Irresistivel Encanto - Elizabeth Thornton
Irresistivel Encanto - Elizabeth Thornton
Irresistivel Encanto - Elizabeth Thornton
Bluestocking Bride
Elizabeth Thornton
Londres, 1811
Ela, uma jovem ingênua e inexperiente... Ele, um homem vivido e
sedutor...
Catherine Harland está para conhecer um homem que leve a sério sua
inteligência e que não pense em uma mulher como um simples objeto de prazer. O
marquês de Rutherston não é exceção. Porém, por mais que o bom senso lhe diga
para ignorar o olhar sensual do marquês, o coração dela diz o contrário...
Desconfiado das armadilhas amorosas de jovens que têm como objetivo o
casamento, o marquês se surpreende com sua própria reação diante de uma mulher
tão diferente das beldades com quem sempre conviveu. À medida que a paixão
torna Catherine prisioneira de seus próprios desejos, ela sente que chegou a hora de
ensinar àquele arrogante cavalheiro uma lição sobre o verdadeiro significado do
amor...
www.romances.com.br
ISSN: 1516-201X
9771516201007
Querida leitora,
Você vai vibrar com a magia e a sensualidade deste romance, uma história fascinante e
envolvente sobre um nobre bonito, charmoso, irresistivelmente atraente, um homem vivido,
mundano, habituado a ter mil mulheres a seus pés sem ter de fazer o menor esforço para
conquistá-las, e uma jovem do interior da Inglaterra, inteligente e culta, porém ingênua e
inexperiente no que se refere ao sexo oposto. O encontro destes personagens de perfil e
personalidade tão opostos só pode resultar numa explosão de intensas emoções, perigos e
surpresas indescritíveis!
Fernanda Cardoso
Editora
Projeto Revisoras
CHE 216 Irresistível encanto (Bluestocking Bride) Elizabeth Thornton 3
Capítulo I
Projeto Revisoras
CHE 216 Irresistível encanto (Bluestocking Bride) Elizabeth Thornton 4
Aquela promessa idiota! Richard tentou lembrar as circunstâncias que o haviam induzido a
estabelecer aquele compromisso verbal. Na época não tinha mais que vinte e cinco anos, refletiu.
Fora a ansiedade que sempre o dominara na presença da mãe e da irmã que o fizera prometer
aquilo, justificou-se em pensamento. Para as duas seria inadmissível que o varão da família
morresse sem herdeiros, deixando todos os bens, propriedades e título para a Coroa.
Mãe e filha haviam usado toda a sua influência e poder de persuasão para fazê-lo se casar,
apresentando-o a todas as jovens casadoiras de seu conhecimento que, por berço e educação,
poderiam se tornar uma boa esposa para o sexto marquês de Rutherston. E eram tão obstinadas
em sua missão que o marquês passara a se sentir cercado por todos os lados.
Como último recurso então, em um momento de desespero, ira e rendição, prometera às
duas que se casaria, mas só depois de completar trinta anos. Naquele momento, um espaço de
cinco anos lhe parecera uma eternidade, porém o dia do pagamento chegara mais depressa do
que o esperado.
Sabia não estar em posição pior do que a de qualquer outro rapaz solteiro de sua idade e
nível social. Todos podiam espernear e resistir, mas acabavam laçados, amordaçados e
alquebrados. Assim era a vida. O nome e a fortuna deviam continuar na família, e bem sabia que
se chegasse a ter um herdeiro no futuro, agiria da mesma forma, esperando que cumprisse seu
dever e tomasse uma esposa para perpetuar o clã.
Já na saleta, sua mãe se sentara na poltrona favorita, mas Richard permanecera de pé,
olhando pela janela o cenário das ruas da cidade envoltas em um manto branco de neve.
— Bem, Richard? — começou a marquesa com um leve traço de impaciência na voz.
— Bem, mamãe? — replicou o marquês, imitando de brincadeira o tom de voz da senhora,
e sentando-se no sofá ao lado.
Porém o esforço para dissipar a tensão foi inútil, e a marquesa tratou de ir direto ao
assunto que a fizera isolar-se por alguns minutos com o filho, em meio a uma reunião de família.
— Espero que cumpra sua promessa — disse a dama em um tom frio que não era o seu
habitual.
— Não haverá um adiamento, mamãe? — perguntou Richard, tentando encantá-la com um
lindo sorriso juvenil.
— Tolice! O casamento com a mulher certa será sua salvação, tenho certeza.
— Oh! A mulher certa! E onde encontrarei essa criatura perfeita, mãe?
— Disse a mulher certa, não falei em perfeição. Com certeza, entre seus conhecimentos
deve existir uma jovem com sangue nas veias e disposta a repreendê-lo quando sair dos trilhos.
— Como? — A expressão de Richard foi de espanto, o que fez a marquesa sorrir de leve.
— Deve estar brincando, mamãe, se pensa que me deixarei enredar por uma bruxa de língua
viperina. A mulher que eu escolher para esposa será meiga, dócil e obediente.
— Ora! Igual à égua que sua irmã insiste em me fazer montar todos os dias. Um animal
apático. Sem dúvida uma montaria confortável, mas tão previsível! Saiba, meu caro, que quando
era jovem, seu pai admirava muito meu espírito indomável.
Perecendo que a conversa iria enveredar para o assunto favorito da mãe, ou o modo como
escapara de seu guardião feroz para cair nos braços de seu pai, tratou de dissuadi-la.
— Quando vier a Fotherville House, mamãe, prometo lhe conseguir uma montaria mais a
seu gosto. Entretanto tome cuidado para não cair. As éguas podem ser mais traiçoeiras que os
garanhões, e...
— Que conversa é essa? Estávamos falando de uma noiva para você! Está tentando ser
esperto e mudar de assunto, rapaz? Vamos voltar aos termos de sua promessa.
— Sim, mamãe — murmurou Richard, reprimindo um bocejo.
— Deve estar ciente, meu filho, de que, desde que prometeu se casar aos trinta anos, sua
família não o impediu de viver como bem quis. Mas agora isso precisa mudar. É hora de se casar
e ter filhos.
— Ora! Não me importo em ter herdeiros, contanto que não precise de uma esposa.
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Observou a mãe, esperando que achasse graça do comentário fútil, mas isso não
aconteceu, e suas palavras foram levadas ao pé-da-letra.
— Não adianta, Richard. Seu modo de vida é uma preocupação constante para mim e uma
dor de cabeça para sua irmã. Se um dia tiver netos, quero me orgulhar deles e não escondê-los
por serem bastardos.
O marquês suspirou e sorriu, em seguida inclinando-se para beijar a mãe na fronte.
— Então quer dizer que sou um grande problema para vocês duas? — perguntou com
genuína afeição. — Não fique assim. Pode sossegar, porque pretendo cumprir minha palavra.
Entretanto não irá se incomodar se empregar algum tempo para encontrar uma noiva, certo? —
O sorriso deixou o rosto de Richard, que adquiriu uma expressão grave. — Mamãe, pode ter
certeza de que prezo muito meu nome e nossa família, e prometo que em breve a tornarei a
mulher mais feliz do mundo.
O olhar da marquesa perscrutou o rosto do filho, e o que viu a deixou satisfeita.
Rutherston sabia que a mãe o conhecia muito bem, e talvez tivesse percebido no olhar que
trocaram naquele instante que sua vida despreocupada de solteiro começava a enfastiá-lo. Mas o
único tipo de vida que julgava ser ainda mais maçante seria a de casado.
Estou entre a cruz e a espada, pensou, enquanto uma enorme melancolia o dominava.
Pensara, algum tempo antes, em abandonar sua vida ociosa e alistar-se no Exército de
Portugal, mas a reprovação da família o havia dissuadido desse plano. Herdeiros de títulos de
nobreza não tinham liberdade de escolha como os caçulas das famílias nobres, mas apenas
responsabilidades e deveres.
Voltando ao momento presente, Richard chicoteou os cavalos e relanceou um olhar
divertido para Norton, invejando-lhe a vida sem preocupações. E lá estava a maldita promessa,
pairando sobre sua cabeça como a espada de um carrasco.
Lorde Rutherston precisava se casar, mas não tinha vontade de encontrar uma esposa. Fora
da cama e de alguns outros momentos divertidos, as mulheres eram um tédio, em especial as
cabeças-ocas que inundavam os salões de baile da elite londrina quando a temporada social
estava no auge.
Quando se deparava com uma mulher inteligente, invariavelmente era feia. Se possuía
graça e beleza, tinha um cérebro de passarinho. E quando se tratava de alguém com um certo
traço especial, que Richard denominava de "qualidade", podia apostar que era fria e distante.
Lorde Rutherston deixou a mente vagar pelas mulheres sensuais que conhecera e
conhecia; as chamadas "impuras", que levava para a cama uma ou duas vezes e depois esquecia.
Pensou em Marguerite, que no momento era sua amante e protegida. Era linda, inteligente e
apaixonada. Entretanto começava a se tornar muito possessiva, e isso era o início do fim do
relacionamento, refletiu.
Pensou em lady Pamela, sua mais recente conquista, e ficou ainda mais deprimido. Seus
pensamentos foram interrompidos por um comentário do primo.
— Meu caro — disse Charles de modo amigável —, tente controlar seu mau humor.
Parece um general que acabou de perder uma batalha, e não o homem rico e importante que é.
Preste atenção no que pergunto. Já indaguei duas vezes se estamos longe da propriedade de seu
tio Bernard. Estamos?
Rutherston respondeu que em breve chegariam e, pela décima vez, explicou ao primo por
que a casa do tio lhe tinha sido legada.
— Parece-me muito injusto que só porque adora os clássicos e estudou em Oxford, tenha
sido o privilegiado, enquanto tantos jovens sem fortuna continuam na penúria. Você já possui
tanto! — resmungou Charles.
— Não foi apenas porque eu admirava os clássicos, mas porque os conhecia muito bem —
replicou Rutherston sem falsa modéstia. — Existe uma grande diferença.
— Tolice! Meu argumento continua de pé. Seu tio deixou-lhe a propriedade como herança
em um arroubo do momento, enquanto é provável que existam vários candidatos mais
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merecedores. Não precisava dessa herança, nem mesmo a quer, Richard. Tenho certeza.
Rutherston voltou o rosto para o outro lado, a fim de esconder um sorriso. Como filho
mais novo, Norton falava com a revolta própria de sua condição, pois não tinha direito à herança
do pai. Mas era intenção do marquês usar de toda a discrição, era evidente, para facilitar a
estrada do rapaz no mundo quando julgasse necessário.
Nesse meio tempo, Charles estava feliz apenas flanando pela vida, esperando, sem dúvida,
que a moça certa com a fortuna ideal surgisse em seu caminho.
Richard voltou a pensar na herança que lhe fora deixada por um velho tio excêntrico que,
na verdade, mal o conhecera. As notícias sobre a herança haviam surgido no dia seguinte a seu
aniversário, e o marquês se agarrara à desculpa de ir conhecer sua nova propriedade. Seria uma
breve trégua, diante da responsabilidade que sua mãe lhe impunha. Duas semanas depois, lá
estava na estrada, em companhia do primo mais moço, Charles Norton, que estava encantado
com a possibilidade de viajar e caçar, como Richard prometera.
Os dois rapazes gostavam da companhia um do outro, apesar da diferença de idade, e o
marquês sentia-se muito mais um irmão mais velho que um primo para Charles. A perspectiva de
um mês de convivência apenas entre homens era maravilhosa, pois Richard desejava escapar,
pelo menos por um breve período, da companhia das mulheres. Nada de damas da alta sociedade
ou de prostitutas coquetes. Teria muito tempo para pensar nelas, e isso desanuviou um pouco seu
semblante carregado.
Norton observou a mestria do primo guiando os cavalos cinzentos. Não se poderia dizer
que considerava o marquês uma espécie de herói, mas estava bem perto disso, e dedicava-lhe
enorme estima e respeito.
Entretanto Charles bem conhecia os defeitos de Richard, apesar de julgar que um homem
tão rico e poderoso podia se dar ao luxo de algumas travessuras e deslizes. A amizade entre os
dois era baseada na camaradagem informal. Charles ignorava o porquê, mas o primo simpatizara
sempre com ele e procurara sua companhia, enquanto que com outras pessoas costumava adotar
um ar arrogante e aristocrático que as mantinha a distância.
Não se tratava exatamente de orgulho, mas de algo bem parecido, como se Richard
estivesse muito consciente de seu valor não como nobre, porém como homem. Era difícil
explicar, e Norton logo desistiu do esforço mental.
— Bem, Charles? — Richard quebrou o silêncio. — Não se importa mesmo de abrir mão
de algumas semanas da temporada social para se enterrar no campo?
— De jeito nenhum! — protestou Norton, balançando a cabeça com veemência. — Mas
estou surpreso que você esteja fazendo isso.
— Eu? — redarguiu o marquês de Rutherston com uma certa surpresa. — O que quer
dizer?
— Ora! Apenas pensei que a "caçada" em Londres seria mais do seu gosto.
— Caçada? — replicou Richard um tanto confuso. — Em Londres?
— Bem, achei que o tipo de jogo que aprecia se encontra em uma cidade grande, não no
campo. Mas, é claro, a temporada social não terminará logo.
Assim dizendo, Norton reprimiu uma risada.
O marquês entendeu o que o primo queria dizer. Eram dois cavalheiros elegantes e
sofisticados que, naquela bela tarde de fevereiro, bem no início da temporada londrina, estavam
deixando os prazeres refinados para se dirigir ao vilarejo de Breckenridge, no condado de
Surrey, a fim de passar uma temporada bucólica, usufruindo de alegrias simples.
Estava para dar uma resposta ao primo, porém viu o movimento convulsivo dos ombros de
Charles, e percebeu que o jovem pensava o mesmo. Aos poucos o rosto belo do marquês foi-se
iluminando com um sorriso que, em breve, transformou-se em uma gargalhada.
Isso foi contagioso, e Norton também começou a rir com vontade. Não adiantava esconder
suas idéias do primo, pois ambos pareciam sempre ler os pensamentos um do outro, e nisso se
baseava uma boa amizade. As risadas dos dois ecoaram pelas pradarias e bosques.
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Capítulo II
Catherine Harland deteve-se no alto do barranco que fazia parte do cenário campestre em
meio aos bosques, e olhou de modo irado para o caminho cheio de lama que barrava seu
percurso até Branley Park. Uma massa densa de moitas de cada lado formava um obstáculo
quase intransponível. Precisava cruzar aquele trecho enlameado.
Após um momento de hesitação, arrebanhou as saias, e lançou-se em direção do atoleiro.
Desceu o barranco com passos miúdos e rápidos, e pousou no solo macio sem maiores
problemas, mas seu manto tocou a lama, e uma mancha escura logo se espalhou pela barra.
— Que inferno! — murmurou Catherine, entre golfadas de ar, e usando uma das
expressões favoritas do irmão mais velho. Olhou em torno com ar culpado, esperando não ter
sido ouvida por ninguém. Satisfeita ao ver que não havia viva alma por perto, aprumou-se e
repetiu a imprecação com mais entusiasmo.
— Inferno! Duplo inferno!
Os olhos cor de âmbar brilharam, felizes com a própria audácia. Era um procedimento
muito chocante para uma dama educada, Catherine bem sabia.
Não estava muito preocupada com a aparência física nesse instante, já que usava nesta
tarde o vestido mais simples que possuía, para caminhar vários quilômetros de seu lar, Ardo
House, até seu destino, Branley Park. Sacudiu a barra manchada do manto e dirigiu-se para a
estrada entre salgueiros desfolhados e bétulas, seguindo o caminho muito percorrido e conhecido
que a levaria para Branley Park.
Era uma enorme mansão, a maior das redondezas, e que fazia divisa com as terras de seu
pai. Adorava aquela casa, não por causa de seu estilo ou mobiliário, já bastante gastos e fora de
moda, mas porque ali se sentira sempre... Buscou a palavra certa em pensamento... Confortável.
Era isso! Ali sentia-se aconchegada e relaxada de uma maneira impossível de alcançar em sua
própria casa. Com o falecido Bernard Fortescue, cavalheiro rural e erudito de certa projeção,
Catherine encontrara um companheirismo e afinidade inigualáveis.
Fora o sr. Fortescue que a encorajara a adquirir o amor e o conhecimento por tudo que era
grego. Fora ele quem lhe ensinara os rudimentos do idioma havia quase dez anos, quando uma
tempestade pusera fim ao piquenique anual que sempre se realizava em Branley Park para os
habitantes de Breckenridge e arredores.
Catherine, então uma menina de onze anos de idade, entrara na mansão para fugir da
chuva e se deparara com a biblioteca do sr. Fortescue, onde permanecera por horas, percorrendo
as estantes que pareciam não ter fim. O cavalheiro a encontrara ali, enrodilhada em uma
poltrona, um livro nas mãos, e examinando o alfabeto grego.
Apenas pensando em não desapontar uma criança, o sr. Fortescue respondera a todas as
suas perguntas, e detectara o quanto era interessada em livros em geral, e em certos assuntos em
particular. Catherine provara ser uma excelente aluna, e o dono da casa a convidara a voltar. Isso
fora o início.
A princípio a mãe de Catherine a incentivara a aprender, mas logo percebera que não
haveria fim para a fome de estudos da filha. O passatempo inocente começava a se transformar
em algo que poderia afetar Catherine pelo resto da vida, pois a faria ser rotulada por todos como
uma moça "inteligente". Então a senhora tratara de se impor e fazer a filha entender a realidade.
Cavalheiros não apreciavam mulheres sabichonas, e as que eram espertas e inteligentes tratavam
de esconder isso dos homens.
Entretanto Catherine encontrara um aliado na figura de seu tio John, irmão de seu pai, que
era professor de idiomas e literatura clássicos em Oxford, e a influência do tio sobre seu pai era
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grande, de modo que não foi proibida de estudar. Podia aprender a falar grego, dissera seu pai,
porém apenas se fosse aplicada também em suas outras responsabilidades, as verdadeiras marcas
de uma dama completa.
Nos últimos anos, Catherine adquirira o hábito de passar uma tarde por semana na
companhia do sr. Fortescue, em sua biblioteca. Há muito dominara as nuanças da língua grega, e
o tempo que os dois passavam juntos era dedicado principalmente às conversas sobre a vida e o
pensamento dos gregos. O sr. Fortescue ampliara sua visão de conhecimentos, e incluíra novos
campos, como música, poesia, História e Geografia, fazendo Catherine enveredar por um
caminho de estudos e intelectualidade.
Como de hábito, naquela tarde, a jovem viu-se percorrendo a estrada para Branley Park,
como se fosse comparecer ao encontro semanal com seu professor e amigo. Entretanto, bem
sabia que mais ninguém a esperava na propriedade para compartilhar de seus pensamentos, e não
haveria mais conversas amenas e interessantes, ou discussões acaloradas sobre os personagens
das peças de teatro gregas, ou outros assuntos sérios.
Catherine suspirou com tristeza e pensou no sr. Fortescue, pedindo a Deus que desse paz a
sua boa alma. O bosque terminava de modo abrupto em um prado coberto de neve, e a jovem
seguiu por um caminho de cascalho até a porta dos fundos da casa. Abriu do lado de fora, e
penetrou em uma cozinha ampla e arejada. Tratou de sacudir o manto para livrá-lo da lama e
poeira, e sorriu, acenando para alguém que se encontrava ali.
Uma velha mas lépida camponesa, que polia uma bandeja de prata sentada em um banco
em frente à mesa da cozinha, levantou-se e aproximou-se para saudar Catherine, retirando o
manto enlameado de suas mãos.
— Oh! Srta. Catherine! Estou tão contente por vê-la! Tem tempo para ficar e tomar um
chá?
— Sim, obrigada, sra. Bates, se não for muito trabalho para a senhora — replicou
Catherine com carinho. — Vejo que está arrumando tudo para seu novo amo. Deverá chegar
logo?
— Mandou avisar que estaria aqui dentro de duas semanas, depois que os criados viessem
da cidade. Quando chegar, eu e meu marido, o sr. Bates, saberemos o que o futuro nos reserva.
Catherine pôs a mão no braço da senhora idosa, e tratou de encorajá-la.
— Creio que não precisa se preocupar, sra. Bates. Uma casa destas dimensões não pode
ficar abandonada. Mesmo que o lorde resolva não alugá-la, precisará mantê-la limpa e arrumada.
Sua recompensa foi um sorriso esperançoso no rosto enrugado da boa senhora.
— Isso mesmo, srta. Catherine! É bom ser positiva e pensar com otimismo. Agora vá para
a biblioteca que porei a chaleira no fogo, e levarei para a senhorita uma boa xícara de chá bem
quente. Deve ter sentido muito frio no caminho para cá.
Catherine sorriu, e dirigiu-se para a porta que conduzia à ala nobre da casa. Penetrou em
uma grande sala, próxima à entrada principal, e retirou o chapéu, atirando-o sobre uma poltrona.
Em seguida caminhou até o centro do salão, e fez uma volta completa com o olhar, apreciando
tudo que via ao redor. Esses eram seus domínios, pensou. Como amava essa biblioteca!
Enormes janelas se abriam para o terraço, e a luz do sol penetrava à vontade. Com exceção
da parede da lareira, cada centímetro estava coberto por estantes com livros. Dirigiu-se a sua
prateleira favorita, e deslizou os dedos pelas lombadas dos volumes encadernados em couro
marrom, azul, vermelho ou verde, e com títulos dourados. Foi murmurando o nome dos autores,
como se recitasse uma prece.
— Eurípides, Sófocles...
O som desses nomes parecia música aos seus ouvidos.
Em breve encontrou um de seus livros prediletos, a peça mais maravilhas jamais escrita,
com o personagem masculino perfeito. Sentando-se em uma das poltronas ao lado da lareira, em
breve viu-se transportada pela beleza do poema e pelo drama do enredo.
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Quando a sra. Bates entrou na biblioteca minutos mais tarde trazendo o chá, pé ante pé,
porque sabia que não devia perturbar, Catherine nem percebeu. A senhora depositou a bandeja
em uma mesinha de canto e, de modo discreto, retirou-se.
A srta. Catherine era de fato uma "traça de biblioteca", como se costumava dizer, pensou a
boa sra. Bates.
— Só um relâmpago a fará desviar a atenção do livro — murmurou para si mesma.
E, de fato, minutos depois, transportada para os cenários do seu livro, e enrodilhada na
poltrona, Catherine não ouviu o som abafado de cascos de cavalo, quando o marquês de
Rutherston deteve a carruagem em frente à porta principal da casa. Também não ouviu o rumor
de vozes quando o lorde deu suas ordens ao lacaio Simpson, para que guardasse os cavalos na
cocheira, e trouxesse a bagagem para dentro da casa.
Pouco depois, uma sombra projetou-se sobre a página que Catherine lia, mas a jovem
apenas se moveu para o outro lado, procurando mais luz, e nem ergueu a cabeça. A sombra
seguiu seus movimentos, e só então a jovem levantou o rosto, dando com os olhos cinzentos e
frios do marquês de Rutherston.
— Minha cara Daisy, ou Dolly, ou Polly, ou seja lá qual for seu nome — disse Richard
com deliberada frieza, examinando os trajes muito simples de Catherine —, admiro sua devoção
à leitura, mas agradeceria se pusesse seu livro de figuras de lado e cumprisse suas obrigações.
Vai encontrar a sra. Bates no andar de cima, atarefada, e necessitando de ajuda.
Catherine, cuja primeira reação fora de susto, viu-se presa de enorme irritação.
Observou o jovem parado a sua frente, e com a rapidez intelectual que lhe era peculiar, em
um instante abarcou uma série de características de Richard.
Notou, é claro, que era uma pessoa alta, de cabelos negros que alcançavam o colarinho da
camisa branca e engomada, ombros largos, e físico musculoso. O talhe do sobretudo denotava
tratar-se de um aristocrata, mas o ar altivo e as sobrancelhas arqueadas em um gesto sarcástico
empanavam a beleza máscula de seu rosto.
Catherine não teve dúvidas de que se encontrava diante do irado marquês de Rutherston,
mas nada disse a respeito. Fechou o livro com um movimento brusco e, muito devagar, retirou as
pernas da poltrona e levantou-se. Baixou os olhos que, bem sabia, brilhavam de raiva, e inclinou
a cabeça em uma saudação seca. Não pretendia assumir o papel que o marquês acabara de lhe
destinar, mas em um ímpeto, antes que pudesse se conter, disse:
— Se isso o agrada, meu senhor, vou procurar a sra. Bates... Mas não tive intenção de
aborrecê-lo.
Foi a vez de Richard avaliar a figura juvenil parada a sua frente.
Acostumado à elegância das damas londrinas, supôs que o vestido cinza e simples de
Catherine devia significar que era uma criada de nível mais alto, superior a uma ajudante de
cozinha. Notou seu corpo delgado e a massa de cabelos castanhos com reflexos avermelhados,
formando uma moldura para o rosto de um oval perfeito. Os cílios negros e longos velavam seus
olhos, e não conseguia distinguir sua cor.
Seria apenas uma garota bonitinha, refletiu, se não fosse por seu extraordinário colorido.
Os belos cabelos lançavam um brilho avermelhado sobre a pele muito alva, e embora
continuasse com os olhos baixos, Rutherston sentiu que seu ar submisso era uma provocação, e
em nada denotava humildade. Mas logo afastou tal pensamento. Era absurdo! Jamais uma
serviçal ousaria enfrentar um nobre.
— Deixe-me ver qual de meus livros chamou tanto a sua atenção — murmurou de maneira
mais branda, erguendo o volume das mãos de Catherine. Seria sua imaginação ou a jovem
esboçara um leve gesto para não lhe entregar o livro? Folheou as páginas, e fitou-a, surpreso. —
Grego? — inquiriu sem conseguir acreditar.
— É essa língua, meu senhor? — replicou Catherine, por fim fitado-o em cheio. — Estava
só admirando esses tracinhos esquisitos. São tão bonitos! Consegue ler grego, senhor?
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A pergunta foi feita com um ar de absoluta inocência, e os olhos cor de âmbar o fitaram,
em muda zombaria. Seus olhos permaneceram fixos um no outro, o olhar âmbar e o outro cinza
se misturando, como presos por um imã poderoso. Então toda a diversão sumiu do rosto de
Catherine, ao perceber o brilho de desejo nas pupilas do recém-chegado.
Richard a ouviu gemer de leve e tentar dar meia-volta para fugir, mas no instante seguinte
prendeu-a entre os braços fortes.
O beijo foi longo e exigente, deixando-a tão estupefata que nem conseguiu se mover. Em
meio ao momento de total espanto, percebeu que fora sua a culpa, e que, por audácia e diversão,
se metera naquela intolerável situação.
Mas à medida que o beijo se prolongava, e os lábios quentes do marquês tentavam
descerrar os seus, Catherine retesou o corpo e tentou se afastar. A resposta de Rutherston foi
apertá-la ainda mais entre os braços musculosos. Então algo explodiu dentro de Catherine, sua
respiração se acelerou, e viu-se entreabrindo os lábios para gozar melhor do beijo sensual.
Quando por fim o marquês a afastou de modo brusco, não conseguiu fitá-lo de novo,
sentindo-se embaraçada, humilhada, e desprotegida. Richard riu de leve.
— Desculpe minha impetuosidade — murmurou, tentado firmar a própria voz — mas a
força de seus encantos me fez esquecer as boas maneiras e os escrúpulos. Pode ir agora, menina,
e no futuro sugiro que fique longe do meu caminho.
Na tentativa de disfarçar seu próprio constrangimento e manter a distância devida entre
um nobre e uma serviçal, as palavras de Rutherston soaram quase agressivas, o que não fora sua
intenção.
Catherine estava morta de vergonha, e imaginou o que fazer para sumir dali. Naquele
instante Charles Norton, que parecia estar à procura do primo, entrou na biblioteca, mas parou no
umbral da porta, segurando a maçaneta.
Capítulo III
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para ficar a sós com quem lhe interessava. — Riu com bom humor, demonstrado ter voltado a
ser o Charles de sempre. — Não dê desculpas tolas, Richard. Posso ver que antipatizou com a
srta. Harland a troco de nada, e não tente negar. Para mim tanto faz, porém já decidiu que ela não
faz seu gênero de moça sofisticada, esnobe e pernóstica.
Charles Norton, que conhecia muito bem os gostos do primo em matéria do sexo oposto,
resolveu fazer a apologia fervorosa de seus próprios ideais. Fitou um ponto ao longe e falou com
entusiasmo:
— Catherine Harland é inteligente, bonita e com senso de humor. É claro que não
podemos saber se é fria como um peixe ou quente como um vulcão.
Observou Richard ficar um tanto sem jeito, e sorriu consigo mesmo.
— Se a srta. Harland é tamanho modelo de virtudes e qualidades, Charles, estou surpreso
que não tenha tentado conquistá-la — replicou Richard com uma certa frieza.
— Oh! Nada disso, primo! — Charles riu com vontade, lançando a cabeça para trás. —
Posso admirá-la muito, mas mantenho os pés no chão. Você, meu caro, poderá se dar ao luxo de
casar com quem quiser, porém, como sabemos muito bem, meu caso é diferente. A família da
srta. Harland e seus relacionamentos podem ser maravilhosos, entretanto tenho certeza de que
seu dote não será excepcional. — Suspirou fundo e continuou. — Trata-se de uma jovem linda e
encantadora, mas ainda tenho bom senso, meu velho. Não possuo condições para desposar
alguém que não tenha muito dinheiro, e costumo enfrentar os fatos com realismo. Se um dia
puder desposar alguém com um dote esplêndido e ainda por cima amando tal mulher, serei um
escolhido dos deuses!
Virou-se para fitar Rutherston e percebeu que o primo o observava com olhar divertido e
um sorriso irônico nos lábios.
— O que significa essa sua postura, Charles? — murmurou Richard, tentando manter uma
expressão séria. — Pelas suas palavras, parece que andou pensando bastante no assunto. Está
atraído pela srta. Catherine Harland?
— É claro que não! Jamais pensei nela dessa maneira. — Com o rabo do olho, Charles
percebeu que o marquês de Rutherston não acreditava no que dizia, e tratou de continuar: —
Bem, pelo menos nunca pensei muito a respeito de Catherine Harland, embora confesse que
tenha passado uma noite em claro depois que seu irmão Tom nos apresentou em Oxford. Mas
pode acreditar, logo esqueci qualquer idéia romântica a respeito dessa jovem, por todos os
motivos que acabei de expor.
— É claro — replicou Richard, dando um tapinha amigável nas costas do primo. — Dá
para perceber que foi apenas o impacto do primeiro momento que o fez corar como um garoto de
escola, e gaguejar na frente dela. Filhos caçulas de famílias importantes, segundo sei, sempre
fixam seu interesse em herdeiras muito ricas.
Charles vez um muxoxo, percebendo uma certa ironia nas palavras do marquês.
— Bem, e o que tem isso de mais? Não é nenhum crime, posso lhe assegurar. Pelo menos
nossas mães não ficam fazendo campanha para que nos casemos logo, a fim de assegurar títulos
e fortunas. — De repente Norton pareceu lembrar de algo interessante. — Ouça aqui, Richard,
sabia que a srta. Harland herdaria a biblioteca de seu tio?
Rutherston pareceu pensar por um momento.
— Tinha conhecimento de que uma dama deveria receber os livros de tio Bernard como
herança, mas esquecera seu nome. Entretanto esperava que tal personagem fosse... bem diferente
da srta. Catherine Harland.
Que papel de idiota fizera!, pensou Richard. Deus! Como fora ridículo, inconsequente e
estúpido! De modo deliberado Catherine Harland o provocara, ocultando sua verdadeira
identidade, e fazendo com que a beijasse, pensando tratar-se de uma empregada de nível mais
alto que trabalhava na casa.
No íntimo resmungou, aborrecido. Tal procedimento para um marquês fora abominável,
refletiu. Maldisse a própria insensatez, porém a autocomiseração logo se transformou em raiva
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Capítulo IV
O dia raiara ensolarado e alegre. Cumprindo a palavra, durante a manhã Charles Norton
foi fazer uma visita à família de Catherine Harland, sendo recebido no escritório do sr. Harland,
no térreo. As senhoras da casa estavam ocupadas em seus afazeres domésticos, costurando e
cerzindo, nos aposentos particulares da sra. Harland, no andar superior.
As damas podiam ouvir as exclamações de satisfação e as risadas dos cavalheiros
enquanto se cumprimentavam de maneira jovial e davam tapinhas amigáveis nas costas uns dos
outros.
Os sons satisfeitos do encontro as fizeram sorrir.
— É uma grande honra e deferência que o amigo de Tom nos presta — disse a sra.
Harland, erguendo o rosto do trabalho de agulha, e fitando as duas filhas —, pois tenho certeza
de que está aqui apenas porque o marquês de Rutherston permitiu, e isso significa que o nobre
aprova essa amizade.
— E por que não aprovaria, mamãe? — perguntou a mais jovem das filhas, uma moça de
cerca de dezoito anos, cuja semelhança com Catherine, era extraordinária.
— Bem, de fato não haveria motivos para desaprovação, Lucy, mas nunca se sabe quando
se trata da nobreza — replicou a mãe. — Alguns membros da alta sociedade são tão cheios de si,
que impõem uma série de restrições em todos os aspectos da vida.
— Mas, mamãe — interrompeu Catherine que ouvira até então, cheia de impaciência. —
O sr. Norton disse ontem que viria visitar Tom e, como cavalheiro, não poderia voltar atrás na
promessa, seja lá o que seu primo arrogante e de nariz empinado dissesse.
Assim falando, Catherine pôs de lado o bordado que fazia, alegre e aliviada por se ver
livre da tarefa enfadonha, pois tinha um motivo para parar.
— Pode ser, minha querida — rebateu a mãe com uma complacência exasperante — mas
deve admitir que tenho mais experiência nesses assuntos que você. E digo-lhe que, com certeza,
se o marquês de Rutherston tivesse proibido o jovem Charles Norton de reatar os laços de
amizade com Tom, o primo obedeceria.
Catherine tratou de voltar a baixar os olhos para o trabalho de agulha, a fim de disfarçar a
irritação que as palavras da mãe lhe causavam. Sentia-se presa de um ressentimento irracional
contra o marquês de Rutherston, que tinha o poder de influenciar de maneira tão definitiva um
jovem bom, generoso e honrado como Charles Norton.
E, para seu assombro e ainda maior raiva, sentia uma enorme agitação, imaginando se o
próprio Rutherston viera a sua casa, acompanhando o primo na visita. As mulheres não tinham
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CHE 216 Irresistível encanto (Bluestocking Bride) Elizabeth Thornton 15
como saber, ali em cima. Entretanto, quando todas desceram, minutos depois, Catherine
constatou, frustrada, que Richard Fotherville não se encontrava com Norton, portanto não os
honrara com sua presença.
Mas por que isso deveria aborrecê-la, alegrá-la ou surpreender?, refletiu consigo mesma.
Richard Fotherville, marquês de Rutherston, nada representava em sua vida, e do mesmo modo
como surgira, desapareceria dentro de poucas semanas, sem influenciar em nada a existência que
levava em Ardo House.
Confusa, Catherine não conseguiu chegar a uma conclusão sobre o motivo de se sentir tão
nervosa e agitada.
Quando as apresentações foram feitas e houve troca de algumas amabilidades, a sra.
Harland perguntou a Charles se ficaria muito tempo na região.
— Isso depende de meu primo, o marquês de Rutherston, senhora. Estou à disposição
dele. Deve saber, é claro, que Richard está aqui para inspecionar a propriedade do sr. Fortescue
que lhe foi legada em testamento. Deverá permanecer de quinze dias a um mês. Meu primo é um
tanto imprevisível e caprichoso, e nunca se sabe o que fará a seguir.
A sra. Harland, de modo instintivo, relanceou um olhar para a filha Catherine, cuja
expressão era indecifrável, mas logo a conversa enveredou por assuntos mais genéricos. Norton
regalou Tom com histórias sobre conhecidos comuns dos dias de Oxford, que revira em Londres,
e Tom contou histórias engraçadas sobre a vida no campo.
Depois, a conversa passou a versar sobre as damas presentes, e Charles foi informado que
Catherine e Lucy estariam em Londres no início da temporada social, para debutarem em
sociedade sob os auspícios da cunhada do sr. Harland, lady Margaret Henderly.
—E está ansiosa para ingressar na sociedade, sita. Harland?
A pergunta de Charles Norton foi endereçada para a mais moça das irmãs, que enrubesceu
de maneira delicada e encantadora, ante as atenções de um jovem cavalheiro. Tratou de
responder de modo afirmativo, escondendo o enorme entusiasmo, mas mantendo o interesse de
Charles.
Entretanto quando Tom percebeu que sua irmã caçula começava a monopolizar a atenção
do amigo, e temendo que Charles se entediasse, tratou de intrometer-se na conversa, lembrando-
o que seu pai os esperava com os cavalos selados para um passeio pelas redondezas.
Então Norton ergueu-se da poltrona que ocupara, e despediu-se das damas, inclinando a
cabeça em um cumprimento gentil e educado.
— Lorde Rutherston envia suas desculpas, minha senhora — disse, dirigindo-se à mãe de
Catherine. — Teria me acompanhado hoje nesta visita, porém havia muito a fazer em sua nova
propriedade. Pede que o perdoe, e espera ter a oportunidade de conhecê-la e a sua família, assim
que nos instalarmos melhor em Branley Park.
A porta mal se fechara à saída de Tom e Charles, quando a sra. Harland exclamou:
— Tanta educação chega a ser surpreendente! Por que o marquês de Rutherston iria nos
distinguir com sua deferência é algo que me intriga. Não esperava por isso! Quer nos conhecer!
Relanceou um olhar instintivo e questionador para a filha mais velha, mas Catherine
parecia muito entretida no trabalho de agulha, algo fora do comum, pois a jovem detestava e não
sentia o menor entusiasmo por costura. Então a sra. Harland preferiu nada mais dizer a respeito
do marquês de Rutherston, e ser discreta. Haveria outras ocasiões para falar sobre o assunto,
ponderou consigo mesma.
Sem dúvida um marquês seria um maravilhoso partido para sua Catherine, refletiu com ar
sonhador, porém não era ingênua e sabia que nobres de alta estirpe escolhiam esposa com muito
cuidado, e entre as mais ricas e de famílias mais proeminentes. Sua Catherine era linda,
inteligente e prendada, porém, aos olhos dos cavalheiros londrinos de elite, não deveria passar de
uma provinciana.
Por alguns momentos, a boa senhora permitiu-se dar asas à imaginação, porém logo voltou
a pôr os pés no chão e enfrentar a realidade. Afinal, era uma mulher prática e de bom senso,
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pensou. Era muito improvável que lorde Rutherston viesse a se interessar por sua Catherine, e
não se deixaria transformar em uma daquelas mamães vulgares, que passavam por cima de
discrição e do equilíbrio, encorajando as filhas a se atirarem sobre os homens elegíveis para
marido.
A sra. Harland voltou os pensamentos para o jovem Charles Norton, bonito, elegante e
educado, e refletiu que Tom tinha sorte de ter conseguido uma amizade tão sólida com tal
pessoa. Fez questão de externar em voz alta sua opinião.
— O sr. Norton é uma simpatia de pessoa, não acham, meninas?
Lucy e Catherine concordaram sem titubear.
Naquela noite, ao jantar, Catherine ficou surpresa ao ouvir seu pai descrever lorde
Rutherston da mesma maneira. O sr. Harland explicou que como o sr. Norton tivesse insistido,
ao retornarem da cavalgada para Ardo House, haviam feito uma pausa em Branley Park, a fim de
conhecerem o marquês.
Tanto o pai como o irmão de Catherine tinham ficado muito bem impressionados com a
recepção recebida, e considerado Rutherston uma pessoa muito simpática, e nada pretensiosa ou
esnobe.
— Aproveitei a oportunidade para convidar o marquês e o sr. Norton para jantar na
próxima quinta-feira — concluiu o sr. Harland, sorrindo para a esposa, certo de que a novidade
seria muito bem-recebida. Entretanto ficou desapontado e surpreso, pois a sra. Harland
exclamou, ruborizada:
— Sr. Harland! Deve estar brincando! É claro que não fez isso! Não pode ter convidado o
marquês de Rutherston quando nossa casa é tão simples e nada tenho de interessante para lhe
oferecer! Não sei como pôde ser tão insensível e impetuoso. Com apenas dois dias de
antecedência, será impossível preparar todos os pratos aos quais o marquês deve estar
acostumado.
