazer-se esforços no sentido de eliminar as
divergências, não muito significativas, entre as normas contabilísticas contidas na 4ª Diretiva e as normas
internacionais de contabilidade emitidas pelo International Accounting Standards Committee (IASC), órgão
dependente da IFAC. Neste sentido, o próprio IASC se propõe limitar as opções de políticas contabilísticas
contidas nas suas normas, de forma a facilitar a harmonização».
113
O Decreto-Lei n.º 47/77, de 7 de fevereiro, que aprovou o POC/77, criou a Comissão de Normalização
Contabilística (CNC), organismo tecnicamente independente (ainda que funcionando, administrativa e
financeiramente, no âmbito do Ministério das Finanças) ao qual compete assegurar o funcionamento e
aperfeiçoamento da normalização contabilística nacional. As atribuições e o sistema de organização e
funcionamento da CNC foram sucessivamente definidos pelos seguintes diplomas: Portaria n.º 819/80, de 13 de
outubro, Portaria n.º 262/87, de 3 de abril, Decreto-Lei n.º 367/99, de 18 de setembro, Decreto-Lei n.º 160/2009,
de 13 de julho, e Decreto-Lei n.º 134/2012, de 29 de junho.
114
Cfr. ponto 1.5 do POC/89.
115
Na opinião de RODRIGUES (2005, p. 25) «As DC incluem algumas Normas modernas, resultantes de
adaptações das IAS, constituindo em alguns casos, documentos interessantes e ricos, do ponto de vista técnico».
116
Com efeito, muitas DC evidenciam uma influência direta das NIC e, inclusive, as mais recentes apresentam-
se estruturadas em conformidade com estas últimas. No mesmo sentido, v. CUNHA GUIMARÃES (2005, p. 7).
117
A respeito das limitações do POC, SALDANHA SANCHES (2007a, p. 63) aponta o seu caráter lacónico, bem
como o vazio doutrinal que lhe está associado.
118
Na verdade, o desenvolvimento da anterior normalização contabilística nacional esteve praticamente limitado
às atualizações determinadas pela necessidade de transposição para a ordem interna das alterações promovidas às
diretivas contabilísticas da UE.
revisão técnica do POC/89, ao nível dos aspetos conceptuais, dos critérios valorimétricos e
dos modelos das demonstrações financeiras individuais e consolidadas, entre outros.
Esta manifesta incapacidade para fazer face à complexidade das atuais exigências de
relato financeiro levava muitas entidades (principalmente as de maior dimensão e aquelas que
procuravam a internacionalização) a recorrer a outras normalizações contabilísticas, por via
da figura da derrogação. Por outro lado, nas entidades de dimensão mais reduzida era
frequente a designada “simplificação contabilística”, que segundo a CNC «consiste
essencialmente no não acolhimento de algumas regras e procedimentos contabilísticos, na não
preparação de algumas peças das demonstrações financeiras e na reduzida aplicação das
Diretrizes Contabilísticas, ou seja, na adaptação da normalização contabilística à medida das
necessidades, dos conhecimentos e das competências dessas entidades».119
119
Cfr. CNC (2003, p. 16).
120
Deste modo e em simultâneo, a CNC admitiu, de modo claro e objetivo, a relevância não só das DC como
também das NIC no quadro normativo contabilístico nacional, estas últimas à semelhança do que já havia sido
assumido no POC/89. Mais recentemente, a CNC (2003, pp. 14 e 15) reiterou o mesmo entendimento ao
reconhecer, por um lado e a respeito das DC, «a sua função extensora e clarificadora do POC e, sobretudo, o seu
papel indutor de um raciocínio conceptual das matérias contabilísticas, contrariando a abordagem anteriormente
dominante (de raiz meramente escritural e privilegiando os aspetos formais e de codificação)» e, por outro lado,
que muitas das DC «foram substancialmente inspiradas nas normas internacionais de contabilidade (IAS)
emitidas pelo International Accounting Standards Committee (IASC)».
121
Cfr. RODRIGUES (2005, p. 25).
122
Esta nova Diretriz Contabilística n.º 18, igualmente denominada de “Objetivos das demonstrações financeiras
e princípios contabilísticos geralmente aceites”, foi aprovada pelo Conselho Geral da CNC em 22 de junho de
2005 e publicada no Diário da República, II Série, n.º 184, de 23 de setembro de 2005.
às NIC adotadas ao abrigo do Regulamento (CE) n.º 1606/2002 e às NIC123 emitidas pelo
IASB e respetivas interpretações. Os dois níveis inferiores desta nova versão resultam da
desagregação do terceiro e último nível da diretriz contabilística originária, que reservava para
as NIC um papel meramente residual. Tal desagregação pretendeu conferir destaque às NIC
explicitamente adotadas no âmbito do Regulamento (CE) n.º 1606/2002, remetendo para
último plano as NIC não acolhidas na UE, mas sem deixar de admitir a respetiva utilização,
não obstante a sua aplicação não ter sido validada pelo mecanismo de endosso previsto no
artigo 3.º do Regulamento (CE) n.º 1606/2002 e já descrito no Capítulo III.
