Untitled
Untitled
Untitled
AS ÁFRICAS DO MUNDO
Porto
Design gráfico da capa: Bruno Bento
Depósito legal
ISBN
978-989-53997-0-3
Porto • 2023
Índice
I. Testemunhos
O mensageiro Pires Laranjeira 37
Elisalva Madruga DANTAS
-5-
II. Ensaios
(Para além dos) ecos de Angola na Croácia: desdobramentos pe- 65
dagógico-literários
Majda BOJIĆ
(Re)escrever a nação nos versos: o impulso da revista Mensagem 75
para a formação do cânone literário angolano
Silvia BRUNETTA
-7-
Em busca de todo o Pires Laranjeira
-9-
O título do encontro, 70x2: da ‘Mensagem’ de Luanda à mensagem de Pi-
res Laranjeira, anunciava com clareza o seu objetivo: a celebração de dois
septuagenários, o da revista Mensagem (fundada em 1951) e o de Pires Laran-
jeira (nascido no ano anterior), sublinhando-se assim a ligação epistémica, ide-
ológica e afetiva do homenageado à geração angolana da efémera publicação.
É verdade, como nos foi aliás notado, que a ordem dos fatores parece estar
errada: deveria ser 2x70, em lugar de 70x2. Mas, como sabemos, a ordem dos
fatores não altera o produto da multiplicação. Além disso, tratava-se de rees-
crever uma passagem do Evangelho de Mateus, frisando bem que Pires não é
Pedro.
Cremos que os objetivos do evento foram plenamente atingidos, uma vez
que o colóquio conseguiu sê-lo no sentido etimológico da palavra, funcio-
nando como um espaço de conversa e de partilha. Partilha de saberes sobre
literaturas africanas, e em particular sobre literatura angolana. Mas partilha
também de experiências pedagógicas de ensino da literatura e de gosto pela
palavra e pela poesia. E partilha de afetos entre gente que, presencialmente ou
à distância, vinha de espaços diversos de Portugal, de Angola, do Brasil – os
lugares onde são mais fortes as marcas do legado de Pires Laranjeira – mas
também da Croácia, da França e da Itália. A presença de um número signifi-
cativo de colegas e antigos alunos e alunas entre a assistência sublinhou de
modo inequívoco a necessidade desse momento, que seria complementado
com duas outras homenagens: a atribuição, por parte da Fundação Dr. António
Agostinho Neto, da Ordem Sagrada Esperança, com a entrega, na sessão do
Porto, da medalha e diploma respetivos; a outorga, pela Embaixada de Angola
em Lisboa, de uma distinção – constituída por um diploma e por uma salva de
prata – como reconhecimento do trabalho de Laranjeira em prol de Angola, da
sua literatura e da sua cultura.
Quanto à publicação que agora vem a lume, ela reúne a quase totalidade
das comunicações apresentadas no colóquio de 2021. Abre com um texto do
novel jubilado, O conteúdo desse continente: homenagem, em que o seu autor
faz um balanço de um trabalho de meio século no campo das literaturas afri-
canas dos Cinco, sem nunca cair no autoelogio ou no autocomprazimento. Pelo
contrário: Pires Laranjeira aproveita a oportunidade para reverter a homena-
gem, recordando os seus mentores e rendendo preito aos seus companheiros
de ofício, não deixando de sublinhar que a luta não está ganha e que os obstá-
culos não desaparecem, apenas se transformam.
-10-
Entrega da Ordem Sagrada Esperança pelo Ad-
ministrador da Fundação Dr. António Agosti-
nho Neto, no âmbito do colóquio 70x2: da
‘Mensagem’ de Luanda à mensagem de Pires
Laranjeira.
O Embaixador de Angola
em Lisboa, Dr. Carlos Al-
berto Fonseca, entrega a
Pires Laranjeira uma dis-
tinção que reconhece o
seu trabalho em prol de
Angola, da sua literatura e
da sua cultura. A cerimó-
nia ocorreu a 9 de setem-
bro de 2022, na Faculdade
de Letras do Porto, no âm-
bito do colóquio “Sou um
dia em noite escura”:
Centenário de Agostinho
Neto (1922-2022)
-11-
no apreço pelo trabalho desenvolvido a favor de uma causa comum. Alguns
deles abordam particularmente a obra científica do autor de Literatura Cali-
banesca, destacando o manual que elaborou para a Universidade Aberta em
1995, em colaboração com Inocência Mata e Elsa Rodrigues dos Santos: é o
caso dos artigos de Ana T. Rocha e Solange Evangelista M. Luis, este último
a partir de uma experiência pedagógica no Lubango. Também de prática pe-
dagógica, desta feita no ensino secundário, nos fala Catarina Isabel Silva Ro-
drigues, que chama a atenção para a necessidade de revalorizar e requalificar,
em Portugal, o ensino das literaturas africanas de língua portuguesa. Por outro
lado, as Professoras Majda Bojić, Maria Nazareth Soares Fonseca, Rita Olivi-
eri-Godet, Pauline Champagnat, Barbara dos Santos e Doris Wieser abordam
o ensino das literaturas africanas de língua portuguesa nos seus respetivos paí-
ses, enfatizando algumas delas a importância de Pires Laranjeira para a afir-
mação da área, fosse através da bibliografia que produziu, fosse por meio da
sua atuação como professor, formador, orientador ou conferencista.
Outras facetas do trabalho do homenageado são contempladas nos artigos
de Andreia Oliveira e Jane Tutikian: a primeira fala de um projeto científico
que ele coordenou no Centro de Literatura Portuguesa da Universidade de Co-
imbra, ao passo que a Professora brasileira analisa, sob a ótica da pós-utopia,
o livro de poemas de Laranjeira O vento que passa.
Mas os textos que mais fundamente abordam o mito Pires Laranjeira e se
aproximam da sua vida verdadeira são os de António Jacinto Pascoal e Lola
Geraldes Xavier. Estruturados e redigidos com fina sensibilidade, analisam
com funda inteligência a totalidade da obra de Laranjeira, que consideram in-
separável da respetiva vida. Uma obra que vai muito além dos estudos africa-
nos, como escreve António Jacinto Pascoal:
A sua obra literária, quase sempre submersa pela barrela da ensaística, nas suas
vertentes literária, sociológica, política, intelectual e afectiva (aqui, no mais
temperamental sentido do termo), acompanhou incursões de expressão plástica
(escultura, pintura e desenho). E a questão, com toda a sua brutalidade, surge:
é somente um exegeta aquele cuja existência empírica afirma o seu vínculo
iniciático com as artes plásticas, o jornalismo, a poesia?
Trata-se de uma obra que tem nos estudos africanos a sua causa maior,
afirmada contra ventos e marés – sempre em maior número que os marinhei-
ros, como observa o mesmo autor noutra passagem:
-12-
Trinta anos depois, a História deu razão a Laranjeira, quando, pelas fortes
contingências da academia, se percebeu que, apesar do declínio do estudo das
cinco literaturas africanas de língua portuguesa, foram elas, entretanto, que
mantiveram cursos de mestrado evitando a sangria institucional da Univer-
sidade, concorrendo ainda para uma curiosa renovação camaleónica de alguns
agentes de ensino, desesperadamente colados à tábua de salvação africana, pela
qual compareceram à chamada da notoriedade, travestindo-se na vaga dos
estudos pós-coloniais, e sustentaram ensaios, edições, departamentos e centros
de estudo, além da cadeira de carvalho onde decididamente assentaram as
nalgas, e o próprio emprego. Nihil novi sub sole. Pires Laranjeira assistiu a tudo
isto nas barbas do bando.
-13-
O CONTEÚDO DESSE CONTINENTE: HOMENAGEM
Pires Laranjeira
-15-
Pires Laranjeira
***
Os estudos literários, como hoje os conhecemos, aplicados ao objeto cha-
mado “literaturas africanas”, ou desdobrado em Cinco países, em Portugal,
surgiram no contexto do pós-Revolução de 25 de Abril de 1974 e no processo
das independências africanas. Instituíram-se, então, pela condição material
que o Estado português forneceu para uma renovação epistémica.
As Literaturas Africanas, enquanto disciplinas, ficam a dever-se a Manuel
Ferreira, que muito trabalhou para as conseguir instituir, depois da Revolução
dos Cravos, na FLUL, ao contrário do que outros afirmam, como Alberto Car-
valho (da FLUL), que, num texto incluído num livro, resultante de um coló-
quio, organizado por Francisco Topa (Porto, 2017: 33-45), atribui a criação a
Jacinto do Prado Coelho e Fernando Cristóvão, por serem catedráticos, esta-
rem vinculados à Comissão Científica de Departamento da sua Faculdade e,
por conseguinte, terem a possibilidade legal de apresentarem a proposta, ins-
titucional e formalmente, porque Manuel Ferreira não podia, não sendo cate-
drático. Não é por acaso que o nosso colega articulista não valida que Manuel
Ferreira desenvolveu esforços, agindo para essa finalidade, ao cativar vonta-
des, incluindo a dos próprios catedráticos. E é por isso que, de modo a justifi-
car o seu tratamento do processo, colocando todo o mérito exclusivamente nos
catedráticos, explica: “me irei confinar aos factos empíricos, interpretando-os
como tese relativa à instituição escolar destas literaturas (…) Por se tratar de
uma proposta da responsabilidade de Professores Catedráticos, que não se po-
deria reger por critérios oportunísticos” (idem: 33 e 35). Trata-se de um teste-
munho apresentado como factual e objetivo, mas que parece ter como finali-
dade obscurecer o papel desempenhado por Manuel Ferreira. Não toma em
consideração os bastidores e baseia-se nos laudos oficiais. Mas basta ler o ar-
tigo para perceber que o próprio Alberto Carvalho concede a si próprio um
-16-
O conteúdo desse continente: homenagem
1
Fonte: <https://www.barrosbrito.com/12720.html>.
