Programa de Pós-Graduação em História: POLICIADOS: Controle e Disciplina Das Classes Populares Na

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PROGRAMA DE

PÓS-GRADUAÇÃO
EM HISTÓRIA
UNIVERSIDADE
FEDERAL DE
PERNAMBUCO

POLICIADOS: controle e disciplina das classes populares na


cidade do Recife, 1865-1915.

CLARISSA NUNES MAIA

Orientador: Prof. Dr. Marcus Joaquim Maciel de Carvalho

Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em


História da Universidade Federal de Pernambuco
como requisito parcial para a obtenção do grau de
Doutor em História.

Recife, 2001.
UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO
CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA
DOUTORADO EM HISTÓRIA

POLICIADOS: controle e disciplina das classes populares na cidade do


Recife, 1865-1915

Clarissa Nunes Maia

Orientador: Prof. Dr. Marcus Joaquim Maciel de Carvalho

Tese apresentada ao Programa de


Pós-Graduação em História da
Universidade Federal de
Pernambuco como requisito parcial
para a obtenção do grau de Doutor
em História.

Recife
2001
AGRADECIMENTOS

O tempo transcorrido na construção de uma tese é longo o suficiente para que


muitas situações diferentes ocorram e façam com que tenhamos de agradecer o
auxílio prestado por inúmeras pessoas, sem as quais o nosso trabalho seria mais árduo
e menos completo.
Em primeiro lugar, quero agradecer ao Prof. Marcus Carvalho, que escolhi para
ser meu orientador desde os tempos do mestrado, pela sua competência, paciência
com meus temores e confiança depositada em mim. Desejo igualmente demonstrar a
minha gratidão ao Prof. Marc Hoffnagel, que mais uma vez me prestou uma grande
ajuda no meu trabalho, lendo algumas partes dele e me apontando lacunas, isto desde
a confecção do meu projeto de pesquisa. A Prof.ª Suzana Cavani Rosas foi outra
pessoa que me fez a gentileza de revisar parte da tese. Um agradecimento especial vai
para o colega Raimundo Arrais, que leu quase toda a minha tese. Devo a ele muitas
observações pertinentes e que sem dúvida enriqueceram o meu trabalho.
Os funcionários do Arquivo Público, nas pessoas de Marcília, Hildo e Noêmia
foram igualmente de grande valor para o desenvolvimento da pesquisa. Não posso
deixar de lembrar do pessoal da Pós-Graduação – D. Emília, Cristiane, Luciane,
Marly e Carmem, sempre dispostas a ajudarem no que fosse possível.
Gostaria de registrar aqui um agradecimento um tanto quanto estranho, mas
necessário, ao Sr. Ronildo Maia Leite, diretor do Arquivo Público do Estado, por ter
me proibido de estacionar o meu carro nas dependências daquele estabelecimento,
dificultando, assim, o já difícil acesso que eu – pessoa portadora de deficiência física
– tive em relação aquele prédio público para realizar a minha pesquisa. É que as
dificuldades são um incentivo para mim.
No campo financeiro, quero agradecer ao CNPq que me concedeu uma bolsa de
doutorado, sem a qual seria impossível levar adiante a pesquisa que levou uma boa
parte dos anos gastos nesta empresa. Neste ponto, os meus auxiliares de pesquisa
foram igualmente importantes. Como foram muitos – mais de dez, ao longo da
pesquisa – e com medo de esquecer alguém, fica aqui o meu reconhecimento a todos
eles.
Algumas pessoas estão do meu lado desde a minha formatura do abc. É o caso
de minha mãe, que sempre cuidou de mim da melhor maneira possível, e de minha
irmã Teresa, companheira tanto afetiva quanto das divagações teóricas que a prática
intelectual criou em nós. Minha avó – a quem dedico, juntamente com o meu pai, esta
tese – é outra pessoa que me inspira muito na vida como um todo. Sua sabedoria e
firmeza de opinião, aos 98 anos de vida, são para mim exemplos a serem seguidos.
Os amigos são imprescindíveis para agüentarmos as tensões e a solidão que
acompanham a elaboração de um trabalho de doutorado. Meus queridos amigos
Paulinho, Vânia, Roberta e Inocência, todos adquiridos no curso de graduação de
História, que o digam. A Diana, um agradecimento singelo, mas de todo coração:
obrigada por tudo.
Ao meu pai (in memorian),
e a minha avó, Mãe Santa.
Para se ter visão nova do futuro, sempre foi
necessário, antes, adquirir uma visão nova do passado.
Theodore Zeldin.
SUMÁRIO

Resumo......................................................................................................................10

Abstract.....................................................................................................................11

Introdução.................................................................................................................12

Capítulo 1: O disciplinamento das classes populares na cidade do Recife.........18

-As posturas municipais...........................................................................................23

-O Mercado de São José...........................................................................................48

-O criado de servir....................................................................................................51

-“Um povo pacífico e ordeiro”.................................................................................61

Capítulo 2: A organização policial em Pernambuco (1865-1915)........................73

-Período Imperial....................................................................................................73
-A polícia civil e militar no Império........................................................................74
-Características pré-burguesas.................................................................................91
-Período Republicano...............................................................................................99
-A Guarda Local republicana.................................................................................100
-A Repartição Central de Polícia...........................................................................112
-Gabinete de Estatística e Identificação.................................................................115
Capítulo 3: Polícia versus policiados ...................................................................123

-Escravos e capoeiras.............................................................................................124

-Retirantes, marinheiros e estrangeiros..................................................................130

-As armas proibidas...............................................................................................136

-Os conflitos entre Exército, Marinha e Polícia.....................................................139


-A polícia nas ruas.................................................................................................145

-A violência policial...............................................................................................154

-Os trabalhadores livres urbanos............................................................................161

-As ilegalidades populares: vadiagem, mendicância, jogo e prostituição..............164

Capítulo 4: Uma casa para criminosos, escravos, loucos, prostitutas e mendigos:

a Casa de Detenção do Recife ..........................................................189

-Presídio ou penitenciária?.....................................................................................190

-A intervenção entre senhores e escravos..............................................................205

-Os loucos..............................................................................................................207

-Educação para os presos.......................................................................................210

-Trabalho para os detentos.....................................................................................214

-Presos bem comportados, guardas indisciplinados...............................................224

Conclusão: Não há dúvida, impera o cacete e a faca de ponta !..........................232

Fontes.....................................................................................................................242

Bibliografia citada.................................................................................................243

Anexos.....................................................................................................................251
10

RESUMO

Este trabalho tem como tema central o controle das classes


populares na cidade do Recife, no período compreendido entre 1865
a 1915, época de transição no que diz respeito à formação de um
mercado de mão-de-obra livre e de implementação de polí ticas de
disciplinamento do espaço urbano, que afetariam seus habitantes.
Para analisarmos este controle investigamos três níveis de atuação
do Estado: as leis municipais, que regulavam a vida da população da
cidade; a polícia, encarregada de fazer os cidadãos cumprir as leis; e
a Casa de Detenção do Recife, que deveria punir os que fugissem às
normas e rediscipliná-los à vida em sociedade.
11

ABSTRACT

The central theme of this thesis is the control of Recife´s


popular classes during the period 1865-1915, an era of transition
with regard to both the formation of a free labor market and the
ordering of the city and its inhabitants. In order to analyze this
theme, three areas of state action are examined: municipal laws wich
regulated the life of the city´s inhabitants; the role of the police; the
House of Detention wich both punished and “re-educated” those
who desobeyed norms an regulations imposed by the state.
CAPÍTULO 1

O DISCIPLINAMENTO DAS CLASSES POPULARES NA CIDADE DO


RECIFE

O século XIX trouxe consigo várias transformações tecnológicas e ideológicas,


conseqüências do avanço industrial, da propagação do liberalismo – que ocorriam desde
o século XVIII – e da subseqüente reação das doutrinas socialistas, que em conjunto
iriam afetar as mais diversas áreas do conhecimento e da ação humana. O Estado toma a
si a tarefa de governar os homens, burocratizando-se e utilizando-se de menos
arbitrariedade e mais impessoalidade em suas decisões administrativas. Os direitos do
homem e do cidadão passam a ser a base do pacto de governo das nações livres da
Europa, embora usado em graus diferentes em cada uma delas. É uma época de
efervescência da consciência do homem como um ser que dirige o seu próprio destino,
sentimento esse desenvolvido por uma cultura industrial e científica que via no
progresso algo que levaria sempre ao bem-estar e a felicidade da maioria. 1
As coisas, no entanto, não ocorriam bem assim. Se a burguesia européia estava
conseguindo alcançar seu ideal de progresso, o mesmo não ocorria com as classes mais
pobres, que sofriam com a expulsão dos campos, a miséria, o desemprego, os baixos
salários, as jornadas exaustivas de trabalho e a insalubridade das cidades industriais, as
quais não estavam preparadas para abrigar tantos operários, camponeses à busca de
emprego e mendigos em tão pouco tempo. A criminalidade aumentara e a insatisfação
operária era visível e preocupante para a burguesia européia, que não conseguia reprimir
satisfatoriamente o avanço do movimento operário e das idéias socialistas. 2 Além disso,

1
Eric Hobsbawn, A era das revoluções, pp.255-266 e A era dos impérios, pp.125-131, 363-367; Alan
Touraine, Crítica da modernidade, pp.9-11 e 213-218.
2
Apesar de muitas dessas condições terem tido o seu auge na Europa do século XVIII – como o êxodo
rural –, elas persistiram em maior ou menor grau até pelo menos meados do século XIX. Paris, por
exemplo, possuía 500 mil habitantes em 1800 e o dobro em 1840, em sua maioria formada de imigrantes,
esmagadoramente composta de operários (...). Freqüentemente explorados e mal pagos,
sistematicamente despedidos dos empregos em épocas de crise desacostumados com a vida urbana, mal
alojados, atingidos por doenças epidêmicas... , cf. Jerrold Seigel, Paris boêmia, pp.30-31. Na Inglaterra,
a situação neste período não era muito diferente: houve desemprego, ciclos comerciais oscilando
19

a burguesia sentia a necessidade de uma nova ordem urbana, diferente daquela que até
então tinha base na cultura popular, uma ordem fundada em seus próprios valores. Este
novo padrão básico 3 de ordenamento urbano era instituído pelo Estado, que
progressivamente estendia mais a sua vigilância ao espaço tradicionalmente neutro e
visto como desorganizado – o espaço da rua – 4 , com o intuito de criar uma sociedade
disciplinada em sua vida pública. Esta preocupação nascia de um profundo medo de
uma catástrofe social produzida pelas classes populares, vistas como elementos
vulcânicos, cuja violência explosiva [podia] destruir a estrutura da sociedade.5
É neste momento que países como a Inglaterra criam uma organização policial
fardada e burocrática, que iria ajudar no desenvolvimento de novas noções sobre a
ordem urbana e a disciplina social. O que os ingleses estavam tentando criar, na
verdade, era uma comunidade ideológica, tratava-se de instituir novos padrões de
moralidade entre as camadas populares em seu uso da urbe, isto é, novos padrões para o
que fosse ordenado/desordenado, aceitável/inaceitável, estável/instável na ordem
pública. 6
Os problemas que atingiam a Europa, advindas com o desenvolvimento do
capitalismo, repercutiam a um certo grau nas elites brasileiras, sempre influenciadas
pela burguesia européia no que seria o seu ideal de civilização nos trópicos. O
sentimento de exaltação do progresso, me sclado ao medo das classes populares, e o
desejo de estabelecer um ordenamento próprio no espaço urbano, seriam sentimentos
compartilhados por elas – embora em graus diferentes e por razões diferentes. Aqui, o
que se apresentava era uma massa de trabalhadores escravos que deviam ser controlados
conjuntamente a um grande número de homens livres desocupados. Além disso,
configuravam-se dois novos problemas: a passagem do trabalho escravo para o trabalho

descontroladamente, crises industriais na década de 1840, epidemias de cólera e tifo causadas pela
insalubridade das cidades industriais, insatisfação da classe operária, aumento da criminalidade etc. Os
salários dos trabalhadores só iriam ter um aumento real no final do século, mas mesmo assim, o temor da
burguesia em relação às classes pobres de uma forma geral, aglomeradas nestas cidades, ainda era
bastante presente, como uma reação aos anos anteriores. Cf., Robert D. Storch, “O Policiamento do
cotidiano na cidade vitoriana”, in Revista Brasileira de História, São Paulo, v.5, nº8/9, set.1984/abr.1985,
p.11; Eric Hobsbawn, A era das revoluções, 1789-1848, pp.226-230, e A era do capital, 1848-1875,
pp.221-240.
3
Este padrão básico de comportamento urbano seria ...o estabelecimento do controle em todos os
espaços públicos e a vigilância constante do comportamento em público. Robert D. Storch, op. cit., p.19.
4
Para uma análise da rua como um espaço social em oposição ao da casa na sociedade brasileira, vide
Roberto DaMatta, Carnavais, malandros e heróis, pp.90-102.
5
Robert D. Storch, op.cit., pp.7, 9, 30.
6
Idem, p.8, 9, 10.
20

livre, que teve seu momento mais crítico nas décadas de 1870 e 1880 e o burocratismo
paulatino do Estado Imperial, que se tornaria formalmente burguês com a República. 7
A necessidade da passagem do trabalho escravo para o livre trouxe para as elites
brasileiras novas exigências de controle social que as levou a concentrar no Estado o
monopólio da violência e da repressão, o que antes era exercido com freqüência pelos
senhores de terras e escravos. Esta tarefa teve mais êxito nas áreas urbanas de maior
concentração populacional, onde também as relações de apadrinhamento eram menos
significativas do que na área rural. 8
À polícia seria destinada a incumbência de assumir o papel de protetor da
propriedade e de exercer o controle sobre o comportamento da população urbana. O
governo imperial de fins dos anos de 1860 e depois o republicano das primeiras décadas
do séc. XX, tentaram seguir a experiência européia de formar uma polícia capaz de
exercer esse controle sobre a vida pública do povo, mas sempre atentos às
peculiaridades que atuavam em torno de uma questão tão delicada, num país como o
Brasil, quanto à de concentrar o poder de polícia nas mãos do Estado e querer criar um
padrão de comportamento urbano para as classes populares, acostumadas à liberdade
que detinham na rua. Apesar do liberalismo brasileiro tentar implementar um projeto de
hegemonia ideológica e cultural, combatendo a cultura popular como um fator de atraso
para a sociedade, este intento foi desde cedo alvo de resistência, e a polícia – agente
mais visível de sua aplicação – vista como o principal inimigo. Ao contrário dos
ingleses, não havia consenso entre a classe dominante brasileira, nem entre as camadas
mais pobres da população, quanto à interferência dela nas relações sociais. 9
Segundo Boudon e Bourricaud, o controle social é um conjunto dos recursos
materiais e simbólicos que uma sociedade dispõe para assegurar a conformidade do
comportamento de seus membros a um conjunto de regras e princípios prescritos e
sancionados. 10 Não tem, no entanto, uma eficácia duradoura se estas regras forem
sistematicamente vantajosas para uma parte e desvantajosas para a outra.

7
Essas duas questões são discutidas nas obras de Décio Saes, A formação do Estado burguês no Brasil,
1888-1891; e de Ademir Gebara, O mercado de trabalho livre no Brasil, 1871-1888.
8
O controle exercido pelo Estado Imperial sobre os escravos urbanos é estudado in Leila Mezan Algranti,
O feitor ausente.
9
João José Reis, A morte é uma festa, p.275; Thomas H Holloway, Policia no Rio de Janeiro, pp.22-23.
10
R. Boudon e F. Bourricaud, Dicionário crítico de sociologia, pp.100-106.
21

No caso dos senhores, por exemplo, tornava-se difícil aceitar a intervenção do


Estado em relação aos limites permitidos em castigar seus escravos, assunto que
tradicionalmente era tratado como um direito privado, circunstância mais agravada na
cidade onde este limite era bem mais vigiado tanto pelas autoridades policiais como
pela própria sociedade das últimas décadas da escravidão. Em Recife, houve casos de
denúncias em jornais de pessoas indignadas pelos maltratos praticados por vizinhos
sobre seus escravos e que clamavam pela ação da polícia. Houve também senhores que
requeriam um número elevado de açoites em seus escravos que terminaram sendo
reduzidas por solicitação do administrador da Casa de Detenção ao chefe de polícia.
Mais agravante ainda para essas relações, era a ação da polícia ao prender escravos por
infrações de posturas, o que privava os senhores dos dias de trabalho de seus cativos, ao
mesmo tempo em que arrumava mão-de-obra barata para o Estado. Quanto à população
livre pobre, entrava constantemente em conflito com as autoridades policiais quando
exerciam certos tipos de atividades lúdicas tidas como atentadoras à boa ordem e
costumes. 11 Era, portanto, um campo delicado de disputa entre autoridades e povo, cada
um querendo impor um modo de viver diferente à área urbana.
Outro fator que pesava na hora de se instituir um ordenamento urbano de acordo
com o que se considerava como “cidade civilizada”, era a própria característica da
sociedade brasileira – tanto as elites como o povo, tinham na violência um meio de
resolver suas discórdias pessoais, o que tinha sua origem numa moralidade que tinha
nela um meio de satisfazer a honra. Isto devido à falta de uma Justiça imparcial, que
resolvesse a um grau satisfatório os conflitos entre os indivíduos, principalmente se
fossem membros de classes diferentes. 12 Além disso, a utilidade que a violência tinha
para a manutenção do poder das elites era de grande importância, tornando-se patente
nas eleições, onde a própria Força Policial – mantenedora da ordem, por definição –
servia aos interesses políticos do governo, ajudando as fraudes eleitorais por meio da
intimidação e do uso da força sobre os adversários políticos. Eram, portanto,
contraditórias e inconsistentes as medidas tomadas no sentido de controlar a violência

11
Leila Mezan Algranti, op.cit., pp.195-197 e Clarissa Nunes Maia, Sambas , batuques, vozerias e farsas
públicas, capítulo 1.
12
A questão da violência na sociedade brasileira é discutida no livro de Maria Silvia de Carvalho Franco,
Homens livres na ordem escravocrata, capítulo 1; e de Ruben Oliven, Violência e cultura no Brasil, p.13.
22

nas camadas inferiores, uma vez que havia uma espécie de violência institucionalizada
perpassando a sociedade, e que resistiria por muito tempo ainda na República.
Para criar um consenso, portanto, era necessário dispor de um discurso que fosse
aceito não apenas pelas elites, como pelas camadas que deveriam ser diretamente
controladas. Era o caso de se instituir uma nova moralidade para as classes pobres,
fundada no trabalho, que até então, era aviltada pela escravidão. A passagem para o
trabalho livre sugeria uma legislação que regulasse as novas relações de trabalho entre
patrão e empregado, uma redefinição sobre o próprio conceito de trabalho que deveria
ser absorvido pela população livre e um aparato preventivo/repressivo que tivesse a
missão de salvaguardar os bens dos proprietários e garantir a aplicação das normas que
criaria uma nova moralidade urbana para as classes populares. Esta transição exigia que
o trabalhador livre fosse disciplinado e a vadiagem coibida. Era o caso de reeducar o
liberto e os homens livres pobres numa nova visão do que deveria ser o novo
trabalhador não mais compelido compulsoriamente ao trabalho: ordeiro, eficiente e sem
vícios que os afastassem de suas obrigações. 13 Esta foi uma situação que se apresentou
cedo em Pernambuco, uma vez que a crise econômica da Província levou a que seus
14
escravos fossem vendidos para as fazendas de café do Sudeste do País.
De acordo com Isabel Marson, o Estado imperial teria preparado ao longo do
século XIX toda uma legislação que ...registrou e mapeou a força de trabalho,
controlou o comportamento dos trabalhadores, coibiu as ameaças contra a
propriedade, orientou a produção e circulação das mercadorias, dos produtores e
consumidores, e ajudou a delinear a figura do cidadão. Essas leis tinham o objetivo de
preparar os cidadãos livres a venderem sua força de trabalho, transformando o sentido
que era atribuído ao ócio pelos homens livres pobres: antes de sua expropriação – efeito
da expansão agrícola – caracterizava a autonomia que possuíam frente aos proprietários
de terras, o que os diferenciavam dos escravos; à medida que se avançava com a
expropriação e se colocava em marcha o processo de venda da mão-de-obra livre, o ócio
desfrutado pelos homens livres pobres passa a ser combatido como origem da
marginalidade. É desta forma que as elites irão construir um projeto para o país onde o

13
Ademir Gebara, op. cit., pp.55-60; S. Chalhoub, G.S.Ribeiro, M.A.Esteves, “Trabalho escravo e
trabalho livre na cidade do Rio: vivência de libertos ‘galegos’ e mulheres pobres”, in Revista Brasileira
de História, São Paulo, v.55, nº8/9, set.1984/abr.1985, passim.
14
Cf. P. Eisenberg, Modernização sem mudança, pp.172-182.
23

progresso material e moral, juntamente com a organização da força de trabalho livre e


discip linada, tornaram-se faces de uma mesma moeda. 15
Este não era, contudo, um problema que atingisse apenas os trabalhadores rurais.
Segundo ainda a mesma autora, os trabalhadores urbanos do Recife – no caso, os
artesãos – sofreram também de um tipo de expropriação – a expropriação do saber,
conseqüência do livre comércio e das novas técnicas industriais européias, que os fez
passar da condição de autônomos para trabalhadores que recebiam um salário. 16

As posturas municipais

As províncias, bem como os estados e municípios republicanos, iriam tentar


controlar as classes populares utilizando-se principalmente de três recursos: leis
municipais que regulavam a vida do cidadão no espaço público; forças militares e
paramilitares, que com atribuições ainda não bem definidas, iriam impor a ordem
estabelecida (especialmente a polícia), atuando na prevenção/repressão de uma forma
geral; e instituições carcerárias, que teriam como missão coadjuvar o trabalho da
polícia, isolando e redisciplinando os indivíduos desviantes.
As leis que normalizavam a cidade eram chamadas de posturas municipais, e sua
função era regular a vida pública dos municípios, como a construção de casas e
edifícios, o funcionamento dos mercados públicos e do comércio, a limpeza e
conservação da cidade, a maneira como as pessoas deveriam se comportar em público,
etc.; preocupação que perdurou por todo o governo imperial, revelando seu esforço em
implementar uma política de disciplinamento urbano. Através delas, a linguagem do
poder iria se urbanizar, produzindo um discurso com pretensões a criar um espaço
próprio, livre de todas as imperfeições físicas, mentais ou políticas, que deveria ser a
17
cidade, o que pode ser percebido pela preocupação em retirar das ruas, os loucos,
mendigos, ébrios e prostitutas.

15
Isabel Andrade Marson, “Trabalho livre e progresso”, in Revista Brasileira de História, v.7, pp.82-
83,87-89 e 91.
16
Idem, ibidem, pp.86 e 89.
17
Michel de Certeau, A invenção do cotidiano, pp.173-174.
24

Desde a década de 1830 que as posturas agiam no sentido de cercear a cultura


popular, vista como degradadora dos costumes e propiciadora de distúrbios, o que será
intensificado a partir de meados do século XIX, quando a presença médica nos assuntos
administrativos das cidades fará com que também seja percebida como um fator de
perigo à saúde pública. Nas últimas décadas do século, com a Lei de 1871, que
preparava o caminho para a formação de um mercado de trabalho livre, há uma
intensificação na repressão a vagabundagem em nível municipal e as posturas servirão a
este propósito. 18
Em Pernambuco elas eram propostas pelas Câmaras Municipais, avaliadas pela
Assembléia Provincial, a qual, depois do seu parecer, enviava-as ao presidente da
província para serem aprovadas ou não. 19 De tempos em tempos, às vezes anos
seguidos, essas posturas eram confirmadas ou renovadas através de novas leis.
Inicialmente eram divulgadas através de bandos, mas com o passar do tempo o público
podia tomar conhecimento delas por meio dos jornais, que as publicavam
freqüentemente. Alguns de seus temas reforçavam aspectos legais já tratados no Código
Criminal, como os ajuntamentos, os jogos e a vadiagem. Por isso, embora a falta de
observância delas caracterizasse uma contravenção, também poderia ser agravada como
um crime, e assim entravam no domínio das atribuições policiais.
A infração de uma postura acarretava uma multa que podia variar de 1$000 a
30$000 réis, a alguns dias de prisão. No caso dos escravos, além das multas que
deveriam ser pagas pelos seus donos, eles poderiam sofrer castigos físicos, em forma de
palmatoadas, prática que caiu em desuso em fins da década de 1860. 20
Para fazê-las cumprir, existiam os fiscais da Câmara – coadjuvados pelos guardas
municipais –, os quais eram encarregados de aplicarem as multas; e a polícia, através
dos inspetores de quarteirão, que deveriam avisar ao subdelegado da respectiva
freguesia qualquer irregularidade ocorrida em seus distritos. Através das posturas

18
Marta Abreu, O império do Divino, pp.196-219 e 250; J. J. Reis, op. cit., p.275-279; Ademir Gebara,
op. cit., capítulo 2.
19
A edição de uma postura municipal era redigida da seguinte forma:
O bacharel Henrique Pereira de Lucena (...), presidente da provincia de Pernambuco:
Faço saber a todos os seus habitantes que a Assembleia Provincial sob proposta da Câmara Municipal
da cidade... decretou as seguintes posturas: (...).
Palacio da presidencia de Pernambuco. Cf. APEJE, CLPPE, Lei nº 1129, de 26 de junho de 1873.
20
Sobre o controle social realizado através dessas posturas em relação aos escravos em Pernambuco, vide
Clarissa Nunes Maia, op.cit., passim.
25

municipais temos uma visão geral do que a elite recifense considerava como indesejável
para o bom funcionamento da cidade, ao mesmo tempo em que descobrimos os
principais pontos de atritos entre os dirigentes do Recife e seus habitantes. 21
Das posturas publicadas entre os anos de 1868 a 1887 na Coleção de Leis
Provinciais de Pernambuco (quadro 1), podemos isolá- las em seis categorias principais,
de acordo com os assuntos mais tratados, respectivamente:

1) controle das casas comerciais e de jogos;


2) controle de circulação de pessoas e mercadorias; 22
3) controle de festas populares;
4) moralidade pública;
5) urbanização em geral;
6) controle sobre o uso de armas.
Essas categorias, na realidade, servem apenas como uma maneira de
visualizarmos melhor o encaminhamento da política de disciplinamento urbano que as
autoridades competentes procuravam empreender, pois na prática uma única postura
poderia ser utilizada no controle de mais de um dos aspectos mencionados. Assim,
temos, por exemplo, que o controle sobre os jogos, ainda que merecesse um tratamento
à parte, estava bastante interligado com o das casas comerciais, uma vez que era comum
o jogo nesses estabelecimentos.
O controle sobre as casas comerciais nos anos pesquisados foi o mais citado,
embora em matéria de multas não tivessem os valores mais expressivos. Era, no
entanto, um dos pontos básicos de controle sobre os trabalhadores livres e escravos, e
por isso alvo de acirrada e difícil vigilância. As tabernas e mercearias que
comercializavam bebidas eram os locais de lazer cotidiano do povo, que passava lá não
apenas para se abastecer de mercadorias diversas, mas também para manter a conversa

21
Uma quadrinha do século XIX revelava a resistência da população em acatá-las passivamente: Se há
posturas de galinhas/Também há municipais;/Aquelas produzem ovos/Estas, sono, e nada mais. Apud
Francisco Pacífico do Amaral, Escavações, fatos da história de Pernambuco.
22
O conceito de controle de circulação foi utilizado por Michel Foucault para analisar a circulação das
coisas ou dos elementos, ou seja, dos miasmas, que a medicina urbana do século XVIII considerava
perigoso para a saúde das pessoas, cf. Microfísica do poder, p.90-91. Em nosso trabalho usaremos esse
conceito em relação à circulação dos indivíduos enquanto fator de segurança pública, como estudado por
Raimundo Arrais in “O espaço público que testemunha e edifica”, capítulo de tese de doutorado, USP;
com a diferença de que em nossa análise nos servimos da leitura das posturas municipais existentes no
período, como já havíamos feito em nossa dissertação de Mestrado em relação ao controle de escravos.
26

em dia, beber com os amigos, jogar ou participar de um samba. A convivência intensa


entre livres e escravos em situações que não estavam diretamente ligadas a sua condição
de cativo era um fator que deveria ser limitado o quanto fosse possível, uma vez que
prejudicava a maximização do trabalho escravo na cidade e tornava-o uma ameaça à
segurança da sociedade senhorial, na medida em que tais contatos poderiam permitir a
realização de transações ilícitas – como a venda de produtos roubados aos comerciantes
e outros receptores –, a conseguirem dinheiro através de jogos ou de conseguirem
manter-se escondidos dentro da própria cidade. 23
Quanto aos trabalhadores livres, era uma maneira de evitar entre eles a vadiagem,
assunto reiteradas vezes tratadas pelas elites como uma tendência da população pobre,
que estaria imersa no vício e no crime. Os jogos, neste ponto, eram especialmente tidos
como nocivos à formação da classe trabalhadora, inclusive dos filhos- famílias. Havia
uma lista grande de jogos que eram proibidos, os chamados “jogos de parada”: ronda,
lasquinet, maior ponto, maior ponto bancado, l’ecarté, lasca, víspora, gagáo, banca
francesa etc. As multas eram de 30$ e oito dias de prisão. A briga de galo seria
considerada outro tipo de jogo e como tal combatida. 24
Mas seria o jogo do bicho, no início da República, que receberia maior atenção
das autoridades pela penetração que tinha entre a gente do povo. Em 1905, o então
chefe de polícia, Manoel dos Santos Moreira, colocava como sendo uma de suas
prioridades o combate a este jogo, uma das causas, ao seu ver, do aumento da
criminalidade no Recife. Não se apresentava, contudo, como uma tarefa fácil, devido às
muitas pessoas envolvidas com o negócio ilícito e da própria falta que sentia da
autoridade policial não ter poderes suficientes para coibi- lo eficazmente. Uma das
queixas mais freqüentes das autoridades era a que se referia ao uso do recurso do
hábeas corpus, que desfazia rapidamente todo o trabalho da polícia:

Seria, porém, muito para desejar que, limitado como é o circulo das
atribuições da policia, no que diz respeito ás prisões que tiver de effectuar, de
modo que nem para averiguações lhe é facultado esse direito, mais cuidado

23
Clarissa Nunes Maia, op. cit., pp.97-110.
24
APEJE, CLPPE, Lei nº1129, de 26 de junho de 1873, art.74 e 183.
27

houvesse por parte das autoridades a quem esta confiada a concessão de


habeas-corpus. 25

Quadro 1
Posturas Municipais da Cidade do Recife, 1868-1887

TÍTULO ONDE
PENALIDADE A QUEM SE ESTAVA
ASSUNTOS
DESTINA INSERIDO E / OU
ANO DA LEI

Proibin do aos veículos


que transportam
qualquer coisa a 10$ e o dobro na Donos de carroças e 1868
transitar da "Ave reincidência . veículos em geral.
Maria" em diante sem
lampião aceso.

Proibindo os animais
de tais veículos " " 1869
andarem sem uma
campa ao pescoço.

Proibindo os dobres e
repiques de sinos, 10$ e o dobro na Povo e Clero 1871
exceto os dados pelas reincidência.
igrejas em ocasiões
certas.

Proibindo os
espetáculos públicos 4$ Livres e escravos 1872
sem licença prévia.

Proibindo os
ajuntamentos de
pessoas nas tabernas à 2$ e o dobro na Livres, escravos e os 1872
noite, e os jogos e reincidência. donos das tabernas
danças a qualquer
hora do dia.

25
Idem, Relatórios dos Chefes de Polícia, 1905, pp.13-15.
28

(continuação)

TÍTULO ONDE
ESTAVA
PENALIDADE A QUEM SE
ASSUNTOS INSERIDO E / OU
DESTINA
ANO DA LEI

Proibindo o 2$ Comerciantes 1872


funcionamento das
casas de negócios
depois das 10h da
noite.

Proibindo os dobres e 10$ e o dobro na Povo e clero 1873


os repiques de sinos reincidência.

Prática de "atos 2$ ou dois dias de " "


indecentes" prisão.

Proibindo o
entrudo 15$ ou 8 dias de " "
prisão.
Proibindo a
venda de limas de 4$ " "
cheiro

Proibindo
andar mascarado nas 30$ " "
ruas

Proibindo acender
fogueiras nas festas 20$ e o dobro na " "
juninas reincidência.

Soltar balões por 30$ " "


meio de aguarrás
incendiada

Jogos proibidos 30$ ou 8 dias de Escravos e livres, "


prisão e o dobro na principalmente donos
reincidência, em de botequins e de
ambas penalidades casas de tavola gem
29

(continuação)

TÍTULO ONDE
PENALIDADE A QUEM SE ESTAVA
ASSUNTOS
DESTINA INSERIDO E / OU
ANO DA LEI

Proibindo
soltar fogos de 10$ Principalmente os 1873
artifício encarregados das
festividades.

Proibindo galopar ou 10$ Livres "


correr em animais
pelas ruas e pontes da
cidade.

Proibindo andar a 5$ Livres "


cavalo sobre os
passeios.

Proibindo aos veículos 10 e o dobro na Donos de carroças e "


que se prestam a levar reincidência. demais veículos.
objetos a andarem sem
trazer lampião aceso
depois das 6 1/2.

1873/
"Sobre vozerias,
Proibindo vozerias e 1$ Livres e escravos obscenidades que se
alaridos. praticam em lugares
públicos e polícia
acerca de escravos".

Proibindo
andar nas ruas 2$ " "
indecentemente
vestido
30

(continuação)

TÍTULO ONDE
PENALIDADE A QUEM SE ESTAVA
ASSUNTOS
DESTINA INSERIDO E / OU
ANO DA LEI

Proibindo
tomar banho de rios 2$ " "
sem a devida
decência.

Proibindo farsas 30$ para livres; 4 dias " "


públicas. de prisão para
escravos.

Proibindo brigas de 10$ e o dobro na Livres, escravos,


galo reincidência chefes dos "
divertimentos e os
donos das casas

Proibindo
escravos nas ruas Recolhido a Casa de Escravos e senhores "
depois do toque de Detenção e multa de
recolher até a alvorada 2$ para o senhor.

Proibindo pichações 10$ para os infratores Livres e escravos "


e 4$ para os
proprietários.

Proibindo casas de 30$ e o dobro na Livres, escravos, "


batuque reincidência. chefes dos
divertimentos e os
donos das casas.
31

(continuação)

TÍTULO ONDE
PENALIDADE A QUEM SE ESTAVA
ASSUNTOS
DESTINA INSERIDO E / OU
ANO DA LEI

Proibindo as casas de 1873 /


bebidas, tavernas e 6$ Comerciantes "Da Polícia dos
casas de molhados a mercados, casas de
permanecerem abertas negócios e portos de
depois das 9h da noite. embarque."

Idem, proibindo " Comerciantes, "


consentirem escravos e livres
ajuntamentos de
escravos e vadios.

Idem, proibindo
funcionarem nos " " "
domingos e dias
santos depois das duas
horas da tarde.

“Sobre diversos meios


Proibindo o uso de Art.97 do Código Livres de comodidade,
armas defesas Criminal combinado manutenção da saúde
com o art. 3º da lei de e segurança dos
26 de out. de 1831. habitantes”

Proibindo os oficiais 30$ ou 8 dias de Trabalhadores "


mecânicos a prisão e o dobro na
carregarem suas reincidência.
ferramentas de
trabalho pelas ruas
depois das 6h da tarde.

Proibindo danificar ou " Livres e escravos "


apagar os lampiões de
gás
32

(continuação)

TÍTULO ONDE
PENALIDADE A QUEM SE ESTAVA
ASSUNTOS
DESTINA INSERIDO E / OU
ANO DA LEI

Proibindo aos Suspensão por oito Magarefes 1873/


magarefes andarem dias, e na reincidência “Dos magarefes”
nas ruas com as facas perde a licença
e utensílios de sua
profissão.

Proibindo assuadas, Não especifica " "


gestos e vozerias no
matadouro

Proibindo afixar 10$ e o dobro na Livres e escravos 1875


cartazes, anúncios, reincidência.
avisos, etc., nas
paredes ou esquinas.

Permite aos Magarefes e escravos 1875


arrematantes de talhos __
a conservarem seus
escravos nesse
serviço.

Protegendo os jardins 10$ + 3 dias de prisão Livres e escravos 1875


públicos

Proibindo danificar as " Livres e escravos 1875


árvores plantadas nas
ruas e praças, bem
como suas gaiolas.
33

(continuação)

TÍTULO ONDE
ESTAVA
PENALIDADE A QUEM SE
ASSUNTOS INSERIDO E / OU
DESTINA
ANO DA LEI

Proibindo as tabernas 5$ e o dobro na Comerciantes


e casas de molhados a reincidência. 1877
funcionarem aos
domingos e dias
santos depois das duas
horas da tarde.

Proibindo o depósito
de lixo, trapos e ossos Não especifica Livres e escravos 1883
na praia de Santa Rita.
*
Proibindo abrir as 30$ e o dobro na Comerciantes 1886
casas de negócios nos reincidência
domingos e dias
santificados
Proibindo exercer o 20$ e oito dias de Livres 1887
cargo de “criado de prisão
servir” sem a inscrição
no livro de registro da
Secretaria de Polícia
Fonte: Coleção de Leis Provinciais e Estaduais de Pernambuco, v. 1868-1887.

Segundo o chefe de polícia, as autoridades judiciais não estavam levando em


consideração a necessidade legal da apresentação da nota de culpa e a audiência da
autoridade que decretou a prisão, colocando em perigo a manutenção da ordem e a
defesa da sociedade... por essa excessiva indulgência. Apesar das dificuldades, o chefe
de polícia se comprazia de ter acabado com as rodas fichets e ter conseguido diminuir
consideravelmente o jogo do bicho.

Se em 1872 as casas de negócios poderiam permanecer abertas até às dez horas da


noite, no ano seguinte seria reeditada a postura que proibia ...as casas de bebidas,
tavernas e casas de molhados, a permanecerem abertas depois das 9h da noite. Era

*
Exceções: casas de mercado, barbearias, cabeleireiros, açougues, hospedarias, cafés, tabacarias, bilhares,
farmácias e padarias; e as tabernas, que só poderiam funcionar até o meio dia.
34

esta, aliás, a hora do toque de recolher do Recife; horário em que os escravos


encontrados nas ruas deveriam ser recolhidos à Casa de Detenção. Se havia casas de
negócios que poderiam ficar abertas até mais tarde – como as boticas –, o legislador
deixava claro aos comerciantes de molhados que eles não estavam incluídos. Nos
domingos e dias santos, ...as casas de mercado, de barbeiro, cabellereiro, açougues,
hospedarias, cafés, tabacarias, bilhares, pharmacias e padarias, poderiam ser abertas,
mas as tavernas e casas de molhados só poderiam funcionar até as duas da tarde – o que,
aliás, parecia uma conquista desses comerciantes, que tinham seus estabelecimentos
anteriormente restringidos a funcionarem até ao meio-dia, embora ao mesmo tempo,
tenha-se elevado a multa de 6$ para 30$ e o dobro na reincidência. 26
Percebe-se pela coincidência entre o toque de recolher e o horário de
funcionamento das casas de bebidas, que também estas posturas eram uma forma de
controlar o uso do espaço público. Como notou Holloway, depois do toque de recolher
as ruas pertenciam à polícia, e qualquer indivíduo encontrado nela era um suspeito. 27 As
casas comerciais que permaneciam abertas clandestinamente eram as maiores
responsáveis pelo uso indevido do espaço público. Este deveria ser utilizado
primeiramente para o trabalho. As festas que eram toleradas deveriam, por sua vez,
seguir normas que as tornassem civilizadas, do ponto de vista das elites.
O uso do espaço público, portanto, era um dos temas mais requeridos pelas elites
imperiais. Em nossa classificação ele ficou em segundo lugar, uma vez que colocamos
nesta categoria apenas aquelas posturas que tinham a intenção imediata de limitar ou
ordenar a circulação de mercadorias e indivíduos, mas poderíamos dizer que ele
perpassava todo o conjunto de controle social que se desejava implementar. Uma
postura, por exemplo, que proibia apagar e danificar os lampiões de gás, embora
estivesse diretamente ligada à manutenção dos aparelhos urbanos, estava, igualmente,
ligada a questão de segurança pública – companheira inseparável do controle de
circulação – , pois se tornava bem mais difícil de policiar áreas pouco iluminadas, além
do que as áreas que possuíam iluminação pública eram freqüentemente as mais
abastadas da cidade e que tinham comércio intenso, embora já houvesse a preocupação
em beneficiar arrabaldes com a colocação de lampiões a gás, como na Estrada de João

26
APEJE, CLPPE, Lei nº1129, de 26 de junho de 1873, art.187 e Lei nº1882 de 10 de setembro de 1886,
art.83.
27
T. Holloway, op. cit., p.235.
35

de Barros até a Encruzilhada, nas principais ruas do Poço da Panela, na Travessa do


Motocolombó, na Travessa do Encanamento, no Beco do Espinheiro, Arraial, Baixa-
Verde etc. 28
A iluminação como fator de segurança era tão importante na época, que constou
de 1870 a 1874 do orçamento provincial, exatamente no item “Segurança Pública”.
Enquanto em Olinda estava previsto um gasto de 15:000$000 com duzentos lampiões a
gás, Recife recebeu a verba de 100:000$000, para manter e instalar 1.322 la mpiões a
gás. 29
A proibição a “andar indecentemente vestido”, por sua vez, embora dissesse
respeito à moralidade pública, era um outro meio de identificar vadios, mendigos e
escravos fugidos, uma vez que estes últimos não teriam condições de andar
adequadamente vestidos estando em fuga. 30
O Recife, como cidade portuária, era passagem obrigatória das mercadorias que
vinham do interior para o porto e vice-versa, o que tornava necessário a vigilância sobre
os condutores de veículos de um modo geral, que possibilitasse serem identificados com
facilidade. Ao lado disso, havia o problema causado pelo intenso tráfico desses veículos
nas ruas, os quais provocavam freqüentemente atropelamentos.
Por esses motivos, havia uma série de posturas regulamentando o acesso dos
diversos tipos de veículos nas ruas, que se assemelhava a um código de trânsito:
nenhum cocheiro poderia exercer a sua profissão, fosse em veículo público ou privado,
sem estar matriculado na Repartição Central de Polícia, onde passaria por uma prova de
perícia diante de uma comissão de peritos nomeada pelo chefe de polícia, a quem
deveria provar sua idoneidade. Com isso, estaria apto a conseguir a licença da Câmara.
Os estabelecimentos de veículos de aluguel tinham que seguir o regulamento da
Repartição de Polícia, aonde era definido a natureza do serviço que os cocheiros e
boleeiros prestariam. Todos os veículos de condução eram obrigados a trazer lanternas
acesas após as seis e meia da tarde, e os de aluguel deveriam trazer em suas lanternas o
número de identificação. Os outros tipos de veículos, como as carroças, também eram

28
APEJE, CLPPE, Lei n° 1245, de17 de junho de 1876, art.9, e Lei nº 1261, de 21 de junho de 1877,
art.8.
29
Idem, Lei nº 994 de 13 de junho de 1871, art.7, §8. Cf. tb.: Lei nº 903, de 25 de julho de 1870, art.7, §7;
Lei nº 1061, de 13 de junho de 1872, art.7, §8; Lei nº 1115, de 17 de junho de 1873, art.7, §7 e Lei nº
1141, de 8 de junho de 1874, ar.7, §7.
30
Idem, Lei nº1129, de 26 de junho de 1873, art.179.
36

obrigados a andar com lampião aceso depois das seis e meia, e os animais de tração
deveriam trazer uma campa ao pescoço que alertasse aos transeuntes de sua passagem.
Era terminantemente proibido andar a galope ou correr em animal pelas ruas e pontes da
cidade, a não ser as ordenanças e os oficiais em serviço 31 Com essas posturas, as
autoridades tinham condições de evitar tanto os acidentes quanto controlar os
movimentos de pessoas ou mercadorias suspeitas que circulassem pela capital, como no
caso dos escravos, que só poderiam conduzir mercadorias após o toque de recolher se
provasse estar indo ou voltando de viagem a serviço de seu senhor.
O uso de máscaras estava igualmente inserido neste tipo de controle. As máscaras,
trazidas dos bailes venezianos pelas classes mais abastadas, tornou-se moda nas festas
carnavalescas realizadas em clubes, e com o tempo foi absorvido pelas camadas
populares. Era, portanto, um perigo potencial o de malfeitores utilizarem-se desse
expediente para praticarem delitos sem serem reconhecidos, o que motivou a Câmara
Municipal do Recife a consenti- las apenas nos três dias de carnaval, até as oito horas da
noite. Fora desses dias, mesmo que o indivíduo estivesse todo a caráter para um baile à
fantasia, pagaria uma multa elevada – 30$ réis – e seria preso por oito dias.
Os oficiais mecânicos e os magarefes – profissões ligadas principalmente ao
ambiente urbano –, eram igualmente objetos de vigilância. Não poderiam circular pela
cidade com seus instrumentos de trabalhos a qualquer hora do dia. Aos oficiais
mecânicos era permitido levá- los ... para as suas oficinas ou lugares de suas
occupações... até às seis horas da tarde, enquanto os magarefes não poderiam ... andar
nas ruas com as facas e utensilios de seu officio, sem ser dentro de uma bolsa de couro
atada por três fivelas. O magarefe que fosse pego nas ruas sem atender as exigências da
postura, seria suspenso por oito dias, e na reincidência perderia sua licença. Esta era
uma penalidade severa, uma vez que as licenças eram renovadas anualmente e para
consegui- las, entre outras exigências, estava a de ter bom comportamento. 32
O objetivo dessas posturas era prevenir os conflitos desses profissionais com
outras pessoas, que porventura pudessem acabar em ferimentos graves, e evitar que
ladrões se utilizassem desses instrumentos para arrombar casas, passando-se por
trabalhadores. A preocupação das autoridades com o uso indevido de instrumentos de

31
Existiam 33 artigos no código de posturas de 1873, dedicada ao tráfego de veículos no Recife, cf.
APEJE, CLPPE, Lei nº 1129 de 26 de junho de 1873, arts.144 a 177.
32
APEJE, CLPPE, Lei nº1129, de 26 de junho de 1873, arts.210, 239 e 240.
37

trabalho era acompanhada pela proibição do uso indiscriminado de armas pela


população, assunto ao lado do qual apareciam estas posturas. Existiam várias posturas
que tratavam de limitar e especificar os tipos de armas que poderiam ser usadas. Era
proibido, ...o uso de armas contundentes, cortantes, perfurantes e de fogo, sendo
permittido o uso de bengalas, fato contraditório, uma vez que as bengalas eram muito
utilizadas pelos capoeiras em suas brigas. Apenas tinha permissão para andar armado na
cidade, o cidadão que fosse estabelecido nela e tivesse reconhecida probidade,
justificando necessitar de armas por ter sua vida ameaçada. As autoridades policiais, no
entanto, só poderiam emitir licenças para espingardas de caça, pistolas, espadas e
floretes. O suplicante tinha, ainda, que apresentar um fiador que se responsabilizasse
com a quantia de um conto de réis, para o caso de utilizar as armas criminosamente e
não ser capturado, o que restringia o uso legal de armas, nestes casos, a pessoas de certa
posse. Armas como floretes e espingardas de caçar poderiam ser licenciadas a pessoas
residentes no país, de ocupação honesta, devendo declarar sua nacionalidade, idade,
emprego e endereço. 33
As estatísticas policiais mostravam as dificuldades em se conseguir desarmar uma
população acostumada desde a colônia a usar facões no trabalho braçal e armas de fogo
para se defender e caçar nas andanças pelas matas. Por outro lado, esta era uma
daquelas leis que se não eram respeitadas pelas classes inferiores, muito menos eram
pelas classes privilegiadas, o que a tornava só por isso sem efeito, uma vez que não
instituía uma obrigação comum para ambas as classes.
O controle sobre as festas populares era outro tema bastante recorrente nas
posturas e que recebia as multas mais elevadas da Câmara Municipal, o que demonstra
o firme propósito de transformar os hábitos de lazer das classes populares em outros que
desse ao Recife foro de cidade “civilizada” e “branca”. As festividades populares
sempre foram mais toleradas do que aceitas pelas elites, que as usavam de acordo com
seus interesses de disciplina e interação social que desejavam levar a efeito. 34 Eram
vistas como imorais, degradantes dos bons costumes, chamariz de vadios, escravos e
criminosos, e por isso fonte constante de distúrbios, vozerias e assuadas. Mesmo
manifestações religiosas, como as procissões, que congregava não apenas o povo, mas

33
Idem, ibidem, arts.205-209.
34
Rita de Cássia B. de Araújo, Festas: máscaras do tempo (entrudo, mascarada e frevo no carnaval do
Recife), pp.6-13.
38

reproduziam a hierarquia da sociedade com a presença das autoridades eclesiásticas,


civis ou militares que levavam o santo 35 , traziam problemas às autoridades encarregadas
de policiar a capital, uma vez que eram freqüentemente acompanhadas por capoeiras
que aprontavam tropelias pelo caminho.
Algumas festas eram consideradas essencialmente bárbaras pelos transtornos
causados aos habitantes, como no caso do entrudo, que causava sérias irritações nas
vítimas do brinquedo de jogar água (às vezes suja), farinha e limas de cheiro, na época
do carnaval. Muito do gosto dos escravos e classes pobres, a brincadeira podia se
transformar rapidamente em conflitos devido ao seu conteúdo agressivo, invadindo até
mesmo o ambiente privado do lar:

Sr. redactor da Revista Diaria – rogamos-lhe o obsequio de, por meio de seu
conceituadissimo Diario, chamar a attenção da policia da freguesia da Bôa-
Vista, para uma sucia de vadios, que anda pelas ruas do Visconde de
Camaragibe, e logo que anoitece, lançando limas de cheiro para dentro das
casas, molhando e inutillisando moveis, quebrando vidros, como succedeu
hontem na rua do Visconde de Camaragibe.
Será isto permittido? Pois será prohibido a qualquer família reunir-se á
noite, em sua casa, sob pena de ver chegar á janela dous ou tres peraltas, e
lançar limas para dentro e irem-se muito frescos, rindo de sua gentileza, para
fazerem adiante o mesmo?
Rogamo-lhe que peça ao Sr. Subdelegado providencias, contra este abuso,
que alem de ser selvagem, pode ser causador de graves conseqüencias.

Segundo o Padre Carapuceiro, crítico contumaz dos folguedos populares, o


entrudo era um grosseiríssimo divertimento que enlouquecia a população por três dias,
provocando desconfianças, brigas, mortes e insultos às senhoras, devido à aproximação
física que permitia entre os sexos. Os matutos – não habituados aos costumes da cidade
– eram uma das vítimas prediletas da brincadeira. 36 Mal visto pelas elites, esse

35
Roberto DaMatta, op. cit., p.65.
36
Miguel do Sacramento Lopes Gama, O Carapuceiro, v.1, p.2 e 4. Uma reclamação publicada em jornal
do início do século XIX, descreve como um matuto podia ser vítima da brincadeira e o porquê do mau
humor de muitos a respeito dela:
39

brinquedo popular era proibido, bem como a venda de limas de cheiro utilizadas nas
batalhas de ruas, chegando seus infratores a sofrerem uma multa de 15$ ou oito dias de
prisão.
A proibição ao entrudo, entretanto, era difícil de se fazer cumprir, pois era um
folguedo muito difundido entre a classe pobre, tendo apreciadores inclusive entre os de
classe mais abastada. Mário Sette descreve em detalhes e com saudades, como a
fabricação das limas-de-cheiro em algumas dessas famílias já havia se tornado uma
tradição:

(...) Reunia-se a família inteira nos antigos solares. As senhoras e


sinhazinhas sentadas nas marquesas de jacarandá; as escravas pelo chão em
esteiras de pipiri. Acendiam fogueiras, derretia-se em latinhas de cera,
terembentina e a tinta. Depois em fôrmas de madeira ou gesso, moldavam-se
as duas bandas da lima e após enche-las de água Florida ou de Colônia,
soldavam-nas. Eram os projéteis carnavalescos da época. Atirados contra o
inimigo, estouravam por percussão e molhavam a pessoa toda. Quando não
eram as limas, era o banho dentro de uma gamela, de uma tina, de um barril...
Nesse tempo não havia máscaras; existia apenas Entrudo.37 (Grifos meus)

Realmente, os máscaras e todo o aparato do carnaval europeu viriam como uma


forma encontrada pelas elites em transformar a prática popular do entrudo, criando uma
nova forma de festejar o carnaval, mais civilizado e menos mestiço, uma vez que tinha
sua inspiração nos bailes de máscaras de Veneza, Nice e Roma. As limas-de-cheiro, os

Barbaro he o costume do entrudo, costume, que parece herdamos dos tempos do feudalismo, no qual os
Grandes se divertião com os males, os mais horrorosos, dos pequenos, pois que vemos que este
brinquedo he mais ou menos insultante, mais ou menos indecente, picoso, e infame conforme o asseio,
ou distinção do paciente, e do agente; barbaro costume, sim; porem que alem de toda a barbaridade do
brinquedo, ou melhor da patifaria, que alem de hum pobre matuto ser apupado, emporcalhado com agoa
suja, e lama, de se lhe dar com tintas até de oleo na cara, e na roupa, de se lhe deitar a perder seus
effeitos, que conduzem, muitas vezes de padecer avarias, de se atravessarem na rua cordas de hum a
outro lado para espantar, e fazer recuar os seus cavallos, ou a elles mesmos, se passão a pé, e de todas
as outras insolências, que lembrão a hum bando de biltres réos de policia, que vadião quando devião
trabalhar, que alem de tudo isto, digo, tenha essa gente o atrevimento essa gente (sic), ou esses brutos de
espancar, a appedrejar aqqueles pacíficos homens, que não muito prudentes reprezentão o seu
incommodo, ou prejuízo, e repellem tantos insultos com vãos improperios (...) A rua direita (sic) he o
principal Theatro destes factos, e com bem pouco custo me parece se atalhará o mal maior que deve ser
no resto do corrente mez. (...)
Hum Matuto. DP., 23/02/1823.
37
Mário Sette, Maxambombas e maracatus, p.49.
40

pós e tauás deveriam ser substituídos por ramalhetes de flores,... como usado em
algumas cidades francesas e italianas; ao invés do corre-corre do entrudo, passeatas de
clubes carnavalescos e apresentações públicas de bandas de música. 38 Estava-se criando
um carnaval apropriado às classes urbanas mais privilegiadas, não apenas privatizando-
o nos salões dos clubes recreativos e teatros 39 , mas transformando a própria festa da rua
em uma comemoração mais européia:

Folgares Carnavalescos – Remetem-nos o seguinte, a que damos


publicidade com satisfação, pois que desde muito pugnamos pela completa
extinção do entrudo, desejando vel-o de todo substituído por outros folgares
(...):
“Tendo muitos moradores da rua da Imperatriz e da praça do Conde d’Eu,
da freguezia da Boa Vista, de fazerem alguns festejos durante os dias de
carnaval, é de sumo interesse que Vv. Ss. peçam as famílias e transeuntes
d’aquelas rua e praça para não brincarem com limas d’água, tauás etc., (...)
afim de que se possa estar nas varandas e portas para ver-se os mascaras e
assistir-se aos mesmos festejos que consistem em duas musicas na rua da
Imperatriz e uma na praça, embandeiramento, arcadas de folhas, pinturas
alegoricas, versos, ditos chistosos etc., e ás noites dos tres dias alguns fogos
de bengala.
(...)
A comissão espera tambem o concurso de mascaras e de todos aqueles que
aplaudem os folgares inocentes do carnaval, sem agua, pois que são os
próprios do estado civilizador em que vivemos. (...)”40

A idéia surtiu efeito e tornou-se tradição enfeitar as principais ruas da capital para
as festas carnavalescas, bem como os desfiles dos máscaras. Em 1901, um jornalista se
comprazia com o magnífico efeito produzido pela iluminação a gás em forma de arcada,
com que havia sido ornamentada a rua do Cabugá, enquanto outro se divertia com a

38
DP, 16/02/1882.
39
Cf. Luiz Felipe de Alencastro, “Vida privada e ordem privada no Império”, in História da vida privada
no Brasil: Império, v.2, p.51.
40
DP, 14/02/1882.
41

extravagância da mascarada que passava estalando sua castanhola.41 Mas apesar dos
esforços, por muito tempo ainda o entrudo se faria presente no carnaval recifense, nas
brincadeiras do mela- mela e mesmo no corso. No início do século XX as autoridades
policiais ainda expediam editais proibindo o jogo do entrudo, o que demonstra a sua
persistência. 42 Na verdade, neste confronto cultural, nenhuma das partes sairia
perdedora, pois o carnaval assimilaria aspectos culturais de ambas as classes sociais
passando a ter contornos tipicamente brasileiros e até regionais, como no caso de
Pernambuco.
Outras tradições populares, como acender fogueiras nas festas juninas, soltar
balões por meio de aguarrás ou fogos de artifícios a qualquer tempo, eram igualmente
proibidos como perigosos e inconvenientes ao sossego público. Os fogos de artifícios
eram proibidos de serem fabricados dentro da cidade, e só poderiam ser comercializados
em determinadas freguesias. Os fogos que fossem ser utilizados dentro do Recife
deveriam ser soltos em lugares espaçosos que não tivesse aglomerações pelos
fogueteiros ou outra pessoa habilitada indicada por ele, que ficaria responsável pelo seu
uso indevido. Ficaria igualmente responsável por qualquer irregularidade, os
encarregados das festividades. 43
Mesmo os dobres e repiques de sino deveriam servir a finalidades bem definidas,
atendendo as exigências do clero e seguindo um número de batidas pré-estabelecidas,
como nos avisos dos horários das missas, da morte de algum membro de irmandade,
procissões etc. 44 As batidas insistentes dos sinos das igrejas além de incomodarem os

41
Idem, 17 e 21/02/1901.
42
Idem, 24/01/1901.
43
APEJE, CLPPE, Lei nº 1129, de 26 de junho de 1873, arts.124, 134, 135, 136. As freguesias onde
poderiam se vender fogos de artifícios eram: São Lourenço da Mata, Jaboatão, Muribeca, Afogados e
Várzea, em casas isoladas e fora dos povoados; na freguesia da Boa Vista, na estrada de João de Barros
até Belém, na estrada de Olinda até a ponte de Tacaruna; na freguesia do Poço da Panela, na Estrada do
Arraial.
44
A postura prescrevia as seguintes normas para o uso dos sinos: Art.63. Ficam prohibidos os dobres e
repique de sinos, excepto nos seguintes casos: 1º Um dobre com duração de cinco minutos por ocasião
da morte de qualquer fiel, dado na igreja onde for depositado o cadáver; 2º um dito por ocasião do
officio de corpo presente e da visitação de cova; 3º um dito em cada uma das matrizes no dia de finados;
4º um repique na véspera de qualquer de qualquer festividade, dado na igreja onde ela se fizer; 5º três
ditos durante o dia de festa e com duração também de cinco minutos cada um. Além desses, haverá por
occasião de passar o Santissimo Sacramento e as autoridades que a isso tiverem direito, da chamada dos
fieis para a missa e para acompanharem o Santíssimo Sacramento ou Viatico, um só dobre na véspera de
quarta-feira de cinza s, nas dos sermões quaresmaes e festivos, somente nas igrejas onde se fizerem esses
autos, os signaes do meio dia,trindade,oito e nove horas da noute, de fogo(sic) e rebate: os infractores
42

vizinhos – como se percebe até pela limitação que a Câmara impôs ao seu uso – muitas
vezes eram utilizados pelos capoeiras como um meio de comunicação, que se serviam
desses toques como sinais entre si, para serem alertados da presença da polícia ou de
grupos rivais. 45
Por conta de todas essas restrições, aqueles que desejassem levar a efeito algum
espetáculo público deveriam pedir autorização da Câmara Municipal ou do chefe de
polícia, para realizarem maracatus, sambas, pastoris, apresentações circenses etc.
Alguns autos de Natal, como o bumba- meu-boi, por exemplo, eram alvos do
cerceamento das autoridades, por criticarem e tornarem centro de pilhérias, figuras
tradicionais da sociedade patriarcal, como os senhores de engenho, os sacerdotes, os
militares e os médicos. Seus infratores recebiam, por isso, multas elevadas, de 30$ réis
ou quatro dias de prisão, se fossem escravos. 46
No caso dos presépios e pastoris 47 – que ocorriam no período das festas de fim de
ano e iam até o dia da padroeira do Poço da Panela (2 de fevereiro) –, as restrições se
prendiam em razão do conteúdo das suas apresentações. Embora os pastoris terem tido
sua origem nos autos natalinos que recordavam o nascimento de Jesus, aos poucos
sofreram alterações de caráter profano que lhes caracterizariam como uma espécie de
revista teatral. Eram por isso considerados licenciosos, e davam margem a constantes
confusões que ocorriam durante as arrematações das flores, quando então se disputava a
atenção das pastoras, algumas delas dadas à prática da prostituição. 48 Por outro lado, os

pagarão a multa de 10$000 e o dobro na reincidencia. Cf., APEJE, CLPPE, Lei nº 1129 de 26 de junho
de 1873.
45
Valdemar de Oliveira, Frevo, capoeira e passo, pp.76-77.
46
APEJE, CLEPE, Lei nº 1129 de 26 de junho de 1873, art.181.
47
Roberto Benjamin, em suas notas inseridas no livro de Ascenso Ferreira, O maracatu, presépios e
pastoris e o bumba-meu-boi, p.105, diz ter encontrado apenas uma indicação de sinonímia entre presépio
e pastoril feita por Pereira da Costa, e que ...Caso tenha havido mesmo, algum tempo, sinonímia
pernambucana entre Pastoril e Presépio, isso não se vulgarizou bem lá. O que observamos é que os
termos eram usados como sinônimo no século XIX, o que deixou de acontecer nos primeiros anos do
século XX:
Acertada Providencia – O (...) subdelegado da freguesia de Santo Antonio, expedio terminantes ordens
aos inspectores de sua freguezia, para que providenciem de modo a que se acabem hoje (...), os presepios
ou pastoris onde se dão os disturbios por causa de arrematações de cravos....(Grifos meus), Jornal do
Recife, 22/01/1881.
Em 1901 encontramos outra referencia a presépio com o mesmo significado de pastoril: As 2 horas da
madrugada de ante-hontem, n’um presepio no viveiro do Muniz, houve grande barulho.... A Província,
24/12/1901. Cf. tb. DP, 03 e 07/11/ e 13/12/1881, 05 e 24/01/ e 08/ 02/1882 e 11/01/1886.
48
Ascenso Ferreira, op. cit., pp.39-44.
43

moradores vizinhos a esses bailes populares sentiam-se incomodados com o barulho que
provocavam:

Presépio incommodativo – Queixam-se moradores do pateo do Terço (...),


que há alli um presépio por demais incommodativo á vizinhança, que se vê
obrigada a passar noites em claro, pela gritaria que fazem no tal divertimento.
Já tendo sido publicada uma portaria do Sr. Dr. Delegado prohibindo a
existencia de semelhante diversão, deve o subdelegado respectivo cumprir o
seu dever, pondo-a em execução.49

A moralidade pública defendida no controle dessas festas de um modo geral era,


por sua vez, reforçada ao se promover uma atitude de moderação entre a população, o
que deveria manter a cidade livre de vozerias, alaridos, assuadas, palavras obscenas,
pichações etc. Costumes como o de pessoas banhar-se em rios nus e jogarem dejetos
neles, deveriam ser coibidos tanto pelos bons costumes como pela salubridade dos rios,
que começava a entrar na lista de atenção dos ordenadores da cidade. 50
O Recife deveria seguir um padrão de embelezamento europeu e para isso as
pessoas deveriam se apresentar “decentemente vestidas”, sem camisas fora das calças
ou maltrapilhas. Os mendigos deveriam ser recolhidos ao Asilo de Mendicidade, ou
como vadios, presos e enviados à Casa de Detenção.
Outras posturas que diziam respeito de modo geral a essa preocupação com a
decência, limpeza e embelezamento da cidade, podem ser observadas no respeito pelos
passeios públicos, jardins e árvores plantadas nas ruas, os quais deveriam ser fonte de
deleite para as classes média e alta, que adotariam o passeio pelas praças nos finais de
tarde e dias de domingo.