A cada palavra, a voz da boa senhora ia se alterando, até terminar seu protesto aos gritos,
enquanto a expressão do marido tornava-se cada vez mais sombria.
— Mamãe — apressou-se Catherine a dizer, temendo uma discussão doméstica por causa
de Rutherston, e tentando acalmar os ânimos. — É tolice de sua parte pensar que o marquês vá
esperar tanto luxo por aqui. Deve saber muito bem que mantemos hábitos muito mais simples e
despretensiosos no campo, e que não temos a sofisticação dos londrinos.
— Catherine tem razão, mãe — apoiou Tom, servindo-se de mais carne assada. — O lorde
não espera nem quer tal tratamento. Disse, ao receber o convite de papai, que estava ansioso por
experimentar uma refeição campestre, já que o cozinheiro francês que tem em Londres cobre
todos os pratos com uma profusão de molhos enjoativos. Respondi que ninguém por aqui
organiza um jantar melhor que a senhora, mãe.
Essas palavras, ditas no tom confiante e seguro do jovem cavalheiro, orgulhoso de
pertencer ao campo, amoleceu um pouco a sra. Harland, que pareceu menos ansiosa e irritada.
Cedendo, por fim, a boa senhora só impôs uma condição. Que houvessem mais convidados para
o jantar.
Justificou-se alegando que por mais que lorde Rutherston e o sr. Norton dissessem apenas
desejar experimentar a mesa campestre, iriam esperar um entretenimento maior, e uma conversa
bastante variada. Poderiam se sentir entediados, restritos ao pequeno círculo da família Harland,
explicou.
Então, logo na manhã seguinte, Tom recebeu a incumbência de sair a cavalo, para
convidar amigos e vizinhos, como sir James e lady Kelvin, e seus filhos mais velhos. Haveria um
jantar, seguido de um jogo de cartas para quem quisesse. Os habitantes de Ardo House
esperavam a todos na noite seguinte, quinta-feira.
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A sra. Harland levantou-se da mesa, numa atitude silenciosa para que as demais senhoras
fizessem o mesmo e deixassem a sala de jantar para os cavalheiros tomar seu vinho do Porto e
discutir política e esportes. Todas se dirigiram para a grande sala de estar no primeiro andar,
reservada para as ocasiões especiais, quando a família recebia convidados.
Sem dúvida o jantar fora um verdadeiro sucesso, e a cozinheira dos Harland se superara na
variedade e qualidade dos pratos. Os cavalheiros de Londres haviam feito elogios entusiasmados
à dona da casa, agradecendo a deliciosa refeição. Já na sala com as demais senhoras, Catherine
sentou-se ao lado da amiga Mary Kelvin, que, ao lado de sua irmã Lucy, pretendia executar um
pequeno recital a quatro mãos, na meia hora seguinte. Depois os homens viriam juntar-se às
damas.
Entre aquelas senhoras de hábitos mais simples e espontâneos, não havia necessidade de
um esforço muito grande para se divertirem entre si. Todas se conheciam muito bem e estavam
sempre se encontrando, de modo que agiam com simplicidade entre si, de maneira muito
diferente das damas sofisticadas das altas rodas da sociedade londrina, sempre preocupadas em
fazer bela figura e invejosas umas das outras.
Lady Kelvin e a sra. Harland logo mergulharam em uma conversa íntima no sofá, e
Catherine bem podia imaginar qual era o assunto. Por certo falavam da próxima temporada
social, e dos vestidos que as jovens deveriam usar para cada baile ou festa ao ar livre. Havia
também detalhes a serem resolvidos, sobre bolsas, sapatos, luvas, chapéus e leques. Tudo deveria
ser muito bem estudado e analisado para que as meninas pudessem guardar uma lembrança
inesquecível dessa ocasião e, quem sabe, quando terminasse a temporada, já estivessem noivas
de algum bom partido.
Com um sorriso benevolente para a mãe e lady Kelvin, Catherine voltou os pensamentos
para outro assunto. Rever Lorde Rutherston não fora tão ruim como imaginara a princípio,
pensou. O nobre mal lhe dirigira a palavra, porém sua maneira de agir deixara bem claro que o
incidente do beijo fora esquecido para não mais ser mencionado.
Ficara muito aliviada também na hora do jantar, pois fora-lhe destinado um lugar entre os
srs. Norton e James Kelvin, e a conversa fluíra leve e agradável. Entretanto, por diversas vezes,
para sua irritação, vira-se olhando na direção do marquês, incapaz de prestar a devida atenção ao
que os companheiros de mesa diziam.
Mas o nobre parecia alheio a sua presença, e isso, de certa forma, deixara Catherine mais
confiante e aliviada. Afinal, parecia que Rutherston era um cavalheiro de verdade, e não
precisaria mais se preocupar com o incidente ocorrido na casa do sr. Fortescue.
Desde a infeliz ocasião, Catherine culpava-se o tempo todo pelo beijo roubado na
biblioteca do falecido tio de Rutherston. Provocara o marquês, sabia disso muito bem, mas fora
sem intenção fazer papel de leviana, e jamais lhe ocorrera que um nobre pudesse proceder do
modo intempestivo como lorde Rutherston procedera, com tanta brusquidão e intensidade, fosse
lá qual a provocação.
Mas, na verdade, conhecia tão pouco sobre os homens... Alguns rapazes seus vizinhos já
lhe haviam roubado beijos no passado, mas nunca do modo como o marquês a beijara.
Estremecia a cada vez que recordava como correspondera ao ardor dos lábios exigentes, e rezava
para que Richard não tivesse notado a profundidade de sua perturbação.
Na tentativa de afugentar as lembranças perturbadoras, acabou afastando-se do piano,
recorrendo ao que mais adorava fazer, escolheu um livro nas várias estantes da sala, e sentou-se
em uma poltrona, com o volume entre as mãos, mergulhando na leitura.
Uma sombra veio interpor-se entre seus olhos e a página, fazendo-a erguer o rosto, pois
dessa vez não estava tão entretida, tamanho o burburinho que a rodeava, com o piano de Mary e
Lucy, e todos rindo e conversando. Viu-se de novo frente a frente com o marquês de Rutherston,
que a fitava com um ar divertido.
— Srta. Harland — murmurou, tirando-lhe o livro das mãos com delicada firmeza, e
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sentando-se na poltrona ao lado. — Esse parece ser um hábito muito arraigado. Sempre se
esquece de onde está quando começa a ler?
O olhar de Catherine dirigiu-se com consternação para a mãe, que se aproximava nesse
momento, com um sorriso amável no rosto.
— Deve desculpar minha filha, lorde Rutherston, mas como muitas moças hoje em dia,
perde tempo com novelas românticas.
Assim dizendo, a sra. Harland franziu a testa para Catherine, demonstrando todo seu
desagrado ao ver que uma de suas filhas se isolava daquele modo e em tal ocasião, quando havia
tantas visitas a entreter, em especial o marquês. Só esperava que o livro que no momento
Rutherston retinha entre as mãos fosse de fato uma novela açucarada e tola, e não um dos
volumes sérios e intelectuais dos quais Catherine tanto gostava.
— Oh, não, sra. Harland, por favor não culpe a srta. Catherine — replicou Richard —,
pois vejo que temos os mesmos gostos literários. Estou ansioso para ouvir a opinião da srta.
Harland sobre este livro.
Assim dizendo, Richard voltou-se para Catherine, de modo deliberado isolando-se das
demais pessoas. Tamanho interesse e galanteria por parte do nobre agradaram a mãe, que tornou
a conversar com lady Kelvin, discutindo com animação os detalhes dos figurinos das jovens que
se preparavam para a primeira temporada social na grande cidade.
— Bem, srta. Catherine — começou Richard, fitando-a como se estivessem
completamente a sós, e não em uma sala cheia de pessoas. — Aguardo sua opinião sobre o livro.
Catherine não se fez de rogada.
— Considero uma das tragédias gregas mais perfeitas. Na verdade a melhor peça de teatro
que já foi escrita, superior até às de Shakespeare.
— Estamos de acordo, srta. Harland. Diga-me, o que pensa de Hipólito?
Catherine o fitou de modo incerto. O tom de interrogatório continuava presente na voz do
marquês, Entretanto não conseguia entender como uma peça de Eurípides poderia ser motivo de
discussão literária entre os dois, a menos que... sim, pensou. A menos que Rutherston imaginasse
que ela não entendia nada do tema e estivesse apenas se exibindo como uma tola.
Então respirou fundo, disposta a enfrentar o desafio, e disse em tom tranquilo:
— Hipólito é um personagem romântico, é claro, mas tão trágico, nobre e acima dos
homens comuns... Seus altos ideais, seus princípios...
— Ora, vamos, srta. Harland! — disse Rutherston, interrompendo sem cerimônia sua
preleção sobre o herói. — Hipólito é um pedante e convencido, tão envolvido na própria
superioridade que nem se importa com os sentimentos de uma mulher apaixonada, que definha
por sua causa.
— Mas trata-se de sua madrasta — replicou Catherine, erguendo a voz, indignada ante o
comentário do lorde — cuja paixão transcende toda a decência e decoro.
— Oh, minha cara srta. Harland — replicou Richard com voz suave. — Jamais poderia
imaginar que uma jovem com seu temperamento fogoso demonstrasse tão pouca compreensão e
simpatia para um membro mais fraco de seu sexo.
Assim dizendo, sorriu-lhe em um gesto de entendimento mudo, deixando-a sem palavras.
Não havia a menor dúvida de que o marquês de Rutherston tentava provocá-la, refletiu
Catherine, e estava se divertindo muito com seu embaraço. Sem dúvida era isso, pensou, fitando
o marquês de modo direto.
Estava para pôr o nobre em seu devido lugar, quando Norton se aproximou, e Catherine
mordeu o lábio, frustrada.
— Ah, Charles, acabei de convencer a srta. Harland a me emprestar seu livro — disse
Richard com a maior desfaçatez e tranquilidade, enfiando o pequeno volume no bolso do paletó.
— Não conseguimos concordar sobre os méritos dos personagens, e espero relê-lo para refrescar
a memória, antes de reiniciar nossa discussão literária.
Charles Norton sorriu, mas não fora enganado pela conversa do primo. Não fazia a menor
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idéia do que se passava entre Richard e Catherine Harland, mas conhecia o marquês o suficiente
para saber que não fora para agradá-lo ou pelo desejo da companhia de pessoas rurais que
aquiescera em jantar em Ardo House. Não. Ou Catherine desagradara Richard que procurava
vingar-se dela, ou provocara-lhe um enorme interesse. Fosse lá qual a verdade, Norton sentia-se
na obrigação de proteger a irmã de seu grande amigo contra qualquer avanço indesejável ou
inoportuno do jovem marquês. Conhecia muito bem a reputação de Rutherston com as mulheres
e sua vasta experiência em aventuras amorosas, que incluíam desde damas da alta sociedade,
casadas, viúvas e solteiras, até outro tipo de mulheres, consideradas "vulgares".
Catherine Harland era uma flor do campo a ser protegida, pois sem dúvida ainda
permanecia muito inocente e desconhecia os maliciosos jogos de sedução dos cavalheiros de
Londres.
Seus pensamentos foram interrompidos pela própria Catherine.
— Milorde — disse a jovem, dirigindo-se ao marquês — está querendo nos dizer que
consegui desafiar suas opiniões? Então, por favor lhe peço que releia a peça de Eurípides, e
quando tiver refrescado sua memória e se aprofundado mais no tema, tenho certeza de que
partilharemos do mesmo ponto de vista.
Assim dizendo, esperava colocar o arrogante marquês de Rutherston em seu devido lugar.
Não queria passar por uma interiorana tola com pretensões a intelectual. Era uma mulher culta, e
não uma provinciana ridícula de quem nobres cosmopolitas podiam fazer troça!
Por seu lado, Rutherston analisava Catherine, que nem sabia o quanto era atraente e
perturbadora aos olhos do marquês. Richard sentir-se-ia muito satisfeito se pudesse continuar
com sua conversa e o duelo verbal, mas a presença de Charles impedia que lançasse suas redes e
armadilhas, conduzindo a srta. Harland para águas perigosas. Com relutância, enveredou por
conversas mais polidas e amenas, por fim pedindo licença, e indo se reunir ao pequeno grupo de
convidados que circundavam a srta. Kelvin ao piano.
Catherine aproveitou para tomar cuidado e não ficar mais na companhia de Rutherston
pelo resto da noite, porém nem precisou se esforçar muito para isso. O marquês não demonstrou
mais o menor interesse por sua pessoa, e dividiu as atenções com todos os presentes, esbanjando
seu charme com as damas, e conquistando o apreço dos demais homens. Apenas quando se
preparava para ir embora, postou-se na sua frente, e conseguiu murmurar-lhe ao ouvido:
— Ah, srta. Harland... espero que possamos continuar nossa conversa em breve. Foi muito
instrutiva, posso garantir. Quem sabe terei a sorte e o privilégio de encontrá-la em minha
biblioteca qualquer dia desses? Nesse meio tempo posso sugerir que leia sobre Andrômaca? Essa
sim era uma mulher cujo exemplo devia ser seguido pela senhorita, e a quem deveria imitar
sempre em todos os sentidos.
Catherine o fitou, atônita.
— Seguir seu exemplo? — repetiu. — Imitá-la? Deve estar brincando! Andrômaca era
uma sombra do próprio marido, obediente, serviçal e passiva! Jamais perderia meu tempo
tentando copiar uma pobre-coitada tão inexpressiva. — Respirou fundo, ofendida. — E o senhor
admira esse personagem? Estou surpresa, milorde!
Entretanto Rutherston estava mais interessado em observar a curva dos lábios macios de
Catherine quando ficava amuada. Tratou de se concentrar no que ela lhe dizia, e sorriu.
— É claro que admiro — replicou de modo tranquilo. — Que homem não a admiraria? É
a perfeição do sexo feminino.
E com um brilho demoníaco no olhar, Richard deu-lhe as costas e partiu.
Quando o último dos convidados se retirou, a família Harland respirou aliviada, pois a
noite fora um verdadeiro sucesso, e lorde Rutherston revelara-se um cavalheiro perfeito,
educado, gentil com todos e de maneiras acessíveis e simples.
Aparentemente Catherine concordou com tudo que se disse sobre o marquês, pois não
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podia revelar aos pais e irmãos que, nos diálogos com Richard, o nobre se mostrara muito menos
gentil e cavalheiro.
Imaginava que procurara sua companhia porque se sentia entediado, e esse pensamento a
deixava furiosa. O que Richard Fotherville pensava a seu respeito, afinal? Que era um brinquedo
para distraí-lo nas longas horas tediosas no campo? Uma provinciana engraçada que o fazia rir?
Uma marionete a ser conduzida por fios invisíveis, obedecendo a cada toque de seus dedos?
Bem, lorde Rutherston a desafiara para um duelo, e não pretendia recusar, refletiu
Catherine. Sabia que o marquês era dez anos mais velho que ela e um homem vivido e viajado,
enquanto ela não passava de uma menina do campo. Catherine não sabia muito bem o que
significava a expressão "homem do mundo", mas conseguia reconhecer um quando o via,
refletiu, e Rutherston era um dos mais perigosos no gênero.
Da próxima vez que visse o marquês, continuaria a ter maneiras polidas, mas trataria de
ser fria e distante, a fim de evitar outros diálogos que sempre terminariam em briga. Agiria do
modo mais insípido e reservado possível. Satisfeita com sua resolução, foi para a cama, porém
não conseguiu conciliar o sono, e ficou se virando entre os lençóis.
— O marquês de Rutherston sabe mesmo me tirar do sério! — exclamou no meio da
madrugada, afastando dos olhos uma mecha de cabelos úmidos de suor. — Como seria bom se
fosse embora logo, e voltasse para o seu mundo em Londres!
Mas no íntimo sabia que ficaria consternada se isso de fato acontecesse.
Capítulo V
Catherine conduziu a égua de pelo castanho e brilhante para fora da cocheira de Ardo
House, e o rumor dos cascos batendo nos cascalhos era só o que se ouvia em meio ao silêncio
daquele início de manhã.
Moveu as rédeas em direção ao caminho centenas de vezes percorrido, que conduzia a
Branley Park, e seu ânimo se elevou, enquanto fazia a égua trotar. Saboreou o prazer de estar
sozinha e inalou o aroma penetrante do solo ainda úmido, após a chuva amena que caíra na noite
anterior.
Era fevereiro, e o ar estava claro, o céu azul e quase sem nuvens. As colinas ao redor se
elevavam de encontro ao firmamento, e os bosques emprestavam um ar solene ao cenário
invernal.
Cigana, a égua, não precisava receber ordens, pois conhecia o caminho que estavam
percorrendo de cor, voltou-se de maneira instintiva em direção dos bosques que demarcavam a
fronteira com a propriedade vizinha. Catherine guiou-a por uma passagem estreita que conduzia
para o alto, até uma pradaria a céu aberto, e enquanto amazona e montaria se aproximavam de
uma clareira entre as árvores, Catherine fez Cigana apertar o passo.
Encontrava-se em terras do marquês de Rutherston, porém nem pensou nisso. Sempre
torcera o nariz para os nobres das mais elevadas categorias, que pareciam despender grande parte
de seus dias na cama, dormindo. Passara-se uma semana desde que Richard Fotherville e Charles
Norton haviam chegado para sua visita ao campo, e Catherine não deixara seus hábitos diários,
praticando exercícios, e dando um passeio a cavalo, sempre antes do café da manhã. E em todo
esse tempo jamais esbarrara com o marquês ou com seu primo, portanto supunha que dormiam a
sono solto até o meio-dia ou mais.
Dava-lhes o benefício da dúvida, dizendo a si mesma que talvez estivesse sendo severa
demais em suas críticas mudas, porém havia uma grande chance de estar certa. Os nobres eram
pessoas preguiçosas, no geral.
Assim refletindo, Catherine afrouxou as rédeas, e permitiu que a égua partisse a galope,
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claros do que Richard recordava, e o traje verde de montaria modelava-lhe as curvas do corpo de
modo gracioso e sensual.
Percebeu que Catherine o observava com desagrado, talvez sentindo-se desconfortável
ante o olhar persistente e muito masculino, e tratou de pôr um fim naquele momento.
— Por que monta uma égua tão plácida, srta. Harland? Por acaso seu pai não permite que
tenha um cavalo mais audacioso? Desconfia de suas habilidades de amazona?
Catherine não conseguiu deixar de sorrir ante a provocação deliberada.
— Não é meu pai quem toma tais decisões, milorde, mas minha mãe. — Deu um tapinha
gentil no pescoço castanho da égua. — Não acha que o temperamento dócil de Cigana é o ideal
para uma dama elegante e bem-educada?
— Sem dúvida notei que sabe montar a cavalo muito bem, e tem uma vasta experiência,
portanto considero esse animal aquém de suas possibilidades — replicou Richard em tom
galante.
Fora um elogio perfeito, sem exageros ou ironia, e Catherine não soube o que responder,
mas se o marquês esperava que se derretesse com a lisonja, estava muito enganado, refletiu. Fora
bem ensinada pela mãe a respeito de como se apresentar pela primeira vez à sociedade, e
aprendera tudo sobre os galanteios que receberia dos janotas e mundanos.
Passara longas horas conversando com a sra. Harland a respeito dos vários tipos de
conquistadores com quem poderia se deparar nos bailes e festas em Londres, e as maneiras
corretas e educadas de se desvencilhar de propostas e adulações indesejáveis. Enfim, sabia como
as palavras podiam ser falsas e insinceras na boca de alguém como o marquês de Rutherston.
Então adotou um tom zombeteiro.
— Bem, na verdade, mereço uma montaria mais audaz. Mas caso as damas pudessem ter
os cavalos que merecem, imagine como isso seria mortificante para os homens, que se veriam
derrotados em um esporte do qual se julgam donos. — Balançou a cabeça com fingida piedade.
— Não daria certo. O orgulho masculino deve ser preservado a todo custo. Se o tivesse derrotado
há pouco na clareira, nessa corrida — prosseguiu em tom mais animado —, acha que estaria
assim tão bem-humorado, milorde? Creio que não.
Longe de se abespinhar com os comentários sarcásticos, Richard sorriu com um brilho
demoníaco no olhar.
— Será que detecto um pouco de ressentimento em sua voz, srta. Harland? Ou é uma
daquelas mulheres que acredita na igualdade entre os sexos?
— Sua pergunta não me surpreende, milorde — replicou Catherine, com um sorriso
encantador que provocou covinhas em seu queixo. — Em geral os membros de seu sexo são
vaidosos como pavões, e com o grau de inteligência dessas aves. Desde a infância as mulheres
são treinadas para lisonjeá-los e fazê-los acreditar que são o sexo superior. — Fitou o marquês
com o canto do olho. — Ora! Vamos lá, milorde! Admita! Ninguém com cérebro pode pensar tal
coisa. Não existe um sexo superior, e homens e mulheres são iguais.
— É um desafio, srta. Harland? Se for, aceito. — Richard empertigou-se na sela, e fitou-a
com um brilho divertido no olhar. — Qualquer tipo de disputa, e nos termos que desejar. Basta
dizer qual será.
Catherine o observou de modo pensativo, começando a sentir um certo desconforto. O
marquês percebeu e tentou tirar partido de sua relutância.
— Ficou surpresa e confusa, srta. Harland? Ou será que teme um confronto?
A alfinetada foi demais para Catherine, que retrucou com firmeza.
— Já se mostrou bastante ignorante a respeito de Eurípides, milorde, e fico pensando se
uma competição entre nós valerá a pena.
Porém a resposta não pareceu abalar Rutherston, que soltou uma sonora gargalhada.
— Como queira, srta. Harland. Seremos concorrentes sem barreiras, e à primeira
oportunidade terei prazer em discutir com a senhorita sobre qualquer assunto, em especial os
literários, já que não optou por nenhum. Mas aviso-a como amigo, sou um osso duro de roer, e
Projeto Revisoras
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não dou trégua. — Lançou-lhe um olhar especulador e então inclinou-se sobre a montaria,
tentando tomar as rédeas das mãos de Catherine que, de modo instintivo, esporeou a égua.
Cigana, assustada com o comportamento pouco usual da dona, passou como um raio pelo
atônito marquês de Rutherston, e logo enveredou pela planície. Catherine ainda ouviu a
exclamação furiosa de Richard, incitando seu cavalo a persegui-la.
Em questão de minutos estavam descendo pelo atalho, o alazão negro em perseguição à
égua castanha. Quando se aproximou o suficiente, o marquês estendeu o braço e segurou as
rédeas de Cigana, puxando-as com força.
A égua retrocedeu ante a pressão súbita nos arreios da boca, e com seu movimento brusco
fez Catherine deslizar da sela e ser arremessada ao solo, sem fôlego.
Catherine rolou pela terra fofa e apoiou-se nos cotovelos, o vestido erguido, expondo as
coxas macias e brancas. Ergueu o rosto para Richard, que estava assustado e branco como um
lençol.
— Homem arrogante e impetuoso! — dardejou entre os lábios semicerrados, assim que
voltou a respirar com normalidade.
— Graças a Deus que está bem — redarguiu Richard com genuíno alívio.
Percebendo que o marquês murmurava uma prece, apenas movendo de leve a boca,
Catherine não pôde deixar de rir, o que o fez rir também, feliz como há muito não se sentia.
— Ora! Dê-me sua mão, "osso duro de roer", e ajude-me a levantar — brincou Catherine
com brusquidão, mas sempre sorrindo.
Com um gesto discreto ajeitou a saia, enquanto Rutherston fingia olhar para o outro lado.
Em seguida ajudou-a a se erguer e a limpar a lama e a poeira de seu traje de montaria.
— Srta. Harland, o que aconteceu foi imperdoável de minha parte! Peço perdão... não tive
a intenção... — Naquele instante viu o brilho divertido nos olhos de Catherine, e sorriu. — Bem,
já deve saber disso, porém desejo parabenizá-la por seu espírito esportivo. Não é qualquer dama
que cai do cavalo e se recupera com tanta graça e elegância.
— Talvez, afinal, tenha merecido o que me aconteceu — replicou ela com generosidade e
boa disposição, retomando as rédeas da égua. — Tentei ameaçá-lo e desafiá-lo de um modo
irritante e presunçoso. Mas é uma pessoa impossível, milorde, e sabe disso. Jamais conheci uma
criatura como o senhor! Traz à tona toda a minha agressividade e, para ser sincera, não costumo
ser assim. — Prosseguiu com franco bom humor: — Tenho medo de ficar sozinha em sua
companhia.
Em resposta, Richard estendeu as mãos, ergueu-a pela cintura e depositou-a sobre a sela
de Cigana, ficando depois a fitá-la, ainda segurando as rédeas.
— Em meu círculo de relações, senhorita — replicou de modo provocador —, uma jovem
que desafia e zomba das convenções, surgindo sem acompanhante em uma casa que não a sua,
está tentando chamar atenção, e brincando com fogo, no que diz respeito aos homens. — Sorriu
com ar malicioso. — Nunca se sabe com quem poderá se deparar, e sua inocência poderá ficar
em perigo...
— Verdade? — retrucou Catherine, recusando-se a ficar envergonhada ante as palavras
ferinas e um tanto ofensivas do marquês de Rutherston. — Então sinto-me no dever de informá-
lo, milorde, que nós, que fomos criados no campo, costumamos dar o benefício da dúvida e
confiar em qualquer pessoa que se apresente como sendo boa e honesta, até prova em contrário.
— Com gesto rápido, fez Cigana voltar o pescoço em direção a Ardo House e lançou seu dardo
final contra Richard: — E já tenho provas suficientes para saber que tipo de homem milorde é.
Curvando a cabeça em um gesto gentil de despedida, fustigou a égua que saiu a galope,
deixando o lorde com ar estupefato, divertido e admirado, tudo ao mesmo tempo.
— Oh, srta. Harland! Impertinente e irritante Catherine! — murmurou por entre os dentes
cerrados. — Então acha que não sou um cavalheiro? Que assim seja, pois também não creio que
é uma dama! Do que precisa, minha orgulhosa, arrogante, petulante e linda jovem, é uma lição
de humildade. E sou a pessoa certa para lhe ensinar.
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Assim dizendo, montou Diablo sem esforço, e partiu a galope na direção contrária.
Capítulo VI
Projeto Revisoras
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grandiosos e com tantos convidados, que por certo o nobre poderia com facilidade ignorar a
rústica sita. Harland, sem que isso fosse levado a mal.
Talvez a cumprimentasse por uma questão de cortesia, porque frequentara a casa de seus
pais em Breckenridge, mas seria apenas uma saudação formal e breve, sem nenhum calor.
Entretanto... quando a beijara da primeira vez que a vira, pensando tratar-se de uma criada,
seus lábios não poderiam ter sido mais quentes...
Quando tais pensamentos invadiam a mente de Catherine, tentava desvencilhar-se deles
bem depressa.
Por seu lado, Rutherston não tentava analisar com profundidade seus sentimentos em
relação à Catherine Harland, a não ser que ela despertara seus instintos de caçador, e sentia-se
muito animado ao persegui-la. Achava graça do modo delicado de Catherine evitar ficar a sós
com ele, e resolveu armar um plano para ludibriá-la. Uma manobra que a fizesse cair em uma
armadilha, terminando com seus ares de sabichona.
O marquês convidou um pequeno grupo seleto de cavalheiros de Breckenridge para caçar
em sua propriedade. Programou-se que sairiam todos cedo, logo após o café da manhã, para
retornarem a Branley Park na hora do jantar.
Porém foi um marquês de Rutherston consternado quem se dirigiu ao encontro de seus
convidados para informá-los que não poderia acompanhá-los, devido a assuntos urgentes e de
última hora.
— Mas meu caro primo, o sr. Charles Norton, fará as honras da casa.
Ante os protestos amáveis dos convidados, sorriu com benevolência.
— Não permitirei a frustração de se verem impedidos de caçar por minha causa, senhores.
Por favor, divirtam-se, e nos veremos à noite.
Tomado de surpresa, Charles ficou perplexo, entretanto era muito educado para questionar
o marquês sobre esses "assuntos de última hora". O marquês de Rutherston era bem-humorado e
acessível quase sempre, mas não seria sensato tentar invadir sua privacidade, e Charles bem
sabia disso.
Então, conforme o programado, os cavalheiros partiram sob protestos desolados por não
terem a companhia do dono da propriedade, e Richard tratou de voltar para a casa, a fim de
aguardar com paciência que Catherine Harland aparecesse por lá.
Tinha certeza de que a jovem não perderia a oportunidade de ir até a biblioteca de Branley
Park, pois sem dúvida fora informada de que o proprietário da mansão ficaria ausente durante o
dia inteiro.
De fato, uma hora mais tarde, olhando de uma janela do andar superior, e tomando
cuidado para não ser visto, o marquês de Rutherston divisou Catherine Harland correndo em
direção à porta dos fundos. Tirara o chapéu, e o pálido sol de fevereiro emprestava um brilho
dourado aos cabelos fartos e longos. Rutherston a observou com muita atenção, um sorriso
maroto iluminando o belo rosto másculo.
Mais uma vez ficou impressionado pelo colorido encantador de Catherine, suas faces
rosadas, os olhos cor de âmbar e a cabeleira que, dependendo da luz, ora era escura como
castanhas, ora resplandecia em tons quentes e avermelhados. Esperou um pouco até ter certeza
de que estaria na biblioteca, imersa em alguma leitura interessante, e então desceu as escadas
com todo o cuidado para não fazer barulho.
Já no térreo, o marquês girou a maçaneta de cobre da porta da biblioteca com extrema
cautela, e penetrou no recinto, sentindo que seu engenho fora recompensado, ante a visão que se
apresentou a sua frente.
Catherine estava refestelada em uma poltrona na postura habitual, os pés erguidos e
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ocultos sob o corpo, uma leve ruga de concentração na testa, ampla. O marquês aproximou-se, pé
ante pé, e postou-se bem a sua frente, observando-a à vontade, pois sabia que quando Catherine
mergulhava em uma leitura interessante era difícil distraí-la.
Os anéis de cabelos que roçavam a nuca delicada, o brilho suave da cútis perfeita e a curva
dos seios firmes sob o vestido cinza, muito simples, formavam um quadro de tirar o fôlego, e
Richard não conseguiu ficar indiferente.
Aguardou, e então moveu-se, projetando sua sombra sobre a página do livro que Catherine
lia, como fizera de outras vezes. Tinha certeza de que, dessa vez, chamaria sua atenção. De fato,
a jovem ergueu o rosto, assustada, e uma expressão consternada surgiu nos olhos cor de âmbar.
— Milorde — sussurrou, tentando se levantar da poltrona. — Desculpe, mas...
— Não, srta. Harland fique à vontade — interrompeu Rutherston, empurrando-a com
delicadeza pelos ombros, a fim de fazê-la recostar-se de novo. — Disse que poderia vir quando
bem entendesse, e estou contente que tenha acatado meu convite.
Os modos agradáveis e simples do marquês fizeram Catherine supor que não o ofendera
com sua presença ali, e que nada tinha a temer. Esforçou-se para dominar o embaraço, e adotou
uma postura mais descontraída, sorrindo.
— O que está lendo agora? — quis saber o marquês também com um sorriso cordial. —
Ah! Antígona! Saiba que suas preferências literárias sempre me assombram, srta. Harland.
Tomou-lhe o livro das mãos com gentileza, e folheou as páginas até encontrar o que
procurava.
— Veja só! Não acha, srta. Harland, que as mulheres gregas do passado tinham um grande
respeito por Eros?
Catherine acenou, concordando, incerta sobre o objetivo daquela pergunta, e se Rutherston
a estava provocando para poder enveredar por uma discussão séria.
— Como traduz Eros, srta. Harland?
Richard continuava parado a sua frente, como uma torre ameaçadora, obrigando-a a erguer
o pescoço para fitá-lo, o que, de modo absurdo, a fazia sentir-se vulnerável e em desvantagem.
— Amor — respondeu com simplicidade.
— E Philia? — continuou o marquês com toda a seriedade. — Qual a tradução?
— Amor — repetiu Catherine.
— Traduz as duas palavras como amor? Então qual a diferença entre elas?
Catherine tentou decifrar o brilho nos olhos cinzentos de Rutherston, mas logo desistiu,
pois sua expressão era impenetrável.
— Creio que Eros é mais o amor apaixonado, e Philia significa afeto — replicou
Catherine também com seriedade, como se estivesse sendo arguida por um professor severo, e
quisesse fazer boa figura — Mas apenas amor continua sendo uma boa tradução para ambas.
Richard depôs o livro sobe uma mesinha lateral, e inclinou-se para ela, colocando as mãos
sobre os braços da poltrona. Catherine começava a ficar assustada com tal atitude por parte do
marquês de Rutherston, e maldizia em pensamento o impulso que a fizera sair de casa bem cedo
para ir a Branley Park, contando com o fato do dono da casa ter ido caçar.
Ergueu os olhos e percebeu que seus rostos estavam muito próximos. Até podia sentir o
hálito quente do marquês em suas faces, e precisou fazer um grande esforço para não estremecer.
— Qual dessas duas palavras, paixão ou afeto, descreve melhor o que sentimos um pelo
outro, Catherine? — murmurou Richard sem preâmbulos, e sem baixar o olhar perturbador. —
Podemos fazer um teste?
Aproximou-se mais com a clara intenção de beijá-la, porém Catherine foi mais rápida e
passou por baixo do seu braço, a fim de escapar. Entretanto Rutherston segurou-a pelo pulso com
força, fez com que se levantasse com um repelão e, de modo lento, abraçou-a, segurando-a pela
nuca, e forçando-lhe a cabeça para trás, de modo que Catherine foi obrigada a fitá-lo.
— Catherine — murmurou o marquês — só pode culpar a si mesma pelo que irá acontecer
agora.
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Inclinou o rosto, fazendo-a retesar o corpo e evitar o contato. Mas Richard já previra essa
reação, e intensificou o abraço, prendendo-lhe os braços com tanta força que a fez sufocar e
sentir-se à mercê de sua vontade. Desesperada, sem poder se mover, Catherine deixou-se
recostar junto ao peito forte.
Sem a menor pressa, Rutherston roçou-lhe os olhos e a boca com seus lábios, e quando
sentiu o calor da carícia sobre os seios ocultos pelo tecido leve do vestido, Catherine protestou de
modo débil. Com a outra mão, o marquês percorreu-lhe as costas, e apertou as coxas macias de
encontro ao próprio corpo.
— Não! — gemeu Catherine, sob a boca ansiosa de Richard. — Largue-me!
Mas o lorde a fez calar-se, beijando-a de modo tão avassalador que quase roubou-lhe a
respiração. Uma emoção jamais experimentada em toda a sua vida percorreu o corpo de
Catherine, fazendo-a desejar nunca se separar de Richard. Com a ponta da língua, o marquês a
obrigou a entreabrir os lábios, fazendo-a estremecer de antecipação.
Catherine sentia-se derreter como lava fervente de encontro ao tórax musculoso de
Rutherston, que então ergueu a cabeça e a fitou de modo profundo. Com a respiração
entrecortada, Richard gemeu, rouco, voltando a beijá-la.
Catherine sentia-se esmagada de encontro ao corpo másculo, em um abraço selvagem e
exigente, que a fazia perder as forças e a noção da realidade.
As mãos fortes deslizaram outra vez por suas costas, fazendo-a sentir a urgência do desejo
masculino, e dedos hábeis começaram a desfazer laços e abrir os botões de seu vestido.
No momento seguinte, Rutherston acariciou-lhe os seios por baixo do tecido, continuando
a tatear o corpo quente e macio. Com o que lhe restava de lucidez, apavorada, Catherine voltou a
gemer, dessa vez de puro pânico, enquanto tentava se desvencilhar dos braços que pareciam
tentáculos a sua volta, porém o marquês era muito mais forte, e começou a sussurrar-lhe ao
ouvido palavras tranquilizadoras, que mal ouviu, imersa na agonia do momento.
Podia sentir a rigidez de sua masculinidade de encontro às coxas, e a força do desejo que a
transportava para um mundo distante e perigoso, que penetrava por cada um de seus poros,
obrigando-a a esquecer a realidade e ingressar em um nível de total abandono.
Excitada, por fim, quase capitulando, Catherine enfiou a mão sob o paletó de Richard,
tentando retribuir as carícias.
— Catherine — murmurou Richard com voz pastosa, de encontro aos seus cabelos —
deixe-me levá-la para o meu quarto...
Um braço circundou-lhe os ombros, e o marquês fez menção de empurrá-la para a porta da
biblioteca, porém algo no íntimo de Catherine ainda resistia. Enrijeceu o corpo, e seus olhos
arregalaram-se de pavor. Ergueu o rosto e fitou em cheio os olhos do marquês, toldados de
desejo.
Então, como um raio, um pensamento a dominou. Aquilo tudo fora planejado nos
mínimos detalhes, desde o início, para seduzi-la.
Uma profunda náusea a possuiu, deixando-a zonza, por pressentir que Rutherston fizera
tudo aquilo de caso pensado. Por que não fora caçar como o planejado? Por que tivera que
encontrá-lo na casa quando todos sabiam que convidara um grupo de cavaleiros para passar o dia
fora?
Juntando o resto de forças de que ainda dispunha, empurrou-o com violência e libertou-se
dos braços poderosos, erguendo os ombros e o queixo de modo desafiador e orgulhoso, enquanto
controlava a respiração entrecortada.
— Catherine!
Richard tentou aproximar-se de novo, a paixão brilhando nos olhos cinzentos.
Entretanto Catherine deu um passo atrás, e o que o marquês viu em seu rosto o fez estacar.
— Arquitetou isso — sibilou a jovem por entre os lábios semicerrados. — Não é verdade?
— Não conseguia parar de tremer, e tentou controlar a voz trêmula de revolta e ódio.
— Calculou que me veria aqui, ao imaginar que milorde estaria caçando o dia inteiro!
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Richard fez menção de segurá-la de novo, mas o tom frio e perigosamente controlado de
Catherine o deteve.
— Não me toque outra vez, milorde!
Essas palavras continham tanto desespero e aversão, que Richard deixou os braços
penderem, incapaz de parar de fitá-la.
— Catherine, peço que me ouça, por favor...
— Agora compreendo tudo! — O rosto pálido da jovem parecia uma máscara de ódio, e
os seios arfavam sem conseguir se controlar. — Devo agradecer-lhe por essa lição salutar. Em
minha tola ignorância e ingenuidade, pensei que estávamos nos tornando amigos. — Sorriu com
amargura. — Agora percebo que minha disponibilidade em conversar consigo representou, a
seus olhos, um sinal para que avançasse com suas intenções depravadas.
Enquanto falava, Catherine desprezava-se por gaguejar e tremer, mas era impossível
recuperar o controle, tamanha a decepção que sentia.
— Não está compreendendo, Catherine. Tente se acalmar e lhe darei uma explicação para
meu ato. Não é o que está pensando!
Richard ansiava por tomá-la outra vez nos braços e consolá-la, mas a postura da srta.
Harland o fez permanecer no seu canto, enquanto ela continuava a falar como se não tivesse
ouvido uma só de suas palavras de desculpas.
— Agradeço também, milorde, por ter-me ensinado algo a meu próprio respeito. —
Hesitou, mas depois prosseguiu, armando-se de coragem: — Descobri uma nova faceta de minha
natureza, que jamais desconfiei existir... que posso me comportar como uma... — tentou
encontrar a palavra certa que descrevesse seus sentimentos e encontrou-a por fim. A palavra
mais triste que conhecia. — ...prostituta. É uma terrível constatação, mas verdadeira, e me enche
de vergonha e surpresa. Porém era sua intenção que descobrisse tal verdade, não, milorde?
— Catherine, por favor não diga essas coisas! — interrompeu o marquês, pressentindo que
a levara à beira de uma crise nervosa. — Nada têm de verdadeiro!
Entretanto essas palavras não a acalmaram.