-17-
Pires Laranjeira
-18-
O conteúdo desse continente: homenagem
-19-
Pires Laranjeira
de uma teoria parcial das literaturas africanas, mas é notório que a pretensão
totalizadora (tal como a da teoria crítica, dos estudos culturais ou, por exem-
plo, dos estudos subalternos) releva de explicações socio-históricas, políticas
e ideológicas oportunas e operatórias, mas falha, muitas vezes, quando se
perde de vista o teor estético, linguístico, imaginário – quer dizer: semiótico e,
insistindo sempre, filológico – e, além do mais, local e regional, de uma parte
importante dos textos literários e seus discursos, quando não se pode aceder a
todos os dados do problema.
Não deveria existir a incompatibilidade entre a análise linguístico-discur-
siva e a interpretação (textual) extensional, mas, por vezes, quando a visão é
extra-africana e extranacional, para já não dizer extrarregional, implicando va-
riadas perspetivas críticas, sem acesso a uma parte considerável dos dados do
problema, o que pode resultar é um discurso crítico aplicado de modo meca-
nicista, generalista ou inclusive em jeito de bricolage, desfasado da compre-
ensão simultaneamente alargada, integrada e micrológica do objeto. Apenas
quatro exemplos do que já aconteceu: classificar-se a poesia de Paula Tavares
como de “diáspora”; o poeta Craveirinha como pertencendo a um “entre lu-
gar”; a obra de Mia Couto como “mestiça”; José Eduardo Agualusa como es-
critor angolano, português e brasileiro. Não vale a pena referir as fontes e é de
boa camaradagem afirmar que todos incorremos em falácias. De qualquer
modo, a poesia de Paula Tavares independe do lugar onde a autora esteja e os
sujeitos ou sujeitas poéticas escreveriam tal e qual, estivessem no Lubango ou
em Lisboa ou em Nova Iorque. Porque ela foi por um caminho de afirmação
de culturas étnicas ligadas à Huíla e de uma sensibilidade dita “de mulheres”
ou “feminina”, todavia não constituindo isso uma explicação cabal para o seu
mérito, que passa muito mais pela oficina estética e linguística. Craveirinha
situa-se num “entre lugar”, como? A Mafalala de Lourenço Marques era um
“entre lugar” ou os seus textos provam que os sujeitos poéticos pertenciam a
duas culturas ou a três? Não. Pertencem à cultura moçambicana, que é feita de
variados componentes, um autêntico mosaico, ora em recomposição, ora em
fusão, ou, pelo menos, para ela desejando eventualmente avançar. Mas prati-
camente nenhum ser humano, em Moçambique, fica num “entre lugar”. Pensar
assim é pensar segundo uma abordagem de antropologia para-colonial traves-
tida de vanguarda. Não há poesia negra, nem mestiça, nem branca. Há autores
-20-
O conteúdo desse continente: homenagem
negros, mestiços, brancos, o que seja. Existem textos com temáticas, ideolo-
gias, semânticas e sentidos variados, que podem mudar radicalmente num
mesmo autor. Mia Couto faz literatura mestiça? Afirmar isso quanto a Mia
Couto, sendo branco, conhecendo muito bem o seu país e transplantando para
os seus textos mil histórias ouvidas em todo o lado, numa linguagem que não
é oral, nem popular, mas erudita, criativa, significa que é mestiço ou faz textos
mestiços ou que o seu processo de vida ou de escrita é atingido pela mestiça-
gem? Impossível, porque faz literatura moçambicana, somente isso, apenas
diferentemente de Eduardo White, Noémia de Sousa, Paulina Chiziane ou Un-
gulani Ba ka Khosa. O problema principal não reside obviamente na literatura
como textualidade multifacetada, muito bem analisada desde sempre, mas nas
abordagens teórico-práticas, que parecem deslindar algo oculto, todavia re-
caindo em conceitos guarda-chuvas, onde cabe, por vezes, um sentido inade-
quado. Voltemos ao “entre lugar”, sintagma que parece lembrar que o sujeito
do texto não se situa em lado algum. Seja qual for o teórico que o defina, à
partida, já perdeu na definição, por não se poder definir algo sem ser um objeto
bem delimitado. Daí que a espacialidade contenda com a subjetividade e a
temporalidade. Procuraram definir o “entre lugar” S. Santiago, E. Glissant, A.
Moreiras, H. Bhabha, W. Mignolo, S. Gruzinski, Z. Bernd, M. Pratt, A. Pi-
zarro, S. Pesavento (cf. Figueiredo, 2005: 125-141, onde há sugestões para
leituras, mas não de teóricos africanos), mas, obviamente, poucos africanos
optaram por tal gesto. Alguém sujeito a uma conotação de que não tem um
lugar, uma pertença, como se não tivesse nenhuma? Por muito que se possa
pensar em algo ou alguém cuja pertença, identidade ou radicação cultural (ori-
gem?) abranja mais do que uma, duas ou três componentes, proveniências ou
origens, isso prejudica o estabelecimento do conceito de “entre lugar”, pela
necessidade pragmática de uma topologia que sempre se associa a alguém ou
algo. Finalmente, a existência de algo ou alguém “sem lugar” ou “entre (um,
dois ou três) lugar(es)” não é uma excecionalidade muito especial, um indiví-
duo, um sujeito que está sujeito quase a uma condição de não pertença? Há
escritores, artistas, pensadores, intelectuais desses? Há, mas não são grupos
sociais amplos. Logo, “entre lugar” pouco significa.
A educação pelas Humanidades, pelo alargamento e aprofundamento da
leitura (e sobretudo da leitura literária, que é o campo aqui em questionamento,
-21-
Pires Laranjeira
***
As literaturas africanas de língua portuguesa (angolana, moçambicana,
cabo-verdiana, são-tomense e guineense), porque escritas nessa língua, por
autores em que ela é materna ou de alfabetização, e porque geralmente não
escrevem noutra (excetuam-se os que escrevem também ou somente em
-22-
O conteúdo desse continente: homenagem
-23-
Pires Laranjeira
-24-
O conteúdo desse continente: homenagem
Alfredo Margarido
-25-
Pires Laranjeira
***
Tomei conhecimento da literatura angolana – como consensualmente se
poderia referir tal objeto – antes da independência, quando era difícil conhecer,
-26-
O conteúdo desse continente: homenagem
-27-
Pires Laranjeira
Tive muito trabalho, muito mesmo, para uma pessoa só. Alguém disse, e
essa frase constitui um lapidar panegírico, sem que a pessoa se tivesse aperce-
bido: “Nem sei como o Pires conseguiu aguentar até aos 70 anos!”. Na segunda
metade da docência, três disciplinas de licenciatura, uma de mestrado e outra
de doutoramento, e, mais ainda, por vezes, durante os primeiros 20 anos, com
outras disciplinas não-africanas, orientações formais e informais (no gabinete
e no bar da FLUC ou nos corredores, tanto ou menos do que à mesa de cafés,
ao telefone ou Skype, estivesse em Portugal ou fora), artigos, capítulos, rese-
nhas, verbetes, viagens, colóquios, congressos, aulas, pequenos cursos, visitas
a escolas secundárias e mesmo básicas (na Guiné-Bissau, por exemplo, ou no
Brasil), apresentação de livros, enfim, a roda-viva de viver um tempo de edi-
ficação de Cinco literaturas já com décadas, pelo menos 150 anos de corpus
ou ainda mais longa duração. Tudo isso contribuiu, e de que maneira (que a
vida é muito mais ampla do que podemos especular), para tornar a jornada
uma vertigem, um vórtice de descobertas, uma viagem alucinante de (des)en-
cantamentos, (des)ilusões, bastidores, trabalho de escuta, escrita e escravidão
voluntária – simbolicamente de Conviviorum Vivendi Voluptas.
À ciência possível da literatura, ajuntei a militância cultural (outra forma
de dizer “interação com a sociedade” ou mesmo “divulgação”) e o dever que
sempre senti da divulgação dessa matéria negra de estética e engajamento,
compromisso. Afinal, tratava-se de Cinco literaturas que renasciam com as
independências políticas e assoberbavam as mentes, mas nem sempre eram
bem recebidas e, por isso, se pode, com propriedade, falar de luta pela expres-
são e enobrecimento de vozes marginalizadas ou subestimadas, quer nas uni-
versidades portuguesas, quer noutras, e nas sociedades ditas “ocidentais” e
suas instituições, meios e redes de comunicação social.
Apliquei as táticas e estratégias que considerei necessárias nesse combate
cultural e científico, com rudeza e acrimónia, às vezes, como era requerido, e
também por feitio e reação aos choques. Nunca a docência e a investigação
devem ser, no ensino superior, um percurso de autoritarismo e exercício de
poder individual, mas, na verdade, há alturas em que tal desmando nos aparece
pela frente como que obrigando a uma luta corpo a corpo, um combate e, tantas
vezes, uma guerra, mais do que um confronto aceitável. São as perplexidades
com a documentação, os textos, com autores, teorias, confrontos com públicos,
-28-
O conteúdo desse continente: homenagem
***
Em Portugal, os paradigmas teóricos de abordagem desse objeto que temos
vindo a designar, ao longo de mais de 45 anos, de várias maneiras, o que de-
monstra a oscilação concetual da nomeação, ao sabor da vertigem dos vários
campos teóricos e da própria teoria da literatura e do pensamento descoloniza-
dor, podem descrever-se como abrangendo, pelo menos, uma dúzia de moda-
-29-
Pires Laranjeira
-30-
O conteúdo desse continente: homenagem
-31-
Pires Laranjeira
Bibliografia
-32-
O conteúdo desse continente: homenagem
Dedicatória:
A Manuel Rodrigues Vaz, João Carneiro, David Mestre, Carlos Ervedosa,
José Manuel da Nóbrega, Domingos Van-Dúnem, Vergílio Alberto Vieira,
Luís de Miranda Rocha, Manuel Ferreira, Orlanda Amarílis, Leonel Cosme,
Leston Bandeira, José Carlos Vasconcelos, Carlos Reis, Maria João Simões,
Xosé Lois García, Lola Geraldes Xavier, José Ribeiro, Alfredo Margarido,
Inocência Mata, Elsa Rodrigues dos Santos, Fernando Mourão, Bernard Mou-
ralis, Claude Duchet, Tânia Roesing, Maria Aparecida Santilli, Benjamin Ab-
dala Junior, Leão Lopes, Fátima Mendonça, Corsino Fortes, José Luís Hopffer
Almada, José Luiz Tavares, Boaventura Cardoso, Rosa Cruz e Silva, José Lu-
andino Vieira, Arnaldo Santos, Carlos Alberto Fonseca, Luandino Carvalho,
Maria Eugénia Neto, Irene Neto, Elisalva Madruga, Rita Godet, Maria Naza-
reth Soares Fonseca, Laura Padilha, Sílvio Renato Jorge, Jane Tutikian, Rita
-33-
Pires Laranjeira
Chaves, Tânia Macedo, Carmen Lucia Tindó Secco, Agnaldo Rodrigues, Má-
rio César Lugarinho, Jorge Valentim, Maria Teresa Salgado, Manuel G. Si-
mões, José Viale Moutinho, António Jacinto Pascoal, Íris Amâncio, Cristina
Vieira, Rui Guilherme Silva, Ana T. Rocha, Solange Luís, Osvaldo Silvestre,
Albano Figueiredo, José Cardoso Bernardes, Eliane Veras, Margarida Calafate
Ribeiro, Phillip Rothwell, João-Maria Vilanova, Fabíola Guimarães Pedras
Mourthé, Barbara dos Santos, Majda Bosic, Pádua Souza e Silva, Antónia Do-
mingos, Andreia Oliveira Boia, Maria de Lurdes Sampaio, Francisco Topa e
Doris Wieser, pela amizade, camaradagem, incentivo e apoio, aos quais este
viandante das literaturas africanas presta homenagem. Agradeço a Doris Wie-
ser as correções e sugestões finais.