Quando chega a República, sentimos de imediato a ausência de posturas


municipais que regulassem a vida cotidiana de seus moradores. Ao que se pode deduzir
pela falta de menção a elas nos ofícios do Conselho Municipal do Recife – órgão que
substituiria a Câmara Municipal –, a emissão delas – pelo menos no que dizia respeito à
moralidade e a ordem pública – seria interrompida no Recife, devido aos problemas de

49
Jornal do Recife, 14/12/1886.
50
APEJE, CLEPE, Lei nº 1129 de 26 de junho de 1873, arts. 178, 179, 180 e 185.
44

reestruturação do aparelho do novo Estado e das lutas políticas que afetaram o


funcionamento regular da administração pública. As Câmaras Municipais iriam ser
substituídas pelas Intendências, as quais tiveram seus representantes depostos pela Junta
Provisória em 1891, colocando à frente das municipalidades administradores
previamente nomeados, os quais seriam demitidos pelo governador Barbosa Lima em
agosto de 1892, que nomearia novas intendências, marcando as eleições municipais para
o final do ano. Esta situação gerou levantes armados nos municípios do interior,
tornando a situação das municipalidades incertas até o ano seguinte. 51
De qualquer forma, não seria precipitado, baseado no que ocorreu em outras
capitais, pensar que aquelas posturas permaneceram em uso por meio do costume e até
legalmente, por necessidade administrativa da cidade, que não poderia ter suas leis
mudadas totalmente e de uma hora para outra. Um artigo das posturas municipais do
Recife, de 1873 (Lei nº 1129) por exemplo, ainda era evocada pelo delegado da cidade,
em 1890, no sentido de proibir os jogos de parada 52 , o que nos leva a crer que o
ordenamento da cidade ainda seguia as normas ditadas no Império, na falta de novas
leis. Na verdade, a República traria poucas inovações no que diz respeito à segurança
pública e às condutas consideradas inapropriadas ao convívio público. O que será mais
marcante neste período é a gestão da cidade através da idéia de progresso pela ciência,
da administração técnica e do autoritarismo daí decorrente. Será uma época de reformas
que terão o objetivo de construir uma imagem de cidade moderna, através do controle
das classes populares e das condições sanitárias. 53
De todo modo, um sistema de governo novo traz novas preocupações para seus
governantes ou realça algumas que um governo já maduro não vê tanta necessidade em
controlar. É assim que vamos encontrar leis estaduais proib indo o anonimato nos artigos
de jornais, proibindo a circulação de qualquer coisa escrita, impressa, litografias ou
desenhos que ofendessem a moral e a ordem pública. Obviamente, esta não era uma lei
que dissesse respeito diretamente ao povo, a maioria ana lfabeta e por isso sem
condições de por esses meios “ofender a moral e a ordem pública” – ainda que numa
capital importante como o Recife, pudesse ser influenciado pelo conteúdo dos jornais,

51
Costa Porto, Os tempos da República Velha, pp.35, 43 e 53-56.
52
Cf. APEJE, Fundo SSP, 1ª Delegacia da Capital, Ofício de 13 de março de 1890.
53
Marta Abreu, O império do Divino, p.339 e 346; Sidney Chalhoub, Cidade Febril, pp.19-20 e Flávio
Weinstein Teixeira, As cidades enquanto palco da modernidade, pp.4 e 21.
45

que de toda maneira, circulavam pela tradicional forma do “disse- me-disse”. A


penalidade aplicada também deixava claro que se dirigia a uma parte das elites em
condições de fazer oposição ao novo governo: uma multa de cem a duzentos mil réis,
cobrada de acordo com a importância que o jornal possuía pelo seu poder de cir culação.
Em casos de reincidência, o jornal seria suspenso de dois meses a um ano. 54
Um outro artigo da mesma lei, revela a preocupação das autoridades republicanas
em não permitir que veiculasse nenhum tipo de impresso que colocasse em questão o
novo regime:

Art.6, §1. A autoridade policial, a cujo conhecimento chegar que no seu


districto são distribuidos manifestos ou outros semelhantes meios de incitar o
povo a sedições, arruaças, paradas ou ajuntamentos prejudiciaes ao socego
publico, ou que se affixam cartazes, proclamações ou annuncios para o mesmo
fim, tratará immediatamente de apprehender esses escriptos, prendendo os
encarregados de sua distribuição e affixão e pondo-os em custodia, si não
tiverem os mesmos escriptos responsaveis conhecidos, e si houver fará a
apreensão, mandará lavrar o competente termo e o remetterá ao Promotor
Publico. 55

Devemos lembrar, no entanto, que existiam periódicos desde as primeiras décadas


da República, que utilizavam recursos populares, como ilustrações licenciosas e
linguagem chula, atraindo o leitor do povo, o qual não precisava de muito para deduzir
o contexto das imagens gráficas. Um exemplo deste tipo de periódico era a revista O
Periquito, que auto se denominava periódico joco-sério noticioso . Com seus desenhos
e fotografias provocantes, e uma linguagem ácida, beirando ao pornográfico, O
Periquito conseguia fazer a crônica social de seu tempo de uma maneira simples, que
qualquer homem do povo poderia absorver. 56
O uso da imprensa, associado à prática dos meetings que ocorriam desde a
campanha abolicionista, mostrava ser um poderoso meio político de influenciar o povo

54
APEJE, CLPPE, Lei nº140, de 28 de junho de 1895, art.4, 5 e 7.
55
Idem, ibidem.
56
Um bom artigo sobre O Periquito foi escrito por Raimundo P. Alencar Arrais, “O Periquito: uma
revista licenciosa no Recife da entrada do século XX” in Revista do Arquivo Público, nº47, pp.10-23,
1997.
46

a realizar manifestações públicas contra atos do governo, como pode ser avaliado pelo
levante no Rio de Janeiro contra a vacina obrigatória, que segundo o chefe de polícia
Santos Moreira, teria dado lugar ...ao levantamento revolucionário contra os poderes
constituídos, sob o pretexto de opposiçao á lei votada pelo congresso... . A preocupação
do chefe de polícia se prendia ao fato de que o Recife não ficou indiferente ao episódio.
Os acontecimentos tinham sido largamente relatados pelo Jornal Pequeno, periódico de
apelo bastante popular. Vários telegramas informando sobre a revolta no Rio haviam
sido afixados a porta de sua redação e o jornal convidara ao povo a participar de
passeatas nos dias 16 e 17 de novembro, participando do ato estudantes de direito e,
segundo o chefe, indivíduos da mais baixa esphera social. 57
O saldo da passeata foi mais de duzentos lampiões de gás e lâmpadas de álcool
quebrados, tabuletas de casas comerciais arrancados, confusão no funcionamento dos
bondes e a morte de um capitão da polícia militar. Segundo a versão oficial, os
manifestantes teriam realizado provocações no quartel da polícia no Pátio do Paraíso,
dando margem ao confronto que culminaria com a morte do capitão Figueirôa. A
acusação foi negada pelo Jornal Pequeno, que afirmava não ter a passeata sequer
chegado perto do Pátio do Paraíso, e que de antemão, o estudante de direito Benjamim
Lins havia pedido a massa popular que evitasse a pratica de qualquer acto de
vandalismo.58
A atitude virulenta do jornal, que dizia abertamente aplaudir a revolução porque
esta é um sagrado direito que só a violencia pode tirar a um povo livre59 , e a
participação popular nos atos de apoio aos manifestantes do Rio, confirmavam os
temores das autoridades de que os jornais tinham um poder de penetração bem maior
entre a população pobre do que se supunha, justificando para eles as medidas
cerceadoras da liberdade de imprensa, que até então não havia existido na monarquia.

Outra preocupação que as leis estaduais deixam perceber durante o início da


Republica, é a que diz respeito ao controle sanitário da cidade. Desde 1845 que o Recife

57
APEJE, Relatório dos Chefes de Polícia, 1905, p.10. A respeito da Revolta da Vacina, vide José Murilo
de Carvalho, Os bestializados, pp.91-139. Segundo o autor, o ex-governador Barbosa Lima, então
deputado federal, foi o que mais se destacou na Câmara contra o projeto da vacinação obrigatória, como
um meio de fazer oposição ao governo de Rodrigues Alves, cf., op. cit., p.96.
58
Jornal Pequeno, 18/11/1904.
59
Idem, ibidem.
47

passaria a ser alvo de intervenções públicas no âmbito da saúde, com a criação do


Conselho Geral de Salubridade Pública, que através da ação persistente dos médicos
higienistas, conseguiu uma atuação marcante nas decisões da Câmara Municipal para a
melhoria das condições sanitárias da cidade. Em 1883, o governo provincial promove
outro investimento na área de saúde, com o estabelecimento do Instituto Vacínico de
Pernambuco, que tinha como objetivo principal a vacinação obrigatória contra a varíola.
Instituições deste tipo seriam reeditadas e com maior alcance durante as primeiras
décadas da República, inicialmente com a criação pelo governo de Barbosa Lima em
1894 da Inspetoria de Higiene Pública, auxiliada por um Conselho de Salubridade. Ela
congregaria em uma única repartição um laboratório para análises químicas e estudos
bacteriológicos, um Instituto Vacinico e um Desinfectorio. 60
O governo de Sigismundo Gonçalves, por sua vez, irá tratar, conjuntamente com o
prefeito do Recife, Martins de Barros, de dar ensejo a um plano de melhoramentos da
cidade que incluirá a demolição de prédios antigos e a reforma do sistema de
saneamento básico. 61
Todas essas gestões na saúde pública tinham influencia direta sobre a população
mais pobre do Recife, não apenas nos benefícios que alcançariam, mas também no ônus
social que arcavam por serem eles considerados os principais agentes da propagação de
moléstias, tanto por seus hábitos, quanto por suas moradias. Por isso, um dos principais
alvos da “polícia sanitária” era a proibição à venda de gêneros alimentícios nas ruas, o
que motivou, ainda no Império, a construção do Mercado de São José, como veremos
adiante. Quem não se sujeitasse à vacinação obrigatória, por sua vez, não poderia
freqüentar escolas, nem conseguir um emprego público ou se engajar nos corpos de
polícia. Os cortiços e os mocambos passam a ser vistos como ameaças pela ...
promiscuidade, falta de ar e aglomerações nocivas... existente nelas. 62

60
APEJE, CLEPE, Regulamento para o Serviço de Hygiene Publica do Estado de Pernambuco, 23 de
outubro de 1894. Barbosa Lima chegou a enviar um médico do Instituto Vacínico para estudar
microbiologia no Instituto Pasteur, cf., José Murilo de Carvalho, op.cit., p.96.
61
Maria da Glória D. Medeiros, O social no governo de Sigismundo Gonçalves, pp.216-218 e 226-228.
62
Idem, Regulamento para o Instituto Vaccinico de Pernambuco, art. 16, v. 1883; Lei nº 267, de 15 de
março de 1898, art.1; Fundo Secretários Gerais do Estado, Relatório apresentado ao Exº Sr. Governador
do Estado de Pernambuco, pelo Secretario Geral Elpídio de Abreu e Lima Figueiredo, em 31 de janeiro
de 1908, p.111.
48

O Mercado de São José

O Mercado Público de São José – construído em 1875 pelo engenheiro francês


Louis Vauthier – é um bom exe mplo de como a preocupação com o embelezamento da
cidade, com a saúde pública e o controle sobre as classes populares poderiam juntar-se
em um mesmo empreendimento levado a efeito pelo governo. Ao lado do estilo eclético
em que foi construído e o material utilizado em sua construção, viria igualmente da
Europa a concepção de que as renovações sofridas por uma capital ...não objetivavam
meramente o prazer, mas continham idéias, inculcavam valores e serviam como uma
expressão tangível do sistema de pensamentos e moralidade63 de uma determinada
sociedade. Com efeito, através do Mercado de São José as elites pernambucanas
quiseram transformar um espaço eminentemente popular, associado freqüentemente a
um local desordenado, sujo e imoral, em um ambiente moralizado, sujeito a regras de
conduta e higiene.
O novo Mercado Público substituiria o antigo mercado popular da freguesia de
São José, formado de barracas montadas ao ar livre, o que na realidade lhe caracterizava
como mais uma feira entre as muitas que então existiam. 64 Embora as feiras também
fossem controladas pelos fiscais da Câmara Municipal, o novo espaço destinado ao
mercado se distinguia por haver um aparato administrativo que normatizaria as relações
entre os comerciantes e o público, e reestruturaria o trabalho dos comerciantes,
tornando-os mais dependentes em relação ao órgão municipal.
Havia um administrador que acompanhado de um ajudante, um porteiro e oito
guardas municipais, ficaria encarregado de sua direção e de seu policiamento interno. O
mercado funcionaria diariamente das 5:30h da manhã às 4h da tarde, com exceção da

63
Victoria E. Thompson, “Urban renovation, moral regeneration: domesticating the Halles in second-
empire Paris”, p.87.
64
Em seu diário, o viajante Tollenare, que esteve no Recife em 1817, comenta a existência desse mercado
ao lado da Igreja da Penha, em São José. Segundo Flávio Guerra, ao tempo era (...) cheio de balcões
grosseiros, com mulherio e homens acordados pelo pátio, vendendo verduras ou frutas. Viam-se cavalos
e animais soltos estropiando, enlameando; peixeiros desovando ou entornando vísceras de peixes por ali
afora; um grande chafariz ao centro da praça, a enlamear ainda mais o chão grosseiro, e onde os negros
iam com seus baldes ou grandes vasilhames buscar água para os seus senhores; vendedoras de doces e
afelôs, mascates, ambulantes, almocreves descarregando seus cavalos; fressureiros, vendedores de
passarinhos, etc., tudo invadindo os oitões e as calçadas da Igreja e do Convento. Cf. Flávio Guerra,
Velhas igrejas e subúrbios históricos, pp.58-59 e ilustração nos anexos.
49

seção do peixe, que ficaria aberta até às 9h da noite. Esta seria mais uma forma de dar
organização ao trabalho dos comerciantes e de facilitar a fiscalização, distribuindo os
balcões por categorias de alimentos. Como meio de moralizar o ambiente, era proibido a
quem não estivesse trajado adequadamente entrar nas dependências do mercado. Nesta
mesma linha era proibida a entrada de pessoas embriagadas ou loucas, de músicos,
cantores, saltimbancos e ambulantes - uma vez que seus comerciantes deveriam ser
cadastrados junto a Câmara. A venda de bebidas alcoólicas, de loterias, e a promoção de
jogos, dariam a seus infratores a pena de 24h de prisão, e quem perturbasse a ordem
...por meio de rixas, gritos, queixas, castigos, etc, pagaria 3$ réis ou seria preso por um
dia. 65
A moralização do mercado era acompanhada pelos cuidados com a higiene e a
preservação do edifício, que deveriam expressar a nova relação dos comerciantes com o
seu local de trabalho. Banheiros foram instalados para impedir o mau costume de se
urinar pelos cantos, o lixo ou qualquer outro objeto não deveria ser amontoado pelas
passagens do mercado, cães e outros animais que não os permitidos para a venda, não
poderiam circular em seu interior, e os “grafiteiros” daqueles tempos terminantemente
proibidos de ...emporcalhar e desenhar, ou borrar os muros, ferros ou paredes... do
edifício. 66
Como um meio de transformar as relações habituais entre comerciantes e
consumidores – despojados de formalismos, o que caracterizava tão bem a “confusão” e
o “barulho” reinante nas feiras livres – , uma das normas do Mercado de São José
acabava com o costumeiro pregão das mercadorias. O comerciante era proibido de
...annunciar, por meio de gritos e vozerias, a natureza e preço dos artigos á venda. 67
Por outro lado, o mercado deveria seguir um ritmo exclusivamente comercial, não
podendo ser utilizado como uma extensão da casa dos comerciantes, ou melhor, de suas
relações íntimas, algo que costumeiramente acontecia nesses locais de comércio
popular, onde filhos e parentes muitas vezes acompanhavam os pais ao trabalho tanto
para ajudar, como para se divertir, o que ocorria também com quem simplesmente ia
fazer suas compras. Neste sentido, era proibido

65
APEJE, CLPPE, Lei nº 1355, de 6 de março de 1879, art.14, §1, art.15, §§ 3 e 8.
66
Idem, ibidem, art.14, §§ 2,3 e 5; art.15, § 6.
67
Idem, ibidem, art.14, §8.
50

Art.15, §9. Deixar correr e brincar ao abandono no edifício e suas


dependencias as crianças ou garotos, escravos, etc. (...) Aos Paes, tutores,
senhores e patrões cumpre evitar que seus filhos, puppilos, parentes, criados e
escravos menores transgridam a [esta] disposição...68

É interessante notar as semelhanças entre várias normas impostas aos


comerciantes do Mercado de São José e as que foram adotadas para os comerciantes do
mercado central construído no Halles, em Paris, no ano de 1867. Também lá os
comerciantes eram proibidos de chamarem clientes para seus balcões, de anunciarem
...the nature and price of merchandise, from calling out to passersby with comments on
behavior or appearance, and from engaging in brawls, quarrels, rows, cries, songs or
games of any sort. 69
O mercado do Halles era identificado principalmente como feminino, devido ao
número maior de comerciantes mulheres do que de homens. As autoridades parisienses,
por isso, implantaram normas que pretendiam enquadrar essas mulheres na moralidade
burguesa, ao mesmo tempo em que transformavam o local, que antes era visto como
palco de rebeliões urbanas. Nas palavras de Victoria Thompson, a construção do
mercado – que serviria como referência para os demais projetos de mercados públicos
na França – visava redefinir ... the market space according to the norms of bourgeois
domestic ideology; rather than a site of popular disorder, the markets of Paris were
hencenforth to be extensions of the bourgueois home.70 Apesar da resistência de seus
comerciantes em preservar o espaço que culturalmente lhes pertenciam, a burguesia
terminou conseguindo o seu intento.
No caso do Recife, as regras que deveriam modelar os comerciantes do Mercado
de São José aos padrões de ordem, moralidade e higiene das elites recifenses, não
foram, igualmente, de fácil assimilação – o que podemos observar na própria
persistência de muitos dos hábitos antigos até os dias de hoje. As autoridades da época
também não esmoreceram diante a tentativa de impor normas civilizadas no que
percebiam como desordem e atraso cultural. Em 1888, já proclamada a República,
novas posturas seriam editadas no sentido de manter um controle mais severo sobre

68
Idem, ibidem.
69
Victoria E. Thompson, op.cit., p.98.
70
Idem, ibidem.
51

comerciantes e usuários. Nestas novas posturas, os infratores eram na maior parte das
vezes levados diretamente à presença do chefe de polícia, e além das penas previstas
tanto pelas posturas quanto pelo Código Penal – quando fosse o caso – teriam a sua
entrada impedida por até trinta dias. 71
A insistência em medidas mais rigorosas para normatizar o espaço do Mercado de
São José mostrava, por outro lado, a resistência de seus usuários em atender as
exigências das autoridades. Não apenas dentro do Mercado como à sua volta, criou-se
um grande espaço cultural popular. Já durante a época de Dantas Barreto, havia se
espalhado pela Praça do Mercado – como ficou conhecida a Praça Dom Vital – uma
enorme quantidade de ambulantes, camelôs, cantadores, poetas e vendedores de
cordel. 72 A cultura popular mostrava ter raízes bem mais profundas que as elites
imaginavam.

O criado de servir

De um modo geral, como foi visto, as posturas municipais tentavam criar novos
hábitos nas classes populares de moderação, bons costumes e higiene, os quais deveriam
compor o novo trabalhador livre que iria substituir a mão-de-obra escrava. Embora
essas tentativas civilizatórias viessem desde o início do século XIX, na segunda metade
em diante, o controle sobre esses assuntos tornava-se mais persistente como
conseqüência do fim do tráfico internacional e a intensificação do tráfico
interprovincial, que levou a Pernambuco a vender uma grande parte de seus escravos
para o Sul do país, e o Recife, presumivelmente foi um dos locais que mais exportou
escravos da Província. Essa perda levou a que houvesse uma substituição paulatina de
escravos por trabalhadores livres: em 1872, a proporção em Pernambuco entre

71
APEJE, CLPPE, Lei nº1934, de 17 de novembro de 1888.
72
Liêdo Maranhão de Souza, O Mercado, sua praça e a cultura popular do Nordeste, pp.15-20. As
ilustrações nos anexos, mostra a transformação ocorrida no espaço ocupado hoje em dia pelo Mercado de
São José: primeiro uma feira popular; depois, já construído o Mercado, um local aburguesado; e no início
do século XX, novamente com características populares.
52

trabalhadores escravos e livres sem profissão era de 4:1; entre os lavradores, criados e
jornaleiros, de 5:1; e entre os empregados domésticos, de 5:1. 73
Poderia se argumentar que o Recife era uma cidade de pouca ou nenhuma
expressão industrial a ponto de despertar o interesse das elites locais em desenvolver um
aparato de disciplinamento e controle dos trabalhadores urbanos, mas devemos levar em
consideração o grau de dependência da sociedade recifense ao trabalho escravo e que o
porto do Recife tornava a cidade um local fundamental na engrenagem que punha em
funcionamento a economia agro-exportadora da província. Era natural que seus
dirigentes, tanto em nível provincial quanto municipal, procurassem seguir a tendência
de outras cidades importantes do Império, desenvolvendo mecanismos que dessem uma
orientação ao processo de formação do mercado de trabalho livre, e uma dessas medidas
seria a regulamentação do serviço doméstico, iniciadas no final dos anos de 1880.
A capital, onde uma grande parte dos serviços de abastecimento de água e
alimentos, transporte de mercadorias e serviços domésticos, ficavam a cargo de
escravos, teve que se adaptar a nova realidade, cuidando de disciplinar a população com
hábitos condizentes com a sua situação de trabalhador, evitando os desperdícios de
tempo atrelados à sua cultura de lazer e criando legalmente a figura do trabalhador
doméstico, no caso, o “criado de servir”. Na verdade, a lei que regulava as novas
relações entre patrões e empregados abrangia outras atividades além das puramente
domésticas, discriminando na lei estas atividades relacionadas a estabelecimentos
comerciais. A postura de 1887 definia assim o “criado de servir”:

Art.1. Criado de servir, no sentido desta postura, é toda a pessoa de


condição livre, que, mediante salario conveniado, tiver ou quizer ter
occupação de moço de hotel, hospedaria ou casa de pasto, de cosinheiro,
engommadeira, copeiro, cocheiro, hortelão, de moço de estribaria, ama de
leite, ama secca ou costureira, e em geral a de qualquer serviço domestico.74

Do fato de que leis semelhantes foram promulgadas em outras cidades do Império,


como na província do Rio Grande do Sul, onde os escravos eram em número bem
inferior ao das regiões agro-exportadoras, podemos concluir que o regulamento dos

73
P. Eisenberg, Modernização sem mudança, p.201.
74
APEJE, CLPPE, 4ª Secção – Palácio da Presidência de Pernambuco em 19 de julho de 1887, p.5.
53

serviços não visava apenas ao liberto, mas também a população livre, que no caso de
Pernambuco constituía-se em grande parte de descendentes de escravos. 75
A lei possuía 34 artigos que minuciavam os direitos e deveres de patrões e
criados, evidenciando uma preocupação do Estado em intermediar ao máximo possível
esse novo tipo de relacionamento de trabalho. O controle passava tanto pelas mãos da
Câmara Municipal – autora da postura – quanto da Secretaria de Polícia, a qual deveria
possuir um livro de registro do empregado com o seu nome, sexo, idade, naturalidade,
filiação, cor, estado, ocupação que exerceria e demais características que ajudassem em
sua identificação. Com a inscrição, o empregado receberia uma caderneta, no valor de
1$000 rs., constando as informações referentes a sua identificação, rubricada por um
funcionário da polícia e assinada pelo secretário, anotada com todos os artigos da
postura. Quem exercesse a função de criado sem estar devidamente regularizado ou
contratasse alguém que não o estivesse, ainda que fosse menor de idade, levaria uma
multa de 20$ rs. e poderia ser preso por oito dias.
A caderneta – precursora da Carteira de Trabalho atual – seria o ponto chave no
controle do trabalhador, uma vez que nela constaria a sua vida profissional, de forma a
que pudesse ser avaliado por um empregador futuro. As duas principais funções desta
caderneta eram assegurar a obediência do criado e o controle de sua permanência no
serviço, aspectos que preocupavam a classe senhorial quando não tivessem mais o
direito legal de castigar seus trabalhadores insubordinados ou de retê-los junto a si. O
criado que fosse contratado por tempo indeterminado e desejasse abandonar o emprego
deveria dar o aviso prévio de oito dias; caso o contrato fosse por tempo determinado, era
obrigado a cumpri- lo integralmente, ficando sujeito a pagar uma multa de 30$ rs. e
sofrer oito dias de prisão, a não ser que apresentasse justa causa para isso. O
empregador, por sua vez, não poderia demitir o empregado sem um aviso prévio de
cinco dias, se o contrato fosse determinado. A penalidade para o patrão infrator desta
postura, por outro lado, seria o correspondente a um mês de salário quando o contrato
fosse por tempo indeterminado, e o valor correspondente ao tempo que restava para
expirar o contrato, quando este fosse determinado.

75
Margaret Marchiori Bakos, “Regulamento sobre o serviço dos criados: um estudo sobre o
relacionamento Estado e sociedade no Rio Grande do Sul (1887-1889)”, in Revista Brasileira de História,
São Paulo, ANPUH/Marco Zero, mar.1984, pp.94-104.
54

Havia quatro motivos que eram consideradas causas justas para o criado que
desejasse deixar o emprego:

Art.14.(...)
§1. Doença repentina, que vizivelmente o impossibilite do serviço ou
moléstia grave em pessoa do conjuge, filho, pai ou mãe.
§2. Falta de pagamento de seu salario no tempo ajustado.
§3. Sevicias ou máos tratos de seu patrão ou de pessoa de sua família,
verificados por qualquer autoridade policial. (grifos meus)
§4. Exigencias de serviços, que não os do contracto ou de outros, que forem
contrarios ás leis, á moral e aos bons costumes. 76

Um dos motivos que seriam justa causa para o criado se demitir antes do prazo
estipulado por lei – “doença repentina” –, na verdade se transformava em benefício para
o patrão, que não teria responsabilidade com o estado de saúde de seu trabalhador, coisa
que nem nas relações escravistas era permitido por lei. As “enfermidades passageiras”
deveriam ser tratadas por conta do salário do criado, a não ser que estivesse ajustado na
caderneta outro tipo de acordo. Mas se a doença se prolongasse por mais de oito dias ou
fosse grave e contagiosa, então ele seria enviado para algum estabelecimento de
caridade para ser tratado, isto se não tivesse família que o pudesse tratar em casa.
Quanto aos “maus tratos”, é difícil avaliar o que seria considerado como tal numa
sociedade onde vigoravam relações violentas entre patrões e trabalhadores. O fato ainda
de qualquer autoridade policial poder constatar a violência do patrão, poderia na
verdade beneficiá-lo, uma vez que subdelegados e delegados estavam mais próximos de
sua classe social e compartilhavam dos mesmos valores que tinham na violência física
um dos meios de se relacionar com seus subalternos.
Nas casas de família, algumas crianças trabalhavam como criadas, às vezes
fazendo companhia aos filhos pequenos de seus patrões, outras vezes prestando-se a
qualquer tipo de serviço doméstico. Gregório Bezerra em suas memórias, conta como

76
APEJE, CLPPE, 4ª Secção - Palácio da Presidência de Pernambuco, em 19 de julho de 1887, p.5.
55

trabalhava arduamente o dia todo na residência de um dono de engenho no Recife,


sendo lhe dado os trabalhos mais aviltantes da casa. 77 Os maus tratos que muitas vezes
ocorriam contra essas crianças trabalhadoras, eram típicas de uma sociedade escravista
ou recém-escravista, que via no castigo físico o método mais eficiente de corrigir e
controlar seus empregados. Eventualmente, as sevícias nessas crianças eram
denunciadas à polícia. Os vizinhos de onde elas trabalhavam viam com maus olhos o
procedimento de seus patrões, mas tinha-se pouca crença numa ação firme contra esses
crimes, pois a violência na verdade era até certo ponto tolerada, e a casa um espaço
restrito e sagrado, onde o Estado tinha grandes dificuldades em agir:

Crianças seviciadas – Tendo o (...) subdelegado do 2º distrito de Belém,


denuncia de que eram amiudadamente seviciadas duas crianças, uma livre e
outra escrava, residentes na rua Barão de Itamaracá, para alli se dirigio (sic)
(...) acompanhado do seu respectivo escrivão e do Sr. Dr. Souza, por elle
chamado, afim de servir de perito, e ordenou que lhe fossem apresentadas as
victimas indicadas, que eram um pardinho livre de 9 annos de idade, e uma
crioulinha de 10 annos.
O Corpo do primeiro apresentava diversas escoriações, como vergões no
lado direito do peito e costas, e entre ellas havia uma infinidade de manchas
de sevícias antigas.
A segunda tinha as nádegas muito inflamadas por pancadas e manchas em
formas de listras, em differentes partes do corpo, denotando flagellações
antigas.
Depois do corpo de delicto feito, o Sr. subdelegado inquerio a diversas
pessoas da vizinhança sobre aquelle facto, as quaes affirmaram ser as pobres
crianças freqüentemente castigadas, e que na casa havia um pardo que era o
executor de taes castigos.
Em outro paiz a lei protegeria estas pobres victimas da prepotência e
castigaria rigorosamente seus algozes, mas nesta grande nação livre e
civilisada, o proceder da autoridade policial não fará mais do que augmentar

77
Gregório Bezerra, Memórias, pp.104-105.
56

o soffrimento das duas infelizes creaturas, que de agora em diante, talvez


sejam mais freqüentemente castigadas.78

Encontramos uma única ocorrência registrada na polícia de violência praticada em


criado, no ano de 1915, o que ao invés de revelar uma possível relação de respeito entre
empregados e patrões, parece demonstrar a raridade com que tais fatos eram levados ao
conhecimento das autoridades policiais ou mesmo por elas tomadas em consideração.
Neste caso específico, a polícia só tomou conhecimento dos maus tratos porque a jovem
criada, menor de idade, fugiu da casa onde trabalhava e foi capturada pelo subdelegado
da Boa Vista. 79
Em contrapartida, os motivos para o patrão demitir o seu empregado estavam
justificados em dez situações:

Art.16. (...)
§1. Doença do criado que o impossibilite da prestação dos serviços para que
se contractou.
§2. Embriaguez habitual.
§3. Recusa ou impericia para o serviço contractado, excepto neste caso si o
criado já estiver a serviços por mais de um mez.
§4. Negligência, desmasello no serviço depois de ser advertido.
§5. Injuria, calumnia feita ao patrão ou a qualquer pessoa da familia d’este.
§6.Sahida da casa a passeio ou a negocio sem licença do patrão,
principalmente á noite.
§7. A pratica de actos contrarios ás leis, á moral e bons costumes e de vicios
torpes.
§8. O costume de enredar e de promover discórdia no seio da família, ou
entre os outros creados da casa.
§9. A manifestação da gravidez na creada solteira ou na casada, que estiver
ausente de seu marido.

78
Jornal do Recife, 22/01/1879.
79
APEJE, Fundo Secretaria de Segurança Pública (FSSP), 1ª Delegacia da Capital, Ofício de 14 de julho
de 1915.
57

§10. A infracção de qualquer dos deveres de que trata o Art.22.80

O artigo 22 a que se refere este parágrafo, ditava os deveres do criado: ser


obediente, diligente e zeloso com os interesses do patrão. Havia, portanto, uma série de
motivos – alguns subjetivos, como os ligados à moral e bons costumes ou o que
mandava zelar e evitar, sendo possível, qualquer dano a que o patrão estivesse exposto–,
que poderiam servir de alegação para se demitir o empregado, e por meio dos quais se
mantinha o controle dos trabalhadores que iriam dividir com a classe dominante o
espaço mais sagrado da sociedade – o da família. O criado que se retirasse de um
emprego por qualquer razão tinha que apresentar dentro de 24h à Secretaria de Polícia a
sua caderneta, onde o patrão anotaria a sua conduta.
Por muito tempo, a imagem do criado seria associada à de um intruso necessário
mas perigoso, que poderia corromper a família ao trazer vicissitudes do ambiente
público – local de onde se originaria e com o qual serviria de ligação –, contaminado
pelos costumes pouco civilizados das camadas populares, as quais possuíam uma moral
bem mais liberal que a das classes abastadas. A capa de um dos números de O
Periquito, estampava a figura de um criado espiando pelo buraco da fechadura a sua
patroa ao tomar banho, com um título bem sugestivo para a cena: Creado espião. 81
Havia, como efeito dessa desconfiança generalizada, a preocupação em limitar o quanto
possível a sua influência dentro dos lares de bem, o que justificava a lei preocupar-se
em punir aqueles que atacassem a honra de seus patrões ou que promovessem a
discórdia em meio ao ambiente familiar.
Não deixa de ser curioso, no entanto, como essa imagem do criado se formou,
uma vez que eram os continuadores naturais dos escravos domésticos – muitos deles
libertos ou descend entes de escravos –, tão caros aos seus senhores, e que poderiam
desenvolver os mesmos vícios de convivência que os novos empregados. Talvez pelo
fato dos escravos domésticos serem considerados “como da família” ou serem “crias da
casa”, desse aos seus senhores a segurança de um elemento que não era de todo estranho
ao ambiente familiar, em que pese a ambigüidade de também serem muitas vezes vistos
como “inimigos de dentro de casa”. Eram eles, no entanto, os mais agraciados com as

80
Idem, ibidem.
81
O Periquito, 07/01/1907, apud Raimundo P. A. Arrais, “O Periquito: uma revista licenciosa no Recife
da entrada do século XX”, in Revista do Arquivo Público, Recife, v.42, nº47, p.10.
58

alforrias, o que os tornava mais leais aos seus senhores na esperança de um dia se
tornarem livres. 82
Às criadas pesava mais fortemente uma vigilância que envolvia a moral e a
higiene. Isso se explica pela grande influência que detinham sobre a formação dos
filhos- famílias, principalmente no caso das amas-de- leite. Além disso, as criadas eram
tidas como as principais responsáveis pelos namoros proibidos entre as moças de
família e os jovens sedutores que rondavam as janelas dos sobrados, como os folhetins
da época costumavam descreve r. 83
O Estado desejava afastar de dentro do ambiente familiar e urbano a moral da
senzala, onde as escravas costumeiramente engravidavam sem o respaldo do casamento
ou do marido. Muitas engravidavam de seus senhores, que não raras vezes tornavam- nas
escravas domésticas. A iniciação sexual de grande parte de filhos de senhores – e depois
de seus similares, os patrões – era dada através dessas mulheres. Torna-se claro, no
entanto, que, mais uma vez, seria a mulher de origem pobre que arcaria com todo o peso
do estigma de ser mãe solteira, não importando neste caso se havia ou não
responsabilidade por parte dos homens para quem trabalhava. Havia, na verdade, um
artigo da postura (art.29) que responsabilizava o patrão ou pessoa de sua família que
induzisse ao seu empregado a praticar atos contra a lei ou os bons costumes, mas no
caso de uma criada engravidar de seu patrão, seria sempre a sua palavra contra a dele, o
que estabelecia já quase uma sentença, fosse pela sua posição social, fosse pela moral
machista compartilhada com os seus pares.
As amas-de-leite, além de todas a exigências requeridas aos outros tipos de
criados, teriam que passar por um exame na Secretaria de Polícia com o médico da
Câmara Municipal, que anotaria suas condições de saúde na caderneta. O exame deveria
ser realizado quantas vezes o patrão solicitasse, mas nunca menos de uma vez por mês.
Se apresentassem vícios, falta de leite, leite fraco ou demonstrasse falta de carinho com
a criança, poderia ser imediatamente despedida. Em nenhuma hipótese poderiam
amamentar duas crianças. Eram- lhe assegurado, no entanto, o direito de sair do emprego
a qualquer tempo caso a amamentação lhe trouxesse alguma enfermidade ou se a
criança estivesse com doença contagiosa.

82
G. Freyre, Casa grande e senzala, pp.352, 354; Kátia Mattoso, Ser escravo no Brasil, p.185.
83
Raimundo P. A. Arrais, “O Periquito: uma revista licenciosa no Recife da entrada do século XX”, in
Revista do Arquivo Público, Recife, v.42, nº47, pp.13-14.
59

Estas preocupações em relação às amas-de- leite justificam-se no contexto médico


de meados do século XIX, em que a amamentação estava tomando importância.
Atribuía-se ao aleitamento mercenário, como classificou o Dr. José Pereira Rego –
então Barão de Lavradio –, na Academia Imperial de Medicina em 1873, o fato de
muitas crianças estarem contraindo doenças como boubas, sífilis e escrófulas, as quais
eram transmitidas por mulheres cujos hábitos e posições nem sempre as colocam ao
abrigo dos vícios. Muitos viam na amamentação alugada um perigo na formação do
caráter das crianças, uma vez que assimilavam os hábitos e a linguagem das amas, que
mesmo livres eram em sua maioria descendentes de escravos e continuavam a transmitir
muito da cultura africana. Se essas inconveniências eram compensadas no caso das
escravas pela lealdade que desenvolviam sob a esperança da liberdade, já esta segurança
não havia para os patrões ao contratar uma ama livre. 84
Um detalhe importante na postura que regulamentava o serviço do criado de servir
está no fato de que muitas das penalidades referentes a eles eram dadas em multas
acrescidas de prisão, enquanto que aquelas que diziam respeito ao empregador só
seriam comutadas em prisão caso ele não pudesse ou não quisesse pagar (art.32). Na
falta da coerção escravista, a polícia era chamada a interferir nas relações de trabalho
como auxiliar da classe dominante em disciplinar a nova mão-de-obra.
Não encontramos o livro de inscrições fornecido pela Câmara à Secretaria de
Polícia, o qual nos ajudaria a saber quantos candidatos a criados se interessaram em se
legalizar, em que ocupações e quantos empregadores aderiram a nova lei, mas tudo leva
a crer que a lei municipal que regulamentava os serviços dos “criados de servir” teve
um alcance muito limitado, principalmente pela falta de interesse dos patrões, os quais
seriam os mais beneficiados por ela.
Mas a lei dos criados iria retornar no início da República, em 1896, promulgada
pelo Conselho Municipal do Recife. Houve dois projetos apresentados pela Comissão
de Polícia a respeito. Na primeira versão, era incluído entre os criados de servir os
“feitores” e os “moços de fretes”, retirados posteriormente. 85 Não nos parece que a sua
reedição tenha se dado no sentido único de inseri- la nas leis republicanas, mas que
84
Apud João Alfredo dos Anjos, “As amas: contribuição ao estudo do seu papel na formação da criança
brasileira”, in Revista do Arquivo Público, Recife, v.42, nº47, pp.31-32; Luiz Felipe de Alencastro, op.
cit., pp.63-67; G. Freyre, op. cit., pp.354-355.
85
APEJE, Fundo Conselho Municipal do Recife (FCMR), Atas de 10 de fevereiro de 1896, e 9 de maio
de 1896, v.6 pp. 5-6 e 24-25.
60

remontava a uma questão que ainda estava sendo encaminhada pelas elites, no que dizia
respeito às relações entre empregados e patrões, e o papel que o Estado teria nelas. Uma
indicação disso era o fato de haver várias modificações no texto da lei, a primeira das
quais, o controle sobre o criado ficar a cargo totalmente da Prefeitura, aonde o
interessado faria a matrícula. Em um primeiro instante, a sensação que se tem é de que o
controle exercido sobre os trabalhadores domésticos teria se abrandado, mas logo
percebemos que a coisa não é bem assim. Além da caderneta que a Prefeitura expedia
com as informações pertinentes ao trabalhador, seriam fornecidos conjuntamente uma
placa com o número de matrícula e um cartão, pelos quais seriam pagos 2$ réis. Todas
as vezes que o criado estivesse na rua, ele deveria levar consigo a placa e o cartão de
identificação. Mais para o final da lei, um artigo contra a vagabundagem, aparentemente
deslocado do contexto, toma sentido com a obrigação de se ter à mão a placa e o cartão
da Prefeitura, que distinguiria o trabalhador do vadio:

Artigo Vigésimo Quarto. Todo aquelle individuo que for reconhecido como
vagabundo, ou que não tenha officio ou meio licito de vida, será preso e
remetido ao Juiz Districtal para lhe dar o conveniente destino, remettendo-o
para as colônias, ou para as obras publicas estadoaes ou municipaes ou para
quaesquer outros trabalhos que o individuo preferir. 86

Por outro lado, ninguém poderia contratar como criado quem não estivesse
inscrito na Prefeitura, mesmo que este lhe prestasse serviço gratuito. As “pessoas do
povo” eram convidadas a denunciar ao juiz Distrital ou ao prefeito quem estivesse
trabalhando irregularmente, ficando o patrão sujeito a uma multa de 20$ rs. e o
empregado a 10$ rs. ou cinco dias de prisão. Se, no entanto, fosse infundada a denúncia,
o autor seria multado em 10$ rs. ou cumpriria pena de dez dias de prisão. Esta foi uma
das duas alterações em que houve do primeiro ao segundo projeto apresentado no
Conselho Municipal para a redação definitiva da lei. 87 Resta saber se essas exigências
estavam direcionadas exclusivamente à vigilância dos trabalhadores domésticos ou se
com elas o Conselho Municipal tentava também arrecadar fundos para a
municipalidade, uma vez que deve ser levado em conta que com o fim da escravidão ela

86
Idem, ibidem.
87
APEJE, FCMR, Atas de 9 de maio de 1896, v.6, pp.24-25.
61

perdeu uma de suas fontes de renda com os escravos de ganho – os quais também
deveriam ser matriculados e seus senhores obrigados a pagarem anualmente uma taxa
para a sua renovação 88 .
Uma outra diferença que a nova lei dos criados apresentava em relação à de 1887,
é que ela favorecia aos empregados que não recebessem seus salários corretamente.
Enquanto na primeira lei o patrão ficava obrigado a pagar o que estivesse devendo
acrescido da multa de 30$ réis (art.28), na lei republicana, embora a multa caísse para
20$ réis, ele teria que pagar ao criado além do que devesse mais o correspondente a oito
dias de trabalho. Para isso, o criado deveria fazer queixa verbal ao juiz Distrital
apresentando duas testemunhas, sendo o caso julgado em 48 horas (arts.10º, 11º e 12º).
No geral, a lei republicana que regulamentava o serviço doméstico pode ser
percebida como um avanço nas relações entre patrões e empregados. Tinha um caráter
menos paternalista ao excluir de seu texto os deveres dos patrões e dos criados, que
terminava por beneficiar mais ao primeiro. Reduzia também o número de motivos pelos
quais se poderia demitir o empregado por justa causa pela metade, retirando do texto
causas subjetivas como “o costume de enredar ou provocar discórdias” dentro do lar e a
demissão da criada que engravidasse.
Cabe ressaltar mais uma vez, que apesar da lei ser novamente sancionada, não nos
parece que ela tenha sido bem aceita pelas partes interessadas. Uma primeira impressão
que nos vem para explicar isso está no próprio paternalismo que permeava ainda com
muita intensidade as relações entre empregados domésticos e patrões. O susto inicial de
uma desagregação dos antigos laços que prendiam senhores e escravos, e o medo desse
novo trabalhador que invadiria as casas e a privacidade das famílias, foram aos poucos
se acomodando à realidade que demonstrava não se ter modificado substancialmente a
submissão das classes pobres.

“Um povo pacífico e ordeiro”

Na maioria dos relatórios apresentados por autoridades de Pernambuco no que diz


respeito à segurança pública, encontramos freqüentemente representada uma imagem

88
Esta taxa era da ordem de 6$ réis em 1887, cf. APEJE, CLPPE, Lei nº1897, art.2º, §77.
62

ambígua das classes populares. O povo pernambucano é descrito como “amante da


paz”, “ordeiro” e “pacífico”; um povo que mesmo em situações extremadas – como no
caso da seca de 1877 – permanece afeito à ordem e a disciplina, como registrava o
presidente da Província à Assembléia Provincial:

Apezar da crise agrícola-comercial que opprime os habitantes desta


província, paralysando as industrias e mantendo inactivos numerosos braços;
apezar do flagello da secca que, expellindo milhares de emigrantes do interior
desta e de outras províncias, tem aglomerado na estreita zona do litoral uma
população adventícia, inculta e extenuada pela miséria e pela fome, apezar
finalmente do pleito eleitoral em que acabam de empenhar-se os partidos
políticos com aquelle ardor que costumam por em taes lutas, é notável que a
estatística criminal não tenha a registrar um só facto delictuoso de carater
publico. 89

E acrescentaria um outro presidente a respeito do mesmo assunto: Principalmente


á boa índole do povo deve-se a conservação da ordem publica. 90
Na verdade, se o “povo” – este ente abstrato que sempre está ao lado daqueles que
lhe invocam o nome – não se prestasse ao jogo de retórica das elites, ele certamente não
seria descrito como “pacífico”, ao contrário, seria evocado o “maligno vapor
pernambucano” que deu margem a rebeliões de contestação populares, como os Mata-
Marinheiros, o Ronco da Abelha, o Quebra-Quilos e a participação dos “cinco mil” no
Movimento da Praia. 91 Esse o motivo que levou ao Senado de Pernambuco, no início da
República, a discutir as conseqüências de um aumento de 25 por cento no preço do pão.
Havia a preocupação de que o alimento básico da população pobre fosse causa de
descontentamentos e distúrbios. 92

89
APEJE, Relatórios dos Presidentes da Província de Pernambuco, Falla com que o Exmº Sr. Dr.
Adolpho Barros Cavalcante de Lacerda, presidente da provincia de Pernambuco, abrio a sessão da
Assembleia Legislativa em 19 de dezembro de 1878, p.4.
90
Idem, Falla com que o Exmº Sr. Dr. Lourenço Cavalcante de Albuquerque, abriu a sessão da
Assembléia Provincial de Pernambuco no dia 1º de março de 1880, p.3.
91
Sobre estes movimentos ver: Hamilton Monteiro, Crise agrária e luta de classes; Armando Souto
Maior, Quebra-Quilos; Isabel Marson, Movimento Praieiro: imprensa, ideologia e poder político.
92
APEJE, AS, v.1896, p.25.
63

Esta imagem do povo pernambucano, engendrada a partir das expectativas das


elites dirigentes, coloca em evidência a tentativa de criar, em seu discurso, dois tipos de
cidadãos: um, já disciplinado a contento – que era a classe trabalhadora; outro, ainda a
ser submetido – aqueles que por qualquer motivo ainda não fizessem parte da população
economicamente ativa. Potencialmente, ambos pertenciam à mesma categoria de
pessoas “ignorantes e ociosas” que poderiam a qualquer momento quebrar a ordem
imposta pela classe dominante, porém, aqueles que se insurgissem contra ela como no
caso das revoltas populares, ou saíssem fora de seu padrão, eram colocados ao lado dos
criminosos comuns. 93
É com o intuito de corrigir a falta de instrução e de operosidade das classes pobres
que as elites irão propor medidas voltadas para a criação de instituições educacionais
mescladas ao ensino prático de ofícios que dessem uma profissão ao homem livre
pobre. Essas instituições iriam ajudar as elites a formarem a sua nova força de trabalho
ao mesmo tempo em que promoveriam a reprodução daquele “povo de espírito pacífico
e ordeiro” de que falava um chefe de polícia. 94 A educação seria, neste sentido, posto a
serviço da expansão da riqueza da classe proprietária e de sua própria segurança:

O exemplo dos Estados-Unidos prova que, em um paiz livre, a produção


agricola e industrial é em proporção dos progressos da educação. Se
melhorarmos o operário, elle melhorará por força e multiplicará suas obras;
a sociedade ganhará tudo o que ganha o individuo. 95

É com este objetivo que será criada em 1874 a Colônia Orfanológica Isabel, que
funcionaria até o início do século XX. Embora dirigida mais às necessidades dos
engenhos, também atenderia a demanda de mão-de-obra profissionalizada da capital,
sendo um bom exemplo dos esforços das elites em disciplinar a nova mão-de-obra. Ao
mesmo tempo em que retiraria da indigência crianças órfãs e “desvalidas”, habilitar- lhe-
ias a tornarem-se ...cidadãos pacíficos e moralisados, úteis a si e á sua pátria,

93
Cf. Isabel Marson, “O ‘cidadão criminoso’: o engendramento da igualdade entre homens livres e
escravos no Brasil durante o Segundo Reinado”, in Estudos Afro-Asiáticos, nº 16, 1989, pp.150-152.
94
APEJE, Relatório apresentado a S. Exc. o Sr. presidente da província de Pernambuco, pelo respectivo
doutor chefe de policia, em 13 de fevereiro de 1877.
95
Idem, AAP, v.1865, p.16.
64

amestrando-os nos mais proveitosos conhecimentos das artes e industrias e


principalmente nos melhoramentos da grande e pequena lavoura...96
A colônia abrigava alunos gratuitos e pensionistas – que pagavam a quantia de
300$000 réis anuais – entre a idade de 7 a 12 anos. Entre os alunos gratuitos, além dos
órfãos e dos menores que não tivessem quem se responsabilizasse por sua educação, a
colônia receberia igualmente ingênuos e expostos. Os pais dos menores desvalidos
tinham que provar não terem condições de arcarem com os custos de sua educação, para
que fossem aceitos na colônia. No caso dos ingênuos, os senhores das escravas
deveriam requerer junto à presidência da Província a sua admissão, desistindo de seu
usufruto. Os senhores, contudo, não se sentiram atraídos pela proposta, tendo a colônia
recebido no total apenas seis ingênuos. Os colonos gratuitos deveriam permanecer na
colônia até a idade de 21 anos, podendo sair aos 18 anos no caso de se tornarem
inconvenientes ao estabelecimento, e de comprovadamente seus pais necessitarem deles
para seu sustento ou de poderem lhe prestar um maior benefício. 97
O ensino seria voltado principalmente para a formação moral e profissional dos
alunos, seguido de uma rigorosa regra disciplinar – típica da época – que incluía
punições que iam desde advertências até prisão de oito dias. Os alunos acordavam às
4:30h da manhã, ouviam a missa, tomavam banho no rio, faziam uma pequena refeição
e depois iam trabalhar nas oficinas ou no campo, permanecendo neles até às 9h.
Almoçavam e logo após recebiam aulas de instrução primária, que duravam até às 2h da
tarde. Jantavam, e às 3h retornavam ao trabalho, permanecendo nele até às 5:30h. 98
Houve a preocupação de se oferecer um número variado de oficinas para a
profissionalização dos jovens de acordo com suas tendências e lugar de origem. Caso
viessem do campo, aprenderiam preferencialmente os processos empregados na
agricultura. Logo no início, no entanto, os alunos eram obrigados a aprenderem tanto
um ofício quanto os princípios da agricultura, o que gerou entre os colonos vindos da
capital muitas queixas e resistência a trabalharem no campo. 99
Os colonos receberiam por seu trabalho nas oficinas uma diária correspondente ao
estágio a que pertenciam, formando um pecúlio que lhes seria entregue ao saírem do
96
APEJE, CLPPE, Regulamento Interno da Colônia Orphanologica Isabel, v.1883, p.1, art.2.
97
Idem, ibidem; e Nayala S. F. Maia, Colônia Agrícola Industrial Orfanológica Isabel, 1874-1904, p.45.
98
Idem, ibidem; Nayala S.F. Maia, op. cit., p.18.
99
Idem ibidem. Alguns alunos vindos da capital recusavam-se ao trabalho no campo por acharem que era
próprio de escravos, cf. Nayala S. F. Maia, op. cit., p.31.
65

estabelecimento (vide quadro 2), habituando os jovens à disciplina operária, onde


haveria lugar para a recompensa e a punição. Para tanto, o colono receberia ao final de
cada estágio por que passasse um diploma onde seria registrado o grau que alcançara na
profissão desempenhada e em sua conduta. Neste caso, apenas os que se
profissionalizassem como artistas receberiam o diploma; os que se dedicassem
exclusivamente ao plantio não tinham este reconhecimento. 100

Quadro 2

Diárias dos Colonos da Colônia Orfanológica


Isabel
Colono aprendiz 100 réis
Colono oficial 200 réis
Colono mestre 300 réis
Fonte: Regulamento Interno da Colonia Orphanologica
Isabel de 1883, CLPPE, APEJE.

Os primeiros resultados apresentados pela Colônia Isabel eram descritos como


animadores pela imprensa recifense, embora já fossem apontadas as dificuldades em
receber recursos suficientes para abrigar o máximo possível de menores carentes, ...que
101
na vagabundagem, vão habituando-se aos vícios e crimes... Um de seus primeiros
diretores, animado com a experiência bem sucedida dos dois anos iniciais da Colônia,
rechaçava em seu relatório ao presidente da Província, a opinião de que ...a pouca
vontade de trabalhar... fosse ...inherente a natureza dos paizes intertropicaes, mas
antes provinha da educação defeituosa que as classes pobres dispensavam a seus
filhos 102 , retirando, de um lado a predestinação do povo brasileiro como sendo
preguiçoso por natureza, mas reforçando, de uma certa forma, a noção de que os pobres
eram os reprodutores de uma classe pouco laboriosa, devido à formação que davam a
seus filhos.
Em 1894, no governo de Barbosa Lima, a Colônia Isabel passaria a se chamar
Escola Industrial Frei Caneca, transformando-se essencialmente em uma escola de

100
Nayala, S. F. Maia, op. cit., p.38.
101
Diário de Pernambuco, 17/03/1882.
102
Nayala S. F. Maia, op. cit., p.18.
66

agricultura ligada ao funcionamento de sua usina modelo. Esta escola de agricultura não
conseguiria alcançar o nível teórico com o qual habilitaria uma mão-de-obra mais
qualificada do que a já existente, servindo-se praticamente apenas do aprendizado
prático rotineiro. A alteração no nome da Colônia ao mesmo tempo em que prenuncia o
seu afastamento das diretrizes de administração monarquista – mudando o seu nome de
Isabel para o do republicano Frei Caneca – também anuncia o próprio desvirtuamento
do objetivo primeiro da Colônia, que era educar e profissionalizar jovens órfãos ou sem
recursos, com o qual se inicia a decadência da Colônia Isabel. Isto começa a acontecer
com a aquisição de três propriedades antes destinadas ao assentamento de colonos, que
não dá certo. Com estas propriedades, a Colônia passa a ser gerida com o intuito de dar
lucro, cada vez menos cuidando da educação dos jovens. Como o empreendimento sofre
revezes, os gastos com a manutenção dessas propriedades levam a Colônia a falência,
sendo então arrendada em 1904, pelo governador Sigismundo Gonçalves, em benefício
da oligarquia Rosa e Silva. 103

A preocupação em formar um povo “civilizado e útil” desde a infância teve outra


tentativa em 1883, com a criação de um Asilo da Infância Desvalida, sob a
administração da Santa Casa de Misericórdia. O Asilo também receberia ingênuos e a
educação que os internos teriam incluiria o ensino de um ofício. 104
Outros projetos foram tentados para formar trabalhadores livres e disciplinados, a
maioria objetivando reprimir a vagabundagem e a mendicidade que se alastrava
principalmente pelo Recife, os quais envolviam outros problemas como o vício da
bebida e do jogo. Tais projetos, propostos nos primeiros anos da República, visavam a
criação de colônias para onde fossem enviados presos correcionais, sempre colocando o
trabalho e a educação como o meio mais eficaz de regenerar e formar novos cidadãos. A
elite republicana seguia as mesmas questões colocadas durante o período de experiência

103
Nayala S. F. Maia, op. cit., pp.23, 55, 70-75, 94-95. O desvirtuamento da Colônia Isabel em atender
outros interesses que não os dos órfãos, foi criticado por um senador em plenário na Câmara; cf. Anais da
Assembléia Estadual de Pernambuco, 14ª Sessão em 2 de maio de 1892, p.55.
104
APEJE, CLPPE, Lei nº 1756 de 5 de junho de 1883. Desde a ocupação holandesa que em Pernambuco
já existia um asilo para o recebimento de órfãos. Depois disso, apenas em 1830 o governo destinaria os
bens da extinta congregação dos padres de São Néri para a fundação de dois estabelecimentos para
abrigar e educar os órfãos de ambos os sexos. A Colônia Isabel se distingue dessas iniciativas por
acrescentar aos seus objetivos de amparo aos órfãos à formação de mão-de-obra qualificada, no que se
torna nítido pelo aceitamento de colonos pensionistas que pagavam para receber esta habilitação
profissional, cf. Nayala S. F. Maia, op. cit., pp.19-20.
67

que se teve no Império com o trabalho dos detentos na Casa de Detenção (vide capítulo
4). Mais uma vez, colocava-se a ideologia do trabalho como agente moralizador, sempre
apoiada por experiências em países industrializados da Europa:

O vagabundo, o mendigo e o ébrio necessitam mais de escola e de trabalho


do que de prisão: é mais proveitoso estimular-lhes as faculdades, reformar os
seus costumes desregrados do que encarceral-os nessa promiscuidade
condemnavel que encaminha quase sempre á pratica de novos crimes, porque
é um foco de corrupção e de vícios. 105

Nas discussões que houve entre 1898 e 1899, sobre a criação dessas colônias – as
quais por motivos financeiros não seriam levadas a efeito 106 –, estava prevista a
instalação de três tipos delas: uma penitenciária, para sentenciados de várias categorias;
uma correcional, para os que incorressem em crimes de capoeiragem, vagabundagem,
embriaguez e mendicância; e outra voltada exclusivamente para jovens infratores.
Apenas as duas últimas foram aprovadas, o que provocou a reação de um senador que
considerava essencial a colônia penitenciária como meio de recuperar criminosos e
diminuir os custos do Estado com eles através do trabalho forçado. 107
Ao que parece, esta não foi uma decisão que levou em conta apenas os gastos que
o governo teria de despender com a criação de tais tipos de estabelecimentos, uma vez
que ao lado das colônias estatais, poderiam ser fundadas colônias privadas, as quais
ficariam sob a supervisão do governo, na pessoa do chefe de polícia. Seria um negócio
interessante, na medida em que a remuneração dos presos deveria ser pequena, além dos
administradores reterem vinte por cento de seus salários para lhes serem entregues na
forma de pecúlio quando saíssem da colônia. 108 Isto leva a crer que a intenção era
justamente resolver o problema das elites em face daquela parte da população que não

105
APEJE, Relatórios dos Chefes de Polícia, 1905, p.12.
106
As colônias correcionais para menores e adultos foram instituídas pelo governo federal pelo Decreto
nº145, de 12 de julho de 1893, posteriormente ampliado em suas determinações pela Lei 947, de 29 de
dezembro de 1902, depois regulamentada com o Decreto 6.994, de 19 de junho de 1908. Em Pernambuco
elas foram uma demanda constante entre os chefes de polícia, mas no relatório de 1923, ainda era
reclamada a execução da lei de 1899. Houve, no entanto, três experiências com escolas correcionais para
menores, uma em 1908 (vide capítulo 4), a segunda em 1917-20, e a última em 1924-29. Ao contrário das
duas primeiras, esta recolheria tanto menores desvalidos quanto condenados. Cf. Mozart Vergetti
Menezes, Prevenir, disciplinar e corrigir, p.86.
107
APEJE, AS, 29 de maio de 1899, p.65.
108
Idem, CLPPE, Lei nº 370, de 9 de junho de 1899, arts.5, 6 e 8.
68

se apresentava como criminosos propriamente ditos – com a exceção aos capoeiras –


mas que economicamente produzia desgastes ao não se inserirem no mercado de
trabalho e, ao mesmo tempo, evidenciarem a falência da imagem de progresso que
desejavam emprestar ao novo regime.
A criação de colônias desse tipo, e ainda mais com a possibilidade de iniciativa
por parte de particulares, sugere que havia a intenção de se resolver um problema social
através do isolamento e da coerção ao trabalho de homens livres pobres, excluídos em
sua maioria do sistema produtivo por efeito da própria estrutura econômica. É com esta
visão do problema que a Comissão do Senado dá o seu parecer favorável ao projeto das
colônias:

A repressão da vagabundagem e da mendicidade é assumpto que muito tem


prendido a attenção dos paizes cultos, pois, com ella melhoram-se os costumes
e aproveitam-se braços que, longe de concorrerem para a produção são os
maiores inimigos dos que a ella se dedicam.
Entre nós actualmente é uma questão vital , porquanto a lavoura resente-se
da falta de braços e os salarios são elevados a deixar pouca remuneração aos
productores.
Acredita a Comissão que, inaugurando-se taes colônias, não só diminuirão
os crimes, que proporcionam a ociosidade, como a lavoura e as industrias
terão os braços precisos para o seu desenvolvimento, com inferior salario,
devido em grande parte ao numero consideravel de individuos que se
divorciaram do trabalho. 109 (grifos meus).

Embora em seu parecer a Comissão do Senado fizesse uma ressalva a distinção


entre os que viviam na ociosidade por falta de trabalho e os que mendigavam por
necessidade daqueles que exploravam a caridade pública, no mesmo documento
reproduziam a idéia que vinha desde o Império, de que, em última análise o indivíduo
era isoladamente responsável pela sua condição de pobreza e de atração pela vadiagem:

109
APEJE, AS, v.1898, p.130.
69

Alem da capital, nas nossas cidades e villas do interior, há grande numero


de indivíduos que não têm occupação conhecida; occupam-se em mister
muito inferior a actividade do homem.
É assim que vemos nas estações dos caminhos de ferro grande numero de
pessoas que alli passam o dia inteiro a espera de carregar os pequenos
volumes que trazem os passageiros, em jogatinas e actos reprovados.
Fora desta classe há os mendigos, que vivem do trabalho alheio sem
applicarem a sua actividade em cousa alguma, que traga vantagem para a
110
sociedade. (grifos meus).

Esta visão incorporava a crença, difundida não apenas no Brasil, como na Europa,
de que o pobre era um homem preguiçoso e sem capacidade de iniciativa, que deveria
ser compelido ao trabalho por forças externas ao seu querer, como a necessidade de
satisfazer as suas carências mais básicas ou a sua ressocialização através da prisão com
pena de trabalhos forçados. Neste último caso, as colônias deveriam oferecer condições
severas de vida para que o indivíduo não desejasse mais retornar às colônias. 111
Se a coação ao trabalho parecia uma solução razoável para os problemas de mão-
de-obra das elites, por outro lado, o afastamento dessas pessoas da sociedade
apresentava-se como um meio plausível de diminuir a criminalidade e de conservar uma
imagem da cidade de limpa e civilizada – e os mendigos eram os principais
responsáveis, na visão das elites, pelo “enfeiamento” do Recife. Problema tipicamente
das grandes cidades, onde a pobreza se aglomera e torna-se mais visível, os mendigos
tinham a facilidade de terem uma grande quantidade de transeuntes e de casas próximas
para viverem de seu auxílio, o que irritava sobremaneira a classe média urbana.
Chagados, aleijados ou simplesmente os de “ofício”, tornavam-se figuras
indesejáveis aos símbolos de progresso que se queria firmar para a capital de
Pernambuco. Era, no entanto, uma imagem persistente, e que chamava a atenção dos
estrangeiros que passavam pela cidade desde os tempos da Colônia:

110
Idem, AS, v.1898, p.131.
111
Idem, ibidem. Sobre a visão da burguesia européia a respeito dos pobres e das causas da pobreza, vide
Gertrude Himmelfarb, La idea de la pobreza: Inglaterra a princípios de la era industrial. Uma idéia
comum defendida por Tocqueville e até certo ponto por Malthus, era a de que dos dois estímulos que
levava uma pessoa a trabalhar – a necessidade de viver e o desejo de melhorar de vida – apenas o
primeiro atuava na maioria delas, refletindo a imagem malthusiana do homem preguiçoso, que
unicamente se via impulsionado a trabalhar pela terrível necessidade; cf. op. cit., p.180.
70

Seres miseráveis são às vezes vistos no Recife, pedindo esmolas pelos


quarteirões da cidade, idosos e enfermos. Alguns foram escravos e quando a
moléstia os tornou inúteis seus amos lhes deram a liberdade, e os despediu
esgotados pela senectude ou estropiados, e seu único recurso é esmolar pelas
ruas públicas. 112

Muitos desses mendigos viviam em telheiros abertos ou vinham das regiões


alagadas da cidade, onde habitavam em situação precária – juntamente com outros
homens livres pobres, ex-escravos e escravos fugidos – os mocambos e casebres nas
áreas “baixas e imundas” do Recife. Estes eram pontos de contágios que mereceriam a
atenção das autoridades sanitárias já no início da República, por ameaçar a parte mais
favorecida da população:

Constituem infelizmente um dos maiores defeitos desta cidade as habitações


da população proletária. Os mucambos e cortiços são uma ameaça constante
á saúde publica. Sem conforto e sem a mínima observância dos preceitos
hygienicos, a pobre gente que os habita concorre com avultadissimo
contingente para o augmento da mortalidade e as suas condições de vida
constituem um perigo serio para a parte da população mais favorecida da
fortuna. 113 (grifos meus).
Os mendigos eram, portanto, uma ameaça não apenas à imagem de civilidade da
cidade, mas igualmente à saúde pública, uma vez que eram desses locais imundos e de
aglomerações nocivas que muitos deles provinham. Uma solução para a retirada deles
das ruas do Recife aconteceu em 1868, com a destinação de um fundo para a edificação
de um Asilo de Mendicidade, que ficaria sob a administração da Santa Casa de
Misericórdia. O Asilo funcionaria através da contribuição de 3% adicionais aos
impostos provinciais pagos pela população. 114
Os mendigos eram capturados pela polícia e remetidos para o Asilo, onde
receberiam comida e assistência médica. O Asilo, no entanto, não conseguia abrigar a

112
Henry Koster, Viagens ao Nordeste do Brasil, p.401
113
APEJE, Fundo Secretários Gerais, Relatório apresentado ao Exmº Sr. Governador do Estado de
Pernambuco pelo Secretário Geral, Elpídio Figueiredo, em 31 de janeiro de 1908, p.111.
114
DP, 13/04/1882.
71

quantidade de mendicantes que existam na cidade, e muitos dos que eram recolhidos
pela polícia eram enviados para a Casa de Detenção, para o Hospital Pedro II ou
simplesmente repreendidos pela autoridade policial e soltos, o que os levava a
retornarem a mendicância, provocando a indignação da classe média urbana:

Asylo de Mendicidade
Chama-se a attenção das autoridades competentes para o crescido numero
de mendigos que transitam palas ruas da cidade, o que nos faz crer que, ou
não existe o Asylo, ou se existe só tem um mendigo e sua familia.
A continuar assim é melhor acabar com tal estabelecimento.
E entretanto há uma verba de 3% em despachos a favor do Asylo!... 115

O fato de ficarem asilados não significava, por sua vez, que as ruas estariam livres
deles. Alguns fugiam, preferindo a vida livre na indigência ao regime fechado do Asilo.
Possivelmente muitos que sofriam de alcoolismo não suportavam a abstinência forçada
e preferiam voltar as ruas. Havia, por outro lado, denúncias de que seus diretores não
tinham tanto interesse assim em receber mendigos de outros estabelecimentos, como do
Hospital Pedro II, uma vez que isso reduzia a despesa da instituição, fato este reforçado
por acusações de se estar economizando na ração oferecida aos asilados. Outra acusação
que se fazia era a das autoridades policiais estarem enviando para o Asilo, ébrios e
vadios, transformando o local em prisão correcional, fugindo desta forma ao seu fim e
agravando o problema de lotação, embora muitos suspeitassem da suposta falta de vagas
no estabelecimento. 116
Estas dúvidas e polêmicas, que eram suscitadas nos jornais da época, demonstram
a atenção que o problema causava aos habitantes mais abastados do Recife. Cinco anos
depois da reclamação transcrita acima, encontramos uma outra bem semelhante, que
denotava a decepção causada pelo Asilo por não ter conseguido reter o aumento de
mendigos nas ruas, nem de conseguir acomodá- los todos em suas dependências, sempre
transparecendo a visão de que a mendicância era um problema de repressão, no máximo
de filantropia pública:

115
DP, 09/07/1877.
116
Idem, 04/10/1870, 06/10/1970, 16/11/1870, 05/04/1871, 13/04/1882.
72

Mendigos – Se não fossem regularmente publicadas as notas do movimento


do Ayilo de Mendicidade, dificilmente se acreditaria na existência de
semelhante estabelecimento tanta é a quantidade de mendigos que se encontra
pelas ruas e pontes, alguns demasiadamente importunos.
Entretanto, nos informa pessoa que supomos informada do fato, que no
referido estabelecimento ha espaço e acomodações para muito maior numero
de mendigos do que o que la existe.
Por que razão, pois, não são recolhidos ali os que atopetam as ruas e
perseguem os transeuntes ?
É essa uma questão que só pode responder a policia, por cuja conta corre o
apanhamento dos mendigos para aquele fim.
O que, porem, podemos todos afirmar, é que o estabelecimento foi creado
para os asylar bom gré mal gré e que para mantel-os todos contribuimos com
os 3% adicionais as imposições provinciais. 117

Se houve ou não abusos por parte dos administradores, é algo que dificilmente
ficaremos sabendo, mas com certeza podemos avaliar que o Asilo de Mendicidade não
conseguia suprir a demanda de indivíduos que viviam na indigência na cidade do
Recife. De 30 mendigos capturados na cidade no mês de abril de 1882, apenas 18
puderam ser admitidos por falta de leitos disponíveis. Afora esses da capital, o Asilo
ainda recebia alguns mend igos de cidades do interior, dificultando ainda mais o
problema de lotação. 118
Não é de se admirar, nesse contexto, a ação “higiênica” – alguns anos antes da
proposta das colônias correcionais já mencionadas –, do governador de Pernambuco,
Albino Meira, acusado de mandar prender aos magotes e sem culpa formada, mendigos
que circulavam pelo Recife para serem enviados ao Presídio de Fernando de
Noronha. 119 Com efeito, caberia à polícia a missão de manter as ruas o máximo possível
ordenadas e “limpas” dos efeitos das desigualdades sociais que geravam mendigos,
“vadios” e prostitutas.

