DESIGUALDADE DA FOME NO DISTRITO FEDERAL - ObservaDF
DESIGUALDADE DA FOME NO DISTRITO FEDERAL - ObservaDF
DESIGUALDADE DA FOME NO DISTRITO FEDERAL - ObservaDF
Autoria
RENNÓ, Lúcio – IPOL/UnB
BERTHOLINI, Frederico - IPOL/UnB
CABELLO, Andrea – FACE/UnB
NOGALES, Ana Maria – IE/UnB
VIANA, Guilherme – DAI/DPO/UnB
A Desigualdade da Fome no DF
A EBIA já foi aplicada em diversas ocasiões no país e a tabela 1 abaixo apresenta sua variação nos
diferentes momentos e com distintas operacionalizações - resumida e extensa. A EBIA é categorizada
em 4 categorias, a partir da soma da incidência de respostas positivas a cada um de seus itens. Assim,
na escala com oito itens, é considerada situação de segurança alimentar o valor 0 na soma de todas
os itens. Ou seja, está em segurança alimentar quem não enfrenta nenhum risco ou experiência de
fome. Insegurança alimentar leve é indicada pelos valores de 1 a 3; insegurança alimentar moderada
por 4 e 5 e grave de 6 a 8. Assim, quem está em insegurança alimentar grave sofre com o risco e
experiência de fome frequentemente.
Quando usamos os oito itens, a medida de insegurança alimentar é mais alta do que quando se utilizam
os 14 itens, demonstrando que o acréscimo de menores na mensuração reduz a incidência de fome.
Contudo, constatamos na pesquisa do DF que a inclusão dos seis itens adicionais cobre uma
porcentagem menor da população, estando a grande maioria incluída em uma métrica de oito itens.
Por isso, no restante do trabalho, iremos utilizar a mensuração da insegurança alimentar baseada em
oito itens.
Tabela 1. Escala Brasileira de Insegurança Alimentar (%).
Segurança Alimentar 2021 DF 2020 Brasil 2004 PNAD Brasil
2009 PNAD Brasil
Como fica claro no mapa da fome (figura 7), há uma clara distribuição espacial da insegurança
alimentar no território. Enquanto as áreas centrais do DF simplesmente não sofrem de fome, esta é
bem mais presente nas RAs mais pobres, que estão mais distantes do centro. A desigualdade de fome,
como veremos adiante, espelha outras, já constatadas em estudos anteriores. 2
Figura 7.
2As áreas em cinza são das Regiões Administrativas que não contaram com entrevistas nesta amostragem,
estratificada por grupos de RAs por renda com base na PED.
A próxima figura indica essa situação de desigualdade de outra forma. Enquanto a segurança
alimentar é praticamente universal nas RAs ricas, ela é bastante mais baixa nas pobres, aproximando
à realidade do resto do país. De fato, o Distrito Federal, à exceção de sua região rica, é muito parecido
ao Brasil.
Figura 8.
Além da questão do acesso a alimentos, exploramos também a dimensão da qualidade dos produtos
consumidos. Investigamos o que as pessoas consomem e com qual frequência. A figura abaixo aponta
para um consumo amplo de alimentos saudáveis, e menos comum de alimentos industrializados e
açucares. Os alimentos mais comuns na população são leite, cereais e leguminosas, carnes, aves ou
peixes e ovos. Alimentos industrializados e processados (refrigerantes, achocolatados...) e doces têm
o consumo geral mais baixo, indicando um padrão geral de alimentação baseada em alimentos mais
saudáveis.
Figura 10.
Contudo, esse padrão varia significativamente para os distintos padrões de segurança alimentar. Dos
50% da população que está em segurança alimentar, 14% nunca consomem alimentos saudáveis,
outros 15% consomem todos os alimentos saudáveis todos os dias: 72% consomem mais de quatro
alimentos saudáveis todos os dias. Dos 50% que estão em segurança alimentar, 39% consomem
alimentos pouco saudáveis.
Já dentre os 10% que estão em insegurança alimentar grave, 17% não consomem alimentos saudáveis
nunca, mas 60% consomem até três tipos de alimentos saudáveis todos os dias. Desses mesmos 10%
, 14% consomem alimentos pouco saudáveis.
Dos 14% da população que nunca consomem alimentos saudáveis: 53% estão em situação de
segurança alimentar; 79% estão em situação de segurança alimentar ou insegurança leve; 17% estão
em situação de insegurança alimentar grave.
Dos 31% que consomem alimentos pouco saudáveis, 62% estão em situação de segurança alimentar
e 4% estão em situação de insegurança alimentar grave.
Ou seja, o consumo de todos os alimentos é mais frequente entre os que estão em segurança alimentar.
Mas a incidência de consumo de alimentos menos saudáveis é bem mais acentuada entre os que estão
em segurança alimentar. Quem está em insegurança alimentar privilegia o consumo de alimentos
mais saudáveis.
Isso se espelha também nas divisões por renda, conforme as figuras 11 e 12. No grupo de alta renda
o consumo de alimentos menos saudáveis é praticamente 10 pontos percentuais a mais do que nos
grupos de baixa renda. Grupos de alta renda também consumem com mais frequência frutas, verduras
e derivados de leite. Já o consumo de leite, cereais e leguminosas e ovos é bem superior no grupo de
baixa renda. Portanto, quando olhamos a renda, há algumas diferenças claras no consumo de
alimentos, demonstrando um compromisso dos grupos de menor renda em utilizar seus recursos
escassos na compra de alimentos saudáveis.