Do exposto resulta que, em matéria de PCGA, passaram a coexistir em Portugal dois
referenciais: o das NIC, tal como definidas nos artigos 2.º e 3.º do Regulamento (CE) n.º
1606/2002; e o do normativo contabilístico nacional, aprovado no uso das competências dos
órgãos normalizadores em Portugal.124
elaboração dessas mesmas contas de acordo com o POC/89 e demais legislação nacional
aplicável. Quanto às restantes entidades (não abrangidas pelo disposto no artigo 11.º, ou seja,
sem valores mobiliários cotados em bolsa), o n.º 1 do artigo 12.º deste decreto-lei permitiu a
opção pela elaboração das suas contas consolidadas em conformidade com aquelas NIC, a
partir do mesmo exercício, desde que as suas demonstrações financeiras fossem objeto de
certificação legal. O n.º 2 do artigo 12.º do diploma em apreço permitiu ainda que todas as
entidades obrigadas a aplicar o POC/89, incluídas no âmbito da consolidação, quer fossem
abrangidas pelo artigo 11.º quer exercessem a opção prevista no n.º 1 do mesmo artigo,
optassem pela elaboração das suas contas individuais em conformidade com as mesmas NIC,
caso as respetivas demonstrações financeiras fossem objeto de certificação legal.
Todavia, o artigo 14.º do Decreto-Lei n.º 35/2005 manteve a exigência, para efeitos
fiscais (nomeadamente de apuramento do lucro tributável), de as entidades que elaborassem
as contas individuais em conformidade com as NIC manterem igualmente a contabilidade
organizada de acordo com a normalização contabilística nacional e demais disposições legais
em vigor para o respetivo setor de atividade, atentos os eventuais impactos fiscais decorrentes
da adoção das NIC em tais contas. Tratou-se de um mecanismo de salvaguarda da
“neutralidade contabilístico-fiscal”, traduzida na exigência de manutenção de dupla
contabilidade, com os custos de conformidade inerentes, e que, dessa forma, inviabilizou, na
prática, uma aplicação mais abrangente das NIC.
Concomitantemente, o preâmbulo deste decreto-lei confirma o direito nacional,
resultante da transposição das diretivas comunitárias, como fonte primária dos requisitos
contabilísticos a respeitar nas contas individuais e consolidadas das sociedades não
abrangidas pelas NIC, o que é congruente com os esclarecimentos prestados pela Comissão
Europeia a respeito da interação entre o Regulamento (CE) n.º 1606/2002 e as diretivas
contabilísticas (ou, mais propriamente, a legislação nacional).126 Adicionalmente, a Comissão
Europeia refere que «uma sociedade aplica as NIC adotadas independentemente de quaisquer
requisitos do direito nacional que com elas estejam em contradição, em conflito ou que lhes
imponham restrições. Deste modo, os Estados-membros não podem limitar as opções
expressamente previstas nas NIC»127, sem contudo esquecer que existem outras questões
126
Efetivamente, a COMISSÃO EUROPEIA (2003a, p. 10) lembra que «As diretivas contabilísticas aplicam-se às
sociedades com base na sua transposição para o direito nacional. Deste modo, não há qualquer interação direta
entre uma diretiva e um regulamento, dado apenas um deles ser diretamente aplicável às sociedades. Por
conseguinte, a questão prende-se com a interação entre o direito nacional e o Regulamento NIC».
127
Cfr. COMISSÃO EUROPEIA (2003a, p. 11).
abordadas nas diretivas contabilísticas, cujo âmbito se encontra fora do Regulamento (CE) n.º
1606/2002.
Efetivamente, o Decreto-Lei n.º 35/2005 procedeu a alterações em diversos diplomas
legais, sendo que algumas delas não se restringem ao âmbito de adoção das NIC. 128 De notar
que as alterações ao POC/89 já referidas no ponto 1.1, ainda que não integrem o referido
âmbito de aplicação das NIC, visaram a eliminação de certas divergências entre aquele
referencial e estas últimas.
Por último, este decreto-lei atribuiu ao Banco de Portugal, ao Instituto de Seguros de
Portugal e à Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) a definição do âmbito
subjetivo de aplicação das NIC relativamente às entidades sujeitas à respetiva supervisão, que
não estejam sujeitas ao Regulamento (CE) n.º 1606/2002 [cfr. artigo 13.º n.º 1].
131
A CNCAP, criada pelo Decreto-Lei n.º 68/98, de 20 de março, foi entretanto extinta pela nova Lei Orgânica
do Ministério das Finanças, sendo as suas atribuições e competências de normalização para o setor público
integradas na CNC. Deste modo, o Decreto-Lei n.º 134/2012, de 29 de junho, procedeu à revisão da estrutura e
composição da CNC, incumbindo a esta a realização dos trabalhos técnicos com vista à aprovação de um único
Sistema de Normalização Contabilística Público (SNCP) adaptado às normas internacionais específicas para o
setor público (IPSAS) e às leis nacionais em que estas matérias são reguladas (cfr. artigo 2.º).
132
Aprovado pelo Decreto-Lei n.º 232/97, de 3 de setembro.
133
Cfr. RODRIGUES (2005, p. 29).
134
Cfr. Aviso do Banco de Portugal n.º 1/2005, publicado no Diário da República, I Série-B, n.º 41, de 28 de
fevereiro de 2005 (redação entretanto alterada pelo Aviso do Banco de Portugal n.º 13/2005, publicado no Diário
da República, I Série-B, n.º 250, de 30 de dezembro de 2005).
135
Aprovado pela Norma Regulamentar n.º 4/2007-R, de 27 de abril, do Instituto de Seguros de Portugal.
136
Este articulado não faz qualquer referência às cinco interpretações técnicas até então emitidas pela CNC, mas
para CUNHA GUIMARÃES (2010, p. 23) «tendo em conta a sua natureza, presume-se a sua revogação tácita».