117
DP, 13/04/1882.
118
Idem, 15/04/1882.
119
APEJE, AS, 46ª Sessão em 3 de junho de 1896, p.218 e 47ª Sessão em 5 de junho de 1896, p.222.
CAPÍTULO 2

A ORGANIZAÇÃO POLICIAL EM PERNAMBUCO


(1865-1915)

• Período Imperial

As últimas décadas do governo imperial foram acompanhadas de ações


modernizantes que visavam encaminhar o processo de formação do mercado nacional e
da mão de obra livre, necessárias à ordem burguesa que lentamente se instalava no
Brasil. Neste contexto, a discussão sobre a organização de uma força policial que
atendesse esses objetivos ganha adeptos entre liberais e conservadores mais
progressistas, que desejavam a descentralização do poder em benefício das províncias, e
viam no modo como era estruturada a polícia brasileira um reflexo da centralização
administrativa do governo imperial. Aos seus olhos, a polícia padronizada pelo governo
central não conseguia corresponder às necessidades das províncias, as quais tinham que
contar com um aparelho repressor eficiente para assegurar a modernização tanto
econômica quanto cultural que desejavam empreender. 1 Isto se tornava mais verdade em
relação às maiores cidades do Império, ond e se concentravam pessoas das mais diversas
camadas sociais em um espaço exíguo e que deveria servir de exemplaridade. 2 A
polícia, neste caso, serviria como um instrumento na disciplina urbana.
Nota-se nas mudanças que ocorrem na estrutura policial deste período, a
preocupação em modernizá- la em conformidade com experiências extraídas da Europa e
Estados Unidos. Isto só foi possível porque a época exigia antes um controle preventivo

1
Sobre a influência da formação do mercado nacional e da transição da mão-de-obra na organização da
polícia, ver, Neder, Naro, e Silva, A polícia na Corte e no Distrito Federal, 1831-1930, pp.157-159 e 234-
237; a respeito das propostas de descentralização administrativa ver Tavares Bastos, A Província, pp.
159-169.
2
Em sua tese de doutorado, Raimundo Arrais, trata de como a imagem do Recife na segunda metade do
séc. XIX foi elaborada pelas elites em função da noção de progresso, instituindo nas obras públicas um
sentido instrutivo e moralizador, uma vez que se tinha nelas a perspectiva de utilização de trabalhadores
livres, além de incutir hábitos europeus, como por exemplo, no uso dos passeios e jardins públicos.
Investia-se, desta forma, a cidade de uma missão civilizadora. Cf. O pântano e o riacho: a formação do
espaço público no Recife do século XIX.
74

– como no caso do controle sobre os escravos –, do que a repressão pura e simples,


embora fosse esta a maneira mais freqüente de se agir.

A polícia civil e militar no Império

A polícia imperial estava dividida em civil e militar, embora tal divisão não fosse
oficial como aconteceria na República, e nela incorresse a prevalênc ia das autoridades
civis sobre as militares. Esta separação só começaria a ser mais questionada nas últimas
décadas do século XIX, com a discussão sobre a criação da Guarda Urbana e depois da
Guarda Local, ambas formadas para serem forças civis e paisanas. A polícia civil teria a
sua origem ligada a administração local, abrangendo algumas funções judiciárias de
menor importância, enquanto a polícia militar tinha a sua tradição ligada aos
patrulhamentos realizados por tropas de linha desde os tempos da colônia. 3
A polícia civil foi organizada a partir da Lei de 3 de Dezembro de 1841, com a
definição das funções desempenhadas pela Secretaria de Polícia 4 , tendo sido
reestruturada pelo decreto nº 1.897 de 21 de fevereiro de 1857. Este órgão era dirigido
pelo che fe de polícia, escolhido pelo presidente da província entre um dos juízes de
Direito, permanecendo no cargo por dois anos, podendo ser substituído por um
desembargador em caso de necessidade. Contava com um secretário, três oficiais – um
dos quais fazia o serviço de vistoria no porto –, quatro amanuenses, dos quais um fazia
o serviço de arquivista, um porteiro e um contínuo. Logo abaixo do chefe de polícia
vinham os dois delegados da capital, que detinham autoridade cada qual sobre um dos
dois distritos policiais que dividiam a cidade; os subdelegados – subordinados aos
delegados –, que substituíram os juízes de Paz depois da reforma de 1841, tomando para
si a jurisdição das freguesias que também eram divididas em distritos, e os inspetores de
quarteirão, escolhidos pelos subdelegados entre um dos moradores do quarteirão, onde
ficava responsável pela vigilância de no mínimo vinte e cinco fogos, informando

3
Marcos Luiz Bretas, Ordem na cidade, pp.40, 43.
4
A Secretaria de Polícia já existia desde 1833, mas ainda não tinha suas funções claramente definidas,
com o chefe de polícia ainda tendo que dividir atribuições com os juízes de Paz. Também não haviam
sido criados ainda os cargos de delegado e subdelegado. Cf. Thomas Holloway, op cit., pp.110-112.
75

qualquer irregularidade ao subdelegado de seu distrito, e podendo pedir auxílio de


praças da polícia para efetuar prisões em flagrante. Os delegados e subdelegados
possuíam três suplentes cada um. 5
Até antes da Lei de 1871, o chefe de polícia e os delegados acumulavam poderes
judiciais às suas atribuições de autoridade policial, podendo inclusive exercer outra
função no âmbito do governo, como era o caso do chefe de polícia que continuava a
exercer a magistratura. Com a reforma do código criminal em 1871, ficou vedado o
exercício de cargos policiais e judiciais ao mesmo tempo. A partir daí o chefe de polícia
tinha ainda a tarefa de reunir provas para a formação de culpa, mas já não possuía mais
o poder de julgar e sentenciar as contravenções e os crimes menores. 6
Em 1886, Pernambuco possuía 65 delegacias e 242 subdelegacias. 7 Em Recife por
volta dessa mesma época, existiam duas delegacias, a 1ª e a 2ª Delegacia da Capital, e
16 subdelegacias. A 1ª Delegacia ou o 1º Distrito Policial, compreendia as freguesias de
S. Frei Pedro Gonçalves, Santo Antônio, o 1º e 2º distritos de São José, Afogados,
Madalena, Peres, Boa Viagem e Torre. O 2º Distrito compreendia o 1º e 2º distritos da
Boa Vista, Capunga, Espinheiro, Belém, Poço da Panela, Apipucos e Várzea. 8 A
Secretaria de Polícia tinha a função de coordenar as atividades policiais de todas elas,
embora a sua atuação fosse mais presente dentro da capital por questões de distância e
número de pessoal disponível para o trabalho. Nos municípios do interior os delegados
tinham uma autonomia bem maior, mas por outro lado seus recursos em relação ao
número de praças eram meno res. Alguns municípios só tinham a disposição de oito a
quinze praças. Quando acontecia deles serem destacados para transportar algum preso
para o Júri ou simplesmente irem receber o soldo na capital, as delegacias do interior
ficavam praticamente descobertas. 9
O pessoal empregado na Secretaria de Polícia era considerado insuficiente para
manter os registros em dia. Já em 1869 a repartição produzia mais de dezoito mil peças

5
APEJE, Relatórios dos Chefes de Polícia, 1886, p. 8; Almanak administrativo, mercantil, industrial e
agrícola de Pernambuco, 1876, p.62; Thomas H. Holloway, op. cit., pp.159-161. O inspetor de quarteirão
usava como distintivo uma faixa, um boné de galão e espada, cf. Ofício do inspetor João de Oliveira
Guimarães, para o subdelegado do 2º Distrito, 20 de julho de 1867, p.152.
6
Thomas H. Holloway, op. cit., pp. 227-228.
7
APEJE, Relatórios dos Chefes de Polícia, 1886, pp. 7-8.
8
A. J. Barbosa Vianna, Recife, capital de Pernambuco, p.58; Almanak ..., pp.91-94, 1885; APEJE,
Relatórios dos Chefes de Polícia, 1905, pp.21-22.
9
APEJE, AAP, v. 1875, pp. 70 e 71.
76

oficiais, sem contar com os interrogatórios e um número grande de cópias que haviam
sido extraviadas. 10 Além da documentação enviada pelas delegacias, o chefe de polícia
recebia relatórios periódicos do administrador da Casa de Detenção. Os resultados
dessas informações eram repassados através de relatórios anuais ao presidente da
Província. O prédio onde funcionava a Secretaria de Polícia, na rua da Aurora, era
também a residência do chefe de polícia. Os funcionários trabalhavam no pavimento
térreo, onde eram despachadas as diligências mais reservadas a serem cumpridas pelos
delegados da capital e pela polícia secreta. 11
Uma das dores de cabeça do chefe de polícia e dos delegados era o serviço
médico- legal. Encontrar médicos que estivessem dispostos a fazer o corpo de delito
quando solicitados era uma das reclamações constantes das autoridades policiais, que
muitas vezes tinham suas diligências prejudicadas por conta disso:

Esta capital, que é uma das mais populosas do Império, ainda ressente-se da
falta de medicos propriamente da policia e que como tais tenham obrigação de
funcionar perante as autoridades policiaes.
As vistorias são feitas pelo (...) cirurgião do Corpo de Policia.
Entretanto, nem sempre são elles encontrados facilmente, e não poucas
vezes lucta a autoridade policial com serias difficuldades para a formação dos
corpos de delicto, que é a base principal do processo. 12

O cargo de médico de polícia somente veio a ser criado em 1870, com duas vagas
para estes profissionais que deveriam dar conta de todo o trabalho dentro da capital.
Logo, no entanto, foram reduzidas para uma, em 1872. O serviço deles compreendia os
corpos de delito, exames de sanidade, exumações e demais diligências médicas a que
fossem solicitadas pelas autoridades policiais. Teriam ainda que tratar até seu completo
restabelecimento daquelas vítimas que não tivessem condições financeiras para pagar o
tratamento. Não davam expedientes dentro da Secretaria de Polícia, tendo que declarar o
local de residência ao chefe de polícia a fim de serem convocados prontamente ao
serviço, coisa que freqüentemente não ocorria. As autópsias eram realizadas no

10
Idem, AAP, Sessão Presidencial de Abertura em 10 de abril de 1869, no item Polícia; Relatórios dos
Chefes de Polícia, 1886, p.8.
11
Idem, Relatórios dos Chefes de Polícia, 1886, pp. 5 e 7.
12
Idem, 1886, p.6.
77

necrotério público e os exames laboratoriais passariam a ser realizados no Instituto


Vacínico durante a República. 13
Ao que parece a remuneração de 600$ anual não era suficiente para atrair e tornar
o médico de polícia um profissional exclusivo desta instituição. Esta falta de zelo do
governo pelo serviço médico- legal em um primeiro momento parece estranho, numa
fase em que o discurso higienista estava tomando conta da ação do Estado sobre
diversas áreas de controle sobre a população, mas é preciso lembrar que outros serviços
médicos da competência do Estado continuavam precários. O fato é que foi transferido
para os militares o serviço médico da polícia, através de uma lei de 1873 que dava aos
oficiais cirurgiões do Corpo de Polícia os mesmos deveres atribuídos ao médico de
polícia, que teve o cargo extinto no ano seguinte. Com isso, os médicos do Corpo de
Polícia passaram a ter de fazer todos os exames medico-legaes, requisitados pela
Justiça Publica. Em 1880, eles tiveram um aumento substancial em seus vencimentos,
ganhando 1:600$ anual, além de 600$ de gratificação. 14
Ainda no início da República, entretanto, quando é restaurado o posto de médico
de polícia, as autoridades policiais continuavam a se queixar da falta de prontidão
desses profissionais:

(...) O Dr. subdelegado de Stº Antonio (...), declara que tendo procurado os
médicos da policia para vistoriar aqquele individuo não forão esses
encontrados! E não é a primeira vez que a policia tem necessidade dos
serviços de seus médicos e não os encontra; dando isso lugar a serem
retardadas as vistorias e não medicamentados ou receitados os offendidos em
tempo oportuno. Peço-vos que providencieis á respeito.15

Ao lado da polícia civil e subordinada a ela funcionava a polícia militar. Ela


seguia a disciplina e o regime de aquartelamento militar, comandada por um Tenente-
Coronel que recebia ordens diretamente do chefe de polícia, responsável pelo

13
APEJE, CLPPE, Lei nº 961, de 14 de julho de 1870 e Relatórios dos Chefes de Polícia, 1910, item:
Serviço Médico-Legal. Não temos informações se os exames laboratoriais dos médicos legistas eram
feitos no Instituto Vacínico durante o Império. Sabemos, no entanto, que em casos de suspeita de
envenenamento, os exames das vítimas eram realizados na Bahia. Cf. capítulo 3, p.126.
14
APEJE, CLPPE, Lei nº 1499 de 29 de junho de 1880, art.1, parágrafo 44.
15
Idem, Fundo SSP, 1ª Delegacia da Capital, Ofício do delegado Luís d’Andrade, para o chefe de polícia
Gaudino Eudóxio de Brito, 25 de outubro de 1890.
78

policiamento da cidade. O Corpo de Polícia era dividido em companhias comandadas


por capitães, encarregados de fazerem as rondas pelas freguesias conforme solicitação
do chefe de polícia ao presidente da Província. Tinham ainda a tarefa de fazer a escolta
dos préstitos religiosos e das solenidades oficiais. Os praças eram comumente
destacados para auxiliar os delegados e subdelegados em suas diligências pelas
freguesias, ficando sob suas ordens.
Esta convivência forçada entre civis e militares, no entanto, não era pacífica,
como poderia parecer à primeira vista. Havia rixas suscitadas pelo corporativismo
militar no que se referia a sua competência. A organização do Corpo de Polícia, por
exemplo, embora seguisse os padrões militares, era de responsabilidade do presidente
da Província, que poderia alterar o seu regulamento a qualquer tempo. Embora
estivessem submetidos a uma disciplina de quartel, fossem preferencialmente escolhidos
entre os oficiais do Exército, e o comandante e o major ganhassem de acordo com suas
patentes no Exército, os oficiais da polícia não tinham a mesma segurança que um
militar de 1ª Linha. 16 Eram nomeados diretamente pelo presidente da Província,
podendo os oficiais superiores ser retirados do quadro do Exército ou dos oficiais
inferiores do Corpo de Polícia, estando sujeitos a ser exonerados a qualquer tempo, o
que tornava tais cargos essencialmente políticos e afeitos às divergências que existiam
entre as facções no poder, o que era mais sentido em nível dos oficiais, delegados e
subdelegados, com quem estavam freqüentemente em contato.
A disciplina dos soldados de polícia era outro motivo para desentendimentos entre
as autoridades civis e militares. As reclamações constantes sobre a conduta moral das
praças em serviço colocavam em dúvida o poder de socialização da instituição militar.
A origem social desses indivíduos exp lica o índice elevado de indisciplina que havia
entre eles. A maior parte deles provinha das mesmas camadas da sociedade que
deveriam ser policiadas, e por não terem uma profissão certa se engajavam
voluntariamente na Força Policial que lhes dava um soldo de aproximadamente 1$300
réis diários, fora alojamento, comida e um estipêndio de $160 réis para a compra do
fardamento. Recebiam ainda assistência médica no Hospital Pedro II. Em comparação
com as outras forças policiais, como a da Corte, que contando com todas as ajudas de
custo pagava um salário de 1$260 réis diários às suas praças, a Polícia pernambucana

16
Idem, CLPPE, Lei nº 982, de 02 de maio de 1871, arts. 2º e 5º.
79

pagava razoavelmente bem. Era, no entanto, menos que um oficial mecânico ganhava, e
por isso, muitos aproveitavam o tempo livre para fazerem algum biscate. Ao contrário
dos oficiais que eram nomeados e pagavam contribuições ao Erário, não tinham direito
a aposentadoria por invalidez ou tempo de serviço, como os demais funcionários do
Estado. O fato de servirem por contrato, fazia com que não fossem considerados
empregados públicos, embora os soldados do Exército estivessem sob as mesmas
condições e tivessem o direito à reforma. Depois de servir dez, vinte ou mais anos, um
soldado de polícia era simplesmente abandonado à sua própria sorte. 17
Uma outra parte dos recrutados vinha do Exército, que como se sabe, mantinha o
sistema de recrutamento forçado e de punição a criminosos por meio do serviço militar.
Muitas vezes ocorriam permutas de soldados indisciplinados do Corpo Policial por
soldados com bom comportamento no Exército, como forma de expurgar a corporação
dos elementos perniciosos e lhes punir com um regime militar mais severo. 18
A criação da Guarda Local e da Guarda Urbana mostram duas tentativas de se
constituir forças policiais diferenciadas das corporações militares. Ambas tiveram suas
origens nas idéias de políticos progressistas da Corte, como Tavares Bastos e o
Visconde de Uruguay que aconselhavam a acabar com a polícia militarizada através da
criação de uma polícia mais descentralizada administrativamente, que pudesse ser
gerida de acordo com as necessidades locais das províncias, seus municípios e centros
19
urbanos, seguindo os modelos americanos e ingleses da época. Tavares Bastos
colocava como uma medida fundamental em questões como a da emanc ipação dos
escravos, o fato dos governos locais tomarem as medidas de segurança pública que mais
lhes conviesse:

(...) verificada a emancipação dos escravos, é licito presumir a existência de


remissos ao trabalho, acoitado nos bosques, exercendo violencias,
17
Idem, Lei nº 982, de 02 de maio de 1871; AAP, v. 1874, pp.181 e 204; Thomas Holloway, op. cit.,
p.141.
18
Thomas Holloway, op. cit., pp. 163-164.
19
APEJE, AAP, v.1874, p.178. A obra do Visconde de Uruguay mencionada por um dos deputados
provinciais como uma das inspirações para a criação de uma polícia civil foi Estudos práticos sobre as
províncias, e a de Tavares Bastos, A Província. Apesar de terem sua origem nas propostas dos liberais –
como deixa clara a indicação dessas duas obras na discussão da Assembléia Provincial – a Guarda Local e
a Guarda Cívica em Pernambuco só seriam criadas sob o governo do Partido Conservador, o que não é de
se estranhar, pois várias outras propostas dos liberais foram levadas a efeito pelo Gabinete Rio Branco.
Cf., Sérgio Buarque de Holanda, História Geral da Civilização Brasileira, Tomo II, 5 volume, pp. 136,
151, 177 e 185.
80

commettendo depredações. Em taes condições, cada provincia careceria


dictar regulamentos policiaes seus: a centralisação actual seria então
detestavel.
(...) É a experiencia de cada província que pode aconselhar-lhes o modo
mais vantajoso de constituir em cada cidade, villa ou aldêa, uma força
auxiliar da policia... 20

A primeira tentativa pernambucana foi com a criação da Guarda Local, em 1874.


Ela deveria suprir o serviço que era então prestado pela Guarda Nacional no
policiamento dos municípios do interior, do qual havia sido liberada pela Lei nº 2.395
de 10 de setembro de 1873. O governo central, desta forma, estava incentivando as
províncias a formarem suas próprias milícias municipais a partir da promessa de arcar
com parte dessa despesa. De início contava com 900 praças que seriam distribuídas
pelas 65 freguesias do interior de Pernambuco, ... conforme a necessidade e importância
de seus municípios ou paróquias, onde seriam organizadas e de onde não poderiam sair.
De acordo com os preceitos liberais, não tinha organização militar, embora além de ser
comandada em cada município por um comissário de polícia, também o fosse por um
sargento, o que destoava do caráter civil que se queria lhe dar. 21
Na verdade, a criação de uma polícia civil para os municípios foi hesitante no que
diz respeito a como seria organizada, e revelou algumas contradições. Sente-se na
discussão do projeto que criou a Guarda Local, a oscilação da elite política em confiar
plenamente o policiamento da Província a uma força de caráter aparentemente menos
repressiva e disciplinada que a militar:

(...) Não posso compreender como deixe de ter caracter militar uma
corporação de indivíduos encarregados de manter a ordem publica, uma
corporação de indivíduos que necessariamente devem ter uma disciplina e
andar armados para que se possam prestar ao fim da creação dessa guarda
local.
(...) Não quero dizer que a guarda local tenha o rigor da disciplina militar,
mas não pode ella deixar de ter um certo caracter militar, visto que seu mister
20
Tavares Bastos, op. cit., pp.172 e 176.
21
APEJE, AAP, v. 1874, pp.160, 177 e 183; CLPPE, Lei nº 1130 de 30 de abril de 1874.
81

é todo militar (...) Que importancia se ligaria a uma reunião de individuos,


chamados guardas locaes, se elles não tivessem caracter militar, se fossem
encontrados sem uniforme, cada um vestido a seu modo? Se elles não
estivessem sujeitos a obediencia e disciplina? 22

Estas não eram preocupações isoladas do deputado Ratis e Silva, como o deputado
Oliveira Andrade – um dos signatários do projeto de criação da Guarda Local – deixou
claro ao responder às suas indagações afirmando ser ...isto justamente o que os nobres
deputados querem.23 Houve até quem levantasse a questão se a nova força seria ou não
aquartelada. 24
O que as discussões sobre o projeto de criação da Guarda Local deixa
transparecer, era o desejo de se criar uma polícia que combinasse as exigências de
controle sobre a população e sobre os próprios praças, usando-se da disciplina militar,
embora sem as formalidades burocráticas dos quartéis – o que não deixava de ser uma
contradição, pois as queixas em relação à disciplina dos policiais militares sempre se
fizeram presente entre as autoridades policiais. A idéia era formar uma polícia com
pessoas da localidade que não pudessem ser destacadas, que conhecessem bem a região
e os indivíduos que teriam que controlar, e que ficassem subordinados diretamente às
autoridades policiais. Era este o princípio geral de distinção entre uma polícia civil local
e uma polícia com organização militar para os deputados provinciais. Com isso, além de
uma melhor prevenção ao crime e de se ter uma força sem a necessidade do
aquartelamento, ainda se economizaria com as despesas de troca de pessoal vinda de
fora. Este era um problema que afetava tanto a segurança dos municípios mais afastados
– como as do alto Sertão –, quanto os cofres públicos. A comarca de Tacaratú, por
exemplo, distante 120 léguas do Recife, possuía em 1875 um destacamento de oito
praças. De dois em dois meses, três dessas praças iam à capital buscar o pagamento do
destacamento, levando 15 dias de viagem para ir e outros 15 para voltar, ficando na
comarca apenas cinco soldados para a guarda da cadeia, as diligências e a condução de
presos ao tribunal. Por conta disso, a população local era convocada a auxiliar no

22
APEJE, AAP, Sessão de 22 de abril, v.1874, p.190. Cf. tb. p.166.
23
Idem, ibidem.
24
Idem, ibidem, p.177.
82

serviço policial. 25 Muitas vezes os soldados de polícia quando chegavam ao Recife


pediam baixa ou eram simplesmente requisitados pelo quartel e não voltavam mais para
seus municípios. Apesar dessas dificuldades, logo foi dado o direito aos policiais
militares – que haviam sido demitidos com a redução do número daquele corpo devido à
criação da Guarda Local – de se engajarem nela, o mesmo ocorrendo com os indivíduos
das freguesias vizinhas. Obviamente, os soldados da polícia trariam uma influência
prejudicial à formação de uma polícia desmilitarizada, além de descaracterizar uma
guarda que se queria fosse localizada. 26
Uma outra indecisão dos deputados era quanto à Guarda Local ter ou não um
regulamento que lhe conferisse um certo grau de disciplina e se a sua organização e
atuação ficaria sob responsabilidade da autoridade policial. Neste caso, o delegado ou o
subdelegado teria o poder de contratar e demitir a qualquer tempo o pessoal empregado
no serviço policial, o que lhe permitira ter guardas de sua inteira confiança ao mesmo
tempo em que teria que responder sobre o seu desempenho. Havia o medo, entretanto,
desta liberdade de ação transformar-se em arbitrariedade dos dois lados, uma vez que
não haveria nada de certo que regulasse as relações entre os guardas locais e seus
superiores. Os deputados tinham em mente a experiência com os juízes de Paz que
tinham possuído as mesmas prerrogativas e haviam cometido abusos. Consideravam a
necessidade de dar algumas garantias aos guardas, não os deixando ao arbítrio da
autoridade local. Outra proposta que se queria adotar era a de se ter um regulamento que
indicasse o tempo de engajamento, os deveres a serem seguidos pelos guardas e as
penas disciplinares a que estariam sujeitas, nos moldes dos regulamentos da policia
militar. Para se engajar, o guarda local deveria provar que era homem honesto, de boa
moral, cidadão livre de crime capaz de policiar e não de ser policiado. Via-se, ainda, a
necessidade de que tivessem um distintivo ou trajassem um certo uniforme que
inspirasse respeito na população, mesmo que não tivessem a ostentação militar. O

25
A presença do Estado no interior de Pernambuco foi uma preocupação que acompanhou os seus
dirigentes pelo menos até o final da Primeira República. Ela não decorria apenas da falta de efetivos da
força policial, mas também do uso privado que os ocupantes dos cargos públicos faziam deles,
prevalecendo-se principalmente da distancia entre os municípios e o centro da administração
provincial/estadual. Era justamente nestas áreas de pouca atuação do Estado que o banditismo sertanejo
florescia, contando muitas vezes com o auxílio da população local que desta forma exprimia a sua
insatisfação com a ordem estabelecida. A esse respeito vide: Maria Sylvia de Carvalho Franco, Homens
livres na ordem escravocrata, capítulo III; Stela Mary Alves de Oliveira, O Poder Executivo em
Pernambuco (1890-1904), pp.178-179; Eric Hobsbawn, Bandidos, p.90.
26
APEJE, AAP, v. 1874, pp.162-204 e v. 1875, pp.70-71.
83

deputado Ratis e Silva ins istia em dizer não entender uma corporação encarregada de
manter a ordem pública sem isso. Como muitos, acreditava que sem o aparato militar,
sem a sua disciplina e distinção, a guarda perderia o prestígio e o respeito.27
Seja como for, o projeto passou sem dar à Guarda Local aparato militar, e sem
prescrever as bases para o seu regulamento, que ficaria a critério do presidente da
Província. 28 Mas estas propostas lançadas na Assembléia Legislativa eram vistas pelos
signatários do projeto como matéria a ser tratada separadamente no regulamento, o que
leva a crer que a maioria foi aceita pelo presidente da Província. Entre as propostas,
estava uma, bem aceita entre os deputados, que pedia o uso de algum distintivo ou
uniforme para diferenciar os guardas do resto da população.
Um ano depois, em abril de 1875, os deputados provinciais avaliavam como
insatisfatório o desempenho da nova força civil, que não havia conseguido ser
implementada em todos os municípios. A promessa de o governo geral enviar verbas
para a formação de uma força policial, preferencialmente desmilitarizada, para substituir
a Guarda Nacional neste serviço nos municípios, nunca foi concretizada, embora
constasse na lei de sua criação que ela seria financiada com o auxílio de 70 contos do
governo imperial. Diante deste fato, a sua organização não pôde ser realizada nas
comarcas mais pobres e distantes; e naquelas que foi, alistou-se metade do número de
praças determinado pelo governo provincial. Embora fosse verdade que a distribuição
dos praças não seguisse exatamente o critério da necessidade e sim o do prestígio
político, de forma que certas localidades tinham um contingente maior do que o
necessário em detrimento de outras, havia também o desestímulo causado pelos baixos
salários que levava a poucos desejar o serviço. Um praça ganhava mil réis diários, sem
as outras gratificações e vantagens oferecidas aos policiais militares. Esse salário
tornava-se menos atraente ainda, nas comarcas próximas ao Recife e nas áreas por onde
passava a estrada de fe rro. Nestes locais, a diária de um trabalhador rural ficava em
torno de 1$500 a 2$500 réis. 29
A situação do guarda local foi bem resumida pelo deputado Ratis e Silva, um dos
defensores da melhoria de condições para as praças de policia:
27
APEJE, AAP, v.1874, p.190.
28
Infelizmente não encontramos os regulamentos nem da Guarda Local, nem da Guarda Cívica, que
poderiam nos esclarecer melhor a respeito do funcionamento delas e se sua disciplina teve alguma relação
com a militar ou não.
29
APEJE, AAP, vls. 1875, p.70 e 1874, p.184.
84

Se um escravo (..) dá ao seu senhor mas de 1$000 por dia, como há de


querer pagar o serviço de um homem livre, e de um homem livre que se
emprega em um serviço tão pesado, e de tanta responsabilidade, como é o
serviço do soldado, um homem livre que deve andar mais limpo, mais decente
do que o escravo; um homem livre, cujo serviço é tal que não lhe deixa tempo
para se empregar em qualquer outra cousa, apenas 1$000 por dia?!
E como (...) se ha de sujeitar um individuo a ser guarda local, a um serviço
(...) no qual o individuo não conta com a sua liberdade, com paz e descanço;
no qual apezar de estar incommodado e indisposto é obrigado a sahir para
presta-lo a todo o tempo que for chamado pelo seu superior; no qual não tem
hora para descançar, porque a qualquer hora do dia e da noite póde ser
chamado para ir faze-lo dentro da localidade ou fora della; no qual não tem á
semelhança do escravo, ao menos a liberdade de escolher a hora para sahir
de sua casa, ha de sahir della, expôr-se ás intemperies, aos rigores das
estações, não só de dia, como até de noite, quasi sempre com o perigo de sua
vida; como o individuo (...), ha de se sujeitar-se assim ao mesquinho, ao
ridiculo vencimento de 1$000 diarios ? 30

Embora alguns propusessem que o soldo do guarda local variasse de 1$000 a


1$300 réis diários conforme a proximidade com a capital e as áreas próximas às estradas
de ferro, tendo em vista que não poderiam exercer outra ocupação em seus horários de
folga como acontecia com os praças do Corpo de Polícia, prevaleceu a idéia de que não
se podia pagar um mesmo serviço com salários diferenciados, ao contrário do que
ocorria no Exército e no Corpo de Polícia. Além disso, consideravam a vantagem dos
guardas locais em viverem juntos de sua família e não aquartelados ou destacados para
fora de sua freguesia. 31
Entretanto, se os deputados quisessem teriam aumentado não só o efetivo de
praças quanto os seus salários. A criação da função de comissário, ganhando 800$ réis
anuais, e de sargento, ganhando 1$400 réis diários, traria uma despesa anual de,
respectivamente, cerca de 65 contos de réis e 33:215$ réis, com os novos cargos,

30
Idem, ibidem, v. 1874, p.190.
31
Idem, ibidem, pp.163, 164 e 190.
85

superando o valor de 70 contos de réis com que o governo geral prometia destinar a
cada província para a formação de sua polícia municipal. A criação desses postos e a
remuneração dada eram justificadas como sendo uma necessidade de se ter um
substituto à autoridade policial quando este estivesse ausente, e de se ter um comando
mais estimulado a cumprir as suas funções corretamente. Estes cargos, contudo,
pareciam ser dispensáveis, pois cada destacamento poderia ser comandado
simplesmente por um guarda designado para tanto, recebendo uma gratificação pelo
serviço, uma vez que de toda forma – com ou sem comissário e sargento – estavam sob
as ordens dos delegados e subdelegados. Era praxe isso acontecer na Guarda Nacional:
dos 22 destacamentos designados para o serviço de policiamento de Pernambuco,
apenas 5 eram comandados por oficiais, enquanto os 17 restantes eram comandados por
inferiores, ficando todos sob as ordens das autoridades policiais. Ao que tudo indica,
esta foi mais uma forma de criar cargos públicos, em detrimento de uma força policial
bem paga e organizada. No ano seguinte, os oficiais do Corpo de Polícia recebiam novo
aumento. 32
A experiência com a Guarda Local se encerrou em 27 de março de 1878, apesar
da hesitação do vice-presidente da Província, que acreditava valer a pena dar mais
tempo para a Guarda ser avaliada e melhorada de acordo com a experiência. Uma lei de
1877, autorizava a sua alteração, supressão ou incorporação no Corpo de Polícia. 33
Embora representasse uma economia para a Província no que dizia respeito ao antigo
sistema de troca de pessoal vindo de fora, a principal causa para a sua extinção deve ter
sido a falta de recursos para a sua devida implementação no interior. No ano que foi
criada, Pernambuco teve uma despesa com a força policial de 311:079$700, incluindo
as despesas com iluminação de quartéis e armamentos. Nesta despesa a Guarda Local
não estava incluída, certamente com o governo contanto com a verba do governo geral.
Sem receber o prometido, o orçamento da Província com a força policial para o ano
seguinte subiu para 497:231$000. Até a sua extinção, a Guarda Local constava da folha
de pagamento do governo provincial: 218:000$000, em 1877, bem mais que os 70

32
APEJE, AAP, v. 1874, pp.163, 166-167, 184-185; CLPPE, Lei nº 1162 de 26 de abril de 1875, art.3: o
comandante e o 1º cirurgião passaram a receber mais 20$000, e os demais oficiais, inclusive o
2ºcirurgião, mais 10$000.
33
APEJE, Relatório com que o Ex. Sr. Dr. Adelino Antonio de Luna Freire 1º vice-presidente passou ao
Ex. Sr. Dr. Adolpho de Barros Cavalcante Lacerda, presidente effectivo a administração desta provincia
a 20 de maio de 1878, p. 25; CLPPE, Lei nº 1235 de 1º de junho de 1876, art.9.
86

contos que lhe seriam destinados. 34 Embora fosse verdade que a despesa com a força
policial ficasse nesse patamar antes da Guarda Local ser criada, o governo provincial
esperava não ter mais esse gasto com a ajuda do governo imperial.
Havia, por outro lado, dúvidas sobre os resultados de sua atuação e organização.
Dois anos depois de criada, o presidente da Província ainda não tinha certeza de como
deveria ser mantida sua organização, principalmente no que se referia à sua direção e
inspeção que, pelo regulamento, deveria ficar a cargo dele próprio. Para decidir sobre o
seu futuro, foi feito um levantamento sobre seus serviços pelos juízes de Direito e por
um oficial. O resultado, contudo, não conseguiu convencer os deputados provinciais a
fazer com que a Guarda Local permanecesse por mais tempo. 35 Ela, no entanto, seria
reorganizada no período republicano.

A outra tentativa de constituição de uma polícia civil, foi realizada com a criação
de uma força destinada exclusivamente ao policiamento da cidade, que seria a Guarda
Urbana. Foi criada a partir dos moldes da polícia de mesmo nome criada em 1866 na
Corte. Esta seria o corpo civil da força policial urbana, estando diretamente subordinada
ao chefe de polícia, que não precisaria fazer requis ições ao presidente da Província para
utilizá- la, e desembaraçada da disciplina militar, vista pelos políticos de então, como um
fator de dispersão ao objetivo do policial, o qual estaria mais empregado nas obrigações
impostas dentro dos quartéis do que na vigilância preventiva das ruas. Os guardas
urbanos, seguindo o modelo do policial londrino – os famosos bobbies – seriam
policiais remunerados que deveriam morar no distrito aonde atuariam, de forma a
reconhecerem os indivíduos inclinados às contravenções e crimes e com isso poderem
prevenir suas ações. Como os bobbies, não portariam armas de fogo, embora fossem
armados de sabres, e usassem uniforme, como também ocorria com policiais civis de
algumas cidades americanas. Em cada distrito existiam estações e postos de vigilância
com um comandante que ficaria responsável pelo destacamento diante dos

34
APEJE, Relatório com que o Exm. Sr. Dr. Manoel Clementino Carneiro da Cunha passou a
administração dessa província ao Ex. Sr. Desembargador Francisco de Assis Oliveira Maciel, em 15 de
novembro de 1877, p.12; CLPPE, Lei nº 1141 de 8 de junho de 1874 e Lei nº 1179 de 12 de junho de
1875.
35
APEJE, FALLA com que o Ex. Sr. Dr. Manoel Clementino Carneiro da Cunha abriu a sessão da
Assembléia Legislativa Provincial de Pernambuco, em 2 de março de 1877, p. 16; Relatório com que o
Exm. Sr. Dr. Manoel Clementino Carneiro da Cunha passou a administração dessa província ao Ex. Sr.
Desembargador Francisco de Assis Oliveira Maciel, em 15 de novembro de 1877 , p.12.
87

subdelegados. O comandante geral era quem transmitia as ordens do chefe de polícia


aos comandantes dos distritos. Embora não tivessem caráter militar, eram escolhidos
preferencialmente entre militares, seguidos de outros funcionários públicos, na faixa
etária de 21 a 50 anos. A conduta em serviço deveria ser impecável: o regulamento os
instruía a serem educados com todos, a não discutirem ou aceitarem provocações e
nunca usar de violência gratuita com nenhum preso. Caso desobedecessem alguns
desses preceitos, o chefe de polícia poderia aplicar punições comuns aos militares:
repreensão, suspensão de pagamento por até 15 dias, prisão de até cinco dias ou
expulsão da corporação. 36
Já em 1869 ela havia sido reclamada pelo então presidente de Pernambuco, que
considerava insatisfatório o número de praças para o policiamento de toda a Província,
inclusive da capital, que a seu ver deveria ser contemplada, a exemplo da corte, com
uma companhia de 120 praças de pré, sob a denominação de “Urbanos”, que
permanecessem adidos ao Corpo Policial, mas immediatamente subordinada ao chefe
de polícia, para distribui-la no serviço da capital, e das freguesias dos arrabaldes
della, conforme julgasse conveniente.37
Em Recife, desde 1865 já existia uma Seção Urbana que tinha a finalidade de
policiar as freguesias da capital. Em 1872 ela contava com duas companhias formadas
por 150 praças, tiradas do Corpo de Polícia, mas esta Seção Urbana ainda não
apresentava as características desejadas pela elite governante. Além de obedecer ao
regime militar, o chefe de polícia era obrigado a requisitar autorização do presidente da
Província todas as vezes que necessitasse dela. Apenas em 1876 é que seria criada a
Guarda Urbana do Recife, também conhecida como Guarda Cívica 38 , com as mesmas
características de sua congênere da Corte, embora fosse uma das pretensões das elites
com a criação de uma polícia civil, fazer com que ela obedecesse às exigências locais,
ao invés de seguir um padrão de comportamento imposta pelo regulamento militar,
como no caso da Guarda Local. Possuía 120 praças para fazer o policiamento da cidade,
isto é, 30 praças a menos do que a antiga Seção Urbana, o que era considerado
insuficiente para uma cidade com a população do Recife. Em 1877, a Guarda Cívica

36
Thomas H. Holloway, op. cit., pp.22, 216-217; Neder, Naro, e Silva, op. cit., pp.158-165.
37
APEJE, AAP, Sessão Presidencial de Abertura em 10 de abril de 1869, item Força Pública.
38
APEJE, CLPPE, Lei nº 1235 de 1º de junho de 1876.
88

seria aumentada em mais cem praças, mas nos anos seguinte esse número seria
novamente reduzido para 100 e 150. 39
O comandante geral da Guarda Cívica ganhava o equivalente a um capitão do
Corpo de Polícia, e os comandantes de distrito igual aos alferes. As praças ganhavam
1$500 réis diários, mais que os 1$300 diários dos soldados do corpo militar e, como
eles, recebiam fardamento gratuito; não tinham, no entanto, direito a refeições,
alojamentos e serviços médicos, como seus colegas da polícia militar. Podiam, contudo,
se valer do horário de folga para exercerem outra atividade profissional. 40
A Guarda Cívica durou até o fim do Império, o mesmo não tendo acontecido com
sua similar do Rio de Janeiro, que foi extinta em 1885 por não ter conseguido alcançar
seus objetivos. Ao contrário do que as autoridades civis do Rio de Janeiro esperavam, a
falta de uma disciplina mais rígida agravou os problemas de insubordinação, abuso de
força , falta de decoro durante o serviço, além de conivência com determinados crimes e
contravenções. No caso do Recife, ela demonstrou que poderia ter dado certo, caso as
autoridades tivessem dado mais apoio a instituição. Em menos de um ano de seu
funcionamento, de agosto de 1876 a março de 1877, ela conseguiu diminuir os crimes
contra a propriedade. O chefe de polícia se comprazia com o fato de que nos três
últimos meses do ano – os meses em que os moradores mais abastados iam passar o
verão no campo, deixando suas casas desprotegidas, quando então os ladrões
aproveitavam para “fazer a festa” – só havia ocorrido dois casos de roubo a
residências. 41 Mas com o passar do tempo foi apresentando problemas que levaram a
sua extinção no início da República.
Um desses problemas era o número pequeno da força que não conseguiu
acompanhar o crescimento da população e os muitos serviços que tinha de
desempenhar. Além do policiamento da cidade – para a qual ela havia sido criada
exclusivamente –, tinha que escoltar presos para o tribunal e salas de audiência. Em
certos anos, o seu contingente chegou a cem – embora os problemas de segurança da

39
APEJE. CLPE, Lei nº 1263 de 4 de julho de 1877, Lei nº 1351 de 6 de março de 1879. Lei nº 1500 de
29 de junho de 1880, Lei nº 1710 de 14 de julho de 1882, Lei nº 1802 de 2 de junho de 1884 e a Lei nº
1900 de 4 de junho de 1887.
40
APEJE, CLPPE, Lei nº 1235 de 1º de junho de 1876, art. 6; Thomas H. Holloway, op.cit., p.216; Naro,
Neder e Silva, op. cit., p.163.
41
APEJE, Relatório apresentado ao Ex. Sr. presidente da província de Pernambuco pelo respectivo
doutor chefe de policia em 13 de fevereiro de 1877,p.5.
89

cidade aumentassem – e a redução dos salários, que ainda que tenha atingindo toda a
Força Policial, indicando um esforço da Província em cortar despesas, teve um impacto
muito grande sobre os guardas cívicos, que de 1$500 diários, passaram a receber 1$100,
menos até do que os praças do corpo militar que anteriormente percebiam um soldo
inferior ao deles. 42
Pouco tempo antes de sua extinção definitiva, já durante a República, foi aberto
inquérito contra um sargento e um comissário da corporação que estavam emprestando
dinheiro aos praças a juros de até 20%; e isto, segundo o sargento, com o conhecimento
do Comandante Geral da Guarda Cívica, que quando qualquer soldado lhe procurava
pedindo adiantamento, mandava procurá- lo. O esquema de agiotagem envolvia também
pessoas de fora, os quais seriam os verdadeiros usurários. No inquérito contra o
comissário da guarda cívica, ele aparecia como intermediário dessas pessoas, a quem
repassava diretamente o soldo dos guardas como pagamento dos juros, sem que ao
menos estes chegassem a receber o salário do mês. 43
A redução nos salários e a agiotagem que devia estar acontecendo já algum
tempo, deve ter causado um desestímulo grande nos guardas cívicos na execução de
suas obrigações e dado margem para que muitos usassem da autoridade que possuíam
para fins pessoais. O mais comum desses desvios era o abuso de força, o que levou ao
presidente da Província a afirmar que ...seria preciso reorganizar esta guarda, de modo
que ella, conciliando a delicadeza com a energia e actividade, se tornasse apta para
evitar conflictos, prevenindo ou reprimindo, mas nunca provocando.44
Uma reclamação contra a Guarda Cívica, publicada no Jornal do Recife em maio
de 1877, resume bem os problemas que atingiam essa instituição:

Procedência de arbitrariedade na Guarda Civica – Temos visto que muitos


factos que a todo momento se dão com a guarda civica são attribuidos a
diversas causas, mas nós reconhecemos que a principal é a autorização a
arbitrariedades, com as praças, a insubordinação e falta de respeito aos
cidadãos e superiores: em toda parte do mundo civilisado a policia e seus

42
APEJE, CLPPE, Lei nº 1900 de 4 de junho de 1887; cf. tb. as referências da nota nº 17.
43
Idem, Fundo SSP, 1ª Delegacia da Capital, Ofícios de 17 de outubro e 3 de novembro de 1890.
44
APEJE, FALLA que á Assembleia Legislativa de Pernambuco no dia de sua installação a 2 de março
de 1887 dirigio o Ex. Sr. presidente da provincia Dr. Pedro Vicente de Azevedo, p.21.
90

agentes são ou devem ser homens calmos e versados da lei para antes
evitarem crimes ou faltas do que punil-os, deixa-se ver a luz da evidencia, que,
se não fora esse grande principio, escusado seria a confecção das leis
preventivas, mas infelizmente além do pessimo pessoal e o requintado
analphabetismo, somos testemunhas dos effeitos praticados por autorisação
de alguns dos officiaes que compõem a guarda cívica...45

A falta de disciplina era tão grande entre os policiais civis, que o subdelegado de
São José chegou a solicitar ao delegado do 1º Distrito da Capital que substituísse o
destacamento de guardas cívicos da freguesia por policiais militares, porque
abandonavam o posto a pretexto de ir tomar o café da manha ou almoçar e só
retornavam à noite. 46
Seja como for, não há razões para pensar que a Guarda Cívica teve um
desempenho muito diferente da criada na Corte. O fato de manterem relações pessoais
com a comunidade a que policiavam, teve um efeito contrário ao que era esperado pelas
elites. Na discussão sobre a constituição da Guarda Local, o deputado Nascimento
Portella, com a experiência de quem já havia sido presidente de Pernambuco, acreditava
que muito mais que alguém da própria localidade, um estranho estaria mais no caso de
ser cooptado pela rede de favores, uma vez que ...dentro em pouco as relações se
formam da mesma maneira ou talvez que com mais força, por isso mesmo que se
recebem obsequios, favores, attenções. 47
Como o próprio deputado afirmava, os favores prendiam, mesmo que em graus
diferentes, tanto o estranho quanto o indivíduo da localidade, uma vez que a troca de
favores entre os homens pobres livres era uma forma de complementar as suas
necessidades, numa sociedade onde a economia escravista deixava-os à margem do
mercado de trabalho. 48 As relações interpessoais em nossa sociedade serviam não para
coib ir os possíveis desvios que pudessem acontecer, mas como uma forma de fugir à
punição, caso fosse amigo do guarda, ou de sofrer perseguições, caso fosse um desafeto.

45
Jornal do Recife, 19/05/1877.
46
APEJE, Fundo SSP, 1ª Delegacia da Capital, Ofício de 23 de junho de 1887.
47
APEJE, AAP, v. 1874, p.162. Os grifos são meus.
48
Maria Sylvia de Carvalho Franco, op. cit, capítulo III.
91

Era o clientelismo que vigorava em todas as camadas sociais, impedindo o


desenvolvimento do impessoalismo do Estado representado por seus agentes.

Características pré -burguesas

Embora imbuídas de idéias liberais, as elites continuaram a manter uma


organização policial com características pré-burguesas até o final do Império. Esses
elementos pré-burgueses, segundo Décio Saes, seriam frutos do direito escravista que,
ao não declarar os membros da classe exploradora e os membros da classe explorada
igualmente capazes, acarretava a interdição da classe explorada – os escravos – aos
quadros do funcionalismo público, dando margem a que o aparelho repressor do Estado
se confundisse com as propriedades particulares dos membros da classe exploradora, e
que não houvesse critérios de competência na seleção do pessoal que exerceria cargos
na polícia. Esses elementos pré-burgueses podem ser identificados pelas seguintes
características: a sobreposição de atribuições das forças militares; a não separação entre
os recursos despendidos pelo Estado com a força policial e os recursos pessoais dos
membros da elite; instabilidade das autoridades policiais nos cargos que ocupavam; e a
interdição à entrada de escravos tanto no oficialato quanto na tropa da polícia. 49
Embora Pernambuco seguisse o padrão ditado pelo Rio de Janeiro, então centro
do governo, possuía problemas próprios que influenciavam na organização de sua
polícia, o que justifica uma análise à parte.
Uma dessas primeiras características era a confusão das atribuições dadas às
forças militares e paramilitares no que se refere ao policiamento. De início, parece claro
as diferenças de funções entre o Exército, a Guarda Nacional e a Força Policial: ao
Exercito caberia a função de defender o país de ataques estrangeiros e de assegurar a
paz interna; à Guarda Nacional, cumpria reprimir as revoltas populares, tanto de livres
como de escravos; e a Força Policial era incumbida de prevenir e reprimir desvios de

49
Décio Saes, A Formação do Estado burguês no Brasil (1888-1891), pp.102, 127-128. Grifos do autor.
92

comportamento de indivíduos que pudessem alterar a ordem pública. Mas as coisas não
funcionavam exatamente assim. 50
Apesar do fato de que pertencer a Guarda Nacional fosse uma forma de escapar ao
recrutamento, os praças desta corporação, não foram poupados de serem convocados
para a guerra, na defesa das fronteiras e costas do Império, função essa destinada, nos
países de burocratismo burguês, fundamentalmente ao Exército. 51 O decreto 3.383, de
31 de janeiro de 1865, convocaria 14.996 guardas nacionais, sendo enviadas da
província de Pernambuco 2.424 praças. 52
Da mesma forma o Corpo de Polícia também cumpriria serviço de guerra, como
Voluntários da Pátria, embora esta “voluntariedade” tenha sido posta em dúvida por
alguns dos deputados provinciais. Em sua fala de abertura da Assembléia Legislativa, o
presidente da província, Antonio Borges Leal Castello Branco, colocava a questão do
Corpo Policial se oferecer para os esforços de guerra, e assim juntar mais um trophéo á
gloria e heroísmo de Pernambuco. Confiante nesta decisão, já pedia a Assembléia que
decidisse se iriam marchar por conta da Província ou do Estado, se deveria ser criado
outro corpo policial e em que condições. 53 Já o deputado pelo Partido Liberal, José
Maria, não parecia muito confiante de que os soldados da polícia estivessem tão
interessados assim em honrar os brios de Pernambuco. Em seu discurso na discussão
sobre o projeto que autorizava ao presidente da província a deixar marchar o Corpo de
Polícia, afirmou não ter este o gosto pela guerra, uma vez que não eram propriamente
militares, e sim homens engajados para fazer o serviço de policiamento, não para

50
Idem, p.126.
51
Embora constasse do regulamento da Guarda Nacional ser uma de suas funções o de proteger as
fronteiras e as costas do Império, o nosso propósito é ressaltar a confusão de atribuições entre as forças
de um modo geral, não importando se isto se dava por conta da falta de regras claras ou simplesmente
devido às próprias regras que sobrepunham as funções de cada corporação, gerando por isso desgastes no
relacionamento delas. Ainda que a guerra seja um momento de exceção em que todos os esforços são
concentrados no sentido de combater o inimigo, os países que adotam o burocratismo burguês mantêm
uma força reserva subordinada ao Exército (ou às Forças Armadas), a qual no momento em que precise
ser ativada é convocada formalmente e recebem um treinamento básico anterior ao momento de ir para a
frente de batalha. Este não era o caso da Guarda Nacional que sempre atuou independentemente do
Exército, não aceitando no seu oficialato, oficiais vindos desta corporação, como ocorria com os corpos
de polícia, além de ser uma força paramilitar. Cf. Jeanne Berrance de Castro, “A Guarda Nacional” in
História Geral da Civilização Brasileira, pp.274-298; Antônio Rodrigues et all, A Guarda Nacional no
Rio de Janeiro, 1831-1918, pp.45 e 221-224.
52
APEJE, AAP, Sessão Presidencial de Abertura em 1º de maio de 1865, p.12. Pernambuco enviou sete
batalhões de Voluntários da Pátria para a guerra, o mesmo número que o Rio de Janeiro, sendo superado
apenas pela Bahia, que enviou treze. Cf., Neder, Naro, e Silva, op. cit., p.141.
53
APEJE, AAP, Sessão Presidencial de Abertura em 1º de maio de 1865,p.12.
93

defenderem a pátria e expor os peitos às peças raiadas. Acreditava que marchariam,


caso fossem obrigados ou se alguns indivíduos fossem levados pelo interesse de ganhar
mais alguns miseráveis reaes. 54
A falta de entusiasmo do Corpo Policial se prendia a vários fatores. Em primeiro
lugar, ao péssimo conceito que o Exército possuía junto à população. O Exército era
visto como o local para onde eram enviados criminosos, vadios e desordeiros, através
do recrutamento obrigatório. O soldado de linha, portanto, era considerado de
procedência desqualificada, embora muitos fossem recrutados ilegalmente por motivos
de vingança política ou simples arbitrariedade. Pesava, ainda, o fato de que o soldo era
baixo e os castigos físicos freqüentes. Por isso, para se promover o recrutamento
voluntário foi necessário desenvolver um discurso patriótico que transformasse essa
imagem do recruta compulsório na de um cidadão patriota, capaz de sacrificar-se em
nome da nação. 55 Além disso, a maioria era de casados e não queria deixar as suas
famílias, quando na realidade tinham se engajado para servirem na Província como
soldados de polícia e não fora dela. Desta forma, foi necessário oferecer vantagens
elevadas para que resolvessem ir lutar no Paraguai: além dos 852rs. diários de soldo,
300rs. de gratificação, mais 22.500 braças de terra dados pelo governo geral como
Voluntários da Pátria, perceberiam da Província o complemento para atingir o valor de
1$400, que equivalia ao soldo de um praça da Seção Urbana (neste caso quem saía
ganhando eram as praças da seção volante, que ganhavam 1$100); os oficiais de polícia
passariam a ganhar o dobro, ficando em melhor situação do que os oficiais do Exército;
todos teriam direito, ao regressarem, de serem reengajados na força policial; seriam
dispensados de servirem na Guarda Nacional e do recrutamento; teriam direito à
aposentadoria proporcional em caso de invalidez ou suas viúvas e órfãos receberiam
uma pensão em caso de morte em batalha, e os filhos menores das praças teriam direito

54
Idem, Sessão de 30 de março de1865, p.206. Apesar de que corpos de polícia de outras províncias já
tivessem se oferecido para lutar no Paraguai, isto não significava um maior patriotismo do que o dos
pernambucanos. O deputado José Maria denunciava em plenário que os oficiais das outras províncias se
apresentaram para a guerra devido às ameaças de demissão dos presidentes, e cita como exemplo o
presidente da Bahia que havia demitido todos os oficiais que haviam se negado a marchar. Conta ainda
este deputado, que um presidente havia feito um emocionado discurso sobre os sacrifícios que faria pela
pátria, indo ele próprio lutar nos campos paraguaios se assim o pudesse, e pediu que aqueles que
quisessem fazer o mesmo dessem um passo a frente junto com ele. Ao olhar para trás, no entanto, viu que
ninguém o tinha seguido. Diante disso, o presidente teria dito: Senhores, se não quereis ir como
voluntários, ireis como recrutados, e em lugar de irdes amarrados como porcos, é melhor irdes como
voluntários. Cf. Idem, ibidem, p.211.
55
Márcio Lucena Filho, Pernambuco e a Guerra do Paraguai, pp.39-65.
94

a colégio pago pela província enquanto estivessem fora, ou até a maioridade, caso
viessem a falecer. Os oficiais que tivessem se distinguido na guerra não poderiam ser
demitidos, senão a seu pedido ou por sentença condenatória de prisão ou degredo por
mais de 2 anos. Estes foram benefícios que nenhum outro cidadão teve, nem mesmo os
guardas nacionais, e que na visão de alguns deputados, desestimularia aos cidadãos
comuns a sentarem praça como Voluntários da Pátria. 56
Esta confusão de atribuições causou problemas na hora de definir como o Corpo
de Polícia marcharia para a guerra e por quem seria ele pago, uma vez que as forças
policiais não eram legalmente tidas como forças auxiliares e de reserva do Exército,
como ocorre hoje em dia 57 . Caso fosse considerado em comissão extraordinária, deveria
ser pago pela província; se como corpo de voluntários, deveria ser pago pelos Cofres
Gerais. Necessariamente, para servirem como voluntários, teriam de pedir baixa porque
não poderiam exercer duas funções ao mesmo tempo, mas mesmo nessas condições a
província os considerava como Polícia e assegurava todas as vantagens dadas a esse
Corpo mais aquelas que o beneficiava como em missão especial. 58
Na ausência do Corpo de Polícia, foi criado em seu lugar um Corpo Provisório de
Polícia, que seria dissolvido logo após o regresso das praças em missão de guerra.
Como este Corpo Provisório só contasse com 500 praças para fazer o policiamento de
toda a província, a Guarda Nacional teve que auxiliar na condução dos presos para o
tribunal, além da guarnição de todas as fortalezas, que era fe ita por soldados de 1ª linha,
como também por destacamentos de polícia. 59
Poderia se pensar que esta invasão de atribuições de uma força pública por outra
fosse uma condição temporária, causada por efeito de uma situação extraordinária como
a guerra. Mas não era. A Guarda Nacional tinha como uma de suas principais
obrigações o auxílio no policiamento dos municípios e paróquias, além da guarda das
respectivas cadeias, serviço esse que era muito criticado, principalmente no interior, por
falta de homens e de quem o quisesse fazer, chegando mesmo os seus soldados a
abandonarem uma prisão que estava sob seus cuidados. Fora as da capital, as praças da
Guarda Nacional quase não tinham fardamento, armamento e instrução militar. O

56
APEJE, AAP, v.1865, pp.117, 118, 153, 154, 155, 168, 205.
57
Cf. Luiz Carlos Rocha, Organização policial brasileira, p.246.
58
APEJE, AAP, v.1865, pp.157-158.
59
Idem, ibidem,v.1865, p.10 e v.1869, item Força Pública, s/p.
95

desinteresse dessa força era compreensível: seus integrantes não recebiam remuneração
pelos seus serviços, tinham que fornecer armas, fardamento e cavalos, além de terem
que abandonar os seus meios de vida. Talvez essa tenha sido um das razões pelas quais
o governo imperial tenha lhe dispensado do serviço ativo pela Lei nº 2.395 de 10 de
setembro de 1873, e incentivado as províncias a criarem uma nova força para o
policiamento do interior. 60
A falta de remuneração não era um aspecto que atingia apenas a Guarda Nacional.
Fora os oficiais e soldados do Corpo de Polícia – que tinha caráter militar e como o
Exército recebia soldo –, bem como o chefe de polícia, os delegados, subdelegados e
inspetores de quarteirão – tipo de policial à paisana que funcionou até inícios da
República –, não recebiam nenhum tipo de pagamento; ao contrário, muitas vezes
tinham que empregar seus próprios meios materiais para o serviço público. Não era para
menos que o perfil da antiga autoridade policial era a do cidadão abastado, ativo e
disposto a servir à causa pública, quase sempre um fazendeiro ou comerciante. 61
Lógico que não era só isso. Atrás de toda essa disponibilidade para o serviço
público havia os interesses políticos que uma força armada podia oferecer. A lei de
1841 dava direito judicial aos delegados e subdelegados que, além de investigar crimes,
reunir provas e indiciar suspeitos, podiam julgar e sentenciar aqueles culpados de
crimes menores. Esta sobreposição de poder policial e judicial só foi modificada com a
reforma do código criminal em 1871. 62 Até esta reforma, as autoridades policiais
podiam utilizar com mais facilidade o seu poder de forma arbitrária, em seus interesses
particulares, o que tornava os cargos bastante cobiçados. Depois de 1871, começa a se
sentir o desestímulo entre a classe dominante em querer ocupar uma vaga de delegado
ou subdelegado. 63 É neste momento também que se começa a falar em remuneração
àqueles que exercem um desses cargos, querendo atribuir a eles um caráter mais

60
APEJE, AAP, v.1874, pp.168 e 175.
61
Idem, ibidem, v.1874, p.167.
62
Thomas H. Holloway, op. cit. p.227.
63
Até o final da Primeira República, mais ou menos, os cargos de delegado e subdelegados seriam
ocupados comumente por oficiais da polícia militar ou por membros da classe média. Alguns deles eram
homens de cor e sabiam jogar capoeira. É importante frisar, no entanto, que mesmo sem o poder e o
prestígio que tinham antes da reforma de 1871, eles continuaram a ter presença marcante no cenário
político da época, na medida em que muitos eram cabos eleitorais em seus distritos. Cf. Oscar Mello,
Recife sangrento, pp.102-119.
96

profissional, embora este fosse um ponto que trouxesse implicações sobre as obrigações
das elites perante o serviço público.
Em 1875, em uma das discussões sobre a criação da guarda local para as
freguesias na Assembléia Provincial, é levantada a questão da remuneração aos
delegados e subdelegados, uma vez que todos concordavam que o cerceamento das
atribuições pela reforma de 1871 fez com que quase mais ninguém quisesse os cargos.
A opinião se dividia no momento em que se colocava em cheque o dever moral dos
membros mais abastados da sociedade em mostrar o seu patriotismo e abnegação ao
serviço da sociedade, e não apenas nas suas próprias causas, como ficava evidente. Ao
afirmar não ter dúvidas de que ... polícia boa e gratuita é uma utopia, o deputado
conservador Oliveira Andrade ao mesmo tempo em que ganhou “apoiados”, teve que
enfrentar manifestações de desagrado de seus colegas de partido, que afirmavam ainda
ter muitos patriotas que serviriam a causa pública:

(...) não podemos dizer sem offensa dos bons cidadãos que em todos os
tempos de um e outro partido, de uma e outra situação, tiveram sempre
abnegação aos seus commodos e aos seus interesses (apoiados), tiveram
sempre bastante patriotismo para sacrifical-os e até a própria vida no
cumprimento dos deveres de um cargo policial (apoiados); tiveram sempre
bastante patriotismo para sujeitarem-se á disposição da lei que os obriga a
servir.
(...) ainda há muitos homens de bem, que se dedicam pela causa pública, que
não terão duvida de aceitar uma commissão policial e sacrificar-se no
desempenho della (apoiados), respond ia indignado o deputado Nascimento
Portella. 64

No meio dessa discussão sobre os deveres morais das elites para com o Estado,
um outro deputado conservador colocava as razões de não se ter boas autoridades
policiais, no fato das nomeações recaírem em pessoas que não eram as mais capazes e
habilitadas, reafirmando sem querer com essas palavras, a falta de profissionalismo que
existia nessa área, ao não se ter uma polícia paga e de carreira. 65 O chefe de polícia,

64
APEJE, AAP, v.1875, pp. 167 e 172.
65
APEJE, AAP, v.1875, pp. 169.
97

Antonio Domingos Pinto, era um dos que, embora salvaguardando a imagem de


abnegação daqueles que serviam à causa pública, deixava claro as dificuldades de se
encontrar pessoal apto para o serviço público, pois os poucos que aceitavam logo
desistiam dos cargos, diante dos sacrifícios a que tinham de se sujeitar. Obviamente,
quando ele fala em “pessoal apto”, não estava se referindo ainda a um pessoal
especializado e sim aos membros das famílias abastadas de onde saíam tais autoridades,
vistas como as mais capazes de proteger a ordem na sociedade, mas é para esta saída
que ele aponta quando diz que só uma polícia remunerada poderá restaurar o seu valor
na manutenção da ordem, na segurança individual e no direito de propriedade. 66
A falta de um pessoal capacitado tecnicamente e com aspirações a fazer desses
cargos um meio de vida, isto é, dedicar-se a eles profissionalmente, sente-se pela
maneira como eram recrutados. Pela Lei de 1841, os delegados e subdelegados eram
nomeáveis e demissíveis. O chefe de polícia tinha a prerrogativa de nomear os
delegados e subdelegados com a aprovação do presidente da província, por quem era
nomeado diretamente. Por sua vez, os delegados indicavam os inspetores de quarteirão
ao chefe de polícia. Nenhum deles tinha estabilidade no cargo ou qualquer tipo de
treinamento, podendo ser demitidos a qualquer tempo, o que ocorria freqüentemente
com as mudanças de governo. Mesmo os cargos de oficiais do Corpo de Polícia não
eram estáveis, estando sujeitos ao arbítrio do presidente da província.
Os efeitos da falta de profissionalização das autoridades policiais tinham duas
conseqüências importantes. A primeira era o uso da polícia em rixas políticas de
partidos e mesmo entre facções partidárias; e a segunda, a propensão ao uso dos cargos
em proveito próprio. A primeira conseqüência pode ser avaliada por um incidente que
deixa transparecer as rivalidades entre os próprios agentes incumbidos de manter a
ordem, envolvendo um inspetor de quarteirão e alguns homens de cor, supostamente
escravos, que se diziam a serviço de um outro inspetor de quarteirão daquele distrito
para impedir qualquer recrutamento realizado em sua jurisdição. O inspetor de
quarteirão tentou fazer valer a sua autoridade, mas foi desacatado pelos escravos que
estavam armados de cacetete e que não tiveram receio de utilizá- los. Em ofício

66
APEJE, Relatórios dos Chefes de Polícia, 1886, pp.7-8.
98

destinado ao delegado, ele se queixava de que daquela forma era impossível cumprir
com suas obrigações. 67
Outro fato ocorrido no interior de Pernambuco mostra que as funções policiais
poderiam ser facilmente desvirtuadas, caso não houvesse interesse do presidente da
Província em apaziguar os conflitos entre a própria classe senhorial. Este caso envolvia
o assassinato do alferes Iago Rodrigues Lins de Albuquerque, na freguesia de Águas
Belas, do termo de Bonito, já como resposta ao assassinato do major Lourenço Bezerra
de Albuquerque Maranhão. Como membros dessas famílias estavam investidos de
cargos policiais e juravam vingança recíproca, o delegado de Bonito, o tenente-coronel
Manoel Camello Pessoa Cavalcanti, que não pertencia a nenhum dos grupos envolvidos,
preferiu não se envolver no caso e pediu demissão, aproveitando o presidente da
Província deste fato para demitir o subdelegado e os suplentes, e deixar o caso nas mãos
de um juiz Municipal. 68
Se os cargos maiores dentro da hierarquia da polícia serviam aos interesses
econômicos e políticos da classe senhorial, que não tinham problemas em não receber
remuneração pelo serviço, os cargos menores serviam como um meio de se conseguir
um dinheiro extra, a quem muita diferença fazia em não ter o seu tempo de trabalho
remunerado. Era o que ocorria com os inspetores de quarteirão. Embora
reconhecidamente sem grandes poderes dentro da hierarquia policial69 , mesmo assim
conseguia se valer dos poucos que tinha em proveito próprio. Muitos eram
freqüentemente envolvidos em acusações de suborno e contravenções. Enquanto certas
tabernas eram denunciadas por funcionarem em dias e horários proibidos, outras tinham
liberdade de agir como bem entendesse, contando com a cooperação tanto dos fiscais da
Câmara Municipal, quanto dos inspetores de quarteirão, igualmente responsáveis por
fazer cumprir as posturas municipais, isto em troca de propinas. Um jornal da época
denunciava os abusos cometidos por um inspetor de quarteirão da Madalena,
analphabeto e preguiçoso, que delegava seus poderes de polícia a um seu filho. Este,
com a conivência do pai, era um visitante assíduo dos galinheiros da região, além de

67
APEJE, Fundo SSP, 1ª Delegacia da Capital, Ofício do inspetor de quarteirão para o subdelegado do
2º distrito de (São José ?), 20 de julho de 1867.
68
APEJE, AAP, Sessão Presidencial de Abertura em 10 de abril de 1869, s/p.
69
Pereira da Costa recolheu uma quadrinha popular que brinca com a condição deste policial paisano:
Caranguejo é doutor,/O siri é capitão,/Aratu por ser pequeno/Inspetor de quarteirão. Folk -lore
pernambucano, p.511. Agradeço a Raimundo Arrais por esta indicação.
99

apreender frutos e outros gêneros trazidos por escravos e almocreves, sob o pretexto de
serem roubados. 70
Por último, temos como uma outra característica pré-burguesa da constituição da
polícia imperial, a interdição de escravos no quadro policial, o que era natural numa
sociedade escravista que tinha como uma de suas metas o controle sobre os escravos.
Não havia, no entanto, sinais de discriminação racial na composição de sua tropa,
constituída de elementos vindos das camadas mais pobres da população, e por isso
mesmo, daqueles que mais haviam experimentado a miscigenação. 71

• Período Republicano

Apesar da implementação formal de um Estado Burguês no Brasil com a


proclamação da República, algumas das características pré-burguesas na organização da
polícia no Recife resistiram aos seus primeiros anos, em conseqüência do direito
burguês não ter podido ser aplicado integralmente na prática, uma vez que ainda
dominavam as relações de produção pré-capitalistas e estas continuariam a ter uma
grande influência sobre a economia e o governo do Estado de Pernambuco. 72 Mas a
partir de então seria mais discutida a necessidade de se instituir uma polícia
profissionalizada e científica. Segundo Stela Alves de Oliveira, nos primeiros quatorze
anos do novo regime, teria havido três fases distintas na organização da força pública de
Pernambuco, de acordo com as orientações dos grupos no poder. 73 A primeira fase seria
entre 1890 a 1892, quando se busca conciliar as inclinações do regime republicano com
a reorganização de uma força policial de caráter militar, o que ocorreria nos governos
do Barão de Lucena e de Correia da Silva.