Figura 11.
Figura 12.
Por último, fizemos uma análise mais sofisticada, multivariada, para verificar o perfil de quem está
em insegurança alimentar. Na figura 13 vemos que mulheres, pessoas que declaram ter a cor da pele
parda, pessoas desempregadas, quem afirma ter perdido renda durante a pandemia e aqueles até dois
salários mínimos de renda são os com maior probabilidade de estarem em situação de insegurança
alimentar. Cabe dizer que pessoas que declaram ter a cor da pele preta tem também maior
probabilidade de estarem dentre os em insegurança alimentar quando não incluímos renda baixa,
mostrando que há uma desproporcional representação desse grupo na renda baixa (Figura 14). Essa
análise mostra que grupos que já são tradicionalmente vulneráveis e vítimas da exclusão social, são
também os mais propensos a sofrerem de insegurança alimentar.
Figura 13. Análise Ordinal Probit de Insegurança Alimentar no DF: modelo 1 com variável renda e
modelo 2 sem variável renda.
Figura 14.
Políticas Sociais
Dada a situação de insegurança alimentar vivida pela população, o que o Estado tem feito para o
enfrentamento desse problema através da implementação de políticas públicas? Para isso, incluímos
no questionário perguntas sobre ser beneficiário(a) de políticas sociais diversas. A figura 15 mostra a
porcentagem de pessoas que recebem cada benefício.
Figura 15.
Fica claro que há uma grande pulverização de políticas com baixa cobertura, à exceção de quatro (4),
que cobrem mais que 10% da população: auxílio emergencial, restaurante comunitário, Bolsa Família
e o programa Prato Cheio, seguido de perto pelo Cartão Material Escolar. Quanto ao restaurante
comunitário, que tem uma cobertura considerável (25% dos respondentes da pesquisa afirmaram ter
usado esse serviço), verificamos que seu uso ocorre principalmente no almoço, quase não ofertando
outras refeições, e que seu uso é restrito a poucos dias na semana. Muito provavelmente, isso se deve
ao fato de serem poucos, em relação à demanda, e exigirem deslocamento da população até o
restaurante, com custos de mobilidade urbana, reduzindo seu acesso e uso.
Figura 16.
Constatamos, primeiro, que a cobertura populacional das políticas sociais é restrita. Um segundo
esforço de análise do efeito das políticas públicas diz respeito à sua focalização. Aqueles que
precisam, recebem a política? Analisamos, então, dentre os de insegurança alimentar grave, qual a
porcentagem que recebe as políticas com maior cobertura. Identificamos os resultados abaixo:
• 51% de quem está em insegurança alimentar grave recebe o Auxílio Emergencial.
• 43% de quem está em insegurança alimentar grave vai aos Restaurantes Comunitários.
Um último ponto se refere ao fato de ser beneficiário de um programa social atenua, modera, a
sensação de insegurança alimentar na população. Com dados observacionais (que não são extraídos
de experimentos) e sincrônicos de recorte transversal na população (sem observações em momentos
distintos do tempo), é realmente muito desafiador observar o impacto de uma política social.
Inovamos aqui ao propor uma estratégia usando termos interativos entre variáveis de recebimento
dos programas sociais e renda para verificar se ser beneficiário de uma política social modera a
insegurança alimentar para os mais pobres.
Na figura abaixo apresentamos o resultado de uma regressão ordinal multivariada que inclui no
modelo que testamos anteriormente indicadores de recebimento de políticas sociais e seu efeito
moderador na fome para os grupos mais pobres. Quando as linhas horizontais cruzam a linha
vermelha horizontal, indicando impacto nulo (zero), podemos afirmar que essa variável não tem efeito
sobre a insegurança alimentar. Assim, fica claro que os controles demográficos e socioeconômicos
se mantêm relevantes, e identificamos que apenas o auxílio emergencial e o restaurante comunitário
têm algum efeito na insegurança alimentar. Contudo, como vimos também no exercício de
pareamento, o efeito é positivo. Isso apenas indica que esses dois programas são mais bem focalizados
do que os outros, tendo mais pessoas em situação de insegurança alimentar recebendo o benefício.
Quando investigamos o efeito moderador dos programas na insegurança alimentar dos mais pobres
(bolsa*baixa renda, auxílio*baixa renda, Prato cheio*baixa renda, restaurante*baixa renda), vemos
que nenhum tem efeito estatístico. Quem mais se aproxima disso é o auxílio emergencial, tendo o
efeito na direção correta, reduzindo a fome para os mais pobres e próximo da significância estatística
(0,11 de p-valor).
Figura 17.
Resumo
• Sobre alimentação saudável e não saudável, os que estão em segurança alimentar são os que mais
usam ambas.
• Quem está em insegurança alimentar se alimenta mais de comidas saudáveis (embora sejam menos
tipos com frequência) do que de comidas menos saudáveis.
• Quatro programas sociais têm cobertura relevante: prato cheio, bolsa família, auxílio e restaurante
comunitário.
• Pessoas com a cor da pele parda tem maior probabilidade de estarem em situação de insegurança
alimentar do que pessoas com a cor da pele branca;
• Quem tem renda até dois (2) salários mínimos tem maior probabilidade de estar em situação de
insegurança alimentar;
• Quem recebe o auxílio emergencial está em situação de insegurança alimentar (bem focalizado);
• O auxílio emergencial é o único programa social que tem um efeito moderador (atenuador) limitado
na insegurança alimentar para os mais pobres;