137
Este modelo foi, aliás, qualificado pelo MINISTÉRIO DAS FINANÇAS E DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA (2007, p.
57) como «um modelo de normalização contabilística baseado em princípios e não em regras, que se pretende
em sintonia com as normas internacionais de contabilidade emitidas pelo IASB e adotadas na União Europeia».
No mesmo sentido dispõe o n.º 1.2 do Anexo ao Decreto-Lei n.º 158/2009, de 13 de julho.
138
Cfr. CNC (2003, p. 19).
139
Neste caso, se as entidades estiverem incluídas no âmbito da consolidação de entidades que elaborem as suas
contas consolidadas em conformidade com as NIC, seja por obrigação ou por opção.
140
Tais entidades correspondem às sociedades referidas nos artigos 4.º e 5.º do Regulamento (CE) n.º 1606/2002.
141
De acordo com a CNC (2003, p. 20), um estudo publicado pela DGCI, intitulado “10 anos de imposto sobre o
rendimento” e baseado nas declarações de IRC de 1998, apurou que 64,3% das empresas portuguesas
apresentavam um volume de negócios inferior a 30.000 contos (correspondente a € 149.639,37).
142
Em substância, estas entidades correspondem àquelas que já se encontravam elencadas no artigo 2.º do
Decreto-Lei n.º 410/89, de 21 de novembro, que aprovou o POC/89, a saber: as sociedades abrangidas pelo
Código das Sociedades Comerciais, as empresas individuais reguladas pelo Código Comercial, os
estabelecimentos individuais de responsabilidade limitada (EIRL), as empresas públicas, as cooperativas, os
agrupamentos complementares de empresas (ACE) e os agrupamentos europeus de interesse económico (AEIE),
bem como outras entidades que, por legislação específica, já se encontrassem sujeitas ao POC ou viessem a estar
sujeitas ao SNC, desde que não sujeitas a supervisão do Banco de Portugal, do Instituto de Seguros de Portugal
ou da CMVM, se esta assim o determinar. As entidades sem fins lucrativos que estavam sujeitas ao POC
adotaram igualmente o SNC até ser aprovado, pelo Decreto-Lei n.º 36-A/2011, de 9 de março, o regime da
normalização contabilística para as entidades do setor não lucrativo (ESNL), que passou a integrar o SNC.
Concomitantemente, mantém-se o regime anteriormente constante do n.º 5 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º
410/89, de 21 de novembro, dispensando-se do âmbito subjetivo de aplicação do SNC as pessoas que, exercendo
a título individual qualquer atividade comercial, industrial ou agrícola, não realizem, na média dos últimos três
anos, um volume de negócios superior a € 150.000 (cfr. artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 158/2009, de 13 de julho).
143
Publicadas pelo Aviso n.º 15655/2009, do Diário da República, II Série, n.º 173, de 7 de setembro de 2009.
144
As NCRF são instrumentos de normalização adaptados a partir das NIC adotadas pela UE. O Anexo C elenca
as 28 NCRF e, bem assim, as correspondentes NIC que estiveram na origem de cada uma delas.
145
Publicada pelo Aviso n.º 15654/2009, do Diário da República, II Série, n.º 173, de 7 de setembro de 2009.
que apresente demonstrações financeiras consolidadas, desde que não ultrapassem dois dos
seguintes limites: Total do balanço: € 1.500.000; Total de vendas líquidas e outros
rendimentos: € 3.000.000; e número de trabalhadores empregados em média durante o
exercício: 50 (cfr. artigo 9.º n.º 1 do Decreto-Lei n.º 158/2009, de 13 de julho)146. Esta norma
assenta na mesma filosofia que o primeiro nível e condensa os principais aspetos de
reconhecimento, mensuração, apresentação e divulgação extraídos das NCRF, tidos como
requisitos mínimos aplicáveis às referidas entidades147.
Saliente-se, ainda, que se encontra prevista a integração de eventuais lacunas do SNC
através do recurso, supletivamente e pela ordem indicada, às NIC adotadas ao abrigo do
Regulamento (CE) n.º 1606/2002 e às NIC (IAS e IFRS) emitidas pelo IASB e respetivas
interpretações (SIC-IFRIC)148, opção esta que tem vindo a ser criticada porquanto, na
ausência de um quadro contabilístico único e estável (em razão do constante aperfeiçoamento
do referencial NIC), permite a aplicação de normas sem qualquer tipo de mecanismo de
controlo nacional, o que se reveste de particular acuidade no caso das NIC que não foram
sancionadas pela UE [cfr. artigo 3.º n.º 2 do Regulamento (CE) n.º 1606/2002].
146
Os limites atualmente fixados nas diversas alíneas do n.º 1 do artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 158/2009, de 13 de
julho, na redação dada pela Lei n.º 20/2010, de 23 de agosto, são substancialmente superiores aos definidos na
sua versão inicial e apresentam-se alinhados com os limites previstos no n.º 2 do artigo 262.º do Código das
Sociedades Comerciais, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 343/98, de 6 de novembro, relativo à fiscalização
das sociedades por quotas e tradicionalmente usado como referência nestas matérias.
147
O Anexo D relaciona o conteúdo abordado em cada parágrafo da NCRF-PE com a correspondente NCRF e a
Estrutura conceptual.