— Amor! — exclamou Catherine com voz tensa. — Como soube me enredar, milorde!
Paixão! A glória dos homens e a ruína das mulheres infelizes que se deixam dominar! — Sorriu
com escárnio. — Deveria ter prestado mais atenção em minhas aulas de grego, de modo que
Eros nunca pudesse me pegar desprevenida.
Contra sua vontade, Richard sorriu, mas esforçou-se para permanecer sério.
— Catherine — murmurou, estendendo a mão em sua direção. —Vamos esquecer o que
aconteceu aqui, pôr uma pedra sobre esse incidente infeliz, e começar tudo de novo?
— Como? Queria me punir, me desgraçar perante minha família e amigos, e acha que vou
sair daqui apertando sua mão como se nada tivesse acontecido? Porém devo lhe dizer que, de
certa forma conseguiu seu intento.
Sufocou um soluço, e virou-se para partir, mas à porta voltou-se de novo, e fitou-o com os
olhos cor de âmbar marejados de lágrimas.
— Espero nunca mais vê-lo — murmurou.
Seria ódio ou dor que aquelas palavras desejavam transmitir? Richard não soube decifrar,
porque em seguida a porta se fechou com estrondo, deixando-o sozinho, de pé, no meio da
biblioteca, como um homem derrotado. O feitiço se virará contra o feiticeiro.
Mas em seguida Catherine tornou a entrar, sustentando o corpete do vestido desabotoado
nas costas. Avançou até o marquês de Rutherston, os olhos brilhantes e as faces em fogo.
— A sra. Bates... não posso... os botões...
Vencida, virou-se de costas para que Richard a ajudasse.
Dessa vez o lorde precisou usar de toda a força de vontade para não explodir em uma
gargalhada, mas seus lábios mantiveram-se firmemente fechados, e bem depressa abotoou o
vestido, fazendo Catherine ajeitar as dobras do tecido da melhor maneira possível, e refletir que,
pela velocidade demonstrada no cumprimento da tarefa, o marquês tinha uma vasta experiência
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Capítulo VII
Na semana seguinte, o marquês de Rutherston descobriu que não conseguia tirar Catherine
Harland dos pensamentos. Era uma jovem boa e inocente, e ele quase a seduzira. A recordação
da cena na biblioteca o fazia estremecer.
Tudo tivera início com espírito de leve vingança por ter sido enganado ao conhecê-la,
imaginara que era uma criada de bom nível, e Catherine nada fizera para esclarecê-lo,
divertindo-se com a idéia. Isso o deixara muito irritado, pois jamais em sua vida fizera papel de
tolo diante de uma mulher.
Em seguida a raiva fora se transformando em diversão passageira, e em um flerte sem
consequências. Richard não pretendera levar as coisas tão longe. Sua intenção fora apenas passar
o tempo, durante a estada no campo, e dominar o espírito inflamado e orgulhoso da srta.
Harland.
Desejara provar-lhe que nunca conseguiria vencê-lo em nenhum aspecto, e que brincara
com fogo ao provocá-lo. Entretanto, quando a sentira tão frágil e indefesa entre seus braços,
submissa aos seus desejos e pronta a se entregar sem luta, o corpo pequeno e quente colado ao
seu e disposto a receber todos os tipos de carícias que desejasse lhe fazer, a paixão quase o
dominara a ponto de fazê-lo perder o bom senso.
Seu único pensamento fora possuí-la, ali, naquele instante, sem medir as consequências de
tal ato. Por sorte conseguira manter um resquício de decência e bom senso, e contivera-se a
tempo.
Lembrava-se, ao mantê-la em um abraço apertado, de ter murmurado ao seu ouvido
palavras reconfortantes e prometido desposá-la no dia seguinte, se assim desejasse. Não fora
mentira. Falara de coração. Teria Catherine ouvido ou estaria naquele instante tão fora de si que
nem fizera caso?
Mas isso de nada valia, pois sabia que caíra no seu conceito, refletiu. Catherine o julgara
um verdadeiro cavalheiro, e acabara demonstrando ser uma terrível decepção. Tal pensamento o
deixava fora de si. Precisava provar que não era nenhum cafajeste indigno, e sim um homem
honrado, mas como? Depois que quase a desonrara em sua propriedade?
Analisou o que havia em Catherine Harland que o atraía tanto. Apreciava sua conversa
animada e inteligente, embora tudo levasse a crer que os dois nunca concordariam a respeito de
quase nada. Catherine dizia o que pensava, e jamais demonstrava deslumbramento em relação
aos conhecimentos do marquês, nem parecia julgá-lo superior. Isso era algo que o divertia e
surpreendia ao mesmo tempo, pois estava muito acostumado à admiração das mulheres a
respeito de tudo que fazia ou dizia.
Catherine também não tentava bajulá-lo com sorrisos, olhares de adoração ou palavras
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doces, muito pelo contrário. Richard sorriu, imaginado que caso tivesse demonstrado a metade
da atenção que dava à Catherine Harland para uma das elegantes jovens londrinas que conhecia,
teriam se prostrado aos seus pés como escravas submissas.
Tal pensamento não queria dizer que era um homem vaidoso e enfatuado, mas
correspondia a mais pura verdade. De fato, todas as mulheres que conhecia pareciam adorá-lo
como a um deus, e isso o divertia e irritava ao mesmo tempo. Entretanto Catherine parecia
ignorar o privilégio que recebia por ter chamado a atenção do marquês de Rutherston.
Richard tomou a decisão de lhe pedir desculpas por seu procedimento deplorável, da
próxima vez que a visse. O que poderia lhe dizer a seguir, dependeria da reação de Catherine,
refletiu.
Precisava encontrar as palavras certas para aplacar sua raiva, mas tinha certeza de que
Catherine não estaria de bom humor para ouvir seus planos para o futuro. Tal declaração
necessitava encontrá-la mais serena e receptiva, pensou.
Entretanto, até o fim daquela semana, Catherine mostrara-se muito arredia, e o marquês de
Rutherston não a encontrou em nenhum dos lugares aos quais compareceu em Breckenridge.
Sem dúvida o estava evitando, e Richard irritou-se ainda mais por ver-se obrigado a
comparecer a uma série de jantares tediosos e a manter conversações sem graça, apenas na
esperança de vê-la. Nada lhe dava prazer, e sentia que estava perdendo tempo. Tinha um
cozinheiro francês em Branley Park que devia estar ansioso para preparar-lhe refeições
sofisticadas e tentadoras, em vez dos jantares das damas rurais de Breckenridge que, embora
deliciosos, eram muito simples.
Então, foi com estudada indiferença que, certa manhã durante o café, mencionou para o
primo Charles esperar que a srta. Catherine Harland estivesse bem, já que nunca mais a vira nas
recepções de Breckenridge.
— A srta. Harland estará acamada? Com um resfriado? — perguntou, tomando um gole
de café, e sem demonstrar grande interesse na resposta.
Mas Charles Norton pareceu prestar a maior atenção no primo, e redarguiu:
— A qual das senhoritas se refere?
— Catherine Harland, é claro — replicou Richard, impaciente com a pergunta do primo.
— Ah, sim! É claro! Fiquei confuso porque deveria ter observado, meu caro Richard, que
nenhuma das duas irmãs, Catherine ou Lucy, têm comparecido aos eventos sociais.
O marquês nada disse, continuando a manter os olhos postos sobre uma torrada, como se
fosse a coisa mais interessante e importante do mundo.
Charles deu uma risada.
— Pare de fingir, Richard! Não me engana nem um segundo com seu olhar de demônio
disfarçado. Vou-lhe dizer por que Catherine e Lucy Harland não saem de Ardo House. — Fez
uma breve pausa, na esperança de que o primo abandonasse sua postura de falsa indiferença, mas
como isso não aconteceu, prosseguiu de qualquer modo. — Tom me contou que estão recebendo
a visita da irmã mais velha, lady Mary, e já que Catherine e Lucy partirão na próxima semana
para Londres, querem ficar o máximo possível na companhia da irmã.
— Lady Mary não pode comparecer às recepções? — perguntou o marquês com
curiosidade.
— Não, devido ao seu estado... interessante. Está no aguardo de outro filho — explicou
Charles de modo discreto, como convinha falar de uma dama casada e mãe.
— E por que não disse isso logo? — dardejou Richard, perdendo a fleuma e encarando o
primo com um brilho animado no olhar.
Norton brincou com o garfo por um momento, e depois murmurou:
— Porque não acredito que seja esse o verdadeiro motivo de Catherine recusar todos os
convites para sair.
— Verdade? Continue, por favor. O que pensa a esse respeito, meu caro primo? —
perguntou o marquês, dessa vez aprumando-se na cadeira, esquecendo a torrada, e demonstrando
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Capítulo VIII
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nunca ter certeza do paradeiro de sir John, pois a vida de um diplomata era errante e totalmente
voltada para os interesses de Sua Majestade.
Na verdade, lady Margaret era mais uma amiga de Catherine do que parente, e o título de
"tia" não passava de uma cortesia. A dama lamentava muito nunca ter tido filhos, porém, como
era alegre e otimista, e não chorava pelo impossível, dedicara seu afeto e interesse aos filhos dos
amigos e da família, em particular aos dos Harland. Sabia estar em posição de ajudar as meninas
Harland a ingressar na alta-roda social, o que era difícil por morarem longe de Londres.
O pai de Catherine, como filho caçula de um filho caçula, embora muito bem situado na
vida, não tinha inclinação nem fortuna suficientes para sustentar uma residência na capital, ou
passar ali o tempo necessário para cultivar amizades que seriam úteis às suas filhas.
Mas lady Margaret era uma dama muito bem-conceituada, e sempre disposta a ajudar.
Além disso apreciava muito a companhia das jovens senhoritas Harland e ansiava pela
perspectiva dos divertimentos que teriam juntas, fazendo compras, tomando chá em locais
elegantes e conversando com pessoas de alto nível.
O prazer e as vantagens que poderia proporcionar a Catherine e Lucy eram o motivo
principal de seu empenho em vê-las debutar em Londres.
Porém seria injusto supor que lady Margaret era uma dama superficial que só pensava em
roupas e festas. Acima de tudo, era uma senhora muito sensível e responsável para com seus
deveres com o falecido marido, e adoraria ver Catherine e Lucy Harland bem estabelecidas e
seguras, realizando bons casamentos.
Seu círculo de amizades e conhecimentos era tão vasto que a gentil senhora tinha certeza
de que, em curto prazo, Catherine e Lucy conseguiriam excelentes maridos. Tivera sucesso
quatro anos antes com Mary, a irmã mais velha, e não via por que não conseguir isso de novo,
portanto iniciara o planejamento e as estratégias como um general supervisionando uma
campanha.
Portanto, foi logo na primeira semana de sua estada em Londres, que Catherine e Lucy se
viram, acompanhadas pela tia, visitando várias residências nas ruas ao redor de Mount Street,
para serem apresentadas às outras jovens e mães das famílias conhecidas, que tinham o poder de
facilitar seus caminhos na alta-roda.
— Saibam, minhas queridas — disse-lhes lady Margaret com sua sabedoria e experiência
— que são as senhoras que decidem quem entrará ou não na alta sociedade. Um jovem
cavalheiro, por mais ansioso que esteja, não pode convidar uma moça para entrar na sala
particular de sua mãe se essa moça procedeu de modo errado. — Lady Margaret fez uma pausa
significativa, e continuou, no tom de voz professoral que gostava de adotar quando se dirigia aos
mais jovens. — E muitas moças arruinaram suas oportunidades por apenas darem atenção aos
membros do sexo masculino, flertando com os rapazes, mas ignorando as regras da boa educação
com as damas.
Catherine e Lucy não tinham a menor intenção de ofender as filhas ou as mães das
famílias amigas, e trataram de ser o mais encantadoras possíveis com todas, descobrindo que
estavam se divertindo muito. Seu círculo de amizades aumentou bem depressa, e antes que se
dessem conta, não podiam passear pelo parque, entrar em uma loja ou descer Bond Street, sem
encontrar uma de suas novas amigas.
E, como de vez em quando acontecia, se eram apresentadas a algum irmão ou primo das
amigas, agiam com modéstia evitando se exibir, pois os olhos das mães estavam sempre
analisando-as. Mas logo provaram saber se comportar muito bem, e que ninguém deveria temer
sua amizade com seus filhos e filhas.
Para Catherine, lady Margaret era um poço de conhecimentos, sabia tudo sobre todos, e
tinha um comentário justo a respeito de cada um de seus amigos. Em breve aprendeu, como
Lucy, que uma pessoa podia não ter nenhum título de nobreza, porém ser aparentada com metade
das casas importantes da Inglaterra, e possuir uma grande fortuna.
Por outro lado, um título de nobreza não era considerado o suficiente para abrir as portas
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das mansões mais seletas, se houvesse algo que desabonasse esses nobres.
Catherine e Lucy iam decorando todas essas informações como se fizessem seu dever de
casa da escola, pois havia muito a aprender antes de poderem debutar oficialmente na alta-roda.
Cada vez mais o comportamento que tivera com o marquês de Rutherston fazia Catherine
estremecer, pois só nesse momento percebia o que pensariam todas aquelas mães emproadas se
descobrissem que quase sucumbira e se deixara seduzir pelo demoníaco e atraente nobre.
E percebeu também, para seu assombro, que as qualidades que Richard Fotherville mais
apreciara nela eram as que deveria ocultar da elite londrina. Nada de tiradas irônicas nem
comentários intelectuais. Isso seria muito impróprio para uma jovem debutante.
Algumas semanas em Londres haviam provocado uma grande mudança nas irmãs
Harland. Catherine e Lucy já não se sentiam tão provincianas como de início, pois haviam
adquirido guarda-roupas fantásticos em Bond Street, que variavam de vestidos matinais para
passeios no parque, trajes leves para chás da tarde e visitas às amigas, roupas de montaria, até os
grandiosos vestidos de gala para os bailes e grandes recepções noturnas.
O sr. Harland não poupara dinheiro, e abrira os cordões da bolsa com generosidade para
ver suas filhas felizes.
A escolha das sedas, musselinas e cambraias tão finas que pareciam invisíveis, tinha sido
feita com o cuidado dispensado a obras de arte. Toda a jovem elegante de sociedade precisava se
apresentar com inúmeras roupas, a fim de se lançar na alta-roda. As despesas eram astronômicas,
mas esperadas, pois tratava-se de um investimento, e os recursos para isso tinham sido
economizados durante anos, à espera dessa ocasião.
Dentro de uma programação normal, Catherine deveria ter debutado antes de Lucy, a
caçula, mas as gestações de lady Mary pareciam ter início nos momentos mais inoportunos,
ocupando a sra. Harland a ponto de não poder dar muita atenção às outras filhas durante alguns
meses. Além disso, Catherine estava sempre pronta a ajudar também, de modo que seu ingresso
na sociedade com comparecimento à grande temporada em Londres, fora adiado por dois anos.
De qualquer modo, Catherine e Lucy estavam muitos contentes por ter a companhia uma
da outra na grande cidade, pois apesar de gostarem muito de lady Margaret, a severidade da tia
em certos aspectos as deixava pouco à vontade e atemorizadas. Portanto era uma delícia poderem
conversar à noite, sozinhas, e comentar sobre os eventos do dia, rindo das atitudes esnobes de
algumas pessoas e elogiando outras. Afinal, eram duas jovens vivendo uma das experiências
mais marcantes de suas vidas.
Catherine sentava-se a uma janela, lendo os jornais da manhã sem pressa, no aguardo de
Lucy que se aprontava para irem à Biblioteca Circulante em Bond Street. Começava a se
impacientar com a demora da irmã, quando o mordomo de lady Margaret bateu à porta de modo
discreto, e anunciou o sr. Charles Norton.
Catherine sorriu, feliz, e pediu que o recém-chegado fosse conduzido à sala de visitas.
— Meu caro Charles! — saudou com verdadeiro entusiasmo, como se fosse um velho
amigo ausente por muitos anos, e ao perceber que usara seu primeiro nome, enrubesceu e tratou
de consertar: — Desculpe, sr. Norton. Como estou feliz em revê-lo!
— Minha querida Catherine! Por favor, não se desculpe. Somos velhos amigos e as
formalidades devem ser evitadas entre nós. Vamos nos tratar por Catherine e Charles, concorda?
— Sem esperar pela resposta, e fitando-a de cima a baixo, demonstrou sua admiração: — Mal
posso acreditar que a jovem elegante e sofisticada que tenho diante de meus olhos é a mesma de
algumas semanas atrás em Breckenridge. — Foi a vez de Charles enrubescer, preocupado que
suas palavras fossem mal-interpretadas. — Quero dizer, está mais linda do que nunca. Antes era
uma flor do campo, hoje parece uma rosa de Bond Street.
— Charles, é um verdadeiro poeta, e agradeço o elogio. É verdade. Além das roupas, devo
dizer que mudei meu interior também, e sou uma senhorita comportada, que age como uma dama
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da alta sociedade.
Norton fingiu estar desapontado.
— Não diga isso! Já era uma dama antes de vir a Londres debutar, mas precisa conservar
seus modos espontâneos porque são sua marca registrada.
— Tome cuidado para não me provocar, meu caro amigo, quando estivermos no meio de
outras pessoas — riu Catherine — porque se fizer isso poderei reagir e arruinar a imagem que
estou criando com tanto esforço.
— Então é melhor que volte para Ardo House antes que descubram a farsa.
O diálogo divertido e informal era do que Catherine precisava, após tantos dias se
reprimindo e procurando adotar os ares sofisticados que a tia Margaret tanto apreciava. Percebeu,
com uma dor no coração, como sentia falta dos duelos verbais e das brincadeiras que só podia ter
com um amigo querido, a quem dedicava um afeto fraternal.
— Preciso avisar minha tia e Lucy que está aqui, Charles, pois sei que vão ficar muito
contentes em vê-lo. — Voltou-se para a porta, e parou. — Mas, por favor, tenha modos —
concluiu, lançando-lhe um sorriso encantador.
Retornou instantes depois com Lucy nos seus calcanhares, e pediu refrescos, já que
Norton não parecia estar com pressa para ir embora.
— Pretende ficar muito tempo em Londres, Charles? — perguntou.
— Oh! Creio que quase toda a temporada social. Meu primo, o marquês de Rutherston,
tem assuntos a tratar aqui, antes que partamos para Fotherville House.
Catherine não pôde deixar de erguer o rosto de modo brusco, e fitá-lo com intensidade,
mas a expressão tranquila de Charles a acalmou. Por certo as preocupações de Richard nada
tinham a ver com saúde, mas apenas com negócios, pensou. Entretanto, esquecendo-se de que
era a "nova Catherine", cheia de mesuras e discrição, não conseguiu evitar perguntar à queima-
roupa, com sua característica franqueza e espontaneidade:
— É sempre obsequioso com seu primo dessa maneira, Charles?
O jovem foi pego de surpreso, e pareceu atônito.
— Como assim? — murmurou.
— Apenas quero dizer que seu primo, o marquês, tem muita sorte de possuir um amigo
dedicado e fiel, que está sempre disposto a acompanhá-lo a todos os lugares e se submeter aos
seus desejos e caprichos!
Charles compreendeu e fez um gesto displicente com a mão.
— Ora! Não é nada disso, Catherine! Rutherston é um bom sujeito, e ótima companhia. E
está sempre disposto a satisfazer minhas vontades, quando assim desejo. — Percebendo o olhar
cético da amiga, insistiu: — Está, sim!
— Tenho certeza de que é como diz, sr. Norton — interpôs Lucy, lançando um olhar de
reprimenda para a irmã mais velha. — Lorde Rutherston, quando esteve em Breckenridge,
sempre se mostrou muito atencioso com todos.
Voltou a fitar a irmã, buscando apoio, e Catherine não se fez de rogada.
— Sem dúvida! É isso mesmo.
Porém a animação forçada fez Charles perceber que Catherine pensava o oposto, e não se
deixara convencer. Voltou-se para Lucy.
— Richard ficará feliz em saber que disse isso a seu respeito, srta. Harland. — Então um
brilho malicioso surgiu em seu olhar. — Nem todos os seus... conhecidos pensam do mesmo
modo, mas meu primo pode ser muito agradável com qualquer pessoa que deseje encantar.
Catherine ficou paralisada, com o copo de limonada a meio caminho da boca, e imaginou
se o sr. Norton estaria lhe dando uma indireta.
— E será que teremos a oportunidade de rever o marquês de Rutherston? Ou seus
negócios o deixarão ocupado demais para comparecer aos eventos da temporada social?
A pergunta de Lucy foi feita por uma questão de polidez, mas os ouvidos de Catherine
permaneceram bem atentos à resposta, ao mesmo tempo em que se desprezava por agir assim.
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— E ficar sem rever as srtas. Harland? —Charles retrucou. — Srta. Lucy, que opinião
terrível tem de meu primo, apesar dos elogios que acabou de lhe fazer! Por mais prementes que
sejam suas responsabilidades, tenho certeza de que encontrará tempo para renovar o
conhecimento com as pessoas que tornaram sua estada em Breckenridge tão agradável.
Enquanto falava, olhava para Lucy, porém Catherine tinha certeza de que a mensagem era
para ela, e sentiu-se confusa, feliz e melindrada, tudo ao mesmo tempo.
Naquele instante a porta da sala de visitas se abriu, e lady Margaret entrou. Com um
rápido olhar percebeu, contente, que as sobrinhas estavam recebendo o jovem cavalheiro com
decoro e elegância, e isso a deixou aliviada. Meninas do campo costumavam ter modos mais
livres, e às vezes se esqueciam do bom-tom, mas isso não acontecia com suas sobrinhas, graças
aos seus ensinamentos, refletiu.
Logo a austera senhora ficou encantada com as maneiras distintas e ao mesmo tempo
descontraídas do sr. Charles Norton, e foi inteirada de que residia na casa do primo, o marquês
de Rutherston, em Berkeley Square.
Porém ficou muito surpresa ao saber que as sobrinhas já conheciam o marquês, que
estivera em Breckenridge havia pouco tempo, e seu sorriso para o sr. Norton tornou-se ainda
mais agradável. Charles sentiu-se encorajado pela recepção da dona da casa.
— Estava pensando, senhora, se me permitiria levar as srtas. Harland para um passeio no
parque, esta tarde, na carruagem do marquês de Rutherston... Se for do seu agrado, é claro.
Qual teria sido a resposta de lady Margaret, caso desconhecesse o parentesco de Norton
com Rutherston, Catherine jamais pôde saber. Mas, sob as circunstâncias, a dama aquiesceu com
um gesto gracioso de cabeça, demonstrando não fazer objeção nem temer pela segurança das
meninas. Se o marquês confiava na habilidade do jovem primo para conduzir os cavalos de sua
carruagem, estava tudo bem.
Então Catherine e Lucy programaram ir ao parque com o sr. Norton às cinco horas da
tarde, o horário mais elegante para esse tipo de passeio.
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Era hábito de Catherine e Lucy, antes de irem para a cama à noite, trancarem-se no quarto
de vestir que ligava seus dormitórios, e conversarem sobre os acontecimentos do dia. Nessa noite
em especial, Catherine estava impaciente para se livrar da criada de quarto, Becky, e poder
conversar a sós com a irmã.
— Lucy — começou, quando Becky por fim se retirou. — Tenho certeza de que foi o
marquês de Rutherston quem vimos hoje em Hyde Park. Por que o sr. Ranstoke negou? Por que
Charles ficou tão constrangido? Por certo nada há de incomum em um cavalheiro passear de
carruagem com uma dama à tarde. Pode me explicar por que todos agiram como se Ranstoke
tivesse cometido um sacrilégio? Ou também não sabe, e está tão confusa quanto eu?
Lucy, que desejaria evitar esse assunto, enfrentou a situação, e respirou fundo.
— Lembra-se, Catherine, sobre o que mamãe nos disse na véspera de deixarmos Ardo
House, quando nos sentamos com ela em seu quarto de vestir?
Catherine tratou de voltar no tempo e recordar, mas tinha uma vaga lembrança dos
conselhos que a mãe lhes dera sobre os perigos que corriam as jovens que se esqueciam de
proceder como damas.
— Lembro, mas não sei aonde quer chegar, Lucy. O que isso tem a ver com Rutherston?
Lucy suspirou, contrafeita. Catherine era mais velha dois anos, muito segura e inteligente,
refletiu, mas em certos aspectos, muito ingênua.
— Querida — murmurou, não sabendo como diminuir o choque —, creio que a dama no
faetonte do marquês de Rutherston era o que mamãe chamaria de... mulher decaída.
Catherine pareceu digerir a informação por um longo tempo.
— Quer dizer que é... a amante do marquês? — perguntou por fim, com um fio de voz. —
Não pode ser! Era tão linda e elegante, tão... fina! Vi algumas mulheres espalhafatosas que
caminhavam pelo parque, e essas sim me chamaram atenção por sua vulgaridade, e logo percebi
o que eram, mas...
A voz de Catherine ia se elevando, atônita, a cada palavra, e esperou por uma negativa da
irmã, mas isso não aconteceu.
— Sua amante! — repetiu, como se sentisse nojo. — E Rutherston teve a desfaçatez de
sair com ela em público para todo mundo ver?
Lucy aproximou-se, e tomou-lhe as mãos nas suas.
— Querida, muitos nobres solteiros costumam se pavonear com suas amantes, que
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mantêm no luxo, e se apresentam com roupas e jóias tão caras quanto de qualquer dama séria. E
claro que isso só pode ser feito em lugares públicos, como parques e restaurantes, e jamais as
levam às casas das pessoas de bem.
Mas Catherine não queria ouvir essas explicações. Não lhe interessava o que os outros
nobres faziam, só o marquês, embora não atinasse muito bem por quê. E sua conduta que,
tolamente julgara normal, no momento a deixava furiosa.
— É um patife, pior que um cafajeste de rua, um debochado, um... demônio!
Não conseguia conter as lágrimas que insistiam em rolar por suas faces, e tratou de
enxugá-las com a palma da mão, em um gesto de raiva incontida. Lucy abraçou-a, começando a
ter uma idéia precisa de como Catherine se sentia a respeito do marquês, e tentou explicar com
meiguice, dentro de sua compreensão de jovem de dezoito anos.
— O mundo é assim, minha querida. Mamãe nos contou a respeito. Homens e mulheres
são muito diferentes em certos aspectos. O amor e carinho que um marido sente pela esposa
diferem da atração que tem por... outro tipo de mulher.
— Sou uma tola e simplória e você é uma menina muito maliciosa! — Catherine
exclamou, sua voz estava abafada pelas lágrimas, e logo se arrependendo da brusquidão com que
falara com a pobre Lucy. — Desculpe, querida, não quis voltar minha raiva contra você.
Acariciou os cabelos da irmã e sorriu de modo débil.
— Mas não posso aceitar o que nossa mãe disse e o mundo pensa. As mulheres foram
ensinadas a acreditar nessas baboseiras, e as coisas não são assim! — soluçou, desesperada. —
Oh, Lucy! Creio que jamais me casarei, pois anseio por dar e receber mais do que uma simples
afeição, e ter um casamento frio. Acho que tal tipo de relacionamento com um marido será
insuportável. Quero compartilhar tudo com o homem com quem me casar. Amor,
companheirismo, paixão...
A expressão no rosto da caçula demonstrava o alarme que sentia ante a explosão de
Catherine, e apressou-se a acalmá-la, adotando uma voz mais serena que não revelasse o seu
tumulto interior.
— Calma, Kate... não leve isso tão a sério...
— Pode ficar tranquila, Lucy, que não sairei espalhando minhas idéias, prometo. Afinal,
uma mulher casada sempre tem seu lar e seus filhos para alegrá-la, e tais alegrias talvez
compensem as desatenções e infidelidades do marido. Tenho certeza de que Mary se julga a
esposa mais feliz do mundo, e se conseguir ter a metade de sua alegria, dar-me-ei por muito
satisfeita.
Desprendeu-se dos braços carinhosos da irmã, e deu-lhe um beijo no rosto.
— Não se procure comigo, irmãzinha. Quem sabe encontrarei meu cavaleiro de armadura
brilhante no baile de amanhã. E se souber me comportar e morder a língua para não dizer tolices,
talvez ele me carregue em seu cavalo branco para vivermos felizes para todo o sempre.
Ambas foram se deitar, cada qual no seu quarto, mas Catherine custou a conciliar o sono,
tendo sempre a sua frente a imagem do marquês de Rutherston, lindo e másculo, em seu faetonte.
Quando por fim adormeceu, sonhou que era ela quem o acompanhava ao lado, em um passeio
por Hyde Park.
No sonho, sussurrava-lhe palavras ousadas ao ouvido, e Richard parecia se divertir muito
com isso. Quando acordou pela manhã, sentiu-se presa de um ridículo embaraço, como se de fato
tivesse agido mal.
Mas em vez de sorrir do sonho tolo, quase chorou outra vez.
Capítulo IX
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Na noite seguinte, Catherine preparava-se em seu quarto para o baile de lady Castlereagh,
com a ajuda da criada Becky, que a acompanhara de Ardo House. Becky era pau para toda obra,
acostumada na casa dos Harland a fazer um pouco de tudo. Podia muito bem executar as funções
de ajudante de cozinha, babá e, para sua alegria no momento, aia particular em uma mansão em
Londres.
Os Harland, como a maioria dos habitantes do campo com fortuna, empregavam a maior
parte dos salários com os serviçais nos estábulos. A sra. Harland de vez em quando podia
resmungar de que mais uma ou duas empregadas na casa seriam bem-vindas, porém jamais
pensaria em fazer o sr. Harland abrir mão de um criado nas estrebarias ou nos estábulos para
aliviar suas responsabilidades de dona de casa. Daí a necessidade de treinar as criadas
domésticas disponíveis em diversas atividades.
Becky era uma mulher robusta de trinta e três anos, que desde os catorze trabalhava para
os Harland. Quando Catherine e Lucy eram crianças, quase que a sra. Harland perdera seu
"tesouro", como chamava Becky, que ficara noiva de um rapaz que trabalhava como lacaio em
Branley.
Mas a tragédia surgira quando o rapaz, ambicioso por fazer fortuna e impaciente por
aventuras, ingressara na Marinha e acompanhara o almirante Nelson na campanha para
escorraçar os franceses da costa britânica. Jamais voltara, e por fim Becky recebera a notícia que
seu James havia perdido a vida em algum lugar distante, chamado Aboukir Bay. Desse dia em
diante, Becky dedicara sua vida à família dos patrões, e com polidez mas firmeza, afastara todos
os pretendentes que voltaram a surgir em seu caminho.
Às vezes Catherine se perguntara, já adulta, se fizera isso porque não conseguira esquecer
o amado James ou porque tinha medo de sofrer de novo.
Na tarde do baile em questão, Becky tivera muito trabalho para preparar um unguento para
amaciar a pele das meninas, de modo que fossem à festa da maneira mais radiante possível.
Tivera dificuldade em encontrar alguns ingredientes fora de estação, e teria preferido usar
morangos frescos como base do creme, mas acabou substituindo-os por aveia que trouxera de
Ardo House. Adicionou leite, mel e umas gotas de óleo de rosas, dando uma consistência grossa
à mistura.
A criada particular de lady Margaret, Agnes, observava a preparação com expressão
maravilhada, pois era evidente que julgava Becky, com seus conhecimentos de unguentos, muito
superior às criadas londrinas, e uma espécie de bruxa benfazeja.
Becky confiara a Agnes que a maioria de suas receitas tinham sido aprendidas com a avó
escocesa, e passavam de geração em geração. Até esse momento, além de cuidar das meninas
Harland, Becky fora relegada pela criadagem de lady Margaret a uma espécie de ostracismo,
pois os empregados da cidade grande julgavam-se mais importantes que uma serva do interior,
mas assim que souberam de seus conhecimentos a respeito de ervas e óleos, passara a ser muito
reverenciada, por trazer tanta beleza e frescor às damas, e até lady Margaret chamara-a a seus
aposentos para pedir conselhos sobre sua pele.
Mais tarde, naquele dia do baile, Catherine e Lucy haviam sido persuadidas a se entregar
aos cuidados de Becky, enquanto Agnes observava, interessada.
Os rostos das meninas Harland ficaram besuntados com o creme para amaciar a cútis, e
tomaram chá com especiarias para o hálito. Colocaram compressas sobre os olhos para dar-lhes
brilho e retirar qualquer sinal de olheiras, tomaram um banho com sais e óleos aromáticos, foram
esfregadas, massageadas e, por fim, receberam permissão para descansar um pouco.
No final da tarde tomaram um caldo de carne, e então Agnes assumiu o centro do palco, e
foi sua vez de ensinar a Becky sobre a arte de pentear uma dama de sociedade. Manejava os
ferros e os grampos com total maestria, até que os cabelos, submissos a sua arte, adquiriam um
brilho e uma maciez de seda.
Com pentes-minúsculos e muito finos, ajeitou pequenos cachos em torno do rosto de
Catherine e Lucy, de modo tão delicado que pareciam estar ali naturalmente.
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Como toque final, adornou suas cabeças com laços de seda e flores frescas, recebendo
calorosos elogios das meninas Harland e de Becky.
O motivo de tanto entusiasmo, nesse caso, era porque no campo as damas de linhagem não
se preocupavam muito com penteados elaborados, preferindo prender as madeixas em laços
frouxos, em coque simples na nuca ou, apenas soltá-las ao vento, em especial quando eram
jovens.
Catherine tinha um motivo particular para querer estar deslumbrante nesse baile, pois
Charles Norton lhe contara que o marquês de Rutherston compareceria. Apesar de fingir não
estar louca para revê-lo, desejava estar deslumbrante, e fazê-lo ver o quanto perdera com seus
insultos.
Entretanto, quando se analisava no espelho de corpo inteiro antes da carruagem levá-la
para St. James Square, onde ficava a mansão de lady Castlereagh, admitiu que seu desejo fora
em vão. O vestido novo de seda cor de marfim e pêssego, bem justo nos seios, e as fitas de seda
também cor de pêssego, a deixavam muito bonita e graciosa, talvez mais do que sempre fora,
mas todos os cuidados de Becky e Agnes não a podiam fazer brilhar com a sofisticação de uma
grande beleza, e era realista o suficiente para admitir isso.
Suspirou e ajeitou as fitas sob o busto, imaginando se a pele de seu colo era de fato bonita,
e sem querer lembrou-se da manhã em que o corpete do vestido fora desabotoado pelos dedos
hábeis do marquês.
Mas o que Catherine não percebia porque já estava muito acostumada e não dava
importância, era que as cores maravilhosas que se alternavam em seus cabelos, fazendo-os
brilhar em tons castanhos, avermelhados e dourados, eram sua marca registrada, e a tornavam de
linda jovem em uma verdadeira beleza.
Suspirando de novo, calçou as luvas brancas de cano longo, e pegou a minúscula bolsa de
festa, determinada a afastar Rutherston dos pensamentos... pelo menos por enquanto. Esse seria
seu primeiro baile de gala em Londres, e muitos jovens cavalheiros, cultos, inteligentes e
simpáticos, estariam dispostos a ficar ao lado da bonita e encantadora srta. Harland, pensou.
Quando adentraram o salão, meia hora mais tarde, ao som da orquestra, após
cumprimentar os anfitriões, lady Margaret acomodou-se entre um grupo de amigas e dispensou
as sobrinhas com um aceno delicado do leque de madrepérola, dizendo-lhe que procurassem seus
conhecidos e que se divertissem.
Com um último olhar de advertência, como se fosse uma artista dando o toque final em
sua obra de arte, murmurou de modo sério:
— Confio em vocês.
Diante disso, as duas irmãs olharam em torno. A música cessara, e Catherine precisou se
conter para não ficar de boca aberta diante do esplendor do salão. A decoração era toda feita de
flores e guirlandas brancas, que enfeitavam os umbrais das portas, mesas e cantos. Damas
encantadoras percorriam com andar compassado e elegante os salões e corredores, abanando-se
com os leques de marfim, ébano ou madrepérola, e fazendo ondular as saias dos mais variados
tecidos e cores, bordadas, rendadas ou com laços.
Porém eram os cavalheiros quem mais chamavam sua atenção.
Já esperara ver lindas mulheres ali, mas não a quantidade de janotas e almofadinhas que lá
se encontravam, e que circulavam como pavões emplumados, de grupo em grupo, usando mais
jóias que as senhoras que acompanhavam.
Percebeu que um desses cavalheiros, a quem estivera observando sem disfarçar, erguera a
taça que empunhava, endereçando-lhe um brinde mudo, e devolvera o olhar com audácia.
Catherine inclinou a cabeça retribuindo o cumprimento, mas de modo breve e sério, e
voltou o rosto para que não lhe visse o sorriso divertido nos lábios. Com o olhar brilhante de
animação, procurou pela irmã Lucy, que se distanciara um pouco para conversar com dois
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O baile prosseguiu, e Catherine dançou com vários outros cavalheiros, porém, por mais
que se esforçasse, só pensava no momento em que a ceia seria anunciada, e estaria de novo à
mercê de Richard Fotherville, o marquês de Rutherston. Com o canto do olho não o perdia de
vista, e observou que dançava sem parar com quase todas as damas presentes, sem jamais
relancear um olhar em sua direção.
O salão de baile parecia um jardim com as mais variadas cores, as jovens, em sua maioria
com vestidos em tons suaves e alegres, que iam do cor-de-rosa, amarelo-canário e verde-claro ao
azul-turquesa, volteavam pela enorme pista de dança, as saias rodadas causando um efeito
encantador, exibindo rendas delicadas e laços de seda que pareciam acompanhar seus
movimentos ao som de mazurcas e valsas.
Catherine admirava tudo com verdadeiro entusiasmo, sua alegria e disposição apenas
empanada pela constante lembrança do marquês de Rutherston. Tratou de afastar o pensamento
do sorriso irônico que a perseguia o tempo todo, e se concentrar no que os outros rapazes lhe
diziam, mas era impossível. Embora fossem todos gentis e educados, pareciam sem graça se
comparados ao imponente marquês de Rutherston.
Todos dançavam muito bem e tentavam atrair sua atenção também com conversas
divertidas, porém Catherine apenas sorria, um pouco esquiva e alheia aos galanteios, e recordava
como fora emocionante a valsa que dançara com Richard, apesar de não terem trocado nenhuma
palavra.
E então, viu-o se aproximar e parar a sua frente, resplandecente em sua casaca negra muito
elegante.
Estendeu-lhe o braço sem nada dizer e escoltou-a até o salão onde seria servida a ceia, sem
desviar os olhos cinzentos de seu rosto por um só segundo, o que a fazia corar contra a vontade.
Por sua vez, parecia ter voltado a ser uma menina do interior, pois não conseguia erguer a
cabeça e fitá-lo. Recordou-se de ter recusado seu braço em Ardo House, e estava constrangida.
Nesse momento sentia de novo o calor de seu corpo e a rigidez dos músculos de seu braço, além
do perfume masculino e amadeirado, que já conhecia muito bem. Mortificada, sentiu que
estremecia, e isso a deixou ainda mais irritada com o marquês e consigo mesma.
Como se lesse seus pensamentos, Richard murmurou-lhe ao ouvido em tom zombeteiro:
— Acha que iria me aproveitar de você em um salão de baile, minha cara Catherine?
— Sempre se aproveita de mim, em qualquer circunstância, milorde. Há pouco, usou
minha tia para conseguir me escoltar até a ceia. A pobrezinha deve ter pensado que estava me
fazendo um grande agrado, mas na verdade foi um instrumento em suas mãos, milorde, para me
forçar a acompanhá-lo sem poder reagir! — Respirou fundo, procurando conter a revolta que a
fazia corar e agradecer aos Céus pelo fato de fazer muito calor dentro dos salões. — Jamais
poderia ter recusado sua oferta, porque seria muito rude, diante de tia Margaret e das demais
senhoras ali presentes. — Fitou-o de modo brusco. — E nunca me pergunta o que desejo! Jamais
sou consultada.
Temendo chamar a atenção das pessoas ao redor, tratou de acompanhar as palavras com
um sorriso melífluo, para que pensassem que apenas conversava amenidades com seu nobre
acompanhante.
— E isso a incomoda, Catherine — replicou Richard. Continuava sorrindo, mas o tom de
troça abandonara os olhos cinzentos.