70
DP, 16/12/1887 e 22/10/1879.
71
Décio Saes afirma em seu trabalho que não há evidências de escravos terem sido aceitos na tropa da
polícia; Thomas Holloway, porém, encontrou vários casos de escravos fugidos que passavam-se por livres
e conseguiram se engajar na força policial da Corte. Cf. op. cit., pp.127-128 e Thomas Holloway, op. cit.,
p.163.
72
Cf. Décio Saes, op.cit., pp.349-353.
73
Op. cit., pp.172-180.
100

A segunda fase aconteceria no governo de Barbosa Lima, entre 1892 e 1896,


época de instabilidade política tanto no plano local – onde ocorrem vários conflitos no
interior – quanto no nacional, com a Revolta da Armada eclodida no Rio de Janeiro, em
1893. Sentindo-se ameaçado, Barbosa Lima empreenderá uma efetiva militarização dos
corpos de polícia, destinando verbas vultosas no sentido de armar e manter os
destacamentos.
O terceiro momento da reestruturação da força policial seria entre 1896 a 1904.
Com a polícia já suficientemente bem armada, os governadores em seus relatórios
anuais não se cansariam de reafirmar o caráter ordeiro da população e a paz reinante em
todo o Estado, apesar da flagrante contradição com os relatórios dos chefes de polícia
que apontavam distúrbios no Sertão, provocados pelo surgimento de bandos formados
pelos sertanejos. Nesta fase, tenta-se promover a unificação da direção da polícia,
devido aos conflitos de competência entre as autoridades municipais e estaduais,
substituindo a Questura pela Secretaria de Segurança Pública, como veremos adiante.
Após esse período inicial de reorganização, a instituição policial pernambucana
prosseguirá no encaminhamento de sua profissionalização, revestindo-se de um discurso
técnico-científico para atender as exigências da modernidade e legitimar as ações das
elites no controle das camadas inferiores da sociedade. Neste sentido, promover-se-á
serviços que visavam a identificação do criminoso e sua inserção numa tipologia
criminal que auxiliaria na descoberta e enquadramento dos indivíduos desviantes. 74

A Guarda Local republicana

Logo que se inicia a República, uma das primeiras providências dos novos
governantes – integrantes do antigo Partido Conservador – em relação à força policial
em Pernambuco, é a extinção do Corpo de Polícia e da Guarda Cívica, sendo em seus
lugares restabelecida a Guarda Local, a qual ficaria agora com a incumbência de
policiar também a capital. Os motivos para a reformulação desta guarda se prendiam a
vários fatores já discutidos no governo imperial, como uma melhor vigilância feita por

74
Cf. Marcos Bretas, op. cit., pp.44 e 66.
101

pessoal alistado na região e um melhor aproveitamento dos destacamentos locais, que


não sofreriam a instabilidade experimentada pelos destacamentos do Corpo de Polícia e
a despesa daí decorrente. Além disso, a Guarda Local era vista como uma das medidas
na reestruturação dos municípios, dando- lhes a autonomia que a monarquia lhes havia
negado. 75
A sua reestruturação, porém, parece ter se demorado mais do que o previsto, uma
vez que o delegado da capital reclamava em ofício ao chefe de polícia interino, Eudóxio
de Brito, o fato de que o retardamento da organização da nova guarda local está
prejudicando o serviço policial do 1º destricto (sic) desta Delegacia por terem sido
eliminados vários guardas da extincta guarda civica por não convir a sua continuação,
e por terem, outros pedidos eliminação (...). 76
A Guarda Local republicana trouxe poucas novidades. O alistamento era feito por
dois anos, os quais poderiam ser renovados, entre brasileiros de 18 a 40 anos, que
fossem robustos e comprovassem terem tido boa conduta pelos últimos seis meses no
local de residência. O atestado deveria ser dado pelo juiz de Paz e o subdelegado para
ser apresentado ao delegado de polícia do termo onde iria servir. Na falta deste, seria
apresentado ao subdelegado e o atestado fornecido pelo presidente da Intendência
Municipal. Os alistados seriam preferidos primeiro entre as praças das corporações
extintas, em seguida entre os solteiros que residissem por pelo menos seis meses na
localidade, e por último entre os que tivessem prestado bons serviços no Exército e na
Marinha. 77
Os cargos de comissários e subcomissários (estes substituíram os antigos
sargentos) seriam de livre nomeação e demissão do governador, e retirados de
preferência dos oficiais e sargentos do Corpo de Polícia e da Guarda Cívica. Como no
Império, a Guarda Local ficaria sob as ordens imediatas das autoridades policiais locais
e do chefe de polícia. O policiamento de Pernambuco, por sua vez, ficou distribuído em
quatro regiões, sendo a primeira formada pela cidade do Recife - que além de uma
companhia de infantaria, tinha uma de cavalaria -, a segunda por vinte e cinco
municípios, e a terceira e quarta regiões por dezessete municípios, cada uma. O chefe de
75
APEJE, Relatório com que o Desembargador Barão de Lucena entregou a 23 de outubro de 1890 o
governo do Estado de Pernambuco ao Desembargador José Antonio Correia da Silva, p.3.
76
APEJE, Fundo SSP, Ofício de 4 de novembro de 1890.
77
APEJE, Relatório com que o Desembargador Barão de Lucena entregou a 23 de outubro de 1890 o
governo do Estado de Pernambuco ao Desembargador José Antonio Correia da Silva, p.3.
102

polícia só poderia destacar a força para fora de seus municípios de origem em casos de
grande necessidade, ...taes como perseguição aos criminosos que estiverem em bandos
e grave alteração na ordem publica. 78
No seu novo regulamento, no entanto, o que mais chama atenção é a sua
militarização, imposta pelo novo governo. Ao contrário da criada pelos políticos
progressistas dos tempos do Império, a Guarda Local dos Municípios além de possuir
aparato militar, seria aquartelada. 79 As punições para as faltas e crimes cometidos, eram
similares às dadas às corporações militares. 80 Outra influência deve ter sido a admissão
de muitas praças do Corpo de Polícia, que haviam acabado de perder seus empregos. A
presença do Exército ficaria mais patente com a criação da Brigada Policial do Estado
de Pernambuco, formada pela Guarda Local e o Esquadrão de Cavalaria. 81
Como aconteceu no Império, a Guarda Local teve vida breve durante a República.
Em pouco mais de um ano o Corpo de Polícia foi restaurado para exercer as funções de
guarnição dos estabelecimentos públicos e condução dos presos, uma vez que a Guarda
Local não estava sendo suficiente. 82 Ela havia sido criada com o intuito de ser
substituída por uma outra força logo que os municípios estivessem definitivamente
organizados e aptos a custearem essa despesa. Entretanto, o Congresso pernambucano
não aceitou continuar sustentando a polícia municipal, 83 considerando-a insatisfatória ao
serviço policial dos municípios devido ao pouco número de praças que formavam seus
destacamentos, por ser onerosa ao Estado, que economizaria cem contos de réis com a
sua extinção, e prejudicial a unidade de comando que se esperava reaver com a
reestruturação da força estadual. 84

78
APEJE, Relatório do Barão de Lucena, p.3 e o anexo Regulamento da Guarda Local de 9 de outubro
de 1890, art.4º, p.41.
79
Cf. Idem, Regulamento da Guarda Local..., arts.30, 34 e 41.
80
As punições eram as seguintes: 1ª Repreensão em particular; 2ª Repreensão por ofício; 3ª Carregamento
de armas; 4ª Limpeza de armamento; 5ª Serviço dobrado; 6ª Desconto para reposição; 7ª Perda parcial do
soldo; 8ª Prisão simples; 9ª Prisão com isolamento; 10ª Baixa do serviço local; 11ª Exclusão da Guarda
Local com destino ao Exército ou a Armada, se não tiver isenção do recrutamento; 12ª Demissão do
posto. Cf. Regulamento da Guarda Local de 9 de outubro de 1890, art.75.
81
APEJE, CLEPE, Decreto de 19 de dezembro de 1891.
82
Idem, ibidem. Na verdade, a falta de praças para esse serviço continuou a ser sentida. O juiz do 2º
Distrito Municipal do Recife, reclamava em um ofício ao questor, de que por duas vezes seguidas havia
solicitado a presença de um réu à Sala das Audiências, sem que o administrador da Casa de Detenção o
enviasse, alegando ...a falta do comparecimento da força destinada para esse fim. , o que ...embaraçava a
marcha da justiça....APEJE, Série Juízes Municipais, 24 de abril de 1896.
83
APEJE, AS, 1892, p.224.
84
Idem, CLEPE, Decreto de 1º de outubro de 1892.
103

Embora fosse prevista a autonomia dos municípios em todos os seus níveis pela
Constituição do Estado, inclusive no que se referia à formação de uma milícia própria,
era sentida a fragilidade deles em razão dos poucos recursos que tinham para sustentá-
la, além dos perigos impostos pela própria forma de dominação. Caso um município não
tivesse condições de sustentar a sua própria polícia, ele deveria ser anexado à jurisdição
de outro que tivesse os recursos necessários, o que geraria conflito dentro da própria
classe dominante. Havia o perigo dos coronéis do interior terem a seu comando uma
força que poderia ser utilizada em rixas pessoais entre os mandões dos municípios ou
que poderia ser antagônica aos interesses do governo do Estado, sem que a situação
fosse restabelecida com a prontidão exigida, por falta de uma força sob o comando do
governador. 85
Por outro lado, a polícia municipal traria problemas operacionais. Sendo cada uma
restrita a sua municipalidade, as autoridades não poderiam agir com a mesma eficiência
que uma força estadual na captura de criminosos que fugissem de sua jurisdição;
prender, processar e punir aqueles que fossem de outros municípios; combinar

85
Idem, AS, 1893, pp.123-152. Este ofício de um juiz de Distrito da vila de Boa Vista ao questor policial,
dá uma idéia de como se processavam esses conflitos entre autoridades policiais e os “coronéis” dos
partidos rivais:
Juízo Districtal de Bôa Vista, 12 de julho de 1894
Cidadão
No dia 5 de fevereiro do corrente anno, pelas 5 horas e tantos minutos da tarde, chegou em casa de
minha rezidencia o Cidadão Manoel Hygino, dando-me um recado; que o Cidadão João Marinho de
Mello, Feitor da linha telegráfica aqui estacionada, mandara dizer-me que fizesse o favôr de hir atté á
casa de sua rezidencia; e logo prontamente segui.
Quando cheguei na casa do ditto Feitor, disse-me elle, que tendo feito pagamento a um operario da
mesma linha, de nome André Thomé, e esse não querendo conformar-se com o que justamente tinha á
receber uzou de heroismo com o dito Feitor, ameaçando-o, e ao mesmo tempo, dirigindo palavras, que, á
decencia manda calar.
Pelo que me chamara á minha attenção, para na qualidade de autoridade policial, a fim de acomodar
semelhante agressão, imediatamente chamei duas praças da guarda municipal d’esta Villa, e mandei
effetuar á prisão do individuo de nome André Thomé, e este armado com um punhal, resistiu, contra á
força publica, porem, sendo o numero de praça rezumido, não tive força para repelir semelhante
agressão, eis, quando aparece o cidadão Major Vicente de Carvalho Vintera, e meia duzia de capangas,
todos da politica adversa, dando, o braço ao agressor, conduzindo para sua casa, dizendo que não tinha
quem o prendesse.
Neste interin tomei serias providencias; porem, não contando com elemento da força, visto ser rezumido,
aguardei-me até que chegasse ao vosso conhecimento, afim de mandar para aqui um numero de praças,
para garantia das autoridades, e á moral publica d’esta Villa.(grifos meus). O juiz de Direito da mesma
vila, por sua vez, apressou-se a comunicar o fato ao governador Barbosa Lima, pedindo reforço policial,
uma vez que no local havia uma aglomeração de operários trabalhando na linha telegráfica e na comissão
de melhoramento do Rio São Francisco, com sede naquele município, o que poderia dar ocasião a que os
oposicionistas utilizassem outros conflitos iguais ao que havia acontecido. APEJE, Série Juízes de
Direito, 1894, pp.385-387.
104

diligências ou destacar forças para outras localidades. 86 Por isso, era visto a necessidade
de se manter a polícia do Estado ao lado da municipal, o que, do contrário, seria para
alguns como ... um atentado que se commette contra a bôa ordem e harmonia social
(...) principalmente quando as municipalidades estão anarchisadas e entregues a
corporações cuja autoridade é desconhecida. 87
O problema com os municípios e a quebra de comando na polícia podem ser mais
bem entendidos através da organização da Questura Policial. Instituída em novembro de
1891, inicialmente ela havia sido pensada como uma forma de substituir a organização
policial da monarquia, que persistia nas figuras dos delegados e subdelegados, ficando
em seus lugares os subquestores, os quais supervisionariam a polícia organizada pelos
municípios, e ficariam subordinados ao questor, que teria funções semelhantes ao antigo
chefe de polícia. O questor, no entanto, teve suas atribuições prejudicadas pela
incapacidade dos governos municipais em organizarem suas polícias, gerando uma
confusão de atribuições policiais no âmbito de várias autoridades. Até a nomeação dos
subquestores – coisa que nunca aconteceu, uma vez que a maioria dos municípios não
conseguiu organizar suas próprias forças policiais –, ficaram exercendo os delegados e
subdelegados. 88
Ao lado destes, também tinham atribuições policiais os juízes de Distrito –
espécie de juiz de Paz dos primeiros tempos da República –, que, como autoridades
municipais, não eram subordinados à Questura, embora tivessem que apresentar
relatórios sobre o movimento policial de sua jurisdição e, nos municípios com força
insuficiente, fossem obrigados a solicitar as praças ao questor. Deveria caber a eles, no
entanto, o papel principal de autoridade sobre a polícia municipal89 . O questor, por

86
Havia por essa época, um bandido com o nome de Ipyranga que estava ...praticando depredações de
toda sorte no sertão, e que não conseguiu ser detido pela Guarda Local por falta de força suficiente. Cf.
APEJE, ACD, p.221, 1892.
87
APEJE, AS, 1893, pp.123-152.
88
Os delegados do Recife ganhavam uma remuneração de 200$000 mensais; os subquestores, por sua
vez, não receberiam salário. APEJE, CLEPE, 4ª Secção, Decreto de 19 de fevereiro de 1892.
89
Embora na discussão sobre a Questura os senadores afirmassem a autonomia dos juízes Distritais,
ofícios desses juízes ao questor deixam claro que dependiam dele no que se refere ao envio de reforço
policial:
Juizado do Districto do Municipio de Bôa-Vista, em 18 de junho de 1896.
Ao Cidadão Doutor Questor
Comunico-vos que hontem as 10 horas do dia no logar denominado Cachoeira da Vieira deste municipio
de Bôa vista (...), o individuo Martiniano Ribeiro da Silva, assacinou (sic) a sua mulher, dando-lhe cinco
facadas a qual morrera estantaneamente, tendo evadido-se o assacino (sic), por não haver força e nem
cadeia para prisão de correição, quanto mais para criminozos; é lamentavel este municipio com os
105

conseguinte, quase só agia dentro da capital, sem exercer grande presença no interior.
Por essas razões, a Questura Policial era tida como ineficiente. Dois anos após sua
criação, já havia um parecer favorável do Congresso pernambucano para a sua extinção,
o que, no entanto, só veio acontecer em 1898.
Daí em diante, vamos encontrar outras forças policiais militares que só se
diferenciariam basicamente em seu tamanho, possuindo uma organização mais
complexa e próxima ao do Exército, o que teria início no governo do capitão Barbosa
Lima. Enfrentando sérias oposições de quase todas as correntes partidárias de então,
com as quais só momentaneamente faria aliança para conseguir anular seus opositores,
Barbosa Lima, representante da tendência que desejava uma República unitária e
ditatorial, teria seu governo apoiado principalmente numa força policial bem armada e
militarizada. No ano de 1893, aplicaria dos créditos extraordinários do orçamento do
Estado 605:164$835 de um total de 743:221$619; e 203:489$274 de um total de
290:236$929 dos créditos suplementares. 90
O armamento excessivo da polícia em seu governo foi motivo de denúncia no
Senado Estadual a respeito de contrabandos de armas e a utilização de reforços ilegais
vindos do interior – cerca de 180 homens – para fazer parte do contingente policial. 91
Um senador classificou o Recife da época como sendo uma Calábria, e a polícia como
o Corpo Calabrez. 92
Através dos regulamentos da força policial, podemos verificar como a sua
organização neste período tornou-se acentuadamente semelhante às forças federais. O
Regulamento de 1894, por exemplo, estabelecia que a polícia militar poderia servir ao
Exército fora do Estado, recebendo para isso armamento e instrução profissional iguais

factos que de vez em quando está se dando; por tanto pesso-vos (sic) providencia neste sentido afim de
garantir as autoridades e os habitantes deste municipio. APEJE, Série Juízes de Direito, 1896, p.341.
Sobre a autonomia dos juízes Distritais, vide AS, 1893, pp.123 e 151.
90
Costa Porto, Os tempos da República Velha, pp.4-5 e 114, e Stela Mary Alves de Oliveira, op. cit.,
pp.187-189.
91
O armamento contrabandeado supostamente teria sido importado dos Estados Unidos e entrado
ilegalmente na alfândega como máquinas para usinas. Segundo o senador Serra Martins, seriam utilizadas
no motim preparado pelo governador Barbosa Lima e José Mariano, em adesão à Revolta da Armada, a
qual Barbosa Lima recuaria do intento. Cf. APEJE, AS, Sessões de 10 e 15 de abril de 1893, pp.104 e
121.
92
A Calábria era uma região da Itália, próxima ao reino das Duas Sicílias, que teve no século XIX um
governante em comum com este reino, o qual havia prometido uma Constituição ao povo, mas acabou
preferindo governar sem ela. Cf. Enciclopédia Multimídia Encarta 2000. A título de curiosidade, a
imperatriz Teresa Cristina, esposa de D. Pedro II, era irmã de Fernando II, rei das Duas Sicílias, cf., Luiz
Felipe de Alencastro, op. cit., p.51.
106

ao daquela instituição, o que, no caso de uma guerra externa, como ocorreu com a do
Paraguai, não ficaria mais a critério da corporação a decisão final de ir ou não para o
campo de batalha. A cada ano um dos Batalhões de Infantaria era enviado para servir no
interior, ficando estacionado em um dos municípios – geralmente Triunfo 93 –, não
podendo permanecer lá por um período superior a um ano, a fim de ser reconstituída a
sua disciplina, um dos fatores que mais preocupação dava as autoridades. A Secretária
de Justiça – à qual a Questura estava ligada – designava periodicamente um oficial
superior do dia e um ou mais inferiores para a “ronda de visita”, que fiscalizava o
serviço das guardas. Só o governador e o secretário de Justiça poderiam mover os
Batalhões. O questor poderia requisitar por escrito aos comandantes dos Batalhões ou
do Corpo de Cavalaria no máximo 50 praças, e os delegados e subdelegados até 20, para
diligências dentro do Recife. 94
A unidade de comando que se esperava ter com uma força estadual e militar vinha
da evidência de que a hierarquia e a disciplina do quartel dava uma coesão maior à tropa
e ao comando, fatores essenciais na preservação da nova ordem que se tentava
estabelecer com a República.
A preocupação do governo em aproximar o regulamento da polícia militar ao do
Exército, trouxe, por outro lado, benefícios para as praças. Um projeto sobre a força
policial, confeccionado pela Câmara dos Deputados de Pernambuco, em 1892, e
aprovado na íntegra pelo Senado, ao lado do Regulamento de 1896, concediam
aposentadoria integral às praças que contassem 25 anos de serviços e que fossem
considerados pela junta médica incapazes de continuar a servir, bem como àqueles que
se invalidassem em ação. Os oficiais e praças que tivessem servido ao Exército,
poderiam contar até 8 anos desse serviço para se aposentarem. O projeto da Câmara
estendia, ainda, o benefício em meio soldo para as viúvas e filhas que não se casassem,
e para os filhos menores de idade. Para este fim era descontado o equivalente a um dia

93
A escolha de Triunfo para se enviar tropas anuais se devia ao fato de lá ter sido, das cidades que
haviam se rebelado contra o governo estadual em razão da dissolução das municipalidades, a que mais
trabalho dera para ser controlada. Segundo a oposição, a polícia de Barbosa Lima reagiu com grande
truculência em Triunfo, saqueando casas e se apropriando de animais que foram leiloados. Cf. APEJE,
AS, Sessão de 10 de abril de 1893, e Costa Porto, op. cit., pp.54-55.
94
APEJE, Regulamento Geral da Força Pública Estadual, 1894.
107

de soldo por mês das praças. As praças de pré teriam estes mesmos direitos reduzidos a
meio soldo. 95
O interesse em se ter uma tropa com o mínimo de instrução que acompanhou os
políticos do final do Império, agora seria posto em prática, com a instalação de uma
escola para ministrar o ensino primario sufficiente as praças de pret e a instrucção
elementar do soldado, correspondente ás differentes graduações até a de sargento...
Para o alistamento, era dada preferência em igualdade de condições aos ex-praças do
Exército, Armada e Corpo de Bombeiros, sendo, no entanto, preferidos os que tivessem
algum ofício que pudesse ser aproveitado no serviço do Corpo ou que soubessem ler e
escrever. Estes foram os primeiros passos dados em direção à profissionalização
definitiva da corporação da polícia militar. 96
Essas mudanças em seu conjunto, revelam a preocupação do Estado em
proporcionar estabilidade à corporação da polícia militar, o que, por sua vez, iria
refletir-se numa melhor resposta aos objetivos a que estavam destinados. Esta
estabilidade é sentida também no maior prazo de engajamento, que de dois anos pulou
para quatro. Pelo projeto da Câmara, mesmo os oficiais – que antes podiam ser
exonerados livremente pelo governador –, à exceção dos comandantes, não poderiam
ser demitidos antes de dois anos, a não ser por incapacidade física, moral ou condenação
maior de dois anos. Este fato gerou o protesto do senador Serra Martins, opositor de
Barbosa Lima, que via nisso uma ameaça à subordinação plena da polícia militar ao
novo governo, que poderia ficar à mercê de uma força policial comandada por oficiais
ainda dos tempos do governo anterior:

...[O Corpo de Polícia], de certo tempo para cá, tem tido uma organização
de exercito permanente. (Apartes).

95
Idem, AS, Parecer nº 83, arts.7º e 8º, 1892, p.210; Regulamento do Corpo Policial de 25 de agosto de
1896, Fundo Prefeitura Municipal do Recife, Regulamentos e Regimentos. Não sabemos quando o direito
de aposentadoria para as praças se iniciou. Em 1889, a Lei nº 2145 de 9 de novembro, autorizava em seu
art.1º, ao presidente da Província a reformar, com o soldo por inteiro, a qualquer soldado da Guarda
Cívica e de polícia que tiver 35 annos de serviço nos mesmos corpos. A Guarda Local republicana, no
entanto, não tinha este benefício, e em caso de doença, a praça só estaria garantida por 30 dias: Art. 97.
Nos casos de reconhecida ou comprovada enfermidade serão tratadas em suas próprias casas as praças
da Guarda Local, percebendo os respectivos soldos até 15 dias. Se a moléstia se prolongar, perceberão
meio soldo por igual tempo e d’ahi por diante não terão mais direito a soldo algum. APEJE, Relatório do
Barão de Lucena, anexo Regulamento da Guarda Local de 9 de outubro de 1890.
96
APEJE, AS, Parecer n º83, art.12, 1892, p.210; Regulamento do Corpo Policial de 25 de agosto de
1896, art.26.
108

Em parte nenhuma do mundo civilisado, os corpos de polícia tem


organização semelhante á que foi dada ao corpo policial de Pernambuco. A
organização desses corpos difere muito da dos exercitos.
A força de polícia è provisória, pode ser augmentada ou diminnuida pelo
chefe do poder executivo, quando entender conveniente, quando o exigirem as
circunstâncias.
Os officiais de policia estão sujeitos a demissão; são demittidos, quando não
cumprem fielmente os seus deveres ou simplesmente por motivos políticos.
Na Bolivia e em Venezuela, quando sobe um partido, são dispensados os
oficiais que servem com o partido que chae, e substituidos por outros da
confiança do partido que sobe, como sucedeu entre nós. 97

Se compararmos o projeto da Câmara de 1892 e o Regulamento do Corpo Policial


de 1896, vamos encontrar no primeiro uma tentativa de dar um aspecto de maior
impessoalidade e autonomia à polícia militar, o que não ocorre com o último. O projeto
estabelecia critérios universais de promoção, similares aos do Exército, baseados na
antigüidade, moralidade, aptidão militar e serviços prestados. Entre os oficiais inferiores
(anspeçadas até sargentos), os cabos seriam ...tirados dentre os anspeçadas que
soubessem ler e escrever, e estes dentre os soldados que por seu comportamento
mereçam. Mesmo os direitos dados ao governador de nomear os comandantes dos
Batalhões e da Esquadra eram limitados ao ter que fazê- lo ...dentre os officiais do
exército, reformados ou honorarios, isto é, dentro de uma corporação já historicamente
firmada nos princípios de hierarquia e disciplina. 98
No Regulamento de 1896, ao lado de instrumentos impessoais extraídos do
Exército, como o Conselho de Disciplina, que tinha a função de verificar os
procedimentos irregulares dos oficiais inferiores e das praças de pré, persistia o poder
pessoal do governador em decidir o destino do oficialato. Era dado a ele o direito de
nomear e demitir os oficiais, além dos comandantes. Os Conselhos de Investigação e
Julgamento eram nomeados por ele, que, ao final da decisão do Conselho de
Julgamento, poderia não acatá- la – coisa difícil de acontecer, uma vez que deveria
nomear os oficiais de acordo com o encaminhamento que desejava dar ao processo. No
97
APEJE, AS, 1896, p.217.
98
APEJE, AS, Parecer nº 83, arts. 1º e 2º, p.209. Grifos meus.
109

que se refere às promo ções, o Regulamento de 1896 não deixa claro quais os seus
critérios, apenas estabelecendo que os oficiais inferiores e os praças com graduações
seriam nomeados pelos comandantes dos Batalhões, ... precedendo, porém, propostas
dos commandantes das companhias , relativamente a capacidade daquellas ultimas
classes. 99
Essas alterações no texto da lei traria, como desejava o senador Serra Martins,
maior subordinação do Corpo de Polícia aos interesses do governo, que teria o seu
oficialato na rede de favores pessoais. Perdia-se, no entanto, no que se refere à
disciplina da corporação. Mesmo levando-se em conta que em todas as corporações
militares as ligações de simpatia influem na ascensão dos indivíduos a um certo grau, a
partir do momento em que a hierarquia não se estabelece principalmente como efeito do
tempo de serviço prestado e do mérito pessoal de cada um – como ocorre hoje em dia –,
a disciplina não é vista como um fator primordial para se alcançar à mobilidade dentro
da corporação militar, o que levará a um afrouxamento dela. 100
Este parece ter sido um dos fatores que levava o Corpo de Polícia a freqüentes
desregramentos dentro e fora da corporação, desde os tempos do Império, embora com
o desenrolar da República, fosse alcançado um maior grau de coesão da força. Por este
período as forças públicas dos maiores Estados da Federação já estavam
suficientemente bem organizadas com o padrão militar. A polícia paulista,
principalmente, se tornará um exemplo de disciplina e eficiência, recebendo treinamento
de uma Missão Francesa a partir de 1906, a qual permaneceu em São Paulo até o início
da Primeira Guerra Mundial. Foi por isso comparada com o exército prussiano e deve
ter encorajado aos outros Estados a procurar manter suas forças bem treinadas e
disciplinadas, de acordo com suas possibilidades financeiras. 101

99
Idem, Regulamento do Corpo Policial de 25 de agosto de 1896, arts. 12, 13, 14, 152, 198, 216, 226,
231, 232.
100
Neste sentido, vale a pena discutir um pouco o conceito de antigüidade utilizada nas organizações
militares de hoje em dia. Este conceito militar, que não diz respeito a uma ordem temporal, combina o
mérito e o tempo de serviço na avaliação das promoções, o que torna impossível dois indivíduos terem a
mesma posição hierárquica, ainda que tenham o mesmo tempo de serviço e a mesma idade. Neste caso, o
desempate se daria através do mérito, ou seja, da avaliação sobre quem obteve as melhores notas nos
cursos oferecidos, no desempenho dos serviços designados e na observação dos preceitos da corporação.
Estas características em conjunto formariam a disciplina do militar. Portanto, a hierarquia fundada no
conceito de antigüidade faz com que ela seja experimentada permanentemente e que a disciplina seja
reforçada, uma vez que esta se torna a base da hierarquia. Sobre este assunto vide Piero de Camargo
Leirner, Meia volta volver, pp.84-87, 1997.
101
Cf. Dalmo de Abreu Dallari, O pequeno exército paulista, pp.43-46.
110

Apesar disso, no governo de Gonçalves Ferreira (1900-1904), a crise financeira do


Estado 102 faria com que o atraso no pagamento dos soldados de polícia gerasse um
grande descontentamento entre a tropa, inclusive provocando rivalidades entre os
próprios Corpos da corporação. Enquanto o 2º Corpo de Polícia já havia sido pago, o 1º
Corpo em fins de agosto ainda não havia recebido seus vencimentos do mês de julho.
Os fardamentos não haviam sido renovados, não havia camas no quartel para se
deitarem, os compartimentos eram anti- higiênicos e desprovidos de luz, e quando
reclamavam eram ameaçados de serem punidos fisicamente. As praças, entretanto, não
ficaram caladas diante da situação, e enviaram cartas aos jornais denunciando a
precariedade em que se encontravam. 103 Em uma dessas cartas, endereçada ao
governador – e que deixa dúvidas quanto a sua autoria pela sagaz ironia com que foi
escrita –, um soldado fazia sentir o quanto era perigoso tratar soldados armados daque la
maneira:

Exmº sr. dr. governador do estado.


As praças de pret dos batalhões de infantaria policial vem por intermédio
d’A Província dizer-vos que podeis dispor d’ellas para o que der e vier.
Estamos de promptidão, municiados e armados, desde o dia 23 do corrente.
Cada um de nos se considera confessado, ungido e sacramentado para morrer
pelo vosso governo, pois teremos grande prazer de queimar cartuchos em
agradecimento ao benefício que nos fizestes diminuindo-nos o soldo e
negando-nos a roupa necessaria ao serviço.
Os officiais vivem gordos á nossa custa, ao passo que há soldados nus e
descalços.
Se um destes pede uma peça de fardamento vencido ou se forma descalço,
porque não tem botins, é castigado, com prisão a pão e água.
Os que dão baixa perdem o dinheiro ao que teem (sic) ganho.

102
Durante o seu governo foram reduzidos os investimentos em educação, saúde e obras públicas, além
de ter sido diminuído o número de funcionários públicos. Apesar da crise ter como uma das principais
causas a inadimplência dos usineiros com o pagamento dos empréstimos tomados ao Estado, o setor
continuou a ser beneficiado pela política econômica do governo estadual. Cf. Stela Mary Alves de
Oliveira, op. cit., pp.192-199.
103
A Província, 12 e 20/08/1902.
111

Temos mais a regalia de dormir no chão, sujeitos ao impaludismo e outras


molestias.
Com tantas vantagens, ex. sr. dr. governador do estado, não há uma só
praça que vacille em arriscar a vida em vossa defesa.
É um acto de gratidão...104

Em 1905, a disciplina dos policiais militares ainda era motivo de preocupação do


chefe de polícia Santos Moreira, que em seu relatório anual ao governador expressava a
necessidade de medidas que melhorassem a situação:

É sabido que o alistamento para a força policial é feito sem a prova da


necessaria idoneidade dos que se destinam a serviço tão melindroso, o que vae
acarretando inconvenientes à ordem, à disciplina e até ao bom conceito de
que deve gosar essa importante corporação.
Para abreviar semelhante desvantagem, contra a qual já se tem manifestado
a imprensa, seria util, a semelhaça do que já se vai tendo em diversos Estados,
a comprovação previa da conducta civil e moral do pretendente a alistamento
policial e, igualmente, a prova de saber lêr e escrever.
O soldado incumbido da manutenção da ordem, da garantia da vida e
propriedade do cidadão, da guarda dos poderes publicos, deve ter a
comprehensão dos seus deveres, afim de que se torne um elemento de paz,
inpirando confiança plena ao povo e não se converta em intrumento de
anarchia e desordem. (...) 105

Anos mais tarde, a oligarquia rosista tomaria novas providências para assegurar a
ordem dentro da polícia militar. Com a criação do Regimento Policial do Estado, em
1908, por exemplo, só poderiam ser promovidas as praças de pré que tivessem bom
comportamento e soubessem ler e escrever. Nenhuma delas poderiam ser destacadas
sem ter pelo menos dois meses de instrução no ensino de recrutas. As promoções de
sargento até capitão eram feitas 2/5 por merecimento, 2/5 por antigüidade e 1/5 a

104
A Província, 29/08/1902.
105
APEJE, Relatórios dos Chefes de Polícia, 1905, pp. 4-5.
112

critério do governador, e havia sido criado o posto de anspeçada – o primeiro da


hierarquia militar – como recompensa aos soldados de bom comportamento. 106

A Repartição Central de Polícia

Apesar do projeto da Câmara dos Deputados estaduais extinguindo a Questura ter


passado no Senado, ela continuou a funcionar até 1898. 107 Em seu lugar deveria
funcionar a Secretaria de Segurança Pública, órgão ligado à Secretaria de Estado,
Justiça, Polícia e Legislação, prevista a ser instituída pela Constituição pernambucana, o
que até então ainda não havia sido posto em prática. O projeto da Câmara – motivada
em fazer vigorar a lei constitucional e em acabar com os conflitos de função das
autoridades policiais – repassava as atribuições do questor ao secretário de Segurança
Pública, sem contudo alterar as relações entre as autoridades municipais já existentes.
Na verdade, esta secretaria não atendia as exigências de comando de uma polícia
estadual, uma vez que o secretário de Segurança Pública teria um cargo mais
burocrático do que os seus antecessores, servindo a Secretaria apenas como um centro
de informações das ocorrências relatadas pelas autoridades policiais do Estado. Ele
perderia a faculdade de fazer diligências próprias, investigar crimes e dispor de
destacamentos. 108
Talvez por isso a Questura tenha perdurado até a criação de um órgão mais
adequado às necessidades de então, no caso, a Repartição Central de Polícia, uma
reedição da Secretaria de Polícia concebida no Império, com algumas modificações e ...
sem a sua parte violenta, como queria um senador. As mesmas autoridades policiais
iriam reaparecer, inclusive o de inspetor de quarteirão. Destes, apenas o chefe de polícia
e os dois delegados do Recife receberiam salários do Estado, o que motivou um chefe
de polícia sugerir que, na falta de uma polícia de carreira, fossem nomeados, no sertão,

106
APEJE, CLEPE, Lei nº 916, de 2 de junho de 1908, art.5º.
107
Os ofícios enviados pelos delegados até 1898 eram endereçados ao Questor Policial Antonio Pedro da
Silva Marques. Cf. Fundo SSP, 2ª Delegacia da Capital, v.1898-1899. Em 1898, por sua vez, foi aprovado
um Projeto de Lei pelo Congresso Legislativo de Pernambuco, que organizava a nova administração
policial ao mesmo tempo em que extinguia a Questura em seu art.31. ACD, Projeto nº 20, 1898, p.37.
108
APEJE, AS, p.124, 1892.
113

como delegados, oficiais do Regimento Policial, como já ocorria em vários


municípios. 109
A Repartição Central de Polícia, situada na rua da Aurora (depois chamada de
Visconde de Rio Branco), era formada pelo chefe de polícia – que residiria no prédio
destinado à Repartição –, um secretário, dois oficiais, quatro amanuenses, um porteiro –
que ficava encarregado do arquivo –, um agente de polícia marítima e dois serventes.
Esse pessoal se encarregava da correspondência com as autoridades policiais, judiciárias
e militares do Estado, com os chefes de polícia dos outros Estados e com os juízes e
repartições publicas federais; recebia ofícios da Casa de Detenção, das cadeias do
interior e necrotérios; as propostas dos delegados e subdelegados e os registros das
nomeações; os inquéritos policiais; e da expedição de passaportes, passes, certidões,
licenças e avisos médicos. No prédio ainda funcionavam as duas delegacias de polícia
da capital. 110
Ao chefe de polícia competia uma série de incumbências que lhe dava um amplo
poder, ao contrário do que estava previsto para o cargo de secretário de Segurança
Pública. Ele deveria fazer as diligências para investigar crimes comuns; proceder à auto
de corpos de delito; conceder mandatos de busca e apreensão; conceder fiança
provisória; informar-se sobre pessoas suspeitas que viessem morar no Estado e conceder
passaportes; evitar os ajuntamentos ilícitos; pedir a extradição de criminosos fugitivos,
através do governador, às autoridades de outros Estados ou do Distrito Federal,
procedendo da mesma forma em relação àquelas autoridades; providenciar sobre
extinção de incêndios e outras calamidades públicas; inspecionar os teatros e
espetáculos públicos, organizar os mapas de estatística, etc.
Era dele que partia as indicações dos nomes dos delegados, subdelegados e
suplentes, para serem nomeados pelo secretário de Justiça, além de nomear os
empregados de sua Repartição, os carcereiros do interior – sob proposta dos delegados –
e os empregados da Casa de Detenção, com exceção do administrador, este nomeado
diretamente pelo secretário da Justiça. Sua influência sobre a polícia não se restringia à
proposta dos nomes dos delegados e nomeação dos subdelegados, ele também tinha a
109
Idem, Relatórios dos Chefes de Polícia, 1910. Os municípios a adotarem delegados militares foram:
Paudalho, Nazaré, Timbaúba, Bom Jardim, Jaboatão, Gravatá, Bezerros, Pesqueira, Cabo, Ipojuca
Palmares, Quipapá, Canhotinho, Garanhuns, Altinho, Floresta, Vila Bela, Triunfo, Salgueiro, Glória de
Goitá e Igarassú. Cf. CLPPE, Lei nº 310, de 7 de junho de 1898.
110
Idem, ibidem.
114

função de propor a divisão dos municípios em distritos policiais ou suprimir os já


existentes. 111 Este poder lhe foi tirado pela Lei nº 1147, de 22 de setembro de 1911,
repassando-o ao secretário Geral, com a extinção da Secretaria de Justiça. A mesma lei
transferiria a sede das delegacias da capital para os seus respectivos distritos.
Os delegados tinham obrigações semelhantes às do chefe de polícia no que dizia
respeito ao município, além de solicitar à autoridade judiciária, mandato de prisão
preventiva, informar ao juiz de Órfãos sobre menor sem pai ou abandonado e organizar
estatística criminal do município, de acordo com os mapas enviados pelos
subdelegados, para depois enviá- la ao chefe de polícia. Os delegados da capital eram
escolhidos entre os eleitores, que de preferência fossem bacharel ou doutor em Direito,
e tanto os delegados do Recife como os do interior, poderiam ser demitidos a qualquer
tempo. Eram eles que nomeavam os inspetores de quarteirão e os escrivães das
subdelegacias, sob proposta dos subdelegados. 112
Em cada município – excetuando a capital – era nomeado um delegado e tantos
subdelegados quanto fossem os distritos policiais. Nenhum deles poderia residir fora do
município ou distrito aonde exerciam sua jurisdição. Os subdelegados tinham os
mesmos deveres que os delegados, ajustados, como no caso destes, a sua jurisdição.
Deveriam, ainda, informar aos delegados dos crimes ocorridos, das prisões executadas e
das providências que tomaram a respeito, como também seguir as ordens do
delegados. 113
A última autoridade policial a retornar dos tempos do Império para habitar a
República, era o inspetor de quarteirão, indivíduo que participava das duas
extremidades da sociedade – a da ordem e a da desordem –, e que, por isso, poderia ser
tanto um grande aliado na prevenção do crime e preservação da tranqüilidade pública,
como ser conivente com a classe a que pertencia e que deveria policiar, algo bem
possível de acontecer, em razão de não perceber remuneração pelo cargo. Deveria ter no
mínimo 21 anos, saber ler e escrever – o que não era obrigatório nos tempos da
monarquia –, e estar na posse de seus direitos políticos. O fato de saber ler e escrever,
de uma certa forma destacava-o da população pobre, que em sua maioria não tinha
acesso à educação. Entre as suas obrigações estava a de ...velar constantemente e com

111
APEJE, AS, 1898, p.38.
112
APEJE, AS, 1898, pp.38-39 e Relatório da Secretária Geral, 1912, pp.22-23.
113
Idem, AS, 1898, p.38-39.
115

assiduidade sobre tudo o que possa interessar à prevenção dos delictos; prender em
flagrante delicto e auxiliar a prisão dos culpados; auxiliar a execução de ordens das
autoridade judiciárias; participar ao subdelegado os factos criminosos que se
commeterem em seu quarteirão a fim de serem tomadas as providências devidas;
observar e cumprir as instrucções e ordens do Delegado e Subdelegado. 114

Gabinete de Estatística e Identificação

Com a Repartição Central de Polícia, tomaram impulso os serviços que visavam a


identificação dos criminosos, baseados em métodos científicos da época divulgados na
Europa. Alguns desses métodos era o da antropometria – concebido por Cesare
Lombroso e Ferrero Gal, que consideravam ser possível classificar os criminosos
através da medição de seus crânios e outras partes do corpo – e o da datiloscopia. Estes
sistemas estavam funcionando na Capital Federal, no Rio Grande do Sul e São Paulo. 115
Em Pernambuco, embora se tivesse adquirido os instrumentos necessários para o
funcionamento destes serviços desde a administração de Barbosa Lima, logo ficaram
inutilizados por falta de uso. O mesmo havia se dado com os aparelhos de fotografia,
serviço complementar à antropometria ao registrar de maneira mais precisa os traços
característicos do criminoso. A preocupação do chefe de polícia era restaurar esses
serviços, tidos como fundamentais na captura dos criminosos, ao mesmo tempo em que
demonstrava estar bem atualizado ao considerar que a antropometria já estava caindo
em descrédito, bem como o método datiloscópico do Dr. Bertillon, com a invenção do
sistema datiloscópico de Juan Vucetich, apresentado no Congresso Científico Latino-
Americano ocorrido em Buenos Aires. O sistema de Vucetich, ao contrário do de
Bertillon, incluía o polegar na tomada de impressões digitais dos dedos das mãos. O

114
APEJE, Relatórios dos Chefes de Polícia, 1905, pp.25-26.
115
Bóris Fausto, Crime e cotidiano, pp.129-132.
116

chefe de polícia concordava com Vucetich de que a antropometria... por si só não serve
nem servirá jamais para constatar a identidade individual de uma maneira precisa. 116
A reativação desses serviços seria possível com a criação do Gabinete de
Identificação e Estatística Criminal, em 1910. Este órgão teria autonomia, funcionando
anexo a Repartição Central de Polícia. Contaria com um diretor nomeado pelo
secretário Geral, que deveria possuir grande somma de conhecimentos scientificos na
especialidade, um fotógrafo e dois amanuenses. De acordo com o seu criador, o chefe
de polícia Ulisses Gerson Alves da Costa, a polícia ficaria munida de... meios aptos á
descoberta e prevenção de crimes e criminosos, á permuta de fichas dactiloscópicas
com as polícias de outros estados e do estrangeiro, permuta tão necessaria hoje,
quando os criminosos percorrem o mundo, freqüentando todos os paizes. 117
Ele viria atender, por outro lado, aos freqüentes apelos dos chefes de polícia em se
organizar a estatística criminal do Estado em uma seção à parte, que pudesse dar conta
dos inúmeros mapas enviados. A estatística era vista como a base da ciência criminal, o
que, dando chances de conhecer o número exato da criminalidade, poderia ao mesmo
tempo indicar quais crimes eram os mais cometidos em determinadas épocas, dando-
lhes um caráter mesológico, no que poderia se basear a instituição policial para
combater mais determinado crime. 118
Outros avanços foram realizados posteriormente com a Repartição Central de
Polícia, como a adoção de dois médicos legistas no quadro de seu pessoal – os quais
realizavam os exames cadavéricos no necrotério público –, e o fato dos delegados
passarem a ser escolhidos exclusivamente entre os bacharéis de Direito e a receberem
um salário anual de 4:800$000, o que denota um maior rigor na seleção das autoridades
policiais e uma preocupação em tornar os cargos mais atraentes. Havia consciência dos
chefes de polícia quanto à necessidade de se instituir uma polícia civil e de carreira, com
a criação de um grupo de aspirantes a oficial de polícia e o direito dos delegados do
interior serem aproveitados nas vagas que surgissem nas delegacias da capital. 119

116
APEJE, Relatórios dos Chefes de Polícia, 1905, pp.25-26. Segundo Bretas, embora os métodos
desenvolvidos por Lombroso e Bertillon tenham tomado vulto nas reformas policiais da época, elas
tiveram um impacto limitado no trabalho cotidiano da polícia, cf., op. cit., p.44.
117
APEJE, CLEPE, Lei nº 1009, de 6 de maio de 1910; Relatório do Chefe de Polícia, 1910.
118
Idem, Relatórios dos Chefes de Polícia, 1905 e 1910.
119
Idem, ibidem, 1910 e 1923.
117

As reclamações constantes da falta de uma força policial civil para o policiamento


do Recife, porém, só viriam a ser satisfeitas em 1920. 120 Até esta data, o policiamento
da cidade e seus subúrbios ficou a cargo do Corpo de Polícia Urbana e da Companhia
de Cavalaria (tabela 1), que ficavam, quanto à distribuição, à disposição do questor, e
quanto à disciplina, sob as ordens do comandante do Batalhão de Infantaria. Com uma
nova reformulação da força policial, este serviço viria a ser realizado pela Ala Direita
do Regimento de Infantaria, quatro anos depois, transformada em dois Corpos de
Polícia e um Esquadrão de Cavalaria, ficando com o 2º Corpo de Polícia o policiamento
da capital. Em 1908 seria criado o Re gimento Policial do Estado, formado por três
Batalhões de Infantaria – cada um com 600 praças – e dois Esquadrões de Cavalaria –
com 100 praças cada –, mais tarde diminuído para um. Ao contrário de todas as outras
que só poderia ser movida pelo governador e o secretário de Justiça – depois pelo
secretário Geral –, esta força ficaria totalmente subordinada ao chefe de polícia. O 1º
Batalhão de Infantaria e o Corpo de Cavalaria fariam o policiamento do Recife. 121 Outra
mudança significativa, que dá a importância de se ter uma tropa mais capacitada no
policiamento do centro urbano do Estado, era a imposição de não se aceitar indivíduos
analfabetos nas fileiras do 1º Batalhão de Infantaria. 122
Mesmo com essas forças militares, os habitantes do Recife não se sentiam
seguros. Sem uma polícia paisana que pudesse reforçar o policiamento da cidade, foi
organizado em junho de 1908, um serviço particular de segurança 123 , denominado

120
Em 1913 foi promulgada uma lei que criava uma “Guarda Civil” para auxiliar a polícia militar no
policiamento do Recife. Ela teria 400 homens comandados por um inspetor de polícia e para a sua
organização foi aberto um crédito de 400 contos. Entretanto, no orçamento do Estado para o ano
financeiro de 1913-1914 e subseqüente, não consta nenhuma verba destinada a Guarda Civil. Por outro
lado, não encontramos nenhuma referência a ela nos jornais pesquisados. Cf. APEJE, CLEPE, Lei nº
1172, de 29 de abril e Lei nº 1204, de 14 de junho de 1913. A criação de uma guarda civil só aconteceria
de fato com o Ato nº 103, de 7 de fevereiro de 1920.
121
Carlos Bezerra Cavalcanti, Polícia Militar de Pernambuco, p.115.
122
APEJE, CLEPE, Lei nº 248, de 30 de junho de 1897, Lei nº 603, de 12 de maio de 1903, Lei nº 822, de
14 de maio de 1907 e Lei nº 916, de 2 de junho de 1908.
123
A Segurança Noturna, que deveria proteger na cidade a propriedade e o bem estar daqueles que
tivessem condições de pagar sua contribuição, pode ter se inspirado em uma outra experiência de polícia
particular, na área rural de Pernambuco. Os Sindicatos Agrícolas e os Conselhos Municipais receberam
em 1904 autorização do governo para formar um Corpo de Vigias particular para o policiamento e
segurança de seus campos, lavouras e fábricas, que também seria subordinada ao chefe de polícia.
Tinham o direito de prender desordeiros e malfeitores que se encontrassem em sua jurisdição, os quais
deveriam ser remetidos para a delegacia mais próxima. Cf. APEJE, CLEPE, Lei nº 690, de 10 de junho de
1904. Mas o pagamento da polícia através de contribuições dos moradores locais não era novidade. No
Império, as antigas guardas policiais eram organizadas pelas câmaras municipais as quais estabelecia o
118

Segurança Noturna, idealizado pelo 1º Tenente Hemetério Maciel, com sede na rua
Madre de Deus. Embora fosse financiada através de contribuições fixas dos moradores a
quem prestaria o
serviço, ela funcionava subordinada ao chefe de polícia, o qual nomeava o seu delegado.
Possuía um regulamento que lhe dava características semelhantes às guardas urbanas
oficiais. Além do delegado, havia ainda um guarda-mor, que substituiria o delegado,
auxiliando na disciplina dos guardas e cuidando do alistamento destes; um ajudante, que
substituiria o guarda- mor em seus impedimentos e auxiliaria no serviço interno da
Segurança; um comissário, a quem ficaria encarregado o fardamento, armamento e os
equipamentos; agentes, que tinham a obrigação de realizar rondas nas seções a que
fossem destinados, comunicar qualquer ocorrência ao guarda-mor, e conseguir mais
contribuintes para a Segurança Noturna. Os guardas tinham autorização para prender
qualquer suspeito e levá- los ao quartel da polícia local. Para isso usavam sabre e
revólver, além do apito que lhes serviam para pedir auxílio. Eram alistados entre
brasileiros de 18 a 40 anos que soubessem ler e escrever. 124
A Segurança Noturna fazia o policiamento do Recife das 10 horas da noite às 5 ou
6 horas da manhã, conforme a estação do ano, e além disso, estava no seu regimento a
preocupação em auxiliar a população em casos de emergência médica, ainda que os
gastos com isso ficassem por conta do usuário. A sua equipe contava com médico,
parteira e farmácia, sendo que aqueles que não fossem contribuintes teriam adicionado
as suas contas cinco mil réis, a título de serviço extraordinário da Segurança. 125
Apesar do esforço em se manter esse serviço de vigilância com um quadro de
guardas mais moralizados, em pouco tempo a Segurança Noturna já era alvo de criticas
dos jornais, algumas até insinuando a conivência de seus guardas com ladrões. Em uma
charge, as iniciais “S.N.” do distintivo dos guardas eram interpretadas por um popular
como Segurança Nenhuma.126

seu soldo e arrecadavam a contribuição entre os moradores dos distritos, cf. Tavares Bastos, op. cit.,
p.176.
124
APEJE, Regulamento da Segurança Nocturna, 1909; Raimundo Alencar Arrais, Recife: culturas,
confrontos, identidades, p.53, 1995.
125
APEJE, Regulamento da Segurança Nocturna, 1909.
126
Raimundo Alencar Arrais, op. cit., p.53.
119

Tabela 1

Nº de praças e oficiais da Força Pública de Pernambuco

NOME DA FORÇA NÚMERO DE NÚMEROS DE


EXERCÍCIO
POLICIAL PRAÇAS OFICIAIS

Corpo Militar ou
500
Corpo de Polícia
1865-1866 Não especificado
Corpo Provisório
300

Corpo Provisório
1866-1867 500
Idem
Idem
1867-1868 800
Idem
Corpo de Polícia
1870-1871 800
Idem
Corpo de Policia
1871-1872 800
Idem
Corpo de Policia
1872-1873 800
Idem
Corpo de Policia
1873-1874 800
Idem

Corpo de Polícia 500


1874-1875 Idem
Guarda Local 900

1875-1876 Idem Idem Idem

Corpo Militar
500
Guarda Local
1876-1877 500 Idem
Guarda Urbana
120

Corpo Militar Volante 750


1878-1879 Idem
Guarda Cívica 100

850
Corpo Policial Volante
1880-1881 Idem
Guarda Cívica
150

Corpo Policial Volante 850


1881-1882 Idem
Guarda Cívica 150
950
1882-1883 Idem Idem
150
120

(continuação)

NOME DA FORÇA NÚMERO DE NÚMERO DE


EXERCÍCIO
POLICIAL PRAÇAS OFICIAIS

Corpo Policial Volante 850


1884-1885 Não especificado
Guarda Cívica 100

__ Não encontrado __ __

Corpo Policial 954


1887-1888 Não especificado
Guarda Cívica 150

1889-1890 Não encontrado __ __

1891 Brigada Policial Não especificado Não especificado

Brigada Policial:127
618 30
1892 -6 Cias. de Infantaria e
50 4
-1 Cia. de Cavalaria
Brigada Policial:
597 30
1892-1893 -1Batalhão de Infantaria
51 4
-1Esquadrão de Cavalaria

1893-1895 Não encontrado __ __

Brigada Policial: 1206 63


1896-1897 -3 Batalhões de Infantaria
-1 Esquadrão de Cavalaria 185 10
Brigada Policial:
801 39
-1Batalhão de Infantaria
1897-1898 50 4
-1Cia. de Cavalaria
387 13
-1Corpo de Polícia Urbana

1898-1899 Idem Idem Idem

1899-1900 Idem Idem Idem

1901-1902 Brigada Policial 1044 74

1902-1903 Idem 1312 58

1903-1904 Idem 1303 36

1904 - 1905 Idem Idem Idem

127
A força pública para este ano foi decretada pela Junta Governativa de Pernambuco.
121

(continuação)

NOME DA FORÇA NÚMERO DE NÚMERO DE


EXERCÍCIO
POLICIAL PRAÇAS OFICIAIS
1 Corpo de Polícia:
420 36
-Ala Direita 128
1905-1906 844
-Ala Esquerda
100 Não especificado
1 Esquadrão de Cavalaria
Corpo de Polícia:
444 36
-Ala Direita
1906-1907 890
-Ala Esquerda
100 Não especificado
1 Esquadrão de Cavalaria
2 Corpos de Polícia: 129
438
1ºCorpo: -Ala Direita
876
1907-1908 -Ala Esquerda Não especificado
404
2ºCorpo
100
1 Esquadrão de Cavalaria
Regimento Policial do
Estado:130 1364
1908-1909 60
-3 Batalhões de Infantaria 120
-2 Esquadrões de Cavalaria
Regimento Policial do
Estado:131 1622
1909-1910 60
-3 Batalhões de Infantaria
-1 Corpo de Polícia 120
1902
1910-1911 Idem 68
100
1932 68
1911-1912 Idem
100 9

1912-1913 Não encontrado __ __

Força Pública do Estado:


-1 Regimento de Infantaria 1605 64
1913-1914
com 3 Batalhões 100 6
-1 Esquadrão de Cavalaria
Força Pública do Estado:
-2 Regimentos de Infantaria 2000 84
1914-1915
com 2 Batalhões cada 100 8
-1 Esquadrão de Cavalaria
Fonte: Coleção de Leis Provinciais e Estaduais de Pernambuco, 1865-1915.

Mas o crescimento da população, a expansão da urbanização e o aumento da


criminalidade, tornariam necessário um policiamento mais distribuído e ostensivo na

128
A Ala Direita é responsável pelo policiamento da capital e seus subúrbios, auxiliada pelo Esquadrão de
Cavalaria.
129
O 1º Corpo fica responsável pela guarnição das repartições públicas, dos quartéis, do interior do
Estado e subúrbios da capital. O 2º Corpo mais o Esquadrão de Cavalaria é destinado ao policiamento da
capital.
130
O 1ºBatalhão de Infantaria e os dois Esquadrões de Cavalaria permanecem na capital.
131
Um Batalhão de Infantaria (com 500 praças) e o Corpo de Cavalaria permanecem na capital.
122

cidade, levando as autoridades a tomarem providências neste sentido. Em 1911, no


governo de Dantas Barreto, o Recife ganharia mais uma delegacia, e em 1913 seriam
instituídos cargos de agente e inspetor de polícia. 132 Ao mesmo tempo crescia o poder
dos delegados e subdelegados, que teriam competência para processar delinqüentes
quando se tratasse de loterias e rifas não autorizadas e dos jogos proibidos por lei. 133 Os
réus, se fossem da capital, poderiam recorrer ex-oficio ao chefe de polícia, e nos
municípios do interior, poderiam recorrer ao juiz Municipal, os quais poderiam
condena- los ou colocá- los em observação. Esta competência judicial pouco tempo
depois ficou restrita aos juízes de Direito. 134
É interessante notar que neste mesmo período em que o governo de Dantas
Barreto tentava instituir uma polícia mais profissional e melhor equipada, o serviço da
polícia secreta tem uma redução em sua verba: em 1910, lhe era destinado 40:000$000
contra 79:000$000 da Repartição Central de Polícia, inclusive os empregados do
Gabinete de Investigação e Estatística Criminal; em 1911, os orçamentos eram,
respectivamente, da ordem de 30:000$000 e 81:000$000. Três anos depois, a polícia
secreta passaria a receber apenas 7:000$000, e isso para dividir com outras despesas da
polícia. 135
Talvez isto indique uma despreocupação do seu governo em relação a tentativas
de desestabilização por partes de grupos interessados no poder, bem como em relação
ao movimento operário, considerando que – exceto em tempos de grandes contenções
de despesas – os gastos dos republicanos com a força pública sempre foi generosa. O
que era natural, uma vez que a sua organização e manutenção sempre estiveram em
primeiro lugar a serviço dos interesses das elites no poder, e não do interesse público.

132
APEJE, CLEPE, Lei nº 1204, de 14 de junho de 1913.
133
Novo Código Penal brasileiro, arts. 367, 368, 369, 371, 372 e 374.
134
APEJE, CLEPE, Lei nº 1200, de 12 de junho de 1913, arts.1 e 2, e Lei nº 1275, de 8 de junho de 1915,
art.4.
135
Idem, Lei nº 1049, de 27 de junho de 1910; Lei nº 1095, de 30 de junho de 1911 e Lei nº 1236, de 6 de
junho de 1914.
CAPÍTULO 3

POLICIA VERSUS POLICIADOS

Em 1875, um deputado provincial reclamava do abandono em que se achava a


cidade do Recife. Poucas vezes eram vistos dez ou vinte soldados de polícia nas ruas,
número insuficiente para tomar conta da área urbana. Não havia serviço de patrulha nem
vigilância à noite. O chefe de polícia via-se com as mãos atadas em destacar policiais
para o serviço da cidade, visto que a organização do Corpo de Polícia não lhe permitia
requisitar praças sem autorização prévia da presidência da Província. Por isso as tropas
de linha eram muitas vezes utilizadas pelos presidentes da Província para suprirem a
deficiência do policiamento em Pernambuco, inclusive da capital, embora esta
utilização estivesse contrária às suas atribuições. A própria população reclamava o
emprego dos soldados de linha para fazerem as rondas noturnas, diante da inexistência
de policiais durante a noite, horário em que ...mais activamente podem exercer sua
industria os celeberrimos espalmadores do alheio. 1
Por esta época apenas o bairro do Recife tinha à sua disposição uma patrulha de
linha ou de cavalaria, composta de três ou quatro homens, que fazia regularmente a
ronda da meia-noite às cinco horas da manhã. Com essa medida, os roubos e furtos
quase que haviam desaparecido da freguesia. Já nos outros bairros, vigiados apenas até
a meia-noite, os roubos eram freqüentes, situação esta inconcebível para o então
deputado Domingos Pinto – que em 1886 exerceria o cargo de chefe de polícia –, uma
vez que sendo ...a população da capital a que mais concorre para as rendas da
província, é onde existem grandes interesses a zelar, onde existe, enfim, maior
agglomeração de população, e por consequencia onde é preciso que a vigilancia da
policia seja mais activa e mais desenvolvida.2
Na verdade, o policiamento do Recife sempre seria descrito como precário pelos
jornais e pelas autoridades públicas contemporâneas, fosse pela falta de pessoal para o
serviço, como pela falta de recursos materiais. A tarefa de manter a ordem numa capital

1
APEJE, AAP, 1875, p.65, e DP, 05/09/1870.
2
APEJE, AAP, 1875, p.65.
124

importante como o Recife, que até o final da década de 1880 tinha que manter os
escravos sob vigilância, e que recebia constantemente fluxo de pessoas de todas as
partes do Brasil e do exterior, tornava o serviço das autoridades policiais bastante
comp licado.