148
Cfr. n.º 1.4 do Anexo ao Decreto-Lei n.º 158/2009, de 13 de julho. No caso da NCRF-PE, a integração de
eventuais lacunas deverá atender em primeiro lugar às NCRF do chamado “regime geral” do SNC e respetivas
Normas interpretativas, só depois se recorrendo às NIC e respetivas interpretações, conforme indicado no n.º 6.3
do Anexo ao Decreto-Lei n.º 158/2009, de 13 de julho. Assim, nas palavras de ALMEIDA [et al.] (2011, p. 19),
«Verifica-se assim que o SNC estabelece as NCRF como conjunto normativo preferencial à aplicação supletiva
da NCRF-PE, sendo certo que esta última se baseia, fundamentalmente, no conteúdo previsto por aquelas
normas».
149
Publicada pelo Aviso n.º 15652/2009, do Diário da República, II Série, n.º 173, de 7 de setembro de 2009.
150
De facto, a própria CNC admitiu na Diretriz Contabilística n.º 18 a necessidade de definir uma estrutura
conceptual acerca da preparação e apresentação das demonstrações financeiras, embora assumisse, por outro
lado, que os elementos constitutivos de tal estrutura se encontravam, de uma forma geral, dispersos pelo POC e
pelas DC, com particular destaque para aquela diretriz contabilística.
abalado, visto que o seu § 4 prevê que, em caso de conflito entre esta e uma qualquer NCRF,
os requisitos desta última prevalecem em relação à EC. 151
Acresce que a EC teve por base a “Estrutura conceptual para a preparação e
apresentação das demonstrações financeiras” do IASB, na versão constante do Anexo 5 das
“Observações relativas a certas disposições do Regulamento (CE) n.º 1606/2002, do
Parlamento Europeu e do Conselho, de 19 de julho” – ou seja, a versão original de 1989 – e,
nessa conformidade, além de apresentar uma estrutura e um âmbito152 muito próximos dos
propostos por aquele organismo, assume idêntico objetivo para as demonstrações financeiras:
proporcionar informação acerca da posição financeira, do desempenho e das alterações na
posição financeira de uma entidade que seja útil a um vasto leque de utentes na tomada de
decisões económicas (cfr. § 12).
Na opinião de LÉRIAS: «Passa a privilegiar-se a ótica utilitarista, com ênfase na
relevância para os utilizadores em detrimento da verificabilidade e objetividade da
informação. Os interesses dos mercados de capitais e os interesses da fiscalidade são muito
diferenciados, ficando difícil utilizar a informação financeira elaborada de acordo com as NIC
ou o SNC como base no domínio fiscal».153
151
Alguns autores questionam se esta previsão não condiciona a verdadeira utilidade da Estrutura conceptual, na
medida em que, no limite, poderá conduzir a situações em que as normas preparadas com base na Estrutura
conceptual não comunguem de todos os princípios daquela, colocando em causa a coerência e a unidade do
sistema. Para maiores desenvolvimentos sobre esta matéria, v. CRAVO [et al.] (2009, p. 76).
152
Nesse sentido, o § 5 define como âmbito da EC: (a) O objetivo das demonstrações financeiras; (b) As
características qualitativas que determinam a utilidade da informação contida nas demonstrações financeiras; (c)
A definição, reconhecimento e mensuração dos elementos a partir dos quais se constroem as demonstrações
financeiras; e (d) Os conceitos de capital e de manutenção de capital.
153
Cfr. LÉRIAS (2012, P. 79).
154
Nas BADF – que são objeto de desenvolvimento no capítulo 2 do Anexo ao Decreto-Lei n.º 158/2009, de 13
de julho – enunciam-se as regras sobre o que constitui e quais os princípios essenciais a que deve obedecer um
conjunto completo de demonstrações financeiras.
155
Nos MDF consagram-se a necessidade de existência de formatos padronizados, mas flexíveis, para as
demonstrações financeiras e um modelo orientador para o anexo, tendo sido aprovados pela Portaria n.º
986/2009, de 7 de setembro.
156
O CC traduz-se numa estrutura codificada e uniforme de contas, tendo sido aprovado pela Portaria n.º
1011/2009, de 9 de setembro.
157
Publicadas pelo Aviso n.º 15653/2009, do Diário da República, II Série, n.º 173, de 7 de setembro de 2009.
158
Por outro lado, o regime prevê uma norma de salvaguarda que permite às microentidades a opção pela
aplicação daquelas normas contabilísticas (cfr. artigo 5.º da Lei n.º 35/2010, de 2 de setembro e n.º 2 do artigo 3.º
do Decreto-Lei n.º 36-A/2011, de 9 de março).
159
Este regime contempla não só a possibilidade de adotar normas contabilísticas simplificadas, mas também a
dispensa de algumas obrigações fiscais a nível declarativo, designadamente a entrega dos anexos L, M e Q da
informação empresarial simplificada (cfr. n.os 1 e 2 do artigo 3.º da Lei n.º 35/2010, de 2 de setembro,
respetivamente).
160
Desse modo, a NCM possui como base de referência a Estrutura conceptual constante do Aviso n.º
15652/2009 e os termos e expressões que utiliza correspondem às definições do apêndice I do Aviso n.º
15654/2009, de 7 de setembro, exceto se de outra forma for especificamente estabelecido (cfr. n.º 1.3 do Anexo I
ao Decreto-Lei n.º 36-A/2011, de 9 de março).