— Por que me importaria, milorde? — dardejou Catherine de maneira zombeteira. —
Afinal, estamos em sociedade e, para todos os efeitos, estou sendo acompanhada por um dos
cavalheiros mais distintos de Londres.
Logo percebeu que sua resposta não o agradara, talvez pelo tom sarcástico que imprimira
às palavras. Richard adotou um ar indiferente, e quando Catherine tentou consertar a situação,
falando de amenidades, não recebeu uma resposta animada.
Furiosa, pensou por que o marquês deveria se melindrar com o que dizia, quando tivera
que suportar suas ofensas muito mais graves. Durante o jantar, as maneiras e conversas de lorde
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Rutherston foram impecáveis, porém Catherine podia sentir que estava mais distante e,
aborrecida consigo mesma, percebeu que isso a desapontava.
Afinal, por quê deveria se preocupar com o que Rutherston pensava a seu respeito? Mas
mesmo enquanto se fazia essa pergunta, sabia a resposta. Porque nenhum homem se comparava
a ele.
Capítulo X
Nas semanas que se seguiram ao baile de lady Castlereagh, Charles Norton tornou-se um
visitante frequente na residência de lady Margaret Henderly. De vez em quando, vinha
acompanhado por seu primo, o marquês de Rutherston.
A tudo lady Margaret observava com discrição porém alerta, pois suspeitava que o sr.
Norton começava a se interessar por Catherine.
Entretanto, quando percebeu que as maneiras do rapaz com a mais velha das srtas. Harland
eram apenas amistosas, e que ficava mais sério e compenetrado ao lado de Lucy, às vezes
permanecendo imerso em longos silêncios, mudou de opinião.
A arguta senhora também percebeu que, em se tratando de lorde Rutherston, o nobre
sempre evitava olhar para Catherine quando se sentia observado. Então concluiu, e de modo
acertado, que o nobre mantinha-se cauteloso até se certificar dos sentimentos de Catherine a seu
respeito.
De sua parte, Catherine ficou aliviada ao sentir que as maneiras distantes de Richard não
duraram muito tempo. Sabia que a perdoara de qualquer ofensa que lhe tivesse feito, e de novo
viu-se alvo de suas ironias e brincadeiras, ponto forte de suas conversações que, por mais que
tentasse, não conseguia deixar de apreciar.
Descobriu que apenas com o marquês de Rutherston conseguia ser totalmente autêntica, e
não tinha pejo em mergulhar em discussões acirradas com ele que, por sua vez, tudo fazia para
provocá-la.
Entretanto o que Catherine mais adorava conversar com Richard dizia respeito à sua
paixão: o pensamento e a literatura da Grécia. Percebeu que encontrara um amigo com quem
podia compartilhar o que, desde a morte do bom sr. Fortescue, se transformara em um
passatempo solitário.
Tratou de esquecer a conduta de Richard em Branley Park, pois se insistisse em lembrar
do incidente, teria que pôr um fim no relacionamento, e sabia não desejar tal coisa.
Em nome da amizade que estavam desenvolvendo, estava disposta a esquecer o lado
aventureiro do marquês, e admitir que sua própria conduta o levara a certos extremos. Em
primeiro lugar, nunca deveria tê-lo deixado sem saber quem era, assim que a vira na casa do tio
falecido. E em especial, deveria ter tido mais bom senso, e não ir sozinha a Branley Park no dia
da caçada. Fora muito ingênua e cabeça-de-vento, refletiu, conhecendo o tipo de homem que era
o marquês de Rutherston.
Tendo resolvido o assunto consigo mesma de maneira satisfatória, parecia-lhe impossível
e irritante saber que bem no íntimo desejaria repetir a experiência e ver Richard tentar beijá-la e
abraçá-la outra vez.
— Pareço um poço de contradições! — murmurava para si mesma, muito frustrada.
Também se surpreendia por ter pensado que, em Londres, Richard Fotherville frequentava
círculos e amizades diferentes, já que o via sempre impecável e educado em todos os eventos
sociais aos quais comparecia com Lucy.
E percebera que a temporada social estava sendo maravilhosa, sem dúvida, mas que o
marquês era em grande parte responsável por isso, pois cada vez que entrava em um salão olhava
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em volta, procurando vê-lo, para que pudessem recomeçar suas batalhas verbais, rir juntos e
compartilhar pequenas brincadeiras, apenas os dois.
O mau humor do marquês de Rutherston era evidente para seu criado particular, Miles. E
se a testa franzida de seu patrão não era suficiente, havia também a pilha de roupas no chão, e
que não parava de crescer, como uma expressão muda de seu aborrecimento.
Miles armou-se de paciência e transformou seu rosto em uma máscara indecifrável,
enquanto ajudava o marquês a se vestir para a festa daquela noite Já tomara a iniciativa de alertar
George, o mordomo, para que tomasse cuidado e ficasse no seu canto, a fim de não incitar a
tempestade que estava prestes a desabar.
Por sua vez, George falara com o criado Simpson, que se preparava para levar o marquês e
o sr. Charles Norton ao baile de lady Ashwell, e quando Richard desceu as escadas para se
encontrar com o primo no vestíbulo de assoalho de mármore, nenhum dos criados da casa, do
mais graduado ao mais humilde, ousou aparecer, com exceção do mordomo, sempre composto e
impassível.
Lorde Rutherston não era conhecido por destratar um criado, e sempre dispensava seu
gentil bom humor para quem quer que fosse na casa. Antes de chegar à sua invejável posição,
George trabalhara muitos anos para os Fotherville, quando Richard era ainda criança, e por
muitas vezes o livrara das surras de seu pai, o quinto marquês de Rutherston, conhecido por seu
gênio irascível e mão de ferro.
Mas o primo Charles também o conhecia muito bem, e bastou lançar um rápido olhar ao
sorriso fixo e à testa franzida de Rutherston para perceber o motivo de seu mau humor. Ele
mesmo anunciara a Richard que o visconde Boxley pedira Catherine Harland em casamento, e
fora recusado. Apesar dessa proposta não dar em nada, a segurança do marquês estava abalada
pela notícia, mas, na opinião de Charles, tratava-se de um choque salutar. Richard precisava
parar de ser convencido, refletiu.
Acomodaram-se na ampla carruagem e após uma rápida troca de cumprimentos, Richard
mergulhou nos próprios pensamentos, imaginando como agir a respeito de Catherine.
Nas últimas semanas observara com tolerância o grupo cada vez maior de admiradores
que circulavam em torno da srta. Harland, mas isso não o incomodara, porque tinha certeza de
que o coração de Catherine lhe pertencia.
Tentara cortejá-la com delicada galanteria, no esforço de deixá-la à vontade e respeitar sua
pureza, evitando ser muito ousado. O pensamento o fez sorrir de leve. Fora um grande esforço de
sua parte, pois necessitara encantá-la e fazê-la corar de emoção sem levantar um dedo para tocá-
la. Mas conseguira realizar seus propósitos apesar de, no momento, perceber que não avançara
muito.
Decidira que Catherine Harland seria sua esposa e resolvera até fazer valer a importância
de sua família, se fosse o caso, para que uma recusa por parte de Catherine se tornasse algo fora
de questão. Seria sua noiva nem que fosse à força, refletiu. Sabia que só ele poderia fazê-la feliz,
e vice-versa.
O problema era que Catherine se recusava a levá-lo a sério, sempre rindo e brincando
quando tentava manter uma conversa mais profunda. Parecia que o encarava como um flerte ou,
pior ainda, um bom amigo, pensou o marquês de Rutherston.
Catherine sempre utilizava sua língua ferina para deter seus avanços e, em resumo,
mantinha-o a distância. Esse estado de coisas começava a fazer o marquês perder o pouco de
paciência que lhe restava.
Apesar de Charles respeitar seu silêncio e se manter calado durante todo o trajeto, os
pensamentos de Richard foram cortados ao passarem pelos portões de ferro, e percorrerem o
caminho de pedra que conduzia à mansão de lady Ashwell.
Assim que adentrou nos salões decorados com flores e cascatas artificiais, já resolvera que
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Catherine não iria mais mantê-lo a distancia. Era-lhe intolerável pensar que um tipo como o
visconde Boxley pudesse arrancar Catherine de seus braços e de sua vida.
Relanceando um olhar por todo o salão, logo a viu a um canto, conversando com outras
moças. Saudou-a com um leve sorriso e inclinação de cabeça, mas não se aproximou logo. Que
Catherine ficasse curiosa a seu respeito, e se impacientasse também, refletiu com despeito.
Assim ficaria mais interessada em ouvir o que tinha a lhe dizer, quando chegasse o momento.
Esperou com paciência pela hora do jantar, e então conduziu-a para um local mais
afastado, entretanto suas tentativas para manter uma conversação séria foram frustradas pela
quantidade de pessoas que se aproximavam e entabulavam conversa com os dois.
De modo automático, o marquês começou a adotar seus modos mais aristocráticos e
distantes, com a intenção de afastar os inoportunos. Então, mal começou a dizer à Catherine o
quanto a apreciava, Charles Norton fez menção de se aproximar. Com um gesto brusco, Richard
deu-lhes as costas.
Observando sua atitude, Catherine fixou o olhar no prato a sua frente, e garfou um pedaço
de torta de chocolate.
— Sempre age assim, milorde?
— Assim como?
— Do modo como procedeu instantes atrás. Excluir de sua companhia qualquer um com
quem não deseja conversar no momento? Até mesmo seu primo dileto?
— Posso lhe assegurar que esse não é meu hábito. Mas faz alguma objeção porque desejo
falar-lhe a sós por alguns minutos?
— Ora! Mas é, sim, um hábito seu, milorde! — exclamou Catherine, ignorando a
pergunta.
Pegou com cuidado uma uva e levou-a à boca.
— Quer, por gentileza, se explicar? — perguntou o marquês com impaciência.
Mas sem se importar com o tom de comando na voz de Richard, Catherine voltou a
examinar as uvas a sua frente, e selecionou outra com toda a atenção, como se fosse a tarefa mais
importante do mundo. Por fim, respondeu:
— Fez isso, uma vez no parque. Creio que me viu na companhia de Charles e Lucy,
passeando de carruagem. Aliás, tenho certeza de que me viu, mas deu as costas e me ignorou.
O silêncio que se seguiu foi tão longo que principiou a enervá-la. Para disfarçar, retornou
ao exame minucioso das frutas na bandeja à frente.
— Catherine — disse o marquês por fim. — Olhe para mim!
Obedecendo, ela enfrentou os olhos cinzentos e brilhantes de Richard.
— Lamento o que aconteceu naquele dia. Não queria que me visse... O que viu, Catherine,
foi um adeus à pessoa que estava comigo.
Esperou uma resposta, mas Catherine não sabia o que dizer.
— Não me deve nenhuma explicação, milorde — murmurou, afinal. — Sua vida
particular não me diz respeito.
— Diz, sim!
— Por quê? Não sou sua mãe nem irmã — replicou Catherine, lutando para impor um tom
belicoso à voz.
— Quer parar de me provocar e levar a sério o que digo pelo menos uma vez na vida? —
dardejou Rutherston. — Por certo não é assim tão ingênua nem passou toda a vida dentro dos
muros de um convento! Acabei de dizer que o que viu no parque aquele dia foi uma despedida.
Não entende o que isso significa?
Os olhos cor de âmbar de Catherine brilharam com malícia.
— Que, no fundo, é uma pessoa muito só, milorde? Desculpe, não deveria ter dito isso.
— Tem razão, não deveria, mas já que disse e que adora falar com toda a franqueza,
deixe-me assegurar-lhe que há muito dispensei minha amante.
— Milorde, gostaria que não me dissesse essas coisas...
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Catherine sentia-se constrangida com o rumo que a conversa tomara. Olhou em volta, com
um gesto nervoso, temendo que alguém tivesse ouvido o comentário indecoroso do marquês.
— Minha cara jovem, não irá querer agora adotar ares de pudica comigo — retrucou
Richard, começando a ficar de fato aborrecido. — Não quando sempre me permitiu falar-lhe
com franqueza. E, acredite, Catherine, isso faz parte do seu charme.
— Sim, concordo que a prudência nunca fez parte de minha personalidade — contrapôs
Catherine com ar consternado. — Talvez devesse ter-me esforçado para ser mais ajuizada.
— Pode ser, mas não gostaria que o fizesse comigo.
— Tem razão. Acho que é tarde para fingir ser o que não sou com o senhor, milorde. Já
me conhece muito bem — disse Catherine com simplicidade. — Isso me deixa muito vexada,
mas não posso negar. — Relanceou um olhar para o rosto de Richard e viu que sorria com ar
divertido, o que a fez franzir a testa e continuar: — Porém, quanto ao assunto de sua... amante,
lorde Rutherston, não desejo ouvir suas confidencias.
— Mas para que servem os amigos então, minha cara?
— Amigos?
— É claro!
Richard pôde sentir um tom de alarme na voz de Catherine.
— Milorde...
— De uma vez por todas, Catherine, quer parar de me chamar assim? É ridículo! Meu
nome é Richard!
— Sei disso.
— Então diga!
— Milorde, eu...
— Catherine — rosnou o marquês com voz tão baixa e ameaçadora, que a fez estremecer
e recuar na cadeira.
— Sim, Richard?
Os primeiros acordes da orquestra, que recomeçava o baile após o intervalo para a ceia,
chegaram até eles do outro salão, e isso pareceu deixar o marquês de Rutherston aliviado.
— Vou levá-la até sua tia agora, mas irei visitá-la em breve, em Mount Street. É
impossível manter uma conversa particular aqui.
Assim dizendo, reconduziu-a ao salão de baile e parou à entrada, erguendo-lhe a mão e
levando-a aos lábios.
— Esse parece ser outro de meus hábitos. Não consigo vê-la e ficar sem beijá-la. Espero
que não tente me corrigir sobre isso também — concluiu com um sorriso malicioso porém
encantador.
Catherine sentiu como se fosse abraçada por seu sorriso sensual. Então, Richard girou nos
calcanhares e sumiu em meio ao mar de convidados.
Catherine desejava encontrar um canto tranquilo para pôr os pensamentos em ordem, e
encaminhou-se para a sala onde as damas deixavam seus abrigos e capas. Ali encontrou uma
poltrona meio escondida por um biombo e sentou-se para pensar.
O que o marquês de Rutherston tentara lhe dizer ao comentar que sua vida particular lhe
dizia respeito também? O que significava a confidencia que lhe fizera sobre o fim da ligação
com a amante? Por que pensaria que ela desejava mudar seus hábitos? E, em especial, por que
dissera que em breve lhe faria uma visita?
Em meio a seus pensamentos confusos, ouviu um murmúrio de vozes, e algo lhe chamou a
atenção, fazendo-a aguçar os ouvidos.
— ...o mais recente flerte de Rutherston...
— ...ouvi dizer que a marquesa gostaria de ver o filho casado, como toda mãe. Sabe como
é, por causa do título dos Fotherville... Perpetuar o nome da família...
— ...e soube de um boato que a bela Marguerite tem distribuído seus encantos por aí.
Escondida atrás do biombo, Catherine ouviu a gargalhada vulgar. Quem seria Marguerite?,
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Os dias que se seguiram foram repletos de atividades para Catherine Harland, sempre
temerosa de que o marquês de Rutherston viesse visitá-la como prometera e lhe fizesse uma
proposta... honesta ou não. Disposta a evitá-lo a todo custo, saía de casa em Mount Street bem
cedo todas as manhãs, logo após o desjejum, dizendo à tia que sentia falta dos exercícios que
fazia no campo.
Como Becky sempre a acompanhava, lady Margaret não via motivo para negar esses
passeios à sobrinha.
Então Catherine passava as manhãs e as tardes passeando por Green Park, fazendo
compras nas lojas de Bond Street ou na Biblioteca Pública e evitando todos os lugares onde
houvesse a menor possibilidade de encontrar Rutherston.
Porém nada disso a libertava da agonia de imaginar que poderia, virando uma esquina,
deparar-se frente a frente com Richard, pois era impossível que em uma cidade como Londres
não se acabasse esbarrando com conhecidos.
Por fim, viu seus esforços recompensados quando, ao chegar em casa em duas ocasiões,
deparou com o cartão do marquês sobre a bandeja de prata no vestíbulo, sinal de que estivera ali.
Todas as residências elegantes possuíam um aparador no vestíbulo, onde os visitantes que não
encontrassem os donos da casa ou outra pessoa deixavam seu cartão de visitas.
Isso aconteceu por duas vezes seguidas, e Catherine sabia que não poderia evitá-lo para
sempre.
Chegou em casa no final da tarde, certo dia, evitando passar pelas salas onde as visitas
eram recebidas, e subiu para o segundo andar, onde ficava a saleta particular. Ali encontrou
Lucy, bordando. Sorriu ao lembrar que se esquecera de propósito de trazer o trabalho de agulha
que estava fazendo em Ardo House. A caçula ergueu o rosto e saudou-a com alegria, deixando
Catherine surpresa. Jamais vira a irmã com expressão tão radiante.
— Catherine, Charles... quero dizer, o sr. Norton, acabou de sair, e jamais adivinhará
quem estava com ele!
— Lorde Rutherston.
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Capítulo XI
Catherine sentia-se agoniada pela indecisão. A atenção de Rutherston com seu irmão Tom,
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o convite que o conde e a condessa de Levin haviam estendido para sua família, a corte que o
marquês lhe fazia sob o olhar interessado da elite, convenceram-na que iria lhe fazer uma
proposta de casamento, mas não conseguia decidir se aceitaria ou não.
A idéia de compartilhar Richard Fotherville com outras mulheres deixava-a com um
ciúme louco. Ao mesmo tempo, pensar em recusá-lo a deixava desesperada. Fosse qual fosse sua
decisão, refletiu, amargurada, seria infeliz.
Entretanto as confidencias de sua irmã Lucy a tinham feito ver a situação com mais
objetividade, e Catherine começara a acreditar que ruim com ele, pior sem ele, como se dizia.
Melhor aceitar o que o marquês de Rutherston poderia lhe oferecer do que nada ter. Porque já
tinha certeza, no fundo de seu coração, que o amava.
Entretanto, aborrecia-se ao pensar que os homens podiam ter uma dupla conduta, aceita
pela sociedade, e as mulheres não. Nada mudara ao longo de milênios, refletiu, desde que
Eurípides escrevera sua peça.
Por outro lado, sentia muita pena de Lucy. Sabia que com seu caráter dócil, a menina
jamais se oporia às decisões da família, e não podia compreender tamanha submissão. Mas se
Charles tivesse uma personalidade forte, poderia persuadi-la a ser sua esposa, apesar das
oposições familiares de ambas as partes. Lucy dissera a Catherine que Norton não falara sobre
seus sentimentos e, quem sabe, o amor era só do lado de sua pobre irmã, porém Catherine sentia
que Charles também estava interessado.
Resolveu observar os dois com atenção na festa da condessa Levin, a fim de chegar a uma
conclusão.
Foi a festa mais agradável de todas a que Catherine já comparecera. Nada de centenas de
pessoas se acotovelando como costumava acontecer nos grandes eventos da temporada londrina,
e estavam presentes apenas cerca de trinta convidados o que, para os moldes sociais da época,
era quase um encontro íntimo. Quase todos os convidados eram amigos, e não apenas
conhecidos, e as irmãs Harland sentiram-se bem-vindas e alvo da simpatia de todos, como se sua
experiência rural fosse acrescentar colorido à festa.
O conde e a condessa formavam um jovem casal que as Harland haviam conhecido no
baile de lady Castlereagh. A tia de Catherine, lady Margaret, havia sido incluída no convite, mas
desculpara-se e não fora. Em particular, disse às sobrinhas que as festas da condessa não eram do
seu estilo.
De fato, a condessa Arabella era uma anfitriã encantadora, e desde o instante em que
Catherine chegara, dera a entender que a considerava especial. Catherine teve a impressão de que
a dama desejava tornar-se sua amiga, e percebeu que isso fora a pedido de Rutherston.
Entretanto simpatizava muito com a jovem condessa, apenas alguns anos mais velha, e
pensou que, caso se casasse com Richard, tornar-se-ia íntima de Arabella.
Tom Harland chegou à festa ao lado do marquês de Rutherston, e Catherine achou o irmão
mais bonito do que nunca, parecendo muito à vontade nas roupas elegantes que, sem dúvida,
acabara de comprar. Aproximou-se e tomou as mãos da irmã, beijando-as em um gesto de
galanteria que Catherine nunca o vira fazer antes. Mas, no último instante, Tom pareceu mudar
de idéia, e deu-lhe um beijo estalado no rosto, como era seu hábito.
Em seguida Rutherston acercou-se e, inclinando a cabeça, disse com suavidade:
— Srta. Harland! Como invejo as liberdades permitidas a um irmão perante a irmã.
Sorriu de modo malicioso, e Catherine franziu a testa, voltando-se para Tom. Quando
recebeu um relatório completo sobre a saúde de todos em Ardo House, e foi informada que lady
Mary continuava sua gestação com tranquilidade, perguntou se o irmão estava se divertindo em
Londres.
— Tive mais diversão e aventuras com Rutherston e Norton em dois dias que em todas as
ocasiões que estive na cidade.
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— Oh, Catherine! Você é extraordinária! Só existe uma pessoa que desejo levar para o
mau caminho, mas meus esforços são sempre frustrados.
Catherine entendeu a indireta.
— Talvez seja hora de desistir, milorde.
— Acha mesmo? Espero que não. Sempre amei os prazeres da caça.
— Estávamos falando de Tom!
— Sem dúvida. A senhorita queria saber como seu irmão está passando o tempo. Deixe-
me assegurá-la que as portas que abri são inofensivas. Temos ido aos meus clubes, ao boxe, e à
galeria de tiro ao alvo. Quer que continue? Garanto que vai ficar entediada.
— Obrigada. Não pretendo que me forneça um relatório completo sobre cada passo de
meu irmão — replicou com dignidade.
— E nem poderia, mesmo que quisesse, Catherine. Não fico com Tom o dia inteiro, mas
tento manter uma certa vigilância. — Sorriu de leve. — Agora, se deseja que lhe forneça um
relatório sobre as minhas atividades, ficarei honrado em satisfazê-la.
Catherine evitou olhar para o rosto do marquês que ostentava uma expressão zombeteira e
irônica.
— Não, milorde, isso não será necessário. Sou uma irmã que se preocupa com o irmão, só
isso.
— Catherine, estou magoado. Será que ainda não percebeu que quero ser mais do que um
amigo para você?
Ela ia responder que não pensara nele ao fazer o último comentário, quando lorde Levin
aproximou-se. Catherine recebeu o anfitrião com alegria, aliviada por Rutherston ter-lhe
garantido que tomava conta de Tom, apesar de ter flertado com ela de maneira despudorada. Mas
quando o marquês desejava ser um cavalheiro, ninguém o superava.
Quando ia embora com Lucy, Richard abandonou o grupo onde se encontrava, e foi ao seu
encontro, oferecendo-se para levá-las até a carruagem. Lucy aceitou depressa, antes que
Catherine pudesse responder, e então o marquês tomou-lhe a mão, segurando firme.
— Catherine, não faço a menor idéia de como as moças de sociedade passam seu tempo
em Londres, mas não posso continuar indo à casa de sua tia para sempre, e ouvir que você não
está. Ficaria feliz se esperasse por mim na sexta-feira à tarde. Amanhã, quinta-feira, já estou
comprometido com seu irmão Tom.
— Não posso, milorde. Creio que tenho um compromisso também.
— De que tipo?
— Devo devolver alguns livros à biblioteca.
Richard ficou abismado com a resposta esfarrapada, mas logo notou que Catherine sorria
com malícia.
— Vai me esperar como pedi, senhorita!
— Está bem, milorde.
— O nome é Richard!
— Sim, milorde Richard.
— Bruxinha!
Assim dizendo, Rutherston fechou a porta da carruagem e tomou-lhe a mão pela janela.
— Até sexta-feira, querida srta. Harland.
Quando a carruagem partiu, Catherine segurou a mão de Lucy com firmeza, e, em tom de
brincadeira, imitou seu jeito choroso de falar.
— O sr. Norton nunca me falou sobre seus sentimentos! — Riu com alegria. — Mas foi
seu olhar hipnotizado, cheio de devoção, sempre que é dirigido a você, que me fez saber o que
sua boca não diz.
— Catherine! Fique quieta! O cocheiro pode ouvir!
— Querida Lucy — murmurou-lhe ao ouvido —, Charles está louco por você.
— Tanto quanto lorde Rutherston por você?
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Tom Harland fechou a porta da biblioteca de modo discreto, e rumou para a escada que o
levaria para a cama de colchão macio. As festas em Londres costumavam se prolongar até o
amanhecer e, acostumado aos padrões do campo, estava com muito sono. Deixara os dois
primos, Charles e Richard, tomando o segundo conhaque da noite.
Sentia-se um tanto inquieto porque, pela primeira vez, notara uma certa tensão entre os
dois, mas como estivesse com as idéias um tanto embaralhadas por causa do vinho e conhaque
que consumira bastante, acabou concluindo que imaginava coisas.
Charles Norton acomodou-se melhor na poltrona, cruzando as pernas de modo displicente,
e assumiu uma pose de indiferença. Girou o copo com conhaque entre os dedos longos, e tomou
um gole.
Rutherston o observava com olhos semicerrados.
— Então — disse, afinal —, de quem é a vez de ser desmascarado, primo?
— Não entendi — replicou Charles com expressão vazia, mas no íntimo bem alerta.
— Quero dizer que o desmascarei, Charles — replicou Richard com um tom de voz
severo.
Norton sorriu. Seria tolice tentar fingir que não sabia do que o primo estava falando.
— Bem, e daí? — redarguiu por fim, tentando manter seu ar de pouco-caso.
Mas o marquês não sorriu de volta.
— Não vai dar certo, Charles.
— A que se refere? — murmurou Norton em um tom de perigosa calma.
— Pare de se fazer de desentendido. Refiro-me a srta. Lucy Harland. Não está sendo justo
com a moça. Ou propõe casamento, ou se afasta dela. Sabe disso tanto quanto eu.
— Está bancando o casamenteiro, Richard? Não sabia que era seu estilo!
Tratava-se de uma simples brincadeira, mas o tom de Charles deixava entrever uma certa
agressividade.
— De fato não é — replicou Richard, oferecendo a garrafa de conhaque para o primo, que
recusou com um aceno. Então o marquês voltou a encher seu próprio copo. — Entretanto tenho
um interesse todo especial em tudo que diz respeito à família Harland.
— Oh! Sem dúvida que tem! Eu e toda a sociedade londrina sabemos disso. Mas não
pense que lhe dou o direito de interferir em meus assuntos particulares Não é meu tutor nem
guardião, e tratarei dos meus interesses sem sua interferência.
Nunca antes Norton falara com o primo de modo tão mal-humorado, e Rutherston parou a
meio caminho, com a garrafa de conhaque suspensa na mão.
— Vou interferir, sim! Seus interesses? E o que me diz dos interesses da srta. Lucy
Harland? Já parou para pensar nisso? Pouco me importo se fizer papel de tolo, meu primo, mas
não permitirei que zombe da irmã de Catherine.
Os dois homens permaneceram sentados frente a frente, ao lado da lareira, os rostos
carrancudos. Rutherston foi o primeiro a quebrar o silêncio.
— Charles! — exclamou em tom mais amigável. — Longe de mim criticá-lo, se pretende
oferecer casamento a Lucy. Só desejo que assuma um caminho definitivo, e pare de andar em
círculos. Deve se lembrar que também já me deu conselhos, meses atrás.
Percebendo que era verdade, Charles baixou a guarda, e a tensão pareceu diminuir entre os
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dos. De repente os primos se pegaram rindo, e Norton acabou estendendo o copo para que
Richard voltasse a enchê-lo. Como por mágica, o afeto e a amizade haviam dissipado o clima
pesado de instantes atrás.
— Primo Richard — disse, por fim — estou entre a cruz e a espada. O que posso oferecer
a Lucy? Mil libras por ano não nos levarão muito longe, e significariam uma vida de elegância
falida. Lucy merece mais que isso. Se a forçar a um casamento comigo, estarei privando-a de
melhores oportunidades na vida. Lucy é quase uma menina!
— Talvez se falar com seu pai ele lhe dê uma mesada maior?
Norton balançou a cabeça em negativa furiosa.
— Não daria certo. Meu pai já foi bem claro a esse respeito, desde que parei de usar calça
curta. Tudo é para Jack, meu irmão mais velho, com exceção do dinheiro que minha mãe me
deixou. Não sabe a sorte que tem, Richard, por não ser o caçula da família!
— Sim, começo a perceber como é complicada e injusta a sua situação, devido às leis do
país. Mas sabendo de tudo isso, por que se deixou levar pelo coração e se meteu nesse problema
com Lucy?
— Só percebi quando era tarde demais. Sem dúvida que você pode me compreender.
Richard sabia que o primo tinha razão, mas sua história com Catherine era diferente.
— Ainda não cheguei à uma conclusão comigo mesmo, Richard, mas quero ser honesto
com Lucy. Ela é tão inexperiente...
Suspirou, entregando-se aos próprios pensamentos. Richard esperou com paciência, até
que Charles voltou a falar.
— Tudo que me disse não é novidade, pois nas últimas semanas ando pensando muito a
respeito. Se Lucy de fato souber o que quer, e me aceitar como marido, procurarei um trabalho
que nos permita ter uma vida decente. — Sorriu com tristeza. — A carreira religiosa não me
atrai, a política me aborrece, então acho que só me resta ser militar.
Mas essa idéia não trazia alegria nem alívio para a mente intranquila de Charles. Os dois
continuaram calados, bebericando o conhaque com expressão pensativa e companheirismo. A
perspectiva de abraçar uma carreira por motivos financeiros repugnava os dois. Charles voltou a
suspirar.
— Entretanto preciso me decidir porque sei que não posso continuar conduzindo essa
história desse modo.
Assim dizendo, apoiou o copo sobre uma mesinha, e levantou-se.
— Obrigada por sua preocupação, Richard. Sei que me apoiará a respeito do que decidir.
Sabe que farei tudo para não magoar Lucy, certo?
Rutherston aquiesceu com um gesto de cabeça.
— Claro que sim, Charles.
— Então, boa noite.
Mas quando Norton chegou à porta, o marquês o chamou.
— Charles! Não fará nada apressado? Vai conversar comigo antes?
— Apressado? — repetiu o primo, parando com a mão na maçaneta.
— Quero dizer, se decidir ser militar, irá me informar antes de tomar as providências, e
não depois. Concorda?
— Oh! É claro. Mas não vejo que diferença isso fará.
— Não. Bem, não importa. Só trate de me manter informado.
Com expressão perplexa, Norton deixou a sala, e Richard ainda permaneceu muito tempo
sentado na poltrona, fitando as labaredas na lareira com olhar distante e preocupado.
Muito tempo depois, o marquês de Rutherston avivou o fogo que morria na lareira, e
voltou a se sentar na poltrona, com expressão séria. Desistiu de tomar mais conhaque, pois
precisava manter o corpo e o espírito alertas para, na manhã seguinte, levar Tom, o irmão de
Catherine, para escolher e comprar cavalos. O rapaz viera a Londres com esse propósito, e
deveria retornar com sua missão cumprida.
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CHE 216 Irresistível encanto (Bluestocking Bride) Elizabeth Thornton 59
Ocorreu a Richard que Charles não pensara em recorrer a Tom para aliviar seu problema
financeiro. Afinal, se propusesse casamento a Lucy, Tom seria seu futuro cunhado, e de qualquer
modo ficaria ao corrente da sua situação de filho caçula.
Entretanto eram todos muito jovens, raciocinou o marquês com um sorriso indulgente.
Quase crianças. Lucy tinha dezoito anos, dezenove no máximo, e Norton vinte e três. Richard
não tinha a menor intenção de fazer força contra o casamento do primo e da jovem srta. Harland,
mas não via motivo para que duas crianças não pudessem esperar um ano ou dois, a fim de se
certificarem sobre os próprios sentimentos e terem certeza de que não se tratava apenas de uma
paixão passageira, em especial tratando-se de um casamento que nada tinha a seu favor, a não ser
a afeição mútua.
Preocupado com o bem do primo e de Lucy, Richard não percebia que estava agindo
segundo o provérbio que diz "faça o que digo, não faça o que faço". Afinal, não suportava mais
ficar afastado de Catherine, e cometeria qualquer desatino para tê-la como sua mulher. Porém
nesse momento não pensava a seu respeito, e o carinho que sentia pelo primo o absorvia, de
modo que desejava ajudá-lo da melhor maneira possível.
Seus pensamentos voltaram-se para Lucy. Não conseguia compreender o que a caçula dos
Harland tinha para ter atraído tanto Charles. Sim, era bela como Catherine, sem dúvida. Aliás, as
duas irmãs se pareciam, ambas com o tipo de beleza natural e rosada das mulheres retratadas nos
quadros representando a vida do campo.
Entretanto a caçula não tinha a natureza vibrante de Catherine, e Richard imaginava que
seus modos recatados e tranquilos revelavam sua natureza passiva e submissa.
De Lucy, seus pensamentos voltaram-se, é claro, para Catherine, e o marquês começou a
se impacientar por ter prometido um dia inteiro dedicado a Tom, quando fervia de ansiedade
para resolver sua situação com a amada, e pôr um fim nos comentários e mexericos da alta
sociedade.
De fato, como dissera Charles pouco antes, seu flerte com Catherine Harland era do
conhecimento de todos, e motivo para especulações e conversas sem fim entre damas e
cavalheiros.
— Não vejo a hora que chegue sexta-feira — murmurou Richard para si mesmo, passando
a mão no queixo, em um gesto de irritação e impaciência.
Tratou de se levantar da poltrona, recolocou o copo sobre a mesinha, e encaminhou-se
para as escadas e o conforto de seu quarto, onde o leito macio aguardava. Mas bem sabia que
apesar da paz e silêncio da noite, e dos travesseiros fofos, não conseguiria conciliar o sono com
facilidade.
Capítulo XII
Charles Norton chegou à casa de Mount Street logo após a hora do almoço, e carregou
Lucy consigo, pretextando levá-la para um passeio em Richmond Park. Como lady Margaret
tinha um compromisso urgente e Becky estava ausente, fazendo compras, após uma breve
relutância a dama permitiu que Lucy saísse sem acompanhante, porque confiava no sr. Norton.
Seria a primeira vez que ficariam mais distantes de casa, porém Charles precisava de
tempo para escolher bem as palavras que pretendia dizer à mulher que amava. Escolhera o
faetonte, uma carruagem mais leve, porque tinha dúvidas se poderia dedicar toda a atenção a
Lucy, caso tivesse de dominar os imprevisíveis cavalos do veículo mais pesado que Rutherston
possuía.
Seu primo, sempre generoso e bem-humorado, nunca se importava que Charles escolhesse
o transporte que melhor lhe servisse no momento, e ficava com o que sobrasse. O faetonte não
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tinha lugar para um lacaio, portanto como Norton iria dirigi-lo, tinha certeza de que poderia
conversar com Lucy à vontade.
Partiram a um trote veloz, e bastaram alguns minutos para Lucy perceber que, nesse dia,
seu querido Charles estava muito mais sério que o habitual. Jamais o vira assim, com a testa
franzida, e tratou de se manter calada, esperando que Norton falasse. Todavia por mais que se
esforçasse para permanecer tranquila, seu coração estava pesado.
Quase não trocaram palavra, até chegarem ao seu destino. Ali, Charles afrouxou as rédeas
e permitiu um descanso aos cavalos castanhos.
— Lucy, venho pensando faz muito tempo como abordar esse assunto.
Caso tivesse imprimido um tom diferente a essas palavras, Lucy teria sentido o coração
vibrar de alegria, porém tudo foi dito com gravidade e uma certa tristeza, de modo que uma
terrível e sinistra premonição instalou-se em sua mente.
— Sim, Charles? Percebo que tem algo muito sério e importante para me dizer. Não me
mantenha nesse estado de ansiedade, por favor. Diga-me do que se trata.
— Lucy, quantos anos você tem? — perguntou Charles de improviso.
A jovem arregalou os olhos, confusa.
— Ora! E o que isso tem a ver com nossa conversa?
— Tem tudo a ver. É quase uma criança, e procedi mal monopolizando por tanto tempo
suas atenções e despertando sua afeição.
— Monopolizando? Que palavra horrorosa! E o que o leva a pensar que gosto tanto de
ficar em sua companhia, senhor?
Faíscas pareciam sair dos olhos de Lucy e, pela primeira vez, Norton percebeu que o
ratinho do campo tinha espírito e uma vibrante chama interior. Sua indignação era tão evidente,
que o fez sorrir. Isso não abrandou a irritação da srta. Harland, que julgava pouco delicado e
cavalheiresco Charles mencionar o afeto que ela sentia, antes mesmo de se declarar.
— Sei que gosta de mim, tolinha, porque sou bem mais velho e conheço os sinais.
Lucy redarguiu com a voz embargada pela ira, enquanto lembrava que Charles ainda não
falara dos próprios sentimentos:
— Que sinais?
Então Norton relembrou o arfar dos lindos seios quando dançavam, as faces enrubescidas
e os olhares baixos quando se encontravam a sós, os olhos inquietos de Lucy que o seguiam por
todos os cantos, e uma série de outros indícios que lhe asseguravam o interesse do jovem a seu
respeito.
— Não tem importância — respondeu por fim, começando a se sentir contrafeito. — Sei e
basta!
A conversa não estava acontecendo como imaginara, refletiu, já que Lucy respondia
sempre com outra pergunta, de modo imprevisível. Charles resolveu ser franco e objetivo e
evitar rodeios.
— Lucy, não posso me casar com você, pelo menos não no momento. Preciso lhe dar
tempo para que amadureça mais. Quando tiver ponderado sobre o assunto, talvez decida que não
me quer como esposo.
O espanto de Lucy parecia não ter fim.
— Por acaso pedi que se casasse comigo?
Assim dizendo, piscou os olhos e engoliu as lágrimas para evitar que caíssem aos
borbotões. Por seu lado, Charles começava a perceber que fora um erro programar aquele
passeio e no faetonte que não comportava um lacaio; assim estava sendo obrigado a manter as
mãos nas rédeas e olhar para frente, quando desejava fitar Lucy e abraçá-la.
— Querida, quer me ouvir, por favor? Não disse que não iremos nos casar... só que é
preciso esperar. Necessito ter certeza de que será o que deseja de verdade, Lucy. Deve saber que
não sou um homem rico, e precisa ter a oportunidade de procurar uma chance melhor.
— Por que está me dizendo tudo isso? — replicou a jovem com um fio de voz. Assou o
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nariz no lenço de renda, envergonhada pelas lágrimas traiçoeiras que, por fim, haviam escapado
de seus olhos. — Não era preciso me trazer até aqui apenas para me humilhar. Qual o objetivo
desta conversa? Poderia nunca mais ter aparecido na minha frente sem dizer nada, e meu amor-
próprio seria poupado.
— Sumir sem uma palavra? — Charles estava chocado. — Quando fiz de você meu par
constante nos últimos tempos sem pensar nas consequências? Jamais! Além disso, Lucy, desejo
que cheguemos a um acordo. Esperarei por você, porém não precisa se sentir comprometida
comigo. — Baixou a voz, e obrigou-se a prosseguir. — Se surgir alguém em seu caminho que
lhe ofereça um futuro melhor, será livre para aceitar ou rejeitar, sem se preocupar comigo.
— Mas nada disso faz sentido, Charles! Está ou não me fazendo uma proposta?
O sr. Norton começava a pensar como sua amada podia ser tão obtusa. A seu ver, falava
de maneira muito clara.
— Estou e não estou — respondeu com ambiguidade. — O que quero dizer é que lhe farei
uma proposta mais tarde, quando julgar que esteja pronta para recebê-la.
Lucy sentiu vontade de rir, apesar da amargura que lhe dominava o peito.
— E quando será isso, por favor? Dentro de um ano... Dois... Dez anos?
O sr. Norton não pensara a longo prazo, nem colocara um limite para sua amada
amadurecer, porém nunca lhe passara pela cabeça esperar um ano.