-34-
I. Testemunhos
O MENSAGEIRO PIRES LARANJEIRA
-37-
Elisalva Madruga Dantas
resolvi ligar para o Professor Pires Laranjeira, cujo nome estava na lista dos
amigos de João Carneiro e que era casado com uma brasileira, o que naquele
momento era bem significativo para mim. Gentilmente, ele me atendeu e con-
vidou-me, naquele dia mesmo, para jantarmos juntos. Na hora marcada, pe-
gou-me na pensão em que me encontrava e levou-me ao restaurante, onde já o
esperava um casal de amigos, de quem era compadre. Fiquei encantada e muito
agradecida com a sua receptividade. Na volta, ao me deixarem na pensão, ele
e seu casal de amigos verificaram que o lugar onde me hospedara não me era
muito conveniente. Imediatamente, convidou-me para ficar em sua casa, en-
quanto encontrava outro local para morar, o que aconteceu logo, graças à ajuda
do casal Laranjeira.
Sua generosidade foi muito além disso. Introduziu-me em sua biblioteca,
colocou à minha disposição seus livros, artigos, enfim tudo que tinha sobre as
Literaturas Africanas de Língua Portuguesa, sobretudo a Angolana. Apresen-
tou-me a revista Mensagem e os autores que nela publicaram, entre outros,
Viriato da Cruz, Agostinho Neto, Mário de Andrade, cujos textos, posterior-
mente, analisei, sempre destacando a importância daquele momento para a li-
teratura angolana.
Ele foi para mim um verdadeiro mensageiro do que se fazia em Angola.
Foi um anjo a iluminar a minha caminhada em busca da ampliação do conhe-
cimento sobre aquele universo literário. Com ele aprendi muitíssimo. Propi-
ciou-me oportunidades muito importantes de comunicação com o meio inte-
lectual português voltado ao estudo dessas literaturas. Graças e ele, fiz palestra
em Coimbra, intitulada Os percursos da literatura moçambicana: da dor à
alegria, durante a V Semana de Cultura Africana, cujo tema foi “Moçambique:
Cultura e História de um País”, ocorrida entre 17 e 22 de novembro de 1986,
a qual foi posteriormente publicada nas actas da referida semana; tive também
a oportunidade de falar, na Sociedade Jornalística do Porto, sobre as relações
entre literatura brasileira e angolana. Todas, pois, ocasiões de grande enrique-
cimento cultural.
Sua vasta literatura sobre a produção literária africana de língua portuguesa
muito me acompanhou durante toda a minha vida de docente, seja nos traba-
lhos que fazia, nos textos que publicava, nas palestras realizadas, nas aulas que
ministrava, nas orientações dadas aos alunos. Obras profundas em que vários
temas são abordados para melhor se conhecer o percurso dessas literaturas, as
-38-
O mensageiro Pires Laranjeira
-39-
D. QUIXOTE CONTRA OS MOINHOS
DO EUROCENTRISMO
Ou o trabalho de divulgação de Pires Laranjeira em Portugal
acerca das literaturas africanas de língua portuguesa
João Melo
Escritor angolano
-41-
João Melo
-42-
D. Quixote contra os moinhos do eurocentrismo
efeitos tecno-pop” que faziam e fazem as delícias de uma certa “crítica” (ou
divulgação?) jornalístico-literária. Arranjou, certamente, alguns “inimigos de
estimação” por isso. Outros mantinham com ele uma relação de sobranceira
condescendência, acusando-o, em segredo, de “odiar” os escritores que ven-
dem bem, como se “vender bem”, por si só, fosse critério de qualidade literá-
ria.
O trabalho feito em Portugal por Pires Laranjeira de divulgação das litera-
turas africanas de língua portuguesa e a sua receção levantam algumas ques-
tões de caráter geral, quer políticas quer ideológico-culturais, que gostaria de
explorar resumidamente. Vou começar por assinalar as diferenças de contexto
entre o período em que ele escrevia no Jornal de Letras e as primeiras décadas
após a independência dos cinco países africanos de língua portuguesa.
No período imediatamente pós-independências dos países em questão, a
que chamarei o “tempo dos mais velhos” – Luandino, Craveirinha, Alda do
Espírito Santo, Pepetela, Manuel Rui, Vasco Cabral, entre os escritores africa-
nos, e Saramago, Urbano Tavares Rodrigues, Manuel Alegre, Manuel Ferreira,
José Carlos Vasconcelos e outros escritores portugueses –, os contactos e as
trocas literárias entre eles eram frequentes e efetivas, da circulação de livros
aos encontros periódicos entre escritores e outros artistas. De acrescentar que
o referido intercâmbio contava com o devido apoio institucional, em ambos os
lados, a começar pelas organizações de escritores e não só, e tinha uma razoá-
vel repercussão na imprensa. O facto de quase todos esses escritores se conhe-
cerem pessoalmente e terem, alguns deles, partilhado experiências de luta co-
muns, inclusive prisões, certamente contribuiu para isso.
A partir do fim dos anos 80 e início dos anos 90, a situação começou a
mudar. A mudança geracional ocorrida, mas sobretudo as alterações políticas
em todos os países de língua portuguesa foram tornando aquelas trocas mais
raras e problemáticas e com menos impacto na vida cultural de todos eles, para
não dizer nulo. Não será exagero realçar um facto em particular: a entrada de
Portugal na União Europeia. Esse facto – vou dizê-lo – sepultou de vez a uto-
pia da jangada de pedra de Saramago, se é que alguma vez a mesma passou
pela cabeça das classes dominantes quer em Portugal quer nos restantes países
da alegada comunidade a que pertencemos, na realidade tão pouco comunitá-
ria.
-43-
João Melo
-44-
D. Quixote contra os moinhos do eurocentrismo
-45-
UM POEMA DE MÚCUA PARA O PIRES LARANJEIRA
AMIGOS IMORTAIS
amigos imortais
os que vivem mais
e ainda sobrevivem
entre os mais de nós
-47-
José Luís Mendonça
recebemos em silêncio
seus sinais e sabemos
que nunca mais
seremos os mesmos
de mãos dadas
sem dizer mais nada
ficámos siderados
como ateus confiantes
escutando o mar
num dia de verão
longe da praia a cavilar
é tempo de reavivar
para sempre a ligação
-48-
Um poema de múcua para o Pires Laranjeira
-49-
JOSÉ LUÍS PIRES LARANJEIRA:
UM MODO DE ESTAR NA UNIVERSIDADE
Carlos Reis
U. Coimbra / Centro de Literatura Portuguesa
-51-
Carlos Reis
-52-
UM PIONEIRO: PIRES LARANJEIRA*
*
Texto lido a 10 de novembro de 2021, na abertura da Exposição Bibliográfica dedicada a
Pires Laranjeira, patente no Instituto de Estudos Brasileiros da FLUC.
**
Diretor do Departamento de Línguas, Literaturas e Culturas da FLUC.
-53-
Osvaldo Manuel Silvestre
1
Antologia da poesia pré-angolana: 1948-1974. Pref., estudo, seleção e notas de Pires La-
ranjeira. Porto: Afrontamento, 1976, p. 8.
-54-
Um pioneiro: Pires Laranjeira
2
De letra em riste: identidade, autonomia e outras questões nas literaturas de Angola,
Cabo Verde, Moçambique e S. Tomé e Príncipe. Pires Laranjeira. Porto: Edições Afronta-
mento, 1992, p. 11.
-55-
Osvaldo Manuel Silvestre
-56-
Um pioneiro: Pires Laranjeira
-57-
QUANDO A OCASIÃO SE PÕE EM OBRA:
LOUVOR & SIMPLIFICAÇÃO
DE J. L. PIRES LARANJEIRA
Por decisão do autor, este artigo não segue o Acordo Ortográfico.
-59-
Vergílio Alberto Vieira
-60-
Quando a ocasião se põe em obra: louvor & simplificação de J. L. Pires Laranjeira
-61-
Vergílio Alberto Vieira
Afrontamento, 1985), por parte do Prof. Manuel Ferreira de quem viria a re-
ceber fundamentais linhas de orientação, refira-se apenas em que medida o
aprofundamento da teorização, análise de modelos similares aos que noutras
latitudes foram fazendo escola, leitura de obra (ora constantes da história lite-
rária das antigas colónias, ora dadas à estampa a partir das nacionalidades a
que o fim da ditadura e o advento da Revolução de Abril abriram portas), bem
ainda o acesso a fontes de conhecimento histórico-literário, ampliadas para lá
das limitações que o regime colonial lhes impunha, não tardaram a ser deter-
minantes no quadro constitutivo que novos modos de conceptualidade passa-
ram a eleger, consolidadores todos eles da desejável tradição da ruptura, que a
dinâmica investigadora requer, enquanto segmentos concertados com a recep-
ção das obras em devir.