Por outro lado, adicionalmente aos elementos recuperados do SNC, este regime
compreende os seguintes instrumentos:
a) Bases para a apresentação de demonstrações financeiras das microentidades
(BADF-ME)161;
b) Modelos de demonstrações financeiras para microentidades (MDF-ME)162;
c) Código de contas para microentidades (CC-ME)163;
d) Norma contabilística para microentidades (NC-ME)164;
e) Normas interpretativas para microentidades (NI-ME).
Na perspetiva do legislador: «Tal metodologia permite uma fácil comunicabilidade
vertical165 sempre que alterações na dimensão das entidades visadas impliquem diferentes
exigências de relato financeiro ou as entidades exerçam a opção pela aplicação das normas
contabilísticas gerais, contidas no Decreto-Lei n.º 158/2009, de 13 de julho, tal como previsto
no artigo 5.º da Lei n.º 35/2010, de 2 de setembro» (cfr. preâmbulo do Decreto-Lei n.º 36-
A/2011, de 9 de março).
161
As BADF-ME são desenvolvidas no ponto 2 do Anexo I ao Decreto-Lei n.º 36-A/2011, de 9 de março.
162
Embora as ME estejam obrigadas à publicação das mesmas demonstrações financeiras previstas no SNC para
as pequenas entidades (a saber: Balanço, Demonstração de Resultados e Anexo), os MDF-ME, aprovados pela
Portaria n.º 104/2011, de 14 de março, são ainda mais reduzidos e menos exigentes.
163
O CC-ME foi aprovado pela Portaria n.º 107/2011, de 14 de março.
164
Publicada pelo Aviso n.º 6726-A/2011, de 14 de março.
165
Sobre o conceito de comunicabilidade vertical, v. CUNHA GUIMARÃES (2010, p. 25).
Capítulo V
1 – Em Portugal
170
A nível estritamente contabilístico e a respeito do art.º 12.º do Decreto-Lei n.º 35/2005, de 17 de fevereiro, a
CNC, Cit. por CRAVO [et al.] (2009, p. 47), também perfilhou a necessidade de aplicação deste princípio.
171
Cfr. GRUPO DE TRABALHO CRIADO POR DESPACHO DE 23 DE JANEIRO DE 2006 DO SEAF (2006, pp. 35-37).
172
Em Portugal, o tratamento fiscal dos ajustamentos de transição para os novos referenciais contabilísticos
obedece a um regime transitório que, em geral, consagra o diferimento temporal de parte dos efeitos na situação
patrimonial decorrentes da adoção, pela primeira vez, daqueles referenciais, desde que sejam considerados
fiscalmente relevantes nos termos do CIRC e respetiva legislação complementar (cfr. artigo 5.º do Decreto-Lei
n.º 159/2009, de 13 de julho), visando a reversão de tais efeitos a médio e longo prazo.
173
Cfr. GRUPO DE TRABALHO CRIADO POR DESPACHO DE 23 DE JANEIRO DE 2006 DO SEAF (2006, p. 16).
assegurar a coerência entre estes e aquele, bem como salvaguardar expressamente todos os
aspetos em que se ambiciona um tratamento fiscal diverso do previsto no normativo
contabilístico.
Uma vez que a estrutura do Código se mostrava «em geral, adequada ao acolhimento
do novo referencial contabilístico, manteve-se a estreita ligação entre contabilidade e
fiscalidade, que se afigura como um elemento essencial para a minimização dos custos de
contexto que impendem sobre os agentes económicos, procedendo-se apenas às alterações
necessárias à adaptação do Código do IRC às regras emergentes do novo enquadramento
contabilístico, bem como à terminologia que dele decorre»174, no seguimento, aliás, das
recomendações do grupo de trabalho responsável pelo relatório sobre o “Impacto Fiscal da
Adoção das Normas Internacionais de Contabilidade”.
De salientar que a manutenção expressa deste modelo de dependência parcial
determina que «sempre que não estejam estabelecidas regras fiscais próprias, se verifica o
acolhimento do tratamento contabilístico decorrente das novas normas»175. Tal opção,
considerando a aplicação subsidiária quer das disposições não aprovadas pelo mecanismo de
endosso de adoção das NIC na UE (v. capítulo III), quer do referencial NIC prevista no SNC
(v. capítulo IV), e, neste último caso, na ausência de uma cláusula de salvaguarda no sentido
da não receção automática dessas normas para efeitos fiscais176, poderá, segundo alguns
autores177, comprometer o princípio da legalidade fiscal178, consagrado constitucionalmente.
174
Cfr. preâmbulo do Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de julho.
175
Idem.
176
Contrariamente, note-se, ao que foi proposto no relatório sobre o “Impacto Fiscal da Adoção das Normas
Internacionais de Contabilidade”.
177
Neste sentido, v. FERNANDES DA COSTA (2010, p. 884).
178
Sobre o princípio da legalidade fiscal, v. SALDANHA SANCHES (2007b, pp. 115 e seguintes).
179
Efetivamente, a este propósito GASTAMBIDE FERNANDES (2005, pp. 13-15) afirma que a falta de coincidência
entre os termos e expressões utilizados nos referenciais POC e NIC trouxe grandes dificuldades de tradução e
esteve na origem da criação de novos termos ou na recuperação de termos caídos em desuso. Em alternativa,
CUNHA GUIMARÃES (2006, p. 4) refere haver quem defenda ser preferível a utilização dos termos na língua
original, como forma de evitar uma má tradução ou uma tradução de difícil compreensão no contexto nacional.