— Não importa quanto tempo — respondeu com voz levemente contrariada. — Saberei
quando chegar a hora.
— E o que espera que surja no meio tempo, Charles? Que uma grande mudança aconteça
comigo?
— Ficará mais velha — replicou Norton com objetividade.
— Oh! Sem dúvida que sim! E espera que com a idade me torne mais sábia?
Charles começou a pensar que o amor de sua vida estava zombando de seu discurso.
— Lucy, sabe muito bem o que quero dizer!
— E você, Charles, sabia que minha irmã Mary casou-se aos dezoito anos, e que em breve
terá seu terceiro filho, aos vinte e dois? Mary sabia muito bem o que queria naquela idade como
agora.
Percebendo que se metera em um terreno perigoso, Norton adotou seu tom de voz mais
autoritário possível, e deu a palavra final.
— Não tenho mais nada a dizer. É assim que será.
— Quer dizer que não o verei de novo? — murmurou Lucy com a voz entrecortada pelas
lágrimas.
— Não virei vê-la com a mesma frequência, mas como Tom é meu amigo, e com sua irmã
Catherine prestes a se casar com meu primo, estamos destinados a nos encontrar por aí diversas
vezes.
Lucy arregalou os olhos.
— Quando Catherine se casar com seu primo? — repetiu em tom sarcástico. — Por favor,
conte-me a respeito! Isso é uma grande novidade!
Charles engoliu em seco, antes de responder.
— Bem, creio que é óbvio que Richard pretende se declarar.
— Disso tenha certeza — replicou Lucy com voz fria. — Resta saber se Catherine
aceitará.
— Recusar o marquês de Rutherston?! — exclamou, Charles, por um instante desviando o
olhar dos cavalos e fitando Lucy com expressão estupefata. — Por que Catherine faria isso se
Richard é o melhor partido da alta sociedade há vários anos?
— Se de fato o marquês de Rutherston é o mais visado no mercado de casamentos, por
que nenhuma moça o conquistou até hoje? — dardejou Lucy com ironia.
— Ora! Meu primo sempre se desviou dos compromissos. Mas já está com trinta anos, e
prometeu à mãe que se casaria nessa idade. — Tarde demais Charles percebeu que falara o que
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não devia, e lançou um novo olhar apreensivo para Lucy. — Esqueça o que acabei de dizer,
querida. Richard jamais me perdoará por espalhar suas confidencias. Ninguém nunca poderá
saber o que acabei de lhe revelar, entendeu?
Mas Lucy estava abismada.
— Charles, está me dizendo que Rutherston irá propor casamento à Catherine porque fez
uma promessa à mãe de se casar aos trinta anos? Se Catherine souber disso, jamais o perdoará
nem casará com o marquês, mesmo que fosse o último homem na face da terra!
— Ora! Não seja dramática! Não é nada disso! — retrucou Charles, zangado consigo
mesmo por ter batido com a língua nos dentes de maneira tão leviana. — Richard coloca
Catherine em um pedestal. Foi apenas uma coincidência, e poderá unir o útil ao agradável. —
Lançou um olhar enviesado para Lucy. — É evidente que não irá propor casamento a sua irmã
apenas por causa da estúpida promessa feita à mãe!
Porém a expressão no rosto de Lucy denotava suspeita, o que o fez justificar as ações do
primo da melhor maneira possível.
— Acha mesmo que se Richard fosse escolher esposa de maneira fria e racional, sem
pensar em atração e simpatia, Catherine seria sua primeira escolha?
Em pensamento Charles refletiu que não seria nem a segunda nem terceira escolha, já que
não era nobre nem possuía um grande dote, mas tratou de ficar calado dessa vez, e ser prudente
diante de Lucy.
— Creio que tem razão, Charles — replicou Lucy com um suspiro, após refletir alguns
segundos sobre a explicação. — Mas Catherine nunca deverá saber sobre a tal promessa. Isso a
deixaria mortificada, e...
— Nunca saberá por mim, e tenho certeza de que também não dirá nada, querida Lucy.
Portanto, não vamos mais pensar nisso. Podemos agora voltar ao nosso assunto? Quero fechar
um acordo antes de levá-la de volta à casa de sua tia.
— Oh, Charles — murmurou Lucy com meiguice. — Entendo muito bem, mas é você
quem não me entende.
Charles lançou-lhe um olhar furtivo, porém Lucy voltara a ser a jovem composta, doce e
serena que amava, a srta. Harland submissa de sempre, e achou que isso era o suficiente.
Entretanto, uma desagradável sensação de mal-estar continuou a dominá-lo.
No final da tarde, Catherine foi chamada para a sala de visitas do térreo, a fim de ser
apresentada a três damas que estavam fazendo uma visita à tia Margaret. Lucy não estava para
conversarem, e Catherine resolvera escrever algumas cartas.
— Lady Margaret disse que deve descer imediatamente, srta. Catherine, e não ficar
escrevendo! — Becky falou em tom urgente, levando muito a sério a mensagem.
Catherine tratou de deixar de lado sua tarefa e obedecer sem demora.
Foi recebida na entrada da sala pela tia, que sorria de satisfação, e que a tomou pela mão,
conduzindo-a até uma senhora que a recebeu com um sorriso amigável.
— Posso apresentar-lhe minha sobrinha, a srta. Catherine Harland? Catherine, esta é lady
Rutherston.
Após o susto no primeiro instante, Catherine tratou de se recompor, e saudou com
cortesia.
— Milady...
— Srta. Harland... — murmurou a marquesa com uma leve inclinação de cabeça.
Os pensamentos de Catherine eram um verdadeiro caos, mas logo refletiu que o
intolerável marquês de Rutherston enviara a mãe para avaliá-la, antes de fazer uma proposta
formal de casamento. Essa idéia a fez erguer o queixo em desafio.
— Minha filha, Jane, duquesa de Beaumain — disse a marquesa, indicando a dama a sua
esquerda.
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— Catherine é muito polêmica, tia Olívia, uma esgrimista com as palavras. Sei muito bem
que ninguém a desafia para um duelo verbal e sai vencedor.
As palavras de Arabella foram ditas com carinho e bom humor, e o olhar que dirigiu a
Catherine era caloroso.
A marquesa ponderou sobre os motivos daquele discurso, e depois de alguns, pigarreou.
— Então trata-se de uma jovem esperta, de raciocínio rápido. Uma pessoa voltada para os
estudos?
— Uma leitora, senhora — murmurou Catherine com mais brandura.
— E que gênero de livros lê?
— Alguns... romances.
— Alguma preferência em particular?
— Sim... peças de teatro.
Catherine não estava disposta a confessar seu interesse pelos clássicos gregos para aquelas
senhoras que sem dúvida zombariam dela.
— Shakespeare? — insistiu lady Rutherston.
— Sim... E as tragédias gregas também — revelou Catherine, por fim, sem tomar fôlego.
— Então gosta dos clássicos — concluiu a marquesa, sem parecer surpresa ou chocada.
Catherine aquiesceu com um gesto de cabeça.
— Sim, minha senhora.
— Extraordinário! — exclamou a marquesa com um sorriso. — Intelectual e também uma
moça de coragem!
E com esse comentário entre crítico e elogioso, a visita terminou. A marquesa de
Rutherston levantou-se para ir embora.
— Ficarei ansiosa por um novo encontro, Catherine. Adeus, lady Margaret.
Cumprimentou com elegância, e as três damas partiram.
Mas antes de sair, a condessa de Levin teve tempo de sussurrar umas palavras ao ouvido
da srta. Harland, apertando-lhe a mão.
— Parabéns, menina valente!
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Todos sabem que existe algo entre o marquês de Rutherston e a srta. Catherine Harland.
Assim dizendo, Richard ergueu-se da poltrona que ocupava e aproximou-se de Catherine.
— Foi assim tão ruim, querida? Se acaso isso importe, saiba que minha mãe gostou muito
de você e aprova nosso casamento.
Aquelas palavras pareceram amolecê-la um pouco, porém Catherine estava determinada a
não facilitar as coisas para Richard.
— Não foi ruim, milorde, foi horrível!
— Meu nome é Richard — replicou o marquês com firmeza e, tomando-lhe a mão, virou-
a, e beijou-lhe a palma.
Com gesto brusco, Catherine retirou-a.
— Senti-me como um animal de exposição. Só faltou sua mãe abrir minha boca e
examinar meus dentes.
Richard não conseguiu reter uma gargalhada.
— Catherine! Nunca consegue conter sua língua quando está comigo? — Voltou a tomar-
lhe a mão, e beijou um dos dedos finos. — Não vai me recusar, vai, querida? Iria me tornar
motivo de riso em Londres.
— Gosta de crianças, mil... Richard?
— Como disse?
— Foi o que sua mãe me perguntou.
— Não é possível! Diga que está brincando, Catherine!
— Responda a pergunta, Richard.
— Só se forem as suas, querida, e que eu seja o pai.
Começou a beijar cada dedo, de modo vagaroso e sensual.
— E montar a cavalo é o que mais gosta de fazer?
— Catherine, está me provocando para dizer algo inapropriado, e deixá-la vermelha como
um pimentão.
Ela voltou a tentar retirar a mão, mas o marquês não permitiu.
— Falo sério, Richard. Por que quer se casar comigo?
— Quê?!
— Responda!
— Catherine, sabe como a admiro!
— Continue!
— Está falando sério?
— Muito sério, Richard.
— Bem, admiro o modo como sempre me enfrenta. Adoro nossas batalhas verbais, nossas
risadas e confidencias.
— Eu o enfrento? Diria que sempre dá a última palavra, e me obriga a deitar aos seus pés.
— Então, meu amor, talvez seja a idéia de... deitarmos juntos que me faz ferver de desejo
de tê-la como esposa o mais depressa possível.
Dessa vez Catherine ficou mesmo vermelha como um pimentão.
— Ora! Você é... — murmurou com voz sufocada.
— O quê? Pode dizer, querida.
Catherine pareceu pensar melhor e, de modo involuntário, começou a sorrir.
— É um homem passional, milorde.
Com gesto rápido, levantou-se, e se afastou do marquês. De costas, murmurou com
dificuldade.
— Talvez uma única mulher não seja o suficiente para satisfazer seu temperamento
sensual e quente...
Richard pareceu chocado.
— O quê?
— Richard, quer parar de dizer "o quê" o tempo todo? Está sendo ridículo! Fiz-lhe um
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— Tem uma licença especial no bolso... Meus pais já sabiam de suas intenções... —
Pareceu se recompor, e fitou-o com raiva. — Você... homem intolerável e arrogante! Como
ousou fazer tudo isso sem me dizer? Estava assim tão seguro que iria aceitá-lo como marido?
A revolta em sua voz não pareceu abalá-lo nem um pouco.
— Catherine, não é hora de contendas. Adoro discutir com você, mas em outras
circunstâncias. Se não concordar em casar comigo dentro de uma semana irei tomá-la em meus
braços de novo, aqui e agora, e, como você mesma disse, não sei como isso irá acabar, porque
desta vez não saberei me conter.
Assim dizendo, fez menção de abraçá-la, mas Catherine levantou-se como uma mola, e
correu para o outro canto da saleta.
— Concordo — disse, por fim. — Vamo-nos casar dentro de uma semana. Agora peço
que vá embora, e de hoje em diante até o dia em que sairmos da igreja casados, Richard
Fotherville, não me verá mais sozinha, e estarei sempre acompanhada por Becky, Lucy ou tia
Margaret. — Fez uma pausa, e baixou os olhos, envergonhada. — Para resistir a tentação... Sabe
que perco a noção de tudo em volta, quando você... Quando nós dois...
O marquês de Rutherston riu com alegria.
— Oh, Catherine!
Com gesto estudado e zombeteiro, manteve uma distância de meio metro, estendeu o
braço, tomou-lhe a mão, e levou-a aos lábios. Depois dirigiu-se à porta da saleta, voltou-se, e
lançou-lhe um olhar brilhante, cheio de carinhosa ironia.
— Sua pequena covarde...
Capítulo XIII
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— Não, minha irmã, a duquesa — riu o marquês. — Tive um trabalhão para convencê-la
que estava apenas brincando quando deu a entender que detestava cavalos. Para Jane, uma união
dos Fotherville com alguém que não monta a cavalo seria um sacrilégio. Ainda bem que já a vi
montar, mas Jane não.
— E importaria a você se eu de fato não soubesse montar? — perguntou Catherine.
— Claro que não, porque lhe ensinaria se não soubesse!
— E se me recusasse a aprender?
O marquês viu-se tentado a responder de uma maneira que incitasse Catherine a começar
uma das discussões que tanto lhe agradavam, mas tratou de se conter. A esposa já estava com os
nervos à flor da pele, com o casamento realizado em uma semana, e estava tomando muito
cuidado para deixá-la tranquila e confiante. Portanto ignorou a pergunta.
— Pobre mamãe! Dispôs-se com tanta alegria a ir conversar com minha eleita! — Fitou
Catherine com um sorriso divertido. — Vai me contar o que mais disse para chocá-la e confundi-
la?
Catherine sorriu com malícia.
— O suficiente para deixar a marquesa de cabelos em pé, tenho certeza. — Parou de sorrir
e adquiriu um ar preocupado. — Oh, Richard! Sua mãe ficou muito aborrecida?
— Se ficou, não demonstrou. Foi muito discreta e sucinta sobre a conversa que teve com
você. Não. Foi de Arabella que ouvi a história chocante de sua conduta. Sem dúvida minha
prima achou o episódio muito divertido.
— E você? Ficou chocado? Não deveria, pode ter certeza. Se me conhecesse melhor,
saberia que não suporto interferências em minha vida particular.
— Nem de seu marido, Catherine? — inquiriu o marquês em tom divertido. — Creio que
posso ter esse privilégio de... interferir.
Catherine o fitou de modo intenso.
— Acha que sim?
Seu tom de voz era frio e impessoal. Espicaçado, Rutherston ia prosseguir com a conversa,
mas pensou melhor e desistiu. Mudou de assunto, e começou a mostrar detalhes do prédio à luz
esmaecida do fim do dia, e logo Catherine perdeu-se na contemplação do que, segundo o marido,
seria seu futuro lar.
Quando Catherine terminou de banhar-se e vestir-se para o jantar, sob o olhar crítico de
Becky, que fora incorporada à criadagem permanente do marquês de Rutherston, já era muito
tarde para fazer um passeio pelo interior da mansão, e a própria Catherine achou que seria
melhor fazê-lo pela manhã.
Uma ceia foi trazida para os recém-casados junto ao fogo alegre da lareira da biblioteca, e
Rutherston dispensou logo os criados, alegando que chamaria caso precisasse.
Tomara todas as providências para que a primeira parte da noite transcorresse na maior
tranquilidade entre os dois.
Como imaginara, Catherine estava estupefata com o tamanho de sua biblioteca, mas não
permitiu que a esposa examinasse nenhum livro antes que tivessem ceado e os pratos e travessas
fossem retirados.
Catherine olhou em torno, com expressão de profunda aprovação. A biblioteca ocupava
uma sala espaçosa e alongada, com cinco janelas em uma das paredes. O brilho do fogo na
enorme lareira e as dezenas de velas em castiçais espargiam uma luz dourada por todos os
cantos, dando um ar de intimidade ao local, apesar de seu tamanho.
De encontro às paredes haviam poltronas e sofás forrados de verde-musgo, colocados de
maneira informal junto a mesinhas com tampo forrado de couro e, a um canto, perto de uma
janela, havia uma escrivaninha que Catherine imaginou ser do marido.
Bem acima, percorrendo três cantos da sala, havia uma galeria estreita com estantes de
livros até o teto. Tratava-se de uma biblioteca de colecionador e de alguém que lia muito, pensou
Catherine, imaginando inúmeras horas de prazer que teria com o marido, desfrutando do mesmo
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interesse.
O marquês encheu o copo da esposa pela segunda vez, e quando Catherine havia bebido
quase tudo, consentiu em mostrar-lhe uma pequena parte de sua coleção. Passaram a hora
seguinte tirando livros das estantes e conversando com tranquilidade sobre vários assuntos,
relativos às obras e seus autores.
Richard se divertia ao ver a enorme pilha de livros que Catherine já pusera de lado para
futura leitura, enquanto ficassem em Fotherville House. Porém foi obrigado a refrear a
impaciência, pois a leitura não era no momento o que tinha em mente para fazer com Catherine,
a mulher que amava e desejava com todas as forças de seu ser, e que já era sua esposa.
Quando Catherine fez um comentário admirado sobre o teto da biblioteca, Rutherston
ficou mais animado, e começou a discorrer sobre o desenho intrincado do qual muito se
orgulhava.
— Venha, querida. Quero lhe mostrar outro cômodo maravilhoso.
E embora ela protestasse que desejava ver tudo à luz do dia, fez com se levantasse da
poltrona e empurrou-a pelo corredor, subindo pela escadaria de mármore até a porta de um
quarto. Quando o marido abriu a porta, Catherine viu-se em um amplo e elegante dormitório, e
ao virar-se para fitar Richard, com ar de curiosidade, ele pressionou um dedo sobre seus lábios.
— Silêncio, meu bem, Não diga mais nada. Sua criada a espera.
E sem proferir mais nenhuma palavra, empurrou-a de modo delicado para dentro do
quarto.
Nessa noite Becky esmerou-se e levou muito tempo para preparar sua ama para a noite de
núpcias, tagarelando sem parar, e quase tão nervosa quanto a noiva.
Catherine deixou-se ficar nas mãos da criada, e envergou uma camisola de cetim em tom
creme, com o roupão combinando. O tecido delicado e leve moldava as curvas de seu corpo de
maneira sensual, o que encheu Becky de satisfação, mas deixou Catherine inquieta e pouco à
vontade. Estava surpresa com o traje que a mãe selecionara para sua noite de núpcias.
Deixara a parte do enxoval aos cuidados da sra. Harland, pois não tivera tempo, em uma
semana, de cuidar de todos os detalhes do casamento, e no momento sentia-se confusa.
Considerava a camisola cor de creme muito reveladora, e imaginou o que teria feito a mãe ser
tão ousada.
Quando a toalete terminou, Becky pediu permissão para sair.
— Oh! Por favor, não vá! — exclamou Catherine, envergonhada com a própria atitude. —
Bem, mas é claro que precisa ir...
Becky, que se considerava no direito de tomar algumas liberdades, depois de tantos anos
com a família Harland, deu um tapinha confortador na mão de Catherine.
— Não há nada a temer, meu bem. Tenho certeza de que o marquês de Rutherston sabe
que está nervosa.
Tinha razão, porque Richard sabia mesmo.
Ao entrar no quarto, parou na soleira da porta e deu uma olhada geral no aposento.
Catherine se posicionara a um canto afastado, a mão segurando com tanta força o espaldar de
uma poltrona, que os dedos estavam lívidos. O marquês suspirou de modo discreto, e colocou a
garrafa e os dois copos que trouxera sobre uma mesinha lateral, antes de avivar as brasas na
lareira, e começar a enchê-los, fingindo não notar a postura rígida da esposa. Por fim, ergueu um
copo.
— Não vai brindar com seu marido nosso futuro de felicidade, milady?
Catherine não podia recusar, e como Rutherston não fizesse nenhuma menção de se
aproximar dela, viu-se forçada a vencer a distância que os separava, muito consciente de que, a
cada passo, as dobras do roupão e da camisola acompanhavam o meneio suave de seus quadris,
delineando-lhe o corpo de maneira reveladora, indiscreta e sensual.
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uma maneira instintiva e sensual, sentindo uma espécie de lava incandescente percorrer-lhe cada
centímetro do corpo.
Então beijaram-se de modo longo e profundo. O coração de Catherine batia com tanta
força, que teve medo do som ser ouvido por Richard, fazendo-o parar com os beijos e afagos,
mas isso não aconteceu. Voltou-se mais na cama, e colou o corpo ao do marido.
De modo delicado, deslizou a mão pelo rosto de Rutherston, que depositou um beijo na
palma. Em seguida tudo pareceu acontecer depressa, como em um remoinho, uma valsa louca e
sem fim.
Como se estivesse faminto, Richard procurou o pescoço branco e macio, beijando-lhe o
rosto e os olhos, e sugou os mamilos rosados. Com gestos rápidos, desvencilhou-se das próprias
roupas, e Catherine não precisou mais imaginar como era seu corpo despido. Os músculos rijos e
a pele morena brilhavam à luz do fogo.
O marquês posicionou-se entre suas pernas e voltou a beijá-la com paixão, enquanto seu
corpo a cobria, arremessando-se com força. Se sentiu dor, Catherine não soube dizer, pois a
sensação inebriante de prazer tornou-se muito poderosa.
Richard beijou-lhe a pele macia do pescoço, fazendo-a compreender sem palavras que
desejava que seguisse seus movimentos ritmados. Cada vez com mais vigor, atirou-se na paixão,
aproximando-se do clímax.
— Sim, meu amor — murmurou Richard com a voz embargada pelo desejo. — Continue
assim... Sinta como é maravilhoso... Entregue-se... Sim... Seus quadris... Suas coxas...
Embalada pelo erotismo das palavras murmuradas ao seu ouvido, as sensações também
cresciam no corpo de Catherine que, de repente, gemeu, enquanto lágrimas de emoção
escapavam de seus olhos. Palavras que jamais poderia imaginar dizer um dia irromperam de seus
lábios.
— Sou sua, Richard... Quero você, meu amor...
Arfando, Rutherston deixou-se ficar com a cabeça sobre os seios firmes, seu calor
confortando-a e aquecendo-a. Lá fora a noite era escura, ali dentro tudo era silêncio e
contentamento, com as labaredas da lareira cobrindo o quarto com um brilho dourado e sensual.
Os corpos de Richard e Catherine pareciam estátuas vivas de ouro, a pele úmida após o ato
de amor, brilhando sob a claridade do fogo. Sorriram um para o outro, na conivência carinhosa
entre duas almas que se compreendem. Sem nada dizer, o marquês a embalou entre os braços, e
assim ficaram por um longo tempo, satisfeitos e plenos.
Durante a noite voltaram a se amar mais de uma vez, parecendo que o desejo não tinha
fim, e que jamais poderia ser saciado.
— Quanto tempo esperei por isto, meu amor — murmurava Richard, gemendo e arfando,
de encontro ao corpo quente da mulher que acabara de despertar para o sexo, e que correspondia
com perfeição aos seus anseios de homem sensual.
Acabaram dormitando, um nos braços do outro, mas logo o marquês voltou a despertá-la
com beijos delicados, sorrindo como um menino prestes a cometer uma travessura.
— Richard... estou exausta... — resmungou Catherine, sorrindo também, e logo passando
os braços em torno do pescoço do marido.
— Exausta ou apenas fazendo uma pausa, meu bem? — perguntou Rutherston com voz
rouca e divertida.
— Bem... Não tão cansada assim que não possa...
Mas as palavras foram interrompidas por novos beijos, enquanto as mãos hábeis
percorriam cada centímetro de seu corpo, fazendo-a sentir uma renovada onda de calor no âmago
de seu ser.
— Amo-o, querido... sou sua...
— Então prove — provocou o marquês com um brilho demoníaco nos olhos cinzentos.
Foi uma noite de paixão, descobertas, carinho, palavras trocadas em sussurros, enquanto o
fogo pouco a pouco ia se extinguindo na lareira, mas não no leito com os lençóis amarfanhados e
Projeto Revisoras
CHE 216 Irresistível encanto (Bluestocking Bride) Elizabeth Thornton 73
Capítulo XIV
Projeto Revisoras
CHE 216 Irresistível encanto (Bluestocking Bride) Elizabeth Thornton 74
preparando para ir à igreja encontrar meu futuro marido, e... Vai me desculpar, querido, mas
fiquei pensando no garanhão ansioso como você, e em mim como a égua nova, e...
Voltou a ter um acesso de riso, enquanto Rutherston sorria de modo contrafeito e
horrorizado.
— Continue, Catherine. O que mais?
— Bem, meu querido marido... — Fitou-o de modo profundo, entre zombeteira e séria. —
Quando o vi na igreja tão elegante e austero, senti-me mais segura, até que...
— O quê? Diga, por favor. Continue!
— Até que me deu aquele olhar que mostrou de modo claro quais eram suas intenções.
— Verdade? — murmurou Richard de modo suave, estendendo a mão e segurando-lhe o
pulso. — E como foi que interpretou "aquele" meu olhar?
— Foi do tipo que o alazão de Colby teria dado para a égua no pasto, se pudesse! Seu
olhar me disse, amado esposo, que estava em seu poder e não iria mais escapar, por mais que
tentasse. Estava errada?
— Não, mas também não está certa. Não quis dizer que caíra em meu poder, mas sim
minha proteção. Foi isso que senti naquele momento. Quis transmitir todo o carinho e a vontade
que tenho de apoiá-la.
— Se assim é, milorde, está bem, mas então na carruagem, falou a respeito dos direitos do
marido, não foi?
— Catherine! — Dessa vez Richard ficou exasperado. — Entendeu tudo errado. Só quis
dizer que marido e mulher não têm assuntos secretos um para o outro, apenas para as demais
pessoas.
— Ah! Então foi isso?
— Claro que sim!
— E tenho liberdade para perguntar qualquer coisa sobre seus... casos passados? — Sem
esperar resposta, Catherine sorriu de modo doce. — Então me conte sobre aquela tarde no
parque, quando passou de carruagem com sua bela acompanhante, e fingiu não me ver.
— Catherine!
Richard parecia de fato chocado com a atitude da esposa.
— Nada de se fingir de ofendido, querido. Sabe que gosto de provocar e discutir, não
sabe?
Assim dizendo, levantou-se, aproximou-se do marido, e enlaçou-o pelo pescoço, beijando-
o. Com gesto brusco Richard fez com que se sentasse no seu colo, mas Catherine colocou dois
dedos sobre seus lábios, impedindo-o de falar.
— Não, meu amor, não me conte nada! Recuso-me a ouvir, e morrer de ciúme. Sei muito
bem que é um homem vivido e um amante experiente. Admito, e não tenho pejo de dizer isso,
que ando me consumindo de despeito apenas por pensar que já fez amor com muitas outras.
O marquês retirou-lhe a mão dos lábios, e acarinhou-a nos braços, como se fosse uma
criança levada.
— É uma tola, menina ingênua, se acha que tenho experiência com o tipo de amor que
compartilhamos ontem. Jamais em minha vida havia me preocupado com o prazer de minha
parceira sexual. — Tomou-lhe o rosto entre as mãos, e fitou-a com intensidade. — Uma amante,
minha querida, é paga para agradar, enquanto cada suspiro de satisfação que arranco de seus
lábios me deixa no sétimo céu. Nada mais quero ao seu lado senão vê-la contente e feliz. Meu
prazer na noite passada foi consequência do prazer que lhe proporcionei, amor.
Aproximou o rosto de Catherine, e beijou-a na boca, mas quando a esposa sentiu que
começava a desabotoar-lhe o vestido, desvencilhou-se do abraço, levantou-se com ímpeto, e
pediu para conhecer o resto da casa.
— Porque, Richard, o que pensarão os outros se voltar para Londres e contar que só
conheço meu dormitório em Fotherville House? — Riu com alegre malícia. — Ficarão todos
muito escandalizados!
Projeto Revisoras
CHE 216 Irresistível encanto (Bluestocking Bride) Elizabeth Thornton 75
Em breve Catherine percebeu que Fotherville House significava muito mais para
Rutherston que apenas uma casa. Era seu orgulho e paixão, a demonstração concreta de três
gerações de homens da família Fotherville, todos cultos e de bom gosto, que a consideravam
como um refúgio e um lar.
As paredes da mansão eram recobertas de pinturas inestimáveis, de autores célebres, e
nada havia ali, nenhuma peça de porcelana, ou cristal, livro, candelabro, prataria, que não tivesse
sido escolhido com amor e profunda atenção.
Por certo as mulheres da família haviam também participado, com elegância e toques
femininos em diversos ambientes, mas o impecável bom gosto dos homens Fotherville estava
impresso em cada canto.
A paisagem ao redor da casa contribuía para formar um quadro maravilhoso, de contos de
fadas, e aí também se via o dedo da família Fotherville. As paisagens naturais em muito belas,
porém sempre tratadas pela mão do homem. Bosques tranquilos, imensos jardins com seus
canteiros coloridos, e gramados verdes e macios. Arvores frondosas bordejavam um riacho de
aguais cristalinas, e havia um lindo lago com carpas.
Catherine soube que, enquanto dormia todas as noites, um verdadeiro exército de
jardineiros cuidava de tudo, podando, cortando, aparando, a fim de manter sempre a atmosfera
de beleza e encantamento do lugar.
— Bem — disse o marquês de Rutherston por fim, impressionado com o olhar pensativo
da esposa. — O que acha de minha modesta morada?
— Modesta? — repetiu Catherine em tom zombeteiro. — Ora! Como é convencido,
milorde!
Enquanto fala nesse tom humilde, seus olhos brilham de orgulho!
— Gostou de tudo, minha querida? — A expressão no rosto do marquês era ansiosa,
enquanto segurava as rédeas do cavalo que a esposa montava. — Diga-me.
— Acho — começou em tom lento, escolhendo bem as palavras — que errou ao escolher
o nome para seu recanto predileto, milorde. Deveria chamar-se Paraíso dos Fotherville, ou
Parque Fotherville.
— E acha que pode se tornar seu paraíso também?
— Sim... Se puder me adaptar em meio a tanta perfeição.
— Amor, este cenário combina com você. Era a peça que faltava para deixar tudo
maravilhoso. Jamais imaginei, até hoje, que uma mulher poderia acrescentar algo a Fotherville
House, porém você conseguiu. Admito que considerava esta casa como meu refúgio e Éden
particular, mas de hoje em diante, nada aqui será completo sem sua presença.
Falava com tanta seriedade e emoção, que Catherine sentiu-se à beira das lágrimas,
agradecida por aquela prova de amor.
— Então, meu querido esposo — replicou no mesmo tom sério. — Estou muito feliz e
tudo farei para ser uma esposa digna de seus preciosos e amados domínios.
Entretanto, com o passar dos dias, Catherine descobriu que ser a senhora perfeita dos
domínios do marquês de Rutherston era um grande esforço pessoal, e tarefa bastante difícil. Ao
final da primeira semana de casados, Richard informou-a de modo casual, certa manhã, que, para
ter uma boa perspectiva sobre os andamentos domésticos em Fotherville House, seria melhor
começar pelos criados, e que o cozinheiro, a governa e o mordomo estavam no seu aguardo,
quando lhe fosse conveniente, para receberem suas instruções diárias.
Catherine engoliu em seco, pois percebeu que andara em uma roda-viva, correndo de um
lado para o outro sem nada resolver, quando de fato seria melhor estabelecer um método de
trabalho.
— Tem razão, Richard. Creio que não sou lá uma pessoa muito organizada, e conversar
com os criados mais importantes, que dirigem os outros, será muito proveitoso.
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CHE 216 Irresistível encanto (Bluestocking Bride) Elizabeth Thornton 76
Satisfeito, o marido deixou-a para ir ao escritório onde deveria permanecer por muitas
horas, tratando de vários assuntos.
A nova marquesa de Rutherston foi deixada por conta própria, e muito ansiosa. Sua vida
em Ardo House não a preparara para ser a senhora de um vasto domínio, e as conversas rápidas e
informais que sua mãe mantinha com a cozinheira da casa e os poucos criados pareciam uma
brincadeira perto do que a aguardava.
A criadagem doméstica de Fotherville, com os uniformes brilhantes em tons de cinza e
verde, parecia trabalhar com a precisão de um relógio, e Catherine não desejava interferir com o
que já era excelente. Antes que entrasse em pânico, porém, o mordomo surgiu e informou-a que,
a pedido de lady Rutherston, o cozinheiro, André, esperava à porta da saleta.
Nervosa, Catherine iniciou as entrevistas, mas logo percebeu que todos conheciam muito
bem suas responsabilidades. André tinha os cardápios de todas as refeições selecionados e
prontos com uma semana de antecedência, e só deslava o aval final da dona da casa para pôr seu
talento em Prática.
A sra. Baxter, a governanta, tinha listas de roupas de cama e banho prontas com bastante
antecedência, com as quais providenciava que tudo fosse lavado, passado, remendado ou
comprado com bastante antecedência.
Por fim George, o mordomo, falara-lhe sobre cada empregado, fornecendo seu nome e
atribuições.
Catherine recebeu a lista que lhe foi dada, e imaginou que George desejava que decorasse
tudo sobre os serviçais. Percebeu que tinha mais medo do robusto mordomo com sua expressão
sempre contida e séria, que de seu professor de matemática quando criança, e isso a fez rir
sozinha.
Então resolveu decorar o nome e sobrenome de cada criado, inclusive dos que
trabalhavam fora da casa, nos pastos, cavalariças e jardins. Aprenderia sua lição, nem que
precisasse levar a lista para a cama todas as noites, refletiu.
— Obrigada, George — disse por fim, tentando manter uma voz tranquila e segura. —
Vou me esforçar para aprender o nome de todos os integrantes da criadagem. Quem sabe poderá
me ajudar nessa tarefa?
— Sem dúvida que sim, milady. Recebi instruções do marquês de Rutherston para
programar uma reunião com todos os serviçais quando for mais conveniente para a senhora. O
marquês acha que necessita de algum tempo para se organizar. Se puder me comunicar, milady,
quando for de sua conveniência, executarei todos os preparativos.
— Algum tempo para me organizar? — repetiu Catherine, em um tom de voz confuso.
— Sim, milady. O marquês de Rutherston concluiu que estaria muito cansada para se
reunir como os criados logo após sua chegada.
— Obrigada de novo, George. Amanhã pela manhã será conveniente?
Pela primeira vez, desde que chegara a Fotherville House, Catherine viu um leve sorriso
aflorar aos lábios do mordomo. Então tomou uma decisão, naquele exato momento, de que faria
tudo que fosse possível, no futuro, para que George sorrisse sempre.
Como a senhora de Fotherville House, pretendia que o clima entre a criadagem fosse
descontraído e alegre, e aceito com prazer. Sentiu gratidão pelo marido, que fizera de tudo para
aliviar suas responsabilidades como nova ama da mansão, dando-lhe tempo para se acostumar
com as tarefas.
Refletindo, Catherine teve vontade de rir, pois descobriu que, no momento, existiam dois
homens em sua vida que desejava tornar felizes, o marido, é claro, e George, o mordomo. O que
Richard pensaria se soubesse dessa sua preocupação?
Sem querer, soltou uma sonora gargalhada.
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Capítulo XV
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CHE 216 Irresistível encanto (Bluestocking Bride) Elizabeth Thornton 78
amigável, permeado pelos interesses comuns, e o gelo fora quebrado, fazendo com que recebesse
sorrisos calorosos de André, de George e da sra. Baxter. A novidade da recepção obrigava-os a
permanecer mais próximos que o habitual, e isso estava acontecendo de modo espontâneo e
sincero.
Ficou combinado que haveria uma festa ao ar livre na tarde do primeiro dia, com um
passeio a cavalo pelo parque, e as cocheiras fervilhavam de atividade, com os animais sendo
preparados. Catherine imaginou, já que poucos convidados viriam com suas próprias montarias,
se o chefe dos cavalariços entregaria uma lista também para o marquês de Rutherston, com as
preferências de cada um.
Por fim, tudo ficou preparado para receber os convivas, que poderiam andar a cavalo à
vontade pelas pradarias e bosques da propriedade, comeriam segundo seus gostos e
necessidades, levando-se em conta os que tinham estômago e fígado delicados, e os que sofriam
de alguma alergia alimentar.
Colchões de todos os tipos tinham sido colocados nas camas dos diversos quartos, e havia
toalhas macias e ásperas, segundo a preferência de cada um.
Na manhã do primeiro dia, um grupo grande resolveu cavalgar, mas quem observava das
janelas da casa, logo percebeu um casal que se distanciava dos demais, tomando a direção
contrária.
Charles Norton aproveitou o burburinho e, a cavalo, conduziu Lucy para um local
afastado. Decidira, já que conhecia muito bem as propriedades do primo, que a conversa
particular que teria com a caçula dos Harland se realizaria onde pudessem ficar a sós, sem serem
incomodados.
Desse modo, conduziu-a por um longo caminho que circundava a mansão, até um atalho
particular que, em questão de minutos, os levou para a outra margem do lago. Ali chegando,
Charles perguntou a Lucy se gostaria de desmontar e caminhar.
Como ela acenasse que sim, conduziu os baios até um grupo de árvores, e ajudou-a a
apear.
Não havia a menor necessidade de fazer isso, pois Lucy era excelente amazona, porém seu
gesto gentil foi aceito de maneira graciosa.
O caminho era largo o suficiente para a passagem dos dois cavalos e, segundo Norton, os
levaria até um atalho, de onde poderiam, quando quisessem, alcançar os demais convidados em
um piscar de olho. Tendo assegurado Lucy que tudo estava bem, não perdeu tempo em dizer o
que tinha em mente nos últimos tempos.
— Parece estar apreciando sua primeira temporada social, srta. Harland — começou,
percebendo que adotara um tom de voz muito cerimonioso, e tratando de corrigi-lo. — Talvez
sinta falta de seus amigos de Londres, aqui em Fotherville House?
Mal dissera essas palavras em tom jocoso, arrependeu-se. Estava falando como um tolo, e
não era isso que queria dizer, pensou.
— Não, sr. Norton — replicou Lucy com a mesma formalidade. — Tenho amigos
suficientes aqui também para passar dias muito agradáveis.
— Sim, mas os que tem aqui não podem lhe proporcionar a variedade de diversões que
Londres oferece.
Charles percebeu o tom amuado e ressentido da própria voz, e concluiu que não estava
conduzindo a conversa do modo como desejara, entretanto não sabia como se orientar.
— A quais amigos se refere, sr. Norton?
— Ranstoke, por exemplo. Segue-a como um macaco amestrado... e isso parece agradá-la,
porque permite! — Tendo extravasado seu aborrecimento, Charles tratou de moderar o tom de
voz, mas estava ansioso demais para se controlar. — Não só permite, como encoraja! Não pense
que não vi seus olhares melosos para Ranstoke! E é vista em toda parte em sua companhia!
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um jovem artista da mesma idade do marquês de Rutherston, e Catherine logo simpatizou com o
rapaz. Seu nome era Adrian Henderson, e estava começando a se firmar como retratista entre a
alta sociedade. Quando os cavalheiros foram se juntar às damas após o jantar, Catherine viu-se
ao lado do sr. Henderson e como boa anfitriã, tratou de entabular conversa.
Logo soube que o pintor ambicionava retratar rostos comuns e do povo, e não apenas
perfis nobres. Utilizava o lucro que tinha com os quadros de pessoas da elite para financiar suas
pinturas que não davam dinheiro.
— Quer dizer, sr. Henderson, que não considera os rostos da alta sociedade como assuntos
interessantes para seus quadros?
— Como regra, milady, o dinheiro não consegue colocar um pingo de sensibilidade em
certos semblantes enfastiados e sem viço.
— Então o que pensa da coleção de arte de meu marido? Não acha que há poucos rostos
amuados nessas paredes?
— O marquês seu esposo é um conhecedor de arte, milady, com uma coleção invejada em
toda a Inglaterra, mas mesmo ele possui ancestrais com rostos sinistros. Já observou que são os
quadros colocados nos lugares mais escondidos?
Os olhos de Henderson brilharam de malícia enquanto ria, exibindo uma fileira de dentes
brancos, e Catherine ficou encantada com sua simpatia e conversa interessante. Não eram todas
as pessoas presentes que possuíam tanta vivacidade e inteligência, e a jovem marquesa de
Rutherston sentia falta de uma conversa interessante.
Baixou a voz em tom confidencial.
— Então acha que está desperdiçando seu talento como pintor, sr. Henderson? Deveria ser
político, do modo corno é irônico e atira farpas. Mas não me ofendeu.
— Milady, esta enganada. Não pretendia ofendê-la. Não falei de seus ancestrais.
Dessa vez foi Catherine quem riu, e o marquês de Rutherston, a um canto com a irmã,
franziu a testa, curioso, olhando na direção da esposa e do pintor.
— Sr. Henderson, vou lhe dar um conselho — prosseguiu a anfitriã. — Meu marido adora
piadas, porém verá que é muito susceptível a tudo que diz respeito a esta casa.