Escravos e capoeiras

Muitos escravos faziam da capital seu esconderijo, contando em poder se passar


por homem livre numa cidade cada vez mais mestiça e que tinha circulando pelas ruas
tantos cativos trabalhando sem serem vigiados por feitores, alguns até vivendo longe de
seus donos. Vários desses escravos urbanos, de tão ladinos que eram, conseguiam a
proeza de permanecerem fugidos dentro da própria cidade. 3 Muitos eram pegos pela
polícia – às vezes meses, às vezes anos depois da fuga; mas outros – se não tantos –
conseguiam assegurar a sua liberdade definitivamente, porque para se tentar a liberdade,
basta se ter um fio de esperança.
Às vezes, ocorria de se contentarem em permanecer fugidos apenas por algum
tempo, para se divertirem em um final de semana ou para festejarem alguma festa junto
com amigos. A tabela 2, mostra, por exemplo, quatro desses indivíduos que foram
presos durante as festas natalinas. Note-se que o motivo da prisão foi por se acharem
ausentes da casa do senhor e não propriamente por estarem fugidos, o que revela que
seus donos e a polícia entendiam que eram fugas temporárias.
Realmente, a cidade apresentava-se para os escravos como uma promessa de
variados graus de liberdade, a qual cabia à polícia desfazê- la, o que não era uma tarefa
simples, pois os cativos sabiam criar uma outra ordem para eles (leia-se desordem para
as autoridades), onde podiam figurar como seres humanos e experimentar uma vida

3
Existem vários trabalhos que tratam da experiência de vida dos escravos no Recife, cf.: Marcus J. M. de
Carvalho, Liberdade: rotinas e rupturas do escravismo, Recife, 1822-1850; Clarissa Nunes Maia,
Sambas, batuques, vozerias e farsas públicas: o controle social sobre os escravos de Pernambuco, 1850-
1888 (diss. de Mestrado); Cláudia Viana Torres, Um reinado de negros em um Estado de brancos:
organização de escravos urbanos em Recife no final do século XVIII e início do século XIX, 1774-1815
(diss. de Mestrado); Wellington Barbosa da Silva, “A cidade que escraviza, é a mesma que liberta...”:
estratégias de resistência escrava no Recife do século XIX (diss. de Mestrado); Flávia de Castro M. S.
Fonseca, Estratégias de resistência escrava: Recife, 1850-1870, (diss. de Mestrado).
125

própria como sujeitos, através da cumplicidade que conseguiam estabelecer com os


agentes da própria ordem, das simpatias que certamente auferiam entre as camadas
pobres da população quando participavam de seus folguedos, do afeto que logravam
entre os seus, da força que adquiriam quando praticavam seus rituais.
Não era incomum encontrar pretos e pretas reunidos sob a sombra de uma das
gameleiras da cidade... praticando imoralidades e proferindo palavras ofensivas... à
moralidade da classe média urbana; ou, por sua vez, bebendo junto a outros
companheiros, alguns deles livres, com os quais terminavam por se embriagar e
perturbar a tranqüilidade das famílias, principalmente nos dias de domingo e
santificados, quando a cidade diminuía o seu ritmo de trabalho. 4
Por serem escravos, isto não significava que eram submissos ao poder da polícia.
Muitos chegavam às vias de fato com as autoridades, como no caso de Gregório, que foi
flagrado pelo inspetor de quarteirão em Água Fria, à noite, armado com um estoque. O
inspetor, acompanhado de quatro homens, tentou prendê-lo, como era de sua obrigação,
uma vez que se era proibido o uso de armas defesas para os livres, muito mais o era para
cativos; além do que, já era noite, algo por si só irregular para um escravo. Mas
Gregório resistiu de tal forma à prisão que conseguiu ferir os quatros ajudantes do
inspetor, e ainda foi capaz de fugir do reforço de mais 17 pessoas que tinham vindo
ajudar o inspetor. Todo esse empenho em prender o escravo pode ter sido motivado pela
suspeita de que Gregório estivesse fugido, o que não parece ter sido o caso, pois ao
narrar o fato o jornalista não mencionou ser ele um fujão, apenas dando o nome de seu
proprietário. A habilidade com que Gregório conseguiu escapar, no entanto, leva a
pensar que fosse um capoeira. 5
Por outro lado, o escravo doméstico e urbano era perigoso de uma outra forma. As
relações que mantinha fora do sobrado podiam trazer conseqüências graves à segurança
de seus senhores. O caso do envenenamento dos irmãos Sá e Albuquerque, que teve na
imprensa local grande repercussão, ilustra bem esse perigo. O escravo doméstico
Eduardo era acusado de ter propinado aos seus senhores arsênico, os quais efetivamente
morreram envenenados, de acordo com o laudo médico realizado na Bahia. Segundo a
primeira confissão de Eduardo à polícia, ele teria sido contratado por um sujeito de

4
DP, 12/09/1873 e 27/07/1881.
5
Idem, 29/09/1873.
126

nome Camarão, a serviço do tenente-coronel Gaspar, quando passava pela ponte da Boa
Vista. Camarão teria lhe oferecido dinheiro em troca do serviço e lhe fornecido o
veneno para ser administrado em doses pequenas e diárias. Depois Eduardo voltou atrás
de suas declarações, afirmando que havia sido forçado, sob sevícias, pela família de
seus donos, a assumir a culpa e incriminar o tenente-coronel Gaspar. Realmente, o
estado do escravo era lamentável em decorrência de ter permanecido por alguns dias
acorrentado ao tronco com a mão direita presa aos pés. 6
É difícil avaliar quem estava com a verdade, pois o suposto mandante do crime
era inimigo político das vítimas e gozava do prestígio da situação, conquanto os Sá e
Albuquerque também fizessem parte da elite. Por outro lado, ainda que os médicos
pernambucanos que lhe atenderam não tivessem notado os sintomas de envenenamento,
os médicos da Bahia, aonde eram realizados esse tipos de autópsias, encontraram
vestígios de arsênico em grande quantidade nas vísceras de um dos irmãos que teve seu
corpo enviado para lá. Fica evidente, entretanto, a possibilidade de um escravo
doméstico na cidade, mais que em qualquer outro lugar, poder ser cooptado com
promessas ilusórias a perpetrar crimes contra seus senhores, e a maior facilidade em
conseguir os meios de executá-los. 7
Mas em relação a manter a ordem entre os escravos urbanos, com certeza um dos
mais difíceis para a polícia foi combater os capoeiras, o que revela as constantes
tentativas de repressão aos capoeiristas. 8 Trazida pelos negros de Angola que utilizavam
a luta em um ritual de iniciação, a capoeira passou por adaptações no Brasil. Foi um
elemento importante na resistência escrava, de onde se teria originado o termo em
alusão às matas onde os escravos se escondiam. Nas cidades, no nosso caso em Recife,
a capoeira se disseminaria entre os negros ferreiros, serralheiros, carregadores e negros
de ganho em geral, os quais se reuniam em espécies de confrarias, prestando juramento
e fidelidade ao seu grupo. Se um fosse preso, os outros estavam obrigados a tentar soltá-
lo. Era, por isso, uma maneira a mais de se identificarem e manterem uma coesão dentro

6
DP., 01, 02, 04, 05 e 06/10/1870.
7
Idem, ibidem.
8
A respeito da repressão exercida sobre os capoeiras no Rio de Janeiro do século XIX, ver Thomas
Holloway, “O saudável terror: repressão policial aos capoeiras e resistência dos escravos no Rio de
Janeiro no século XIX”, in Estudos Afro-Asiáticos, nº16, 1989.
127

de um sistema de dominação que esfacelava uma possível e perigosa união entre os


cativos – ainda que fosse restrita ao seu grupo. 9
Com o tempo, essa identificação foi sendo transferida para outros referenciais,
como o partidarismo pelas bandas de música marciais pertencentes aos batalhões do
Exército, da Guarda Nacional e da Polícia, e as maltas organizadas por regiões da
cidade. Ao mesmo tempo em que isso ocorria, dava-se a cooptação deles por indivíduos
pertencentes às elites que os utilizavam como capangas. 10 Tornava-se, por isso,
duplamente difícil para a polícia reprimir a capoeiragem: primeiro, pela habilidade
física de seus adeptos que infligia sérios reveses à ação policial, e segundo por serem
protegidos por pessoas influentes, algumas delas oficiais da Guarda Nacional e mesmo
de Corpos de Linha, como no caso do tenente-coronel João Valetim Vilela, do 4º
Batalhão de Artilharia, dono de um escravo capoeira, chamado Juvino. Este escravo
havia causado uma grande assuada em torno do batalhão, que como sempre deu lugar a
uma luta de cacetes entre os capoeiras. O delegado da capital tentando conter os
distúrbios, auxiliado por duas praças de polícia e outras duas do Tenente-Coronel
Recrutador que desejava alistar os capoeiras para o Exército, teve seus soldados
espancados pelos praças do 4º Batalhão que vieram em defesa dos escravos. Mesmo
assim, ainda foi possível prender alguns dos capoeiras que foram enviados a Casa de
Detenção. Lá eles declararam que o... Capitão-Comandante da força dissera na
ocasião, que não tivessem medo que estariam garantidos.11
Muitos dos choques de rua entre os partidaristas das bandas de música acabavam
por causar distúrbios entre as próprias corporações militares. Talvez fossem motivadas
também por seus próprios comandantes, que de acordo com seus interesses não
impunham castigos exemplares em seus subordinados. 12 O conflito provocado pelo cabo
Chaves, do 1º Batalhão de Infantaria da Guarda Nacional, é um exemplo de como essas
disputas poderiam instigar a animosidade entre os praças das corporações. Ao regressar

9
Valdemar de Oliveira, Frevo, capoeira e passo, pp.66-69;G. Freyre, Sobrados e mocambos, p.509-510 e
559-561.
10
Valdemar de Oliveira, op. cit., pp.75, 84-86; G. Freyre, op.cit., pp.560, nota 63; Edson Carneiro,
Folguedos tradicionais, p.142; Rita de Cássia B. Araújo, Festas: máscaras do tempo, pp.339 e 365.
11
APEJE, Fundo SSP, 1ª Delegacia da Capital, Ofício do delegado Luiz Albuquerque Martins, para o
chefe de polícia José Pereira da Silva Moraes, 26 de setembro de 1864, pp.185-188.
12
Rita de Cássia Araújo afirma que as rivalidades entre as bandas de música da polícia e do Exército que
acompanhavam os clubes, refletiam, na República Velha, ...a luta das oligarquias pela autonomia
estadual contra o poder central, embora seus seguidores não tivessem consciência disso; cf., op. cit.,
p.366.
128

de uma solenidade ocorrida no Instituto Arqueológico, a guarda de honra do 1º Batalhão


de Artilharia da Guarda Nacional ao passar pela rua do Imperador às três horas da tarde,
em pleno dia da semana (era quarta- feira), foi vítima de um grupo de capoeiras
capitaneado pelo cabo Chaves, ... o qual desde o largo do Carmo viera até alli gritando
e ameaçando de cacete, deu uma paulada em uma das praças da guarda, dando isto
lugar a debandada da maior parte da força, e que esta em refles (sic) em punho
espancasse a torto e a direito; invadindo, para isso, diversos estabelecimentos... O
major do batalhão e o capitão que comandava a guarda bem que tentaram conter o
distúrbio, mas a luta só teve fim com a chegada do Comandante Superior da Guarda
Nacional, que conseguiu reunir a tropa dispersa e prender os responsáveis pelo início do
conflito. 13
Não eram só estes, no entanto, os problemas da polícia em relação aos capoeiras.
Outra transformação que a capoeira sofreu foi a inclusão das facas, navalhas, paus e
chapéus de sol – este último instrumento utilizado com galhardia especificamente no
Recife, de onde se originou o costume de se usa- las no “passo” do frevo –, tornando-os
especialmente perigosos. Gilberto Freyre acredita que o fenômeno ocorreu com a
chegada de D. João VI, que, por medo dos capoeiras existentes no Rio de Janeiro, fez
com que houvesse uma contínua repressão a eles. 14 Realmente, o fato de viverem em
um ambiente urbano, com acesso fácil a estes objetos e de terem que travar lutas com os
sabres da polícia, certamente influenciou a sua utilização. Além disso, a capoeiragem
não ficou restrita aos escravos ou libertos. Muitos livres eram presos nos conflitos de
ruas entre diferentes partidaristas das bandas de música, o que certamente contribuiu
para que estes introduzissem elementos diferentes à capoeira.
Entre os livres contava-se autoridades policiais, como o subdelegado de Afogados
do início do século XX, capitão Ponciano de Macedo – além de capoeira, homem de cor
– e o subdelegado da freguesia do Recife, da mesma época, José Pedro dos Santos
Neves, conhecido por Zeca, que se servia de suas habilidades para enfrentar os
desordeiros e gatunos de seu distrito – embora no seu caso detestasse navalha. 15
Por outro lado, um capoeira não era identificado apenas pelas armas que portava,
mas principalmente por saber “jogá-las”. O Recife de então oferecia muitos lugares

13
DP, 28/01/1875.
14
G. Freyre, Sobrados e mocambos, p.519; cf. tb. Valdemar de Oliveira, op. cit., p.78.
15
Oscar Mello, O Recife sangrento, pp.103-104 e 119.
129

propícios, distantes do olhar da polícia, para os capoeiras se exercitarem. Muitos, a bem


da verdade, não se davam nem ao trabalho de se adestrarem em lugares isolados, como
no caso de alguns indivíduos, que na rua do Rosário executavam ...jogo de capoeira e
faquista, atropelando os transeuntes... 16 . Os conflitos em torno das bandas deviam ser o
corolário dessas práticas, quem sabe até a iniciação de muitos. Costumavam
acompanhá- las indo sempre à sua frente, em qualquer ocasião, fosse simples
treinamento dos Corpos de Linha ou da Guarda Nacional, em alguma solenidade
pública, quando havia retretas, ou até mesmo em procissões religiosas. Esperavam,
nesse ínterim, o retorno das bandas para o quartel, e aí, então, fechava-se o tempo e
trovejava o pau.17

Grande rôlo – Quando antehontem, á tarde, regressava para o seu quartel


da rua do Hospício, a guarda de honra do 14º batalhão de infanteria de linha,
que tinha ido acompanhar a procissão do Senhor Bom Jesus dos Afflitos,
sahida da igreja de S. Gonçalo, na freguesia da Bôa-Vista, travou-se um
grande rolo entre a molecagem que precedia a musica, e querendo uma força
dos guardas cívicos, que ia acompanhando a mesma musica, apasiguar o
conflicto, voltaram-se os sucios contra os policiaes, que foram accometidos a
páo e pedra, sahindo alguns contusos e feridos. 18

Segundo Edson Carneiro, os capoeiras desapareceriam do cenário recifense por


volta de 1912, mas ainda em 1915 foram apreendidos 17 chapéus de sol no distrito de
Santo Antônio 19 , objetos muito utilizados pelos capoeiras como arma, que de início
serviam como uma forma de não chamar a atenção da polícia, como ocorria com os
paus e as navalhas.
Os capoeiras não podem ser reduzidos a meros joguetes nas mãos de alguns
indivíduos pertencentes às elites locais, como no caso dos brabos e capangas, tanto
assim que sempre estiveram na mira da repressão do Estado, que lhes destinava o
recrutamento forçado no Exército ou na Marinha como punição. Tinham algo de lúdico

16
DP, 02/08/1883.
17
Idem, 07/07/1877, 09/04/1885 e 02/09/1886; A Província, 11/09/1901, 04/10 1901 e 06/10/1901.
18
Jornal do Recife, 29/03/1881.
19
Cf. Edson Carneiro, op. cit., p.142 e APEJE, Fundo SSP, 1ª Delegacia da Capital, ofício de 08 de abril
de1915.
130

e desafiador à ordem instituída. Era como um canal de extravasamento para as


insatisfações das classes pobres que vinham à tona em forma de violência. 20 Estavam no
limite entre a rebeldia popular e a criminalidade. Embora muitos fossem reconhecidos
criminosos com passagem pela polícia, deve ser ressaltado o fato que os conflitos de rua
não eram aproveitados para se fazer assaltos ou saques às lojas, ainda que os
comerciantes pudessem ter prejuízos com o quebra-quebra entre eles e a polícia, e os
transeuntes saírem feridos. Na batalha entre a rebeldia e a violência, o lúdico sairia
vencedor: os capoeiras dariam os principais contornos ao que seria o frevo, tanto no
passo, como na inspiração aos dobres nervosos, quentes, cheios de frevura recifense.

Retirantes, marinheiros e estrangeiros

Além dos escravos e dos capoeiras, outros motivos de preocupação existiam para
a polícia tentar assegurar o nível de ordem desejado pelas elites locais. A população da
cidade crescia em decorrência das migrações dos Estados vizinhos: de 13 a 14% no
início do século XIX, alcançando a cifra de 39% entre 1890 e 1910. Algumas das
principais causas dessas imigrações foram as secas e as transformações ocorridas na
produção de açúcar com as usinas, que ao concentrar mais intensamente terras para o
plantio da cana, expulsaram os camponeses que viviam como posseiros nessas terras –
uma grande parte deles, ex-escravos. 21
A seca de 1877-79, por exemplo, levou cerca de 20 mil retirantes para o Recife na
esperança de conseguirem auxílio do governo, o que deve ter causado um desconforto
geral na população da cidade, até porque as péssimas condições de higiene em que
foram alojados favoreceram a aparição e propagação de doenças pela cidade. Como
medida de prevenção a possíveis desordens e saques que pudesse haver, as autoridades
os distribuíram pelos alojamentos do Arsenal da Marinha, localizados em Santo Amaro
e nos Coelhos. Essas apreensões tinham como fundamento o número de crimes que
havia aumentado em toda a Província de 283, no ano de 1876, para 486 entre os meses

20
Thomas Holloway, op. cit., p.130.
21
Cf. Robert M. Levine, A velha usina, pp.44-45, 95.
131

de janeiro a novembro de 1877. 22 A criminalidade continuou com os índices elevados


durante os anos seguintes, chegando a 650 crimes registrados em 1878. 23 Era uma
situação em que as autoridades policiais viam a necessidade de se manterem vigilantes e
do governo socorrer as vítimas para que a segurança pública não fosse afetada. 24
Embora a situação estivesse sobre controle na capital, vez por outra surgiam
desavenças entre os retirantes que terminavam em crimes, causados por motivos tão
corriqueiros quanto os que ocorriam entre a população pobre, chamando a atenção do
público mais por ser de um grupo estranho à cidade:

Assassinato e ferimento – No povoado de Apipucos, no domingo (5 do


corrente), cerca de 6 horas e meia da tarde, n’um grupo de retirantes que alli
residem, travaram-se de razões alguns que jogavam, e passando á luta, o de
nome Bento Coutinho de Lyra assassinou com uma facada no coração, ao
chamado Innocencio de tal, e ferio gravemente á José Gomes Correia.25

Em julho de 1878, a Comissão Central de Socorros iniciou a retirada dos


flagelados da seca fornecendo-lhes passagens de volta pela Recife-São Francisco
Railway, conseguindo reduzir o número para dois mil em dezembro do mesmo ano.
Como uma forma de controlar, disciplinar ao regime do trabalho e aproveitar esta mão-
de-obra liberada pela catástrofe da seca, o governo empregou os retirantes em diversas
obras públicas pela Província toda, no caso do Recife, na construção do Hospital Pedro
II e no aterro do passeio público ao lado do Ginásio Pernambucano. Outros retirantes
estabelecidos na capital foram enviados para trabalhar em engenhos recebendo o salário
de 500 réis diários ou meia libra de carne e uma tigela de farinha por dia. 26

22
APEJE, Relatório com que o Exmº. Sr. Dr. Manoel Clementino Carneiro da Cunha passou a
administração dessa província ao Exmº. Sr. Desembargador Francisco de Assis Oliveira Maciel em 15
de novembro de 1877.
23
APEJE, Relatório com que o Exmº Sr. Dr. Adelino Antonio de Luna Freire, 1º vice-presidente, passou
ao Exmº Sr. Dr. Adolpho de Barros Cavalcante de Lacerda, presidente effectivo, a administração desta
província a 20 de maio de 1878. Os números de crimes aparecem diferentes desses na Falla do presidente
da província de 1886. Nele, o ano de 1876 aparece com 496 crimes, o de 1877 com 583 e o de 1878 com
522, cf. Falla com que o presidente da província Conselheiro José Fernandes da Costa Pereira, dirigio á
Assembléia Legislativa de Pernambuco no dia de sua instalação, a 6 de março de 1886.
24
Idem.
25
DP, 04/10/1879.
26
Emília V. R. G. de Hounie, De retirante a trabalhador, pp.67-69, 76-77 e 101.
132

Havia também os marinheiros nacionais e estrangeiros que aportavam na cidade


em busca de diversão, percorrendo as tavernas, os hotéis, os cafés, e que acabavam
muitas vezes envolvendo-se em brigas, principalmente por conta de embriaguez e
mulheres. Era comum no tempo do Império os próprios cônsules de seus países pedirem
a prisão de seus cidadãos (ver tabela 2). Geralmente a polícia agia energicamente contra
os desordeiros, dando-se cenas de agressão entre ambas as partes, mas, conforme as
conveniências, podia ser bastante condescendente. 27 Os marinheiros do cruzador
“Tymbira”, por exemplo, que armados de facões e navalhas provocavam desordens em
Santo Antônio, foram desculpados pelo subdelegado, que considerou como
verdadeiramente culpados do ocorrido as prostitutas que se reuniam em alguns prédios
do bairro. Na verdade, essa tolerânc ia vinha do fato dos marinheiros do “Tymbira”
terem auxiliado no policiamento do 1º Distrito da Capital durante a época carnavalesca,
prestando valioso concurso a ordem pública, segundo o delegado da circunscrição. 28

O Recife era uma cidade acostumada aos forasteiros: calcula-se que em 1874
possuía 7.877 estrangeiros para uma população de 102.658 nacionais. 29 Em sua maior
parte eram portugueses que viviam do comércio, mas também havia ingleses, franceses,
espanhóis, italianos, árabes, alemães 30 – e até um holandês que esmolava pelas ruas. 31
Neste mesmo ano foram expedidos na Repartição Central de Polícia, 594 registros de
entrada e saída de estrangeiros para toda a Província. 32
O costume com o adventício, no entanto, não retirava das autoridades policiais a
desconfiança dos hábitos novos que traziam consigo, enxergando nos estrangeiros um
outro tipo de vetor do crime e da desordem social, especialmente quando se tratava

27
APEJE, Fundo SSP, 1ª Delegacia da Capital, Ofícios de 26 de dezembro de 1887, 21 de outubro de
1914 e 07 de abril de 1915.
28
Idem, ofícios de 17 de abril de 1915 e 17 de fevereiro de 1915.
29
Mapa Estatístico da População da Província de Pernambuco com Declaração dos Respectivos
Municípios e Freguesias Existentes, apud Hounie, op.cit., p.85.
30
Existem várias referências nos jornais a estrangeiros presos ou envolvidos com a polícia por desordens
ou como vítima de algum delito, como no caso do corpo de um mascate italiano que foi encontrado
boiando no rio Capibaribe, amarrado dentro de um saco, cf. DP, 04/10/1879. Outros casos, cf.
DP,10/12/1870, 04/10/1879, 04/02/1882, 25/04/1882, 09/04/1882, 14/06/1882, 23/01/1884, 06, 09 e
11/06/1905; Jornal do Recife, 18 ou 19/01/1896. No Fundo SSP, 1ª Delegacia da Capital, encontramos
referencia a um roubo praticado a árabes que vendiam miudezas na Ponte da Boa Vista, cf. Ofício de 26
de junho de 1888; e a um espancamento de um inglês por um praça de polícia, cf. Ofício de 16 de
fevereiro de 1892.
31
Cf. DP, 14/06/1871.
32
APEJE, FALLA com que o Exmº Sr. Desembargador Henrique Pereira de Lucena abriu a Assembléia
Legislativa Provincial de Pernambuco em 1º de março de 1875.
133

daqueles de menor posse que entravam no País em busca de trabalho. 33 Um chefe de


polícia da primeira década do século XX, alertava para os perigos que vinham de fora
com a modernização das comunicações com o exterior que se daria a partir da reforma
que o porto do Recife estava passando:

A cidade do Recife augmenta de população e de area e as obras do porto


vão tornal-a ponto de escala obrigatoria de todos os viajantes, que se
destinarem ao sul do paiz e do continente e mesmo aos paizes que ficam do
outro lado dos Andes.
Quero dizer com isto que o Recife vae ser tambem visitado pelos criminosos
errantes, expulsos de todos os paizes, com as notas de caftens, ladroes e
estellionatarios de todos os generos e por esses adeptos da destruição social
que ensanguentam as regioes por onde passam os que soffrem da epilepsia
ao anarchismo (sic). 34 (grifos meus).

A preocupação do chefe de polícia Ulysses Costa, se observarmos bem, é


semelhante às preocupações de seus antecessores em não permitir a degradação das
classes populares, de onde provinham os trabalhadores necessários à classe dominante.
O que houve foi apenas um deslocamento do perigo pressentido no momento histórico
porque passavam: primeiro os ex-escravos, que trariam consigo os vícios do cativeiro
que, contraditoriamente, os tornariam pouco dados ao trabalho, e que facilmente
poderiam torná- los criminosos, caso não fossem redisciplinados. No caso do chefe de
polícia da oligarquia Rosa e Silva, outros perigos colocaram-se no lugar do problema
imediato de substituição de mão-de-obra, com a propagação do anarquismo pelo
mundo, que entrara no Brasil pelas mãos dos imigrantes italianos. 35

33
O medo causado pelos estrangeiros foi uma constante entre as autoridades da época, especialmente das
regiões de forte imigração como São Paulo e Rio de Janeiro, que viam neles um dos grandes culpados
pelo aumento e divulgação de novas formas de criminalidade , cf. Marcos Bretas, Ordem na cidade,
pp.69-70.
34
APEJE, Relatórios dos Chefes de Polícia, Relatório apresentado ao Exmº Sr. Dr. José Osório de
Cerqueira, M. D. Secretario Geral do Estado, pelo Dr. Ulysses Gerson Alves da Costa, Chefe de Polícia,
em 20 de fevereiro de 1910.
35
Encontramos várias referencias nos jornais a italianos que residiam no Recife. A maioria trabalhava
como mascate e havia uma comunidade deles vivendo na freguesia da Boa Vista, no período imperial:
Rua dos Coelhos – Desta rua se nos queixam alguns moradores contra diversos italianos que alli
residem, os quaes, toucando-se (sic) todas as noites, fazem um barulho infernal, e vociferam com termos
indecorosos, ofendendo a moral publica e perturbando o repouso dos vizinhos. (DP, 04/02/1882). Talvez
134

Mesmo quando ainda se tentava trazer imigrantes estrangeiros para trabalharem


na lavoura de Pernambuco, o governador Barbosa Lima alertava aos que consideravam
esta a melhor solução para abastecer o Estado de mão-de-obra, sobre os males e
complicações morais e sociais que esses imigrantes portadores de mil modalidades do
socialismo e da anarquia, poderiam trazer para a população local. 36
Em comum essas autoridades encarregadas de manter a ordem da cidade tinham o
fato de ve rem a criminalidade como uma forma dos pobres fugirem do mundo que
moralmente lhes cabiam – ou seja, o mundo do trabalho. Estava claro para elas que o
progresso trazia no seu rastro ou à sua margem, o desenvolvimento do crime e o perigo
do contágio àquela parte da população que imersa na ignorância e ociosidade, poderiam
prontamente transformar-se em agentes de desordem:

Nas cidades desaparece o roubo á mão armada, que perdura nos campos,
onde não são conhecidos os processos de astucia, os trucs que florescem ao
lado da civilização dos povos modernos. 37

Era gente como os vigaristas Cayro e José Gama, famosos como batedores de
carteira, os quais foram presos ao passarem pelo Recife em direção ao sul do País, que a
polícia de fins do século XIX e principalmente do início do século XX, procurava
manter-se atenta. 38 Os jornais alertavam para o surgimento ...nesta Capital, vindos de
outros Estados, [d]estes audaciosos individuos... 39 , que ...usam vinte nomes, da mesma
forma que outras tantas vezes conseguem mudar de physionomia.40 Esse novo tipo de
criminoso associado ao modo de vida urbano, denominado de gatuno, tem um
crescimento rápido a partir dos primeiros anos do século XX (tabela 2). Raramente

ainda na época de Ulysses Costa houvesse muitos pela cidade, o que levasse ao chefe de polícia a manter
suas precauções contra ... esses adeptos da destruição social. No final dos anos de 1890, entraram em
Pernambuco 117 imigrantes, em sua maior parte italianos, franceses, belgas e alguns espanhóis, a maioria
constituída por artesãos, artífices e comerciantes. Muitos não se adaptaram as condições de trabalho na
lavoura e retornaram para a Europa ou foram para o Rio de Janeiro. Pode ser que alguns desses tenham
também se estabelecido no Recife. Peter Eisenberg, op. cit., p.216; cf. tb. DP, 04/10/1879, 06/06, 09/6, e
11/06/1905; e Jornal do Recife, 18 ou 19/01/1896
36
Apud Peter Eisenberg, op. cit., p.224.
37
APEJE, Relatórios dos Chefes de Polícia, Relatório apresentado ao Exmº Sr. Dr. José Osório de
Cerqueira, M. D. Secretário Geral do Estado, pelo Dr. Ulysses Gerson Alves da Costa, Chefe de Polícia,
em 20 de fevereiro de 1910.
38
DP, 20/02/1910.
39
DP, 06/06/1905.
40
DP, 06/01/1901.
135
136

usava de violência para conseguir os seus intentos, mas antes se aproveitava da própria
fraqueza de suas vítimas, que seduzidas por promessas fáceis de dinheiro ou pela
aparência de muitos que se passavam por homens da classe média, deixava-se ser
enganadas facilmente. Como os dois vigaristas, não ficavam por muito tempo em uma
mesma cidade, mas vagavam de um lugar a outro aplicando seus golpes. Vittorio Rossi,
por exemplo, era um gatuno de nacionalidade italiana, de 28 anos, que junto com seus
comparsas estavam hospedados no Hotel Louvre, na freguesia do Recife. Vittorio e seus
companheiros haviam chegado recentemente na cidade no vapor “Desterro”. Um outro
gatuno, Arthur de Paiva Martins, já conhecido no Rio, foi preso por aplicar um golpe
em um paraibano, ...que ignorante caiu em uma dessas ciladas ultimamente postas em
práticas pelos gatunos estrangeiros aqui [ilegível] existentes e já expulsos do Rio de
Janeiro. 41
Para combatê- los a polícia via-se na necessidade de também se modernizar,
mantendo-se em comunicação com as polícias de outros Estados, utilizando-se de
recursos novos que facilitassem a identificação dos indivíduos, como a fotografia e a
datiloscopia. Era, portanto, um departamento da administração pública que não podia
prescindir de recursos – o que invariavelmente ocorria –, pois dela dependia ...a
segurança da vida e da propriedade de todos os individuos e a estabilidade da ordem,
condição indispensavel ao desenvolvimento econômico dos povos.42 (grifos meus).

As armas proibidas

Agravando o problema de aumento da população e dos novos tipos de


criminalidade que chegavam com maior rapidez ao Recife, existia a dificuldade de se
manter ordeiro um povo acostumado a andar e abusar do uso da arma. Era um assunto
delicado para as autoridades que se viam entre ter que expropriar o cidadão do direito de
usar uma arma para sua própria defesa – o que era comum entre todas as classes sociais
– e permitir que crimes fossem cometidos muitas vezes apenas pelo indivíduo estar

41
DP, 06/06/1905 e APEJE, Fundo SSP, 1ª Delegacia da Capital, Ofício de 30 de junho de 1887.
42
APEJE, Relatórios dos Chefes de Polícia, Relatório apresentado..., por Ulysses Gerson Alves da Costa,
em 20 de fevereiro de 1910.
137

armado num momento de desavença passageira, o que ocorria com freqüência em


ocasiões de festa. Para o chefe de polícia Manoel dos Santos Moreira, configurava
...uma desapropriação violenta feita ao direito de propriedade, embora reconhecesse os
malefícios do porte de armas generalizado 43 . Na sua gestão haveria um esforço maior
por parte dos subdelegados em desarmar a população (tabela 2).
Certamente, esta “desapropriação violenta” acontecia principalmente quando se
tratava de indivíduo de alguma posição social. Pela tabela 3 podemos ver que a maior
parte das armas apreend idas em Pernambuco no ano de 1909 foi de facas de ponta e
punhais, as quais eram utilizadas principalmente pelas camadas pobres da população. Já
o número de armas de fogo apreendidas, mais utilizadas por homens com maior poder
aquisitivo, é irrisória, o que pode significar uma diferenciação na apreciação da polícia
entre quem poderia ou não estar de posse de uma arma.
De fato, a baixa apreensão de armas de fogo pode estar relacionada a maior
dificuldade da policia em controlar o uso delas por parte de pessoas que se
apresentavam idôneas diante das autoridades. Enquanto as facas de pontas, navalhas,
compassos, eram apreendidas dos freqüentadores habituais da Casa de Detenção, as
armas de fogo eram principalmente encontradas com trabalhadores ou proprietários, e
só mesmo depois de algum incidente sério é que se procuraria tomar alguma
providencia a respeito – isto quando havia interesse. No Mercado de São José, por
exemplo, depois que um talhador de carne disparou acidentalmente um revólver
acertando um caixeiro, um jornal denunciou que quase todos que ali trabalhavam
portavam ilegalmente esse tipo de armas. Certamente a polícia tinha conhecimento
disto, pois o mercado era um local vigiado tanto por guardas municipais quanto por
praças de polícia. 44
Um outro acontecimento pode ilustrar como a ação da polícia em apreender uma
arma de fogo de alguém de alguma posse, poderia ser prejudicada pelos laços de
clientelismo que possuía. Victor Polycarpo de Lima, dono de uma casa de bilhar no
Pátio do Carmo, era oficial da Guarda Nacional e portanto tinha direito a usar uma

43
APEJE, Relatórios dos Chefes de Polícia, Relatório apresentado ao Exmº Sr. desembargador
Sigismundo Antonio Gonçalves, Governador do Estado de Pernambuco, pelo chefe de polícia Dr. Manoel
dos Santos Moreira, 1905.
44
DP, 15/06/1882.
138
139

arma. Ocorre, no entanto, que Victor, em meio a uma briga com um outro indivíduo,
atirou neste, sendo o fato presenciado por várias pessoas, inclusive o agente de polícia
Manoel Damião que se achava presente no local. Victor foi preso em flagrante pelos
marinheiros do Tymbira que o conduziram ao subdelegado da freguesia de Santo
Antônio. Não podendo provar na ocasião que era oficial da Guarda Nacional, Victor foi
preso na Casa de Detenção, e só depois enviado ao Estado Maior de um dos regimentos
da Força Pública. Nesse meio tempo, o subdelegado constatou que a arma objeto do
crime não havia sido apreendida, e providenciou para que um auxiliar seu acompanhado
de dois praças fosse ao bilhar buscar o revólver. Chegando lá, entretanto, o agente de
polícia Manoel Damião impediu a entrada do representante do subdelegado, alegando
ser ele também autoridade policial, e facilitou, desta forma, o desaparecimento da arma
através de um parente do criminoso. 45 A atitude de Manoel Damião, inclusive o fato
dele não ter movido uma palha na prisão de Victor Polycarpo, revela como os interesses
particulares dos policiais, mesmo de agentes de menor peso na hierarquia, podiam
atrapalhar bastante o bom andamento do serviço policial. Ele já era conhecido pelo
subdelegado de Santo Antônio como um policial irregular, mas apenas a partir desse
confrontamento com a sua autoridade é que o subdelegado exigiu providências ao
delegado do 1º distrito a seu respeito.

Os conflitos entre Exército, Marinha e Polícia

Uma outra tarefa difícil de ser levada adiante era a de manter a disciplina entre as
próprias forças públicas. Certamente os partidarismos que envolviam as bandas de
música marciais alimentavam, ajudando a aumentar, a natural disputa entre elas, mas as
desavenças entre as praças das diversas corporações – Exército, Marinha e Polícia –
eram um problema, sobretudo, que tinha procedência na própria origem e formação
desses militares que apresentavam um grau de coesão e disciplina bastante precário.
Com exceção da polícia, os componentes das outras forças eram em grande parte
recrutados compulsoriamente entre os homens válidos entre 18 a 35 anos, presos por

45
APEJE, Fundo SSP, 1ª Delegacia da Capital, Ofício de 29 de março de 1915.
140

crimes como a capoeiragem ou a vadiagem – categoria que incluía os ladrões, ébrios e


desordeiros. Em 1875, a lei de recrutamento é alterada no sentido dos novos recrutas
serem escolhidos por sorteio e não mais através do critério de renda, o que gerava
muitas vezes perseguições de origem pessoal ou política. Com isso, teoricamente,
qualquer cidadão – rico ou pobre – poderia ser chamado a servir ao Exército, o que,
segundo um presidente da Província, seria favorável à disciplina e à moralidade do
Exército, pois afastaria dos seus quadros os vadios e pervertidos que até então tinham
servido para afugentar a flor da nação.46 A lei, entretanto, não pegou, e uma outra seria
editada com Hermes da Fonseca assumindo o Ministério da Guerra, em 1906; mas só
viria a ser efetivamente cumprida posteriormente com a campanha deflagrada por
jovens militares que haviam recebido treinamento no exército alemão, e que por isso
passaram a ser conhecidos como “turcos”. 47
Outro receptáculo de indisciplinados era a Escola de Aprendizes Marinheiros e o
Arsenal de Guerra, para ond e muitos menores considerados incorrigíveis eram enviados
por seus pais ou tutores através de solicitação feita a alguma autoridade policial. 48 Os
membros da polícia, por outro lado, embora se engajassem voluntariamente, recebiam
uma das piores remunerações da época – só ia ser policial quem não tinha uma profissão
certa. Muitos complementavam sua renda fazendo bicos. Com freqüência esses soldados
e marinheiros eram pegos cometendo crimes ou desordens. 49
De acordo com as estatísticas oficiais, das três forças, a que tinha maior rejeição
por parte de seus próprios membros era o Exército: em 1876, por exemplo, desertaram
em Pernambuco 34 soldados, contra quatro da Marinha e apenas um da Polícia. 50 Mas
com toda certeza, era a polícia a corporação mais rejeitada tanto pelos militares quanto
pelos civis. Isto se explica pelas próprias funções que desempenhava: de vigiar a
população e reprimir as desordens, o que significava muitas vezes intervir nos
divertimentos populares. Mas principalmente as arbitrariedades freqüentes que

46
APEJE, FALLA com que o Exmº Sr. Desembargador Henrique Pereira de Lucena abrio a Assembléia
Legislativa Provincial de Pernambuco em 1º de março de 1875.
47
José Murilo de Carvalho, As Forças Armadas na Primeira República, p.195.
48
Idem, Fundo SSP, 1ª Delegacia da Capital, Ofícios de 27 de março e 6 de outubro de 1890.
49
Cf. DP, 20/06/1876, 12/10/1877, 27/08/1881, 07/12/1881, 12/02/1901; Jornal do Recife, 29/05/1877,
30/09/1886, 09/10/1886, 11/01/1896, 04/09/1887; Fundo SSP, Minutas de 03 de dezembro de 1884 e 31
de maio de 1887.
50
APEJE, FALLA com que o Exmº Dr. Manoel Clementino Carneiro da Cunha abrio a sessão da
Assembleia Legislativa Provincial de Pernambuco em 2 de março de 1877.
141

cometiam, o que veremos mais adiante, tornava-a a campeã da antipatia popular. O


delegado do 1º Distrito da Capital, por exemplo, reclamava ao chefe de polícia
providências em relação aos menores da Escola de Aprendizes Marinheiros que todas as
vezes que a patrulha do destacamento do Recife passava em ronda durante a noite era
vaiada por eles. Sentimento de rejeição esse acompanhado por soldados do Exército e
por populares, que igualmente vaiaram um praça de polícia em um parque, quando este
cumpria uma ordem de prender um indivíduo que havia agredido um empregado do
carrossel. 51
Não que os praças de polícia não participassem dos folguedos populares, ou que,
por sua vez, os soldados de linha e marinheiros não cometessem abusos contra a
população – lembrando que por vezes os soldados de linha também auxiliavam no
policiamento local52 –, mas era bem mais difícil o povo se identificar com a polícia.
Enquanto o Exército e a Marinha tinham um halo patriótico, ressaltado pelos recentes
feitos da Guerra do Paraguai e pela Proclamação da República, a polícia era o agente
cotidiano da repressão. As autoridades compreendiam que a imagem do Exército e da
Marinha estava diretamente relacionada com a República, e tentavam cultivá- la entre a
sociedade civil, especialmente no que se tratava do Exército, através dos Tiros e do

51
APEJE, Fundo SSP, 1ª Delegacia da Capital, Ofício de 25 de abril de 1914 e 3ª Delegacia da Capital,
Ofício de 17 de janeiro de 1912.
52
Um exemplo dos excessos cometidos por soldados de linha contra civis, denunciados no Jornal do
Recife de 30/12/1880:
Caso grave – (...) Tendo ido assistir ao espetáculo do circo Pavilhão, voltava para sua casa no Recife, ás
11 horas e meia da noite, quando ao chegar ao meio da ponte Sete de Setembro sahio ao seu encontro
um soldado de tropa de linha, que estava sentado escondido no gradeamento elevado, (...) e lhe pedio um
cigarro.
Respondeu que não fumava cigarros mas cachimbo, que lhe daria fumo se quizesse.
Nisto approxima-se-lhe um outro soldado que lhe pergunta de onde vinha.
Respondeu que do circo.
Então disse o primeiro, que deviam correl-o [revistá-lo] para ver se trazia armas prohibidas, e assim o
foram fazendo, tendo o segundo, por ficar com as mãos livres, atravessado na boca uma faca de ponta
que trazia empunhada, talvez para a hypotese de encontrar resistencia.
O resultado da revista foi tirarem tudo o que tinha de valor o transeunte, feito o que o mandaram seguir:
Mal tinha dado alguns passos quando ouve gritos de socorro.
Era dado por uma pobre mulher a quem os mesmos soldados acabavam de agarrar e procuravam forçal-
a.
Com receio de que apparecesse alguem, a foram arrastando para o lado do Recife, vindo ajudal-os
nesta tarefa um outro soldado, que estava perto do Arco da Conceição.
Sempre gritando e se debatendo, teve a pobre mulher a felicidade de ser ouvida no corpo da guarda da
Alfandega, de onde veio um inferior a toda a pressa e á sua chegada os dous primeiros soldados fugiram
para o bairro de Santo Antonio e o terceiro voltou para aquella guarda.
Já tinham, porém, neste ínterim, acudido algumas pessoas, que apitavam debalde sem apparecer um só
policial.
142

ensino obrigatório de instrução militar nos colégios secundaristas, imposta em 1908


pelo então ministro da Guerra, Hermes da Fonseca. 53
Os praças de ambas as forças, obviamente, deviam refletir os ideais de harmonia e
progresso que o novo sistema de governo prometia trazer; por isso, os conflitos entre
eles eram vistos com maior gravidade no início da República. O fato, no entanto, é que
as relações entre as duas corporações não correspondiam aos desejos de fraternidade
que os dirigentes do novo governo esperavam. As rivalidades profissionais e a disputa
por parte mais significativa dos benefícios do poder, faziam com que a Marinha não
aceitasse de bom grado o destaque de seus colegas do Exército. Por outro lado, o
recrutamento mais elitizado de seus oficiais e a sua identificação maior com a elite civil
dos tempos do Império, fez com que fosse logo de início vista com precaução pelo
Exército e recebesse menos atenção no que dizia respeito aos salários. Isto terminava
por refletir também entre o relacionamento de seus praças. 54
Depois de uma briga entre dois imperiais marinheiros com algumas praças do 2º
Batalhão de Infantaria, os dois marinheiros e um dos soldados saíram feridos.
Inconformados, treze marinheiros voltaram ao lugar do conflito na esperança de
encontrar algum soldado do referido batalhão e ir à desforra. Sabendo disso, o delegado
seguiu imediatamente ao local, mas não encontrou ninguém. Em ofício ao chefe de
polícia expunha, no entanto, sua preocupação quanto ao acontecido:

...era urgente uma providencia para prevenir nova lucta entre as praças do
mar e terra, cuja fraternisaçao (sic) devia ligal-as na mais estreita amisade
(sic), no momento actual quando o exercito e armada unidos ao povo forão a
praça publica e com o urgente brado de “viva a republica” fizerão
desapparecer do sollo brasileiro a velha instituição, neste momento não é
conveniente que exista entre uma e outra força o menor ódio, [prevenção], ou
revalisação (sic) que venha [empanar] o brilho do glorioso feito de 15 de
novembro...55

53
Cf. Raimundo P. A. Arrais, op. cit., pp.141, 142-143.
54
José Murilo de Carvalho, op. cit., pp.224-226.
55
APEJE, Fundo SSP,1ª Delegacia da Capital, Ofício de 06 de outubro de 1890.
143

Cumprido o que entendia ser um dever patriótico, o delegado reuniu o


comandante do Arsenal da Marinha e do 2º Batalhão de Infantaria, colocando-os a par
dos acontecimentos e deixando a eles a tarefa de punir os culpados. 56
Por outro lado, o Exército era capaz de publicamente enfrentar as autoridades
civis, como fez o comandante do 2º Batalhão de Infantaria, o tenente-coronel Alexandre
Augusto de Frias Villar, preso por ter se recusado a participar do cortejo do Dia da
Independência ante a efígie do imperador, dando ordens aos seus comandados que o
imitassem, não fazendo a continência obrigatória ao presidente da Província quando a
tropa marchou em frente ao palácio. 57 Demonstrações de desafio por parte do Exército
teríamos ainda muitas, até ser proclamada a República.
Já a polícia, diretamente subordinada ao poder local, estava invariavelmente ao
lado da situação e, como seu braço armado, se confundia com seus objetivos. Nada mais
emblemático do que o episódio da campanha política entre o continuísmo representado
pela oligarquia Rosa e Silva e o salvacionismo do general Dantas Barreto, onde se
contrapôs a polícia e o Exército em verdadeiras batalhas campais. 58 Era natural que o
povo sentisse neste uma força que estava mais próxima de seus interesses e a única que
podia enfrentar a tirania dos poderosos, e visse na polícia a face mais visível desses
mesmos poderosos, que sozinho não sabia enfrentar. Queimar um judas travestido de
polícia em praça pública, expressava bem o sentimento de repulsa popular aos agentes
da repressão rosista. 59
As desavenças ocorridas entre soldados de linha, marinheiros e policiais, por
outro lado, era um assunto grave pois provocava animosidade também entre as
autoridades de hierarquia mais elevada. Nesses momentos as discordâncias poderiam vir
à tona e transformar um assunto meramente disciplinar em um problema maior. Um
incidente entre um grumete e praças da Guarda Cívica, originou uma dessas polêmicas.
O grumete Raymundo Damião dos Santos era conhecido da polícia como desordeiro, há
pouco saído da Casa de Detenção por crime de roubo, tendo já cumprido sentença por
deserção. De fato, o grumete Raymundo parecia não ser um exemplo de disciplina

56
Idem, ibidem.
57
DP, 10/09/1873.
58
Sobre a campanha salvacionista de 1911 e a participação do Exército e da polícia vide Costa Porto, Os
tempos da República Velha, pp.143-299, e Raimundo P. A. Arrais, op. cit., principalmente no que se
refere a maior vinculação cultural das classes populares com o Exército, pp.111-114.
59
Cf. Costa Porto, op. cit., p.296.
144

militar, pois suas costas exibiam diversas cicatrizes dos castigos corporais infligidos
pela Marinha. Tudo indica que o grumete tenha entrado em atrito com alguns guardas
cívicos depois de ter aprontado alguma, e esses tenham dado uma surra no marinheiro
ao tentar prendê- lo. O fato gerou censuras da parte do comissário da Escola de
Aprendizes de Marinheiro, que em documento oficial fez considerações pouco elogiosas
à atuação da polícia.
O chefe de polícia, por sua vez, não gostou nada da atitude do comissário,
considerando-a como uma afronta direta ao governo provincial. Em ofício ao Capitão
Comandante da Escola de Aprendizes de Marinheiro, devolvia a parte oficial contendo a
exposição do comissário, o qual deveria constar do processo contra os guardas cívicos,
alegando que

...alem de divagaçoes extemporaneas e alheias ao facto envolve censuras


pungentes ao governo e a esta chefatura a quem é directamente subordinado o
guarda cívico. Parece-me que sendo o Sr. comissario official militar não lhe é
permittido, em documento publico analisar o procedimento das autoridades
superiores da provincia e de imediata confiança do Governo Imperial. Se os
soldados de polícia não procederão regularmente se cometerão faltas ou
mesmo crimes, devia o seu comissário limitar-se a narrar o facto mostrar o
mau procedimento da força porem deveria abster-se de consideração
offensivas (sic) e de emitir em documento official seu juiso sobre o pessoal que
compõe a força publica, por que vai nisso uma censura ao governo que por
intermedio de autoridade de sua imediata confiança, mantem esse pessoal,
censura que esse comissário não pode fazer, no seu caracter de militar. 60

Seria necessário ainda muito tempo para que os conflitos que chegavam às vias de
fato entre os praças das diversas corporações fossem extintas completamente. Isto só
aconteceria com as modificações que posteriormente haveria no ensino militar e no
recrutamento, e com as reformas nos regulamentos militares, 61 que proporcionariam,
entre outras coisas, o fim dos castigos físicos, promovendo uma maior socialização e
disciplina entre os soldados.

60
APEJE, Fundo SSP, Minutas, ofício de19 de novembro de 1885, p.231.
61
Edgar Carone, A Primeira República, pp.249-255 e José Murilo de Carvalho, op. cit., pp.189-195.
145

A polícia nas ruas

Na tentativa de superar essas dificuldades e de preservar a ordem pública, ainda


no Império buscou-se melhorar a situação com a criação de uma força específica para
fazer o policiamento da cidade – no caso, a Guarda Cívica. Criada pouco tempo depois
da reclamação do deputado Domingos Pinto, o chefe de polícia passava a dispor
diretamente de uma força policial, distribuindo-a conforme achasse mais conveniente.
No primeiro ano em que começou a funcionar, os policiais da Guarda Cívica
foram distribuídos em estações que serviam como postos de vigilância, pelas quatro
maiores freguesias da capital (quadro 3). A primeira estação ficava em Santo Antônio,
na Praça da Concórdia; a segunda no Recife, na rua do Comércio; a terceira em São
José, na rua das Lomas Valentimas (antes chamada de Águas Verdes); e a quarta
estação na Boa Vista, na rua de Santa Cruz. 62
Coube a São José o maior número de praças a serem distribuídos em seus dois
distritos policiais – o que significava possuir duas subdelegacias – talvez por ser ela a
maior freguesia em extensão. Embora menos comercial que as outras principais
freguesias, esse cuidado com São José pode ser explicado por suas próprias
características. Suas ruas sinuosas e estreitas, cheias de becos escuros, tornavam- na
naturalmente um lugar propício à prática de crimes. Segundo bairro mais populoso da
cidade, possuía um número elevado de vendas – cerca de 109 contra 54 do bairro do
Recife e 105 da Boa Vista –, principalmente as que comercializavam bebidas, e desta
forma eram freqüentes os distúrbios nela. Apesar da freguesia de Santo Antônio contar
com o número mais elevado de vendas – 127 –, era em São José que funcionava o
Mercado Público, local onde freqüentemente ocorriam desordens, apesar das normas
impostas para que se tornasse um ambiente disciplinado. 63

62
APEJE, Almanak administrativo, mercantil, industrial e agrícola da Província de Pernambuco de
1882.
63
Idem, Almanak... de 1873 e 1879.
146

Quadro 3
Nº de praças da Guarda Cívica distribuídas
pelas 4 freguesias principais da Capital (1877)
_____________________________________

Freguesias Praças
Recife 22
Santo Antonio 25
Boa Vista 25
São José 28
______________________________________
Fonte: APEJE, FALLA com que o Exmº Dr. Clementino
Carneiro da Cunha Abriu a sessão da Assembléia
Legislativa de Pernambuco, em 2 de março de 1877.

Embora o policiamento do Mercado Público de São José fosse da competência da


Guarda Municipal, o chefe de polícia também tinha ingerência sobre ele. O fato de
haver duas forças policiais intervindo no mesmo espaço, no entanto, não era garantia de
maior eficiência no policiamento. Roubos, brigas, jogos, uso de armas proibidas – tudo
isto ocorria com uma freqüência maior que a esperada em um ambiente projetado para
substituir a confusão característica das feiras livres. Mesmo à noite, quando o
policiamento deveria ser mais fácil uma vez que não havia mais movimento, era
precário, como demonstra o fato de ladrões terem conseguido entrar depois do
expediente e levado uma boa quantidade de mercadorias pertencentes aos locatários. O
jornal que publicou a notícia levantava a questão se não seria obrigação da Câmara
Municipal indenizar aos comerciantes pelos danos sofridos, afinal era responsabilidade
de seus agentes resguardarem as propriedades ali existentes. 64
Por outro lado, os comerciantes protegiam-se mutuamente quando a ação policial
recaia sobre algum deles, e a própria administração demonstrava ser complacente com
os deslizes dos comerciantes. Corriqueiramente os agentes municipais, com o apoio do
próprio administrador, interferiam no serviço de policiamento da Guarda Cívica no
local. Certa vez, um talhador de carne da Boa Vista, que andava fazendo desordens em
uma taverna próxima ao Mercado de São José, ao receber voz de prisão de um guarda
cívico, correu e foi refugiar-se na secretaria do Mercado, junto ao administrador. Ao
tentar prendê- lo, o guarda cívico mais um outro praça foram impedidos pelos talhadores
do local que puxaram facas para os policiais. O administrador, então, talvez para

64
DP, 07/11/1881.
147

apaziguar os ânimos, prometeu entregar o talhador a uma autoridade mais graduada com
o devido reforço policial. Só que ao chegar ao local, o subdelegado não encontrou mais
vestígio nem do administrador e muito menos do pris ioneiro, que disseram, tinha fugido
pela janela. Bastante irritado, o subdelegado expunha a situação do Mercado ao
delegado do Recife, reclamando que

...quase sempre que a ação policial é necessária em casos que


continuamente se repetem n’aquelle estabelecimento se torne inutil porque da
parte do pessoal ahi empregado há sempre obstaculos, duvidas e discussões de
forma que o resultado é ficarem impunes os desordeiros e até porque se diz ali
dentro do estabelecimento não se pode fazer punições sem prévia licença do
Administrador, sendo certo que a ordem que é necessária manter-se é
constantemente alterada pela má vontade dos referidos empregados que
sempre se manifestam em oposição a qualquer ato da policia. 65

Outra freguesia dividida em dois distritos era o da Boa Vista, compreendendo o


seu 2º distrito a parte de Santo Amaro. 66 O bairro da Boa Vista além de ser o mais
elegante da capital, possuía o maior número de habitantes, 20.890 pelo censo de 1872 e
80 mil em 1908. 67 Em 1904, esta freguesia contava com 3.852 prédios cadastrados para
pagarem o imposto da décima urbana, sendo 3.509 térreos, 252 sobrados de um andar,
72 de segundo andar e 19 de três andares. Próximo a essa região mais nobre, havia ainda
um número elevado de casas de pau-a-pique e de tábuas contado em 10 mil, localizadas
principalmente em Santo Amaro, tida pelos cronistas da época como um dos lugares de
maior índice de criminalidade do Recife nos primeiros anos da República. 68

65
APEJE, Fundo SSP, 1ª Delegacia da Capital, Ofício de 21 de outubro de 1887.
66
Conquanto no relatório do presidente da Província de 1877, a divisão policial apresentada não
mencionar esta divisão, colocando Santo Amaro separada da Boa Vista, e o presidente enfatizar o fato de
São José ter mais praças por possuir dois distritos, dando a entender que as outras não tinham, pelos
Almanaques de 1873 e 1876 o bairro da Boa Vista já aparecia dividida em dois distritos policiais, sendo
Santo Amaro o seu 2º distrito. Como sabemos que efetivamente Boa Vista veio a ter dois distritos
policiais ainda no século XIX, sendo um deles Santo Amaro, preferimos considerar as informações
contidas nos Almanaques.
67
Apud G. Barroso Filho, op. cit., p.38 e Sebastião de Vasconcellos Galvão, Dicionário chorographico,
histórico e estatístico de Pernambuco, p.73.
68
Sebastião de Vasconcellos Galvão, Dicionário chorographico, histórico e estatístico de Pernambuco,
pp.30 e 289, v.1 e p.169, v.4; Oscar Mello, O Recife sangrento, p.5.
148

Obviamente isto não quer dizer que as freguesias de Recife e de Santo Antonio
fossem descuidadas. Duas áreas de grande importância comercial, sempre tiveram
atenção especial de acordo com as disponibilidades de pessoal dos corpos de polícia que
no momento se encontravam em ação. Em 1890, com a reorganização da Guarda Local,
o delegado solicitava ao chefe de polícia mais praças para o policiamento de Santo
Antônio, lembrando ser esta uma freguesia muito movimentada nas ruas da Roda,
Florentina e adjacências, aonde existiam hotéis, fábricas de cerveja e prostíbulos,
principal causa dos contínuos conflitos ali existente. De fato, a tabela 4 comprova as
preocupações do delegado, pois das quatro principais freguesias, Santo Antônio era a
que tinha maior índice de criminalidade. Em 1914, seriam os próprios comerciantes de
Santo Antônio que pediriam providências para que seus estabelecimentos não fossem
vítimas de uma malta de gatunos que infesta esta cidade. Para atender a medida, o
delegado prontamente requisitou ao chefe de polícia que dobrasse o pessoal disponível,
de 15 para 30 homens. 69
É interessante observar o decréscimo das ocorrências policiais no bairro do
Recife. Uma primeira explicação para o fenômeno pode estar ligada ao fato de ser um
bairro com um número bem menor de casas de bebidas, o que gerava menos problemas
de desordens, item que mais concorria para aumentar o número de prisões. Por outro
lado, devido as grandes casas de importação/exportação e os armazéns de açúcar
estarem instalados ali, fazia com que recebesse uma atenção especial das autoridades,
tendo um policiamento proporcionalmente mais ostensivo do que as outras freguesias.
Algumas fontes, por sua vez, sugerem que sua população sofreu um decréscimo 70 , o que
também explicaria a diminuição em sua criminalidade.
Na verdade, se o policiamento das áreas centrais da capital era alvo de críticas,
mais ainda se queixavam os moradores dos arrabaldes. À medida em a urbanização vai
se expandido, a polícia começa a registrar ocorrências nas áreas mais afastadas do
núcleo central da capital. Isto começa a acontecer primeiramente nas freguesias servidas
pelos trens que circulavam pela cidade (tabela 4).

69
APEJE, Fundo SSP, 1ª Delegacia da Capital, Ofícios de 25 de novembro de 1890 e de 5 de dezembro
de 1914.
70
Os dados demográficos para esse período são muito imprecisos e por isso devem ser levados em
consideração com as devidas reservas. Cf Sebastião Vasconcellos Galvão, op.cit., p.30, v.4.
149
150

Lugares mais rurais que urbanos, formados sobretudo por sítios e chácaras, onde
muitas famílias da cidade alugavam casas para passar as festas de fim de ano, não fosse
pelas comunicações rápidas oferecidas pelas maxambombas, pouco teriam a ver com o
Recife. Para fazer o policiamento dessa região ficavam poucos praças à disposição de
cada subdelegacia. Apenas a freguesia da Graça seria contemplada com uma estação da
Guarda Cívica, quando esta aumentou de cem para 150 homens. 71 Quando a Guarda
Local foi reativada, também houve alguma melhora em subúrbios como o das Graças e
da Várzea, que passaram de 8 a 10 praças a contar com 25. 72
Agravava ainda a situação desses subúrbios o fato de que quando se necessitava
de reforço para o policiamento dos bairros mais abastados, eram deles que se retiravam
os policiais. 73
De um modo geral, no entanto, com freqüência eram encontrados nos jornais
críticas mordazes ao descaso da polícia quanto à segurança tanto da cidade quanto de
seus arrabaldes, muitas delas da própria população, como esta que a comparava a um
camelo:

A policia da Varzea dorme em gostoso e macio leito de papoulas na solidão


da indolencia.
Os ladrões, costumados a ver nella o animal condenado por Mahomet já não
tem mãos a medir e vão passando a vida milagrosa.
Não há dia em que não deixem signaes de sua passagem na escalada de um
muro, ou no arrombamento de uma casa, e os prejudicados, ou já não pedem
providencias á autoridade local, ou a fazem debalde. (...)74

De fato, eram inúmeras as notícias de roubos ocorridos nas principais freguesias e


nos arrabaldes como Aflitos, Encruzilhada de Belém, Estrada Nova de Beberibe,
Parnamirim, Ponte de Uchôa, e Torre – onde a casa do guarda- mor da Alfândega,
Ulysses Pernambucano de Mello, em certa ocasião, quase fora assaltada. Numa outra
tentativa de roubo, o alvo desta vez foi a casa do subdelegado do Poço da Panela. O

71
Mário Sette, Maxambombas e maracatus, passim; Almanak... de 1882.
72
APEJE, Fundo SSP, 1ª Delegacia da Capital, Ofício de 25 de novembro de 1890.
73
Idem, ibidem; e APEJE, Ofícios do Comando do Corpo de Polícia, Ofício do chefe de polícia, Manoel
dos Santos Moreira, para o Tenente-Coronel Comandante do Corpo de Polícia, 17 de abril de 1905, p.64.
74
DP, 13/08/1881.
151

jornalista, irônico, dizia que finalmente o subdelegado não duvidaria mais da existência
de larápios na sua jurisdição. 75 Os ladrões pareciam realmente não se importar com
quem estavam lidando: em 1901, foi a vez do próprio governador de Pernambuco ter a
sua algibeira roubada em mais de duzentos mil réis, em plena Igreja do Espírito Santo. 76
Outros locais que causavam assombros à população eram as estradas de
Fernandes Vieira, Olho do Boi, Beco do Suassuna e João de Barros, pelos matagais
fechados que apresentavam. João de Barros, principalmente, era apontada como uma
nova Floresta Negra, pelo número de salteadores que se aproveitavam de suas árvores
encorpadas para emboscarem à noite. Tinha-se medo de que se constituísse um novo
Catucá, atraindo a formação de quilombos bem às portas da cidade. 77
O abandono policial em que se encontrava a cidade era atribuído primeiro ao
descaso e depois ao deplorável cerceamento que a legislação penal havia provocado nas
atribuições policiais. Não era bem assim. Além do próprio aumento da criminalidade
que acompanha va o crescimento urbano e as desigualdades sociais, uma boa parte da
responsabilidade estava na própria organização da força policial. Um grande número de
praças era requisitado para fazer a condução de presos às cadeias e aos tribunais, além
do serviço de guarda na Casa de Detenção, terminando por desfalcar o serviço policial.
De 65 soldados que existiam no quartel do 1º distrito de São José em 1890, por
exemplo, apenas 25 estavam fazendo o policiamento. O subdelegado de Areias, por sua
vez, reclamava de que das cinco praças que tinha para fazer a ronda, duas haviam sido
retiradas para fazer a guarda da Casa de Detenção e não tinham sido devolvidas. Esse
era um tipo de problema que as autoridades policiais tiveram que enfrentar em todo o
período e que causava grande transtorno ao serviço policial. Outro problema que afetava
o contingente em serviço eram as retiradas arbitrárias de praças sob o comando de civis,
por autoridades militares. Do efetivo de 21 praças do destacamento de Santo Antônio,
sobraram apenas 9 para fazer o serviço policial do distrito, seis tinham sido retiradas
sem o conhecimento do delegado pelo Comandante do Regimento, e o restante tinha de
ficar de sentinela no quartel. Estas retiradas à revelia das autoridades locais, ocorriam
para satisfazer exigências de reforço em outras áreas da cidade e até mesmo do interior,

75
DP, 05/11/1870. 09/11/1870, 24/07/1877, 10/08/1877, 04/10/1879, 14/12/1881; A Província,
15/08/1902, 31/01/1904; Jornal do Recife, 18/12/1890, 08/01/1909.
76
A Província, 11/12/1901.
77
DP, 06 e 29/08/1873 e 29/09/1873.
152

uma vez que, fora a Guarda Cívica, as outras forças policiais que existiram no Recife,
no período, analisado poderiam ser deslocadas para qualquer ponto da
78
Província/Estado.
Havia ainda um outro motivo para que não existissem policiais suficientes para o
serviço da cidade. Este estava relacionado ao fato dos praças serem colocados em
serviços burocráticos, como o de escrivão, e por serem utilizados pelos delegados e
subdelegados em serviços pessoais, até mesmo caseiro. Embora não fosse incomum o
uso de ordenanças nos assuntos privados das autoridades policiais desde o Império, o
governo de Gonçalves Ferreira era acusado pelo jornal oposicionista, A Província, de
muito mais. Denunciava o jornal que vários repórteres e auxiliares do Diário de
Pernambuco – órgão pertencente ao conselheiro Rosa e Silva –, eram na verdade
sargentos e cabos de palitot e gravata; que muitos eram colocados como ordenanças de
qualquer indivíduo que granjeasse algum tipo de cargo ou prestígio político, e de que
outros tantos faziam parte da folha de pagamento sem que prestassem o menor
serviço. 79 Seriam estas as razões para que o contingente policial parecesse insuficiente
diante do aumento da criminalidade no Recife, apesar do número de soldados da polícia
ter acompanhado este crescimento, principalmente na primeira década do século XX
(vide tabela 1).
Em regra o policiamento da capital até o início do século XX era feito por rondas
de mais ou menos três policiais, ficando cada destacamento responsável por
determinadas ruas. Dependendo do local e da ocasião, como nos dias de festa, este
número poderia subir. Os praças percorriam as ruas a pé e se precisassem de reforço
utilizavam um apito para chamarem outros guardas que porventura estivessem por
perto. O apito também era usado pelos inspetores de quarteirão e pela própria população
quando necessitavam de auxílio, mas muitas eram as queixas de que mesmo havendo
policiais disponíveis, esses se faziam de desentendidos. 80
Raramente as rondas eram feitas por soldados montados a cavalos, o que ocorria
mais quando os capoeiras eram perseguidos pelo Exército. O uso de cavalos veio a se

78
APEJE, Fundo SSP, 1ª Delegacia da Capital, Ofícios de 6 de outubro de 1887, 25 de novembro de 1890
e de 19 de março de 1914; Ofícios do Comando do Corpo de Polícia, Ofício do chefe de polícia, Manoel
dos Santos Moreira, para o Tenente-Coronel Comandante do Corpo de Polícia, 17 de abril de 1905,
p.64.
79
DP, 10/10/1881; A Província, 12/12/1901.
80
Cf. DP, 22/07/1881 e Jornal do Recife, 30/12/1880.
153

tornar mais comum durante a República, quando a própria polícia passaria a dispor de
uma divisão de cavalaria. 81
A falta de policiais na rua fazia com que muitas vezes a própria população
ajudasse a polícia a prender os ladrões ou simplesmente tomasse a si a tarefa de prende-
los e entregá-los em algum dos postos policiais espalhados pela cidade na época, como
as estações da Guarda Cívica ou, posteriormente, os quartéis. 82
Muitas vezes as rondas eram acompanhados pelos delegados e subdelegados mais
atentos aos seus distritos, alguns chegavam a fazer rondas até de madrugada. O
delegado Barros Rego, era um dos que freqüentemente podia ser visto montado em seu
cavalo policiando sua jurisdição, principalmente aos sábados, dia de maior movimento
no bairro do Recife, fazendo-se sempre acompanhado de dois cabos de esquadrão. 83
O que de imediato trans formava um indivíduo em suspeito para a polícia era o
fato de estar nas ruas altas horas da noite, sua cor e a forma de trajar. Em uma ronda que
fazia das 3 às 4 horas da madrugada, o delegado da capital, acompanhado de alguns
inspetores de quarteirão, encontrou na esquina da rua das Trincheiras com a da Estreita
do Rosário, alguns indivíduos – dois pardos e um negro – , os quais foram perseguidos e
presos no pátio da matriz de Santo Antonio. Apesar de dois deles terem profissão – um
dos pardos era ferreiro e o negro, sapateiro – e não terem sido pegos em flagrante, foram
presos por suspeita de estarem planejando algum roubo. A prisão se deu devido aos
instrumentos que carregavam, como serrotes, limas, sacos, cordas e pregos –
ferramentas que eram proibidas aos oficiais mecânicos carregarem após as 6h da tarde
pelas posturas municipais (vide quadro 1). Depois de detidos o delegado viria a saber
que um deles havia cumprido pena por roubo em Fernando de Noronha há pouco
tempo. 84
De outra feita, a suspeita de um guarda cívico recaiu sobre dois sujeitos
desconhecidos e descalços, um pardo, o outro branco, que andavam na rua Barão de
Vitória às 3 horas da manhã. Ao tentar abordá-los, o guarda cívico recebeu como
resposta uma facada. Os dois eram soldados do 2º Batalhão de linha. Não era
necessário, no entanto, ser tarde da noite para se tornar suspeito. Em se tratando de uma

81
Cf. Jornal do Recife, 13/02/1909.
82
Cf. DP, 27/10/1879, 22/07/1890.
83
Oscar Mello, op.cit., pp.101-102.
84
DP, 05/10/1874.
154

sociedade escravista, o fato de ser negro e desconhecido já era suficiente. Foi o que, por
azar, aconteceu com quatro indivíduos parados por uma ronda, às 9 horas da manhã.
Todos eram escravos fugidos do termo de Nazaré. Talvez o fato de quatro pessoas
negras e desconhecidas estarem andando em grupo e sem trabalhar tivesse chamado a
atenção dos guardas, o que mostra que para um escravo se manter escondido na cidade
era necessário saber utilizar os seus códigos de identificação. 85

A violência policial

As revistas e prisões de pessoas tidas por suas características físicas e sociais


como suspeitas eram práticas policiais esperadas e elogiadas pela classe média urbana.
Quando acontecia, no entanto, da revista policial ter como alvo todas as pessoas
indistintamente, atingindo até cavalheiros da melhor sociedade, o que era antes visto
como zelo policial, passava a ser visto como violência. Numa revista realizada na Ponte
Sete de Setembro, das 8:30h às 9h da noite, um sargento, acompanhado de oito praças,
revistavam todos que por lá passavam, gerando indignação entre os de classe mais
abastada. A esses o sargento se limitou a dizer que... tinha ordem de quem tudo
pode...86 . O Sargento se referia ao chefe de polícia Manoel dos Santos Moreira,
considerado pelos seus contemporâneos como um dos melhores que Pernambuco já
teve. Em seu mandato promoveu uma contínua perseguição ao jogo e ao uso de armas
87
proibidas. O fato de mandar revistar todos que passassem pela ponte, num horário
considerado já tarde da noite, realmente era um ato arbitrário, ao mesmo tempo em que
tinha o seu lado democrático, pois tais revistas em pessoas da classe pobre eram comuns
e não eram vistas como tal.
Sem dúvida, as arbitrariedades existiam como um hábito cotidiano da polícia e
embora fossem denunciadas com a mesma freqüência pela imprensa, de certa forma
muitos de seus aspectos eram tidos como um meio necessário para se manter o controle

85
APEJE, Fundo SSP, 1ª Delegacia da Capital, ofícios de 21 de janeiro de 1888 e de 27 de março de
1887.
86
A Província, 01/02/1905.
87
APEJE, Relatório dos Chefes de Polícia, 1905, pp.14-16; Oscar Mello, op.cit., p.112.
155

sobre a população. Os delegados e subdelegados mais respeitados eram justamente


aqueles que usavam de violência para conter os delinqüentes. O nosso já conhecido
subdelegado do bairro do Recife e capoeira, José Pedro dos Santos Neves, o “Zeca”, era
um muito caro aos comerciantes por ter eliminado os desordeiros e gatunos do bairro. O
seu método consistia em surrar os presos e suspeitos de seu distrito todos os dias. 88
Como o subdelegado Zeca, muitas autoridades policiais aplicavam surras
89
chamadas “rabo-de-galo” e “cipó-de-boi” , usavam da borracha e da palmatória. Uma
das formas de fazer um preso confessar a sua culpa era o uso do “aeroplano” – um
instrumento que consistia em duas barras de ferro colocadas nos ombros do preso, com
o qual era obrigado a dar voltas. Com a exaustão e a dor física, o indivíduo acabava por
confessar até o que não tinha feito. O subdelegado do 2º distrito de São José era um dos
que usavam a tortura para fazer presos confessarem crimes. Interrogando um suspeito
de ter cometido assassinato e não obtendo a confissão desejada, mandou que cinco
soldados surrassem-no com os sabres. 90
Às vezes, as denúncias de torturas eram levadas ao conhecimento do chefe de
polícia. Em ofício ao administrador da Casa de Detenção, o chefe de polícia Antonio
Pedro da Silva Marques dava ordens para que fosse ouvido o preso Manoel Ferreira de
Assumpção a respeito de como se dera a sua prisão. O preso declarou que, ao ser detido
e levado a seu estabelecimento comercial onde residia na rua da Imperatriz, lhe foram
apontadas quatro armas de fogo pelo delegado, seu pai, seu cunhado e um soldado, que
lhe ameaçavam de morte caso não assinasse uma confissão de ser ele o autor de um
assassinato. Como resistiu, foi levado para a Casa de Detenção e lá por duas vezes havia
sido embriagado na presença do delegado e de um subdelegado, sendo ameaçado por
dois praças de polícia. Como ainda resistisse, foi levado a um quarto escuro onde
passou dois dias incomunicável, sendo alimentado apenas com café, presumivelmente
para ser mantido acordado. Do que sobra dos fatos, Manoel Ferreira acabou
confessando o crime, pois estava cumprindo sentença. 91

88
Cf. Oscar Mello, op. cit., pp.101, 103-106 e 110.
89
Rabo-de-galo é um termo popular nordestino para facão, e cipó-de-boi se refere a um chicote fino de
couro cru.
90
A Província, 19/02/1904.
91
APEJE, CDR, Ofício do administrador Leopoldo Borges Galvão Uchôa, para o chefe de polícia
Antonio Pedro da Silva Marques, de 5 de agosto de 1897, p.113.
156

Desta história podemos deduzir certas coisas. Em primeiro lugar, possivelmente


estas arbitrariedades só foram levadas em consideração pelo chefe de polícia por meio
de um processo que deveria estar sendo levado adiante pelo advogado de Manoel. Isto
parece claro pelo tempo que se levou para o chefe de polícia se interessar pelo caso,
uma vez que a prisão do comerciante se dera em 30 de junho de 1895 e a resposta do
administrador da Casa de Detenção ao chefe de polícia está datada de 5 de agosto de
1897. Não sabemos se os fatos narrados por Manoel Ferreira são verdadeiros ou se foi
utilizado como um argumento pelo seu advogado para tentar a anulação de sua
condenação, mas pelos detalhes com que narrou os maus tratos sofridos faz levar a crer
que falava a verdade. A inclusão de personagens como a dos dois parentes do delegado
na pressão exercida sobre Manoel, inclusive, dá indícios de que se tratasse mais do que
simples trabalho, de que fosse um assunto pessoal, embora não fosse incomum
autoridades policiais delegarem poderes a parentes.
O uso da força policial em assuntos pessoais, a violência física, o abuso da
autoridade – enfim, as arbitrariedades que levavam à prisão e à condenação de
indivíduos como Manoel Ferreira – eram denunciadas diariamente nas folhas da época,
que dedicavam uma boa parte de seu noticiário às ocorrências policiais. Havia uma
demanda dos leitores por essas notícias, e a população como um todo, incluindo até os
iletrados, participavam da confecção delas, mandando bilhetes postais à redação, indo
pessoalmente narrar acontecimentos, servindo-se do anonimato.
As autoridades policiais, por sua vez, não ficavam impassíveis diante das
acusações. Principalmente o chefe de polícia demonstrava preocupação em se inteirar
sobre o assunto e muitas vezes saía alguma punição contra aqueles que tivessem
cometido excessos. Mas na maior parte das vezes os seus subordinados imediatos
queixavam-se de que os jornais haviam exagerado sobre a conduta dos praças e tudo
acabava por aí.
A violência física, sem dúvida, era a grande queixa da população contra a polícia,
que mesmo estando sujeita a ela ainda que não tivesse praticado nenhum delito,
procurava não ficar indiferente. Muitos casos poderiam ser relatados aqui, mas apenas
um transcreveremos na íntegra, por sintetizar o grau de violência desnecessária que a
polícia poderia ser capaz de usar:
157

Hontem, as 7 e meia horas da noite, pouco mais ou menos, o subdelegado


capitão Agnello, da Boa Vista, encontrando um creoulo muito bêbado na rua
da Imperatriz, ordenou a duas praças que o levassem para a detenção (sic) e
retirou-se.
Na ausência desta autoridade os dois soldados praticaram revoltante
barbaridade com o creoulo, que não podia caminhar devido ao seu estado de
embriaguez e teve de ser arrastado, em vez de ser conduzido em padiola
convenientemente amparado.
Os policiaes seguraram-lhe os dois pés e puxaram-n’o sobre o calçamento,
quebrando a cabeça do infeliz e ferindo-lhe as costas nas pedras.
Ao chegar na ponte o pobre homem, bastante ensangüentado, não suportou
mais os horrores do transporte, e gritou que já estava quase á morte.
O facto attrahiu a attenção de muitas pessoas, que se aglomeraram
manifestando a sua reprovação áquella selvageria, mas os soldados, aos quais
já se haviam reunido outros, affirmaram que a policia não seria desautorada e
que o ébrio havia de seguir assim mesmo.
E assim mesmo foi conduzido até a detenção (sic), onde deve ter chegado em
condições lastimaveis.
Alem d’isso um individuo, que se julga auxiliar da policia n’aquella
freguesia, dirigiu-se a um grupo que protestava contra o acto de crueldade
posto em pratica, e, em termos provocantes, ameaçou com uma faca de ponta
a quem desejasse enfrental-o.
Apresentaram-se diversos e o valentão teve de guardar a arma e sahir
cabisbaixo, acompanhado pelo molecorio, que lhe deu uma solemne vaia.
O capitão Agnello deve recomendar um pouco de humanidade e prudencia
aos seus subordinados. 92

Pouco tempo depois da notícia sair no jornal, o subdelegado do 1º distrito da Boa


Vista, o capitão Agnello, fez questão de esclarecer ao repórter do jornal que os praças
que executaram a prisão não eram de sua responsabilidade e sim do distrito de Santo

92
A Província, 25/05/1902.
158

Antônio, os quais teriam passado a ponte em perseguição ao indivíduo. 93 Embora a


imagem da polícia fosse péssima e pouco se fizesse para mudá- la efetivamente, as
autoridades tentavam se eximir da culpa.
A atitude dos policiais em não voltar atrás em seu comportamento para não ser
desautorizados, apesar da indignação geral que estavam causando, tem algo em comum
com o comportamento daquele sargento que ao revistar pessoas não suspeitas, apoiava-
se no fato de estar cumprindo ordens de... quem tudo pode. Todos os policiais, na
verdade, dos praças e inspetores de quarteirão aos subdelegados e chefes de polícia,
sentiam-se um pouco como “aquele que tudo pode”. As arbitrariedades que cometiam
estavam inseridas em uma relação de poder onde o menor deles ainda era capaz de
demonstrar sua autoridade diante do povo. Assim, de acordo com os poderes que
detinham, um praça de polícia podia acobertar “valentões”, um inspetor de quarteirão
podia delegar poderes de polícia a um filho seu, e um subdelegado podia fazer tudo isso
e muito mais. Um episódio representativo foi o de um subdelegado das Graças. Este
havia dado poderes a seu genro, o qual, por sua vez, dizia ser delegado. O “delegado”
do subdelegado andava acompanhado de praças, efetuava prisões e, naturalmente,
distribuía pancadas. Nas tavernas, obrigava os comerciantes a servirem bebidas
gratuitamente para si e os soldados que o acompanhavam. Um outro subdelegado
também tinha o costume de comprar fiado e não pagar; caso o negociante se recusasse a
vendê- lo, era ameaçado de prisão. 94
Contra os delegados as acusações giravam mais em torno das prisões arbitrárias e
o uso de violência, mesmo assim encontramos poucas. Uma explicação para isso pode
estar ligada ao fato de não manterem uma convivência tão intensa com a população
como a dos subdelegados, e portanto terem menos oportunidades de praticarem
desmandos, além do que possuíam maior prestígio político e por isso certamente não se
prestariam a tomar certas atitudes, como comprar fiado e não pagar. Pesava mais sobre
eles o fato de permitirem que seus subordinados agissem sem observar os limites da lei.
Quando a população sentia ser ele uma pessoa correta em seus deveres, não tinha receio
de procurá- lo para denunciar abusos praticados:

(...) Cidadão
93
Idem, 27/05/1902.
94
DP, 22/10/11879, 05/12/1879, 26/11/1881; A Província, 03/09/1901, 01/10/1901 e 06/06/1906.
159

Proponho-vos a demissão do actual subdelegado do 1º Districto de São José,


Evaristo Azevedo [ilegível]. Este cidadão tem descuidado do cumprimento de
seus deveres como autoridade policial, e, não há dia em que esta Delegacia
não receba contra elle queixa, de cidadãos daquelle districto por violências e
arbitrariedades comettidas no exercicio do cargo, que somente o serve para
perseguir os bons e pacificos cidadãos, deixando que os malfeitores campeiem
no destricto (sic), impunimente. (...) 95

Era mais comum, no entanto, que a população se sentisse mais segura em recorrer
ao chefe de polícia. Não de uma forma legal, utilizando-se dos recursos da lei – o que
denotava uma descrença generalizada nos dispositivos da justiça, principalmente por
parte das classes populares, que não tinham conhecimento da lei, recursos e prestígio
social para ativar a justiça com sucesso. Como nos dias de hoje, os agredidos confiavam
a sua situação a intermediação da imprensa, que ao formar uma opinião pública de
repúdio aos abusos da polícia, forçava uma ação das autoridades competentes. Um
mestre de obras, com 37 anos de ofício, preso ilegalmente por suspeita de roubo,
resumia bem a desconfiança daqueles que se encontravam na mesma categoria social
que a dele ao contar sua história num jornal, dizendo ...que podia responsabiliza-lo [o
subdelegado de Santo Antonio], mas temendo encontrar outros que pensem como elle,
prefiro esquecer a offensa desprezando o ofensor e recommendando aos cidadãos
honestos cautela e mais cautela. 96
E o uso da imprensa até certo ponto mostrava dar bons resultados, pois eram
freqüentes os ofícios enviados pelo chefe de polícia aos delegados e subdelegados,
cobrando explicações sobre os artigos que acusavam a polícia:97

(...)