Não se tratasse da summa laranjeirológica (Kierkegaard, citado pelo con-
troverso Harold Bloom, diria que: “Aquele que está disposto a trabalhar é pai
de si próprio.”) do inimitável professor que, como Saúl, saiu a pastorear ove-
lhas e foi sagrado rei, faltar-me-ia coragem (e despreconceito para não dizer
descaramento), hoje, e a poucos passos da Porta Férrea que cruzei, nesse dis-
tante Outubro de 1970, para sair a terreiro e acrescentar um ponto à biobiblio-
grafia deste discípulo de Fernão Mendes Pinto que, sem medir o risco de ca-
pitular ante a fúria dos mares, tantos Cabos das Tormentas dobrou, à bolina
dos ventos que fizeram da sua Peregrinação pessoal e docente, Cabo da Boa
Esperança, deste navegador (quase) solitário que, agora, marinheiro em terra
firme, virou guardador de boas memórias & de outros rebanhos astrais, desco-
bertos (e a descobrir) em tempos de cólera.
A concluir, permitam-me confessar que, do tanto que não disse, não vem
ao caso o que por dizer ficou, pois que, posso jurá-lo, sentir-me-ia impedido
de fazer vibrar, não sem a emotividade da hora, as cordas do coração.
-62-
II. Ensaios
(PARA ALÉM DOS) ECOS DE ANGOLA NA CROÁCIA:
DESDOBRAMENTOS PEDAGÓGICO-LITERÁRIOS
Majda Bojić
U. de Zagreb / Faculdade de Ciências Sociais e Humanas
Abstract: This article intends to present a brief historical survey of the main contacts
between Angola and Croatia regarding literary translations and the teaching of Angolan
literature. We begin with the translations of Angolan literary works in the former Yugoslavia
such as translations of poetry by authors like Agostinho Neto, Viriato da Cruz or António
Jacinto, which began to be published in the 60s of the last century. According to the purpose
of the work it will still be important to cover the topic of teaching Angolan literature at the
academic level, within the scope of the Portuguese Language and Literature course, at the
Faculty of Humanities and Social Sciences of the University of Zagreb. Since we are
dealing with a comprehensive subject that opens space for future research, we decided to
present the data that we currently consider to be of major importance.
Keywords: Angola, Croatia, translations, teaching.
-65-
Majda Bojić
Introdução
O presente artigo intenta efetuar um levantamento histórico resumido dos
principais contactos entre Angola e a Croácia, principalmente ao nível das
traduções literárias e do ensino universitário. Para tal empreendimento,
recuaremos bastantes anos atrás, até aos tempos da ex-Jugoslávia. Buscando
as raízes, deparar-nos-emos com uma série de dados que evidenciam uma
presença de contactos culturais perene e importante. Levaremos em
consideração principalmente a presença da literatura angolana através das
traduções, primeiro no âmbito da Jugoslávia e, depois, no moderno estado da
Croácia, fundado em 1991. Na continuação desse levantamento histórico da
presença literária angolana, viraremos o enfoque da nossa pesquisa para o ensi-
no dessa literatura no curso de língua e literatura portuguesas, na Faculdade de
Ciências Sociais e Humanas da Universidade de Zagreb. É nesse contexto que
o trabalho do Professor José Luís Pires Laranjeira dá provas da sua impor-
tância, tanto em termos do seu trabalho teórico e didático, como no sentido do
apoio incondicional e incessante ao ensino das literaturas africanas de língua
portuguesa em Zagreb.
-66-
(Para além dos) ecos de Angola na Croácia
1
Foi a praia de Šibenik, chamada Martinska, que lhe lembrou a sua Ilha da Martinica e
inspirou os conhecidos versos. Acrescenta-se que, conforme o pedido da Présence
africaine, Guberina preparou a edição crítica do poema (publicada em 1956), para a qual
escreveu também o prefácio (ver GUBERINA, 1985).
2
De entre as publicações da época dedicadas à literatura africana, ressaltamos o número
especial da revista “Književna smotra”, dedicado à literatura africana subsaariana, com o
artigo de Guberina intitulado “Sobre a origem da «negritude»”, no qual o autor ressalta a
importância do âmbito cultural em volta da “négritude” e da “Présence Africaine” para a
criação do MPLA – “o fermento da democracia portuguesa” (GUBERINA, 1985: 86).
-67-
Majda Bojić
3
Trata-se dos seguintes livros: Istiniti život Dominguša Savijera (1986), tradução do livro
A vida verdadeira de Domingos Xavier, de Luandino Vieira, e Ngungine avanture (As
aventuras de Ngunga, 1982) e Majombe (Mayombe, 1985), publicados em Gornji
Milanovac. Acrescentamos ainda a publicação do conto “Faustino”, de Luandino Vieira, no
jornal Telegram, em 1965.
4
Os poemas foram publicados em todas as repúblicas federativas da Jugoslávia, incluindo
as publicações de vários autores angolanos em revistas croatas.
5
As traduções das obras dos autores angolanos, sobretudo de Agostinho Neto, podem ser
observadas no âmbito da cooperação político-cultural entre a Jugoslávia e Angola, especi-
almente marcante nos anos 60 e 70. Na base dessa cooperação estava o Movimento dos Não
Alinhados (MNA), que representava, usando aqui o título do livro de Tvrtko Jakovina
(2010), a “terceira via da guerra fria”, constituindo-se como uma força de apoio e coopera-
ção entre os países, em princípio sem compromisso formal com nenhum dos países dos dois
blocos opostos, liderados pelos Estados Unidos e pela União Soviética. Desde a fundação
do movimento, a Jugoslávia ocupava um papel de relevo, tendo hospedado, em 1961, a
primeira conferência do MNA, em Belgrado, na qual participaram Mário de Andrade e Hol-
den Roberto. O projeto duma cooperação baseada em princípios políticos comuns e o “ca-
minho independente” proposto pela Jugoslávia atraía os dirigentes dos movimentos de li-
bertação. No caso de Angola, tratava-se de apoio financeiro, humanitário, educativo (distri-
buindo bolsas de estudo aos alunos angolanos e oferecendo programas de formação para
diplomatas, jornalistas, etc.), económico (no que concerne à cooperação comercial) e mili-
tar (concedido ao MPLA). A cooperação também era cultural – segundo as pesquisas deta-
lhadas de Dimić (2017: 16), as visitas de angolanos (tanto do corpo diplomático como dos
alunos) foram acompanhadas por programas culturais especiais – visitas aos museus, insti-
tuições académicas, locais emblemáticos de guerra, organizações sociais e fábricas. Acres-
centam-se as apresentações de filmes jugoslavos, que glorificavam a sua revolução e as
lutas contra o fascismo, assim como os sucessos do seu modelo político contemporâneo e a
solidariedade com os movimentos de libertação. Os filmes jugoslavos (sincronizados) tam-
bém foram enviados para Angola (ver mais em DIMIĆ, 2017).
-68-
(Para além dos) ecos de Angola na Croácia
6
Como lembra Francisco Topa (2020: 41), a primeira publicação em formato livro de Agos-
tinho Neto foi Con occhi asciutti, livro publicado em Itália, em 1963.
-69-
Majda Bojić
7
Em Zagreb, os estudos do português começaram ainda em 1982 com a criação do Curso
Livre de Língua, Literatura e Civilização Portuguesas. A partir desse ano, o primeiro leitor
português (destacado pelo ICALP) leciona as cadeiras de Exercícios de Língua Portuguesa.
Com a reforma de todos os cursos da Universidade de Zagreb para o Sistema de Bolonha,
no ano letivo de 2005/2006, começou a funcionar o novo curso de Língua e Literatura
Portuguesas com a duração de cinco anos e compreendendo dois ciclos – licenciatura (3
anos) e mestrado (2 anos) (ver mais na página https://www.clpcamoes-zagreb.com/
universidade-de-zagreb.html). Ao longo dos anos, o curso de Língua e Literatura Portu-
guesas tem sido dos mais solicitados da Faculdade de Ciencias Sociais e Humanas de
Zagreb.
-70-
(Para além dos) ecos de Angola na Croácia
8
Destacamos, por exemplo, a análise da linguagem literária de Luuanda, em que Pires La-
ranjeira (1995: 122-123) revela alguns dos princípios da criatividade de Luandino Vieira,
que, num trabalho à Sísifo de desconstrução infindável, constrói um estilo que apresenta
similitudes com a oralidade africana, simulando, ao mesmo tempo, a espontaneidade popu-
lar.
9
No que concerne à questão da língua, há outro trabalho do Prof. Pires Laranjeira que se
mostra proveitoso na sala de aula – é o texto “Língua e Literatura nos Países Africanos de
Língua Oficial Portuguesa”, publicado no livro Ensaios afro-literários, analisado junta-
mente com outros textos relevantes, como os de Ngugi wa Thiong’o (do livro Decolonizing
the mind) e Amílcar Cabral.
-71-
Majda Bojić
-72-
(Para além dos) ecos de Angola na Croácia
Considerações finais
Este texto, que, de modo resumido e a partir da nossa área de atuação,
percorreu a história e a presença literária angolana na Croácia, retratou uma
continuidade que sob várias formas (e sob sistemas políticos diferentes) existiu
pelo menos desde os meados do século XX. A importância da literatura
angolana, na época da Jugoslávia, (assim como das literaturas africanas, em
geral) ficou bem clara – fruto não só de alianças políticas, mas também de um
interesse verdadeiro e sincero do público leitor. No moderno estado da
Croácia, o século XX reintroduziu o interesse pela literatura angolana,
reforçado também pelos estudos de literatura angolana no nível académico,
que oferecem um apoio institucional e viabilizam o intercâmbio cultural e
académico. Nesse sentido, reiteramos a importância do Prof. Pires Laranjeira
e permitimo-nos, aqui, a licença de agradecer pelo apoio conferido ao estudo
das literaturas africanas de língua portuguesa.