— Agradeço por me avisar, mas é tarde. O marquês já pediu minha opinião sobre sua
coleção de arte, e falei com toda a franqueza.
Catherine pareceu impressionada, e arregalou os olhos para Adrian.
— E não ficou com um olho roxo? — comentou, entre séria e brincalhona. —
Inacreditável!
Observou o jovem artista com real interesse, e sua admiração refletiu-se nos olhos cor de
âmbar. Henderson leu seus pensamentos com divertida compreensão, e interrompeu o fio de seus
pensamentos.
— Milady, seu esposo, o marquês, convidou-me para esta recepção com um propósito.
Queria que a conhecesse para saber se aceito fazer seu retrato.
O espanto de Catherine parecia não ter limites.
— Não me disse nada sobre isso — murmurou.
— O marquês sabe que só aceito a encomenda de um quadro se sentir que posso retratar a
pessoa em questão com a maior autenticidade possível.
— Para depois pendurá-lo em um canto escuro da casa? — brincou Catherine.
— No seu caso não será assim, milady. Seu retrato poderá ser ostentado com orgulho em
qualquer ponto de destaque na casa, caso consiga captar a essência de sua alma, e espero
conseguir.
— Ah! Então serei o orgulho entre todas as posses de meu marido? — Catherine não
soube por que disse isso, mas logo se arrependeu. — Peço desculpas, sr. Henderson, por ter
falado sem pensar. Acha que servirei como tema de um quadro?
— Se com isso quer saber se me sinto apto a retratá-la, milady... A resposta é que tentarei.
Desde o primeiro momento em que a vi, percebi que apenas um homem com senso estético e
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adoração pela beleza pode lhe dar o devido valor. Deveria pertencer a um artista, senhora.
Catherine ficou chocada com a última frase do pintor, e olhou sobre o ombro, na direção
do marido, que a fitava de modo intenso. Voltou-se de novo para Henderson, e seu rosto
sorridente revelou seus pensamentos.
— Não tente me convencer que sou uma beleza, sr. Henderson, porque não conseguirá.
Nada de lisonjas.
Forçou-se a falar de modo displicente porque percebeu que Rutherston se aproximava.
— Não diria que é uma beleza típica, milady, mas possui um brilho especial, uma chama
que a torna única, e a faz se destacar entre as demais mulheres — disse Adrian, observando-a
com ar profissional. — E é essa qualidade que desejo captar na tela.
— Então passei no teste?
O tom de Catherine era de brincadeira, mas Henderson a fitou com muita seriedade.
— Sem dúvida. E agora é sua vez, milady. Aceita-me como seu... retratista?
Adrian era de fato ousado com suas frases ambíguas, pensou Catherine, sentindo o rubor
invadir suas faces, o que a deixou bastante constrangida.
— Se agrada a meu esposo que o senhor faça meu retrato, é claro que aceito.
Adrian respirou fundo, parecendo contente e aliviado.
— Mas devo avisá-la, milady, que sou um ditador no que se refere aos meus quadros.
Exijo o direito de determinar o que deverá vestir, se posará sentada ou de pé, qual o fundo da
tela, se será um tema bucólico ou dentro de quatro paredes, e assim por diante, até o mais
insignificante detalhe.
— Todos os homens desejam fazer valer seus direitos, ou apenas os que conheço? —
murmurou Catherine, fazendo a pergunta mais para si mesma. Sorriu, a fim de não tornar suas
palavras muito sarcásticas. — Serei dócil e obediente, sr. Henderson, como deseja, mas deverá
discutir com meu marido sobre os detalhes. — Soltou uma risada cristalina. — O marquês por
sua vez não é nada dócil, e costuma expressar suas opiniões sem a menor cerimônia.
Antes que Adrian Henderson tivesse tempo de retrucar esse comentário, o marquês de
Rutherston aproximou-se, e logo os dois homens começaram uma conversa acalorada sobre o
traje que a modelo deveria usar, se de veludo ou cetim, e quais as cores ideais, dos tons de
vermelho aos dourados.
Sempre sorrindo, Catherine afastou-se para se reunir a outro grupo de convidados, mas
tendo já combinado que os primeiros esboços seriam feitos assim que voltasse a Londres, na
semana seguinte.
Quando se preparavam para dormir nessa noite, o marquês de Rutherston perguntou a
Catherine o que achara do sr. Henderson.
— É um artista talentoso, Richard?
— Um dos melhores, querida, do contrário não o contrataria para fazer seu retrato. Já vi
alguns de seus trabalhos, e achei maravilhosos. E agora que está ficando famoso, tornou-se mais
seletivo. Porém soube, quando o vi conversando com você, que aceitaria a encomenda.
O marquês estava deitado na cama de comprido, as mãos atrás da nuca, observando a
esposa com olhar moroso, sentada à penteadeira e escovando os longos cabelos com reflexos
avermelhados.
— Mas ainda não respondeu a minha pergunta, querida — murmurou.
Catherine concluiu que seria perigoso e inútil ser evasiva com o marido. Richard saberia, e
ficaria ofendido. E o marquês de Rutherston quando zangado podia se tornar um ser feroz e
imprevisível. Voltou-se na cadeira, sorrindo de modo provocador.
— O sr. Adrian Henderson é muito direto e objetivo, milorde, e gosta de flertar também.
Ante essas palavras francas, Richard saltou da cama, deu três passos, alcançando a
penteadeira, e tomou Catherine nos braços, fazendo-a rodopiar.
— Criaturinha maliciosa e cruel! Vi-a flertando com o pintor esta noite, sem o menor
constrangimento! — exclamou sorrindo, e Catherine ficou aliviada, — E esta casada há muito
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pouco tempo!
— Preocupado, querido? — Catherine falou zombeteira, mas no íntimo desejava que
assim fosse. — Não precisa ficar, e sabe disso. Acho-o muito mais atraente que o sr. Henderson.
Assim dizendo, passou os braços pelo pescoço do marido, e beijou o tórax musculoso, que
surgia da camisa entreaberta. Rutherston a abraçou de maneira possessiva.
— Preocupado? Não, mas cauteloso sim. Adrian Henderson é um jogador e mulherengo,
todo mundo sabe disso, e está aqui apenas por seus dotes de pintor, e para realizar um trabalho
encomendado. Em síntese, minha querida, não passa de um aventureiro.
— Se é essa a opinião que faz dele, por que o escolheu para fazer meu retrato? Por certo
existem outros artistas também muito bons.
A pergunta da esposa soou em um tom espantado, e Richard sorriu.
— Já não lhe disse que Henderson é um dos melhores?
— Ora! Posso mencionar neste instante o nome de dois ou três pintores famosos em
Londres, grandes artistas, querido. Não está preocupado, Richard, que o sr. Henderson tente
flertar comigo outra vez?
Havia um laivo de despeito na voz de Catherine, e Rutherston soltou uma risada,
satisfeito.
— Meu amor, confio em seu bom senso. Além disso, o sr. Henderson conhece muito bem
minha fama de atirador, e isso o manterá de sobreaviso e bem-comportado. — Fitou-a com
seriedade. — Além disso, estará sempre acompanhada quando posar para ele.
Entretanto Catherine prestara atenção na primeira parte da resposta, e ficara assustada.
— Duelo, milorde? Usaria a pistola contra o sr. Henderson por minha causa? Deve estar
brincando! Será que considera esse pintor tão irresistível que sua esposa sucumbiria aos seus
encantos? Isso me ofende!
— Vamos esperar que as coisas não cheguem a ponto de desafiar o sr. Henderson para um
duelo, minha querida — replicou o marquês, meio brincalhão, meio sério.
Então inclinou o rosto e beijou-a de modo sensual, como a dizer, sem palavras, que ela lhe
pertencia e que estava confiante a seu respeito. Com gesto paciente, retirou-lhe o roupão de seda
que caiu ao chão com um rumor abafado, ergueu-a nos braços, e levou-a para a cama.
Ali, o marquês fez uso dos dedos ágeis, desfez os laços que prendiam-lhe a camisola aos
ombros, e a fez despir-se por completo, exibindo o corpo alvo e macio, que despertara para o
sexo havia pouco tempo, e que já revelava a amante ardente e sempre disposta.
Acariciaram-se com desejo e paixão e, em breve, entre murmúrios e gemidos de prazer,
esqueceram por completo a existência do sr. Adrian Henderson.
Capítulo XVI
As pesadas portas de carvalho de Fotherville House fecharam-se, por fim, à saída dos
derradeiros convidados, e Catherine, muito feliz com o sucesso de seu lançamento como anfitriã
do marquês de Rutherston, deu o braço para a irmã Lucy. Cantarolando, muito satisfeita, subiu
ao segundo andar com a caçula, entrando em uma saleta aconchegante e bonita, que elegera para
seu uso particular.
O marquês convidara Lucy e Charles Norton a voltar com o casal para Londres, e
Catherine percebeu um ar confiante e tranquilo no rosto da irmã. Também observara que o sr.
Norton a tratava com muito mais calor, como se os dois tivessem chegado a um acordo. Voltou a
sorrir, feliz, antecipando vários dias na companhia de Lucy, quando trataria de arrancar suas
confidencias.
Quanto ao sr. Henderson, conversara muito com o marquês, e parecia que os dois estavam
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de acordo sobre o retrato. Catherine não fora convidada a opinar sobre nada a respeito da obra,
mas não se importou. Durante a estada do pintor, por diversas vezes observara-o a fitá-la de
maneira apreciativa, e embora tivesse certeza de que seu interesse era apenas profissional, sentia-
se contrafeita por ser alvo de atenções indesejadas. Certa ocasião, surpreendera-o examinando-a
de perfil e, numa reação infantil, virará o rosto.
Uma espécie de camaradagem divertida se estabelecera entre os dois, e o marquês de
Rutherston parecia não se incomodar com isso. Por fim Catherine começou a desejar que Adrian
Henderson entrasse para seu círculo de amizades quando voltasse a Londres.
Nesse dia, alguns cavalheiros haviam se retirado para o escritório de Richard a fim de
tratar de negócios e as duas irmãs, felizes por se verem a sós, foram cada uma tratar de responder
a correspondência de Mary, a mais velha, que em breve teria seu terceiro bebê.
Quando Catherine terminou sua carta, principiou a vasculhar nas gavetas de sua
escrivaninha, em busca do sinete para selar o envelope. Não o encontrando, Lucy, que ainda
escrevia, sentada à outra mesa, sugeriu que poderia encontrar um na grande escrivaninha de
carvalho da biblioteca, no andar de baixo.
Catherine apressou-se a seguir a sugestão e dirigiu-se à biblioteca, mas quando estendeu a
mão para o enorme tampo da escrivaninha ficou indecisa se deveria olhar nas gavetas do
marquês sem pedir licença, e ali quedou-se parada, por um ou dois segundos, sem conseguir se
decidir.
Lembrou-se que Richard lhe dissera que não deviam existir segredos entre marido e
mulher e, além disso, era muito improvável que houvesse papéis de natureza confidencial num
móvel tão exposto. A escrivaninha particular do marquês de Rutherston ficava em seu escritório,
um espaço sacrossanto onde ninguém ousava entrar, a não ser que fosse convidado.
Isso pareceu resolver o problema e, suspirando, resoluta, abriu as gavetas uma a uma,
percorrendo com os dedos seu interior, à procura do desejado sinete.
Em uma das gavetas, sentiu algo rijo, bem no fundo, e com os dedos em gancho, tentou
tirar para fora, porém o objeto escapou-lhe. Em seguida, ouviu um estalido e, para seu espanto,
viu surgir uma gaveta rasa e estreita de um lado da escrivaninha.
— Um compartimento secreto — murmurou para si mesma, surpresa com a descoberta.
Inclinou-se para o interior da gavetinha, com muito interesse, e vislumbrou uma pequena
caixa de veludo azul com o emblema do mais prestigiado joalheiro de Bond Street, que fornecera
o corar de pérolas com que o marquês a presenteara no casamento.
— Catherine?
Pega em flagrante, deu um pulo e voltou-se, deparando-se com o sr. Henderson. Sentindo-
se ridícula, porque afinal não estava fazendo nada de criminoso, suspirou, aliviada.
— Adrian! Ainda não foi embora? — exclamou, respirando fundo. — Onde está Richard?
Curioso com o ar aflito e os modos nervosos da dona da casa, o pintor se aproximou.
— Ainda está com os colaboradores, portanto não precisa ficar assustada. Seu segredo
culposo está a salvo comigo, milady. Será que a apanhei bisbilhotando?
Sem raciocinar que Adrian estava sendo inconveniente e intrometido, Catherine corou até
a raiz dos cabelos, fazendo-o rir.
— Ora, ora! O que temos aqui?
Assim dizendo, e sem a menor cerimônia, Henderson retirou a caixa de veludo da gaveta,
e fez menção de abri-la.
— Sem querer descobri esse compartimento secreto — murmurou Catherine, aborrecida
consigo mesma por estar dando tantas explicações a um quase estranho. — Não toque em nada,
por favor! — Relanceou um olhar nervoso para a porta da biblioteca, como se esperasse ver o
marido entrar a qualquer momento. — Ponha de volta na gaveta, Adrian! Não temos o direito...
Mas já era tarde demais, e olhou com interesse para a caixa aberta, onde repousava o mais
magnífico colar de brilhantes que já vira.
— Deve ter custado uma pequena fortuna para o marquês — comentou Adrian.
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CHE 216 Irresistível encanto (Bluestocking Bride) Elizabeth Thornton 84
Assim dizendo, retirou a jóia da caixa com os dedos longos e finos, e ergueu-a de encontro
à luz que se filtrava da janela, fazendo as pedras brilhar com um fulgor frio, em contraste com o
sol da manhã. Sob esse prisma, o colar parecia um círculo de gotas d'água.
— É perfeito — murmurou Catherine, prendendo o fôlego.
— Se admira esse tipo de coisa — resmungou Adrian, recolocando a jóia na caixa de
modo brusco, e voltando a guardá-la na gaveta secreta, fazendo-a correr para o fundo, e
desaparecer com um estalido seco. — Não sabia que se derretia por pedras faiscantes.
— E por que não? — replicou Catherine, curiosa. — Devido ao fato de que não as uso
com frequência? Bem, talvez o motivo seja porque não possuo muitas.
— Nesse caso, cara lady Rutherston — dardejou Adrian sem esconder o mau humor —
devo me desculpar por ter estragado o que, tenho certeza, era uma agradável surpresa para a
senhora. Pena eu ser uma pessoa tão curiosa, mas aconteceu. É melhor esquecer esse incidente,
até que seu marido lhe dê o colar, e... — Fez uma pausa contrafeita, e fitou-a com os olhos
semicerrados. — Se puder me fazer um favor, finja muita surpresa ao recebê-lo.
— Se esses brilhantes adoráveis chegarem as minhas mãos um dia, sr. Henderson —
replicou com displicência, tomando-o pelo braço, a fim de deixarem a biblioteca — o que me
pede será muito fácil. Mas no meio tempo pretendo esquecer que vi o colar, e pode ter certeza de
que o marquês jamais saberá de sua indiscrição.
Adrian franziu a testa, curioso.
— Minha indiscrição, milady?
Catherine sorriu, e fitou o pintor com ar de inocente malícia.
— Sim. Afinal, fui eu que descobri o compartimento, mas foi você quem abriu a caixa. E
agora, se for um perfeito cavalheiro, acompanhará duas senhoras solitárias, minha irmã e eu, em
um chá.
Entretanto a última coisa que Catherine conseguiu foi esquecer a descoberta do colar, e
não parava de imaginar para quem estaria destinado. Tinha quase certeza de que era um Presente
do marido que viria a receber em breve. Richard dera-lhe pérolas no casamento, uma jóia ímpar,
porém não achava que se comparasse aos excitantes brilhantes.
Recebia pérolas desde a época em que usava tranças, e estava ansiosa por algo mais
suntuoso e sofisticado, para propagar aos quatro ventos que já era uma mulher feita, e não mais a
flor do campo, ingênua e infantil.
Faltavam três meses para seu aniversário, mas era difícil imaginar que o marido lhe
comprara um presente com tanta antecedência.
De repente ocorreu-lhe a idéia de que Richard desejava que usasse o colar para posar, e
quanto mais pensava a respeito, mais o pensamento parecia coerente e sensato.
Decidiu que o marido jamais deveria saber que agira de modo tão vulgar, bisbilhotando
em gavetas. Tal conduta, bem sabia, poderia não ter perdão aos olhos do marquês de Rutherston.
Richard podia ser o homem mais adorável quando desejava, refletiu, além do mais
atencioso dos amantes, mas em matéria de educação era inflexível, e assim raciocinando, sentiu
as faces em fogo.
— Preciso parar com esse hábito irritante de ruborizar por qualquer coisa! — resmungou,
indo cuidar de outros assuntos.
A vida de Catherine com o marquês em Londres era bem diferente da que levavam no
campo. Via Richard muito menos, até quando compareciam às mesmas recepções e festas, já que
era considerado de bom gosto um casal circular em rodas separadas na mesma festa, evitando
permanecer junto.
Além disso, em Londres, era natural e mandatório que um cavalheiro passasse algumas
horas do dia ou da noite em seu clube, em St. James Street, na companhia apenas de outros
cavalheiros.
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CHE 216 Irresistível encanto (Bluestocking Bride) Elizabeth Thornton 85
Quando Catherine por fim protestou que estavam passando pouco tempo juntos,
Rutherston lembrou-lhe com paciência que estavam na capital porque ela assim preferira, e que
bastaria uma palavra sua para que retornassem a Fotherville House. Quanto ao quadro que
Henderson pretendia iniciar, poderia ser feito também no campo.
Porém Catherine não tinha a intenção de deixar Lucy sozinha no final da temporada
social, e imaginou que poderia tolerar a ausência de Richard e a pouca atenção que lhe dedicava
por mais um mês. Gostava da vida trepidante na grande cidade, apenas lamentava não ver o
marido com a frequência habitual.
Quando por algum motivo o marquês não podia acompanhá-la com Lucy em alguma
recepção, Charles Norton estava sempre pronto, de modo que as damas não perdessem nenhuma
diversão.
Os primeiros esboços do retrato de Catherine foram feitos assim que chegaram a Londres.
Adrian Henderson vinha todas as tardes, em geral quando o marquês estava presente, e Catherine
divertia-se ao ver como ambos a tratavam como se fosse um objeto, um manequim de vitrine que
se veste com seda, cetim ou veludo, virando de um lado para o outro, a fim de aproveitar melhor
a luz, fazendo-o manter essa ou aquela pose.
Um contratempo surgiu entre o marido e o pintor, quando Rutherston expressou o desejo
de a esposa usar o colar de pérolas para o retrato. Ante tal idéia, Catherine sentira um aperto no
coração, ao perceber que Richard não pensara nos brilhantes, e nem quis ouvir a discussão entre
os dois homens, embora soubesse que Adrian jamais mencionaria a jóia no compartimento
secreto.
Sentia-se muito desapontada e frustrada, já que esperara usar o colar também no último
baile da temporada, em Carlton House, antes que o príncipe regente partisse para as férias de
verão em Brighton.
Parecia pouco razoável esperar três meses pelo seu aniversário, a fim de receber o
presente, mas não ousava dar a perceber ao marido que sabia da existência da jóia. Sua conduta
fora repreensível, sem desculpa, e não desejava provocar o olhar gélido do orgulhoso marquês de
Rutherston, que já conhecia de outras ocasiões.
Logo ao chegar a Londres, Catherine fora recebida em Green Street por sua sogra, com
efusivas manifestações de carinho e prazer, e sentira-se aliviada por perceber que a marquesa não
ficara ressentida com sua impertinência, quando haviam se conhecido.
E como Rutherston via-se na obrigação de comparecer a uma série de compromissos na
Câmara dos Lordes e na Corte, Catherine adquiriu o hábito de visitar a sogra quase todas as
tardes, assim como a tia Margaret em Mount Street, onde Lucy ainda estava hospedada.
Todos pareciam pensar que o marquês e a marquesa de Rutherston preferiam ficar a sós
em Berkeley Square, mas na verdade Catherine ficava sozinha a maior parte do tempo.
Já que Norton não morava mais lá e preferira mudar-se para a casa de um amigo em
Jermyn Street, a fim de deixar os recém-casados mais à vontade.
Certa tarde, ao chegar a Green Street, na casa da mãe de Richard, soube pelo mordomo,
Styles, que a sogra precisara sair com urgência, mas que a duquesa de Beaumain estava ali e iria
recebê-la. Encontrando-se já na casa da sogra, Catherine ponderou que poderia conversar um
pouco com a cunhada, embora não a julgasse uma boa companhia.
Jane, a irmã de Richard, mais velha que o irmão alguns anos, era uma mulher atraente
quando calada, mas ao abrir a boca sua conversa revelava-se muito tediosa e superficial,
pontilhada por fatos sem importância e maçantes. Também não costumava ser muito discreta, e
dizia o que lhe vinha à cabeça, sem grande censura nem bom senso. Enfim, era uma criatura
superficial e desinteressante aos olhos de Catherine, mas, afinal, era preciso ser gentil com a
cunhada, refletiu.
O marido de Jane, o duque Henry, era um homem bonachão e de índole generosa, a quem
Richard chamava com afeto de "boboca", e não costumava cercear nem dominar a esposa que,
tendo escapado do jugo implacável da mãe, a marquesa, vivia como queria.
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CHE 216 Irresistível encanto (Bluestocking Bride) Elizabeth Thornton 87
que parecia não desfrutar de outros interesses além da vida particular do irmão.
Lady Beaumain serviu-se de mais chá e prosseguiu, no tom de voz monótono mas um
tanto cantado que era sua marca registrada:
— Cheguei a pensar que Richard iria pedir em casamento a filha dos Burland. Como se
chama mesmo? Lady Harriet? É conhecida como A Incomparável por causa de sua beleza, e sem
dúvida estava louca por meu irmão do modo como o perseguia em todas as festas. — Tomou um
gole do chá, e fitou um ponto a distância, como se estivesse esquecida da presença da cunhada.
— Teria sido um enlace maravilhoso. Harriet é linda, de sangue azul, e uma herdeira de milhões.
Entretanto, ninguém nunca sabe o que Richard irá fazer. É tão imprevisível...
Catherine tinha vontade de arrancar a xícara de porcelana dos dedos longos e indolentes da
duquesa, e atirá-la do outro lado da sala, espatifando-a em mil pedaços O pior era que sentia
também uma vontade enorme de chorar. Toda aquela conversa a magoara muito, e enchera seu
coração de um ciúme avassalador. Por que a cunhada insistia em ser tão insensível?, pensou,
desanimada. Não queria saber da vida de Richard antes de desposá-la. Isso era problema dele, e
não seu.
Apenas seu amor-próprio a fazia permanecer sentada na poltrona, composta e serena.
Porém os últimos comentários da cunhada tinham sido a gota d'água. Sem maiores explicações,
levantou-se e, com um farfalhar de sedas, deixou a sala, murmurando uma desculpa qualquer
para a assombrada Jane, que permaneceu de olhos arregalados, a xícara de chá erguida, como se
fosse uma estátua de pedra.
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Rutherston estaria fadada a ficar relegada a segundo plano, sempre sozinha, gerando um filho
por ano, e tomando conta das residências do casal e das crianças.
Lembrando das palavras ferinas, Catherine fez uma careta amargurada.
De repente desejou dar uma lição no marido aristocrata e orgulhoso. Uma lição que jamais
esquecesse, mas nenhum plano lhe ocorreu, e continuou a engolir o ódio e a frustração, dizendo,
em pensamento, todos os impropérios que conhecia em grego. Em sua mente, soavam mais
contundentes que qualquer epíteto no próprio idioma.
— Vai pagar caro, marquês de Rutherston! — sibilou. ente os dentes cerrados. — Não sou
a ratinha medrosa que pensa! Não irá me transformar em uma reprodutora de pequenos Richard!
Sou forte, e tenho personalidade!
Mas enquanto dizia essas palavras, as lágrimas continuavam fluindo de seus olhos, como
se nunca mais fossem cessar.
Richard era igual a qualquer um dos cavalheiros que conhecera ao longo da temporada
social, refletiu. Egoísta, mulherengo, sem sentimentos.
Em seu desespero não conseguia enxergar o homem gentil e carinhoso que a despertara
para os prazeres eróticos com tanta delicadeza e carinho, e que se orgulhava da nova anfitriã de
Fotherville House e da mansão de Berkeley Square.
Para Catherine, tudo que contava era o fato de ter servido aos propósitos egoístas de uma
promessa feita à marquesa de Rutherston, para a perpetuação do nome dos Fotherville.
Capítulo XVII
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Tentou afastar as mãos de Richard com um gesto débil, amedrontada que a voz traísse
suas emoções.
— Deixe-me ir, Richard.
Para seu horror, sentiu que as faces estavam úmidas de lágrimas. Um segundo depois, os
braços de Rutherston a circundavam, enquanto tentava enxugar seu rosto com o lenço de linho
branco.
— Desculpe, Richard... Estou estranha hoje... Com dor cabeça. Vai passar, não se
preocupe.
— Minha querida!
Assim dizendo, o marido a tomou nos braços, fazendo-a sentar em seus joelhos na
poltrona, e acarinhando-a corno se fosse uma criança.
— Abra seu coração — pediu o marquês.
— Não há nada a dizer. Pare de me tratar como se fosse uma menina pequena, Richard.
Não gosto disso.
Tentou de modo desesperado desvencilhar-se dos braços fortes, mas não conseguiu.
— O que há, meu tesouro? Por favor, não tente me afastar. Conte-me o que está
acontecendo.
Forçou-a a fitá-lo, e Catherine lutou para não deixar transparecer a raiva que a fazia corar.
Rutherston percebeu o rubor em suas faces e interpretou mal seu significado. Acariciou-lhe os
cabelos, murmurando:
— Faço uma vaga idéia do que a perturba, meu amor.
O tom delicado a fez pensar em zombaria, fazendo-a reagir.
— Verdade, milorde? — perguntou com frio orgulho.
— Claro que sim! Deseja mais minha companhia.
Richard começou a rir de modo despreocupado, enfurecendo-a ainda mais.
— É um homem... odioso!
Franziu os lábios, o olhar com um brilho perigoso.
— Minha querida, o que a perturba tanto? Deve saber que tudo a seu respeito me interessa.
Há várias semanas partilho seu leito. Como ignorar o que se passa em seu coração? Afinal nada
de extraordinário aconteceu...
Ante aquelas palavras, Catherine afastou-se com um repelão.
— Extraordinário! — repetiu com calor. — Claro que não. É tudo comum... tão comum
que dá vontade de rir. E sua mãe e irmã concordam a esse respeito. Tudo é maravilhosamente
natural!
Rutherston a fez deixar seu colo, e levantou-se da poltrona fazendo-a sentar-se em frente,
as mãos pousadas de modo gentil sobre seus ombros.
— Catherine, não meta minha família nessa história. Esqueça tudo, e pense apenas em nós
dois. Não é o que deseja?
Enquanto falava, observava seu rosto com ansiedade.
— O que desejo! Desde quando se importa com a minha vontade? Casou-se comigo
apenas para obter um herdeiro!
Richard apertou-lhe os ombros com firmeza.
— Meu amor! — Os lábios ansiosos roçaram-lhe os cabelos. — Que tolice é essa? Sim,
preciso de um herdeiro para continuar a tradição de minha família e manter meu nome e título,
mas por certo sabe que casei-me com você por motivos muito mais elevados. Desejo que a
mulher que amo tenha meus filhos.
— Será verdade, milorde? Deverei então ter um filho por ano como minha irmã Mary, e
dar-me por satisfeita, julgando-me a mulher mais feliz do mundo? Apenas por servir ao
propósito de meu marido? Com a ressalva que Mary é feliz em seu casamento.
Richard deixou cair as mãos dos ombros de Catherine, e uma máscara de frieza tomou
conta de seu rosto másculo.
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A voz do marquês soou aveludada, mas havia um laivo perigoso em cada sílaba.
— O que está dizendo, senhora?
Catherine não sabia o que pensar ou o que dizer. A revelação da promessa que Richard
fizera à mãe, de se casar aos trinta anos para ter um herdeiro, e a lembrança da voz monótona
mas impiedosa de Isabel, enquanto tomavam chá, a tolhia de qualquer traço de racionalidade,
fazendo-a dizer o que não pretendia.
— Não quero... não posso... — balbuciou de modo incoerente.
— O quê? Por favor, continue, querida.
Porém o tom de voz do marido continuava sendo o de um pai benevolente com uma filha
caprichosa, e isso irritou Catherine mais ainda. Sentiu que a tensão alcançava um ponto
intolerável, e tomou o livro de novo entre as mãos, murmurando com um resto de compostura:
— Não serei como minha irmã Mary.
— Acabou de dizer que Mary é feliz, mas não parece. Não sabia que sua irmã estava
desgostosa com sua situação de mulher casada.
Assim dizendo, Richard dirigiu-se até um aparador, e serviu-se de uma dose de conhaque,
observando a esposa, enquanto bebericava.
— O caso de Mary é diferente — murmurou Catherine.
— Verdade? Seja mais precisa, minha cara, pois não consigo seguir sua linha de
raciocínio.
O tom de voz tranquilo do marquês começava a fazê-la perder a cabeça.
— Sabe muito bem o que quero dizer — dardejou com fúria. — Mary adora ser mãe em
tempo integral. Porém não tenho a menor intenção de ter um filho por ano para garantir e
satisfazer a grande casa dos Fotherville!
Era o máximo que podia dizer para alertá-lo que sabia da promessa que fizera à mãe, e que
se sentia muito ofendida.
Viu-o tomar o resto do conhaque de um só gole, recolocar o copo sobre a mesa, e
aproximar-se sem pressa, com passos contidos. Catherine ergueu o rosto, e deparou-se com o
brilho frio nos olhos do marquês.
— Seja mais clara, senhora. — Esperou por uma resposta, mas Catherine não conseguia
falar, e baixou a cabeça, confusa. Ante tal confusão, Rutherston sentiu dó. — Está negando meus
direitos de marido? — perguntou entre preocupado e divertido.
— Sim... não... ainda não sei...
Catherine pôde sentir a petulância no próprio tom de voz, e estremeceu. Richard estendeu
a mãos e acariciou-lhe a face.
— Não acha, meu amor, que está sendo pouco lógica? O que significa dar a entender que
não me deseja mais em sua cama? — Com gesto súbito, tomou-a entre os braços fortes, fazendo-
a ter medo de fitá-lo. — Catherine, está esperando nosso primeiro filho? — perguntou em tom
ansioso e feliz. — Receia...
— Não nosso filho, milorde, mas seu herdeiro! Há uma grande diferença! Além do mais,
ainda não tenho certeza.
As palavras quase ofensivas nada significavam para o marquês de Rutherston, mas eram a
expressão furiosa no rosto de Catherine, os lábios crispados, que o paralisaram enquanto a
esposa continuava sem tomar alento.
— Não há nada de errado com minha lógica, milorde. Terá seu herdeiro, porém nada mais.
Está bastante claro, ou devo ser mais explícita?
— Não precisa se dar ao trabalho, minha cara — murmurou Richard, retrocedendo,
deixando pender os braços, e sentindo uma fúria fria invadi-lo. — Um marido sempre encontra
consolo em outro lugar quando possui uma esposa cruel.
Catherine pareceu pensar por um segundo, e depois sua voz soou cáustica.
— Oh! Uma amante! É claro! E não tem a obrigação de gerar um filho por ano!
— Está mal informada, senhora. Algumas geram — replicou o marquês com voz gelada.
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Assim dizendo, deu meia-volta e deixou a sala, fechando a porta com firmeza, e deixando
Catherine banhada em lágrimas.
Entretanto Catherine não permaneceu em casa nessa noite. Assim que Rutherston saiu, um
grupo barulhento e alegre, constituído por Lucy, Charles Norton, Henderson e o irmão Tom, que
regressara de Breckenridge, adentrou a sala.
— Por fim o diabinho deu o ar de sua graça, Kate! O terceiro filho de Mary nasceu na
quinta-feira pela manhã — anunciou Tom com entusiasmo.
— E como está nossa irmã?
— Não tão bem desta vez, mas mamãe está ao seu lado, portanto não precisa se preocupar.
Vim trazer a notícia, e só ficarei um ou dois dias.
Porém a novidade perturbou Catherine. Sua irmã, lady Mary, era apenas um ano mais
velha, e até seu casamento com o visconde Haughton fora sua mais íntima amiga e confidente.
Em quatro anos de matrimônio, gerara três filhos. Podia-se lembrar da alegria de Mary quando a
vira pela última vez em Breckenridge, e ansiava por revê-la.
A voz de Adrian Henderson cortou o fio de seus pensamentos.
— Lady Rutherston? Pretendemos ir ao teatro esta noite. Se concordar em vir conosco,
sentir-me-ei muito honrado.
O tom de voz era quente e convidativo. Erguendo o rosto, Catherine viu um brilho de
compreensão nos olhos do pintor. Parecia que pressentira sua infelicidade e tentava consolá-la.
Ao lembrar-se do olhar frio do marido quando a deixara sozinha, entregue à própria
miséria, tomou uma decisão. Negava-se a ficar sozinha, remoendo os -aspectos infelizes de sua
vida, então, forçando-se para soar alegre, foi aprontar-se e logo depois saiu com a irmã e os
amigos para assistir Macbeth, de Shakesperare.
A família de Adrian Henderson era bem-relacionada, e embora o pintor tivesse uma renda
pequena, mantendo-se como retratista, parecia não ambicionar mais nada na vida. O camarote
que ocuparam nessa noite no teatro pertencia a sua tia lady Blakney, mas como a dama ficava
pouco tempo em Londres, Henderson o utilizava à vontade.
Então, Catherine viu-se sentada na primeira fileira, entre Tom e Henderson, Lucy e
Norton, logo atrás. No primeiro intervalo da peça viu-se a sós com o pintor, quando os demais
deixaram o camarote para passear pelos corredores e cumprimentar os amigos. Então viu o
marquês de Rutherston, o que congelou o sorriso em seus lábios.
O marido acabara de entrar no camarote ao lado, onde uma bela mulher estava cercada por
uma corte de admiradores. Ao passear o olhar pelo teatro, de modo displicente, Richard viu a
esposa também, e o choque pareceu transformar o belo rosto em uma máscara de pedra.
Catherine acenou com um leve inclinar de cabeça e voltou a prestar atenção em
Henderson, forçando-se a não olhar mais na direção do camarote vizinho. Abriu o leque com um
gesto rápido e, cobrindo metade do rosto, pediu ao pintor que lhe dissesse quem era a dama do
camarote ao lado, e que tantas atenções masculinas atraía.
Catherine percebera que nada escapara ao olhar perspicaz de Adrian Henderson, e que ele
compreendera tudo que se passara entre ela e o esposo, inclusive os acenos frios e formais, o que
traduzia um relacionamento tenso entre o casal.
— A dama — disse em tom discreto — é lady Pamela, viúva do velho Symington, mas é
conhecida por levar a viuvez com muita alegria.
Catherine forçou-se a rir com bom humor, e ergueu o queixo, esperando que Rutherston
visse seu gesto.
— E por que nunca a vi antes em nenhuma ocasião? É muito bonita, e seria difícil
esquecer se a tivesse conhecido antes.
Henderson pareceu ponderar sobre a pergunta, com uma expressão contrafeita no rosto
másculo.
— Diga-me, Adrian. Pelo menos de você espero um pouco de honestidade — insistiu.
— Minha cara senhora, lady Pamela é aceita em alguns círculos, e boicotada em outros.
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o rosto de um lado. Creio que não conseguirei manter esta pose por muito tempo.
— Garanto-lhe que é sua postura característica.
— Verdade? Então devo parecer muito ridícula, com o nariz levantado desse modo! Fico
imaginando como não caio com o rosto no chão cada vez que atravesso uma sala, já que estou
com o queixo tão empinado.
Tentava fazê-lo rir, e foi recompensada com uma expressão menos tensa no rosto de
Adrian.
— Referia-me a quando está zangada e seus olhos brilham de fúria — explicou o artista.
— Pense em coisas que a enraivecem, milady, e logo assumirá a pose certa.
— Então pretende me retratar com expressão de raiva?
Ao ver a mágoa no rosto de Catherine, foi sua vez de murmurar uma desculpa, e logo
postou-se ao seu lado, tomando-lhe a mão.
— Lamento, minha cara.
Catherine afastou-se, pressionando as mãos sobre o peito, e balançou a cabeça, forçando
um sorriso triste.
— Por favor, não se aproxime, Adrian.
O pintor obedeceu, vendo-a cruzar e descruzar os dedos, de maneira nervosa.
— Posso dizer uma coisa, Catherine?
— Não! Por favor, não diga nada.
Diante de tamanho alarme, Adrian manteve-se em silêncio, os lábios cerrados.
— Não precisa ter medo — disse, por fim. — Irei protegê-la sempre que precisar de um
amigo.
Catherine fitou-o com assombro.
— Adrian, se está começando a sentir afeto por mim, por favor desista logo de início. Sou
casada com o marquês de Rutherston e, acredite-me, não há nada de errado entre nós. O que viu
no camarote do teatro foi apenas um arrufo entre marido e mulher.
Henderson fitou-a como se tivesse mais a dizer sobre o assunto, porém mudou de idéia,
voltando a assumir a atitude profissional de artista.
— Fiz o que pude nesta casa, milady — disse por fim, começando a arrumar seu material
de pintura com gestos furiosos. — A luz não serve aqui. De ora em diante precisaremos trabalhar
em meu ateliê. — Diante do ar incerto de Catherine, acrescentou: — Lorde Rutherston
concordou. É claro que será acompanhada por sua criada, milady.
— Que rude de sua parte falar assim, sr. Henderson! Não estava pensando nisso.
— Não? E em que pensava?
Sem dúvida, Adrian lera seus pensamentos, mas Catherine estava determinada a manter
aquele relacionamento em bases mais impessoais.
— Apenas imaginei que costuma se impacientar e ficar insatisfeito com seu trabalho
muitas vezes, e que isso acontecerá também em seu ateliê. Diga-me, sr. Henderson, os artistas
sempre costumam maltratar seus modelos quando estão com os dedos doloridos ou a vista
cansada?
— Nós, homens, milady — rebateu Adrian no mesmo tom sarcástico —, somos seres
egoístas, como a senhora sabe.
Continuaram a lançar farpas amigáveis um para o outro, até que Henderson terminou de
arrumar seu material de trabalho e partiu. Quando se viu sozinha, Catherine sentou-se, a fim de
coordenar os pensamentos conturbados.
Rutherston a alertara de que o artista era perigoso e mulherengo, mas não conseguia
acreditar. Os cabelos louros que lhe davam um ar juvenil e as maneiras gentis de Adrian
Henderson angariavam-lhe amigos de ambos os sexos, refletiu. Possuía um encanto natural e
inato, que faltava ao marquês, ponderou com raiva, a mágoa que sentia a respeito do marido
fazendo-a ser excessivamente parcial.
Adrian gostava das pessoas de modo sincero, ao contrário de Rutherston, que só se
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importava com uns poucos mortais e considerava o resto da humanidade maçante e indigna de
suas atenções.
Sim, pensou Catherine, gostava muito de Adrian Henderson, entretanto como um bom
amigo, e não sentia nenhuma atração pelo artista.
Suspirou, tristonha. Para o bem ou para o mal, amava o arrogante, intolerável, egoísta e
odioso marquês de Rutherston que, embora não soubesse amar, encarava-a como se fosse um
objeto de valor do qual se orgulhava, e não permitiria que nenhum outro homem olhasse para
ela.
Catherine estremeceu ao recordar que o marido dissera que bastaria seu bom senso de
mulher virtuosa e sua habilidade com a pistola para manter Henderson afastado.
Não acreditava que Adrian se importasse com a capacidade de atirador do marquês, mas
ela sim, e pretendia fazer uso do bom senso que Richard mencionara, a fim de que nenhum mal
ocorresse ao jovem artista, a quem queria muito bem.
Adrian era mais vítima que predador, pensou. Um cavalheiro à moda antiga, do qual
algumas mulheres insensíveis poderiam se aproveitar.