95
APEJE, Fundo SSP, 1ª Delegacia de Capital, Ofício do delegado Luis d’Andrade, ao chefe de polícia
Antonio de Olinda Almeida Cavalcante, em 10 de outubro de 1890.
96
Jornal do Recife, 20/08/1877.
97
Cf. APEJE, Fundo SSP, Ofícios de 03/12/1884, 06/09/1887, 18/02/1888, 23/10/1890, 02/03/1898,
22/10/1906 e 26/03/1913.
160

Chamamos sua atenção para o que saiu publicado no Jornal do Recife de


hoje sob a epígrafe de “Brincadeiras de Policia”, recomendo-lhe que informe
com urgência e circunstanciadamente a tal respeito. (...) 98

Algumas autoridades policiais se defendiam das acusações alegando perseguição


política promovida pelos jornais. De fato, havia motivações políticas em fazer vir à tona
os abusos cometidos pela polícia, e possivelmente um ou outro era acusado de algum
mal feito que não cometera. O jornal O Tempo, oposicionista ao governo provincial, era
acusado por um subdelegado de estar sempre noticiando contra a polícia 99 ; e o Jornal do
Recife, ligado a Martins Júnior, não perdia uma oportunidade de expor os desmandos da
polícia de Rosa e Silva. Em um acirrado artigo do jornal A Província – outro órgão de
oposição ao governo do conselheiro –, assinado pelo escritor Carneiro Vilella, este
apontava a Brigada Policial de Rosa e Silva como sendo

...a primeira a por em desequilibirio a ordem social e civil, atentando contra


a propriedade, contra a liberdade, contra a tranqüilidade de todos nós, e até
muitas vezes contra a moral domestica (...).
(...) sustentaculo da sua escravatura da amisade e da sua disciplina
partidária, baluarte único da sua influencia politica entre nós, e por isso
mesmo terror da população do estado, flagello das ruas da cidade e seus
subúrbios – duende de nossas algibeiras, phantasma apavorante da nossa vida
(...). 100

Mas a realidade mostrava que tais abusos eram cometidos por membros de
quaisquer partidos, e que até jornais da situação às vezes se viam obrigados a noticiar os
desmandos de alguma autoridade policial. Isto acontecia porque a violência policial bem
como as arbitrariedades de um modo geral se inseriam num contexto de controle
empreendido pelas elites que as tornavam mais um instrumento de sua dominação do
que uma distorção de sua função. Havia uma rede de clientelismo que não permitia
ações mais enérgicas no sentido de combatê- las. Muitos delegados e subdelegados, por

98
APEJE, Fundo SSP, Minutas do chefe de polícia ao delegado do 2º Distrito da Capital, 29 de fevereiro
de 1888.
99
A reclamação do subdelegado saiu no Jornal do Recife, 07/05/1879.
100
A Província, 13/09/1901.
161

exemplo, serviam de cabo eleitoral em seus distritos para o governo, e por sua vez os
praças eram peças importantes nas pressões exercidas sobre as mesas eleitorais. Além
disso, a forma como os praças agiam refletia muitas vezes a própria conduta de seus
superiores, e por isso, eram acobertadas. Cargos policiais eram oferecidos como
recompensa política, tanto na esfera civil como militar, e de um modo vicioso, os que
recebiam este tipo de recompensa comprometiam-se a retribuir com outros favores
especiais. Por isso, as tentativas de moralizar a polícia foram sempre paliativas e de
modo bastante pontual, atingindo apenas aqueles que podiam ser descartados. O
problema real, que se fundava no sistema de clientelismo e na baixa participação
popular nas decisões políticas, este era deixado de lado. 101

Os trabalhadores livres urbanos

Acostumadas ao uso da violência para fazer produtiva a mão-de-obra escrava, as


elites após a abolição tinham diante de si um novo desafio: controlar os trabalhadores
livres sem o recurso do antigo poder senhorial. Para isso contaria com a atuação
decisiva da polícia, que tratava de corrigir e reprimir o que era considerada a tendência
ao crime das classes populares. Se não era fácil, como se imaginava, manter controlados
escravos urbanos, mais esforço seria empregado no controle dos trabalhadores livres.
Ambulantes, carroceiros, comerciários, artistas, criados, boleeiros, motorneiros,
estivadores, operários..., já se contava um número enorme de profissões que se
multiplicavam a partir das necessidades do meio urbano. Mas também eles, apesar de
necessários, tornavam-se incomodativos à sensibilidade da classe média e das elites,
com seus modos rudes e linguajar obsceno.
Provocavam suspeição, uma vez que – ao contrário do que as elites pregavam em
seus discursos – o trabalho não os livrava do estigma imposto pela pobreza, condição
social que sempre poderia levá- los ao crime. Os acendedores de iluminação a gás da
freguesia da Boa Vista, por exemplo, eram acusados de estarem se aproveitando do fato

101
Idem, ibidem, e de 12/02/05; Ruben George Oliven, Violência e cultura no Brasil, p.14; Oscar Mello,
op. cit., pp.101-103, 108 e 119.
162

de andarem com escadas altas horas da noite, para com elas saltarem os muros e
roubarem as aves que ali encontravam. Indignados, protestavam através do mesmo
jornal que publicou a acusação, o que qualificaram como uma injustiça, assinando cada
um o seu nome para que melhor fosse apurada a verdade pela polícia. 102
Podiam ser perigosos, porque podiam ser unidos, o que ficou patente em um
motim que reuniu mais de 50 catraieiros no Cais da Lingüeta, fazendo com que o
comércio fechasse antes da hora de costume. O motivo da revolta foi a prisão de um
companheiro que havia sido detido em razão de uma queixa formulada por um
espanhol, dono de um restaurante naquela mesma localidade. Inconformados com a
prisão do colega, reuniram-se em frente ao restaurante para apedrejá- lo. A notícia do
que estava acontecendo chegou rapidamente ao quartel situado próximo ao Cais,
apressando-se o destacamento ali existente em correr ao local. Aproveitando que o
quartel ficara desguarnecido, os presos lá recolhidos – inclusive o indivíduo pivô da
revolta – fugiram e usaram de escaleres para se refugiarem no mar, o que obrigou parte
do contingente enviado a ter que retornar. Isso deu ocasião a que os trabalhadores
dessem uma grande vaia no destacamento, acreditando que fugiam com medo. 103
Tomando conhecimento da situação, o chefe de polícia telefonou dando ordens
para ser enviado um piquete de 15 praças de cavalaria, mais dois de infantaria, cada um
com dez soldados, que seriam acompanhados também pelo delegado do 1º Distrito,
Glycério Gouveia, e dos subdelegados da Boa Vista, de Santo Amaro e de Santo
Antônio. Ao chegar a força policial, no entanto, os trabalhadores já haviam se
dispersado e os presos fugitivos foram recapturados no mar por um tenente da Escola de
Aprendizes de Marinheiros. 104
Não seria, porém, esse tipo de solidariedade que poderia haver entre trabalhadores
de uma mesma categoria profissional, que realmente assustava as elites. O medo que
tinham, na verdade, era de que tais manifestações pudessem evoluir em torno de
reivindicações trabalhistas, como ocorria na Europa. Não era um temor infundado, o
movimento operário no Recife se iniciaria já em fins do século XIX. Em 1890, seria
criada a Liga Operária Pernambucana, que se dirigindo através dos jornais aos
operários das fabricas e officinas existentes nesta capital e outros lugares, convidava

102
DP, 13 e 15/06/1871.
103
A Província, 01/02/1905 e DP, seção “Repartição Central de Polícia”, 02/02/1905.
104
Idem.
163

para que fossem enviados nomes de seus representantes para constituírem o corpo
consultivo do partido operário. Oito meses depois acontecia a primeira greve do Estado,
com os trabalhadores das refinarias de açúcar do Recife exigindo 50% de aumento
salarial. Após esta, várias outras se seguiriam, de categorias como os operários das
fábricas de cigarros Lafayette, Caxias e Moreninha, em 1903, dos trabalhadores dos
armazéns e refinarias de açúcar, dos estivadores e dos ferroviários, respectivamente em
1906, 1908 e 1909. Destas, a dos ferroviários da Great Western foi a de maior
repercussão política, paralisando, inclusive, os seus serviços no Rio Grande do Norte,
Paraíba e Alagoas. 105
Todas essas greves foram acompanhadas de perto pela polícia, tendo a dos
operários das fábricas de cigarros, inclusive, o chefe de polícia como conciliador entre
empregados e patrões. Mas a verdadeira missão da polícia não era conciliadora, e sim de
esvaziar as paralisações pelo efeito de intimidação ou simplesmente acabá- las com o
uso da força, como ocorreu no caso da paralisação de 1906. 106
Duas tentativas de greve fracassadas ilustram como a polícia se portava nessas
situações. Em 1901, como estratégia para evitar uma greve de cocheiros de bondes, a
guarda da Brigada Policial foi dobrada, fazendo o serviço com armas embaladas. Os
delegados e inspetores permaneceram de prontidão nas respectivas delegacias e
estações. O chefe de polícia e o chefe do Estado Maior da Armada, almirante
Wandenkolk, entraram em confabulações. O resultado foi o esperado, a greve não
aconteceu. 107 O mesmo ocorreria com uma paralisação de motorneiros da Pernambuco
Transways Company, em 1914. À uma hora da madrugada o delegado do 1º Distrito foi
procurado pelo gerente da companhia para solicitar que os carros da empresa fossem
guarnecidos pela força pública, uma vez que... três insubordinados motorneiros
pretendiam impedir que os seus companheiros trabalhassem. Doze praças foram
deslocadas para o local e a greve impedida. 108
A transição para o trabalho livre, desta forma, seria acompanhada de adaptações
de controle sobre os trabalhadores, que ainda teria na violência um de seus principais

105
Cf. P. Eisenberg, op.cit., pp.205 e 227; DP, 26/07/1890; Almanack de Pernambuco de 1903 e 1906; A
Província, 17/11/1906; Relatórios dos Chefes de Polícia, 1910, p.9; Antonio Paulo Rezende, A classe
operária em Pernambuco, pp.18-19.
106
P.Eisenberg, op.cit., p.205.
107
A Província, 01/09/1901.
108
APEJE, Fundo SSP, 1ª Delegacia da Capital, Ofício de 20 de junho de 1914.
164

recursos, sempre revestida de um discurso legalizante. Todas as vezes que os


trabalhadores tentavam ganhar autonomia diante dos patrões, muitos qualificativos
depreciativos antes empregados para designarem aqueles que estavam fora do mercado
de trabalho por opção ou devido ao desemprego, como o de “turbulentos”,
“desordeiros” e “arruaceiros” que colocavam em perigo a ordem pública, eram
igualmente usados contra eles. As estratégias de controle sobre eles seriam, portanto,
criadas a partir das mesmas premissas que orientavam a vigilância daquela parte da
população tida como cheia de vícios e que a qualquer momento poderia se tornar
perigosa.

As ilegalidades populares: vadiagem, mendicância, jogo e prostituição

Disciplinar trabalhadores e as classes populares como um todo significava


controlar, igualmente, a criminalidade, ou seja, tê- la a um nível considerado suportável,
e, principalmente, punir o criminoso de um modo que servisse de exemplo para que os
cidadãos honestos se mantivessem dentro dos padrões estabelecidos pelas elites. 109
Michel Foucault, ao comentar a reforma penal ocorrida na França do século XVIII
para o século XIX, aponta que a mesma se dera com vistas a novas formas de
ilegalidades populares que estariam imbuídas de uma dimensão política, ainda que seus
autores pudessem não ter em mente a mudança de um governo, mas contra a própria lei
e os interesses daqueles que as estabeleceram. 110 No Brasil do período analisado por
este trabalho, mais especificamente no Recife, não havia as mesmas implicações
históricas acarretadas pelo industrialismo e as lutas operárias que pudessem dar ensejo
às ilegalidades mencionadas por Foucault. Entretanto, algumas ilegalidades cometidas
pelas classes populares no Brasil podem ser tidas mais como uma saída às leis rígidas de
uma classe dirigente que desejava normatizar a vida das classes pobres de maneira
repressiva – ainda que também tenham sido uma imposição pelas condições de miséria
a que as classes pobres eram submetidas pelo modelo sócio-econômico em vigor – do

109
R. Boudon e F. Bourricaud, op. cit., pp.114-115.
110
M. Foucault, op.cit., pp.240-242.
165

que verdadeiramente porque fossem criminosas, podendo mesmo terem se tornado


delinqüentes devido à própria marginalização que lhes era imputada. Se não havia
consciência política nestas ilegalidades, nem por isso deixaram de ter conseqüências no
plano político do País, pois a partir delas surgiram posteriormente questionamentos
sobre a responsabilidade do Estado em reproduzir tais marginais ao representar um
modelo econômico excludente, sem que tratasse do assunto como problema social.
A mudança de mentalidade na sociedade em tratar essas ilegalidades como um
problema seu, ao invés de vê- las simplesmente como um caso de polícia, foi bastante
lenta e até os dias de hoje nos deparamos ainda com esse tipo de pensamento. Na época
enfocada por nossa análise, elas estavam ao mesmo tempo presentes na vida cotidiana
da população, como também isoladas moralmente pela opinião dos publicistas e das
autoridades policiais que as mantinham criminalizadas – e os jornais foram um dos
principais instrumentos para isso. Mas nos servindo ainda da análise de Foucault, a
realidade que as autoridades se depararam era a de que... erguer a barreira que deveria
separar os delinqüentes de todas as camadas populares de que saíam e com as quais
permaneciam ligados, era uma tarefa difícil, principalmente sem dúvida nos meios
urbanos.111 Por isso e pelas próprias condições sociais compartilhadas pelas classes
populares, a repressão a essas ilegalidades teve respostas sempre parciais e limitadas.
Desta forma, todas as atitudes que preconizassem um outro meio de vida que não
o trabalho eram coibidos, e era na figura do “vadio” que se concentrava com maior
vigor o esforço da polícia em reprimir as ações das classes populares consideradas
refratárias à disciplina do trabalho. “Vadio” era considerada toda pessoa que não
possuindo bens que justificasse o meio pelo qual vivia, não tivesse ocupação certa e
honesta. Era, portanto, um atributo associado diretamente aos homens livres pobres.
Pelo art. 295 do Código Criminal de 1830, o vadio pegaria uma pena de 8 a 24 dias de
prisão com trabalho forçado. Como no Recife não havia Casa de Correção, a pena se
restringia ao encarceramento e ao compromisso de um “termo de bem viver” feito junto
à autoridade policial.

111
Idem, p.250.
166

Com o Código Penal de 1890, 112 a pena nos casos de vadiagem passa a ser de um
ano e meio com trabalhos forçados. Esse aumento significativo na pena de reclusão dois
anos após a Abolição ser decretada, e a tentativa de criação das duas colônias
penitenciárias em Fernando de Noronha para presos por vadiagem e mendicância em
1897, juntamente com a criação efetiva das escolas correcionais para menores que
ocorreriam em 1909 e 1917, sugerem um contexto de preocupação por parte das elites
em tentar reprimir os hábitos não condizentes com a vida disciplinada de um
trabalhador e, ao mesmo tempo, afastar os demais dos caminhos que não seguissem a
regra do trabalho. 113 Embora a amostragem contida na tabela 2 indique uma
participação pequena da vadiagem nas prisões efetuadas, ela está compatível com outros
estudos feitos para a mesma época, que mostram um aumento em sua repressão até a
primeira década do século XX e depois um declínio. 114
Tratava-se de fazer uma “expropriação cultural”, isto é,... proceder a um conjunto
de transformações de cunho mais marcadamente cultural, para que os indivíduos
despossuídos dos meios materiais de vida não só precisassem como também estivessem
dispostos a trabalhar para outros. 115
Para mudar a concepção e o comportamento do homem livre em relação ao
trabalho – alterar- lhe o desamor pelo trabalho, fruto do escravismo e da possibilidade
de subsistir com o mínimo necessário – e a sua escolha pelo ócio e pelo lazer, um dos
meios encontrados foi a criminalização e a repressão às formas de subsistência
contrárias ao trabalho.
Desta forma, ao lado do vadio, outros comportamentos que destoavam do
esperado de um cidadão pobre, mas honesto e trabalhador, foram por uns bons tempos
combatidos pela polícia recifense. Na verdade, o próprio conceito de “vadio” tinha uma
112
Para saber como o Código Penal institui uma ordenação social através da valorização do trabalho ver
Berenice Brandão, Ilmar R. de Mattos e M. A. de Carvalho, A polícia e a força policial no Rio de
Janeiro, pp.216-231.
113
No Rio de Janeiro as prisões por vadiagem elevaram-se violentamente depois de 1907, cf. Marcos
Bretas, op.cit., p.70.
114
Em nossa amostragem (tabela nº2), a vadiagem aparece com 0,76% das prisões em 1885, 2,98%
em1905 e 1,99 em 1915. Marcos Bretas, por sua vez, encontrou no Rio em 1909 a porcentagem de 8,40
para as prisões por vadiagem; em 1917, a cifra de 1,38% e em 1925, 0,05%. Ele atribui a esse declínio –
que se inicia por volta de 1915 – o fato dos distritos centrais da cidade deixarem de registrar esses casos e
a vadiagem revestir-se de uma nova importância nas áreas suburbanas, cf. op. cit., pp.102-103 e 114.
Este não foi o caso do Recife, uma vez que os números conseguidos foram repassados pelos subdelegados
à Repartição Central de Polícia. Fica difícil, no entanto, formar uma opinião a respeito da queda do
número de prisões por vadiagem apenas com os dados obtidos.
115
Lúcio Kowarick, Trabalho e vadiagem, p.10.
167

abrangência na prática bem maior do que a dada legalmente. Ele abarcava uma série de
comportamentos indesejáveis não apenas para as elites como para a classe média. 116
Essa criminalização de certas condutas das classes populares ganhavam consenso
através da divulgação das queixas de moradores da cidade nos jornais. A imagem dos
vadios estava intimamente ligada à idéia não apenas de ociosidade mas igualmente de
imoralidade, uma vez que a partir do ócio todos os vícios morais germinariam e seriam
ressaltados. Portanto, os vadios poderiam ser descobertos na linguagem obscena que
usavam, nos modos que tinham, nos folguedos populares que freqüentavam. 117
Em grande parte a vadiagem era associada aos jovens e crianças livres de origem
pobre que habitavam as ruas, 118 fosse por opção, fosse em virtude de serem órfãos ou
mendigos. Uma parte dos órfãos era mantida pela Santa Casa de Misericórdia (quadro
4), mas muitos outros moravam ao abrigo de prédios públicos, como as calçadas do
Ginásio Pernambucano, da Assembléia Legislativa ou os adros das igrejas. Não apenas
dos adolescentes mas também das crianças esperava-se que trabalhassem para auxiliar
no sustento de suas famílias. Era uma ajuda que seus pais não podiam prescindir.
Comumente eram encontrados nas ruas meninos trabalhando de engraxates, gazeteiros,
moleques de recados. As outras crianças e jovens que por qualquer outro motivo que
não o trabalho estavam nas ruas eram mal vistas e tidas como vadias, com toda a carga
negativa que a palavra carregava na época. As próprias brincadeiras consideradas
infantis, como empinar papagaio, eram denunciadas nos jornais como fonte de
ajuntamento de vadios:

A policia não se lembra da travessa do Monteiro (...), um dos pontos mais


freqüentados por vagabundos e desordeiros.

116
A imposição do crime de “vadiagem” era um recurso muito utilizado pela polícia de São Paulo até a
década de ’30 para controlar indivíduos das classes inferiores que em sua visão não estavam de acordo
com os padrões esperados para a classe trabalhadora, por exemplo, uma aparência descuidada, a
embriaguez ou a prostituição, que não eram criminalizados legalmente, passavam a ser enquadrados como
crime de vadiagem e desta forma recebiam uma punição. Cf. Silvia Helena Zanirato Martins,
“Representação da pobreza nos registros de repressão: metodologia do trabalho com fontes criminais”, in
Revista de História Regional, Curitiba, 3 (1): Verão 1998.
117
Cf. DP, 24/02/1878, 12/11/1881, 09/12/1881.
118
Sobre a condição de vida e as imagens construídas em relação às crianças e adolescente deste período
vide Esmeralda B. Bolsonaro de Moura, “Meninos e meninas na rua: impasse e dissonância na construção
da identidade da criança e do adolescente na República Velha”, in Revista Brasileira de História, v.19, nº
37, São Paulo, set/1999.
168

Raro é o dia em que não se observa alli um desaguisado entre elles,


acabando sempre em pancadas ou ferimentos.
Á tarde muitos desses vadios divertem-se a empinar papagaios, invadindo os
quintaes e, por vezes, subindo em telhados.
(...)
Ahi fica o aviso e ao subdelegado compete que mande verificar a verdade e
dispersar o grupo, libertando assim os moradores daquelle local de um grande
incomodo.119

Realmente, muitos desses jovens e crianças não encontravam outro caminho a não
ser a delinqüência, uma vez que para sobreviverem cometiam pequenos roubos (ver
tabela 2). O convívio nas ruas com todos os tipos de pessoas, inclusive os famosos
gatunos da época, transformavam- nas em seus auxiliares. Existia até uma gíria entre os
marginais para designar a criança que ficava de alerta para avisar o ladrão quando vinha
a polícia – jeremias. 120 Eram igualmente comuns as depredações cometidas contra os
serviços urbanos, como as linhas de ferro e as companhias de gás e de abastecimento de
água. A Recife Drainage Company chegou a oferecer uma gratificação de 50$000 réis a
quem desse o paradeiro dos vadios que haviam quebrados os canos vidrados da
empresa. 121
Como todos os presos por vadiagem, eram enviados para a Casa de Detenção,
onde ficavam até poderem ser enviados para instituições nas quais se ensinava algum
ofício, e onde se esperava que com uma disciplina rígida se reabilitassem. Isto se
houvesse vaga. No caso da Escola de Aprendizes Marinheiros ainda havia uma seleção
pelo exame de saúde. Em 1885, de 81 menores órfãos que foram enviados para lá, 27
não foram aceitos devido ao estado de saúde. Os que não foram aceitos, no entanto, não
devem ter ficado decepcionados. A disciplina severa desta escola fazia com que fosse
temida pelos jovens como uma ameaça. 122 Quem já tivesse idade suficiente poderia ser
enviado para servir no Exército ou na Armada. Em 1908, o próprio administrador da

119
A Província, 13/05/1902. Cf. outras reclamações sobre vadios empinadores de papagaio: Idem,
17/01/1904 e DP, 16/04/1882.
120
Oscar Mello, op.cit., pp.91.
121
DP, 15/10/1870.
122
Em suas memórias, Gregório Bezerra se refere à ameaça de lhe enviarem para a Escola de Aprendizes
de Marinheiro, caso não trabalhasse convenientemente para um jornalista que lhe explorava como
gazeteiro. Cf., Memórias, p.122.
169

Casa de Detenção resolveu instalar em suas dependências uma Escola Correcional para
os menores delinqüentes (ver capítulo 4).
Como já vimos anteriormente, a política mantida pelo governo era de combinar
disciplina, trabalho e instrução primária para ressocializar esses jovens ao mercado de
trabalho, produzindo, entretanto, desde cedo, uma divisão social clara, uma vez que a
esses meninos não seria dada a chance de escolherem um outro caminho a não ser o de
trabalhador manual, reforçando desta forma, as desigualdades sociais existentes. 123

Quadro 4

Educandos e mendigos nos estabelecimento de


caridade da Santa Casa de Misericórdia, 1873.
__________________________________________
Asilo de mendigos 93
Colégio de Órfãos 259
Casa dos expostos 94
Meninos em criação 78
Total 524
Fonte: Diário de Pernambuco, 09/07/1873

Um outro comportamento reprimido pelas autoridades, e também visto como uma


espécie de vadiagem, foi a mendicância, tida como exploração da caridade pública.
Mesmo havendo uma diferenciação entre o indivíduo que mendigava por necessidade –
geralmente portador de deficiência física grave impedido de trabalhar – daquele que se
aproveitava da boa vontade alheia, o mendigo era antes de tudo um elemento propenso à
vadiagem, tanto assim que pelo artigo 296 do Código Criminal de 1830, ele incorreria
nas mesmas penalidades impostas ao vadio. No Código Penal de 1890, o mendigo
estava sujeito a penas que variavam de cinco dias até três meses de prisão, de acordo
com a violação que cometesse: mendigar tendo saúde; mendigar onde houvesse asilos
para mendigos; fingindo possuir enfermidade; mendigar aos bandos ou em
ajuntamentos, não sendo pai ou mãe e seus filhos impúberes, marido e mulher cego ou
aleijado e seu condutor; e permitir que menores de 14 anos sob seu poder andassem a

123
Alessandra F. Martinez de Schueler, “Crianças e escolas na passagem do Império para a República”, in
Revista Brasileira de História, pp.9-10.
170

esmolar. 124 A policia cabia recolhê- los para o Asilo de Mendic idade ou para a Casa de
Detenção.
Vale ressaltar que se a mendicância era mal vista pela sociedade como um todo –
como visto no primeiro capítulo –, era, entretanto, uma prática freqüente e louvável
quando revestida em causas cristãs pelos membros das irmandades. Esmolar pelas ruas
do Recife em nome das irmandades era uma cena comum, tanto que esses tiradores de
esmolas eram conhecidos como “os homens das opas”. 125 Mas também sobre estes
pairavam dúvidas. Diziam que muitos haviam prosperado associando-se aos santos a
que serviam.126 Outros, mesmo sem fazerem parte de irmandades, se aproveitavam das
festas religiosas e saiam a pedir nos arrabaldes para não chamar a atenção da polícia, em
nome de alguma irmandade, como ocorreu em relação à festa de N. S. do Livramento. 127
Era comum também os escravos de ganho pedirem esmolas aos comerciantes nos
tempos de festas para formarem um pecúlio com o objetivo de comprarem sua
liberdade. Quando, no entanto, este meio foi empregado com fins de assistencialismo às
vítimas da seca de 1877-79, gerou controvérsias. Enquanto alguns elogiavam atos como
o dos jovens empregados do comércio saírem fantasiados no carnaval, recolhendo
dinheiro para a Secretaria de Polícia distribuir entre os flagelados, outros viam nas
esmolas destinadas aos retirantes como... um novo meio de espoliação do público, e o
governo acusado de desta forma... proteger a ociosidade, a vadiagem, e facilitar a
repercussão de crimes. O único remédio para os retirantes era o trabalho, ainda que
oferecido em condições de subsistência. 128
Por outro lado, a mendicância, tanto quanto nos dias de hoje, tinha seu lado
realmente de caráter policial. A condição de miséria de muitos indivíduos fazia com que
fossem alvos da exploração inescrupulosa de aliciadores. Um caso relatado no Jornal do
Recife revela como alguns indivíduos utilizava-se da pobreza alheia para ganharem
dinheiro fácil: um sujeito abrigava em sua casa dois pretos velhos, dando- lhes dormida
e comida, e em troca era-lhes estipulado um valor diário que conseguiriam através da
mendicidade, para ser- lhe entregue à noite, quando se recolheriam a casa. Caso o valor

124
Novo Código Penal brasileiro, arts. 391 a 395.
125
“Opas” são espécies de capas sem mangas usadas por membros de confrarias e irmandades religiosas.
126
Mário Sette, Maxambombas e maracatus, pp.81-82.
127
DP, 15/08/1880.
128
DP, 01/03/1878 e 17/09/1877.
171

estipulado não fosse alcançado, o saldo devedor ficava a ser resgatado nos dias
posteriores – sistema parecido com o emprego de escravos de ganho. 129
Conta- nos ainda o jornal, que um desses mendigos tinha catarata, e tomando
conhecimento de que o seu mal podia ter cura, procurou um especialista, o Dr. David
Ottoni, o qual examinando-o concluiu ser curável. Marcaram, então, o dia da cirurgia a
ser realizada na casa do próprio paciente; mas ao chegar lá o médico foi recebido com
impropérios pelo dono da casa, e a operação não foi realizada. Obviamente, nos cálculos
do “empresário” do preto velho, um mendigo cego era bem mais valioso que um sadio
dos olhos. 130
Ao contrário das acusações freqüentes dos jornais que criticavam a morosidade
policial a respeito do assunto, acusando das ruas estarem atopetadas de mendigos que
importunavam os transeuntes e da polícia fechar os olhos para isso, o que ocorria na
realidade era a incapacidade dela em fazer recolher um número cada vez mais crescente
de miseráveis que povoavam o Recife. Às vezes a polícia organizava batidas pelas
pontes e ruas mais movimentadas da cidade e recolhia 20, 30 mendigos de uma só vez.
O Asilo invariavelmente andava cheio, e por isso o excedente era enviado para a
prisão. 131
Logo que as autoridades policiais tomavam conhecimento de novos pedintes em
seu distrito, que por suas condições físicas demonstravam estar usando a mendicância
como forma de sobrevivência alternativa ao trabalho, estes eram ameaçados de prisão e
obrigados a assinar um “termo de bem viver” – isto é, assumir o compromisso de
arrumar um emprego. Foi isto que fez o subdelegado da freguesia do Recife, ao saber
que em sua jurisdição esmolavam quatro mulheres ainda jovens e sadias, acompanhadas
de crianças. As mulheres prometeram que – pelo menos por ali – não mendigariam
mais. 132
***
A vadiagem também estava intimamente ligada a um outro tipo de contravenção –
o jogo. Este seria mais um dos vícios e meio dos pobres fugirem ao trabalho honesto,
adquirido em conseqüência do ócio. Os jogos considerados proibidos – os chamados

129
Jornal do Recife, 24/09/1886.
130
Idem, ibidem.
131
APEJE, Fundo SSP, 1º Distrito da Capital, Ofício de 25 de junho de 1909.
132
Jornal do Recife, 11/09/1886.
172

jogos de parada, onde se apostava uma quantia em dinheiro em cada lance – sempre
foram alvo de repressão das autoridades desde o Império, havendo no Recife posturas
que tratavam diretamente do assunto. Mas a maior repressão, com o incremento do
delito após a chegada do jogo do bicho, se daria no início da República, principalmente
na gestão do chefe de polícia Santos Moreira, no governo de Sigismundo Gonçalves, o
qual havia sido eleito sob uma grande expectativa de que daria atenção especial ao
problema de segurança pública. 133 O chefe de polícia de Sigismundo Gonçalves logo
que assumiu o cargo, tratou de enviar circulares às autoridades policiais da capital e do
interior do Estado ordenando buscas constantes nas casas de tavolagem. O trabalho de
repressão ao jogo foi exaustivo em sua gestão – como indica a tabela 2 – e com altos e
baixos, pois como o próprio Santos Moreira afirmava em seu relatório, o jogo estava
disseminado entre toda a população, lado a lado às loterias emitidas pelo governo:

(...)Era triste o espectaculo que dia a dia se apresentava á vista da


população em todas as ruas desta cidade onde innumeras casas ostentavam as
mencionadas rodas com reclames inscriptos às portas dos predios em que
funcionavam.
Grupos de indivíduos de todas as matizes diariamente, impedindo muitas
vezes o transito publico, à porta das casas lotericas, aguardando o telegrama
que annuncia o premio da loteria federal com o qual corria o jogo dos
bichos. 134 (grifos meus)

Realmente, o jogo era uma contravenção praticada por todas as camadas sociais,
ainda que mais cometida pelas classes populares. Os jovens pobres continuavam a ser
aqueles que mais eram encontrados praticando o delito em locais públicos, como as
calçadas e os pátios das estações de trem. 135 Fazia-se, no entanto, uma diferenciação
moral entre eles, que jogavam como efeito de sua “degeneração moral”, e os filhos-
famílias que eram atraídos pelas casas de jogo – isto é, pelos verdadeiros vadios, que
lhes iniciavam no vício. Um jornal alertava para o fato de que o mal se propagava entre
as pessoas de bem da sociedade: chefes de famílias respeitáveis, dentre os quais,

133
Maria da Glória D. Medeiros, op. cit., p.116.
134
APEJE, Relatório apresentado ao Exmº Sr. desembargador Sigismundo Antonio Gonçalves,
governador do Estado, pelo chefe de polícia Dr. Manoel dos Santos Moreira, 1905, p.15.
135
DP, 08/03/1873, A Província, 14/08/1902; Jornal do Recife, 12/11/1904.
173

magistrados, advogados, professores de escolas superiores, chefes de repartições,


negociantes, que andavam... de par com a gentalha ínfima..., e que lá deixavam suas
economias, ... enquanto que os vadios, na incisiva qualificação legal, enriquecem à
farta, cobrem-se de brilhantes. 136
Reprimir o jogo era, portanto, evitar dois grandes perigos para a sociedade: o
primeiro, de que as classes pobres, ao se iludirem com a promessa de ganho fácil de
dinheiro, se afastassem de suas obrigações com o trabalho e pudessem se tornar reais
criminosos ao contrair dívidas de jogo; e o segundo perigo, de que os membros mais
aquinhoados da sociedade, ao serem arrastadas pelo vício, perdessem seu patrimônio
numa banca de jogo. 137 O perigo entre a gente despossuída era, no entanto, o mais
preocupante, porque afetava de imediato a força de trabalho e a propriedade como um
todo, uma vez que o jogador pobre podia facilmente transforma-se em criminoso.
Alguns desses trabalhadores, é bom lembrar, moravam sob o mesmo teto de seus
patrões:

O mercado de São José está transformado em um ponto de perdição para


crianças e creados que vão alli fazer compras.
Todos perdem o dinheiro de que são portadores, na roleta e no caipira
existente na barraca, jogo escandalosamente consentido pela policia. 138
(grifos meus)

A polícia se preocupava também com os ajuntamentos indesejáveis provocados


pelos jogos, o que levou ao delegado do 1º Distrito do Recife a pedir ao chefe de polícia
a cassação das licenças às casas de jogo da bola – que nada mais eram que casas de
boliche, muito em voga na época. Segundo o delegado, nessas casas se reuniam uma
...malta de vadios, desordeiros e larápios, que mais tarde saem a praticar atentados
contra a segurança individual e de propriedade e ofensas a moral pública. Mais
preocupante ainda para o delegado era o fato de se ter aberto uma dessas casas ao lado
da 2ª Estação da Guarda Cívica, e todos sabiam que os praças de polícia eram muitos
chegados a um jogo. Era bem freqüente encontrá-los se entretendo pelas ruas com a

136
A Província, 07/02/1904.
137
APEJE, Relatório apresentado ao Exmº Sr. desembargador Sigismundo Antonio Gonçalves,
governador do Estado, pelo chefe de polícia Dr. Manoel dos Santos Moreira, 1905, p.15.
138
A Província, 14/08/1902.
174

“gente de ínfima espécie” em jogos de parada. Quanto ao jogo da bola, o máximo que o
delegado conseguiu foi a proposta, a ser enviada à Câmara Municipal, de se proibir o
jogo depois das dez horas da noite. O delegado, por sua vez, fez ver a necessidade de
pelo menos a proibição baixar o horário para as nove da noite, e só permitir a entrada de
pessoas de bem. Estas seriam identificadas pelo modo de se vestir, evitando assim a
entrada de maltrapilhos, criados, menores e filhos-famílias. 139 Mais uma vez, o modo da
polícia identificar possíveis delinqüentes estava associado à condição social –
representada pelos trajes do indivíduo – e a idade.
Curiosamente, o medo que a polícia tinha desses ajuntamentos provocados pelos
jogos, tidos como prejudiciais à ordem pública e de servirem de escolas de crimes –
como se apresentavam para a população –, algumas fábricas de cervejas pareciam não
ter, ou pelo menos viam aí uma fonte de lucro bem mais rentável que os prejuízos que
porventura pudessem vir a ter com a disciplina de seus operários. Nas fábricas Phenix e
Nova Hamburgo – localizadas na rua da Florentina, no bairro de Santo Antônio –, eram
oferecidos jogos de parada chamados “estrada de ferro” e “prado”, que haviam sido
licenciadas indevidamente pela própria Intendência, tendo em vista as posturas
municipais promulgadas pela Lei nº 1129 de 26 de junho de 1873, que, em seu artigo
74, proibia todos os jogos de parada e continuava em vigor. A licença foi conseguida
sob o pretexto de darem como prêmios gêneros ao invés de dinheiro, mas os ganhadores
geralmente recebiam vales que trocavam por dinheiro, e quando levavam gêneros, eram
em cigarros, charutos ou cervejas. Muitos meninos freqüentavam os jogos das fábricas e
os habituais suspeitos da polícia – aquelas pessoas descalças que pertubam o socego
público. 140
O delegado Francisco do Rêgo Barros, resumia bem em seu ofício ao chefe de
polícia, a preocupação das autoridades em manter disciplinada as classes populares em
função do trabalho, ao reprimir o uso do jogo:

(...) Hoje que se procura melhorar a educação do nosso povo, empregando-


se os meios legaes para por termo nos vadios e vagabundos, não se pode
explicar a concessão de taes licenças, que alem de contrariar a lei se oppõe a

139
APEJE, Fundo SSP, 1ª Delegacia da Capital, Ofícios de 02 de novembro e de 31 de dezembro de
1887.
140
Idem, Ofícios de 05 de março e de 13 de março de 1890.
175

boa educação dos filhos famílias, pois em lugar de seguirem para suas escolas
e officinas vão as dictas casas obtém (sic) o pernicioso vicio do jogo.141

Mas se havia uma preocupação real das autoridades em coibir o jogo, cabe
perguntar a razão de não terem conseguido. Embora Santos Moreira afirmasse em seu
relatório que havia conseguido eliminar as casas de tavolagem e que diminuíra bastante
o jogo do bicho, a verdade é que os jornais não cansavam de denunciar pontos onde o
jogo ocorria. Uma das principais ruas do Recife – a rua da Imperatriz – era um dos
focos de jogatina da cidade. Em suas confeitarias e pastelarias elegantes se escondiam
bancas de rodas fichet e do jogo do bicho. Um dono de confeitaria dessa rua se defendia
da acusação de também manter jogos em seu estabelecimento, afirmando que realmente
recebera propostas para colocar roletas, mas que preferira conservar o seu negócio
lícito, embora pouco rendoso. 142
Como medida acauteladora contra essas casas comerciais, o subdelegado da Boa
Vista proibira o funcionamento delas depois das dez horas da noite, coisa que pouco
adiantava, pois mesmo aparentemente fechadas, as bancas de jogos continuavam a
funcionar clandestinamente. Os empresários do jogo tinham todo um esquema montado
para se prevenir da chegada da polícia. Espiões ficavam de sobreaviso nas esquinas das
casas, e um outro que se postava na entrada delas procurava atrasar a polícia, dando
chance dos contraventores fugirem. A polícia, por sua vez, também utilizava espiões,
infiltrando policiais disfarçados nas casas suspeitas, mas quem se aventurava a colocar
um negócio desse tipo vivia alerta para o perigo, e alguns desses policiais à paisana se
tornavam visados. 143
E aqui encontramos uma primeira razão para o insucesso da polícia. Os lucros
auferidos com o jogo eram suficientes para manter um aparato de segurança contra as
investidas da polícia e – mais importante do que isso – muita gente pertencente às
camadas média e alta da sociedade havia aderido ao ganho fácil do jogo, não apenas
como jogador mas também como sócio, às vezes, banqueiro. Um bicheiro de nome
Antunes, por exemplo, recebia com freqüência visitas do vice-governador de

141
Idem, Ofício do delegado Manoel Francisco do Rego Barros, ao Ilmº Sr. Dr. Antonio Antunes Ribas,
D. Chefe de Polícia de Pernambuco, 13 de março de 1890.
142
A Província, 09 e 24/ 02/1904.
143
A Província, 17 e 18/10/1901.
176

Pernambuco, além de manter boas relações com juízes e autoridades policiais. Um clube
elegante, de nome Democratas do Recife, situado à rua Barão de Vitória, havia sido
fechada por ordem do delegado do 1º Distrito da Capital por realizar jogos proibidos.
Entre a sua diretoria encontravam-se nomes importantes da sociedade recifense, como o
do seu presidente, José Manoel do Rego Barros, e de oficiais militares. 144
Por outro lado, se as autoridades policiais mais graduadas tinham interesse
verdadeiro em reprimir a jogatina, alguns subdelegados e inspetores de quarteirão
fechavam os olhos à contravenção em troca de favores – isto quando eles próprios não
tinham negócios diretos com o jogo. Devemos lembrar que os subdelegados vinham em
regra das famílias menos aquinhoadas pertencentes à classe dominante, e por isso
tentavam extrair do cargo que possuíam o máximo de proveito pessoal que podiam. O
nosso já conhecido genro do subdelegado das Graças que se passava por delegado, por
exemplo, era banqueiro de bicho, e um subdelegado de São José, era acusado de fechar
os olhos a uma casa de tavolagem em seu distrito. 145
No caso do jogo do bicho, especificamente, havia um outro motivo importante
para o fracasso da repressão. Ele era o mais acessível dos jogos, uma vez que qualquer
homem do povo poderia gastar alguns vinténs com ele, além do que as apostas corriam
à base de superstições, bem ao gosto popular, sem a necessidade de conhecer as
artimanhas de um jogo de baralho, por exemplo. Um sonho, um acontecimento fortuito
que lembrasse algum animal – eis um palpite formado. Os jogos praticados em casas de
tavolagem eram geralmente limitados aos homens e às prostitutas, enquanto o jogo do
bicho poderia ser feito por qualquer mulher do povo, sem restrições morais.
Tinha um ar inocente desde a sua criação. Foi inventado em 1892 pela empresa
que administrava o Jardim Zoológico do Rio de Janeiro, como uma das muitas
brincadeiras que serviria para atrair o público. Cada pessoa que visitasse o jardim
receberia pelo valor de 1$ réis, um bilhete com a figura e o nome de um dos 25 animais
existentes no zoológico. O nome do bicho sorteado do dia seria colocado às 7 horas da
manhã em um poste de cinco metros de altura, numa caixa fechada, a qual seria aberta
às 5 horas da tarde. O primeiro sorteio ocorreu em 2 de julho e saiu para a avestruz, que
levou o prêmio de 20$ réis. O total pago pelo Jardim Zoológico com o sorteio foi de

144
Idem, 23/03/1904 e Fundo SSP, 1ª Delegacia da Capital, Ofício de 22 de dezembro de 1915.
145
Idem, 01/10/1901 e 05/02/1905.
177

460$000 réis em prêmios. Depois disso, todos os dias o sorteio era anunciado pela
imprensa e a cada dia os valores eram mais altos, chegando a pagarem prêmios no valor
de 40:000$. A partir daí a inocência do jogo seria contestada pelo chefe de polícia do
Rio de Janeiro, que já em 23 de julho qualificou a diversão como ...um verdadeiro jogo
de azar, porque a perda e o ganho dependem exclusivamente do acaso e da sorte,
mandando proibir a sua continuação sob pena de ser processado o diretor do zoológico,
de acordo com os arts. 369 e 370 do Código Pena l. 146
Mas a inocência diante dos apostadores parecia ser corroborada pelas próprias
loterias de responsabilidade do governo, por onde o número do bicho sorteado era
conhecido, maneira pela qual os bicheiros encontraram para fugir à proibição, criando
quatro dezenas para cada animal. 147 Contradição flagrante: as loterias eram jogos que
dependiam exclusivamente da sorte, como o bicho, incorporado informalmente a ele.
Várias pessoas postavam-se ansiosas nas casas lotéricas esperando o resultado. 148 O fato
é que o jogo se espalhou por outras cidades do Brasil tão depressa quanto a proibição, e
ganhou a preferência popular. Os bicheiros, por essa época, procuravam facilitar a vida
de seus clientes, passando de porta em porta para recolher as apostas. O sucesso do jogo
era certo, cada um dos populares que habitualmente apostava tinha uma história bem
sucedida para contar, o que fazia esquecer as muitas decepções. 149
Um interessante diálogo entre algumas lavadeiras presenciado por um jornalista
numa estação de trem de subúrbio, nos dá o alcance do jogo do bicho na vida das
classes populares:

(...) Uma dellas, sugando um pequeno cachimbo de barro, fallava ás demais:


- Comprei só dois vintém. Pois não deu gato, senhora ?
- Na verdade ! Vusmicê podia ter ganho uns cobre ! Si tivesse comprado
mais, einh ?

146
“O Jogo do Bicho” in www.uol.com.br/O Rio de Janeiro através dos jornais. O artigo 369 dispunha
sobre as casas de tavolagem, que seriam consideradas todas as aquelas onde pessoas se reuniam
habitualmente para jogar, e o artigo 370 considerava como jogo de azar todo àquele que dependesse
exclusivamente da sorte. Cf. Novo Código Penal... .
147
Simone S. F. Soares, O jogo do bicho, p.195.
148
A Lei nº 2321, de 1910, proibia a qualquer loteria ou rifa não autorizada a correr anexa à outra loteria
autorizada. Idem, p.199.
149
DP, 01/02/1905.
178

- Olhe, sinhá Chiquinha, começou a outra, ternante-hontem também eu


tive um sonho que sahio certo. Sonhei que estava empregada para lava
roupa. Mas, era tanta roupa que eu não podia ! Tanto que eu me
despedi... Mas fiquei bestando no sonho. É jacaré, é jacaré, por força. E,
de tarde, quando o bicheiro passou eu perguntei. Foi jacaré memo! Hoje
é que vou receber o dinheiro; hontem não achei o diabo do papé.
Nesse gênero, cada uma daquellas mulheres contou por sua vez a historia de
seus palpites.
Não nos contivemos e perguntamos por fim:
- Vocês ainda jogam bicho ?
- E então ? (sic) nos responderam em coro. Onde a gente mora, o bicheiro
anda todos os dias de porta em porta...
- Que lucro vocês tiveram nisso ?
- Ah ! meu senhor a gente não tem de quem herdá...O bicho é nossa
salvação ! Quando a gente é feliz...
E cada uma que narrasse negocios feitos com o bicho:
- Olhe, tia Rita, fez o mucambo com a borboleta...
- E Zefinha quantos vestidos tem com a cobra ?
- Sinha Joanna já juntou quanta (sic) mil réis com o urso...
- E quanto gastaram todas ellas para chegarem a esse lucro ficticio ?
replicamos nós.
- Lá isso é verdade, moço, mas a gente não pode deixar de jogá. Vai se
aventurá. Quem não se arriscou não perdeu nem ganhou... 150 (grifos no
original).

E a atitude de esperança sustentada por essas lavadeiras, era a mesma que


animava o espírito da maioria dos homens pobres – a esperança daqueles que após anos
de exaustivos trabalhos não tinham nada para herdá, a não ser a sua própria sorte. E esta
era uma motivação difícil de ser combatida pela polícia, uma vez que a situação
econômica desses homens permaneceria igual até os dias de hoje – como do mesmo
jeito ocorreu com o jogo do bicho.

150
DP, 01/02/1905.
179

***
Se ganhar dinheiro sem trabalhar ou em trabalhos considerados ilícitos figurava
como um perigo que poderia gerar sérios danos à ordem pública, ganhar dinheiro em
uma atividade que oferecia como mercadoria o prazer físico era desprezado como um
atentado ao próprio núcleo constitutivo da sociedade – a família – e, portanto, a tudo
que a ela estava associada, como a propriedade e a herança:

(...) Há quem, sem a menor [vergonha], proclama que a libertinagem, hoje,


faz parte da civilização, sem se lembrar que uma sociedade sem família não e
sociedade, não é nada. 151

Desprezar e combater a prostituição, não significava, no entanto, excluí- la de vez


da sociedade, mas sim normatizá- la, criando um espaço para ela que não maculasse a
moral burguesa, ao contrário, dando- lhe uma função de preservar essa mesma
moralidade. Era importante para a tranqüilidade das moças de família, que os homens
tivessem aonde descarregar os seus instintos sexuais, sem com isso prejudicar o bom
nome de seus pais e maridos. Também era visto como uma forma dos rapazes não se
degradarem com o homossexualismo. Por isso, embora fosse controlada a partir das leis
que coibiam a vadiagem e as ofensas à moral e bons costumes – não havia leis que
tratassem diretamente da prostituição no Código Penal de 1890 –, era um tipo de delito
que desde o início as autoridades não tinham por fim acabar, mas apenas limitar a sua
circulação e os abusos que o comércio do prazer poderia trazer. 152
As “mulheres de má vida”, “filhas de Jerusalém”, “camélias”, “horizontais” –
como eram chamadas as prostitutas –, estavam espalhadas desde os becos e travessas
mais pobres das freguesias do Recife e São José, até as pensões e hotéis chics existentes
no bairro de Santo Antônio. Não encontramos referências a “mulheres indecentes” no
bairro da Boa Vista nem nos subúrbios mais elegantes da época, o que pode significar
que a prostituição era tolerada pelas autoridades policiais apenas naqueles locais. Mas
elas podiam ser vistas nos folguedos populares, onde eram figuras, às vezes, de
destaque, como nos pastoris. Alguns cronistas da época e o periódico “O Periquito”

151
APEJE, Fundo SSP, 1ª Delegacia da Capital, Relatório do delegado Enéas Pereira de Lucena ao Exmº
Dr. Chefe de Polícia de Pernambuco, 06 de janeiro de 1914.
152
Cf. João Batista Mazzieiro, “Sexualidade criminalizada: prostituição, lenocínio e outros delitos – São
Paulo, 1870/1920”, in Revista Brasileira de História, v.18, nº 35, São Paulo, 1998.
180

associavam muitas pastoras ao mundo da prostituição. 153 De fato, as pastoras apareciam


em situações inapropriadas para jovens recatadas. Em uma dessas, bêbados e pastoras
aprontaram um rebuliço dentro de um bonde que voltava de Santo Amaro – local de
apresentação de pastoris – proferindo obscenidades e obrigando alguns passageiros a
saltarem para dar lugar a elas. 154 A tabela 4 mostra que as prisões em Santo Amaro
davam-se mais justamente nos meses de dezembro e janeiro, época dos pastoris, e a
tabela 5 que as mulheres tinham presença marcante nas ocorrências policiais na
categoria de ofensas à moral pública, que em 1885 chegou a ser de 69,24%, grupo que
incluía as detidas por prostituição ou que apresentassem condutas indesejáveis, como
ocorria com freqüência nos pastoris. A embriaguez e a as desordens eram outros
motivos para a prisão de mulheres das camadas pobres, e também neste grupo muitas
prostitutas acabavam sendo levadas para a Casa de Detenção.
As reclamações contra as prostitutas do baixo meretrício eram as que com
freqüência saíam nos jornais. O linguajar obsceno, a maneira de se vestirem, o
comportamento tido como agressivo à moral e as diversas brigas provocadas por ciúme
tanto entre elas, como entre os homens que as freqüentavam, eram os principais motivos
de queixas dos moradores vizinhos a elas:
Policia de Santo Antonio – Dizem-nos n’outro bilhete postal que, quase
todas as noites, depois das 9 horas, reúnem-se algumas camelias n’um hotel
da travessa da rua Duque de Caxias (antiga do Queimado), e ahi praticam
cousas do arco da velha, que seriamente incommodam os visinhos do dito
hotel; sendo que ás vezes as gentilezas chegam as contendas, de que resultam
ferimentos.
Chamamos para isso a attençao do Sr. subdelegado da freguesia de Santo
Antonio.155

Em uma dessas reclamações, como ao que parece o subdelegado não levou em


consideração, os vizinhos de uma filha de Jerusalém apelaram para uma outra

153
Cf. Raimundo Pereira A. Arrais, op. cit., p.86.
154
Jornal do Recife, 19/01/1914.
155
DP, 26/07/1881.
181

estratégia, solicitando ao juiz de Órfãos que tirasse da mãe meretriz a sua filha menor, ...
para evitar que mais tarde seja augmentado o número das infelizes com mais essa. 156
Controlar a prostituição do baixo meretrício, por sua vez, era controlar também os
homens das camadas populares, evitando que se acostumassem a uma vida desregrada,
onde mulheres, bebidas e desordens estavam freqüentemente associadas. Era a antítese
da disciplina doméstica, que em perfeita sintonia com o mundo do trabalho, instituía
horários para acordar, comer, fazer sexo e dormir. Por isso, a polícia procurava
restringir sempre que possível os horários de funcionamento dos hotéis populares que as
prostitutas freqüentavam, o que por lei deveria ser até às nove horas da noite. Foi o que
o subdelegado de Santo Antonio mandou que todos os hotéis de sua jurisdição
cumprissem, depois da reclamação reproduzida acima. 157
Da mesma forma, os horários em que faziam ponto nas ruas para atrair clientes
eram controlados, uma vez que elas eram tidas como as principais causadoras dos
conflitos que ocorriam entre populares e, inclusive, entre marinheiros e polícia. Depois
de uma dessas confusões aprontadas por marinheiros, o subdelegado de Santo Antônio
justificou o deslize destes alegando ao delegado Enéas de Lucena

...que o mal está no fato de mulheres de vida fácil, de 18 ás 22 horas,


permanecerem de pé na frente das escadas dos prédios em que residem á rua
das Trincheiras, Estreita do Rosário, pateo do Carmo, etc.
Reúnem ali marinheiros, passam as patrulhas e, certamente vem daí a
reclamação ... 158

Obviamente, não era exclusividade dos marinheiros se envolverem em confusões


por conta das meretrizes. Soldados de linha, bombeiros e muitos policiais não só
freqüentavam-nas como chegavam a viver conjugalmente com elas, o que demonstra
que, apesar de todo o preconceito, conseguiam despertar afetividade entre os homens. 159

156
DP, 17 e 30/10/1870.
157
DP, 27/07/1881.
158
APEJE Fundo SSP, 1ª Delegacia da Capital, Ofício do subdelegado de Santo Antonio para o Ilmº Sr.
Dr. Delegado do 1º Distrito, Enéas de Lucena, de 17 de abril de 1915.
159
Cf.APEJE, Fundo SSP, Ofícios de 18 de agosto de 1888, 28 de outubro de 1990 e 08 de março de
1913; A Província, 03/09/1901.
182
183
184

O delegado – que era um obstinado perseguidor da prostituição – não teve dúvidas


de limitar o horário das ... mulheres de vida fácil fazerem plantão nas esquinas e
escadas dos prédios onde residem... para até às 7 horas da noite. 160
As prostitutas de luxo, por sua vez, não tinham suas atividades denunciadas nos
jornais, só tendo sua tranqüilidade ameaçada pela própria polícia. Quando ocorria de
serem chamadas à presença de uma autoridade policial, tentavam se livrar de alguma
penalidade alegando possuírem uma profissão honesta, em regra a de costureira. 161
Geralmente eram estrangeiras que mantinham bordéis. Em 1914, havia quatro
“pensões” em Santo Antônio, a que o delegado se referia como fantásticas: a Pensão
Chic – situada na rua do Sol –, a Avenida, Parisiense e Blanche. Essas casas eram
alugadas por uma boa soma em dinheiro, o que revela um negócio lucrativo. Mas a
concorrência também era acirrada. A dona da Pensão Chic, Helena Michel – então uma
das mais famosas prostitutas recifenses da época –, pagou dois contos de réis ao
proprietário de um prédio vizinho, para que não fosse alugado a uma outra francesa que
pretendia colocar um estabelecimento igual ao seu. 162
Esta já era uma matéria que o Código Penal criminalizava. Auferir lucros direta
ou indiretamente com a prostituição era crime de lenocínio, previsto no artigo 278. 163
Tanto os locatários como aqueles que alugassem casas, sabendo a que fim se destinaria,
eram passíveis de serem presos. A lei contra o lenocínio visava antes de tudo coibir o
tráfico de mulheres para o comércio da prostituição, o que mais preocupava as
autoridades. Em todo o Brasil, o número de mulheres brancas trazidas para exercerem a
prostituição estava se tornando alarmante, e o Recife, como um dos principais pontos de
desembarque de estrangeiros, passava a ser alvo de cuidado das autoridades locais:

(...) Reputo perigosa para a sociedade e quiçá para a familia a emigração


crescente que todos os dias se avoluma, tomando proporções verdadeiramente

160
Idem, Ofício do delegado Enéas de Lucena, para o Ilmº Sr. Dr. Chefe de Polícia, 17 de abril de 1915.
161
As mulheres que exerciam alguma profissão eram só até certo ponto consideradas honestas. Como
eram geralmente viúvas ou solteiras desamparadas, eram vistas com desconfiança pela sociedade. Um
médico do Rio de Janeiro da década de 1920, por exemplo, chegou a fazer uma classificação dos
diferentes tipos de prostitutas, incluindo as floristas, modistas, costureiras, vendedoras de charutos etc., no
primeiro gênero das prostitutas “trabalhadoras”, da primeira classe das difíceis, da prostituição pública.
Cf. Margareth Rago, op.cit., p.88.
162
APEJE, Fundo SSP, 1ª Delegacia da Capital, Relatório do delegado Enéas Pereira de Lucena ao Exmº
Dr. Chefe de Polícia de Pernambuco, 06 de janeiro de 1914.
163
Novo Código Penal ...
185

assombrosa, por parte dessas vagabundas, que (...) exploram o trafico das
brancas, procurando iludir á lei e readquirir a existencia perdida com a
infância da profissão.
(...) Para suas glórias e facilidades nas transações com os ignóbeis
representantes do proxenitismo, verdadeiros rufiões – é duro de dizer mais é
a expressão sincera da verdade – sobe aqui a um número avultadíssimo (...). 164
(grifos no original)

Por outro lado, as prostitutas de luxo podiam circular com maior facilidade pelas
ruas elegantes do Recife, pois, ao contrário das meretrizes pobres, tinham condições de
enganar a moral burguesa com o dinheiro conseguido com os próprios “homens de
bem”. Isto era sentido pelo delegado Enéas como uma ameaça a que outras jovens
pudessem ser aliciadas para a profissão:

... transformando-se, vestem-se a moda, e, passeiam o seu luxo e elegância


165
nas ruas e boulevards, espreitando com avidez alguma “fielevert”. (grifos
no original)

Embora as donas de bordéis pudessem ser enquadradas no crime de lenocínio,


tornava-se difícil a repressão a elas, uma vez que muitos interesses as rodeavam, como a
satisfação sexual dos seus protetores, muitos deles figuras expoentes no meio político e
social, além de se comportarem como cidadãs comuns ao manterem em dia seus
impostos:

(...) Vivendo em hospedarias que dão o nome de pensões, pagam impostos,


são negociantes, tem protetores – não são vadias, as vitimas não as acusam –
não são criminosas! Entretanto, a lei existe e o trafico das brancas
aumenta...166 .(grifos no original)

164
APEJE, Fundo SSP, 1ª Delegacia da Capital, Relatório do delegado Enéas Pereira de Lucena ao Exmº
Dr. Chefe de Polícia de Pernambuco, 06 de janeiro de 1914.
165
Idem.
166
APEJE, Fundo SSP, 1ª Delegacia da Capital, Relatório do delegado Enéas Pereira de Lucena ao Exmº
Dr. Chefe de Polícia de Pernambuco, 06 de janeiro de 1914.
186

Realmente, o número de estrangeiras nas pensões da freguesia de Santo Antônio


leva a suspeita de tráfico de mulheres para o comércio da prostituição. Em cada uma
delas, havia de oito a dez mulheres de variadas nacionalidades, somando um total de 34.
O movimento de entrada de presos correcionais da Casa de Detenção para o ano de
1909 (vide tabela 8) contava quatro mulheres estrangeiras, que deveriam estar presas
justamente por algum tipo de desordem ou ofensa à moral.
Pelo menos uma das pensões o delegado Enéas conseguiu fechar, justamente a
Pensão Chic. Ao ser presa, acusada de ter esbofeteado um seu ex-criado, Helena Michel
foi defendida com vigor pelo repórter Alfredo Velloso, do jornal Estado de
Pernambuco, que chegou a ser preso por isso, sendo, porém, logo depois solto por se
tratar de um moço da imprensa. Este fato demonstra que estas mulheres podiam
granjear boas amizades, dependendo do status, verdadeiros protetores. Mas as
conveniências também influíam na hora de intervir, e se Helena Michel tinha protetores,
esses acharam por bem não tomarem nenhuma atitude a seu favor, pois foi recolhida à
Casa de Detenção e teve a licença de sua pensão cassada pelo prefeito, o que parece
intrigante. Na mesma noite em que foi presa, já havia sido intimada pelo delegado
Enéas para esclarecer um distúrbio que havia ocorrido em seu estabelecimento, mas não
tendo considerado o fato de grande importância, o delegado advertiu-a e mandou-a
embora. Logo depois, no entanto, com a agressão contra o criado, a coisa mudou de
figura. O intrigante nesta história é que no primeiro episódio o delegado tinha uma
brecha para processar Helena por distúrbios e ofensas à moral, o que justificaria ela ter
perdido a sua licença. Já no segundo caso, ela deveria ser processada apenas por ofensas
físicas, e assim feito parece plausível que tivesse recursos financeiros para contratar um
advogado e conseguir sair logo da prisão. 167
A prostituição era um espaço de reação e exploração da mulher de origem
humilde, uma vez que tanto lhe dava uma certa autonomia, dando- lhe condições
alternativas de sobrevivência diante de um mercado de trabalho restrito ao mundo
feminino, bem como de participação mais efetiva no mundo masculino. Como diz
Magali Engel, a prostituta seria a grande interlocutora dos freqüentadores dos bordéis
de luxo da cidade nas discussões sobre política, artes, economia etc.168 Uma mulher

167
Idem; Jornal do Recife, 24/01/1914.
168
Magali Engel, Meretrizes e doutores, pp.26-27.
187

como Helena Michel, por exemplo, não nos passa uma idéia de fragilidade, mas de uma
mulher que sabia manipular muito bem os homens. E esta não era uma condição restrita
às mulheres que trabalhavam em prostíbulos de luxo. As prostitutas pobres também
sabiam lidar com seus homens, e a liberdade sexual que tinham, demonstrada
publicamente pelas roupas que vestia m, a sensualidade que exibiam e o total
descompromisso com as convenções sociais, deveria ser o que mais incomodava aos
seus vizinhos, presos a uma moralidade rígida.
Havia, entretanto, o outro lado da moeda, representado pela exploração de que
podiam ser vítimas através dos rufiões e das cafetinas, e dos maltratos a que estavam
sujeitas. Note-se que em nenhum momento o delegado Enéas – e como ele, as outras
autoridades policiais – enxerga nos clientes dos bordéis cúmplices do crime de que as
meretrizes eram responsabilizadas. Na verdade, eram antes vistos como vítimas, que por
esse meio podiam ser contagiados por doenças venéreas e levarem o mal para o seio das
famílias, além de transformarem trabalhadores sadios e produtivos em homens doentes
e sem disposição para o trabalho – motivos pelos quais a prostituição seria assunto
tratado exaustivamente pelos médicos higienistas. Estes tratariam de caracterizá- las
como preguiçosas, avessas ao trabalho, mentirosas, burras e de apetite sexual anormal,
estabelecendo a partir de critérios pseudocientíficos, o que deveria ser considerado o
comportamento sadio e o comportamento doentio de uma mulher. 169
***
Todas as ilegalidades populares aqui analisadas tinham algo em comum – a
criminalização dava-se mais apoiado em conceitos morais e, portanto, subjetivos, de
como deveria se comportar os indivíduos para que se tornassem cidadãos laboriosos e
proveitosos a sociedade toda. Esses conceitos, criados pelas elites como uma forma de
disciplinar as camadas sociais de onde provinham os trabalhadores, penalizava as
classes populares associando a elas hábitos e atitudes que seriam próprios à condição de
pobreza em que viviam, como se o crime fosse coisa quase exclusiva de uma certa
classe social. 170
Neste sentido, as palavras de um chefe de polícia ao reclamar das constantes
críticas recebidas da imprensa, torna-se exemplar:

169
Margareth Rago, op.cit., pp.86-89.
170
Michel Foucault, op. cit., p.242.
188

A imprensa (...) sem indagar das causas sociais que contribuem, ou antes
que fazem a crise criminal de um momento, numa ingenuidade risível para
quem conhece o pendor ao crime de nossas classes populares, sem instrucção,
sem um nível moral mediocremente elevado, com a embriaguez, com a
miséria, com a prostituição, a imprensa contenta-se em passar diplomas a
crimes contra a vida e a propriedade dos cidadãos ! 171 (grifos meus).