Bibliografia
-73-
Majda Bojić
-74-
(RE)ESCREVER A NAÇÃO NOS VERSOS:
O IMPULSO DA REVISTA MENSAGEM PARA
A FORMAÇÃO DO CÂNONE LITERÁRIO ANGOLANO
Silvia Brunetta
Doutorada pela U. de Aveiro
Resumo: Neste trabalho pretende mostrar-se, através de um percurso através da poesia an-
golana publicada na passagem do regime colonial à independência, como os versos partici-
param na construção da pátria como ideia colectiva, de acordo com o preconizado no pro-
jeto da revista Mensagem. O discurso da nação é delineado através de vozes diferentes,
entre as quais se destacam nomes como Arnaldo Santos, Manuel Rui, Jofre Rocha, João-
-Maria Vilanova e Jorge Macedo, que contribuem para a formulação do cânone literário de
perspectivas diferentes, se bem que norteados por convicções comuns.
Palavras-chave: poesia angolana, pátria, discurso da nação, cânone literário
Abstract: This work aims to show, through a path through Angolan poetry published in the
passage from the colonial regime to independence, how the verses contributed to the con-
struction of the homeland as a collective idea, as advocated in the project of the magazine
Mensagem. The writing of the nation is outlined through different voices, among which
stand out names such as Arnaldo Santos, Manuel Rui, Jofre Rocha, João-Maria Vilanova
and Jorge Macedo, who contribute to the formulation of the literary canon from different
perspectives, though guided by common convictions.
Keywords: Angolan poetry, homeland, discourse of the nation, literary canon
-75-
Silvia Brunetta
-76-
(Re)escrever a nação nos versos
Vai, Joana Maluca. Assalta todos os homens da baixa, devassa todas as lojas
de modas, todos os cafés e bares, todos os cinemas e boates, entra em todos os
centros de elegância e expõe o pesadelo da tua existência. Arranca de todas as
mãos as joias inúteis, faz a cobrança das horas boas que te devem (SANTOS,
1977a: 104).
-77-
Silvia Brunetta
-78-
(Re)escrever a nação nos versos
-79-
Silvia Brunetta
era restritiva. Todavia, o meio urbano estava relativamente pouco afetado pela
guerra, uma vez que o conflito armado decorria sobretudo nas zonas do mato.
Neste contexto, delineia-se um clima de repressão que Pires Laranjeira, no
manual Literaturas africanas de expressão portuguesa, define como de “ghe-
tto”, que na poesia dá azo ao uso frequente de metáforas, como por exemplo
dia/noite, para expressar a subjugação colonial e o momento vindouro de li-
berdade. No entanto, a esperança num mundo angolano independente preco-
nizada pelos mensageiros e a incitação à luta tornam-se sempre mais concretas
e pujantes. Tempo de cicio, de Jofre Rocha, abre com o poema “Insubmissão”,
que recita nos primeiros versos “Cansei-me deste horror de silêncio/ a encobrir
murmúrios nas bocas” (ROCHA, 1973: 7) e reitera a ideia da impossibilidade
de falar, no poema “Tempo espacial”: “as larvas que somos/ às cegas na noite
dos casulos/ aspiram à libertação” (ROCHA, 1973: 23). Manuel Rui expressa
a mesma incerteza também a partir de Portugal: “mas sinto o terror/ nas noites
de insónia e de vigília/ da justiça a boiar na incerteza/ de ter ou não/ o direito
de cantar” (RUI, 1967: 43).
Especialmente na primeira década depois da independência, as estratégias
discursivas utilizadas nos versos visam celebrar os heróis da luta de libertação,
a realização da pátria, bem como (re)perspectivar a História numa ótica pós-
-colonial. Nas obras publicadas após a independência, os autores incluem po-
emas escritos ainda em contexto colonial, como a querer reatar um discurso
interrompido e dar continuidade ao discurso delineado anteriormente, como
acontece em Clima do Povo, Assim se fez madrugada, A decisão da idade,
Poemas no tempo, Do canto à idade. Por exemplo, Jorge Macedo divide Clima
do Povo em duas partes intituladas “Clima do exílio” e “Clima regressado”,
que representam a passagem do regime colonial à independência. O termo
“clima” refere-se às fases históricas, sendo que a metáfora do sol a nascer sim-
boliza a realização da pátria: “o sol se abre o sol se rasga sobre nossas cabeças/
os novos tempos/ nosso clima” (MACEDO, 1977: 28). Também Jofre Rocha
reitera imagens da conquista da liberdade na recolha Assim se fez madrugada.
No poema que dá o nome à obra, Rocha dialoga com os mensageiros e parece
traçar um percurso temporal dos acontecimentos históricos:
Ngolééééé…
Ngola Kiluanji
-80-
(Re)escrever a nação nos versos
-81-
Silvia Brunetta
-82-
(Re)escrever a nação nos versos
Nesta perspetiva, é importante ver como foi escrito o discurso da nação nos
versos, como reação à realidade dos tempos, mas também é importante perce-
ber que os autores, os representantes da elite cultural, contribuíram para esta
escrita com perspetivas e estratégias discursivas diferentes, as quais caracteri-
zam a literatura angolana e o seu percurso. Considerando a poesia que assinala
a passagem do regime colonial para a independência, contextualizada, sobres-
saem os nomes de Arnaldo Santos, Manuel Rui, Jofre Rocha, Jorge Macedo,
David Mestre, Ruy Duarte de Carvalho e João-Maria Vilanova, que antecipa-
ram a pós-colonialidade, ainda em tempos coloniais. Paula Tavares, lem-
brando que houve escritores que fizeram parte da diáspora e tornaram o quadro
de identidade ou da busca dela ainda mais complexo, argumenta relativamente
à nação/pátria que:
So, at this point in time it is already possible to think about whereas before
people were limited to living that reality. First, they had to project the nation,
then they had to live it, and later they could reflect on the historical moment
when it became a nation (LEITE, 2014: 36).
-83-
Silvia Brunetta
uma fase que Inocência Mata define de “cidadania” (MATA, 2006: 40), onde
a poesia expressa problemáticas universais, através das especificidades.
Bibliografia
ACHEBE, Chinua (1997). English and the African writers. “Transition”. 75/76:
The anniversary issue – Selection from Transition 1961/1976, p. 342-349.
[Consult. 19 out. 2021]. Disponível em <https://doi.org/10.2307/2935429>.
ANDRADE, Fernando Costa (1980). Literatura angolana (opiniões). Luanda:
Edições 70 / UEA.
CARVALHO, Ruy Duarte de (2005). Lavra. Poesia reunida (1970-2000). Lisboa:
Cotovia.
HAMILTON, Russel (1981). Literatura africana, literatura necessária (Vol. 1).
Lisboa: Edições 70.
LARANJEIRA, Pires (2015). Pós-colonialismo e pós-modernismo em contexto
pré-moderno e moderno – O local e o nacional nas literaturas dos cinco e as
ilusões da literatura mundo. “Revista de Estudos Literários” Vol. 5: Literatu-
ras Africanas de Língua Portuguesa, pp.17-47. [Consult. 16 ago. 2021]. Dis-
ponível em <https://doi.org/10.14195/2183-847X_5>.
LEITE, Ana Mafalda, org. (2014). Speaking the postcolonial nation: interviews
with writers from Angola and Mozambique. Oxford: Peter Lang.
MACEDO, Jorge (1973). Irmã humanidade. Lobito: Cadernos Capricórnio.
MACEDO, Jorge (1977). Clima do povo. Lisboa: Edições 70 / UEA.
MATA, Inocência (2000). O pós-colonial nas literaturas africanas de língua por-
tuguesa. Texto apresentado no X Congresso Internacional da ALADAA (As-
sociação Latino-Americana de Estudos de Ásia e África) sobre CULTURA,
PODER E TECNOLOGIA: África e Ásia face à Globalização – Universidade
Cândido Mendes, Rio de Janeiro – 26 a 29 de outubro de 2000. [Consult. 25
set. 2021]. Disponível em <https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/4033274/
mod_resource/content/1/MATA%2C%20Inoc%C3%AAncia%20-
%20O%20p%C3%B3s-colonial%20nas%20literaturas%20africanas.pdf>.
MATA, Inocência (2006). Sob o signo de uma nostalgia projetiva: a poesia an-
golana nacionalista e a poesia pós-colonial. “SCRIPTA”. Belo Horizonte. 10:
19, pp. 24-42. [Consult. 23 set. 2021]. Disponível em <http://periodi-
cos.pucminas.br/index.php/scripta/article/view/13936>.
NETO, Agostinho (1998). Poesia. Luanda: INALD.
ROCHA, Jofre (1973). Tempo de cicio. Lobito: Cadernos Capricórnio.
ROCHA, Jofre (1977). Assim se fez madrugada. Lisboa: Edições 70 / UEA.
RUI, Manuel (1967). Poesia sem notícias. Porto: [s.n.].
-84-
(Re)escrever a nação nos versos
-85-
ENSINO E DIVULGAÇÃO DAS LITERATURAS
AFRICANAS DE LÍNGUA PORTUGUESA NO BRASIL:
NOTAS SOBRE UM PERÍODO SINGULAR
Resumo: O texto aborda, de maneira sucinta, questões relativas à introdução das literaturas
africanas de língua portuguesa em cursos de Letras do Brasil e focaliza, de forma mais
direta, um período específico do Programa de Pós-graduação em Letras da PUC Minas,
criado em 1989, sendo de ressaltar a importância que a obra A Negritude Africana de Língua
Portuguesa, de autoria de Pires Laranjeira, teve na construção da base teórica necessária
aos cursos e às pesquisas sobre as literaturas africanas de língua portuguesa, particularmente
a partir de 1997. Ao ser introduzida como referência obrigatória dos cursos ministrados no
Programa de Pós-graduação em Letras da PUC Minas, a obra incentivou discussões mais
verticais sobre a Negritude e sobre a assunção de seus pressupostos por escritores angolanos
e moçambicanos que militavam em prol de uma literatura que se voltasse a questões espe-
cíficas do contexto em que era produzida, com destaque para os criadores da Mensagem,
em Angola.