180
GASTAMBIDE FERNANDES (2005, pp. 13-15) aponta um exemplo paradigmático: «(…) a definição nacional de
ativo baseia-se num conceito de propriedade e a internacional num conceito de controlo. Nas normas
internacionais não existe o conceito de “património” tão caro aos latinos».
181
Cfr. CRAVO [et al.] (2009, pp. 59-60).
182
Aliás, SALDANHA SANCHES (2007a, p. 63) assume que «A transição do POC para os IAS/IFRS tem assim as
vantagens de uma internacionalização explícita (…) em que as normas decisórias/explanação de princípios (…)
são acompanhadas por uma riquíssima doutrina. Este novo quadro permite dar à decisão contabilística uma outra
transparência, criada pela maior possibilidade de fundamentação jurídica e pela melhoria da possibilidade de
controlo dessa decisão».
183
Como refere LÉRIAS (2012, p. 82), «O ajuizamento é um apelo frequente, como seja na escolha de políticas
(por exemplo, entre opções de modelos de mensuração), na aplicação de conceitos imprecisos (‘altamente
provável’, ‘significativo’, ‘relevante’, ‘substancial’, ‘possível’, ‘suficiente’, ‘normalmente’…), na formulação de
estimativas, etc.».
184
Cit. por CUNHA GUIMARÃES (2005, p. 11).
De tal modo que, segundo SALDANHA SANCHES, «Quer para a concretização dos
conceitos, quer para a interpretação das normas, o recurso à metodologia jurídica é sempre
necessário»185.
De notar que a própria Comissão Europeia reconhece que o primado do princípio geral
da materialidade e a prevalência da substância sobre a forma – perspetivas características do
normativo contabilístico NIC e que, embora não estranhos aos sistemas contabilístico e fiscal
nacionais, veem a sua aplicação ser ampliada – «não estão inteiramente de acordo com os
princípios fiscais existentes, pelo que para se chegar ao estabelecimento da matéria coletável
seria necessário introduzir certos ajustamentos. (…) A atribuição de uma maior importância à
substância de uma transação em relação à sua forma jurídica (…) é corrente em contabilidade,
mas este princípio não é aplicado de uma forma tão uniforme para efeitos fiscais»186.
Logo, não sendo estas questões devidamente acauteladas, poderão, como refere
FERNANDES DA COSTA187, ser colocados em causa os princípios da legalidade e da segurança
jurídica.
185
Cfr. SALDANHA SANCHES (2006, p. 205).
186
Cfr. Comissão Europeia (2003b, p. 21).
187
Cfr. FERNANDES DA COSTA (2010, pp. 888-889). De notar que esta autora não exclui a necessidade de uma
redefinição dos limites constitucionais do princípio da legalidade em sede de IRC.
188
Neste domínio, para além da aceitação da aplicação do modelo do justo valor em instrumentos financeiros
(nas circunstâncias previstas no n.º 9 do artigo 18º do CIRC), bem como na valorização dos ativos biológicos
consumíveis que não respeitem a explorações silvícolas plurianuais e nos produtos agrícolas colhidos de ativos
De facto, a aceitação do justo valor para efeitos fiscais, ainda que limitada a certos
instrumentos financeiros e ativos biológicos e apenas nos casos em que a fiabilidade da
respetiva determinação se encontre assegurada, configura uma das alterações mais
controversas e uma rutura relativamente à consagração fiscal do paradigma do custo histórico.
Ora, o conceito de justo valor, embora já fazendo parte do normativo contabilístico
anterior189, continua a ser uma matéria polémica, mercê da oposição entre uma corrente
considerada «conservadora e defensora dos princípios contabilísticos do custo histórico e da
prudência, bem como da característica qualitativa da fiabilidade, em prol da objetividade da
informação e uma outra corrente mais preocupada com a característica da relevância na
perspetiva do paradigma da utilidade da contabilidade para a tomada de decisões»190.
Para VASCONCELOS, com a possibilidade de utilização do justo valor nas mensurações
contabilísticas, privilegia-se «uma suposta relevância da informação financeira em detrimento
da facilidade de comprovação resultante da aplicação do método do custo histórico»191.
Em qualquer caso, entendemos ser inequívoco que a relevância fiscal dos ajustamentos
– positivos ou negativos – decorrentes da aplicação do justo valor, ainda que limitada às
situações referidas nas alíneas a) e b) do n.º 9 do artigo 18.º do CIRC, configura uma exceção
ao princípio da realização (consubstanciado na imputação como rendimentos ou gastos no
período de tributação em que os elementos ou direitos que lhes deram origem sejam
alienados, exercidos, extintos ou liquidados), comportando o reconhecimento, para efeitos
fiscais, de resultados meramente potenciais192.
biológicos no momento da colheita, cabe ainda referir o acolhimento do modelo do método do custo amortizado
para apuramento dos rendimentos ou gastos decorrentes da aplicação da taxa de juro efetiva e a aceitação do
valor realizável líquido (embora obedecendo à definição que lhe é dada pelo artigo 28.º n.º 2 do CIRC) para
efeitos do cálculo do ajustamento em inventários.
189
Com efeito, o justo valor (fair-value) já havia sido acolhido no normativo contabilístico anterior, quer ao
integrar algumas DC, quer através do Decreto-Lei n.º 88/2004, de 20 de abril, que transpôs para a ordem jurídica
interna a Diretiva n.º 2001/65/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de setembro. Neste sentido, v.