A ação da polícia nas ruas, entretanto, não seria suficiente para atenuar o
incômodo e o medo gerado pelas classes populares entre as elites. De fato, a estrutura
carcerária será um dos dispositivos largamente utilizado para isolar e tentar redisciplinar
os indivíduos que não se enquadravam dentro dos parâmetros de controle perseguidos,
fosse em razão do crime, como em razão da miséria ou simplesmente da doença, como
veremos no capítulo seguinte.

171
APEJE, Relatório do Ilmº Sr. Dr. Ulysses Gerson Alves da Costa, ao Exmº Sr. Dr. José Osório de
Cerqueira, M.D. Secretario Geral do Estado de Pernambuco, 1910.
CAPÍTULO 4

UMA CASA PARA CRIMINOSOS, ESCRAVOS, LOUCOS,


PROSTITUTAS E MENDIGOS: A CASA DE DETENÇÃO DO RECIFE

Se à polícia estava reservada a tarefa de prevenir/reprimir as infrações e crimes


praticados pelas camadas populares do Recife, à Casa de Detenção caberia a missão de
punir exemplarmente esses desvios e redisciplinar o desviante, para que, conforme o
grau de sua periculosidade, fosse novamente reconduzido ao convívio da sociedade. Em
princípio, seria esta a sua função. Mas como todas as prisões do mundo, o maior
presídio do Norte reunia dentro de seus muros altos e com aparência de intransponíveis,
ao mesmo tempo, a vigilância e a disciplina capaz de separar o indivíduo ameaçador à
ordem social das “pessoas pacíficas” e dos “cidadãos probos”; e os mesmos conflitos
sociais que atravessavam suas muralhas, impedindo a materialização daquela disciplina.
Iniciada sua construção em 1850 e posta para funcionar em 1856 (embora só fosse
concluída em 1867), a Casa de Detenção do Recife foi um exemplo do que as elites
poderiam fazer para intimidar aquela parte da população que, antes de tudo, era um foco
de preocupação para o seu bom governo. Talvez não tenha sido coincidência o fato de
ser proposta a sua criação pouco tempo depois da Revolução Praieira, movimento que
trazia consigo os ares reformistas europeus na área social. Imponente, com sua forma
em cruz às margens do Capibaribe, devia imprimir um temor e um aviso àqueles que
julgassem poder fugir ao domínio da Justiça sem quitar devidamente suas dívidas. A
polícia, na rua, observando e reprimindo os comportamentos indesejáveis; a Casa de
Detenção, visível a uma distância considerável, alertando o quanto poderia ser perigoso
fugir à ordem estabelecida. Eis dois dos principais instrumentos que o Estado utilizaria
para impor o seu padrão de comportamento urbano: o aparelho repressivo e o aparelho
que torna os indivíduos dóceis e úteis à sociedade. 1

1
Robert Storch, “O policiamento do cotidiano na cidade vitoriana”, in Revista Brasileira de História, v.5,
nº 8/9, pp.7-33; M. Foucault, Vigiar e punir, p.207.
190

Presídio ou penitenciária ?

Construída pelo engenheiro e arquiteto pernambucano José Alves Ferreira


Mamede 2 , a Casa de Detenção foi uma construção imponente – levou um ano apenas
para se fazer o seu aterro –, tendo sido gasta uma soma fabulosa de 805:372$743,
quando inicialmente tinha sido orçada em 237 contos, no máximo 300 3 . Ela foi moderna
ao ser construída sob a tecnologia do panóptico radiante, o que significa que as celas
ficavam dispostas de modo que o vigia do seu ponto de observação, poderia ver tudo
que se passava dentro delas, através das sombras projetadas pela luz que atravessava as
janelas. Nas palavras de um arquiteto da época, unia a arte à ciência, pois era uma das
poucas construções que possuía harmonia entre a sua forma e a necessidade a que
atendia:

A simplicidade do estylo, a solidez das alvenarias, preponderância dos


claros sobre os vãos, a estructura recta das grades de ferro, alli estão a
produzir o sentimento de firmeza que desperta a idéa do juiz formando a culpa
ou julgando o criminoso; e o sentimento da caridosa gravidade que lembra
para logo o homem moderno cogitando do aperfeiçoamento de seu semelhante
levado por aquelle degráo á regeneração... 4

Nos corredores e pátios da prisão deveria haver luz suficiente dia e noite... para
que não escape a vigilância dos guardas qualquer movimento dos presos. Esse sistema,
no entanto, sofreu limitações. Além da grade de ferro, havia uma outra porta de madeira
que se fechava por fora. Os presos de bom comportamento tinham permissão para
deixar esta última porta aberta das seis horas da manhã às seis da tarde, contrariando

2
José Mamede Alves Ferreira foi um dos maiores engenheiros de Pernambuco do século XIX, tendo
construído entre outras obras o Hospital Pedro II, o Cemitério Público de Santo Amaro, e o Ginásio
Pernambucano. Para maiores detalhes sobre a sua obra, vide Cleonir X. de A. Costa e Vera Lúcia C.
Acioli, José Mamede Alves Ferreira: sua vida, sua obra (1820-1865), Recife, Revista do Arquivo Público
do Estado Jordão Emerenciano, Secretaria de Turismo, Cultura e Esportes, 1985.
3
Idem, p.33.
4
A. Pereira Simões e Herculano Ramos, Uma visita á Casa de Detenção por um architecto e um
engenheiro civil, pp.7-8.
191

assim a prescrição de vigilância absoluta e ininterrupta justamente sobre os que


mantinham uma atitude recalcitrante. 5
O Regulamento de 1855 e o de 1885 – o qual durou até a República Velha –,
estabeleciam quatro classes de presos: os que estavam sob custódia para averiguações,
os indiciados em crimes, os condenados e os escravos, que eram subdivididos em outras
categorias, segundo o sexo e a natureza do crime. No raio norte ficavam os réus
pronunciados, no raio sul os presos correcionais e no raio leste – que só foi concluído
em 1867 – deveriam ser mantido os sentenciados. 6
Pelas tabelas a seguir, 7 temos uma idéia da composição dos presos da Casa de
Detenção. No ano de 1885 (tabela 6) a maior parte era constituída de homens
sentenciados, enquanto no ano de 1909 (tabela 7 e 11) o total de presos correcionais era
bastante superior a esta última categoria. A diferença na amostragem das tabelas se
prende ao fato de que na primeira temos uma posição fixa – no último dia do ano – dos
detentos ali existentes, enquanto que na segunda está registrada o fluxo intenso de
entradas e saídas, muitas vezes ocasionadas por um mesmo indivíduo, que se davam
mais devido aos delitos menores. Isto indica que a sua função estava sendo desvirtuada,
uma vez que os presos sentenciados estavam permanecendo mais tempo do que o
devido.
O número de escravos era pequeno em relação a anos anteriores (tabela 6), apenas
7,88% do total, sendo a maioria detida correcionalmente, existindo ao todo 25 escravos.
Segundo dados obtidos a partir de mapas de presos da Casa de Detenção, em 1876, a
quantidade de escravos apenas na categoria dos correcionais girava em torno de 25; em
1883 esse número era de 21. Ainda na tabela 6, os escravos recolhidos para correção
somam 12, enquanto os mapas de 1886 e 1887, por sua vez, mostram um declínio nessa
categoria, cerca de cinco. 8
As mulheres (cf. tabela 6) perfaziam o total de 3,78%, estando principalmente
entre os detidos correcionais, o que ocorria geralmente por ofensas à moral pública, e

5
APEJE, Regulamento da Casa de Detenção da Cidade do Recife de 1885, arts. 21 e 22.
6
DP, 12/03/1868.
7
As tabelas 7 e 11 apresentam os motivos das prisões exatamente como apresentadas nos documentos
originais. Preferimos não agrupá-las em categorias mais precisas para que o leitor possa ter idéia dos
vários motivos de entrada de presos na Casa de Detenção.
8
APEJE, CDR, Ofícios de 3 de janeiro de 1876, v.13, p.423; de 5 de dezembro de 1876, v.13, p.484; de 4
de janeiro de 1883, v.27, p.9; de 1º de março de 1886, v.33, p.189; de 22 de julho de 1886, v.34, p.276 e
de 26 de julho de 1887, v.36, p.287.
192

nesta categoria estavam quase igualadas aos homens. Mas na contagem de um ano todo,
a sua presença era bem maior – 22,88% do total das entradas de prisioneiros
correcionais (tabela 7).
O número de estrangeiros tanto entre os detidos correcionalmente como entre os
sentenciados (tabela 8 e 9), era pequeno – 1,62% e 1,10%, respectivamente – mas ainda
assim revela o caráter de cidade portuária do Recife, recebendo sempre fluxos de
pessoas de outros países.
Entre os presos correcionais (tabela 7), 37,12% tinham cometido algum tipo de
desordem que não estava associado ao uso de álcool, embora a embriaguez tivesse lugar
entre os motivos mais freqüentes para a prisão. Muitos, como se pode perceber, eram
presos por praticarem distúrbio. A diferença entre eles e os desordeiros era que estes
últimos já eram conhecidos da polícia como tal e já tinham passagem na Casa de
Detenção. Logo em seguida aos desordeiros, vinham os “gatunos”. A maioria absoluta
dos sentenciados era de analfabetos (tabela 10), cerca de 73%, o que não deveria ser
diferente entre os correcionais. A lista era encabeçada por crimes violentos, como os
homicídios e os ferimentos (tabela 11).

Tabela 6

Presos existentes na Casa de Detenção do Recife em 31 de dezembro de 1885


SENTENCIADOS PRONUNCIADOS EM PROCESSO CORREÇÃO Total
Nac Est Esc Nac Est Esc Nac Est Esc Nac Est Esc

H M H M H M H M H M H M H M H M H M H M H M H M 317
149 3 2 0 8 0 50 0 0 0 1 0 77 1 3 0 3 1 4 3 0 0 8 4
Fonte: APEJE, Fundo Chefes de Polícia, Relatório apresentado ao presidente da Província de
Pernambuco pelo chefe de polícia Antonio Domingos Pinto, 1886. Obs: Nac=nacionais,
Est=estrangeiros, Esc=escravos, H=homem, M=mulher.

A classificação dos indivíduos era seguida de restrições que se transformavam, no


final das contas, em privilégios para alguns, formando uma certa hierarquia dentro da
penitenciária com lugares definidos para cada um dos presos: os detentos da primeira e
segunda classe podiam escrever a seus parentes e amigos e receber cartas sem serem
lidas pela administração; já os da terceira e quarta classe tinham toda sua
193

correspondência fiscalizada. As visitas eram realizadas no cancelão das 10h da manhã


até à 1h da tarde, sob autorização do administrador, que poderia concedê- las todos os
dias para os presos da primeira e segunda classe, e, quando achasse conveniente, para os
da terceira e quarta classe. Os que pertenciam à primeira classe, sob licença do chefe de
polícia, poderiam passear duas vezes por dia, pelo espaço de meia hora cada passeio,
pelos corredores e pátios internos do presídio. Os da segunda classe tinham o direito
reduzido a uma vez por dia, e os presos da terceira e da quarta classe só poderiam
usufruir os passeios caso fosse recomendação médica, e nunca por espaço superior a um
quarto de hora por dia. No caso dos escravos e dos condenados às galés, pelo
Regulamento de 1855 eram indicados a fazerem os serviços de faxina, que compreendia
a limpeza do prédio e o abastecimento de alimentos e água, o que, neste caso, implicava
em terem que sair à rua para buscarem os gêneros. Tinham, portanto, chance de saírem
com freqüência de suas celas. Em 1885, no entanto, os escravos seriam dispensados
dessas tarefas, que foram vistas pelos senhores como um privilégio. 9
À diferenciação das condutas a serem seguidas com cada classe de prisioneiros,
dava-se um diferencial de reconhecimento. Tal procedimento se iniciava com o
tosquiamento dos presos assim que estes chegavam à Casa de Detenção, somando à
necessidade de higiene dentro do estabelecimento, a impressão de uma marca entre os
livres e os detentos. Depois dessa primeira diferenciação, seguiria a que marcaria cada
classe de presos. Os prisioneiros da terceira e quarta classe eram obrigados a se
barbearem todos os sábados e cortarem o cabelo “à escovinha” todo mês, enquanto os
da primeira e segunda classe só eram obrigados a cortar o cabelo, sem exigência de
tamanho. 10 O reconhecimento de ser esta uma prática que visava principalmente
estabelecer uma separação entre a vida de antes e depois do encarceramento, pode ser
percebido na recomendação do chefe de polícia ao administrador da Casa de Detenção
de que não continuasse

...a sujeitar indivíduos ali recolhidos por horas ou pouco dias em


conseqüencia de embriaguez ou diligencias indispensáveis mas que não
motivam procedimento judicial, a disposições regulamentares só aplicaveis

9
APEJE, Regulamento... de 1885, arts. 14, 24, 27, 28 e 29, e Regulamento... de 1855, art.14.
10
Idem, Regulamento... de 1885, arts. 37 e 38.
194

aos demais presos como corte de cabelo etc...aplicação da qual se tem


abusado fazendo tosquiar grosseiramente a individuos recolhidos por horas. 11

Uma outra marca que os diferenciava, desta vez economicamente, era o fato de
que apenas os presos pobres recebiam comida e vestimenta do Estado. Os escravos
presos para receberem açoites ou por “andar fugido”, receberiam roupa e comida da
mesma forma, mas seus senhores teriam que pagar essas despesas antes de retirá- los. 12
Caso fosse levado a efeito, essas marcações promoveriam uma classificação
precisa de quem era quem dentro do presídio e o lugar que cada um deveria ocupar no
seu funcionamento.
Marcados os lugares, a Casa deveria seguir uma rotina que desse condições ao
indivíduo de receber preceitos morais através da higiene, da religião, e do trabalho (que
analisaremos em separado, devido a sua importância). Todos os recursos de
adestramento social que não haviam dado certo no lado de fora de seus muros deveriam
ser empreendidos sistematicamente dentro deles: ao acordarem, os que não estivessem
doentes deveriam fazer a oração da manhã, lavar o rosto e as mãos, para que às 6 horas
estivessem preparados para a visita médica. O almoço era servido das 7 às 8 horas da
manhã. Depois disso, estaria incluída alguma atividade física, como os passeios ou
trabalhos nas oficinas ou nas próprias celas. De 1 às 2 horas da tarde, o jantar seria
servido, após o qual haveria mais trabalho para quem tivesse uma profissão; e das 5 às 6
horas da tarde, a ceia, que encerraria mais um dia dentro da penitenciária. 13
O médico, ao lado do confessor e talvez até mais do que ele, tinha uma grande
influência sobre os presos. Era ele quem aliviava as suas dores físicas, quem poderia
prescrever um passeio medicinal ou recomendar a soltura de algum deles que estivesse
na solitária. Uma palavra sua, e o seu saber científico destacaria pessoas anormais das
normais. Era, por isso, um aliado na transmissão e reforço da cadeia disciplinar. Na
primeira década da República aparecem os relatórios médicos que, tanto quanto os dos
administradores, serviriam como um indicador das condições morais em que se

11
Idem, CDR, referência 2.7/62, Ofício do chefe de polícia, Joaquim José de Oliveira Andrade, ao
administrador da Casa de Detenção, 4 de agosto de 1888, s/p.
12
Idem, Regulamentos... de 1855, arts. 56, 57, 58, 61, e de 1885, Cap.IV.
13
APEJE, Regulamento... de 1855, art.60 e de 1885, art. 39.
195

encontravam os detentos, atentos a que moralidade não combinava com doenças e


promiscuidade.

Tabela 7

Nº de presos correcionais que deram entrada na


Casa de Detenção do Recife no ano de 1909, de
acordo com o delito.

TIPO DE DELITO TOTAL


DESORDEIROS 962
GATUNOS 731
EMBRIAGUEZ 59
EMBRIAGUEZ E OFENSA Á MORAL 34
EMBRIAGUEZ E DESORDEIRO 2
VAGABUNDOS 159
ARMAS PROIBIDAS 7
GATUNO E DESORDEIRO 4
EMBRIAGUEZ E DISTÚRBIOS 48
DISTÚRBIOS 16
JOGOS PROIBIDOS 59
OFENSAS Á MORAL 93
DESORDEIRO E OFENSA Á MORAL 6
OFENSAS Á MORAL E DISTÚRBIOS 2
GATUNO E VAGABUNDO 2
FEITICEIRO 5
TURBULENTO 2
LOUCOS CORRECIONAIS 185
LOUCAS CORRECIONAIS 215
TOTAL 2591
Fonte: APEJE, Relatórios dos Chefes de Polícia, Relatório
apresentado ao governador do Estado de Pernambuco pelo
chefe de polícia, Ulysses Gerson Alves da Costa, em 31 de
janeiro de 1910.
196

Tabela 8
Categoria dos presos correcionais da Casa de
Detenção do Recife (1909)
(nacionalidade e sexo)
CATEGORIA TOTAL
HOMENS NACIONAIS 1960
MULHERES NACIONAIS 589
HOMENS ESTRANGEIROS 38
MULHERES ESTRANGEIRAS 4
TOTAL 2591
Fonte : Idem.

Tabela 9

Categoria dos presos sentenciados da Casa de


Detenção (1909)
(nacionalidade e sexo)
CATEGORIA TOTAL
HOMENS NACIONAIS 610
MULHERES NACIONAIS 19
HOMENS ESTRANGEIROS 7
MULHERES ESTRANGEIRAS 0
TOTAL 636
Fonte: Idem.

Tabela 10

Grau de instrução dos presos sentenciados da


Casa de Detenção (1909)

SABEM LER 170


ANALFABETOS 466
TOTAL 636
Fonte: Idem.
197

Tabela 11
Nº de presos sentenciados existentes na Casa de
Detenção no ano de 1909, de acordo com o crime

TIPO DE CRIME TOTAL


HOMICÍDIO 136
HOMICÍDIO E FERIMENTO 1
HOMICÍDIO E ROUBO 2
HOMICÍDIO E FURTO 4
TENTATIVA DE HOMICÍDIO 5
INFANTICÍDIO 2
FERIMENTO 138
OFENSAS FÍSICAS 5
ROUBO 27
TENTATIVA DE ROUBO 2
FURTO 95
MOEDA FALSA 7
ESTELIONATO 1
CONTRABANDO 1
RAPTO E DEFLORAMENTO 4
DEFLORAMENTO 52
RAPTO 1
ESTUPRO 3
SEDUÇÃO 1
CAFTENISMO 1
DESERÇÃO 2
INCÊNDIO 2
ESMAGAMENTO 1
SENTENCIADOS POR 34
DIVERSOS CRIMES
PRONUNCIADOS POR 6
DIVERSOS CRIMES
CRIMINOSOS SEM A 103
DECLARAÇÃO DOS CRIMES
TOTAL 636
Fonte: Idem.

Além das orações matinais, a Ordem Terceira de São Francisco celebrava missas
para os presos ouvirem todos os domingos e dias santificados. Um altar móvel era
erguido na varanda do observatório central, de onde todos os presos poderiam ouvi- la
198

de dentro de suas celas. Aqueles que apresentassem bom comportamento recebiam


permissão para assistirem ao ato religioso no corredor, vigiados bem de perto por
guardas. Os presos que professassem outra religião tinham direito de praticá- la dentro
de sua cela e de modo reservado, desde que comunicasse ao administrador a sua fé para
ser dispensado de assistir as missas. Os que quisessem se confessar para receber a
Eucaristia aos domingos, tinham que solicitar ao administrador um confessor. Esta
norma auxiliava a avaliar quem estaria mais ou menos enquadrado no que se qualificava
de preso de bom comportamento. O frei Freire, encarregado em 1899 de celebrar essas
missas, desejava expandir o máximo possível o arrependimento entre os detentos,
pedindo autorização para preparar o espírito dos prisioneiros à comunhão através de
práticas religiosas realizadas no salão central do estabelecimento, em dias da semana. 14
A máxima da recuperação do preso pelo silêncio era um dos preceitos do
Regulamento. Os passeios pelos pátios internos tinham que ser feitos em silêncio, sem
que nenhum preso pudesse falar com outro, a não ser com autorização do administrador.
Para facilitar a vigilância, os passeios eram feitos com um número limitado de detentos.
Também não podiam se comunicar quando estavam nas celas se não fossem
intermediados por um guarda. Necessitando de qualquer auxílio, deveriam tocar uma
sineta na porta da cela com um cordel que dava para o seu interior, e chamar um guarda
rondante, ... e a este comunicar em voz baixa o objecto de sua necessidade. 15
Para fazer valer essas regras, utilizava-se da vigilância contínua dos guardas e das
punições disciplinares. A parte externa do edifício era vigiada por soldados do Exército
ou da polícia militar, que cuidavam da sentinela das armas, do portão principal e das
seis guaritas das muralhas. Esses sentinelas estavam distrib uídos em turnos de oito
horas chamados de “quartos”, os quais deveriam possuir cada um oito praças, sob o
comando de um oficial ou inferior. Eram eles que vigiavam o trabalho dos detentos no
jardim e nas oficinas. No interior da Casa, o policiamento dos raios era feito por guardas
contratados, divididos em guardas de 1ª e 2ª classe, ficando sob a fiscalização de um
chefe de quarto, responsável pelas chaves dos cancelões dos raios. Os chefes de quarto

14
APEJE, Regulamento... de 1885, Cap.V; CDR, Ofício do administrador Leopoldo Borges Galvão
Uchôa, para o chefe de polícia, Antônio Pedro da Silva Marques, 1º de abril de 1899, v.75, p.9.
15
Idem, ibidem., arts. 17, 26, 34.
199

eram escolhidos em número de dois entre os guardas de 1ª classe de onde saíam mais
dois ajudantes para os mesmos. 16
Se algum preso violasse o preceito do silêncio ou outra disposição do
regulamento, deveria ser imediatamente advertido pelo guarda rondante ou seu ajudante.
Caso a advertência não surtisse efeito, depois de esgotado os meios brandos e
suasorios, havia uma série de penas disciplinares para manter os presos dentro das
normas: 1) solitária, com a porta de madeira aberta, por 3 a 8 dias; 2) restrição aos
passeios, ao direito de receber e escrever cartas e às visitas; 3) solitária com a porta de
madeira fechada, por 3 a 6 dias; 4) solitária em cela escura, por 6 a 12 dias,
acompanhada da suspensão de uma das refeições; 5) aplicação de ferros; e 6) restrição
de alimentação até 15 dias ou um mês, sem que recaíssem em dias contínuos. 17
A pena de restrição alimentar não poderia ser aplicada com menos da metade da
ração diária que recebiam, e as duas últimas penas só poderiam ser levadas a efeito por
ordem do chefe de polícia. Os castigos visavam principalmente conter atritos entre os
próprios detentos e manter a subordinação deles aos empregados da Casa. Se um preso
tentasse fugir levando outro consigo – ato tão odioso quanto o que lhe trouxe para
dentro da penitenciária, pois justamente estaria escapando às regras pela segunda vez –
teria como castigo o máximo da 4ª pena e sucessivamente a 3ª, a 2ª e a 1ª pena. Se
cometesse, para tanto, violência ou arrombamento, o chefe de polícia poderia aplicar as
duas últimas penalidades.
Todo esse aparato disciplinar contido nos regulamentos, que deveria fazer
funcionar devidamente a máquina benthaniana, classificando, repartindo, distribuindo e
reclassificando, para transformar criminosos em homens “dóceis e úteis”, no entanto,
caía por terra ao se deparar com as condições materiais do presídio e a indisciplina e
corrupção dos guardas do estabelecimento. Não é o fato de negar que a prisão é um
fracasso e que seu maior objetivo era de transformar infratores em delinqüentes, os
quais, soltos, ajudariam as elites a despolitizarem as “ilegalidades populares” 18 – fato
inegável, que nos discursos sobre os vadios e mendigos, e nas greves de operários das
primeiras décadas da República, podemos verificar. O caso aqui é reconhecer a

16
Idem, CDR, referência 2.7/62, Ofícios de 18 de maio de 1888, p.284, 24 de maio de 1888, p.295 e 4 de
setembro de 1895, p.6.
17
APEJE, Regulamento... de 1885, Cap. III.
18
Sobre este assunto cf. M. Foucault, op. cit., pp.178, 208 223-225, 234-251.
200

incapacidade dos agentes empregados nesta tarefa, de levarem-na a cabo com o mínimo
de prejuízo para o Estado e a sociedade. Os próprios administradores ressaltavam o
caráter pernicioso da instituição, colocando em questão se seria ela, afinal, um presídio
– com a função única de manter por algum tempo presos em processo –, ou uma
penitenciária correcional – que deveria pôr em prática todo um aparato disciplinar
adicional à pena imposta pela justiça. 19
Os dois regulamentos que funcionaram durante o período analisado, deixavam
claro a sua inclinação:

Art.1.º O edifício da Casa de Detenção é destinado a servir de custódia ás


pessoas que forem presas em flagrante delicto e as que estiverem sendo
processadas ou indiciadas em crimes. No mesmo edifício poderão ser
conservados alguns presos de correção ou sentenciados, até que tenham outro
destino.”20

O principal de seus críticos foi o administrador Rufino Augusto de Almeida, que


também seria o primeiro a instituir o trabalho em oficinas montadas na Casa de
Detenção para os presos. Em 1874, Rufino de Almeida havia preparado um relatório
detalhado sobre as condições na Casa de Detenção para responder a um questionário do
Ministério da Justiça sobre a questão penitenciária. O assunto, na época, teve destaque
na imprensa local e na da corte (onde foi publicado no jornal O Globo), que levou a
público um resumo do relatório apresentado por Rufino de Almeida. A pedra de toque
deste relatório dizia respeito à reincidência criminal, mostrando ser esta uma
preocupação que atingia as principais nações da época. A reincidência revelava também
a falência da prisão, como o local onde a pena deveria servir não simplesmente para
punir o indivíduo, mas sobretudo corrigi- lo, e desta forma, garantir a segurança da
sociedade diante de um mal maior: a delinqüência, que transformaria para sempre em
ameaça, o indivíduo que um dia havia cometido um único crime. 21

19
Diante da dificuldade dos contemporâneos em definir a Casa de Detenção como um presídio ou
penitenciária, optamos por utilizar os dois termos em relação a ela, como uma forma de reconhecer sua
ambigüidade.
20
APEJE, Regulamento... de 1885.
21
DP 20/10/1874.
201

Rufino de Almeida, demonstrou em seu relatório ser um funcionário bem


informado sobre a questão penitenciária internacional, reconhecendo de que dos quatros
sistemas penitenciários utilizados na época – o de Filadélfia, que consistia na separação
dos presos, trabalho forçado e visitas da família, de religiosos e filantropos; o de
Auburn, com o isolamento dos presos durante a noite e trabalho grupal durante o dia
sob completo silêncio; o Sistema da Servidão penal ingleza, ou das categorias,
conduzindo o preso por gráos ou classes, até a liberdade condicional; e o Sistema
irlandez, ou das prisões intermediárias, fazendo passar o detento, antes da expiração
do prazo da pena, por um estado de meia liberdade –, o nosso seria original pela
...ausência de todo o systema, que se revela quer nos calabouços coloniaes que ainda
possuímos, quer na promiscuidade absurda de sexos, idades e delictos do nosso
regimen de vida em comum dia e noite.22
Com efeito, o que os Regulamentos de 1855 e 1885 prescreviam para a
normatização do presídio e a moralização dos presos não eram passíveis de execução. A
separação dos detentos, como estava prevista nos regulamentos, não podia ser levada a
efeito, devido à falta de comunicação pelas autoridades competentes sobre os
pronunciamentos e sentenças proferidas contra os detentos. Mesmo as penas impostas
muitas vezes não eram comunicadas à administração. O resultado era que presos que já
tinham cumprido suas sentenças permaneciam detidos ilegalmente por meses, às vezes,
anos. Um dos motivos que concorria para isso era a falta de pagamento das custas do
processo. Quando o réu era absolvido as custas deviam ser pagas pelo Estado, o que
muitas vezes demorava caso não houvesse um advogado que cuidasse do processo.
Como muitos presos não tivessem condição de contratar um, ficavam à mercê da
burocracia judiciária. Rufino de Almeida considerava que a exploração dos presos pelos
advogados só iria acabar quando o governo instituísse a assistência judiciária gratuita
aos presos pobres. A Santa Casa de Misericórdia tinha em seu compromisso o dever de
nomear um advogado para cuidar das causas dos presos sem recursos, mas esta
obrigação não era posta em prática. 23
A falta de comunicação sobre os crimes cometidos pelos indivíduos recolhidos à
Casa de Detenção não foi uma situação restrita ao período imperial. A tabela 11 chama

22
DP, 20/10/1874.
23
DP, 12/03/1868 e 20/10/1874.
202

a atenção pelo número de criminosos que entraram na Detenção sem a nota de culpa,
coisa que revela a continuidade de uma prática que vinha desde a criação da Secretaria
de Polícia dos tempos do Império. Por outro lado, existiam administradores que não
cumpriam o regulamento de separar os indivíduos por classes, colocando numa mesma
cela sentenciados às galés perpétuas com detentos em processo ou presos correcionais.
Em duas celas com capacidade para cinco pessoas, havia vinte e oito mulheres, entre
processadas, sentenciadas, correcionais e enfermas, uma vez que não havia enfermaria
para mulheres. 24

A higiene, por sua vez, era precária, produzindo uma série de doenças entre a
população do presídio. Trancados em celas escuras, sem iluminação interna, quando as
portas de madeiras eram fechadas durante determinadas horas do dia, o calor tornava-se
insuportável, a ponto do médico recomendar deixá-las abertas, ainda que prejudicasse a
vigilância. À noite, quando se tinha que fechar as janelas, o incômodo vinha do mau
cheiro exalado pelas latrinas que havia em todas as celas. O esgoto era despejado no rio
através de um encaname nto que na maré-baixa ficava descoberto ao nível do corredor
de entrada do presídio, espalhando o mau cheiro por todo o edifício. A água era
insuficiente para as necessidades dos presos e só se tornava abundante no tempo das
chuvas, quando as águas inundavam o edifício. Os presos só tomavam banho uma vez
por semana, em tanques de cimento difíceis de fazer a limpeza, devido a sua superfície
rugosa, o que acarretava facilidade no contágio de doenças de pele. 25
Esta situação de insalubridade era agravada pela superlotação do presídio. A
estrutura do prédio era composta de três raios com um corredor no centro, e as celas –
todas numeradas – ficavam de um lado e do outro. Existiam 110 celas com capacidade
para alojar 370 detentos. De início, elas haviam sido projetadas para receber 1, 3 e 5
detentos, mas em 1869 elas foram descritas como havendo 60 celas para 2 prisioneiros e
50 para cinco. 26 Em pouco tempo esse número seria superado e elas teriam que suportar
mais presos do que o número para o qual haviam sido projetadas, chegando a ter
algumas delas até 12 pessoas, isso porque, além dos criminosos de Pernambuco, recebia

24
APEJE, CDR, Relatório do administrador Leopoldo Borges Galvão Uchôa, para o chefe de polícia
José Izidoro Martins Júnior, de 10 de janeiro de 1890, v.42, pp.27-32.
25
DP, 11/11/1874.
26
APEJE, CDR, Ofício do administrador da Casa de Detenção, Rufino Augusto de Almeida, para o chefe
de polícia, Francisco de Assis Oliveira Maciel, 27 de outubro de 1869, v.7, p.225.
203

criminosos de outras províncias, que daqui embarcavam para a prisão de Fernando de


Noronha.
O administrador lastimava ao chefe de polícia de que Pernambuco havia se
tornado em depósito de sentenciados vindos de outras partes do império. Esta era uma
situação que onerava bastante a Casa de Detenção. Muitos vinham do presídio de
Fernando de Noronha para servirem de testemunhas, para serem processados ou para
diligências, e permaneciam nela mais tempo que o necessário. Com 455 presos em
1889, se 150 fossem enviados para Fernando, haveria uma economia de 1:840$000
mensais em alimentação, vestuário e tratamentos médicos, sem contar na melhoria das
condições de higiene. Por conta da superlotação, muitos eram obrigados a dormir no
chão. 27
As condições sanitárias da Casa de Detenção não eram um problema que ficasse
restrito aos seus muros. Uma epidemia que acontecesse lá poderia levar perigo a cidade
inteira. Foi esse o receio que se teve em junho de 1871, com uma epidemia que alguns
médicos classificaram de beribéri e outros de anasarca. Segundo um dos médicos que
avaliaram a situação, seria uma... moléstia nova, nunca vista na província. Muitos
detentos morreram, vítimas de hemorragias, e outros, acometidos da doença, foram
remetidos para a prisão de Fernando de Noronha. O fato de uma pessoa que não era
prisioneira, nem trabalhava na Detenção, ter morrido da doença, deixou em alerta a
cidade. Os jornais tentavam acalmar a população através da divulgação da opinião de
médicos, mostrando que não havia motivos para medo nem terrores de que a epidemia
chegasse até a cidade. 28
Em fins de 1888, o estado sanitário do estabelecimento era descrito como sendo
lisonjeiro, mas o administrador de então reconhecia que com acomodações para 230
detentos – uma vez que a terceira ordem do raio leste estava servindo de enfermaria –
era impossível manter em boa ordem de saúde e disciplina a 420 presos mantidos em
celas pequenas. 29 Ainda em 1916, o médico da Casa apontava uma série de doenças que

27
Idem, ibidem, Ofícios do administrador ... Agostinho Bezerra da Silva Cavalcanti, para o chefe de
polícia Francisco Domingues Ribeiro Vianna, de 11 de março de 1889, pp.117-118 e de 21 de março de
1889, v.40, p.131. As despesas com os presos pobres vindos de Fernando de Noronha eram pagas pelo
governo imperial, que desde outubro de 1887 repassava aos cofres provinciais a quantia de 9:600$000, cf.
idem, ibidem, ofício de 8 de janeiro de 1889, v.40, pp.10-11.
28
DP, 13 e 17/06/1871.
29
APEJE, CDR, Ofício do administrador... Agostinho da Silva Cavalcanti, para o chefe de polícia
Francisco Domingues Ribeiro Viana, 2 de outubro de 1888, p.160.
204

causavam o maior número de baixas entre os presos e alertava que, embora a beribéri
não figurasse entre elas, aparecia de vez em quando em forma de epidemia, colocando
em risco a vida dos detentos. Sem o conhecimento de que o mal era causado por
carência de vitamina, era relacionada principalmente às aglomerações, com pouca luz
solar e ar puro, por isso o passeio diário com pelo menos meia hora era indicado como
um meio de evitar a doença, como também a ginástica sueca, para um melhoramento
geral na saúde dos prisioneiros. 30
Uma das providências que foi tomada contra a propagação de doenças entre a
população carcerária foi a vacinação, que se tornou uma prática freqüente durante os
primeiros anos do século XX. Em 1909, foi instalado um pequeno posto de desinfecção
para os presos correcionais, considerados como um dos grandes transmissores de
doenças contagiosas, devido a sua grande rotatividade de entrada e saída na Casa de
Detenção. Além disso, havia uma estufa para a roupa da enfermaria, que contaria ainda
com uma máquina de desinfetar a formol, caso a solicitação do administrador ao
inspetor de Higiene Pública fosse satisfeita. Em 1913, todos os presos que entravam no
presídio eram vacinados, e de três em três meses os presos sentenciados, nos quais as
vacinas não tinham produzido efeito, eram revacinados. Com esta medida, se chegou a
vacinar 3 mil detentos, sendo 1.241 de revacinados. Para se ter uma idéia do avanço que
se teve com este novo esquema, basta saber que em 1905 o número total de vacinações
ficou em 234. 31

No que dizia respeito à moralização dos detentos por meio da religião, Rufino de
Almeida revelava-se bem mais luterano que católico. Acreditava que do modo que era
dada a instrução religiosa pelos padres não se conseguia uma aproximação real com os
presos, que em sua maioria analfabetos, pouco ou nada entendiam de latim ou das
passagens obscuras contidas na Bíblia com que os sacerdotes católicos gostavam de
fazer suas pregações:

30
Idem, CDR, Relatório do movimento médico da Casa de Detenção pelo Dr. João Moraes Vieira da
Cunha, para o chefe de polícia, desembargador Antonio da Silva Guimarães, 25 de outubro de 1916,
pp.120-128, v.65
31
Idem, ibidem, Ofícios de 8 de janeiro de 1905, v.96, p.16-18; de 10 de maio de 1909, v.112, p.23; e de
14 de fevereiro de 1914, v.123, p.92.
205

O ensino religioso pelo methodo seguido pelos nossos sacerdotes não traz
beneficios. Consiste este apenas em praticas sobre os deveres do christão,
porém ditas no estylo dos sermões quaresmaes, e servindo-me da phrase de
um eminente escriptor portuguez, escutam-se como se escutam os repiques dos
sinos. 32
Era necessária uma instrução que tivesse como fim... corrigir, e instruir, e não
confundir e ostentar erudição. Ao lado da instrução religiosa, o combate ao
analfabetismo era visto por ele como uma das formas de se conseguir a regeneração do
preso, pois da instrução viria a educação, e com ela a transformação moral do
criminoso, trazendo benefício para toda a sociedade. 33

A Intervenção entre Senhores e Escravos

Uma das funções que a Casa de Detenção do Recife desempenhou durante a


escravidão foi a de auxiliar no controle dos escravos, coisa que o Estado veio a dividir
com os senhores mais e mais depois da extinção paulatina dos capitães do mato, na
década de 1820, e com o desenvolvimento das cidades, que não comportavam a
vigilância dos feitores. Desta forma, a vigilância sobre os cativos passou a ser
desempenhada pela polícia, e a Casa de Detenção era o local para onde eram enviados
os escravos fugidos ou suspeitos de fugidos que permaneciam lá até serem reclamados
pelo seu dono, e os escravos correcionados, ou seja, aqueles que a pedido do senhor
recebiam castigos. Para retirá- los, os senhores se dirigiam à Secretaria de Polícia com a
comprovação da posse do escravo e pagar o imposto de 5$000 réis no próprio presídio
por escravo recolhido à Detenção, ficando isentos apenas os escravos criminosos e os
presos por distúrbios. 34
Até aí nenhuma novidade. O que parece interessante é que o desempenho da Casa
de Detenção em relação aos escravos não era de sorte a semp re fazer valer a vontade do
senhor. Na verdade, o que se nota é uma preocupação maior do que a esperada de uma

32
DP, 12/03/1868.
33
DP, 12/03/1868.
34
DP, 14 e 20/10/1874.
206

instituição representativa da classe dominante em preservar os escravos, na medida do


possível ou de seus interesses, de certos abusos.
Vejamos, por exemplo, o caso dos escravos levados à Casa de Detenção para
serem açoitados. Um morador da vila de Paudalho enviou o seu escravo de nome
André, com mais de 30 anos, para ser castigado na Casa de Detenção com duzentos
açoites, por ele ter fugido e desobedecido ao seu senhor. Lá, no entanto, não foi
permitido que o escravo fosse castigado com mais de cento e cinqüenta açoites, levando
por dia não mais que cinqüenta. 35 Também acontecia de que chegassem escravos já
castigados por seus senhores, que ainda exigiam a pena correcional, como aconteceu
com Moysés, escravo da firma Gurgel & Perdigão, que desejava que ele fosse castigado
com 16 palmatoadas com intervalo de um dia, o que não foi permitido pelo
administrador da Casa de Detenção devido ao estado em que ele chegou. Moysés foi
recolhido à enfermaria e só seria castigado após a liberação do médico. 36 No caso de
Luísa, o castigo requerido pelo seu senhor deixou de ser aplicado por ela afirmar ser
livre e ter sido roubada na província do Ceará para ser vendida em Pernambuco. 37
Como Luísa, muitas pessoas de cor eram presas na Casa de Detenção como
escravas, mas alegavam serem livres. Nestes casos era informada ao chefe de polícia a
declaração dos supostos escravos sobre sua condição ou estes enviavam um
requerimento pedindo a sua soltura, o que realmente era encaminhado, como fez o ex-
escravo João da Silva, preso por suspeita de andar fugido, que pedia

...respeitosamente (...) a V.Sª, para que se digne dar às convenientes ordens,


no sentido de ser o suplicante posto em liberdade, visto que achando-se preso
sem ter cometido crime algum, e nem sendo escravo como já disse, está
ilegalmente detido e opresso em sua liberdade individual. 38

35
APEJE, CDR, Ofício do administrador da Casa de Detenção, Antonio Antunes de Souza, para o chefe
de polícia, 02 de janeiro de 1865, s.p.
36
Idem, Ofício do administrador..., Florêncio José Monteiro, para o chefe de polícia, Tristão de Alencar
Araripe, 09 de junho de 1861, p.166.
37
Idem, Ofício de 02 de agosto de 1864, v.4, p.284.
38
Idem, Ofício de João da Silva ao chefe de polícia [ilegível], 05 de julho de 1881, v.23, p.198.
207

Dois outros escravos recolhidos à Casa de Detenção como fugidos, foram postos à
disposição do Juiz Municipal de 2ª Vara, a fim de ser ventilada a questão de direito que
atribuem os ditos escravos, que diziam ser libertos. 39
A Casa de Detenção recebia também em custódia escravos que eram severamente
castigados pelos seus senhores e que lá permaneciam até as autoridades competentes
resolverem o seu destino. 40 Houve um caso de um escravo que tentou suicídio dentro do
presídio por não querer servir a pessoa a quem seu senhor lhe queria vender, com medo
de ser rigorosamente castigado, e que insistia em tentar novamente suicídio, caso fosse
vendido. O administrador da Casa de Detenção, diante disso, resolveu consultar o chefe
de polícia se deveria ou não entregá- lo ao seu dono para ser vendido 41 , o que sugere
uma preocupação com o bem-estar do escravo ou pelo menos da propriedade escrava,
que não serviria de nada, caso morresse.
Essa preocupação talvez se explique em razão de que a elite política estava
percebendo o problema da escravidão com outros olhos depois da abolição do tráfico
internacional de escravos. Estava havendo um maior cuidado em proteger a propriedade
escrava que estava se extinguindo, até mesmo dos próprios proprietários, que podiam
individualmente não ter uma visão mais ampla da questão, cuidando que os escravos
fossem mais bem cuidados e correcionados dentro do que se fosse considerado “justo”
em um sistema escravista, até mesmo aos olhos do escravo, de modo a não criar revoltas
desnecessárias, acarretando despesas maiores para o Estado e para os senhores com
escravos fugidos.

Os loucos

Entre os presos, somavam-se ainda os loucos e mendigos recolhidos a mando dos


delegados, subdelegados ou do chefe de polícia. O fato de o presídio servir de asilo para
loucos e mendigos era algo bastante criticado pelos seus administradores. Queixavam-se

39
Idem, Ofício de 28 de maio de 1864, v.4, p.169.
40
Fundo SSP, Delegacia de Polícia do 1ºDistrito do Recife, 03 de agosto de 1871, s.p.
41
APEJE, CDR, Ofício do administrador da Casa de Detenção, Leopoldo Borges Galvão, para o chefe
de polícia, Joaquim da Costa Ribeiro, 19 de dezembro de 1881, v. 24, p.327.
208

de que não tinham como alimentar e vestir tantas pessoas, saindo prejudicados os presos
pobres que se viam com menos provisões. Muitas vezes, alguns indivíduos eram
recolhidos à Casa de Detenção como suspeitos de loucura e lá permaneciam em
observação até serem removidos para o Hospital de Alienados ou serem libertos pelo
atestado médico. De 3 de julho de 1889 a 18 de novembro de 1890, havia sido
remetidos para o hospício 245 loucos. 42 A tabela 7 revela que uma taxa razoável dos
presos correcio nais era formada de doentes mentais, cerca de 15,43% do total, mais do
que o dobro dos detidos por vagabundagem. Destes, a maioria era composta de
mulheres. Mas de acordo com a amostragem da tabela 5, o número de homens detidos
por alienação era superior ao das mulheres, o que poderia ocorrer até pela exposição
maior daquele grupo no espaço público.
Ainda nas primeiras décadas da República era costume prender pessoas por
“suspeita de loucura”. Todos eles tinham uma característica em comum – vinham das
classes pobres, como no caso do criado Francisco Manoel dos Santos, pardo, analfabeto,
com 15 anos de idade. Preso sob ordem do subdelegado de Santo Antônio, foi
considerado apto a ficar em liberdade pelo médico da Casa de Detenção que o
considerou gozar de integridade mental.43
Os responsáveis pelo bom andamento da instituição consideravam que ali não era
o local adequado para isolar aquelas pessoas, principalmente os loucos que, ao não se
enquadrarem dentro de um sistema de punição legal, quebravam a rotina do
estabelecimento e o seu bom funcionamento. Os gritos eram insuportáveis para os que
tinham que conviver com eles, e de vez em quando um ou outro tentava o suicídio. Um
indivíduo de nome Adelino José Vaz Salgado, vulgo Simão, por exemplo, tentou se
matar ... depois de apresentar sinais de loucura, servindo-se de um pedaço de vidro
tirado da janela. Uma mulher da mesma forma tentou o suicídio, ateando fogo às suas
roupas. O administrador dizia serem furiosos e quase ser impossível mantê- los numa
mesma cela. 44 Tinha-se, portanto, que resguardar o regime carcerário, baseado na
disciplina, da desordem causada pela insanidade mental:

42
APEJE, CDR, Ofício de 18 de novembro de 1890.
43
Idem, ibidem, Ofício do médico da Casa de Detenção, Dr. Vieira da Cunha, 2 de janeiro de 1911,
v.117, p.6.
44
APEJE, CDR, Ofícios de 30 de janeiro de 1888, v.38, p.57; de 20 de setembro de 1888, referência
2.7/62; e de 23 de setembro de 1898, v.72, p.268.
209

O hábito da prisão de individuos suspeitos de loucura para serem


observados na Casa de Detenção é um absurdo que deve ser o quanto antes
corrigido em primeiro lugar porque a prisão nestas condições e neste
estabelecimento não se justifica e em segundo lugar, porque este fato tem
efeitos funestos sob nosso regime de prisão. 45

Havia motivos, no entanto, para que a loucura e o crime fossem alojados um ao


lado do outro por tanto tempo, afinal, eram duas manifestações sociais que escapavam
ou resistiam ao controle direto do Estado. O louco, bem como o criminoso, tornava-se
incapazes de integrar-se na sociedade, e por isso, tornava-se improdutivos para ela. 46
Além disso, era justamente entre os criminosos que mais eram encontrados os
degenerados mentais, os epilépticos, os maníaco-depressivos:

Compreende-se facilmente a causa disto [das psicoses entre os detentos],


atendendo-se em primeiro lugar, o gráo de conexão existente entre o crime e
a loucura do qual se deprehende que, os criminosos não sendo loucos, são
tipos predispostos para a loucura, a qual facilmente pode explodir atendendo-
se as condições motoras determinadas pelo remorso, os resultados das
pesquisas judiciarias e as diversas sugestões, que, por si só, o meio pode
determinar no detento.47 (grifos meus)

Por isso, era recomendada uma reclassificação dos detentos, um local que pudesse
separar os que ainda poderiam voltar ao convívio social, daqueles que seriam
definitivamente dados como irrecuperáveis pela ciência, desobrigando a sociedade de
uma possível convivência com esse tipo de desvio:

...o governo de mãos dadas com a Santa Casa, deviam agir, no sentido de
ser creado um pavilhão de observação e manutenção de loucos criminosos e
criminosas loucas. Assim sendo ao menor sintoma de alienação mental
apresentados pelos detentos, podia-se imediatamente requisitar sua remoção
para um lugar convenientemente, ficando assim esta penitenciária

45
Idem, ibidem, Relatório médico... .
46
Michel Foucault, Microfísica do poder, pp.117-118 e História da loucura, p.78.
47
APEJE, CDR, Relatório médico... .
210

desobrigada de um dever que pelas suas condições não lhe compete


desempenhar.48

O limite entre a normalidade e anormalidade, crime e loucura, no entanto, sempre


foi matéria difícil de ser estabelecida, e fica no ar a sensação de que alguns dos casos de
prisão por “suspeita de loucura” não passassem de repressão a comportamentos que não
se enquadravam na moralidade vigente, mas que não podiam ser declarados
formalmente como crimes nem tampouco ser aceitos como normais pelas autoridades
policiais. O fato é que crime e loucura faziam parte de duas categorias de desvio da
vontade reta49 que deveriam ser reconduzidas à normalidade, cada uma usando de
técnicas bastante similares, no que diz respeito ao enclausuramento e ao
recondicionamento do indivíduo. Por si so, por muito tempo a Casa de Detenção foi
passagem obrigatória dessas pessoas que não se encaixavam nos artigos penais mas
fugiam ao comportamento padrão, para serem avaliadas convenientemente pelos
médicos e só então serem repassadas ou não para o Asilo de Alienados, lugar
privilegiado para mantê- los sob controle. 50

Educação para os presos

Este sistema de vida em comum, que misturava o simples ladrão ao assassino


mais perigoso, mulheres ao lado de homens, loucos e mendigos, permitia também que
menores 51 fossem recolhidos a título de correção. Desde o Império, esta era uma
condição vista mais como perniciosa à formação dos menores do que um meio de
corrigi- los:
48
Idem, ibidem.
49
Michel Foucault, Microfísica do poder, pp.121-122.
50
Outros casos que o médico considerou como sãos: CDR, ofícios de 20 de março de 1911, v.117, p.173;
de 9 de maio de 1911, v.118, p.24, e de 1º de janeiro de 1914, v.123, p.2.
51
Durante o Império, os menores de 14 anos eram eximidos de culpa criminal caso não fosse provado ter
agido com discernimento, sendo, porém, recolhidos às casas de correção até completarem 17 anos. No
Código Penal de 1890, estabelece-se a fase de até 9 anos de idade como sendo de imputabilidade, e
aqueles que estivessem na faixa entre 9 a 14 anos seriam recolhidos caso apresentassem discernimento.
Os que tinham entre 14 e 21 anos eram beneficiados com atenuantes por não serem ainda de maior. Cf.
Edson Passetti, “O menor no Brasil Republicano”, in Mary Del Priory (org), História da criança no
Brasil, pp.147-148.
211

Felizmente,(...) os juízes e as autoridades policiaes preferem deixa-los


entregues a negligencia de pais degenerados e aos perniciosos efeitos da
ociosidade e da vagabundagem, a mandal-os apodrecer na companhia de
celerados como verdadeiros aprendizes de crimes. 52

Um outro administrador dos tempos da República ia mais longe em suas


observações, afirmando que... geralmente a criança das ruas só teme a prisão enquanto
nela não entra pela primeira vez, colocando a questão da necessidade de criação de um
estabelecimento destinado exclusivamente aos jovens delinqüentes. 53
A preocupação que o administrador demonstrava ter com o menor fazia parte de
um contexto mais amplo no qual juristas de todo o país estavam debatendo no começo
do século XX, que consistia em ver a situação das crianças desassistidas não como uma
questão que o Estado devesse agir apenas com a repressão policial, mas sobretudo um
problema social que competia ao governo interferir para assegurar o porvir do país, vista
no destino dessas crianças, os futuros trabalhadores da nação. A partir de então, o
conceito de “menor” estaria intimamente ligado ao problema do “menor abandonado”,
pelos pais, pelo Estado, pela sociedade como um todo. 54
Uma tentativa de dar um tratamento diferenciado ao problema do menor infrator
foi desenvolvida na própria Casa de Detenção, com a abertura de uma Escola
Correcional, por volta de 1908. 55 Essa escola, criada por iniciativa do chefe de polícia,
Ulysses Gerson Alves da Costa, e do administrador da Casa de Detenção, major
Joaquim do Rêgo Cavalcanti, era destinada aos menores que praticassem pequenos
delitos. Nela os menores aprendiam a instrução primária com um professor designado

52
DP, 20/10/1874.
53
APEJE, CDR, Relatório do administrador Antonio Américo Carneiro Pereira, para o chefe de polícia,
desembargador Antonio da Silva Guimarães, 25 de outubro de 1916, v.65.
54
Sobre as discussões no início da República a respeito do problema do menor vide Fernando Torres
Londoño, “A origem do conceito menor”, in Mary Del Priory (org), História da criança no Brasil,
pp.129-146.
55
Em sua dissertação de Mestrado sobre colônias correcionais para menores em Recife, Mozart Menezes
diz não ter encontrado evidências sobre a existência dessa escola, nem de ter funcionado oficinas nela. Os
documentos que pesquisamos, porém, não deixam dúvidas quanto a sua existência. Já em relação às
oficinas, só temos informações delas através do Relatório do Chefe de Polícia de 1910; não encontramos
nenhuma menção delas nos ofícios dos administradores. Entretanto, não seria improvável existirem se
levarmos em conta que desde o Império houve tentativas de implantação dessas oficinas de trabalho como
um meio de recuperação do prisioneiro e de diminuir os gastos públicos com eles, como veremos adiante.
Cf Mozart Vergetti Menezes, Prevenir, diciplinar e corrigir, p.89.
212

pela prefeitura, participavam de uma banda de música e aprendiam os ofícios de


sapateiro, marceneiro e ferreiro. A escola não recebia verba do governo do Estado, a
Casa de Detenção é que os mantinha uniformizados, calçados e alimentados, ainda que
com a autorização do secretário Geral do Estado. Os móveis para a escola eram feitos
pelos detentos operários. 56
Em 1909, de 537 presos, 82 eram menores, isto é, 15,27% do total. A Escola
Correcional possuía 86 menores, e já não tinha mais condições de receber novos
alunos. 57 O chefe de polícia encarecia ao secretário Geral a necessidade de medidas que
regularizassem a existência da escola e lhe dessem condições de sobrevivência,
inclusive retirando-a do presídio e dando-lhe instalação própria, como um meio de
retirar os menores do convívio dos presos do estabelecimento. Isso foi posto em prática
em 1911, com a construção pelos detentos operários de uma casa destinada às aulas de
música e às primeiras letras dos menores. 58
Não sabemos se o ingresso na Escola Correcional pudesse ser solicitado
diretamente pelos pais dos menores, mas esta era uma possibilidade, uma vez que era
comum pais pedirem o envio de seus filhos incorrigíveis para a Escola de Aprendizes de
Marinheiro ou para o Arsenal de Guerra 59 , o que reforça o fato do chefe de polícia dizer
em seu relatório ... ser impossível attender ás solicitações para admissão de novos
menores. Por outro lado, existiam também pais que tinham seu filhos internos na Casa
de Detenção a contragosto, como sugere a fuga do menor Amaro Caetano da Silva, que
havia recebido permissão para visitar a família no interior e não regressou. O
administrador pedia providências ao chefe de polícia para que fosse enviado de volta. 60
A educação dos presos, de uma forma geral, ao mesmo tempo em que era vista
pelas autoridades competentes como uma forma de recuperar o indivíduo, ressentia-se
do incentivo governamental, que diante dos gastos a serem efetuados abandonava o

56
APEJE, Relatórios dos Secretários Gerais do Estado de Pernambuco, 1908, p.35; Relatórios dos
Chefes Polícia, de 20 de fevereiro de 1910; CDR, Ofícios de 26 de março de 1910, v.114, p.187 e de 27
de abril de 1911, v.117, p.254.
57
Estes dados foram retirados de um relatório do secretário Geral de 1912, onde constava o número para
1909, e do chefe de polícia. O primeiro colocava 82 menores na Escola Correcional no ano de 1909, e o
segundo trazia o número de 86 alunos. Não sabemos se houve aumento de presos menores no período ou
se houve erro gráfico. Cf. APEJE, Relatórios dos Secretários Gerais..., 1912, pp.19, 24 e 32; e Relatórios
dos Chefes de Polícia, de 20 de fevereiro de 1910.
58
Idem, CDR, Ofícios de 11 de março de 1911, v.117, p.143.
59
Idem, 1ª Delegacia de Polícia, Ofício de 6 de outubro de 1890, s/p.
60
APEJE, Relatório do Chefe de Polícia, 1910 e CDR, Ofício de 18 de março de 1911, v.117, p.165.
213

projeto. Na verdade, isso era fruto da indecisão do que deveria ser a Casa de Detenção,
se apenas mais um depósito de criminosos 61 ou uma casa correcional. Uma tentativa
anterior à Escola Correcional para menores havia sido posta em prática no Império,
beneficiando todos os detentos – com exceção óbvia dos escravos. Desde 1870, pelo
menos, existia um professor que ensinava a instrução primária aos presidiários, mas as
aulas não eram obrigatórias e poucos presos se sentiam motivados a assisti- las, uma vez
que os ofícios que poderiam porventura se ocupar quando saíssem dali não exigiam a
capacidade de saber ler e escrever, e “fazer contas”, muitos analfabetos até hoje
aprendem com o dia-a-dia. Em 1886, havia matriculados na aula apenas 20 detentos.
Por outro lado, os que tinham interesse em assistir sofriam com a falta de material
escolar e com as constantes idas para responder ao júri no interior da Província. O
resultado era o baixo rendimento escolar. Um projeto da Câmara dos Deputados
pretendia regularizar a escola primária para os detentos, o que provavelmente tornaria
obrigatória a sua freqüência, mas terminou não passando, por acharem suficiente o que
já existia. 62
Não sabemos quanto tempo durou a experiência da Escola Correcional, mas em
1917 seria criada uma outra que ga nharia existência formal com a sua inclusão no novo
Regulamento da Casa de Detenção, mudando o nome para Instituto Disciplinar, 63
indicando uma preocupação maior das autoridades com a prevenção da criminalidade
entre os jovens. O Instituto funcionava em um prédio construído ao lado da
penitenciária, administrado pelo farmacêutico Francisco de Assis Perdigão Nogueira.
Era provido de biblioteca, dormitório, refeitório, e possuía luz elétrica, saneamento e
água encanada. Recebia órfãos, crianças abandonadas e de pais sem condições de
mantê- las. Nela os alunos recebiam instrução primária, e aulas de desenho, esgrima,
ginástica sueca e música, além de ofícios como marcenaria, sapataria, alfaiataria,
encadernação e colchoaria. Estas oficinas localizavam-se no lado leste da Casa de

61
Essa expressão foi usada por um senador para descrever a situação do presídio de Fernando de
Noronha, que não promovia práticas correcionais entre os presos, podendo, por extensão ser utilizada para
a Casa de Detenção, a quem sempre estava entre uma coisa e outra. Cf., AS, 46ª Sessão Ordinária em 29
de maio de 1899, p.65.
62
APEJE, AAP, Sessão Ordinária em 17 de março de 1870, 1ª Discussão do Projeto nº 99 de 1868,
estabelecendo diversas providencias em relação á casa de detenção desta cidade, p.55; Relatórios dos
Chefes de Polícia, 1886, p.19; DP, 20/10/1874.
63
Para maiores detalhes sobre o funcionamento do Instituo Disciplinar, vide Mozart Menezes, op. cit.,
pp.93-106.
214

Detenção, servindo tanto para os detentos quanto para os menores, muitos dos quais
aprendiam o ofício com eles. Desta forma, o contato entre os dois grupos que sempre foi
tido como prejudicial à recuperação dessas crianças e adolescentes continuava a
existir. 64
Os alunos do Instituto Disciplinar deveriam depois ser aproveitados por
agricultores e industriais em acordo com o chefe de polícia, recebendo uma
remuneração que era depositada na Caixa Econômica como um pecúlio para o futuro. O
mesmo ocorria com o dinheiro ganho nas oficinas, que na época contava 1:435$750
réis. As salas de aulas do Instituto tinham capacidade para cem alunos, mas estavam
matriculados 200 menores, e vinte e dois estavam esperando na fila. 65

Trabalho para os detentos

A primeira tentativa de estabelecer o sistema correcional na Casa de Detenção de


que temos notícia aconteceu por volta de 1862, com a experiência das oficinas de
trabalho desenvolvida pelo mesmo autor do relatório enviado ao ministro da Justiça,
Augusto Rufino de Almeida, e que causou polêmica na época. Começava a se criar a
idéia entre os meios intelectuais da época de que a pena deveria ter uma outra finalidade
além de punir e isolar o indivíduo que tivesse cometido algum crime, e que a sociedade
tinha o dever de ...proteger o autor de um crime expiado pela pena, para que
restituindo a liberdade se não veja fatalmente impelido a voltar á carreira da
perversidade... .66 Este objetivo seria ao mesmo tempo o mais seguro e proveitoso para
a sociedade, como apontaria para a elevação espiritual da nação que o adotasse:

64
Idem e APEJE, Relatórios dos Secretários Gerais, 1919, p.22.
65
APEJE, Relatórios dos Secretários Gerais, 1919, p.22.
66
DP, 11/11/1874, grifos meus. Segundo Maude Perruci, na época a que nos referimos ...não havia
propriamente o sentido de recuperar o preso para a sociedade, quando muito se cuidava da sua
regeneração sob o aspecto moral da penitência e arrependimento. Essa regeneração, que se limitava ao
indivíduo, isoladamente considerado, não tinha nenhuma preocupação com o aspecto da reintegração do
indivíduo à sociedade, que constitui uma das etapas mais evoluídas da pena privativa. O artigo publicado
pelo Diário de Pernambuco que reproduzimos aqui, retirado do Jornal do Comercio do Rio de Janeiro,
em referencia ao trabalho escrito por Rufino de Almeida, mostra claramente que já circulava entre as
elites ilustradas da época a necessidade de transformar a pena em um meio de resgatar o indivíduo
criminoso para o convívio em sociedade, e que esta mesma sociedade tinha o dever de evitar que ele não
215

Se é verdade que o homem é perfectível a pena deve ter por fim, não só
punil-o, mas principalmente corrigil-o. Prendem-se intimamente a este duplo
resultado a garantia e a segurança de toda a sociedade. 67