Palavras-chave: Ensino, pesquisa, Literaturas Africanas de Língua Portuguesa, A Negri-
tude Africana de Língua Portuguesa
Abstract: The text briefly addresses issues relating to the introduction of Portuguese-speak-
ing African literature in Brazilian Letters courses and focuses more directly on a specific
period of the Postgraduate Program in Letters at PUC Minas (Pontifical Catholic University
of Minas Gerais), created in 1989, highlighting the importance that the work A Negritude
Africana de Língua Portuguesa (The African Blackness of the Portuguese Language), by
Pires Laranjeira, had in the construction of the necessary theoretical basis for courses and
research on Portuguese-speaking African literatures, particularly from 1997 onward. By
being introduced as a mandatory reference for courses taught in the Postgraduate Program
in Letters at PUC Minas, the work encouraged more vertical discussions about Blackness
-87-
Maria Nazareth Soares Fonseca
(Negritude) and about the development of its assumptions by Angolan and Mozambican
writers who militated in favor of a literature that turned to specific issues of the context in
which it was produced, with emphasis on the creators of Mensagem, in Angola.
Keywords: Teaching, research, African Literatures in Portuguese Language, A Negritude
Africana de Língua Portuguesa (The African Blackness of the Portuguese Language).
Neste evento em que homenageamos o Prof. Pires Laranjeira por sua con-
tribuição efetiva e duradoura aos estudos sobre as literaturas africanas de lín-
gua portuguesa, área que, no Brasil, surgiu em decorrência da descentralização
dos estudos das literaturas inglesa, francesa e portuguesa, quero, antes mesmo
de iniciar o meu texto, dizer do grande prazer de estar participando, ainda que
de forma remota, deste encontro que reúne estudiosos e pesquisadores que,
como o Pires Laranjeira, são responsáveis pela expansão das literaturas africa-
nas mundo afora.
Escolhi me referir, de forma mais específica, ao período em que as litera-
turas africanas escritas em português começaram a ser mais conhecidas e es-
tudadas no Brasil, porque foram introduzidas em cursos de Letras de algumas
universidades brasileiras situadas nas regiões Sudeste e Sul, geralmente vin-
culadas aos cursos de literatura portuguesa.
O cenário que caracteriza a fase inicial do ensino das literaturas africanas
de língua portuguesa em universidades como a Universidade de São Paulo
(USP) e a Universidade Federal Fluminense (UFF) é considerado pela
Prof.ª Maria Aparecida Santilli, quando ressalta, em 1984, a demorada legiti-
mação das literaturas africanas escritas em português, mesmo em cursos em
que elas já eram ensinadas:
Por outro lado, Laura Cavalcante Padilha, referindo-se aos cursos pioneiros
oferecidos na USP por Maria Aparecida Santilli, Vilma Arêas e Benjamin Ab-
dalla Júnior e, certamente, aos oferecidos por ela na UFF, no Rio de Janeiro,
destaca, em texto publicado em 2010, o modo como os cursos de Letras foram
-88-
Ensino e divulgação das literaturas africanas de língua portuguesa no Brasil
-89-
Maria Nazareth Soares Fonseca
mas como uma ferramenta teórica que propiciou alterações radicais nas pes-
quisas sobre as literaturas africanas por aludir a movimentos de escritores e
intelectuais acontecidos na Europa, que irão explicar processos de escrita poé-
tica de escritores e escritoras de Angola e Moçambique que assumiram, por
vezes de forma indireta, redes de discussões teóricas e literárias produzidas
fora do continente africano.
Retorno às exceções anunciadas por este texto para me referir à criação do
curso de Pós-graduação em Letras da Pontifícia Universidade Católica de Mi-
nas Gerais – PUC Minas, em 1989. O Programa de Pós-graduação em Letras
da PUC Minas, obrigado a distanciar-se da proposta assumida por curso de
pós-graduação em Letras já existente na Universidade Federal de Minas Gerais
(UFMG), na mesma cidade de Belo Horizonte, voltou-se ao ensino e às pes-
quisas sobre as literaturas escritas em português, logo as africanas, a brasileira
e a portuguesa, em nível de pós-graduação. A criação do Programa de Pós-
-graduação em Literaturas de Língua Portuguesa significou assumir o compro-
misso de incentivar pesquisas sobre as literaturas africanas escritas em portu-
guês, em momento em que essas literaturas sequer eram ensinadas na Gradu-
ação da mesma universidade e nem mesmo em outros cursos de Letras exis-
tentes na cidade de Belo Horizonte. Sequer havia, na PUC Minas e na UFMG,
estudos sistemáticos voltados à África, como existia na USP, antes de lá che-
garem as literaturas africanas, se considerarmos o trabalho efetivo desenvol-
vido pelo Centro de Estudos Africanos, criado, na USP, em 1965.
A PUC deu um passo ousado para cumprir a exigência de se voltar à pro-
posta diferente das existentes na UFMG e em universidades próximas a Belo
Horizonte. Um passo ousado porque exigia investimentos e soluções rápidas,
principalmente voltadas à aquisição de obras literárias de autores e autoras
oriundos(as) dos países africanos, mas, sobretudo, de textos teóricos que pos-
sibilitassem o exercício crítico exigido pelo trabalho dos docentes e pelas pes-
quisas a serem produzidas pelos alunos.
A solução encontrada pela Coordenação do curso de Pós-graduação foi
convidar docentes das universidades que já contavam com o ensino das litera-
turas africanas de língua portuguesa em seus currículos, ainda que, quase sem-
pre, somente como disciplinas optativas. Foram convidados os professores
Maria Aparecida Santilli e Benjamin Abdalla Junior, da USP, Laura Padilha,
-90-
Ensino e divulgação das literaturas africanas de língua portuguesa no Brasil
1
O primeiro foi realizado na UFF, em Niterói, de 01 a 04 de outubro de 1991; o II, em
2003, na USP; o III, na UFRJ, em 2007, e o IV, em Ouro Preto, reunindo as universidades
PUC Minas, UFMG e UFOP. A partir dessa data, os eventos passaram a ser realizados pela
AFROLIC.
-91-
Maria Nazareth Soares Fonseca
-92-
Ensino e divulgação das literaturas africanas de língua portuguesa no Brasil
-93-
Maria Nazareth Soares Fonseca
-94-
Ensino e divulgação das literaturas africanas de língua portuguesa no Brasil
ensino das literaturas africanas de língua portuguesa, período que contou com
o entusiasmo do Reitor da Universidade e da Coordenadora do Programa de
Pós-graduação em Letras, sempre dispostos a permitir que as investigações
sobre as literaturas africanas fossem verticalmente realizadas pelo curso de
pós-graduação, pioneiro no Brasil, porque foi criado em 1989.
Somos, por isso, gratos a Pires Laranjeira, porque o livro A Negritude Afri-
cana de Língua Portuguesa ajudou a implantar linhas teóricas pouco seguidas
até então, num tempo em que o sonho dos poetas e intelectuais angolanos e
moçambicanos, sobretudo, mas não apenas, contaminava os alunos e os fazia
desejosos de conhecer mais intensamente os textos literários de autores e au-
toras africanos(as), mas também as considerações teórico-estéticas e históricas
que iam sendo introduzidas, nos cursos da PUC Minas, ao longo dos anos.
Bibliografia
-95-
O HERÓI ÉPICO AUTOEXISTENTE NAS
LITERATURAS ORAIS AFRICANAS:
PARA UMA FILOSOFIA DOS NOMES PRÓPRIOS
DE PERSONAGENS INCRIADOS
Luís Kandjimbo
U. Óscar Ribas / U. Agostinho Neto / IELT – U. Nova de Lisboa
Resumo: Com a presente comunicação me proponho contribuir para o debate sobre a exis-
tência do género e do herói épico nas Literaturas Orais Africanas que, no actual estado dos
conhecimentos e avanços dos estudos narratológicos e filosóficos da literatura, exigem a
incorporação de outras perspectivas. O estudo comparado das descrições de alguns desses
heróis autoexistentes do corredor descendente da Zona Bantu constitui um imperativo. Por
isso, a discussão dos problemas que se levantam acerca das personagens ficcionais auto-
existentes não pode perder de vista a problematização do relativismo ficcional que repre-
senta uma importante ferramenta analítica para a problemática em análise. Neste sentido,
procuro reflectir sobre os fundamentos hermenêuticos da actividade crítica que tem como
objecto as Literaturas Orais Africanas, tendo em vista a desconstrução do medo do relati-
vismo que se vem confundindo com o medo do conhecimento.
Palavras-chave: Literaturas Orais Africanas, heróis autoexistentes, personagens ficcionais
Abstract: With this paper I propose to contribute to the debate on the existence of the genre
and the epic hero in African Oral Literatures which, in the current state of knowledge and
advances in narratological and philosophical studies of literature, require the incorporation
of other perspectives. The comparative study of the descriptions of some of these self-ex-
isting heroes in the descending corridor of the Bantu Zone is imperative. Therefore, the
discussion of the problems that arise about the self-existing fictional characters cannot lose
sight of the problematization of fictional relativism that represents an important analytical
tool for the problem under analysis. In this sense, I try to reflect on the hermeneutical foun-
dations of critical activity that has African Oral Literatures as its objects, with a view to
deconstructing the fear of relativism that has been confused with the fear of knowledge.
Keywords: African Oral Literatures, self-existing heroes, fictional characters
-97-
Luís Kandjimbo
Introdução
A abordagem desta problemática tem o benefício da posicionalidade teó-
rica em que me situo. Por outro lado, resulta do facto de falar o Umbundu,
língua de uma comunidade bantu de Angola, de cuja literatura oral é possível
extrair elementos de arquétipos transétnicos ou transculturais de narrativas
com estilo e heróis épicos.