VASCONCELOS (2011, p. 194-195) e CUNHA GUIMARÃES (2001, p. 226).
190
Cfr. CUNHA GUIMARÃES (2005, p. 11).
191
Cfr. VASCONCELOS (2011, pp. 196-197).
192
De resto, o legislador não deixou de se mostrar sensível a este aspeto em matéria de direito das sociedades,
tendo introduzido, através do Decreto-Lei n.º 185/2009, de 12 de agosto, limitações à distribuição de resultados
positivos que tenham sido gerados a partir da utilização do critério de mensuração do justo valor.
193
V. nota de rodapé n.º 29.
194
Assim, por exemplo, a aplicação do regime especial de neutralidade fiscal aplicável às fusões, cisões e
entradas de ativos deixou de estar dependente de condições exigidas quanto ao tratamento contabilístico da
operação de transferência dos elementos patrimoniais e, no caso de haver correções ao valor de transmissão de
direitos reais sobre bens imóveis, deixou de ser exigido ao adquirente de tais direitos a correspondente
contabilização pelo valor patrimonial tributário definitivo para a consideração do mesmo para efeitos de
determinação de qualquer resultado tributável em sede de IRC.
195
A respeito deste fenómeno, designado por “efeito de dependência inversa”, v. AGUIAR (2003, pp. 43 e 47).
196
Cfr. VASCONCELOS (2011, p. 208). No mesmo sentido, LÉRIAS (2012, p. 84) acentua que, não obstante a
norma fiscal tenha deixado de interferir na construção da norma contabilística e a existência de uma dependência
parcial da fiscalidade face à contabilidade, tal não significa que a fiscalidade «não condicione decisões
contabilísticas ou até de gestão e que não seja fator de risco para a qualidade da informação financeira
reportada».
197
Cfr. LÉRIAS (2012, p. 85).
198
Como refere MASTELLONE (2011, p. 251), a experiência italiana tem demonstrado a necessidade de as
autoridades tributárias suprirem as dúvidas interpretativas decorrentes do impacto fiscal das NIC com a emissão
de doutrina administrativa (v.g. circulares), tendo em vista a salvaguarda do princípio da segurança jurídica
através da redução da margem de discricionariedade, designadamente, em sede de inspeção tributária.
Após termos tratado detalhadamente os aspetos mais relevantes sobre o impacto fiscal
da adoção das NIC em Portugal, valerá a pena abordar a questão da adoção destas normas nos
restantes EM da UE e os correspondentes efeitos a nível fiscal.
Ora, segundo um estudo da consultora KPMG199 com dados reportados a 2006,
constata-se que, nos restantes (à data) 24 EM da UE, as NIC foram também adotadas, apesar
de alguns contornos da sua aplicabilidade divergirem. Em todos os EM foi definida a
obrigatoriedade de aplicação das NIC pelas sociedades cotadas200 na elaboração das suas
contas consolidadas, sendo certo que alguns EM haviam alargado este âmbito de aplicação às
contas individuais201.
À semelhança do enquadramento consagrado em Portugal202, a aplicação das NIC nas
contas individuais era facultativa na Alemanha, na Finlândia, na Irlanda e no Reino Unido.
Outros EM (incluindo a Eslováquia, a Eslovénia, a Espanha, a Estónia, a Itália203 e a Polónia)
optaram por destacar as instituições de crédito, empresas de seguros e demais instituições
financeiras, exigindo a elaboração das suas contas individuais de acordo com as NIC.
À data do relatório, em diversos EM não se antevia qualquer alteração da legislação
fiscal de forma a incorporar as NIC204. No entanto, no Chipre, na Eslováquia, em França, na
Irlanda, em Malta, na Polónia e no Reino Unido, as NIC tinham impacto fiscal, pelo menos,
desde 2005205, sendo que a Estónia pretendia que o mesmo acontecesse a partir de 2009. Tal
como em Portugal, noutros EM, nomeadamente na Finlândia, no Luxemburgo e na Suécia, a
199
Cfr. GRUPO DE TRABALHO CRIADO POR DESPACHO DE 23 DE JANEIRO DE 2006 DO SEAF (2006, pp. 31-34).
200
Esta obrigação estendia-se às instituições financeiras na Dinamarca, na Eslováquia, na Eslovénia, em
Espanha, na Estónia, na Itália, no Luxemburgo e na Polónia e a todas as sociedades no Chipre e em Malta. Na
Alemanha, a aplicação das NIC era também obrigatória nos grupos de sociedades, sempre que pelo menos uma
delas fosse cotada.
201
Como é o caso de Chipre, Eslováquia, Eslovénia, Espanha, Estónia, Grécia, Holanda, Itália, Malta e Polónia.
Na Dinamarca, a aplicação às contas individuais tornar-se-ia obrigatória a partir de 1 de janeiro de 2009.
202
Cfr. artigos 11.º, 12.º e 14.º do Decreto-Lei n.º 35/2005, de 17 de fevereiro, objeto de análise detalhada no
capítulo anterior.
203
A respeito deste tratamento específico das entidades do setor financeiro em Itália, bem como da sua reforma
contabilística em geral, v. MASTELLONE (2011, pp. 241-251) e VENUTI (2010, pp. 361-375).