O trabalho passaria, então, a ser considerado como o principal instrumento para


que se pudesse chegar à verdadeira finalidade da prisão, que seria a regeneração do
criminoso, perdurando esta visão até a República:
Na idade primitiva o caracter da pena era o de vingança; depois com a
evolução social e os estudos aprofundados dos penalogistas modernos, este
caracter tem passado por diversas modificações, sendo hoje considerado como
um conjucnto de medidas sociaes, preventivas e repressivas, e que sejam uma
defesa mais eficaz e mais humana da sociedade, sendo assim o trabalho é o
melhor meio de se conseguir o fim desejado.68

Os dois Regulamentos da Casa de Detenção – o de 1855 e o de 1885, que estava


em vigor ainda em 1915 – autorizavam os presos que tivessem uma profissão nas artes e
ofícios a exercerem- na, inclusive aqueles que fossem condenados ao trabalho público,
os quais ficariam isentos dele caso preferissem exercer a sua profissão. Do trabalho dos
detentos as autoridades viam a possibilidade de extrair dois benefícios: a diminuição
dos gastos públicos com a manutenção dos presos, e a regeneração social do indivíduo.
Além disso, estes contribuiriam com seu trabalho para sustentar a sua família, e isso
evitaria a formação de mais mendigos, delinqüentes e prostitutas na sociedade. 69
Até os escravos que tivessem uma profissão, ao que parece, poderiam ser
beneficiados com o trabalho na prisão, recebendo alguma gratificação por ele. Isso
parece possível porque eram eles e os condenados às galés os encarregados de fazer a
faxina do presídio, e o Regulamento de 1855 estabelecia o direito deles escolherem
entre um e o outro serviço. Essa impressão também é reforçada pela reclamação de um

retornasse ao mundo do crime. Cf. M. Perruci, apud Mozart Menezes, op. cit. , pp. 92-93, grifos da
autora.
67
DP, 20/10/1874.
68
Idem, AS, 46ª Sessão Ordinária em 29 de maio de 1899, p.64.
69
APEJE, CDR, Ofício do administrador..., Rufino Augusto de Almeida, para o chefe de polícia, Abílio
José Tavares da Silva, de 20 de janeiro de 1864, v.4, p.40.
216

dos administradores da Casa de Detenção, em 1886, quando a experiência com o


trabalho já estava em declínio, de que um escravo sexagenário se encontrava com a
saúde abalada por não ter trabalho que desenvolvesse ao ar livre e lhe tirasse da
ociosidade, por não haver oficinas funcionando. 70 Depois de uma reclamação dos
senhores de engenho contra o direito dos escravos perceberem alguma gratificação
sobre seus serviços no presídio – o que tornaria a prisão dos mesmos em vantagem e
não em castigo, segundo eles –, o benefício foi retirado do Regulamento de 1885, sem
que nem escravos, nem condenados às galés pudessem ser mais remunerados pelo
trabalho de faxina. 71
O trabalho dos detentos inicialmente era realizado individualmente pelos presos
em suas celas, como prescrevia o sistema da Pensilvânia, até que o administrador
Rufino Augusto de Almeida – uma figura contraditória em relação ao que realmente lhe
motivou a criar essas oficinas: o bem social ou o seu bem particular –, o considerou
pouco produtivo e resolveu montar oficinas de trabalho dentro do raio norte, seguindo o
sistema de Auburn, de trabalho grupal durante o dia. Dessa forma, além dos detentos
trabalharem em conjunto, faziam a compra do material em maior quantidade, o que
reduzia os preços e os livrava dos atravessadores que se aproveitavam de suas condições
como presidiários. Como, no entanto, a abertura dessas oficinas não estava prevista na
lei de orçamento provincial, Rufino de Almeida, com a permissão do presidente da
Província, recorreu ao crédito e ainda investiu do seu próprio capital nelas, comprando
ferramentas e maquinarias vindas da Europa. 72
Havia oficinas de ferreiro, carpinteiro e tornarias, mas as que davam maior retorno
financeiro aos detentos eram as relacionadas com o ofício de sapateiro e uma de
preparar pedras, que ficava a cargo de um sentenciado que era mestre-canteiro. Este

70
Idem, Regulamento para a Casa de Detenção da Cidade do Recife de 1855, arts. 13 e 16; CDR, Ofício
do administrador... Rufino A. d’Almeida, para o chefe de polícia, Luiz d’Albuquerque Martins Pereira, 2
de junho de 1886,v.6, p.160; CDR, Ofício do administrador... Leopoldo Borges Galvão Uchôa, para o
chefe de polícia, Antonio Domingos Pinto, 21 de agosto de 1886, v.34, p.421.
71
Sobre este assunto vide Clarissa Nunes Maia, “Quando a liberdade não é um bem que pertence a todos:
as condições de vida dos escravos na Casa de Detenção da Cidade do Recife”, Recife, Clio-Revista de
Pesquisa Histórica , Série História do Nordeste, v.1, nº17, pp.19-27, UFPE, 1998. Este artigo foi
publicado baseado em pesquisas preliminares sobre a Casa de Detenção, feitas ainda para o meu
mestrado; portanto, embora sirva como uma boa indicação sobre a vida dos escravos no presídio, em
alguns pontos, como na questão de salubridade, a pesquisa mais avançada demonstrou o contrário do que
acreditávamos anteriormente.
72
APEJE, CDR, Ofício do administrador..., Rufino Augusto de Almeida, para o chefe de polícia Eduardo
Pindahíba de Mattos, de 10 de agosto de 1865, v.5, p.389.
217

preso fazia pedras para as obras de um cais contratadas pelo Barão do Livramento, o
qual pagava o mestre por esse serviço. Em contrapartida, o mestre deveria ensinar a
outros presos o ofício de canteiro de obras. As outras oficinas, que ficavam em telheiros
nos raios sul e leste, serviam inicialmente apenas aos reparos do presídio, mas Rufino
de Almeida pretendia torná-las lucrativas oferecendo os serviços dos prisioneiros à
Repartição de Obras Públicas, o que parece ter conseguido ao sugerir, pouco tempo
depois, que estes presos também estavam ganhando salário. 73 Além dessas, ele havia
encomendado dois pequenos teares para os presos tecerem suas próprias roupas, do
mesmo tipo que se usava nas prisões da Bélgica, considerando a importância dessa
atividade numa província algodoeiro. 74
Mas a primeira oficina a ser aberta e a mais concorrida pelos presos era a de
sapateiro, por ser a de mais fácil aprendizado, a que maior remuneração dava e a que
mais se adaptava inicialmente ao espaço dentro das celas. Como atividade
complementar a essa oficina, foi logo aberta uma outra de serramento de sola e couros,
e um pequeno curtume de peles que utilizava produtos inodoros. Estas oficinas
fabricavam sapatos de boa qualidade e a preços bastante reduzidos, os quais eram
vendidos às lojas e a atravessadores que as revendiam ao Exército. No caso do Exército,
o administrador sentindo que poderia fazer um melhor negócio fornecendo diretamente
os sapatos, resolveu concorrer nas arrematações e conseguiu assegurar metade dos
pedidos para o Exército estacionado em Pernambuco. Alguns meses depois disso, ele
conseguiu que o presidente da Província desse preferência aos calçados fabricados pelos
presos para o fornecimento de 1.720 pares de coturnos destinados ao Arsenal de Guerra,
ao preço de 2$600 réis cada um, o que foi feito em 40 dias. Com isso, o governo
economizou $900 réis por cada par de coturnos, chegando a uma economia de 5:700$. 75
A produção de calçados em seis meses (de junho a dezembro de 1863) foi da
ordem de 6 mil pares, sendo que 4 mil foram destinados ao Exército e o restante para os
menores do Arsenal de Guerra e para as lojas, além de borzeguins para homens e
acabamentos feitos para crianças e senhoras. 76

73
Idem, ibidem, e Ofício do administrador..., para o chefe de polícia, Abílio José Tavares, 20 de janeiro
de 1864, v.4, p.40.
74
Idem, ibidem.
75
APEJE, CDR, Ofício do administrador..., para o chefe de polícia, Abílio José Tavares da Silva, 20 de
janeiro de 1864, v.4, p.40.
76
Idem, ibidem.
218

Em troca de seu trabalho, segundo o mesmo administrador, o preso recebia um


salário igual aos que se pagão nas oficinas particulares, e a partir desse salário
custeavam toda a sua despesa com alimentação, vestuário e passagens pela enfermaria.
O que sobrasse poderia ser entregue à família. Os que trabalhassem como marceneiros,
carapinas e ferreiros tinham ainda que prestar serviço gratuito para a conservação e
reparos da Casa de Detenção. Isso resultou numa redução nos custos com os presos de
37:350$360 contos de réis em 1861, quando ainda não havia essas oficinas e o número
anual de detentos tinha sido de 2.468 presos, para 21:617$582 contos de réis em 1864,
com um movimento de 4.240 presos naquele ano. 77
As oficinas começaram a entrar em declínio em 1865, quando foi montada uma
sapataria no presídio de Fernando de Noronha e o Arsenal de Guerra passou a comprar
os coturnos ali. Também os comerciantes deixaram de consumir os sapatos da Casa de
Detenção, por razões que Rufino dizia desconhecer, uma vez que os preços
continuavam os mesmos. Achava que talvez fosse pela distância ou pela aversão que o
estabelecimento causava. Não há indícios de que a concorrência causada pela mão-de-
obra barata dos presos tenha causado irritação entre os artífices livres, como ocorreu na
França, o que parece natural ao se pensar que o trabalho escravo, bem mais predatório
ao trabalhador livre, era normalmente utilizado sem gerar questionamentos por parte
desse grupo social. 78
A crise comercial foi outro fator apontado em seu relatório como decisivo para o
fracasso das oficina s, em conseqüência do aumento de preço da matéria prima
estrangeira e nacional. Como resultado disso, o diretor da Casa de Detenção teve que
reduzir o número de trabalhadores nas oficinas, até que tiveram que ser desativadas em
1869, quando então declarou ... não ter forças pecuniárias para continuar o seu custeio
e também julgar conveniente por-me fora da gerência das oficinas desta Casa. Apesar
do prejuízo pessoal que afirmava ter tido com as oficinas, aconselhava ao governo a
instituí- las construindo salões apropriados para elas e empreitando o trabalho dos
detentos, de modo que o empreiteiro ficasse com a responsabilidade de fornecer a

77
Idem, ibidem, Ofício para o chefe de polícia, Eduardo Pindahíba de Mattos, 10 de agosto de 1865, v.5,
p.389.
78
Idem, ibidem, Ofício do administrador..., para o chefe de polícia, Francisco de Farias Lemos, 7 de
maio de 1869, p. 67, v.7; Cf. Michel Foucault, op. cit., pp.215-216.
219

matéria prima e o pagamento dos salários, sem a necessidade, portanto, do Estado


despender nenhuma quantia. 79
Mesmo depois de desativadas, muitos detentos requeriam a permissão de
trabalharem em suas celas individualmente como sapateiros. Rufino de Almeida
repassava esses requerimentos ao chefe de polícia, mas sempre alertando para as
dificuldades de se deixar o trabalho dos presos se processar dessa maneira, uma vez que
considerava prejudicial à segurança do estabelecimento e à disciplina dos presos, o
constante entrar e sair de mulheres e outras pessoas que traziam as matérias-primas.
Continuava a insistir que o trabalho dos detentos só seria proveitoso para eles e para o
governo se fosse organizado em oficinas sob a direção do Estado. O chefe de polícia, no
entanto, permitiu que os presos de bom comportamento tivessem esse benefício e ele,
então, providenciou que alguns sapateiros empreitassem o serviço para um negociante,
... imitando assim o sistema seguido nas melhores prisões da Europa. 80
Depois dessas experiências com o trabalho dos detentos, as oficinas eram sempre
reclamadas pelos administradores da Casa de Detenção como um meio de moralizar o
preso, fazê- lo ser aceito pela sociedade quando terminasse sua pena e diminuir os gastos
do governo. Todos eram unânimes em considerar que o governo provincial descuidava
dos benefícios que tais oficinas poderiam trazer, sugerindo um que os filhos dos
detentos também poderiam utilizar-se delas para aprenderem um ofício. Por volta de
1883, ainda existiam duas oficinas funcionando, a de ferreiro e a de marceneiro, mas de
forma precária, com poucas ferramentas, todas pertencentes aos próprios detentos, que
também custeavam a matéria prima; por isso, recebiam integralmente o valor de suas
vendas. Mesmo assim, a Casa de Detenção foi beneficiada com alguns serviços
gratuitos realizados pelos presos operários. 81
Em seu relatório sobre as condições da Casa de Detenção ao ministro da Justiça
em 1874, Rufino de Almeida lamentava os efeitos deletérios da falta de ocupação
profissional para os detentos:

79
APEJE, CDR, Ofício do administrador..., para o chefe de polícia, Francisco de Farias Lemos, 7 de
maio de 1869, v.7, p.67; DP, 12/03/1868.
80
Idem, ibidem, Ofício do administrador... Rufino Augusto d’Almeida, para o chefe de polícia, Francisco
d’Assis Oliveira Maciel, v.07, p.104.
81
Idem, ibidem, Ofício do administrador... Leopoldo Borges Galvão Uchôa, para o chefe de polícia,
Joaquim da Costa Ribeiro, 30 de janeiro de 1883, v.27, pp.88-93.
220

... nesta casa os presos vegetam na quasi absoluta ociosidade com prejuizo
do corpo e do espirito, e em desproveito da sociedade. O único resultado que
se obtem é o embrutecimento, o desenvolvimento das más paixões, o
enfraquecimento do espirito, a morte do corpo.82

Apenas um ano depois das oficinas de Rufino de Almeida serem desativadas,


entrou em discussão um projeto na Assembléia Provincial sobre a montagem de oficinas
de trabalho na Casa de Detenção. O maior empecilho colocado contra elas era a dúvida
se seriam realmente aproveitáveis para a Província, uma vez que tomando a experiência
particular do administrador da Casa, não sabiam avaliar se houve ou não lucro. 83 O
projeto, no entanto, não vingou e o Regulamento de 1885 foi produzido sem mencionar
o trabalho grupal em oficinas. Isso não impediu que elas fossem tentadas por diversos
outros administradores.
Em 1890, o mesmo administrador – Leopoldo Borges Galvão –, que quatro anos
antes reclamava de não haver trabalho para os presos, informava em seu relatório ao
chefe de polícia as condições em que tinha encontrado as oficinas, quando reassumiu a
administração da penitenciária. Os presos que trabalhavam na sapataria e os que
fabricavam vassouras, chapéus e espanadores, e até o encarregado de lavar a roupa da
enfermaria, tinham que pagar impostos à administração, que conseguiu com isso
arrecadar 1:139$490 réis. Essa situação fez com que os presos desanimassem diante do
trabalho, uma vez que se viam privados de uma remuneração considerada aceitável. 84
A exploração não acabava aí. Sob a benesse do antigo administrador, havia dentro
do estabelecimento um depósito de palha de carnaúba pertencente a um negociante,
onde os presos eram obrigados a comprar. Um guarda havia sido escalado para a tarefa
exclusiva de fazer as vendas aos presos. Enquanto a palha comprada fora saía ao custo
de 400 réis, a vendida na penitenciária ficava ao preço de 1$200 réis. A venda das
vassouras, por outro lado, não lhes era permitida até que fossem vendidas as que tinham

82
DP, 20/10/1874.
83
APEJE, AAP, Sessão Ordinária em 17 de março de 1870, 1ª Discussão do projeto nº 99 de 1868,
estabelecendo differentes providencias em relação á casa de detenção desta cidade, p.55.
84
Idem, CDR, Relatório do administrador...Leopoldo Borges Galvão Uchôa, para o chefe de polícia,
José Izidoro Martins Júnior, 10 de janeiro de 1890, v.42, pp.27-32.
221

sido recolhidas a título de imposto. Isso levou a que muitos detentos desistissem dessa
oficina. 85
Com a mudança de administrador, eles se organizaram e fizeram uma
representação contra os abusos praticados contra os seus trabalhos nas oficinas, sendo
suspensos todos os impostos então cobrados até aquele momento. O resultado foi a
volta dos presos ao trabalho com ... tanto afã, que no período de trez meses foram
fabricados nas oficinas 67 duzias de cadeiras, vinte marquezões, muitas mesas e
tamboretes, subindo a sessenta mil o número de vassouras que saíram para o mercado.
Havia ainda a suspeita de que certos serviços eram deixados de fazer dentro do presídio
por um custo reduzido para serem superfaturados, como no caso das roupas destinadas
aos detentos, que por 68 calças e blusas mandadas fazer fora foi cobrado 1:500 réis,
quando se fossem feitas pelos alfaiates detentos, sairia pelo preço de 320 réis. 86
O limite entre a prática correcional através do trabalho dos operários detentos e a
exploração deste trabalho foi desde o início do funcionamento das oficinas algo difícil
de ser separado, como revela o caso das oficinas montadas por Rufino de Almeida. Com
tanto dinheiro envolvido nessas oficinas e tanto empenho do administrador da Casa de
Detenção, a ponto de colocar do seu próprio dinheiro nelas, acabou levando a suspeitas
de que Rufino de Almeida estivesse tendo lucros pessoais com o trabalho dos detentos.
Já um senhor de escravo recolhido ao presídio para ser açoitado, havia reclamado de ter
encontrado o seu escravo vendendo vassouras na rua para o administrador, o que este
negou alegando que era costume antigo os escravos venderem objetos feitos por eles na
prisão quando saiam para buscar alimentos para o estabelecimento. 87 Mas na verdade as
acusações iam mais longe: ele era suspeito de estar obrigando os presos ao trabalho.
Esta acusação foi feita pelo deputado Maximiano Duarte na Assembléia Provincial,
alegando que as oficinas não tinham vida legal e que, portanto, estariam predispostas a
abusos, inclusive o do administrador negociar com os presos 88 , o que no caso atenuaria
as desconfianças dele estar forçando os detentos ao trabalho. Seria mais provável que
estivesse explorando mão-de-obra barata em proveito próprio, embora fosse verdade
que tinham de prestar serviços gratuitos dentro do próprio presídio. Aos presos que não
85
Idem, ibidem.
86
Idem, ibidem.
87
Idem, ibidem, Ofício do administrador... ao chefe de polícia, Luiz d’Albuquerque Martins Pereira, 02
de junho de 1866, v.6, p.160.
88
Idem, AAP, Pronunciamento do Sr. Maximiano Duarte, 1868.
222

fossem condenados às galés, isso parecia ser uma condição imposta caso desejassem
trabalhar nas oficinas. O próprio Rufino era um que insistia muito na regulamentação
dessas oficinas com a reforma do Regulamento da Casa de Detenção que já estava
prevista por lei provincial desde 1861, o que não havia ocorrido ainda até 1869; e na
conclusão do 3º raio, onde ficariam os salões destinados às oficinas de trabalho.
Rufino de Almeida, ao que parece, não era tido como uma pessoa politicamente
confiável, levando um outro deputado a afirmar que o administrador não merecia a
confiança do governo: ...é liberal, é conservador, é republicano e se houver um outro
partido elle é também.89 Seja como for, nada foi provado contra Rufino Augusto de
Almeida, que permaneceu como administrador da Casa de Detenção de 1862 até pelo
menos 1874, último ano que encontramos referência dele dirigir o presídio.
Sem uma regulamentação que definisse se os presos seriam ou não obrigados ao
trabalho, se este trabalho faria parte de sua pena ou não, como ele seria organizado, se
teriam direito a uma remuneração e qual o critério que se utilizaria para este fim, ficava
bem mais fácil a que houvesse os abusos. Não nos parece, entretanto, que o trabalho dos
detentos não fosse devidamente remunerado apenas por ser visto como um elemento a
mais no cumprimento de sua pena. 90 Realmente, este era um fator que pesava. Mas ao
lado desse, temos toda uma experiência por parte das elites de exploração de trabalho
forçado e de manter o trabalhador livre a salários de subsistência. Não seria justamente
com os presidiários, juridicamente expropriados de seus direitos, que esta exploração
seria mais branda.
Por todo o período estudado, ficou patente a utilização da mão-de-obra presidiária
na confecção de utensílios para o Estado e nas obras públicas: móveis para as estações
da Guarda Cívicas, estantes para a Biblioteca Pública, carteiras escolares para o Ginásio
Pernambucano, a Escola Normal e demais escolas públicas do Estado; aterros, reparos
no próprio presídio, botinas para o Exército e para a polícia militar, carroças para o
Esquadrão de Cavalaria, padiolas para os postos policiais etc. O dinheiro envolvido
nessas oficinas era muitas vezes avultado, tanto no que se refere à compra da matéria

89
APEJE, AAP, Discussão dos Projetos de nº 85 e 99, 1870, pp.194-195.
90
Cf. Mozart Menezes, op. cit., p.93.
223

prima, quanto na economia aos cofres públicos, restando aos presos um salário
pequeno.91
Para algumas autoridades, a diminuição dos gastos públicos parecia ser o único
objetivo real que se poderia extrair do trabalho dos prisioneiros, pois ... semelhante
medida sem concorrer para a repressão do erro nessa classe de delinquentes [presos
correcionais] trouxe entretanto a vantagem de auxiliar a administração na alimentação
dos correcionais. 92
Todo o discurso em relação ao trabalho dos presos na Casa de Detenção do Recife
era baseado nos métodos disciplinares europeus e isto se torna contraditório ao ser
aplicado numa sociedade escravista. Ao mesmo tempo, o trabalho era visto como
castigo – aos vadios, mendigos e criminosos perigosos, como os condenados às galés –,
e como prêmio, àqueles presos de bom comportamento e que antes de cometerem um
delito já possuíam uma profissão, não se enquadrando nos dois primeiros casos. Servia
como disciplinador, ao manter os presos ocupados e livres de pensamentos criminosos;
e correcionador, ao habilitá- los a voltarem ao convívio da sociedade, como homens
produtivos. Muitas vezes, o administrador se referia em seus ofícios aos presos como
operários ou trabalhadores, numa atitude que revelava um certo respeito. Mas na
prática esse respeito não existia na sociedade escravista brasileira, que desprezava o
trabalho manual e não permitia o desenvolvimento desse tipo de trabalhador. Ao afirmar
em um de seus relatórios que o trabalho forçado (dos presos) não poderia ser comparado
ao trabalho livre, 93 Rufino de Almeida estava sem querer condenando um sistema social
que relegava o homem pobre livre a um segundo plano no mercado de trabalho,
retirando do trabalho a sua promessa de reabilitação, uma vez que ao voltar à sociedade,
retornaria a condições de desemprego, miséria e humilhações que impunha o regime
escravista, continuando os seus efeitos a serem sentidos por muito tempo ainda.

91
Idem, CDR, Ofícios de 10 de agosto de 1910, p.227, v.115; de 9 de junho de 1897, v.67, p.219; de 25
de janeiro de 1911, p.56, v. 117; de 10 de fevereiro de 1911, v.117, p.76; de 10 de março de 1911, v.117,
p.143; e de 30 de agosto de 1911, v. 188, p.220.
92
Idem, Relatório do administrador Antonio Américo Carneiro Pereira, para o chefe de polícia,
desembargador Antonio da Silva Guimarães, em 26 de outubro de 1916, pp.102-107.
93
Idem, CDR, Ofício do administrador...Rufino Augusto de Almeida, para o chefe de polícia, Abílio José
Tavares da Silva, 20 de janeiro de 1864, v.4, p.40.
224

Presos bem comportados, guardas indisciplinados

Conserva-se felizmente a disciplina que se póde desejar entre homens de


indole e educação dos que na maior parte formam a população deste edifício.
Salvo uma ou outra excepção em geral os presos são doceis, e facilmente se
acostumam ao regimem da prisão, sem ser necessário o emprego de medidas
de rigores.
Continuo a dar-me bem com os meios brandos e suasórios. 94

Diante dos problemas que traziam a baixo todo o aparato técnico que deveria ser
aplicado ao detento na execução de sua pena e em proveito de sua recuperação, o mais
sério era o que dizia respeito à disciplina dos próprios funcionários da Casa de
Detenção. Ao mesmo tempo em que eram freqüentes os elogios dos administradores ao
comportamento geral dos detentos95 – como o descrito logo acima por Rufino de
Almeida –, as reclamações quanto ao decoro em serviço dos guardas do estabelecimento
e dos soldados que faziam a vigilância externa eram constantes. Em se tratando desses
últimos, os problemas que os administradores enfrentavam eram as mesmas das
autoridades policiais civis. Embora devessem obediência e respeito ao administrador,
havia uma clara rejeição a receberem ordens diretamente dele. Pelo regulamento da
formação da guarda, deveria haver um oficial comandando-a, o que normalmente não
acontecia, acarretando numa maior dificuldade de comunicação entre as duas partes. A
guarda ficava sob o comando de um inferior, que por sua proximidade social com os
soldados, nem sempre conseguia ou se preocupava em coibir os abusos praticados pelos
seus comandados, que em pleno serviço aproveitavam para jogar e beber. 96 Um dos
muitos casos relatados pelos administradores da Casa de Detenção retrata bem o
comportamento dessas praças:

94
DP, 12/03/1868.
95
Cf. APEJE, Relatórios dos Chefes de Polícia, 1886, p.17 e 1910; CDR, Relatório do administrador
Antonio Américo Carneiro Pereira, para o chefe de polícia, desembargador Antonio da Silva Guimarães,
25 de outubro de 1916, v.65.
96
APEJE, CDR, Ofício de 18 de maio de 1888, p.284, e de 25 de maio de 1888, p.297, v.38.
225

Comunico a V.Sª que ontem pouco depois de seis horas da tarde uma criada
de minha casa dizendo a um guarda desse estabelecimento que trancasse uma
torneira d’água, um soldado, que se achava de sentinela julgando que faltava
consigo, dirigiu obscenidades, havendo eu próprio observado isto pelo que
entendi-me com o Comandante da Guarda, fazendo-lhe sentir tão reprovado
procedimento daquele praça. Comandava a guarda o furriel do 14 Batalhão
Luiz de França Batista, inferior este que ha muito poucos dias era simples
praça não ligou a menor importancia ao que lhe comuniquei, servindo ao
contrario de galhofa para os soldados que parecia se divertir com o
procedimento que tivera o seu companheiro.
Seguio-se então uma scena infernal, as praças levarão toda a noite em
pagodeira, e, devo dizer que passei uma noite muito apreensivo sobre a
vigilancia e segurança de perto de 500 criminosos aqui existentes. Fatos desta
ordem serão repetidos enquanto não se compenetrarem de que um
Estabelecimento dessa natureza não pode deixar de sua guarda ser
comandada por um official porque a presença deste é suficiente para imprimir
o respeito, manter a ordem e subordinação. Valerá dizer que tenho esse furriel
por mais de uma vez com as praças sob seu comando a conversar em
intimidade como se fossem elas da graduação dele, e nestas condições como
espera-se moralidade, ordem e disciplina em um Comandante que não se faz
respeitar ? 97

A prática de passar em revista a guarda pelos oficiais que faziam a ronda da


cidade também era negligenciada, permitindo aos soldados se descuidarem de seus
postos sem o temor de serem punidos. Alguns chegavam a dormir em serviço, outros,
simplesmente abandonavam seus postos com arma e tudo. 98 O descuido na vigilância
era prontamente aproveitado pelos presos para fugirem, chegando algumas dessas fugas
a levantar suspeitas sobre os vigias, de tão absurdas que pareciam. Numa dessas fugas,
por exemplo, um preso que fazia a faxina no prédio, simplesmente atravessou o portão
correndo sob o olhar descuidado de um praça, que se limitou a indagar a um guarda do

97
APEJE, CDR, Ofício do administrador... Agostinho Bezerra da Silva Cavalcanti, para o chefe de
polícia Dario Cavalcante Rego Albuquerque, 4 de maio de 1889, v.40 p.204.
98
Idem, ibidem, Ofício de 18 de maio de 1888, p.284, e de 24 de maio de 1888, v.38, p.295.
226

presídio, se era aquele um preso ou não. Ninguém se deu ao trabalho de perseguir o


fugitivo. 99
O fato de o administrador residir obrigatoriamente com a família dentro da Casa
de Detenção – algo sempre reclamado como inconveniente por muitos deles – dava
oportunidade para que essa convivência forçada o tornasse alvo de constrangimentos
ainda maiores, como o de um 2º sargento do Corpo Policial e comandante da guarda
externa do presídio, destelhar parte do banheiro da administração para espreitar o banho
de sua mulher e filhos. O administrador foi alertado pelos gritos dos presos e de sua
mulher, conseguindo prender em flagrante o referido sargento. 100
A conduta dos guardas contratados pela Casa de Detenção, por sua vez, se
mostrava bem mais pernicioso ao bom funcionamento da penitenciária, uma vez que
eram eles que tinham acesso imediato aos presos e que deveriam zelar pelo
cumprimento das normas internas. Para se exercer o cargo de guarda dever-se-ia saber
ler e escrever, provar ser uma pessoa idônea, saudável, e morar dentro do presídio,
dando-se preferência aos solteiros sem família, a viúvos sem filhos e, por último, aos
casados sem famílias. Esta opção por funcionários sem vínculos familiares ou com o
menor vínculo possível, embora se prendesse ao fato de terem que morar no
estabelecimento, acarretava numa menor preocupação em cumprir bem o dever para
garantir o sustento familiar.
Eram nomeados pelo chefe de polícia e só este poderia demiti- los, mais uma vez
limitando o poder do administrador sobre o pessoal que cuidava da segurança. Embora
lhe devessem obediência e respeito, podendo o administrador aplicar punições contidas
no regulamento, esta limitação dava oportunidade para que a sua autoridade fosse
contestada e recorressem ao chefe de polícia, em casos de divergências maiores, o que
se tornava constrangedor. O guarda de 2ª classe Almeida, por exemplo, tendo sido
suspenso por quinze dias por ter chamado o administrador de injusto na frente de outros
funcionários, após uma altercação com um outro guarda a quem o administrador
preferiu escutar primeiro, resolveu dar queixa dele ao questor, considerando que a
suspensão por desobediência ...não passava de um acervo de falsidade. Em sua queixa,
o guarda Almeida aproveitava para acusar o administrador de arbitrário com os guardas

99
Idem, ibidem, Ofício de 29 de janeiro de 1888, v.38, pp.55-56.
100
Idem, ibidem, Ofício do administrador... José Francisco Paes Barreto, para o chefe de polícia, José
da Cunha Liberato de Mattos, 5 de janeiro de 1895, v.59, p.8.
227

e expor as condições precárias de vigilância da detenção, que, por falta de iluminação,


tornava o guarda rondante impotente para evitar conflitos. Criava-se, assim, um clima
de animosidade maior entre os guardas e o administrador, caso suas ordens não fossem
apoiadas. 101
Se o guarda Almeida dizia ser tratado injustamente por seus superiores por ser
pobre e precisar do seu ordenado insignificante para sustentar a família, já o guarda
Ramos, que faltara dois dias seguidos ao serviço sem justificativa, deu como motivo de
suas faltas na frente de outros empregados o fato de que ...não se sujeitaria a fazer
serviço de guarda de cadeia, por ser de familia. Esse guarda obviamente era um
apadrinhado político, pois havia exclusivamente retornado ao emprego para informar
que o chefe de polícia o havia colocado à disposição do subdelegado da Boa Vista para
exercer o cargo de escrivão. 102
A proteção conferida a determinados empregados provocava desgastes do
administrador com outras autoridades por motivos banais, impedindo, por outro lado,
uma posição disciplinar rígida em frente aos seus subordinados. Um outro guarda de 1ª
classe, o 1º tenente da Guarda Nacional, José Leite Sampaio, depois de faltar três dias
seguidos sem justificativa, foi advertido de que seria suspenso com perda de
vencimentos caso continuasse a faltar ao emprego. Declarou então estar a serviço de
uma junta de alistamento militar, e que se achava com ordem de prisão do Comandante
Superior da Guarda Nacional, por ter se ausentado dos trabalhos da junta para se
apresentar ao administrador. Como este, no entanto, só aceitasse liberar o empregado
por meio de uma requisição oficial, o guarda Sampaio levou o caso ao Inspetor
Permanente da 5ª Região Militar, com a intenção, segundo o administrador, não de
salvaguardar seus interesses, mas de ...crear embaraços a esta administração por ter
procurado sempre corrigir as suas faltas de mao empregado. Sampaio era um dos que
tinha o cargo apenas como meio de acumular uma renda certa aos seus outros interesses.

101
APEJE, CDR, Ofício do administrador... Leopoldo Borges Galvão Uchôa, para o questor de polícia,
Benjamim Aristides Ferreira Bandeira, 27 de junho de 1892, p.207 e Ofício do guarda de 2ª classe da
Casa de Detenção, Manoel Paulo de Almeida ao Ilustre Cidadão Dr. Questor de Polícia do Estado de
Pernambuco, 27 de junho de 1892, v.51, p.208.
102
Idem, Ofício de 3 de maio de 1909, v.112, p.5; grifos meus.
228

Pouco ou nada fazia no presídio, ocupando-se principalmente em vender bolsas,


chapéus e vassouras na feira, talvez fabricadas pelos detentos. 103
Lado a lado com a indisciplina, vinham as irregularidades no comportamento que
deveriam ter com os presos. Em 1893, um dos administradores baixou uma portaria que
era o resumo de como os empregados se comportavam em serviço: estes não deveriam
se distrair de seus deveres, não permitindo a entrada de ...bebidas alchoolicas e
instrumentos vedados pelo Regulamento; deveriam ser obedientes e manterem uma
atitude de moralidade e descencia de modo a que possam ser respeitados pelos
detentos; e por nenhuma hipótese manterem transações ou outro qualquer negócio com
os mesmos detentos dos quais possa resultar o afrouxamento da moralidade 104 . No dia-
a-dia, o comum era encontrar guardas vendendo bebidas alcoólicas para os presos,
jogando a dinheiro com eles, pedindo ou emprestando dinheiro a eles. A intimidade dos
guardas com os presos levava a que alguns tivessem o privilégio de permanecer com as
grades de suas celas abertas. O marinheiro Jerônimo era um desses, que passava horas
fora de sua cela a conversar com um guarda. 105
Uma dessas irregularidades chegou como denúncia de um preso sentenciado que
se viu ameaçado por um outro detento, Samuel, que, entre outras coisas, vendia bilhetes
de loteria dentro do presídio. À noite, a cela de Samuel se convertia em uma sala de
jogos e botequim. Em uma dessas noitadas, ele havia conseguido apurar 13$000 réis em
aguardente, levando para sua cela sete presos como clientes. Samuel tinha como
cúmplices três guardas, que à noite levavam os presos para a sua cela ou para a de um
outro presidiário. 106
A administração só tinha ciência sobre o comportamento ilícito dos guardas
quando ocorria uma desavença entre eles próprios ou quando um preso se sentia
prejudicado por tais ações. Raramente um guarda corrupto era denunciado por um
colega. Os chefes de quarto – responsáveis pelo serviço da guarda –, na maior parte das
vezes, relatavam apenas atos de insubordinação ou descaso na vigilância. Mas a maior
freqüência em que a cumplicidade entre presos e guardas se tornava frágil era quando

103
Idem, ibidem, Ofício do administrador... Joaquim do Rego Cavalcanti, para o chefe de polícia Ulysses
Gerson Alves da Costa, 24 de novembro de 1909, v.113, pp.142-143.
104
APEJE, CDR, Portaria expedida pelo administrador José Francisco Paes Barreto, 25 de fevereiro de
1893, v.55, p.198.
105
Idem, ibidem, Ofício de 1º de maio de 1890, v.43, pp.136.
106
Idem, ibidem, Ofício de 2 de janeiro de 1893, v.53, pp.3 e 4.
229

estes se valiam de sua posição para perseguir os detentos. Nesta hora havia uma
inversão dos papéis, com os presos reclamando da falta de cumprimento das normas
internas. Em um ofício subscrito pelos Infelizes da Casa de Detenção, os detentos
faziam uma representação diretamente ao questor sobre o mau comportamento de um
guarda de 2ª classe, que vivia embriagado e cometendo toda sorte de perseguição contra
os presos. Este guarda era retratado como relapso, traficante de bebidas alcoólicas e
chantagista. O preso que não lhe pagasse de dez a vinte mil réis era tratado de ser
encaminhado por ele para a seção do júri onde servia como jurado, e conseguia sua
condenação à pena máxima. Ironicamente, os presos que o denunciavam não pediam
sua demissão, ao contrário, indicavam um meio onde a disciplina também era vista
como uma forma de corrigir:

Nós não pedimos a sua demissão, mas podeis substituí-lo por um outro de
melhor comportamento como os outros quatro últimos nomeados por V.Ex. e
passar este para a policia ou Corpo Regional como soldado aconselhado por
V.Ex. para não embriagar-se pode ser que porte-se bem e seja um bom
soldado, lugar este único digno de si. 107

A influência que alguns guardas sorteados para servirem de jurados tinham no


julgamento dos presos parece ter sido razoável, uma vez que em 1915, o administrador
solicitou ao chefe de polícia que intercedesse junto ao presidente do Tribunal
Correcional, para dispensar do júri guardas da Casa de Detenção, uma vez que ...por sua
natureza de serviço, obrigados a conviver com os presos e como tal, podendo ter suas
sympathias ou prevenções com os mesmos, são suspeitos para julgal-os 108
Os abusos cometidos pelos guardas poderiam ser acompanhados de violências
cometidas sob o apoio de alguns administradores. Ao reassumir o cargo de
administrador, Leopoldo Borges encontrou práticas de torturas no lugar das penas
disciplinares do regulamento. Os presos eram castigados com o emprego de cordas,
chibatas e outros instrumentos aviltantes. Depois lhes era dado um banho frio para que

107
APEJE, CDR, Ofício de 21 de janeiro de 1893, p.68, v.53. Cf. tb. o ofício de 1º de maio de 1890, v.43,
p.136.
108
Idem, ibidem, Ofício de 30 de setembro de 1915, v.126, p.253.
230

as marcas do castigo desaparecessem. Esses castigos podiam ocasionar a morte de


algum deles, como de fato aconteceu. 109
Se a conduta dos detentos de um modo geral era boa o suficiente para que um
administrador se valesse deles para controlar um preso que lhe ameaçara e matara o
cunhado na sua frente, 110 a verdade é que o efeito do procedimento dos guardas e
soldados sobre a disciplina dos presos retirava da prisão um de seus principais
objetivos: a obediência e o respeito às leis. Criava-se, assim, um ambiente reprodutor da
delinqüência sem contudo se ter à perfeita utilização desta delinqüência pelas elites. O
novo delinqüente passava a conhecer cuidadosamente os caminhos que tinha de
percorrer para conseguir ludibriar ao máximo a ordem imposta pelo regime
penitenciário, tornando-se o detento que vendia bebidas, que promovia jogos, que
aproveitava as saídas com a desculpa de ir comprar material de trabalho para ir às
tavernas. 111 Já seus carcereiros não o tinha atrelado a uma rede de saber científico que o
tornasse apto a receber a “técnica disciplinar”. 112
Do criminoso sabia-se apenas seus sinais característicos e sua profissão. Não
havia ainda o interesse pelo histórico do criminoso, mas apenas o do crime. Mesmo a
respeito dos crimes, eram precárias as informações a respeito, principalmente antes do
funcionamento do Gabinete de Identificação e Estatística. Muitos eram enviados à Casa
de Detenção apenas com uma ordem de prisão sem especificação da natureza do crime e
da pena imposta, até mesmo dos condenados. O descaso no processo penal fazia com
que prisioneiros esperassem anos pelos seus julgamentos definitivos, e outros que já
haviam pago suas sentenças permanecessem mais tempo que o devido. 113
O isolamento, a higiene e o trabalho tornavam-se metáforas mortas, diante das
condições materiais da Casa de Detenção e de seu pessoal. Soltos, a maioria voltaria ao
crime. Não àquela ilegalidade fechada, separada e útil, que tornava a sua prática

109
Idem, ibidem, Relatório do administrador...Leopoldo Borges Galvão Uchôa, para o chefe de polícia,
José Izidoro Martins Jr., 10 de janeiro de 1890, v.42, pp.27-32.
110
Idem, ibidem, Ofício de 23 de novembro de 1907, v.107, pp.83-84.
111
Os detentos que tinham um ofício solicitavam freqüentemente para saírem do presídio escoltados por
um guarda, a fim de comprarem matéria prima para suas oficinas. Essas permissões estavam sendo
negadas porque muitos aproveitavam para ir às tavernas embriagar-se. Cf. APEJE, CDR, Ofício de 29 de
agosto de 1888, v.39, p.104.
112
Michel Foucault, op. cit., pp.224-225.
113
DP, 20/10/1874.
231

onerosa para o delinqüente, tornando-a restrita e controlável, e portanto, dominada. 114


Ao contrário, fez surgir o delinqüente que sabia criar a ilegalidade em qualquer meio em
que se encontrasse – livre ou na prisão.

114
Michel Foucault, op. cit., pp.244-246.
CONCLUSÃO:

Não há dúvida, impera o cacete e a faca de ponta !1

No Recife de fins do século XIX e começo do século XX, como em outras


cidades brasileiras, a idéia da administração técnica da cidade, associada ao desejo de
disciplinar as classes populares para o mercado de trabalho, iria permitir, de fato, uma
ingerência maior por parte das autoridades nos aspectos cotidianos da vida pública
dos indivíduos. 2 Neste sentido, práticas associadas ao lazer e ao trabalho das pessoas
seriam vigiadas e controladas por meio da legislação municipal, que daria condições
da polícia ingerir sobre aspectos da vida diária da população. As posturas municipais
que tratavam do comércio, da circulação das pessoas e mercadorias, das festas
populares, dos modos de se comportar em público etc., mapeavam a vida do cidadão
comum, colocando, por assim dizer, o “olho” do Estado em suas ações. Desta forma,
controlar o horário de funcionamento do comércio, por exemplo, significava vigiar a
circulação dos indivíduos, uma vez que após o toque de recolher, quem fosse
encontrado nas ruas tornava-se suspeito. Dependendo da cor, condição social e idade,
mais suspeito seria, e com maiores chances de ser preso, caso fosse encontrado pela
polícia.
Por outro lado, as elites tentavam ordenar a cidade a partir da moralidade
burguesa. Ao construir o Mercado Público de São José, estavam na verdade ajustando
o uso do espaço público em função da segurança, da higiene e dos bons costumes
condizentes com essa moralidade. A criação do regulamento para o serviço doméstico
cuidava, por sua vez, de conservar o lar das influências perniciosas que a rua poderia
trazer. O trabalhador, agora livre, não sujeito mais legalmente à correção dos
castigos, teria uma série de obrigações a serem cumpridas que resguardaria seus
patrões dos danos morais e físicos que o contato com a rua poderiam causar. Observe-
se que a carteira de criado era uma outra forma de identificar o vadio do trabalhador.

1
Jornal do Recife , 20/12/1890.
2
Cf. Sidney Chalhoub, op. cit., pp.19-20.
233

No esforço de criar uma força de trabalho com novos hábitos, buscou-se


investir na educação de órfãos e menores, uma vez que se acreditava que o contato
das crianças com seus pais já contaminados pelos vícios que a pobreza produzia era o
responsável pelo círculo vicioso que gerava o desregramento entre as classes pobres.
Tais instituições, como o Asilo de Órfãos e a Escola Orfanológica Isabel, realmente
teriam influências positivas na constituição dessas crianças. Mas o que primeiro se
esperava delas era a reprodução de trabalhadores braçais, e não exatamente de
cidadãos que poderiam escolher o seu futuro e que por meio da educação pudessem
ter uma participação ativa nos rumos do País. Outras instituições, como o Arsenal da
Marinha e a Escola de Aprendizes de Marinheiro, que também ministravam o ensino
prático de ofícios, tinham um caráter nitidamente repressivo, e tornavam-se mais o
terror dos jovens pobres do que uma esperança de vida melhor.
Um outr.o meio de tentar “limpar” a cidade da influência deletéria da
ociosidade foi a criação de instituições que serviriam ao mesmo tempo para isolar os
marginalizados do sistema e transformá-los nos trabalhadores morigerados,
submissos e produtivos que as elites desejavam para substituir os escravos. Uma
delas foi o Asilo dos Mendigos, que afastaria das ruas o incomodativo espetáculo da
degradação humana, além de tentar acostumá-los a regras diárias, motivo pelo qual
muitos fugiam. A outra foi a Casa de Detenção, que serviria de ameaça explícita ao
possível desviante, além de ser o local por excelência de delimitação entre o
comportamento socia lmente aceitável e o que deveria ser eliminado do convívio da
sociedade. Por isso, atrás de suas muralhas, os loucos e os mendigos também eram
confinados. Tinha, igualmente, a tarefa – vacilante, é verdade – de reconduzir os seus
prisioneiros de volta ao convívio social, como indivíduos exemplarmente punidos e
regenerados.
Mas se as elites haviam conseguido criar as condições necessárias para
assegurar uma transição tranqüila em relação à constituição da nova força de trabalho,
isto não significa que tenham alcançado o grau de controle que desejavam, uma vez
que as próprias condições sociais produzidas pelo sistema econômico que lhes
sustentava no poder conferiam limites aos seus desejos de transformação e gerava
outros tipos de tensões sociais que iriam se agravando com o aprofundamento da
234

miséria urbana. A criminalidade crescia e parecia assustadora à população de um


modo geral.
Em 1890, um jornalista expressava com a frase título deste capítulo a sua
decepção em relação à cidade do Recife. Este seria um sentimento compartilhado por
vários outros cronistas da época. Realmente, apesar do desejo das elites em
transformá- la em uma cidade civilizada conforme os valores europeus, o Recife
estava longe de ser a cidade pacífica, segura e disciplinada que seus administradores
queriam. Os crimes se avolumavam, crescia o número de desocupados e mendigos
que vagavam pelas ruas; as desordens praticadas pelos próprios soldados das forças
públicas quebravam a ordem; a repressão às ilegalidades populares não conseguia ser
satisfatória. Apesar dos esforços, o mundo da desordem era bem visível. O Recife era
por isso cognominado por muitos como cidade sangrenta.3
Uma das razões para que isso ocorresse estava ligada às próprias falhas
existentes nas instituições criadas para prevenir e reprimir o que se considerava como
desordem social. A principal delas era a polícia.
A lentidão com que a profissionalização da polícia pernambucana se processou
– embora na década de 1910 já se apresentasse bem desenvolvida –, acarretou
deficiência em sua ação preventiva, revelando a tendência das autoridades em
preferirem manter o controle através da repressão. Sob o governo imperial, a sua
estrutura era calcada essencialmente nas relações pessoais, sem que o indivíduo
escolhido para ocupar tais cargos oferecesse requisitos de ordem técnica para exercê-
los. Na polícia civil isto era mais visível na medida em que a autoridade policial tinha
como requisitos básicos para sua escolha o prestígio e a riqueza, que se somavam ao
enorme poder de prender, julgar e punir crimes menores. Estas atribuições, que à
primeira vista poderiam aparentar uma forma completa de dominação sobre as classes
populares, trariam, no entanto, choques de poder dentro das próprias elites, que, para
preservarem a totalidade de sua dominação, restringiram os poderes conferidos aos
delegados e subdelegados – como antes já havia acontecido com os juízes de Paz –,
retirando- lhes a competência que deveria ser da justiça. Tal avanço não significou,
entretanto, que os abusos de poder e os conflitos intra-elites desaparecessem, mas há

3
Cf. Oscar Mello, op. cit., Introdução.
235

um crescente desinteresse por esses cargos, que já não ofereceriam tanto poder local
como outrora, passando a ser exercidos por aquelas pessoas menos aquinhoadas dos
círculos das famílias ricas da Província.
Aos conflitos intra-elites somavam-se aqueles gerados pela sobreposição de
deveres, como no caso da Força de 1ª Linha e da Guarda Nacional – esta até 1874 –
que tinham a obrigação de auxiliar no policiamento dos municípios, na condução de
presos e na guarnição de cadeias e prédios públicos; bem como aqueles gerados entre
dois tipos diferentes de agentes promotores da ordem pública – a autoridade civil e a
militar. Este, ainda que se encontrasse preso à rede de favores, tinha consciência de
pertencer a uma organização mais capacitada – uma vez que muitos de seus oficiais
vinham do Exército – e, apesar dos pesares, melhor disciplinada, devido ao regime
dentro do quartel. Depois da Guerra do Paraguai, essa experiência tornou-se mais
forte com a incorporação do Corpo de Polícia aos batalhões do Exército, o que lhe
daria uma série de privilégios e honras militares. Apesar disso, era subordinado às
autoridades policiais civis, que, na falta de uma força própria, dispunham da polícia
militar para todas as suas diligências.
Por outro lado, os praças de polícia não estavam tão bem preparados como se
esperaria de uma organização militar. A remuneração inadequada e a falta de
garantias para si e sua família no que dizia respeito à invalidez ou morte em serviço,
tornaram- nos em indivíduos menos atento as suas obrigações do que o esperado.
Eram encontrados em muitas ocasiões embriagados no horário de serviço ou jogando
com aqueles que deveriam ser os policiados. Isto se tornou um problema sério no
policiamento do Recife, que na época Imperial convivia com escravos de ganho em
suas ruas, além dos freqüentes distúrbios entre os praças de polícia com os soldados
de 1ª Linha, da Marinha e da Guarda Nacional. Era, portanto, um outro foco de
insegurança para as elites, que não haviam se esquecido dos levantes de tropas
militares dos primeiros tempos de Império.
A tentativa de constituir uma guarda civil ainda na época imperial, que
atendesse as condições locais de cada município, dando-lhes maior autonomia sobre
este assunto e maior capacidade de prevenção e repressão, mostrou-se insatisfatório.
Isto ocorreu por várias razões: falta de apoio do governo imperial, falta de pessoal
236

com o mínimo de instrução e treinamento para fazer parte de uma polícia que se
desejava fosse em primeiro lugar dedicada a prevenção dos crimes, e por último, falta
de visão das autoridades da Província, que preferiram economizar mais uma vez nos
salários, a proporcionar uma polícia capaz de resguardar a propriedade e a ordem
pública, respeitando ao mesmo tempo os direitos individuais.
Embora o modelo de policial a ser seguido fosse o bobby londrino, não houve
nem interesse real, nem condições sociais de formar aqui um tipo de “policial
cidadão” que promovesse a cidadania entre a população. Ao contrário, em todo o
período analisado a relação entre a polícia e as classes populares foram calcadas sobre
a violência e as arbitrariedades. Na verdade, se a instituição agia desta forma era
porque o exercício do poder empreendido pelas classes dominantes era alicerçado
sobre este modelo. Neste sentido, a própria forma como desejavam implementar o
projeto de ordenação da cidade, excluindo dele a participação popular ao impor
restrições às suas manifestações culturais, demonstrava bem isto.
Com a República, a estrutura policial vai absorvendo elementos mais técnicos e
científicos, oriundos do pensamento positivista, no intuito de atender melhor a nova
realidade que se apresentava com o desenvolvimento urbano e o crescimento
populacional. Uma das primeiras providências foi reforçar a organização militar da
força policial, conferindo-lhe regulamentos cada vez mais semelhantes ao do
Exército. A Guarda Local, por exemplo, de civil no Império passaria a ser militar na
República. Ela também serviria para constatar o despreparo em que se encontravam
os municípios do interior para gerenciar os seus próprios negócios sem a ajuda do
governo do Estado, e o perigo que poderia acarretar uma milícia oficial nas mãos dos
“coronéis”. Desta forma, foi restaurado o comando da polícia para o Estado, que
poderia manter, assim, o controle sobre seus adversários políticos.
A polícia civil passaria, igualmente, por transformações importantes. Ao
mesmo tempo em que a Repartição de Polícia retoma antigos cargos policiais do
tempo do Império, por outro lado, é principalmente dela o mérito de ter criado os
serviços de identificação e estatística criminal com o objetivo de combater a
criminalidade. Com ela seria inaugurada uma nova fase de controle policial sobre a
população, apoiada em um discurso técnico-científico, aliado ao pensamento
237

higienista, e por isso mesmo mais difícil de ser contestado. Nota-se nos relatórios das
autoridades policiais uma preocupação quase “médica” a respeito da população
pobre. Ela possuía naturalmente um caráter propenso ao crime e, por isso, as
autoridades tinham de estar alertas para que não entrasse em contato com elementos
perniciosos a sua “saúde” moral, em benefício da segurança e do desenvolvimento da
sociedade toda. As ilegalidades populares eram por isso perseguidas sem se buscar
primeiro as suas origens sócio-econômicas, não se conseguindo, por este motivo, um
nível satisfatório de controle sobre elas. O maior trunfo sobre elas foi terem
conseguido a sua marginalização social.
Ao lado da polícia, a Casa de Detenção seria um outro instrumento na cadeia
disciplinar que deveria ser imposta às classes populares do Recife. Caso a prevenção
ou a repressão inicial da polícia falhasse, restaria a pena de reclusão, que significava
o afastamento temporário ou definitivo do infrator que tentara sair do domínio direto
da lei. A Casa de Detenção seria o seu destino.
Embora o seu modelo de construção presumisse o funcionamento de uma
penitenciária exemplar, obedecendo ao estilo panóptico o qual impunha um alto grau
de controle sobre os prisioneiros, foi se afastando desde o princípio de seu principal
objetivo: o de reconduzir o “fora da lei”, isto é, o indivíduo que havia saído do âmbito
do poder institucionalizado, aos parâmetros legais da ordem. Isto deveria ocorrer
através de uma série de técnicas penitenciárias e suplementares que transformaria o
infrator ou criminoso em um indivíduo capaz de ser reaproveitado pela sociedade. Já
a forma como foi concluída a sua construção prenunciava o afastamento dessas
técnicas. Não havia, por exemplo, local específico para a montagem de oficinas de
trabalho, foram colocadas portas de madeiras nas celas que tiravam a visibilidade
sobre os presos e estas haviam sido construídas para abrigar mais de um indivíduo.
Restrita a sua função a reter prisioneiros até serem enviados para cumprir pena
em Fernando de Noronha, seus regulamentos prescindiam de atividades correcionais.
Como, no entanto, os prisioneiros temporários permanecessem mais tempo que o
devido e aumentasse o número de presos correcionais e sentenciados, foi sentida a
necessidade de se instaurar métodos de reabilitação para os detentos já bastante
divulgados na Europa e Estados Unidos, como as escolas de primeiras letras e as
238

oficinas de trabalho. Essas duas tentativas, embora não seguissem um modelo


definido de sistema penitenciário, vinham ancoradas na idéia de que o trabalho e a
educação eram os dois alicerces morais do cidadão, e que o criminoso deveria ser
reconduzido a esse status. A pena não seria apenas uma forma da sociedade vingar-se
do criminoso, mas um meio benéfico de transformá- lo em um indivíduo útil.
Contra a realização desse pensamento pesavam vários fatores. O primeiro deles,
a falta de observância às normas internas do presídio que eram reduzidas a nada, isto
é, o desrespeito às leis, motivo pelo qual foi encarcerado o desviante, continuava a
existir no local destinado a corrigi- lo, e levado a efeito pelos próprios agentes da lei.
As técnicas disciplinares, com isso, eram todas quebradas, não surtindo o efeito
desejado. Para isso concorria também o estado físico do prédio, sem condições
sanitárias suficientes e sofrendo com a superlotação de presos, todos expostos a
diversos tipos de doenças. As oficinas de trabalho, por sua vez, sofreram com o
descaso das autoridades, a exploração de alguns administradores sobre o trabalho dos
detentos, e principalmente a falta de perspectiva destes em conseguirem serviço após
saírem da prisão. A mesma sociedade que dizia querer vê- los reformados,
desprezava-os e rejeitava-os nas fileiras de seus trabalhadores. O resultado era o alto
índice de reincidência na Casa de Detenção. 4
Quanto à educação, pouco valor tinha para pessoas que não precisavam saber
ler e escrever para construírem casas, fabricarem sapatos ou móveis. Esta seria uma
vantagem para quem ingressasse na carreira pública, que cada dia mais exigia essas
noções básicas, mas ex-presidiários dificilmente conseguem empregos públicos. Era,
por isso, uma vontade de saber que poucos detentos cultivavam. No caso dos menores
infratores, houve algumas tentativas por parte das autoridades em tentar recuperá -los
e baixar com isso o índice de reincidência, através da criação da Escola Correcional,
mais tarde substituída pelo Instituto Disciplinar.
Um outro fator que afetava a Casa de Detenção de estabelecer-se como uma
penitenciária correcional era a marcação imprecisa dos lugares. Presos correcionais,
processados, sentenciados, escravos, menores, mulheres, loucos e mendigos – todos
em um único ambiente de reclusão, absorvendo, repassando e cometendo violências

4
Em 1874 o administrador Rufino de Almeida calculou em um terço dos detentos, cf. DP, 20/10/1874.
239

que, de uma forma ou de outra, retornaria à sociedade. O bom e o mau preso


poderiam compartilhar a mesma cela, pois não havia nada no regulamento que os
discriminassem. Para o preso indisciplinado havia as penas disciplinares; para o de
bom comportamento, nenhum alívio na sua pena. Como reclamou em seu relatório ao
Ministério da Justiça o administrador Rufino de Almeida, não havia o livro da
contabilidade moral do preso, que proporcionasse aquele conhecimento que tornaria
o detento passível de receber a técnica penitenciária e ser por ela avaliado; um saber
que excedesse o jurídico e se tornasse científico, mas precisamente, em criminologia.5
As condições em que se encontrava a Casa de Detenção não eram ignoradas
pela elite política, que de vez em quando abria discussões no Legislativo local sobre
diversas providências que necessitava, desde as materiais até as de ordem
correcionais. O público, de uma certa forma, também recebia algumas informações
diárias sobre a entrada e saídas de presos e, esporadicamente, sobre relatórios anuais
que eram publicados no Diário de Pernambuco. O interesse do público, no entanto, se
restringia a fatos isolados como no caso da epidemia de beribéri que aos olhos dos
contemporâneos ameaçou atravessar os muros do presídio.
Do lado dos políticos, as discussões sobre a implementação das oficinas de
trabalho giravam principalmente em torno das vantagens financeiras que o Estado
poderia ou não auferir com elas. Poucos colocavam- nas igualmente como um meio de
dar um ofício ao detento e habilitá-los a uma vida em sociedade, levando-se em
consideração que para isso seria necessário um apoio inicial do governo. Como
muitos tivessem dúvidas quanto às vantagens em o governo institui- las, nunca foi
criada uma lei que regulamentasse o seu funcionamento durante o período estudado,
colocando os limites legais que poderiam assumir. Com isso, elas passaram a
funcionar por iniciativa de alguns administradores, chefes de polícia e secretários
Gerais, ficando mais expostas à irregularidade do que se existisse legalmente. O fato,
no entanto, de nunca terem sido abandonadas completamente, mostra que eram
viáveis. O que se percebe dessa atitude do governo é que as elites preferiram por um
longo tempo manter um “depósito de criminosos” a investir na recuperação do preso.

5
Michel Foucault, op. cit., pp.223-225.
240

Esta foi uma solução suficiente e prática para os seus problemas de controle social de
então.
Em 1919, contudo, o governo do Estado tomaria a primeira iniciativa oficial de
tentar mudar a finalidade da Casa de Detenção do Recife. Isso ocorreria com a
mudança de seu regulamento, que trocaria o seu nome para Penitenciária e Detenção
do Recife passando a sua função a ser ...a execução da pena com trabalho e a
reclusão dos indigitados suspeitos ou pronunciados. 6 Havia, no entanto, muito que
ser mudado ainda na instituição carcerária brasileira como um todo, e nas condições
sociais destinadas às camadas mais pobres da população, para que ela pudesse vir a
cumprir com o seu objetivo – o que não ocorreu. A sociedade pagaria um alto preço
no futuro por não ter conseguido levar essas reformas adiante.

A cidade do Recife – cenário montado ao mesmo tempo pelas elites e pelo


povo– seria o local privilegiado de embate dessas duas forças, e por isso receberia
uma atenção especial das autoridades, no sentido de manter e adaptar a população a
uma disciplina urbana que teria como critério o discurso do progresso e da ordem
social, o qual combatia o vadio, a tendência ao vício da população pobre, os focos de
miséria e aqueles hábitos populares tidos como indesejáveis à constituição da mão-
de-obra livre e da moral de um povo civilizado.
Mas como disse o historiador Michel de Certeau, toda cidade é constituída de
lutas miúdas e diárias, e suas contradições traçam uma outra cidade,7 e a maneira
pela qual o Recife foi construído não obedeceu apenas aos intentos das elites. As
classes populares não foram passivas diante do controle de que foram alvos, tendo
conseguido resistir ao criar um espaço próprio onde as suas manifestações culturais
fossem preservadas e muitas mesmo absorvidas pelas classes mais privilegiadas, ao

6
Em 20 de setembro de 1916, foram criadas diversas oficinas para os presos, divididas em seis
secções. A 1ª destinava-se aos ofícios de marceneiro, carpinteiro e empalhador; a 2ª, aos de ferreiro e
serralheiro; a 3ª aos trabalhos de sapateiro e correeiro; a 4ª aos serviços de encadernação e cartonagem;
a 5ª de alfaiataria, e a 6ª de lavanderia. Cada oficina, com exceção da lavanderia, tinha um mestre
encarregado de sua administração, cargo esse exercido por um funcionário da Repartição Central de
Polícia. Os presos operários ganhavam uma diária de acordo com o que produziam, formando dois
pecúlios: um para as despesas extraordinárias e o sustento da família, e o outro que seria depositado na
Caixa Econômica para lhes ser entregue quando fosse libertado. Havia depositado na Caixa Econômica
a quantia de 12:628$861 e na penitenciária, 3:376$000. Os detentos aprendizes não percebiam nada.
Cf. APEJE, Relatórios dos Secretários Gerais, 1919, p.22.
7
Michel de Certeau, A invenção do cotidiano, p.174.
241

buscarem reivindicar seus direitos como trabalhadores ou simplesmente ao manterem


a fé numa vida melhor através da sorte.
Tabela 3
Armas apreendidas durante o ano de 1909

NOVEMBRO
FEVEREIRO

DEZEMBRO
SETEMBRO
DISCRIMINAÇÃO

OUTUBRO
JANEIRO

AGOSTO
MARÇO

TOTAL
JULHO
JUNHO
ABRIL

MAIO
Carabinas - - - 1 - - - - - -1 - - 2
Compassos - - - - 2 1 - 1 2 2 - - 8
Chuços - - - - - - - - 1 - - - 1
Bengalas de ferro - - - - - - - - 2 - - - 2
Bacamartes - - - - - - - - 2 - - - 2
Espingardas - 3 - - - - - - - - - - 3
Espetos - -1 - - 4 1 - - 2 - - - 8
Facas de ponta 12 101 5 7 115 23 128 18 108 65 102 29 713
Facões - 1 - - - - - - - - - - 1
Navalhas 2 1 - - - - 1 - -2 - - - 6
Pistolas 1 8 1 2 3 2 2 6 8 4 3 40
Punhais 2 12 3 - 21 1 80 1 14 35 84 3 256
Rifles 1 2 - 2 - - - - - - - - 5
Revólveres - 3 - - - - - - - 1 - - 4
Roqueiras - - - - - 1 - - - - - - 1
Sabres 1 - - - - - - - - - - - 1
Trinchetes - - - - - - 1 1 - - - - 2
TOTAL 19 132 9 12 145 28 212 23 139 112 190 35 1055
Fonte: Repartição Central de Polícia do Estado de Pernambuco, 31 de janeiro de 1910.
Tabela 5*

Prisões efetuadas no Recife por tipo de delito e sexo de seus autores

Tipos de 1885 1905 1915


infrações JAN FEV JUN DEZ JAN FEV JUN DEZ JAN FEV JUN DEZ

H M H M H M H M H M H M H M H M H M H M H M H M

Desordens 79 33 105 18 53 6 138 15 99 16 83 16 72 9 64 6 51 2 77 4 71 3 61 27


Ofensas à moral - 6 7 13 4 4 1 41e 9 8 12 2 6 8 10 8 16 3 13 1 9 2 2 2
pública
Embriaguez - - 1 1 2 1 6 1 8 6 20 6 18 5 25 6 4 1 3 1 1 - 1 -
Vadiagem 1 - - - 2 - 2 - 7 1 11 - - - 10 - 15 - 4 - - - 1 -
Jogos proibidos - - - - - - - - 4 - 20 1 7 - 16 - - - - - - - 1 -
Armas proibidas - - - - 2 - 4 - 22 - 2 0 4 - 11 - - - - - - - - -
Ofensas físicas 8 - 4 1 9 - - - 14 - 5 1 8 - 17 1 18 - 13 - 10 1 7 1
Homicídio 1 - 2 - 1 - 7 - - 1 - - - - - - - - 4 - 9 - 5 -

* Esta tabela não corresponde ao universo total da amostragem. Excluímos os delitos restritos aos homens como estupro, deserção etc., e a categoria
“outros”.
Obs: 1e= 1 escrava.
(continuação)

Tipos de 1885 1905 1915


infrações JAN FEV JUN DEZ JAN FEV JUN DEZ JAN FEV JUN DEZ

H M H M H M H M H M H M H M H M H M H M H M H M

Escravo p/ se - - - - - - 3 1 - - - - - - - - - - - - - - - -
achar ausente da
casa do senhor
Escravo a pedido - - - 1 - - 4 1 - - - - - - - - - - - - - - - -
do senhor ou
inventariante
Furto - - 3 1 4 - 7 1 - - 3 - 2 - 1 - 4 2 5 - 7 1 12 -
Roubo 1 - - - 2 - 5 - 1 - - - 1 - 2 - 1 - 2 - - 1 - -
Gatunagem - - - - - - - - 61 6 43 2 21 2 23 - 86 1 97 - 105 - 141 1
Alienação 3 2 4 2 6 7 6 3 9 7 11 3 7 1 16 6 15 3 5 2 17 3 9 4
TOTAL 93 41 126 37 85 18 183 26 234 45 210 31 146 25 195 27 210 12 223 8 229 11 240 35
Fonte: Idem tabela 1.
FONTES

Manuscritas

- Fundo Secretaria de Segurança Pública: Série 1ª, 2ª e 3ª Delegacias do Recife (1887-


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- Fundo Conselho Municipal do Recife
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- Série Juízes de Direito, 1894
- Série Juízes Municipais, 1893-1896.

Impressas
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- Anais da Câmara dos Deputados de Pernambuco, 1892, 1898, 1900, 1906 e 1914.
- Anais do Senado do Estado de Pernambuco, 1892, 1893, 1895, 1898.
- Almanak administrativo, mercantil industrial e agrícola da Província de Pernambuco
de 1873, 1879 e 1882.
- Coleção de Leis Provinciais/Estaduais de Pernambuco, 1865-1915.
- Regulamento da Guarda Local de 9 de outubro de 1890 (anexo ao Relatório do Barão
de Lucena, de 23 de outubro de 1890).
- Regulamento Geral da Força Pública Estadual de Pernambuco de 1894.
- Regulamento do Corpo de Polícia do Estado de Pernambuco de 25 de agosto de 1896
(Fundo Prefeitura Municipal do Recife, Regulamentos e Regimentos).
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- Regulamentos da Casa de Detenção da Cidade do Recife, de 1855 e 1885.
- Relatórios e Falas dos Presidentes da P rovíncia de Pernambuco, 1875-1890.
- Relatórios dos Chefes de Polícia, 1886, 1905, 1910.
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Jornais
- A Província, 1901-1905
243

- Diário de Pernambuco, 1870-1905


- Jornal do Recife, 1877-1915
- Jornal Pequeno, 1904

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