Por força das circunstâncias desta homenagem que prestamos ao nosso
amigo e colega Pires Laranjeira, olho para a paisagem dos estudos das Litera-
turas Orais Africanas na comunidade de países de língua portuguesa e constato
que é um campo relativamente marginalizado, sendo o escasso número de tra-
balhos publicados, dissertações de mestrado ou teses de doutoramento um im-
portante indicador. Se estabelecermos uma comparação bibliométrica com a
produção emergente do espaço académico dos países africanos de língua fran-
cesa e inglesa, facilmente se corrobora essa conclusão. Em termos comparati-
vos, podem ser úteis as bibliografias analíticas como aquela que foi elaborada
por Veronika Görög-Karady (1981).
Sem prejuízo da avaliação que se possa fazer do nível de consagração ins-
titucional das Literaturas Orais Africanas, o interesse desse campo literário
reside no peso específico dos resultados que a investigação endógena pode
produzir.1 Mas não se pode ignorar o lugar que os chamados “estudos do
folklore” ocupam na história dos países africanos de língua oficial portuguesa.
Em Angola, regista-se um declínio no domínio da pesquisa e da publicação de
trabalhos sobre as literaturas orais, após o impulso inicial na década de 80 do
século XX. O pioneirismo neste campo de estudos literários conta com a pre-
sença de intelectuais “angolenses” ainda no século XIX, entre os quais se des-
taca Joaquim Dias Cordeiro da Matta (1857-1894). No entanto, uma parte
significativa dos trabalhos publicados sobre a literatura oral angolana na Eu-
ropa e na América é obra de missionários das igrejas protestantes dos Estados
Unidos da América, Inglaterra, Canadá e Suíça. A estes vêm juntar-se outros
missionários católicos franceses e portugueses, já no século XX.
Após a independência de Angola, foram os escritores que deram o tom,
revelando um interesse por estudos antropológicos e exploração das narrativas
mitico-históricas e materiais conexos das tradições orais. Podemos mencionar
1
O investigador Eswati, Enongene Mirabeau Sone (2018), reconhece igualmente que a si-
tuação é precária.
-98-
O herói épico autoexistente nas literaturas orais africanas
-99-
Luís Kandjimbo
2
Daniel P. Biebuyck fala em “traces of transethnic correspondence” (1978: 7).
3
Cf. DERIVE, 2012 e DERIVE, 2001.
4
BIEBUYCK e MATEENE, 1969; BIEBUYCK, 1978; OKPEWHO, 1979; KESTELOOT
e DIENG, 1997; DERIVE, 2002; JOHNSON, 1980.
-100-
O herói épico autoexistente nas literaturas orais africanas
Dezoito anos depois, Ruth Finnegan publicou Oral Literature in Africa. Numa
anotação sobre o género épico, inserida no segundo capítulo desse clássico dos
estudos europeus sobre as Literaturas Orais Africanas,5 Ruth Finnegan põe em
causa a existência deste género literário em África. Em 2011, na edição revista,
ela reitera o seu ponto de vista, apesar da abundante pesquisa e trabalho aca-
démico publicado, destacando-se, por exemplo, as publicações de três grandes
especialistas, o nigeriano Isidore Okpewho (1941-2016), o flamengo belga
Daniel Biebuyck (1925-2019) e o francês Jean Derrive.
Ruth Finnegan sustenta a ideia segundo a qual o género épico dificilmente
parece ocorrer na África subsahariana, exceptuando formas como o “utenzi”
(escrito) em swahili, a que são associadas influências literárias árabes. Resume
o seu pensamento, considerando que “a poesia épica não parece ser uma forma
africana típica”. Portanto, Maurice Bowra e Ruth Finnegan negam a existência
do género épico. Uma das razões invocadas reside no facto de o herói épico
possuir atributos sobrenaturais, como argumenta Mariam Konate Deme.6 Para
Karl Reichl, a questão convoca um preconceito genológico eurocêntrico, na
medida em que a focagem assenta nos fundamentos da tradição literária oci-
dental, impedindo, assim, um outro olhar para as obras classificadas como épi-
cas nas tradições orais da Ásia e de África. Por isso, Karl Reichl entende que
a superação da controvérsia depende da ressignificação do termo “épico”, na
sua tradição aristotélica.7 Por sua vez, dois outros europeus, o holandês Jan
Knappert e o belga Daniel Biebuyck, situam-se no pólo oposto. Reconhecem
a existência do género épico em África. A este propósito, o nigeriano Isidore
Okpewho elabora uma ideia simples: “the study of the African epic was born
in denial”. Em todo o caso, entende que os dois investigadores britânicos,
5
FINNEGAN, 1970.
6
Para Mariam Konate Deme, “Epics generally serve as living testimonies and references
of the acceptance by a given group of past traditional practices, and the performance is
intended to transmit and reinforce such ideologies. It is my strong belief that only by eluci-
dating the customs or beliefs of a given society can we understand the place of myths in
that society, how that society views the relations between not only human beings but be-
tween humans and superhumans as well. To analyze the function of the supernatural in the
African epics under scrutiny, I need to first understand the place that the supernatural holds
in each society’s spiritual and religious tradition […].” Ver DEME, 2009.
7
REICHL, 2021.
-101-
Luís Kandjimbo
Maurice Bowra e Ruth Finnegan, não alcançaram a melhor chave para a solu-
ção do problema, isto é, argumentos relevantes do ponto de vista dos estudos
literários.8
No debate referido, interessa-me particularmente a tematização dos arqué-
tipos do herói épico autoexistente. É disso que me vou ocupar em seguida.
8
OKPEWHO, 1977.
9
Cf. BA, 2007.
10
OBENGA, 1990.
-102-
O herói épico autoexistente nas literaturas orais africanas
11
Cf. HAUENSTEIN.
-103-
Luís Kandjimbo
um caçador que tinha um cão como seu único companheiro. Por isso, sentia o
peso da solidão humana. Um dia, decidiu ir à pesca para espairecer. Dirigiu-
-se ao lago que se encontrava nas margens do rio Kunene. Ali teve a sorte de
ver surgir das águas uma forma humana semelhante a si mesmo. Dos juncos
emergiam três mulheres: Coya, Tembo e Cĩvĩ. Elas seriam as suas futuras es-
posas, até à sua morte. O momento de constituição da família passou a ser
recordado através da seguinte máxima proverbial: Fei wa fetika, Coya woya
po (Feti deu início, Coya completou com a perfeição). Coya é a Terra-Mãe.
Tembo viria a ser a mãe das comunidades Nyaneka-Humbi e de outras comu-
nidades de pastores. Cĩvĩ é a mãe das comunidades de língua Umbundu.
Ngalangi foi o primeiro filho de Feti. Era caçador de elefantes e antílopes
como o pai. O reino de Ngalangi viria a ser fundado por Ndumba Visoso, neto
de Feti e filho do seu primogénito. Ngola Ciluanji foi o segundo filho de Feti
que emigrou para a região do Wambu e depois fixou-se na região do reino do
Ndongo. Após a morte de Feti, as esposas contraíram segundas núpcias: Coya
na região de Ndulu; Tembo na região do Humbi e Cilenge; e Cĩvĩ na região de
Ngalangi.
Em outro mito de criação, de Kalukembe, refere-se que Suku, equivalente
a Deus em português, criou os primeiros homens. Quatro deles foram gerados
por uma rocha. À nascença encontraram-se com quatro kimbandas. O primeiro
recebeu a arte de lançar má sorte; o segundo, a de adivinhar; o terceiro, a de
curar; o quarto, a de caçar.
Um eventual trabalho exaustivo pode conduzir-nos à leitura de outros mi-
tos de criação das Literaturas Orais Angolanas em Cokwe, Kimbundu e
Nyaneka-Humbi, por exemplo.
O interesse dos mitos fundacionais reside no facto de permitirem compre-
ender a concepção cosmogónica das comunidades humanas e a arquitopia re-
ligiosa subjacente ao sentido dos nomes próprios dos heróis da narrativa épica
ou mítica. A compreensão desse imaginário antigo abre portas ao conheci-
mento das religiões africanas, particularmente, angolanas. Sobre esta matéria,
o missionário suíço Héli Chatelain (1859-1908), um dos mais importantes in-
vestigadores da Literatura Oral Kimbundu, afirmava:
-104-
O herói épico autoexistente nas literaturas orais africanas
12
Ver CHATELAIN, 1894.
13
Cf. OKPEWHO, 1979 e SEYDOU, 1983.
-105-
Luís Kandjimbo
4. Cartografia narrativa
Temos em África vários ciclos épicos. Assim, há o ciclo de epopeias his-
tóricas na África Ocidental, de que são exemplos a “Saga de Ozidi” da Nigéria,
“Soundjata” e a epopeia mandinga “Kambili” do Mali e Guiné. No ciclo de
“Kambili” celebra-se o herói lendário, Almamy Samori Touré (1830-1900),
soberano Malinké que resistiu contra a presença colonial europeia. Por outro
lado, existem as epopeias míticas na África Central e epopeias corporativas na
África Austral. Angola inscreve-se no itinerário dos ciclos épicos míticos e
corporativos destas duas sub-regiões com as narrativas orais das diferentes co-
munidades étnicas angolanas, cujas personagens centrais são autoexistentes,
geradas por si mesmas.
A afirmação da autoexistência sugere uma reflexão sobre os existentes in-
criados e as variações do argumento metafísico sobre a existência de Deus.14
Em duas línguas nacionais angolanas, implantadas na região R da zona
Bantu15, Nyaneka-Nkhumbi e Umbundu, o argumento sobre o existente incri-
ado é formulado através dos actos de fala dos próprios heróis, nos seguintes
termos: “Ndadiamo, ame Nambalisita, hisitilwe komunu, ame mwene ndeli-
sita” (Saí do ovo, não fui gerado por ninguém. Gerei-me a mim mesmo); “Ame
Kalitangi, nda litanga la Suku. Ndalicita ame mwele” (Eu sou Kalitangi,
aquele que se confunde com Deus. Gerei-me a mim mesmo).