204
A saber: Alemanha, Áustria, Bélgica, Dinamarca, Grécia, Holanda, Hungria, Itália, Letónia, Lituânia e
República Checa. No caso alemão, embora as NIC não tenham relevância para efeitos fiscais, a reforma
contabilística entretanto empreendida pugnou por uma aproximação entre o normativo contabilístico interno e o
referencial NIC. Contudo, atenta esta aproximação e ainda que mantendo a tradicional relação de dependência
entre a contabilidade e a fiscalidade, o legislador alemão promoveu um distanciamento entre ambas. Segundo
KESSLER e EICKE (2010, pp. 519-522), «Eventually, the new German GAAP reduced the gap with IFRS, and
created a gap regarding tax accounting».
205
Aliás, no Chipre e em Malta, as NIC têm relevância fiscal há mais de 20 anos.
adoção das NIC para efeitos fiscais encontrava-se em discussão, sendo previsível que tal
acontecesse num futuro próximo.
Excecionalmente, em Espanha206 e na Eslovénia, as NIC têm relevância fiscal nas
contas individuais das instituições de crédito, empresas de seguros e demais instituições
financeiras.
Em todo este processo destaca-se ainda o aspeto do impacto da adoção das NIC na
carga tributária das empresas e as dificuldades associadas à sua quantificação207. Na verdade,
apenas sete dos restantes (à data) 24 EM estimaram esse impacto, tendo chegado a conclusões
diversas. Não só a Bélgica, o Chipre, a Eslovénia e a Holanda concluíram que desta adoção
não resultaria qualquer impacto, como a Eslováquia208 entendeu que haveria um impacto
meramente temporal, reversível a longo prazo. Mas já a Espanha considerou que a evolução
da carga fiscal deveria ser crescente, enquanto a Irlanda admitiu que a carga fiscal diminuiria
numa fase inicial, no caso das instituições financeiras, mantendo-se nas restantes sociedades.
206
Em Espanha, o resultado tributável das instituições financeiras era determinado a partir do resultado
contabilístico apurado com base nas NIC, ajustado em função de regras fiscais próprias.
207
O GRUPO DE TRABALHO CRIADO POR DESPACHO DE 23 DE JANEIRO DE 2006 DO SEAF (2006, p. 16) concluiu
que tal impacto seria de difícil estimativa, «na medida em que o mesmo não depende apenas do efeito sobre os
resultados, mas também do impacto na situação patrimonial, sendo ainda necessário ter em conta a distinção
entre resultado líquido e lucro/prejuízo tributável».
208
Na convicção de que este impacto se traduziria num efeito meramente temporal, as autoridades eslovacas
decidiram preparar nova legislação a fim de determinar a não aceitação, para efeitos fiscais, de eventuais
diferenças permanentes que resultem da aplicação das NIC face às normas nacionais.
209
COM(2011) 121 final.
210
Também designada CCCTB (Common Consolidated Corporate Tax Base).
211
Cfr. COM(2003) 726 final.
Conclusões
Conclusões
212
Cfr. GILL e FLEMING (2010, p. 595).
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Regulamento (CE) N.º 1725/2003 da Comissão, de 21 de setembro de 2003, que adota certas
normas internacionais de contabilidade, nos termos do Regulamento (CE) N.º 1606/2002 do
Parlamento Europeu e do Conselho
Anexos
IAS 8 Resultados Líquidos do Período, Erros Fundamentais e Alterações nas Políticas Contabilísticas
IAS 10 Acontecimentos Após a Data do Balanço
IAS 11 Contratos de Construção
IAS 12 Impostos sobre o Rendimento
IAS 14 Relato por Segmentos
IAS 15 Informação Refletindo os Efeitos das Variações de Preços
IAS 16 Ativos Fixos Tangíveis
IAS 17 Locações
IAS 18 Rédito
IAS 19 Benefícios dos empregados
SIC-27 Avaliação da Substância de Transações que Envolvam a Forma Legal de uma Locação
Concentrações de Atividades Empresariais – “Data de Troca” e Justo Valor de Instrumentos de Capital
SIC-28
Próprio
SIC-29 Divulgações – Acordos de Concessão de Serviços
Regulamento (CE) n.º 707/2004 da Comissão, Adota certas normas internacionais de contabilidade, nos
de 6 de abril de 2004 termos do Regulamento (CE) n.º 1606/2002
Regulamento (CE) n.º 1910/2005 da Comissão, Insere a IFRS 6, a IFRIC 4 e a IFRIC 5 e altera as IAS 19,
de 8 de novembro de 2005 IFRS 1, IAS 16, IAS 38, IAS 1 e IAS 24
Regulamento (CE) n.º 108/2006 da Comissão, Introduz alterações a várias normas, substitui a IAS 30 pela
de 11 de janeiro de 2006 IFRS 7 e publica a IFRIC 6
Fonte: CNC, IAS/IFRS adotadas na UE [Online] [Consultado em 29 de julho de 2013]. Disponível em:
www.cnc.min-financas.pt/ias.html.
3 Adoção pela primeira vez das Normas Contabilísticas e de Relato Financeiro IFRS 1
8 Ativos não correntes detidos para venda e unidades operacionais descontinuadas IFRS 5
9 Locações IAS 17
17 Agricultura IAS 41
18 Inventários IAS 2
20 Rédito IAS 18
26 Matérias Ambientais
NCRF
§ da NCRF-
Conteúdo abordado pelo § da NCRF-PE diretamente
PE
relacionada
Estrutura
§3 Considerações gerais sobre o reconhecimento
conceptual
§9 Locações NCRF 9
§ 11 Inventários NCRF 18
§ 12 Rédito NCRF 20