E um pensamento lhe ocorreu, fazendo-a arregalar os olhos, admirada.
— Meu Deus! — exclamou para si mesma. — Adrian parece Hipólito, da peça de
Eurípides!
Porém, pensando melhor, não teve tanta certeza se sua conclusão era aceitada. O sr.
Henderson tinha sangue muito quente para ser comparado a Hipólito, mas, como o herói grego,
precisava ser protegido, e não permitiria que lhe fizessem mal.
Estava para subir as escadas, quando a porta principal se abriu, e Rutherston entrou.
Catherine não o via desde a noite anterior, no teatro, e desejou acabar com a expressão sardônica
no rosto do marido, mas na presença de George, o mordomo, que recolhia o sobretudo do amo,
achou melhor se conter e não fazer uma cena diante dos criados.
— Minha querida — murmurou o marquês, cumprimentando a esposa com um gesto de
cabeça e entregando o cachecol a George. — Passei horas em reunião em Carlton House.
Encontrei Freemont e precisei prometer que iria amanhã ao Parlamento para apoiar seu projeto
de lei sobre a Irlanda. Uma tolice! — Voltou-se para o mordomo. — Obrigado, George, isso é
tudo.
Quando o criado se retirou, deixando-os a sós, Catherine fez menção de voltar-se para as
escadas e disse por sobre o ombro:
— Se me der licença, milorde, vou me trocar.
— Onde está Henderson? — perguntou Richard de modo abrupto.
— Foi embora, e de mau humor. Disse que a luz da casa não favorece seu trabalho —
forçou-se a falar com naturalidade. — A partir de amanhã, posarei em seu ateliê.
Rutherston balançou a cabeça concordando e observando as vestes da esposa com
interesse.
— Onde estão as pérolas?
De modo instintivo, Catherine levou a mão ao pescoço.
— Henderson não quer que as use. Nenhuma jóia, disse. Acha que poderão distrair a
atenção de meu rosto, e é isso que deseja provocar quando admirarem o quadro.
— Tudo bem, mas quero que as use. Por favor, obedeça.
O tom era suave mas incisivo, e fez Catherine cerrar os dentes.
— Sim, milorde.
Voltou-se de novo para as escadas, mas Richard a deteve.
— Um momento, Catherine.
Tomou-a pela mão, e fez com que o acompanhasse, sem resistência, à sala que acabara de
deixar. Conduziu-a até uma poltrona ao lado da lareira apagada, e permaneceu de pé,
observando-a. Isso fez a esposa se sentir em desvantagem, pois tinha que erguer o rosto para fitá-
lo.
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CHE 216 Irresistível encanto (Bluestocking Bride) Elizabeth Thornton 96
— Não há motivo para que permaneçamos mais tempo Londres, Catherine. Lucy partiu, e
já acertei meus negócios aqui. Tratarei de nossa vigem de volta a Fotherville House para o final
da semana.
— E o retrato? — quis saber Catherine com o olhar perdido ao longe.
— Henderson irá para o campo dentro de poucas semanas, e continuará o trabalho. Não há
pressa.
— Mas, Richard. — Era a primeira vez que usava seu nome, e isso o deixou feliz. —
Essas coisas demoram. Refiro-me ao casamento de Lucy. Como foi que tudo aconteceu?
— Não decidi dar a propriedade para Lucy de um dia para o outro. Já pensava nisso antes
de nos casarmos, querida. — Sorriu com ar de conspirador. — Há muito percebi o amor de
Charles por sua irmã. Tenho a impressão que Charles e Lucy apressaram os planos com a partida
de Tom hoje pela manhã. Decidiram em um piscar de olhos ir com seu irmão, e meu primo
procurou-me no White's logo cedo para me colocar ao corrente de seus projetos.
A luz banhava as costas de Richard, e Catherine não podia ver a intensidade de seu olhar.
— No White's? Então dormiu no clube? É um homem estranho, lorde Rutherston.
Richard pôde perceber o cansaço na voz da esposa, e estendeu a mão para acariciar-lhe o
rosto, porém Catherine o afastou.
— Deixe-me pensar, Richard. Quero um pouco de tempo. Não sei por quê, mas sempre
pensei que não levantaria um dedo para ajudar Charles e Lucy.
Deixou a poltrona, e ajeitou as dobras da saia com ex pressão preocupada.
— Na verdade nunca teve uma opinião muito boa a meu respeito, certo, amor?
As palavras do marquês soaram serenas, mas o queixo rijo traía seus pensamentos.
— Mas...
— Sim?
Catherine esteve a ponto de dizer que o adorava, mas sufocou as palavras. O marido não a
amava de verdade, e tal declaração a enfraqueceria ainda mais aos seus olhos. Rutherston iria
desprezá-la, refletiu. Estava cansada demais para raciocinar com clareza, e os sintomas da
gravidez, da qual já não tinha dúvidas, começavam a se manifestar em seu corpo.
— Preciso descansar esta noite. Mas agradeço pelo que fez por Lucy e Charles. Foi muito
generoso. Às vezes acho que não o conheço muito bem.
Richard quis corroborar esse comentário, mas a expressão exausta no rosto pálido de
Catherine o deteve.
— Não precisa ir a Carlton House hoje à noite para a festa, querida. Se quiser, darei suas
desculpas ao príncipe.
— Não, quero ir. Creio que não aguentarei outra noite sozinha, lendo as peças gregas.
— Pode reler Hipólito...
Estavam começando a voltar a ser o que eram, com as discussões divertidas, e isso
pareceu aproximá-los da reconciliação.
— Tome cuidado, milorde, pois poderei conhecer Hipólito esta noite, em Carlton House.
— Isso não me causa medo, querida esposa. Entre os que frequentam Carlton House, as
boas maneiras contam mais que a moral.
Foi um comentário infeliz, porém sem crueldade, mas ao ver a expressão sombria no rosto
de Catherine, o marquês ficou desesperado para saber o sentido que ela dera as suas palavras.
Estava aborrecido, entretanto a preocupação com o bem-estar físico de Catherine o fez
calar-se, e não procurar uma nova briga. Indefeso, Richard a viu deixar a sala com o queixo
erguido, sinal de que, se dissesse mais uma palavra sequer, haveria guerra.
Capítulo XVIII
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Assim que Catherine passou pelos portões em estilo grego de Carlton House, soube que
fora um erro comparecer à recepção. Os nervos à flor da pele e as náuseas a haviam exaurido e
deixado trêmula, enquanto as suspeitas sombrias a respeito de Richard e de lady Symington a
torturavam. Sentia a falta da presença confortadora de Charles e Lucy, já que o marido,
silencioso e distante, parecia um estranho ao seu lado.
Penetrou no vasto prédio com um pressentimento desagradável, e forçou-se a demonstrar
uma tranquilidade que estava longe de sentir. O calor nas sucessivas salas era terrível, como
imaginara, e as luzes brilhantes nos candelabros reluzentes, no interior do Salão Circular,
intensificaram sua dor de cabeça.
Movia-se de grupo em grupo, como em transe, ciente de Rutherston que a guiava,
segurando-lhe o cotovelo de modo delicado. Mas em breve o marquês foi solicitado por alguns
cavalheiros, e embora a deixasse aos cuidados de lady Arabella, Catherine sentiu-se abandonada,
e imaginou que o marido iria procurar seus próprios interesses na festa.
Em circunstâncias normais, teria apreciado o espetáculo que a circundava, mas no
momento estava consciente demais da própria infelicidade para poder pensar em outras coisas.
Só em Carlton House via-se tantos homens em uniforme. Pelo menos ali tinha-se
consciência de que uma guerra estava acontecendo, e que os galantes jovens presentes em breve
partiriam ao encontro de seu destino, com uma elegância e bravata tocantes.
A grande maioria desses rapazes eram filhos caçulas, refletiu Catherine, pois muito
raramente um herdeiro de família importante jogava tudo para o ar, a fim de defender seu rei e
seu país. Porém os filhos mais jovens tinham tudo a ganhar e nada a perder... A não ser suas
próprias vidas. Seria por causa desses rapazes destemidos que ela e Rutherston poderiam viver
com tranquilidade em seus domínios, e Catherine imaginou se o marido alguma vez pensava a
esse respeito.
De vez em quando, durante essa noite, o marquês se aproximou da esposa, tirando-a de
grupos de senhoras, para apresentá-la a homens influentes. Richard era íntimo de pessoas que
faziam parte do governo, e embora fosse evidente que seu apoio político ou social era
requisitado, confiou ao ouvido de Catherine que a maioria das autoridades presentes eram
notáveis apenas em um aspecto: sua mediocridade.
Porém os poucos que admirava foram apresentados à esposa que, em outras
circunstâncias, teria ficado lisonjeada, mas no momento sentia-se infeliz demais para apreciar o
gesto.
À medida que a festa prosseguia, Catherine ia achando cada vez mais difícil ostentar um
sorriso nos lábios, e sua mente divagava sem parar. Ansiava por um lugar tranquilo e isolado
onde pudesse se sentar sem precisar fingir interesse nos comentários e cochichos da Corte
elegante que a circundava.
Mantinha na mão um copo de limonada gelada que Rutherston providenciara, antes de ser
levado por lorde Liverpool, e começou a perambular pelo salão, sob as vistas do marido, até que
descobriu um sofá vazio ao lado de uma palmeira, onde sentou-se para descansar, aguentando a
náusea que diminuíra e no momento era apenas um leve mal-estar na boca do estômago.
O olhar de Catherine passeou de modo desinteressado pelos presentes, detendo-se em um
grupo animado de homens em uniforme azul e douro, que chamavam atenção com suas risadas
barulhentas. Um dos rapazes, em trajes civis, pôs a mão no ombro de um companheiro, e atirou a
cabeça para trás, gargalhando, e exibindo os dentes muito brancos. Era Adrian Henderson.
Pela primeira vez nessa noite, Catherine sorriu de genuíno prazer. Nesse instante, Adrian
voltou o rosto e, vendo-a, ergueu a mão em uma saudação, logo se afastando do grupo com
displicência elegante, e aproximando-se de Catherine. A multidão era tão compacta, que
Catherine levantou-se, a fim de não perdê-lo de vista. Deu alguns passos cautelosos, mas,
inadvertidamente, virou o copo com limonada, espalhando a bebida nas costas de uma dama à
frente.
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Lady Pamela Symington voltou-se com um repelão, o rosto lindo contorcido de raiva, e de
imediato Catherine a reconheceu como a senhora do camarote ao lado. Podia ver o veneno nos
olhos semicerrados, e embora os lábios sorrissem, a voz que lhe falou estava carregada de
arrogância.
— Lady Rutherston, presumo? A esposa camponesa de Richard. — Virou-se para a pessoa
que a acompanhava. — Percy, esta é a coisinha que conquistou o inacessível marquês.
O homem elegante observou-a com interesse e ergueu o copo em uma saudação.
Catherine mal notou as palavras maliciosas e ferinas ou o olhar indolente do
acompanhante de lady Pamela. Sua atenção concentrou-se no pescoço branco da viúva, e no
estonteante colar de brilhantes que o enfeitava. Ficou paralisada, hipnotizada pelo fulgor das
pedras, o rosto branco como papel. De modo instintivo, ergueu a mão e segurou o colar de
pérolas que usava, desejando arrancá-lo, mas agarrando-se ao último vestígio de orgulho que lhe
restava.
Sim, refletiu, Richard dera àquela mulher, sua amante, o colar de brilhantes que ela, a
esposa, em sua proverbial ingenuidade, julgara ser um presente que iria receber!
Começou a respirar com dificuldade, o corpo trêmulo, e então a náusea engolfou-a. O
copo escorregou de seus dedos, espatifando-se no chão, e as conversas, como em um passe de
mágica, cessaram ao redor. Catherine olhou em volta, assustada, a mão sobre a boca, e o enjôo
fazendo-a ter espasmos. Com o canto do olho, viu o marquês de Rutherston, Muito pálido,
abrindo passagem em meio à multidão, e aproximando-se. Isso a fez entrar em pânico. O marido
era a última pessoa que desejava ver naquele instante.
Tentou gritar seu nome, que saiu como um sussurro, o salão começou a girar e, incapaz de
se manter de pé, caiu de joelhos. Então Henderson surgiu a seu lado, afastando lady Symington e
enlaçando Catherine com os braços, erguendo-a e distanciando-a de Rutherston.
Abriram caminho para que os dois passassem, e um criado conduziu-os às pressas para
uma saleta, onde Catherine pediu que fossem procurar o marquês de Rutherston. Precisavam ter
uma conversa decisiva, refletiu.
Catherine tentou se recompor, procurando pôr ordem os pensamentos desencontrados.
Como pudera supor que teria beleza e encanto suficientes para manter a seu lado um homem
com o temperamento de Richard?
Vivera as últimas semanas em um sonho, construindo castelos de cartas, e agora tudo
desabara. Não passava de uma moça do campo, enquanto Richard vivia circundado por beldades
que continuariam a atraí-lo pelo resto de seus dias, refletiu, sentindo uma punhalada no coração.
Uma abençoada lassidão a invadiu, enquanto Henderson murmurava-lhe palavras de
incentivo. Catherine fechou os olhos, e tentou bloquear a imagem de uma bela Afrodite morena,
que ostentava no pescoço o símbolo do amor e rendição de um certo homem.
Percebeu a presença de Rutherston de modo vago, e suas palavras frias de agradecimento
para o pintor. Em seguida, braços fortes a carregaram e, exausta, apoiou a cabeça no peito
musculoso, dentro da carruagem que os levou de volta a Berkeley Square.
O médico confirmou a gravidez de Catherine, e proibiu festas e bailes dali em diante.
Também aconselhou ao marquês que adiasse a viagem a Fotherville House, até que as náuseas
passassem, o que, na opinião do dr. Strang, ocorreria dentro de duas ou três semanas.
Catherine sentiu-se aliviada com o adiamento da viagem, pois sabia que, entre as quatro
paredes daquela casa adorável, tão amada pelo marido e que retratava tão bem sua personalidade,
o veria em cada canto, mesmo quando estivesse ausente.
Impedida de sair, ficava pensando se quando Richard não estava a seu lado procurava
sempre a companhia de lady Pamela, e isso a deixava transtornada de ciúme. Suas emoções iam
da depressão à ira, mas o orgulho a fazia esconder os próprios sentimentos aos olhos do marido,
assumindo uma expressão distante e polida. Catherine sabia que isso o irritava, portanto sentia
prazer em atormentá-lo.
Sentindo-se negligenciada pelas constantes ausências do marido, cada vez mais voltava-se
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O marquês de Rutherston saiu do clube White's e sentiu a brisa fria da noite açoitar seu
rosto. Decidiu então retornar a pé para Berkeley Square. Ignorando a fila de coches em M. James
Street, que esperavam passageiros, virou à direita e dirigiu-se para Picadilly, de volta à casa.
Pensava em Catherine, e na distância que se impusera entre os dois. Refletiu se seria
loucura sair todas as noites e passar tanto tempo nos vários clubes onde era sócio. Não apreciava
muito as rodadas de bebidas e jogo e as conversas tediosas, porém estava com o amor-próprio
ferido ante a recusa constante de Catherine, que não o desejava em seu leito, e resolvera revidar.
Uma palavra, um gesto da esposa, pensou enquanto caminhava de cabeça baixa, evitando
o açoite do frio e do vento. Bastaria isso para fazê-lo ficar ao seu lado dia e noite, mas Catherine
jamais dava um sinal sequer de apreciar ou não sua presença em casa, e essa indiferença o
enfurecia.
Tinha certeza de que sua atitude para com Catherine era a do marido perfeito, e tomava
sempre cuidado para não dizer ou fazer nada inapropriado, pois no estado de fragilidade em que
a esposa se encontrava, qualquer coisa poderia roer o tênue fio de ligação que ainda restava entre
os dois. Talvez, refletiu de modo cansado, virando uma esquina e apertando a gola do sobretudo
em torno do pescoço, fora cauteloso demais. Dentro de uma semana a levaria para Fotherville
House, e naquele lugar isolado não toleraria mais a muralha que os separava.
Existiam muitas distrações em Londres, pensou com irritação, virando a esquina para
Berkeley Street. Seus pensamentos recaíram sobre Adrian Henderson e lady Pamela. A viúva era
um embaraço do qual pensara já ter se descartado, entretanto lembrava-se que a dama trocara
algumas palavras com Catherine logo antes da esposa desmaiar, e isso o fez franzir o cenho de
modo preocupado. Teria Pamela dito algo que chocara ou magoara tanto Catherine para fazê-la
passar mal?
Era difícil acreditar que lady Pamela fosse tão tola a ponto de torná-lo seu inimigo, mas
não permitiria que nada nem ninguém afetasse Catherine, refletiu com determinação. Se a dama
tivesse agido mal com sua esposa, trataria de tomar providências para que fosse delicada no
futuro.
Seus pensamentos concentraram-se em Henderson. A amizade que firmara com Catherine
começava a preocupar o marquês. Notara a expressão de alegria da esposa quando vira o pintor
em Carlton House, e uma onda de ciúme o invadiu. Ficara furioso porque Adrian chegara antes
ao lado de Catherine, quando a esposa caíra.
O retrato fora adiado indefinidamente, pois Rutherston dera uma desculpa, alegando que a
condição de saúde de Catherine não lhe permitia sair de casa nem ficar posando por horas a fio.
Ficara aborrecido porque Catherine tentara argumentar, e haviam discutido, com o marquês
dizendo palavras duras à mulher que amava, e Catherine baixando o olhar magoado.
Entretanto não podia proibir as visitas de Henderson à sua casa, pois incorreria no perigo
de ser considerado por Catherine um bruto opressor. Estava consciente da animação com que a
esposa recebia o pintor. Doía-lhe o coração cada vez que chegava em casa e ouvia os dois rindo e
conversando na sala de visitas, comentando sobre personagens da sociedade ou sobre alguma
notícia dos jornais.
Mal o marquês chegava, Adrian se levantava da poltrona e ia embora, e com sua partida a
alegria de Catherine desaparecia, para tristeza do esposo.
Se não fosse pelo fato de Catherine estar esperando um filho, Richard teria discutido e
proibido as visitas de Henderson, mas ela não perdia por esperar, refletiu, o sangue fervendo nas
veias.
Era o amo da casa, e faria valer seus direitos com bons modos, mas de maneira decisiva.
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— Lady Catherine, milorde, sentiu-se mal antes de cair sobre meu ombro. — A resposta
pareceu acalmá-lo, e esperou um momento antes de prosseguir com estudada malícia. —
Lembrei-me agora que lançou um olhar em sua direção antes de cair, e...
Parou de falar, como se relutasse em prosseguir.
— E depois? — incentivou Richard.
Movera apenas a boca, mas Pamela estava ciente de sua atenção.
— Então gritou por alguém chamado Adrian. Disse seu nome duas vezes, se não estou
enganada, e um jovem cavalheiro que não conheço, veio em seu socorro. É tudo que sei —
Lançou um olhar enviesado para o marquês, analisando sua reação, mas a atitude impassível de
Richard nada revelou, e o silêncio a espicaçou.
— Talvez tenha sido seu parente? — murmurou com um olhar inocente.
— Talvez — replicou Richard.
Porem seu rosto era uma máscara inescrutável, e Pamela não soube se o dardo atingira o
alvo. A frieza do marquês a levou a ser mais indiscreta e audaciosa.
— Quando rever lady Catherine, milorde, perguntarei sobre a saúde desse rapaz que é seu
parente. O cavalheiro ficou de fato desarvorado ao ver sua... esposa no chão. E que belo rapaz...
Entretanto nada a preparara para a reação violenta de Rutherston que, lançando o corpo
para frente, segurou-lhe o pulso com força, os dentes cerrados.
— Se tentar se aproximar de minha esposa, Pamela, irá se arrepender. Estou sendo claro?
A dama quis se desvencilhar dos dedos de ferro, e seu olhar brilhou de ódio.
— Não consegue me enganar, milorde! É transparente como vidro! Sua raiva não é
dirigida a mim, mas a lady Rutherston. Do que suspeita? Que talvez ela prefira outro homem?
As palavras ficaram ecoando no ar, e embora Richard apertasse o pulso delicado ainda
com mais força, a fúria de Pamela não se extinguiu. Com o rosto contorcido de malícia sibilou:
— Naturalmente notei que o galante cavalheiro que veio ajudar sua esposa era o mesmo
do camarote ao lado no teatro. Seu tolo...
Mas o discurso foi interrompido por um empurrão de Richard, que a fez se encostar no
sofá de modo violento. O marquês postou-se a sua frente, como uma torre ameaçadora. Por um
instante, vendo a ira fazê-lo estremecer, Pamela sentiu-se invadida pelo terror.
— Tome cuidado, milady. Não hesitarei em destruí-la se disser ou fizer algo que fira
Catherine. Seja lá o que sua fértil imaginação possa engendrar, aconselho-a a esquecer. Vim aqui
com um único propósito. Proteger minha esposa de qualquer indiscrição maliciosa que a senhora
queira fazer sobre nosso relacionamento. Não tolerarei isso, entendeu?
Lady Pamela aprumou-se no sofá, libertando por fim o pulso do aperto desagradável.
Muito nervosa, tentou gargalhar de modo controlado, mas a risada saiu como um grito doloroso.
— Como os homens são idiotas! E sua mulher também sabe disso! Não me venha com um
de seus olhares assassinos. Nada disse à Catherine, mas tenho certeza de que sabe que fomos
amantes. Achou que poderia manter esse segredo dela?
O escárnio na voz de lady Pamela abalou Richard, que cerrou os punhos.
A dama o observava sob os longos cílios escuros e pareceu recobrar um pouco do
autocontrole. Tentou uma abordagem conciliatória.
— E mesmo que Catherine saiba, Richard, o que importa? Será assim tão provinciana e
ingênua a ponto de imaginar que um marido não se cansa nunca do aconchego do lar? — Seu
silêncio pensativo a fez tornar-se mais ousada, e segurar a manga de seu paletó. — Richard!
A palavra foi dita em um tom de apelo muito sensual, porém Rutherston, perdido nos
próprios pensamentos, não ouviu nem viu nada. Por fim pareceu retornar ao momento presente e,
praguejando com um longo suspiro, deixou a sala da residência de lady Pamela Symington, sem
olhar para trás.
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Capítulo XIX
Pouco depois de Richard sair para tratar de alguns assuntos cujo natureza não esclareceu,
Catherine aproveitou a oportunidade e pediu pela carruagem. Deu a entender para George que o
confinamento forçado a estava sufocando e que desejava fazer um passeio até Richmond Park só
para tomar ar.
Entretanto, seus verdadeiros motivos nada tinham de inocentes.
Quatro dias haviam passado desde que recebera uma misteriosa mensagem de Henderson,
dizendo que deixara a cidade às pressas para tratar de um assunto urgente, mas que esperava
retornar em breve. Catherine pretendia fazer um passeio até Chelsea, onde morava o pintor, a fim
de ter notícias do amigo. Não ousava confidenciar a Richard que estava inquieta a respeito de
Adrian.
Sabia que se chegasse aos ouvidos do marquês que o desobedecera, saindo de casa, o
marido ficaria furioso, mas estava se vingando da atitude indiferente de Richard, Que nunca
dizia aonde ia.
Então Catherine resolveu aventurar-se também. Era pouco provável que o marquês viesse
a saber de sua visita a Adrian, mas por via das dúvidas tomou cuidado e levou seu colar de
pérolas na bolsa, caso Adrian já tivesse retornado, e pudesse posar um pouco para o quadro.
Se Richard viesse a questioná-la, daria a desculpa de que o pintor desejara fazer mais
alguns esboços do modelo usando pérolas. Afinal, refletiu, fora Richard quem teimara que o
usasse para o quadro.
Se soubesse que naquele exato momento o marido circulava por Richmond, Catherine
teria abandonado seus planos, pois não desejava ser vista nos arredores de Chelsea.
Foi com um resmungo de desaprovação que Simpson, o lacaio dos Rutherston, baixou a
escadinha da carruagem e estendeu a mão para a senhora descer. Catherine ergueu o rosto e, por
um instante, ficou surpresa.
A porta da frente da casa de Henderson estava escancarada, e dois brutamontes com
aventais de couro tentavam retirar uma enorme tela para fora.
Um homem baixo e gordo dava as ordens, instruindo-os para que não danificassem a tela
e, pelas roupas simples mas de boa qualidade, Catherine percebeu que se tratava de alguém da
classe média.
Ficou observando com ar atônito, enquanto os homens desciam os degraus da entrada com
sua carga, evitando arranhá-la no muro, e entrando na casa ao lado. Então Catherine avançou na
direção do homem baixo, que ficou surpreso aprumando-se, ao ver uma dama elegante ao seu
lado.
Os olhos semicerrados de lagarto analisaram, em poucos segundos, as roupas de Catherine
e a carruagem com o lacaio, e o homem ficou alerta.
— Milady, procura o sr. Henderson, por acaso?
O sorriso malicioso que acompanhou a pergunta ofendeu Catherine que, virando-se para o
lacaio, ordenou:
— Espere aqui, Simpson. Voltarei logo.
A fim de entrar na casa de Adrian, passou pelo homenzinho de olhar de réptil, mas ele a
seguiu com persistência.
— Milady, o sr. Henderson não está aqui. Sou Kemp, seu senhorio, às suas ordens.
Catherine deteve-se no umbral da porta, e fitou-o com dignidade.
— O que está acontecendo aqui? — perguntou de modo imperioso. — Quem lhe deu
autorização para remover telas do sr. Henderson?
Os olhos de réptil piscaram, contrafeitos, como se compreendessem as maneiras ofendidas
da dama, mas sua mente calculista refletia o melhor modo de tirar partido da situação.
— Milady — começou a falar com brandura — a lei está do meu lado, garanto. Estou
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retirando as telas do sr. Henderson por falta de pagamento. Tenho esse direito. — Notou que
Catherine prestava muita atenção ao que dizia, e prosseguiu. — O sr. Henderson tem sorte de
possuir alguns bens, do contrário iria para a cadeia. Caso tenha outros credores, e aposto que
tem, poderá acabar atrás das grades.
Catherine entrou em pânico, ante essas palavras sinistras, e empalideceu. Sabia que muitos
jovens acabavam na prisão por causa das dívidas, e só seus amigos podiam tirá-los dele. Quando
não tinham boas amizades, acabavam apodrecendo no cárcere.
Catherine percebeu que vários pares de olhos a observavam de modo curioso, e a situação
embaraçosa principiou a incomodá-la.
— Sr. Kemp, gostaria de falar-lhe em particular.
Era exatamente o que o homenzinho queria ouvir. Fez uma mesura floreada, quase
encostando o nariz no chão, e indicou que poderiam entrar em sua "humilde morada".
Foi então que Simpson pigarreou de modo discreto, em um esforço para chamar a atenção
da ama, mas Catherine pareceu não ouvir.
— Milady — murmurou então o lacaio, embaraçado por ter que alertar a dama sobre a
situação delicada. — Deseja que a acompanhe?
— Não é preciso, Simpson. Só levará um momento. Vá dar uma volta no quarteirão com a
carruagem, e volte em dez minutos.
Assim dizendo, Catherine deu-lhe as costas e entrou desacompanhada na casa de Kemp.
Foi conduzida até um pequeno escritório no térreo, e recusou a poltrona que o homem lhe
ofereceu, indo direto ao assunto.
— Quanto o sr. Henderson lhe deve?
O sr. Kemp pareceu chocado com a atitude pouco recatada de Catherine, mas dirigiu-se a
uma escrivaninha e retirou uma lista da gaveta. Tratava-se da dívida de Adrian, incluindo
aluguel, lavanderia, vinhos, jantares e transporte. Começou a ler de modo monótono, até que
Catherine o deteve.
— Quanto? — repetiu de modo frio, sem delongas.
Kemp ergueu o rosto da lista, e pigarreou, antes de responder.
— Um pouco mais de trezentas libras.
Catherine ficou surpresa com o valor bastante alto, enquanto ouvia, distraída, a explicação
do senhorio sobre o acúmulo de dividas contraídas pelo pintor durante um ano. Não possuía
tanto dinheiro, afora alguma quantia para pequenos gastos, pois como toda dama de sociedade da
época, apenas lançava na conta quando algo lhe agradava, e o marido recebia as notas dos
lojistas. Portanto, não via como ajudar Henderson.
— Sr. Kemp — interrompeu de novo, sem cerimônia —, se der um prazo para o sr.
Henderson, tenho certeza de que pagará sua dívida. Ele tem amigos.
— Oh! Se pudesse fazer isso, milady... — Kemp suspirou e balançou a cabeça de modo
moroso, como se fosse ura portador de indesejáveis e más notícias. — Porém, tenho minhas
próprias dívidas e devo pagá-las. Lamento, mas preciso de dinheiro. — Fez uma breve pausa, e
acrescentou: — Entretanto, se seu esposo deseja...
— Não! — exclamou Catherine com veemência,
O olhar de réptil iluminou-se, pois Kemp pensou ter descoberto a situação.
— Ah! Nesse caso...
Cada qual ficou entregue aos próprios pensamentos. O senhorio sabia que as damas
elegantes jamais tinham dinheiro vivo, porém eram generosas com suas jóias e outros pertences,
e tratou de jogar sua cartada decisiva.
— Caso milady possua algum objeto de valor para pagar as contas do sr. Henderson,
ficarei feliz em ajudar.
Catherine permaneceu imóvel, e franziu a testa, pensativa. As pérolas estavam dentro de
sua bolsa, e tomou uma decisão. Com cálculo deliberado, retirou o colar da caixa de veludo azul.
Pensaria em uma maneira de reaver a jóia, refletiu, mas no momento não tinha escolha, se
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desejava proteger Henderson da ruína. Era seu amigo, e encontraria um modo de se explicar com
Richard.
Assim pensando, perguntou a Kemp:
— Aceita isto em pagamento?
O senhorio abriu a caixa e admirou as pérolas com um brilho de cupidez no olhar. A dama
à sua frente, ponderou, era uma ingênua que não sabia o valor daquela jóia. Podia ver, apenas
com uma rápida avaliação, que eram pérolas da melhor qualidade e perfeitas, e que por certo
valiam o dobro da dívida de Henderson. Não tinha dúvida de que o marido da dama pagaria
muito bem para reavê-las. Também poderia levar o colar até os joalheiros cujo nome estava
estampado na caixa, e negociar. Iria lucrar bastante com essa troca, calculou com satisfação.
Kemp tinha certeza de que aquela senhora arrogante, de nariz empinado, levaria uma
tremenda carraspana do marido, e quem sabe, alguns açoites também, e essa perspectiva o
alegrava muito. Detestava os aristocratas com seus ares de superioridade, sempre se julgando
melhores que os outros.
Tratou de sorrir para Catherine de modo afável.
— Sim, milady. Aceitarei de bom grado este simples colar em pagamento da dívida do sr.
Henderson. Não saldará todo o débito mas, afinal, tenho coração e não estou em posição de
barganhar.
— Nesse caso, sr. Kemp, por favor, escreva em um papei que a dívida do sr. Adrian
Henderson foi paga e assine. É claro que guardarei o recibo.
A voz de Catherine soou gélida e desdenhosa, e Kemp mal conseguiu conter o riso. A
coitada se julgava uma grande negociante! Bem, que assim pensasse, refletiu. Em poucos dias a
loucura que cometera viria à tona, e pensaria nele, Kemp, com mais respeito!
— Claro que sim, milady! — Escreveu tudo em um papel e assinou com caligrafia
floreada.
Catherine leu, e guardou o recibo na bolsa. Kemp estendeu a mão.
— Foi um prazer fazer negócios com a senhora... lady...
Ignorando a mão estendida, Catherine não disse seu nome e encaminhou-se para a porta.
— Providencie para que os bens do sr. Henderson lhe sejam restituídos — disse com um
aceno frio de cabeça, retirando-se.
A vontade de seguir até Richmond Park a abandonara, e disse a Simpson, que parecia uma
estátua de pedra, para voltar para casa.
Enquanto a carruagem seguia caminho, Kemp acompanhou-a com o olhar, perdido em
fantasias deliciosas sobre uma dama da alta sociedade, que em breve cairia em desgraça.
Mas nesse ponto o senhorio se enganava, porque os movimentos de Catherine, meia hora
depois de deixar Chelsea, eram observados por Rutherston, que voltava para casa também, após
a entrevista com lady Pamela.
Richard reconheceu a carruagem que seguia com lentidão, e tratou de puxar as rédeas de
seus cavalos, a fim de não ultrapassá-la.
Praguejou, sem fôlego, e virou em direção de uma taverna à beira da estrada. Não desejava
ultrapassar Catherine, porque a esposa logo adivinharia que viera de Richmond. Resolveu
esperar uma hora ou duas, para depois prosseguir seu caminho.
— Onde diabos ela foi? — resmungou consigo mesmo.
Por certo não até Richmond, onde a teria visto na estrada. Forçou-se a chegar a uma
conclusão, e não ficou satisfeito com o resultado.
Foi um marquês de Rutherston de olhar e expressão sombrios que chegou em casa, e que
deparou com Simpson também de cara feia, ao levar os cavalos para a estrebaria.
Desconfiado, tratou de vencer a relutância do lacaio, e extraiu o máximo que pôde sobre o
passeio de Catherine. Então escolheu uma parelha de cavalos descansados, e voltou a sair, dessa
vez em direção de Chelsea, com Simpson, relutante e reticente, na boléia da carruagem.
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CHE 216 Irresistível encanto (Bluestocking Bride) Elizabeth Thornton 105
Becky achou que Catherine estava muito distraída nessa noite, enquanto a ajudava a se
vestir. Viu-a pular, nervosa, a cada som, como se esperasse um desastre a qualquer momento.
Também não parecia interessada na toalete para ir ao teatro com o conde e a condessa de Levin,
e Becky tratou de escolhê-la por contra própria.
Selecionou um vestido de seda amarela com detalhes cor de creme, fitas no corpete, e
bordados na barra. Era um presente de Lorde Rutherston que tinha muito bom gosto refletiu,
porque se dependesse de Catherine, a nova marquesa nunca teria tempo ou disposição de se
vestir na última moda, preferindo ficar em casa e ler.
E quando saía, passava horas infindáveis em livrarias e bibliotecas. Quando era necessário
deixar a casa para fazer compras, ir à costureira ou escolher rendas e fitas, sentia-se logo
entediada.
Era obra do marquês os armários recheados de trajes magníficos e na última moda, tudo
combinando muito bem com a tez e os cabelos da esposa, porque se essas escolhas ficassem ao
critério de Catherine... Becky balançou a cabeça, de modo desanimado.
Assim matutando, acabou de vestir a senhora, e deu um passo atrás, examinando o
resultado.
— As pérolas, talvez, milady? — sugeriu.
Catherine pôs a mão no pescoço, de modo automático, e enrubesceu.
— Por Deus, Becky! Estou farta de usar pérolas! Se tiver que usá-las mais uma vez, serei
considerada uma pobretona, que não tem outras jóias para exibir. Vá pegar o broche de safiras de
minha avó.
A criada estranhou o comentário pedante de Catherine, que não combinava com sua
habitual simplicidade e gentileza, mas obedeceu. Não havia muitas jóias a escolher na caixa, a
não ser enfeites singelos do tempo de solteira.
As jóias dos Rutherston, às quais Catherine tinha direito, ainda estavam sob a guarda da
mãe de Richard, que até o momento não dera mostras de querer repassá-las para a nora. Na
verdade, Catherine pouco se importava com isso.
Costumava pensar que caso tivesse um filho homem, o novo herdeiro dos Rutherston,
talvez recebesse de presente o colar de esmeraldas, porém se produzisse uma menina, sem
dúvida lhe caberiam mais pérolas. Esse pensamento a fez suspirar.
Acariciou o ventre com um gesto carinhoso e protetor, e fantasiou o marquês de
Rutherston, ficando cada vez mais velho, e todo ano presenteando-a com um novo colar... de
pérolas. Em sua fantasia, as pérolas iam formando uma montanha ao seu redor, até cobri-la e
sufocá-la. A imagem grotesca e divertida a fez rir de modo convulsivo, até que lágrimas rolaram
de seus olhos.
— Senhora? — chamou Becky, assustada. Catherine balançou a cabeça, sem conseguir
parar de rir.
— Não é nada, Becky. Só um pensamento bobo que me ocorreu!
A criada então colocou o broche de safiras no corpete do vestido. Duvidava que o marquês
aprovasse o adorno, mas conhecia seu lugar, e tratou de não dar palpite.
Naquele instante, foram informadas que o conde e a condessa de Levin haviam chegado e
esperavam no andar térreo. Catherine apressou-se, procurando o leque e uma capa apropriada
para protegê-la do frio noturno.
Richard entrou no quarto na surdina, sem que a esposa percebesse, e acenou para que
Becky se retirasse. Catherine tirava o leque de uma gaveta, quando uma espécie de sexto sentido
a alertou. Embora ainda de costas, sabia que Richard estava ali, e de mau humor. Tratou de ser
recompor em breves segundos, o coração aos saltos, e voltou-se, mantendo um ar sereno.
— Milorde? Decidiu me acompanhar ao teatro esta noite? Se fizer isso causará um
tumulto e mexericos, pois ninguém espera que um nobre esteja sempre ao lado da esposa.
Tagarelava apenas para dissimular o clima ameaçador que pairava no quarto, e distrair a
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CHE 216 Irresistível encanto (Bluestocking Bride) Elizabeth Thornton 106
atenção do marido, que parecia hipnotizado pela ausência das pérolas ao redor de seu pescoço.
Com gesto rápido, atirou um xale sobre os ombros, e avisou:
— Os Levin estão lá em baixo. Falou com eles?
O marquês nada respondeu e, com gesto lento, afastou o xale dos ombros da esposa,
revelando o pescoço despojado de jóias.
— Por favor, minha cara — murmurou com uma suavidade que a fez estremecer de medo
— tentei incutir-lhe um pouco de sofisticação. Veja as pérolas bordadas em seu vestido. Isso não
lhe sugere algo?
— Sei o que quer dizer, Richard. Deveria ter escolhido outro vestido, já que tinha vontade
de usar as safiras de minha avó esta noite. Levarei apenas um momento para me trocar. Pode
chamar Becky de volta?
Assim dizendo, afastou-se do marquês, e dirigiu-se para um dos armários, que continha os
trajes de gala, e começou a vasculhar seu interior com frenesi, em busca de algo que combinasse
com safiras.
— Está atrasada, Catherine. Seria muito mais simples trocar as safiras e não o vestido.
Deixe-me ajudá-la.
Fez com que se voltasse, deslizando as mãos pelos seios arredondados, fingindo tocar o
broche. Por fim retirou-o, e fez com que Catherine se sentasse no banquinho da penteadeira. A
esposa o fitou pelo espelha, e viu a expressão fria nos olhos acinzentados. Richard colocou as
mãos em seus ombros.
— Onde estão suas pérolas, Catherine?
A voz era baixa e gentil, mas sem dúvida havia uma ameaça velada em cada palavra, e a
esposa o fitou em silêncio.
— Não vai me dizer? — Richard sorriu, como se estivesse se divertindo com o mistério.
— Não tem importância, minha cara.
O tom vagaroso e aveludado tornou a surgir em sua voz, e Catherine reteve o fôlego,
desejando afastar o olhar, mas impossibilitada pela força que emanava do marquês.
Então o marido colocou a mão no bolso do colete, e retirou uma caixa que Catherine
reconheceu de imediato, retirou o colar de pérolas, e prendeu-o em seu pescoço.
— Está linda, querida. Como uma rainha virgem, com um leve toque de sensualidade
brilhando em seus olhos. Muito erótica. Nenhum outro homem que a visse neste instante saberia
se deveria acariciá-la ou lhe dar uma surra.
Notou que Catherine erguia o queixo em desafio, mas dessa vez não achou que era um
gesto encantador, apenas mais um sinal de teimosia e rebeldia contra a autoridade do marido.
Então apertou-lhe os braços de maneira cruel.
Catherine gemeu de dor e libertou-se, derrubando o banquinho em seu desespero. Naquele
instante, soou uma leve batida na porta do quarto, e antes que o marquês tivesse uma reação,
Catherine gritou:
— Entre!
— O conde e a condessa estão ansiosos para partir, milady — murmurou Becky,
contrafeita.
— Obrigada, Becky. Por favor, fique aqui, e arrume o quarto. Já estou descendo.
Virou-se para Rutherston, com um sorriso triunfante.
— Se me der licença, milorde, devo ir.
Becky olhou de um para outro com olhar consternado, e tratou de ficar a um canto,
fingindo iniciar a arrumação.
— Ganhou apenas uma pequena trégua, milady — replicou o marquês. — Mas teremos
uma conversa em breve.
Catherine já estava na porta, pronta para sair correndo, caso o marido tentasse prendê-la, e
Richard relaxou a postura agressiva.
Sua atitude indiferente pretendia deixar Catherine intrigada e com ciúme.
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CHE 216 Irresistível encanto (Bluestocking Bride) Elizabeth Thornton 107
Capítulo XX
Quando Catherine voltou para casa tarde naquela noite, o pulso ficou acelerado, e
demorou-se no vestíbulo, olhos e ouvidos abertos para qualquer indício da presença do marquês
de Rutherston, mas o silêncio era total.
— Meu esposo está em casa, George? — perguntou ao mordomo, pretextando uma
serenidade que estava longe de sentir.
— Não sei dizer ao certo, milady. Pediu-me para não esperá-lo.
A capacidade que George possuía de manter no rosto a eterna máscara indiferente, deixava
Catherine com inveja, e desejosa de poder imitá-lo.
— Mas ele chegou a sair?
— Sim, milady. Logo depois da senhora.
Dessa vez a voz do mordomo traiu uma leve surpresa com o questionamento.
— Obrigada, George. É melhor seguir as ordens do marquês e ir se deitar. Também não
preciso de mais nada esta noite.
Se o serviçal percebeu a tensão de Catherine, não deixou transparecer, apenas
cumprimentou-a com um gesto formal e dirigiu-se, de modo moroso, para a ala dos criados. No
íntimo dizia a si mesmo que os patrões podiam insistir que não precisavam de sua ajuda, mas
ficaria de vigília.
Catherine permaneceu parada por um momento, retirando as luvas com delicadeza, e
deixando-se engolfar pelo sofrimento. Os pecados de Henderson pareciam travessuras de
criança, ante o comportamento abominável de Richard com lady Pamela. Tinha certeza de que
saíra para se encontrar com a amante, e considerava o comportamento do marido um insulto
intolerável que a deixava furiosa e confusa. Mergulhada nos próprios pensamentos, atravessou o
vestíbulo e subiu as escadarias de mármore.
Lembrou-se das ameaças pueris e audaciosas que fizera ao marido naquela noite e
amaldiçoou a própria estupidez. Dera a entender, de modo claro, que não o desejava mais em seu
leito.
Entretanto, ao relembrar o insulto que provocara tal reação de sua parte, a mágoa cresceu,
e lágrimas rolaram por suas faces. Estava presa a um homem que a considerava uma de suas
propriedades, e nada podia fazer. Abriu a porta de seu quarto e entrou, fechando-a com estrondo,
corno se isso pudesse aliviar a ira.
— Minha cara, irão pensar que os cães do inferno a perseguem. Devo soar o alarme?
Com um repelão, Catherine voltou-se para o som da voz. A luz vacilante das chamas na
lareira, viu uma silhueta levantar-se de uma poltrona a um canto e aproximar-se. Ficou
paralisada, até ver a pessoa a um passo de distância.
— Richard... é você?
— Claro que sim, amor, embora tenha certeza de que gostaria que estivesse bem longe.
A ironia em sua voz a deixou zangada de novo, e encarou-o com arrogância.
— O que houve? — inquiriu com sarcasmo. — Não há nesta noite diversão em Londres
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CHE 216 Irresistível encanto (Bluestocking Bride) Elizabeth Thornton 109
Foi um marquês cortês e distante que ajudou a esposa a entrar na carruagem para uma
visita solitária a Branley Park, em Breckenridge, em uma manhã chuvosa e sombria. Olheiras
profundas rodeavam os olhos de Catherine quando fitou o marido, fazendo-o sentir muita pena.
Aquela estranha de rosto pálido, refletiu, não era a Catherine cheia de vida e alegria que trouxera
a Londres meses antes.
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CHE 216 Irresistível encanto (Bluestocking Bride) Elizabeth Thornton 110
— Irei encontrá-la dentro de alguns dias, querida, e depois do casamento de Lucy nos
mudaremos para Fotherville House — murmurou com doçura.
Catherine ofereceu-lhe a mão para beijar, mas Richard ignorou o gesto, inclinou-se, e
roçou-lhe a face com os lábios. Se ao menos a esposa cedesse um pouco, refletiu com mágoa, a
absurda muralha que se erguera entre os dois poderia ruir, porém Catherine não cedia.
Enquanto a carruagem se afastava com o cocheiro e dois lacaios, Richard suspirou de
alívio. Não haveria perigo de que fossem assaltados na estrada, pois todos os empregados
estavam armados e sabiam usar a pistola muito bem.
Retornou para o interior da casa, e dirigiu-se à sala de almoço onde um forte café o
esperava. Escarrapachou-se em uma poltrona, e estendeu as longas pernas.
Esperava estar fazendo a coisa certa, refletiu, ao permitir que Catherine se afastasse por
algum tempo. Quando a carta de Lucy chegara, pedindo que fossem ao seu casamento com
Charles, Catherine ficara bastante animada, e Richard aproveitara esse indício de alegria,
concordando que partisse para Breckenridge o mais depressa possível.
Só surgira um tópico de discussão, quando Catherine dissera querer ficar com a família em
Ardo House, mas Richard insistira que fosse para Branley Park, sua propriedade, ate o
casamento de Lucy e Norton, quando entregariam a mansão e as terras ao redor para os recém-
casados, de presente de casamento.
Estava ansioso e determinado a se reconciliar, e sentia que isso poderia ser alcançado mais
depressa se o casal tivesse um pouco de privacidade. Ardo House não era o cenário ideal para o
que tinha em mente, pois pretendia cortejar Catherine de novo como se fossem namorados.
Bebericou café, e lembrou-se da última noite de amor que tivera com a esposa. Apesar do
final desagradável, quando Catherine lhe atirara palavras amargas ao rosto, ela havia se
entregado com prazer e ansiedade, e isso não podia negar.
Sorriu de modo cansado para si mesmo. Catherine tinha muito a aprender sobre a arte de
agradar um marido, mas pretendia ensiná-la. Por outro lado, a esposa lhe transmitira muitas
coisas novas também. Era um homem que sabia muito sobre paixão e sexo, mas Catherine
ensinara-lhe sobre o amor.
O marquês sabia excitá-la e despertar toda a sua sensualidade feminina, entretanto era
Catherine que mesclava ao desejo algo de doce e meigo, que fazia o amor físico entre os dois ser
mais do que um mero encontro carnal.
Seu interesse por Henderson era um mistério, refletiu, mas já descartara a possibilidade de
que houvesse um relacionamento amoroso entre os dois. Catherine correspondera de modo
intenso quando haviam feito amor, e isso não aconteceria se amasse outro, refletiu.
Porém algo acontecera que a fizera se tornar tão amarga e infeliz, e pretendia descobrir do
que se tratava. Por que Catherine relutava tanto em se entregar à felicidade?
Dar-lhe-ia uma semana para aproveitar os prazeres em companhia da família e dos amigos
no campo, e depois iria encontrá-la. Mas nesse meio tempo, pensou, deparava-se com sete dias
inteiros de tristeza e tédio. Ela mal partira já sentia saudade...
O pensamento o fez ferver de impaciência. Queria deixar Londres e ficar com a esposa em
Fotherville House.
Só assim sua vida seria completa.
Capítulo XXI
Três dias depois que Catherine partiu para Breckenridge, Rutherston jantou com a mãe em
Green Street. A irmã e o duque tinham voltado havia poucos dias de uma temporada em
Brighton, balneário que se tornara popular entre a alta sociedade desde que o príncipe regente o
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elegera como seu local de férias. Sob os rogos de Jane, a marquesa os acompanhara, e insistira
para ver o filho logo que regressara.
O jantar foi uma reunião familiar, apenas com quatro pessoas; o marquês, a mãe, Jane,
irmã de Richard, e o duque Henry Beaumain.
A ocasião era maravilhosa para Richard, que ainda não contara a novidade sobre a
gravidez de Catherine para os familiares, e detestaria que a mãe soubesse por terceiros. Esperou
até o término do jantar e as damas se prepararem para se retirar da sala, mas como não desejava
ficar a sós com o cunhado, que era muito maçante, perguntou se poderiam dispensar o vinho do
Porto, e se reunirem às senhoras.
Beaumain não era muito inteligente, mas possuía perspicácia, e quando os cavalheiros se
levantaram para acompanhar as senhoras até a sala de estar, deu um tapa amigável nas costas do
cunhado.
— Logo desconfiei! — exclamou em voz muito baixa para não estragar a surpresa. — Faz
sentido. Sabia que não iria jantar conosco apenas pelo prazer da companhia.
A marquesa virou-se e, notando que o filho estava com uma expressão aborrecida no belo
rosto, lançou-lhe um olhar de advertência, e pediu-lhe o braço para subir a escadaria até a sala
íntima.
Richard sentia como se já tivesse vivenciado a mesma cena no passado, pois a mãe sempre
tomava do seu braço quando desejava manter uma conversa especial.
— Bem, querido — começou a marquesa, encorajando-o quando todos se acomodaram —
conte-nos sobre Catherine. Já se recuperou do resfriado?
— Bem, na verdade não, mamãe — replicou o marquês com um amplo sorriso cordial e
respeitoso. — O médico me disse que essa condição especial de Catherine durará mais seis
meses, até seu desfecho natural.
A marquesa compreendeu e fitou o filho cheia de alegria, os olhos brilhando de satisfação.
Sem perda de tempo, Richard levantou-se da poltrona que ocupava, e veio ao seu encontro,
depositando um beijo no rosto da grande dama.
— Sou a mulher mais feliz deste mundo — murmurou a marquesa, apertando a manga do
paletó do filho.
— Nunca ouvi falar de um resfriado que dura seis meses! Que horror! — exclamou a
duquesa.
O comentário obtuso provocou caretas da marquesa e de Richard.
— Minha cara Jane — redarguiu a mãe com ar enfastiado, diante da falta de perspicácia
da filha — Richard está nos dizendo que Catherine se encontra em estado interessante. Seu
filho... meu neto... é aguardado para... fevereiro?
Olhou para o marquês em busca de confirmação, e o filho aquiesceu com um gesto de
cabeça.
— Catherine? Em estado interessante? Que dissimulada! — exclamou a duquesa em seu
tom de voz arrastado. — Será que já sabia quando lhe perguntei? Porque negou quase com
veemência!
O marquês voltou-se para a irmã, surpreso.
— Perguntou a Catherine se estava grávida? Quando foi que isso aconteceu? Minha
esposa não me contou ter estado com você, Jane.
— Oh! Foi um pouco antes da recepção em Carlton House, lembro-me muito bem. —
Jane virou-se para a marquesa.
— Lembra-se, mamãe? Tive uma crise de fígado nessa noite e você ficou a meu lado,
tomando conta de mim.
A duquesa não fazia a menor idéia do rebuliço íntimo que provocara em Richard, nem
reparou em sua expressão belicosa. Voltou-se para o marido, e comentou, cheia de satisfação e
orgulho.
— Contei à minha cunhada como o presenteei com um herdeiro nove meses após nosso
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casamento, querido.
Então o marquês de Rutherston falou com a voz contida e calma, mal percebendo os dedos
da mãe que apertavam-lhe o pulso.
— Por favor, continue, Jane. O que mais disse à Catherine?
— Quê? Oh! Nada de mais. Entretanto ela parecia muito agitada, por algum motivo. Nem
quis tomar chá.
— Pelo amor de Deus, Jane! Diga-me o que falou para Catherine — explodiu Rutherston,
sem poder se conter por mais um segundo, e começando a ter um pressentimento.
Sem perda de tempo, o duque Henry levantou-se e postou-se ao lado da poltrona da
esposa, em um gesto protetor.
— Olhe aqui, Rutherston. Não precisa falar nesse tom de voz -— dardejou. — Por que
Jane não perguntaria à cunhada se estava em estado interessante? As mulheres se interessam por
esse tipo de assunto, e conversam horas a esse respeito.
A marquesa, percebendo que os filhos iam começar uma das brigas a que assistira quando
eram mais jovens, e que detestava, tratou de tomar uma atitude severa.
— Henry! Richard! Sentem-se! — ordenou com autoridade, em seguida virando-se para a
filha, e murmurando em tom apaziguador. — Querida Jane, tente se lembrar sobre o que disse
para Catherine, pois isso parece ser muito importante para seu irmão. Pode ser que você a tenha
ofendido de algum modo, e...
Observou com o canto do olho o movimento agitado do genro, e o olhar pensativo de
Jane, que tentava se recordar.
— Não sei como posso tê-la ofendido, mamãe. Disse-lhe como estávamos felizes, já que
Richard abandonara as amantes e a vida desregrada para ser um bom marido e pai.
Ante tal declaração, Richard resmungou, lembrando-se da frase que Catherine lhe lançara
em rosto.
Não nosso filho, milorde, mas seu herdeiro... Fora mais ou menos isso que dissera, como
se fosse uma constatação natural, e não uma ameaça ou aviso.
— Sim, querida, continue — incentivou a marquesa, que após anos de prática, sabia como
conduzir a filha. — O que mais disse a Catherine?
Sentia, de modo instintivo, com o coração de mãe, que algo acontecera entre o filho e a
esposa, e que Richard procurava descobrir, de algum modo, o motivo para Catherine estar
aborrecida.
— Disse a Catherine como tínhamos ficado aliviados quando Richard prometera se casar
aos trinta anos, e que o deixamos até essa idade viver como bem queria, pulando de amante em
amante, já que sabíamos que um Fotherville jamais falta à palavra empenhada. — Fez uma
pausa, e franziu a testa, tentando se lembrar. — Talvez fiz mal em mencionar lady Harriet, mas
qual o problema?
— De fato, qual o problema! — replicou Richard com um tom de voz sarcástico que a
irmã não percebeu.
— E isso foi tudo? — insistiu a marquesa.
— Também mencionei como ficamos surpresos por Richard se apaixonar com tanta
rapidez, pois ninguém esperava que se casasse tão depressa, mamãe. Sabe que é verdade. —
Ergueu o rosto para o marido, buscando apoio. — Como podem ver, nada fiz ou disse que
pudesse ofender Catherine.
— Sem dúvida, minha querida — redarguiu o marido, encarando, com ar belicoso, o
pobre Richard, que a essa altura sentara-se com o rosto entre as mãos.
— O que Jane disse a Catherine causou um grande transtorno? — perguntou a marquesa, a
voz traindo sua preocupação.
— Sim, mamãe, causou — replicou o marquês, erguendo o rosto. — Mas pelo menos
agora conheço a raiz do mal.
— Mas, o que foi que fiz, afinal? — gemeu Jane.
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— Nada, a não ser transformar minha vida em um inferno nos últimos tempos — dardejou
o irmão, fitando-a com um brilho furioso no olhar.
Essas palavras chocaram os demais, pois estava evidente que o relacionamento do
marquês e da esposa não ia bem.
— Mamãe — disse Richard por fim —, pode me levar até a porta?
Cumprimentando a irmã cabisbaixa e o cunhado beligerante, deu o braço para a marquesa,
e desceu a escadaria.
— Jane ainda é tão inconsequente... — murmurou a senhora, tentando consertar a gafe da
filha.
— Uma mulher casada e com filhos deveria tomar mais cuidado com o que diz. — Assim
falando, Richard tomou a mão da mãe. — Será que eu e Catherine poderemos ter o prazer de sua
visita no outono?
— Em Fotherville House?
— Claro. Onde mais?
— É igual a seu pai, querido. Aquela casa significa muito para você, não é? Espero que
Catherine se sinta bem ali. De minha parte, isso nunca foi possível.
— Mas, mamãe — protestou Richard —, aquela casa é perfeita!
— Sim, querido, era isso que seu pai me dizia. Mas é justamente o que desejo lhe explicar.
É perfeita demais... Impessoal. Nunca me senti a dona de Fotherville House, apenas uma visita.
Se fosse você.. Não importa! É adulto o suficiente para saber o que faz.
— Não, mãe, prossiga. O que queria me dizer?
A marquesa voltou-se para o filho de modo impulsivo.
— Dê liberdade à Catherine, Richard. Deixe que modifique o que deseja modificar na
casa. E se suportar isso, então não transforme Fotherville House em sua principal residência.
Possui outras. Deixe que sua esposa possa externar opinião sobre seu futuro lar. Jamais se
arrependerá de agir assim, se a felicidade de Catherine significa algo para você.
Richard fitou a mãe com intensidade.
— A felicidade de Catherine é tudo para mim.
A marquesa beijou-o no rosto.
— Então trata-se de um casamento por amor! Esperava que assim fosse, mas nunca se
abriu comigo, meu filho. Quando soube que mal completara os trinta anos e já escolhera noiva,
fiquei preocupada.
— Sim, e saiba, querida, que Catherine também está.
— Então trate de convencê-la de que não precisa se preocupar! Diga que se casou por
amor, se é que ainda não lhe disse! E se já disse, tente encontrar uma maneira de resolver esse
impasse.
— Encontrarei, minha mãe. Sem dúvida!
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Catherine... quero dizer, lady Rutherston com você, mas seu mordomo me comunicou que partiu
para Surrey há alguns dias.
— Sim, para o casamento de sua irmã com meu primo Charles Norton. Irei ao encontro de
minha esposa dentro de poucos dias. Mas não fique aí de pé com tanta cerimônia. — Assim
dizendo, o marquês apontou para uma poltrona de couro perto da lareira. — Toma um conhaque
comigo?
Henderson acomodou-se, e aceitou a bebida.
— É um sujeito muito senhor de si, Rutherston — comentou.
— Verdade? — O marquês arqueou as sobrancelhas, surpreso com o súbito e inesperado
comentário. — Sempre achei que essa descrição se aplicava melhor a você.
O pintor soltou uma gargalhada e encarou o anfitrião.
— Pode ser. Esperava ser recebido com palavras severas, devido a um acontecimento que
nem eu próprio compreendi.
— Esperava? — repetiu Richard de modo distante, enchendo de novo o copo do visitante.
Henderson bebericou o conhaque de modo lento, colocou a mão no bolso do paletó, e
retirou um pedaço de papel que estendeu para o marquês, sem nada dizer.
Rutherston leu, e viu que se tratava de uma nota promissória de mais de trezentas libras.
— Receio que ainda deva muito mais — disse o pintor. — As trezentas cobriram minha
dívida com meu senhorio, mas no momento não me encontro em posição de cobrir a diferença
que pagou para reaver as pérolas de Catherine. Temo que o gesto impetuoso de sua esposa tenha
me deixado em débito com você.
— Não tem importância — redarguiu o marquês com pouco caso. — Na verdade, não
quero isto — acrescentou, apontando para a nota promissória — mas sinto que irá insistir.
Henderson acenou que sim.
— Então, muito bem, aceitarei o ressarcimento das trezentas libras, mas de jeito nenhum
deixarei que me pague a diferença que dei para reaver o colar de Catherine. Tal loucura por parte
de uma esposa é problema do marido, portanto vamos encerrar o assunto por aqui, se me faz o
favor.
— Entretanto, Catherine é uma pessoa e tanto! Que generosidade! — Em seu arroubo,
Henderson não notou que o anfitrião enrijecia, e prosseguiu. — É muito complicado retratá-la.
Reproduzir o colorido de seu rosto e cabelos já é difícil, mas sua vivacidade e espírito são
qualidades quase impossíveis de serem copiadas na tela.
Henderson apoiou o copo.
— Esse foi outro motivo por que vim vê-lo. Não poderei terminar o quadro de lady
Rutherston em breve. Vou ingressar no Exército. — Notou o olhar surpreso de Rutherston e
sorriu. — Minha querida e generosa tia, lady Blakney, deu-me os recursos de que preciso para
começar do zero. Ingressarei no Exército e, como pode perceber, levarei algum tempo para
retornar a pintar.
Rutherston pareceu relaxar, e serviu-se de mais uma dose de bebida.
— Por que o Exército? — quis saber. — Jamais me pareceu do tipo que gosta da vida
militar e das aventuras bélicas.
— Talvez porque não tenha se dado ao trabalho de descobrir o tipo de homem que sou,
Rutherston. — Viu o olhar contrariado do marquês, mas prosseguiu. — Não desejo insultá-lo,
estou apenas externando um fato. De qualquer modo, a glória não me interessa. Quero me tornar
um artista melhor e pintar o que é digno de ser pintado. Em resumo, estou farto do que faço. O
Exército será apenas um intervalo para adquirir mais experiência e dinheiro.
— Então espero que encontre o que procura, embora, é claro, me sinta desapontado por ter
que abandonar o projeto do retrato de Catherine.
— Não fique assim, pretendo retomá-lo quando me considerar um artista melhor,
entretanto levarei a tela comigo. Talvez deseje ficar com ela inacabada, ou a dê de presente para
Catherine, não sei.
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CHE 216 Irresistível encanto (Bluestocking Bride) Elizabeth Thornton 115
— O que quer dizer com isso? — Richard dardejou, com olhar feroz e voz ameaçadora.
— O que pode ser? Apenas que desejo que o retrato de Catherine seja uma das minhas
melhores obras. Tenho a maior admiração e respeito por sua esposa, que se revelou uma grande
amiga.
Ambos permaneceram sentados, bebericando conhaque, e lançando olhares desconfiados
um ao outro como duas feras prestes a se atracar em luta mortal.
— Olhe aqui, Rutherston — disse Henderson por fim. — Vamos parar com os rodeios e
falar com franqueza, de homem para homem. — Descruzou as longas pernas, e cocou a orelha,
escolhendo as palavras que diria a seguir. — Quando meu senhorio me contou sobre o que
Catherine fizera, fiquei contrariado. Não por causa do gesto em si, que considerei tocante, mas
porque receei a interpretação que você poderia dar ao ocorrido. Deus! Se estivesse em seu lugar,
ficaria furioso!
— Bem, não está em meu lugar — retrucou Richard com calma. — E não costumo tirar
conclusões apressadas — continuou, omitindo o fato de ter ficado louco quando soubera daquela
história, e desejado desafiar o pintor para um duelo. — Creio que conheço o caráter de
Catherine. Ela o considera um amigo, e fez o que achou que deveria fazer para livrá-lo da ruína
imediata.
As palavras eram de Catherine, e Richard as repetiu com convicção. Mas Henderson não
parecia estar convencido.
— Então Catherine não deixou esta casa porque a expulsou?
— Claro que não! Já disse que partiu para ser madrinha de Lucy, e irei vê-la na próxima
semana.
Adrian Henderson estava a ponto de dizer mais, porém pareceu mudar de idéia. Desejaria
alertar o marquês sobre a infelicidade da esposa que descobrira o colar de brilhantes, mas tinha
certeza de que Rutherston consideraria isso uma interferência arrogante em sua vida, e de nada
adiantaria.
— Bem, já que não pude ver Catherine, envie-lhe minhas lembranças — murmurou.
— Claro.
A visita terminara, e os dois homens se levantaram. Então Henderson pareceu tomar uma
decisão.
— Sabe, Rutherston, poderia ter sido pior — brincou o pintor. — E se tivesse insistido
para Catherine usar os brilhantes em vez das pérolas para posar? Imagine o quanto precisaria
gastar a mais para reaver a jóia!
— Brilhantes? — replicou o marquês, confuso. — Que brilhantes?
Henderson pareceu contrafeito.
— Acho que não há necessidade de fingir. Creio que agi muito mal quando fui seu
hóspede em Fotherville House. Catherine e eu descobrimos sem querer o compartimento secreto
em sua escrivaninha, e lamento informar que me deixei levar pela curiosidade. A culpa foi toda
minha. A questão é que Catherine descobriu a caixa, e insisti em abri-la. Presumo que não
pretendia oferecer o colar a sua esposa?
— O quê? — O marquês de Rutherston parecia ter engasgado com uma espinha de peixe,
tamanho o choque. — O que disse? — repetiu, atônito.
— Sente-se bem, Rutherston?
Henderson o fitou com preocupação, e Richard fez um supremo esforço para recuperar o
sangue-frio.
— Sim, estou bem. Tem razão, não dei o colar à Catherine.
— Então lamento — prosseguiu Adrian em tom displicente, sem parecer nem um pouco
mortificado ou com remorso. — Mas foi um lugar muito idiota que escolheu para guardar a jóia.
Catherine deve estar muito aborrecida até agora. Achou que era o colar mais maravilhoso que já
vira.
— Sim, posso imaginar — Rutherston murmurou mais para si mesmo,
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CHE 216 Irresistível encanto (Bluestocking Bride) Elizabeth Thornton 116
Ambos caminharam até a porta de saída, e quando George entregou o sobretudo para
Henderson o pintor estendeu a mão.
— Adeus, Rutherston. Saldarei minha dívida em breve. Talvez um dia aprenda a minha
arte de modo a poder reproduzir a alma de Catherine no quadro, mas no momento isso é
impossível.
O marquês apertou-lhe a mão.
— Adeus e boa sorte, Henderson. Não é o único homem que não conseguiu fazer justiça a
Catherine.
— Verdade? — O pintor pareceu digerir as palavras bem devagar. — Então espero que
nós dois possamos ter sucesso, cada qual em seu papel. Você como marido, e eu como artista.
E pela primeira vez ambos sorriram um para o outro com verdadeira camaradagem. Mas
foi Adrian quem deu a última palavra.
— É um sujeito de muita sorte, Rutherston, e espero que saiba disso. Não deixe a
felicidade escapar de suas mãos.
Capítulo XXII
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CHE 216 Irresistível encanto (Bluestocking Bride) Elizabeth Thornton 117
Parou de falar de modo abrupto, percebendo que batera com a língua nos dentes, distraída
com a conversa. Então resolveu continuar, e desabafar.
— ...Porque fez uma promessa. Sabiam disso? Pela expressão de seus rostos, claro que
sabiam.
Norton foi o primeiro a se recuperar, e tratou de acabar com a situação constrangedora.
— Então descobriu o segredo negro de meu primo! A promessa que fez à mãe. — Sorriu
com ar de amigável troça. — Por certo Richard casou com você, Catherine, por causa de sua
fabulosa fortuna.
— Ou pelos títulos de nobreza, não se esqueça desse detalhe, Charles — acrescentou
Lucy, rindo.
— Obrigada por tentarem me animar, mas ambos estão errados — atalhou Catherine com
expressão séria. — Casou-se comigo para contrariar a família. Os parentes pensavam que
escolheria uma rica herdeira, e resolveu surpreendê-los. É bem típico do marquês!
— Richard jamais faria isso — defendeu Charles. — Adora a mãe, e é impossível
imaginar que lhe causaria um aborrecimento de propósito.
— Ora! Não sou mais uma menina ingênua, Charles! Por que Richard me escolheu?
— Por amor, ora essa! — replicou Lucy.
— É claro! — acrescentou Norton.
Catherine segurou a mão dos dois.
— Obrigada, mas como posso ter certeza? Onde está meu marido neste momento? Em
Londres, com alguma daquelas sereias que sabem conquistar os homens.
Lucy e Norton se entreolharam, chocados.
— Como pode acreditar em tal coisa, Catherine? — exclamou Charles. — Quem lhe
contou tais mentiras?
Mas Catherine limitou-se a balançar a cabeça com tristeza, no íntimo desejando nunca ter
aberto a boca para desabafar com os amigos.
— Só rumores, Charles. Coisas que ouvi sem querer. E vi mulheres com Richard no
teatro, no parque... Sabe muito bem disso.
Preocupado, Charles passou a mão pelos cabelos.
— Como posso explicar a você, Catherine? Não existe homem no mundo que passe pela
vida sem conhecer certo tipo de mulher. Sei que Richard desistiu de suas... aventuras há muito
tempo.
Catherine viu sua carruagem à porta de Ardo House, e o lacaio Simpson que esperava para
levá-la a Branley Park, onde ficaria até o casamento de Lucy, quando a propriedade passaria para
a irmã.
Levantou-se e adotou um ar displicente.
— Obrigada por ouvirem meu desabafo. Espero um dia superar essa agonia. Sinto tanta
saudade de Richard...
Lucy e Charles a viram caminhar com passos lentos, mas muito ereta, e quando a
carruagem partiu Lucy voltou-se para o noivo.
— Não existe homem que não tenha um passado? — murmurou em tom de pergunta.
Charles não se deixou intimidar.
— Minha querida, não vou falar sobre esse assunto.
— Não?
— De jeito nenhum!
Com um gesto gentil mas decidido, afastou os dedos macios que lhe acariciavam o rosto e
enlaçou a amada com os braços fortes, beijando-a com paixão e assim encerrando o assunto.
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biblioteca de Branley Park, surpreso ante as exclamações indignadas da voz que tanto amava, e
que vinha do outro lado da porta.
Richard vestia um paletó de viagem, as botas estavam sujas de lama e pó, e os cabelos
despenteados indicavam que acabava de chegar de uma árdua jornada.
— Que tolice! Não acredito nisso!
O marquês ergueu as sobrancelhas, achando muita graça, e abriu a porta devagar. Entrou
na biblioteca, pé ante pé, e atirou o paletó sobre a primeira poltrona que encontrou, fitando o
amor de sua vida com os últimos raios do sol incidindo sobre a cabeleira acobreada.
Catherine estava em sua posição habitual, com as pernas dobradas sobre uma poltrona
confortável, e mergulhada na leitura.
Richard aproximou-se em rápidas passadas, muito divertido com a situação, mas
Catherine continuou alheia a sua chegada, resmungando seu evidente desagrado com algum
personagem do livro que lia.
O marquês moveu-se de modo a obscurecer a luz que a ajudava a ler, lançando uma
grande sombra sobre as páginas do livro, mas o efeito produzido não foi o que desejava.
Catherine apenas mudou de posição na poltrona, a fim de receber mais luz. A sombra voltou a se
mover, e só então ela ergueu o rosto.
Os olhos cor de âmbar fixaram os cinzentos, e por uma fração de segundo, Richard pôde
ver um brilho de satisfação no olhar da esposa, mas logo isso desapareceu, e ela adotou uma
expressão fechada e alerta.
O marquês inclinou a cabeça para ler o título do livro que tanta raiva produzia na esposa.
— Andrômaca! Oh, não, querida! Proíbo-a de ler isso!
Assim dizendo, arrancou a obra das mãos da esposa, lançando-a para o outro canto da
biblioteca.
Catherine tentou se levantar, mas Richard prendeu-a. colocando as mãos nos braços da
poltrona.
— Pensei que aprovasse, milorde. A insípida Andrômaca é um modelo de docilidade, e a
sua mulher ideal!
— Verdade? Espero que não tente imitar esse modelo de passividade, Catherine, pois uma
Andrômaca jamais seria o meu ideal.
A esposa o fitou com incerteza, consciente de algo diferente, um certo ardor que estivera
ausente nas últimas semanas.
— Será? — rebateu. — Porque sua declaração não combina com o que demonstra,
milorde.
Richard demorou a responder porque, de repente, percebeu que começava a ficar com
torcicolo, devido à posição de se abaixar para fitá-la. Então, com gesto rápido, tomou a esposa
nos braços, sentou-se na poltrona, e a depôs sobre o colo. Aborrecida, Catherine tentou se
desvencilhar, mas o marquês apenas riu, em breve fazendo-a desistir e permanecer quieta.
— Fique calma, meu bem! Será que em algum momento disse desejar uma esposa dócil?
Parece-me que faz muito tempo que não temos uma boa e esclarecedora conversa.
— Não quer uma mulher dócil, milorde? Porque expressou esse desejo.
— Se expressei, estava com raiva ou brincando. Quero você, querida, e apenas você, como
já disse inúmeras vezes. Por que não me acredita?
Começou a mordiscar-lhe o lóbulo da orelha, e quando Catherine tentou se afastar
segurou-a pelo pescoço, forçando-a a ficar parada.
— Como ousa, milorde? Volta dos braços de sua amante para me acariciar? Bandido!
Sacripantas! Repulsivo!
— Catherine — dardejou o marquês com seriedade. — O único lugar de onde vim foi de
uma cama vazia e fria, acredite. E estava cansado disso! Afinal, quem é essa mulher que se
tornou uma obsessão para você, e que acha que amo?
Os olhos da esposa dardejaram com fúria.
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comprara o colar de brilhantes, mas casei-me antes de ter oportunidade de lhe entregar o presente
de despedida. Testemunhou isso também, Catherine, quando viu as pedras no pescoço de lady
Pamela. — Rutherston sorriu com ironia. — O destino brincou comigo o tempo todo.
Naquele instante ouviram uma leve batida na porta.
— Vá embora! — gritou o marquês, irritado.
Ouviram-se passos apressados se afastando, e Catherine o fitou, aborrecida.
— Era apenas a sra. Bates com meu chá. Não precisa trazer sua arrogância até aqui,
milorde, pois não a tolerarei! Jamais serei parecida com Andrômaca.
— Então podemos dizer adeus para sempre a Hipólito e Andrômaca, querida? O herói
puro e santo não sou eu, nem você é a esposa submissa.
Catherine pareceu não ouvi-lo, e analisou-o com curiosidade.
— Duas amantes? — repetiu, estupefata. — E uma sabia da existência da outra, Richard?
O marquês sempre se sentia feliz quando Catherine dizia seu nome de batismo, pois isso
prenunciava um bom entendimento. Suspirou, aliviado, esperançoso de continuar mantendo um
lugar no coração da esposa.
— Não sei nem me interessa — murmurou.
— E nem mesmo conseguiu ser fiel a uma amante, milorde?
— Este não é um assunto para conversa entre marido e mulher — resmungou o marquês.
— Foi o senhor quem começou, milorde.
— Porque não tive escolha! Uma vez lhe disse que amantes são pagas para agradar,
entretanto não me sentia satisfeito. Era um ritual... vazio, sem significado. — Retirou um fiapo
imaginário dos cabelos de Catherine, sempre atento a seu olhar observador. — Querida, acredite
que jamais encontrei uma mulher em minha vida que amasse, admirasse e respeitasse mais do
que você.
— Entretanto ofereceu brilhantes para sua amante — murmurou Catherine — enquanto
para mim restaram as pérolas.
— Já deveria me conhecer a essa altura, Catherine — replicou Rutherston, forçado-se a
ficar calmo. — Escolhi pérolas sem igual para uma mulher sem igual. Os brilhantes
espalhafatosos foram para um outro tipo de pessoa.
A esposa cerrou os lábios, fazendo-o sorrir.
— Não fique amuada, minha flor. Estou pronto a satisfazer seus gostos, se é esse tipo de
jóia que prefere. Arrastei minha mãe para fora da cama na noite passada, a fim de obter a coleção
completa das jóias da família, e ela as cedeu de muito bom grado. Há diamantes o suficiente
naquele cofre para cobri-la da cabeça aos pés!
— Não! — bradou Catherine. — Agiu muito mal! Não quero que sua mãe pense que
desejo despojá-la das jóias, pois esse nunca foi meu intento. Ela ficou zangada?
— Por que ficaria? Jamais as usa. O gosto de minha mãe é parecido com o meu, e prefere
a sobriedade. Ficou apenas curiosa.
— E o que lhe disse, Richard?
— Nada! Um filho não precisa dar explicações para a mãe. Uma progenitora sempre
entende o que se passa no coração de sua prole.
— E uma esposa? Merece explicações? — quis saber Catherine, os olhos brilhantes de
ansiedade.
— Claro que sim!
— Então sinto que devo agir do mesmo modo como agiu comigo, Richard. Foi tão
honesto, que não devo mais esconder meu passado para você.
Assim dizendo, Catherine levantou-se, e começou a caminhar de um lado para o outro.
— Querida! — exclamou o marquês de Rutherston, em tom magoado. — O que está
dizendo? Por certo não se refere a Adrian Henderson!
— Oh! Não, querido! Aconteceu muito antes de conhecer o pintor! Creio que perdi meu
coração para alguém que, na verdade, era um miserável, um terrível sem-vergonha! Não
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conseguia ser fiel a nenhuma criatura do sexo feminino. E me fez cair na lama!
Rutherston imitou a esposa, e levantou-se com um pulo, alcançando-a em duas passadas.
— Quem era ele? — murmurou com a voz sufocada pela raiva, segurando Catherine pelo
ombro.
— Seu nome era Jason — sussurrou Catherine, baixando os olhos como se não pudesse
suportar a vergonha. — Jamais o esqueci nem poderei esquecer. Jogou-me na lama e no pó
diversas vezes. — Fitou o marido com ar analítico. — De certo modo, você se parece com ele.
Rutherston encarou a esposa com suspeita, mas quando percebeu o movimento
espasmódico de seus ombros, achou que chorava, e passou o braço ao redor de seu corpo para
consolá-la, o coração cheio de dor e solidariedade.
— Quem era ele? — murmurou por fim.
— Jason? O alazão mais perverso que meu pai já possuiu! Um cavalo malandro e
dissimulado do qual gostava muito, mas que vivia escoiceando quando o montava — revelou
Catherine, entre acessos de riso.
— Catherine! — rosnou o marquês como um leão ferido, mortificado por ter feito papel
de tolo. — E eu pensando que estava chorando por causa de outro homem! Por que fez isso
comigo?
— Para lhe dar uma lição, convencido! — redarguiu a esposa sem pestanejar. — O ciúme
é uma emoção terrível, não? Concreta e palpável como uma dor física. Sabe o que tenho vivido
nessas últimas semanas, imaginando como competir com a sedutora Pamela?
— Não quero que tente competir com ninguém! — replicou Rutherston com ansiedade. —
Já não lhe disse que nosso amor é diferente de tudo que já senti por uma mulher? — Voltou a
abraçá-la com paixão. — Oh, Catherine! — gemeu de encontro ao se ouvido. — Sou eu o
inexperiente e ingênuo. Conhece muito mais sobre o amor verdadeiro que jamais poderia
imaginar. Precisa me ensinar!
De repente um pensamento cruzou o cérebro de Catherine, que o fitou de maneira
acusadora.
— Mas foi uma promessa! Casou-se comigo porque prometeu a sua família que o faria aos
trinta anos. O marquês de Rutherston precisava de um herdeiro.
Richard riu de maneira irônica.
— E o marquês de Rutherston já produziu um herdeiro. — Percorreu com as mãos o corpo
da esposa, em um gesto possessivo. — Como explica meu desejo que continua ardendo, e minha
vontade de estar sempre o seu lado, dia e noite, se já cumpri a obrigação de gerar um filho? E
aviso-a, não permitirei nunca mais que me proíba de compartilhar sua cama!
Com gesto rápido, passou os braços pelas costas de Catherine, e começou a desabotoar-lhe
o vestido, do modo que ela já conhecia.
— Pare com isso, Richard! Não é o momento! O que pensa que está fazendo?
— Estou tentando ser um bom aluno, meu bem. Ensine-me a amar de verdade, querida,
por favor.
E o que Catherine poderia fazer? O desejo autêntico de se modificar deve ser respeitado,
então ela concordou. Rodeou o pescoço do marido com os braços macios e retribuiu o beijo
apaixonado.
— Nunca mais terá amantes? — perguntou em um murmúrio sensual.
— Não, e irei cobri-la de brilhantes, querida.
— Gosto das pérolas também...
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UM TOQUE MÁGICO
Hannah Howell
Ilsa era apaixonada por Edmund, um homem conquistador e experiente. Seu
amor era tão grande que ela não media esforços para encontrá-lo. Até que um dia
foi surpreendida pelos irmãos em um furtivo encontro na mata. A solução
encontrada pelos irmãos foi fazer com que Edmund assinasse um contrato nupcial
e se comprometesse com Ilsa. Mas ele desapareceu misteriosamente, e deixando-a
apenas com doces lembranças dos momentos de paixão que viveram juntos.
Um ano depois Ilsa reencontra Edmund no altar com outra mulher! O
desespero tomou conta de Ilsa, afinal, não conseguia imaginar sua vida sem aquele
homem. Mas o que fazer, se ele já estava no altar? Será que Edmund poderia dizer
um não?
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