Como referi, o mapa das epopeias do herói “gerado por si mesmo” abrange
todas as sub-regiões do continente africano. Entretanto, recorta-se uma vasta
área povoada por povos Bantu, de acordo com a classificação de Malcolm Gu-
thrie (1903-1972). Ou povos Njila, na proposta mais recente de Jan Vansina
14
Jan Knappert aborda o ciclo de lendas do herói e antepassado mítico Nkundo. O caso do
filho que, ainda no útero, fala com a mãe e ordena que ela dê à luz, articula-se ao ciclo das
fábulas Zulu e Igbo de animais. Na comunidade étnica Luba, encontram-se marcas da na-
tureza antropomórfica em Kabundi, e, entre os Nkundo, registam-se características de na-
tureza animal em Lianja. Ver KNAPPERT, 1967.
15
GUTHRIE, 1967.
-106-
O herói épico autoexistente nas literaturas orais africanas
(1929-2017).16 Pode dizer-se que o seu ciclo é dos tipos mais antigos da nar-
rativa épica africana.
A origem do corredor situa-se na África Central, onde encontramos ciclos
de heróis épicos da comunidade Dwala nos Camarões, tais como Djekki-la-
-Njambé, que fala ainda no ventre da mãe. No Gabão, Akomo Mba é o herói
Fang que nasce após uma longa gestação de cento e cinquenta anos. Ainda no
ambiente uterino, anuncia que não poderia vir ao mundo pelo canal urinário
de sua mãe. Por isso, vem ao mundo através do estômago.
Na República Democrática do Congo, Lianja é o herói da comunidade
Mongo-Nkundo, cujo nascimento e origem são precedidos de um surto de for-
migas, pássaros e diferentes grupos étnicos, vem ao mundo pela perna da mãe.
“Mwindo” ou “Kabutwakenda”, “pequeno-recém-nascido-que-já-andava-
-à-nascença”, da comunidade Nyanga, tem um comportamento semelhante na
vida uterina. Vem ao mundo pelo dedo anelar. Trata-se de uma narrativa em
que o herói, a criança-prodígio, vivendo no ambiente uterino e controlando o
momento do seu nascimento, fala com a mãe, tal como Kabundi, da comuni-
dade Luba, e Lianja, entre os Mongo-Nkundo. Mantém conexões, também,
com outras narrativas, cujas personagens são animais.
E em direcção à África Austral, a rota descendente que vem do Kasai, sul
da República Democrática do Congo, prolonga-se. Atravessa os territórios das
comunidades étnicas da zona R11 da cartografia linguística proposta por Mal-
colm Guthrie, alcança o delta do Kuvangu ou Kavangu, no Sudeste de Angola
e nordeste da Namíbia, penetra o norte do Botswana e alcança as comunidades
Benamukuni na Zâmbia e Sotho da África do Sul. Aqui encontramos Ciakova,
Sambalikita, Sambilia, Senkatana, Hlakanyaka. O corpus com que estou a tra-
balhar conta com um repertório de narrativas desse corredor que vem dos Ca-
marões, norte da África Central, passando pela zona habitada pelo Grupo
Bantu do Centro, o delta do Kavangu, alcança o Botswana e desemboca no
16
Vansina dedica um livro inteiro aos povos Bantu que, em seu entender, formam, no plano
genético e lexicoestatístico, o grupo das “línguas Njila”, a sul da região da África Central
Ocidental. Comporta quatro blocos. A Unidade Norte: Kwilu (Mbala, Pende, Sonde, Holo,
Kwezo, Cinji, Minungu, Taba); Kwanza (Kimbundu, Libolo, Kisama, Ndembu, Hungu,
Songo, Mbui); a Unidade Sul, Este: Lunda (Rund, Sala Mpasu, Mbal, Kete-Ipila, Ndembu
(Lunda Sul); Moxico: (Lwena, Cokwe, Lucazi, Mbunda, Nyemba, Lwimbi, Mbwela, Ngan-
gela); Kunene: Umbundu (Umbundu, Hanya-Ganda, Sele), Okavango (Kwangari, Dciriku),
Cimbebasia (Nyaneka, Humbi, Kwanyama, Kwambi, Ndonga, Mbalanhu, Herero, Mban-
deru, Cimba, Dimba, Kuvale, Kwisi, Ndombe. Ver VANSINA, 2004.
-107-
Luís Kandjimbo
-108-
O herói épico autoexistente nas literaturas orais africanas
nomes de Deus são as palavras que remetem para um substrato comum, tal
como o comprova a lexicografia Bantu. Nas respectivas línguas, o uso dessas
unidades lexemáticas depende do tipo de discurso e género literário. Não deixa
de ter razão o missionário espiritano suíço Carlos Estermann, quando conside-
rava que, em Kuanyama, o termo Kalunga é usado em prosa e Pamba, em
poesia. Já em Nyaneka-Humbi, Kalunga é usado em poesia e Huku ou Suku,
em prosa. Por outro lado, é pertinente a observação de Carlos Estermann
quando, num artigo de etnologia sobre as concepções religiosas entre os Bantu,
publicado em 1942, admitia que “temos de concordar que a verdadeira religião
dos Bantu é o culto dos antepassados”.17
Ao classificar o tipo de narrativas em que elas ocorrem, que alguns euro-
peus designam como “lendas de seres extraordinários e fabulosos”, verifica-se
que os nomes próprios das referidas personagens etiológicas representam a
negação da crença na omnisciência, omnipotência e omnipresença de Deus.
Mas tal não significa recusa das crenças religiosas.
A alusão que se faz a esses heróis iconoclastas permite identificar uma pro-
fissão e um comportamento moral semelhante aos protagonistas dos mitos de
criação, personagens com nomes próprios que os associam à cosmogonia
Bantu, sendo a profissão de caçador ou ferreiro um dos mais significativos
traços identitários. A afronta a Kalunga, Suku, Nzambi, a errância e o combate
levado a cabo contra os ogres, makishi, os espíritos malignos e outros adver-
sários predadores, definem a personalidade dos heróis iconoclastas. Por exem-
plo: Kalitangi (Umbundu), Kimalawézu Kia Tumba-Ndala (Kimbundu), Na-
mbalisita (Nyaneka-Humbi) e Ndalakalitanga (Cokwé), Mwindo (Nyan-ga).
São personagens que se autolegitimam. Geram-se a si mesmos. Nascem já ca-
çadores adultos, armados com os instrumentos do ofício. Atribuem-se a si
mesmos os nomes próprios. Portanto, a sua interpretação requer profundos co-
nhecimentos sobre a cosmogonia e a concepção Bantu da pessoa humana, uma
competente teoria dos nomes próprios e das personagens ficcionais que seja
culturalmente contextualizada, reconhecendo-se a sua dimensão cognitiva. Se
a autoinscrição das personagens referidas no mundo do sagrado revela alguma
coisa, tal tem que ver com o vínculo entre o sentido do seu nome, o conteúdo
teleológico e a ordem cosmogónica que suscita a adesão da comunidade.
17
ESTERMANN, 1971.
-109-
Luís Kandjimbo
-110-
O herói épico autoexistente nas literaturas orais africanas
7. Antroponomástica
Num ensaio com o qual se propõe examinar possibilidades para a crítica de
um dos elementos secundários menos populares da personagem, enquanto ca-
tegoria da narrativa – o significado dos nomes próprios –, o crítico literário e
professor nigeriano Dan S. Izevbaye18 aborda o tipo de problemas respeitantes
à referência e à existência de personagens ficcionais com que o filósofo norte-
-americano Saul Kripke (1940-2022) se vem ocupando, especialmente as teo-
rias descritivistas e identitárias dos nomes próprios. Embora sem intencionali-
dade filosófica, o texto do professor nigeriano é coevo do livro do filósofo
norte-americano19.
18
IZEVBAYE, 1981.
19
KRIPKE, 1980.
-111-
Luís Kandjimbo
-112-
O herói épico autoexistente nas literaturas orais africanas
-113-
Luís Kandjimbo
8. Eliminativismo e Acomodacionismo
Admitir a existência de arquétipos transculturais do herói épico autoexis-
tente e, ao mesmo tempo, interpretar o sentido e a referência dos nomes pró-
prios das personagens ficcionais que tipificam esse herói levanta um problema
que se prende ao estatuto e à natureza das personagens ficcionais e objectos
não-existentes, tal como sugere Dan Izevbaye. É um problema ontológico, di-
riam outros. A principal pergunta é a seguinte: Por que razão nos importamos
com estas personagens ficcionais? Existem ou não?
Portanto, levantam-se questões epistemológicas, ontológicas e éticas:
a) Como é que se pode chegar à conclusão de que objectos ficcionais são ob-
jectos cognoscíveis? b) Que estatuto se pode atribuir às personagens ficcionais
20
Op. cit.
21
Op. cit.
-114-
O herói épico autoexistente nas literaturas orais africanas
22
Para uma síntese da bibliografia sobre a problemática, ver LAMARQUE, 2009.
23
MEINONG, 1960. Originalmente publicado com o título “Über Gegenstandstheorie” in
MEINONG, 1904.
24
RUSSELL, 1904.
25
INWAGEN, 2014.
-115-
Luís Kandjimbo
9. Conclusão
Com a proposta da presente reflexão, me propus desenvolver três tópicos:
a) Em primeiro lugar, o debate sobre a existência do género e do herói épico
nas Literaturas Orais Africanas que, no actual estado dos conhecimentos e
avanços dos estudos narratológicos e filosóficos da literatura, exige a incorpo-
26
THOMASSON, 1999.
-116-
O herói épico autoexistente nas literaturas orais africanas
ração de outras perspectivas. Neste sentido, pode dizer-se que estão ultrapas-
sados os argumentos e fundamentos eurocêntricos que Maurice Bowra e Ruth
Finnegan invocavam a este respeito, no século XX.
b) Em segundo lugar, a discussão dos problemas que se levantam acerca
das personagens ficcionais autoexistentes não pode perder de vista os contex-
tos culturais, linguísticos, históricos e antropológicos que suportam as narrati-
vas e respectivos sistemas literários de origem. Numa síntese que permita com-
preender a complexidade da necessária abordagem narratológica, o estudo
comparado das descrições de alguns desses heróis autoexistentes do corredor
descendente da Zona Bantu constitui um imperativo.
c) Em terceiro lugar, não deixa de ser legítimo admitir que o relativismo
ficcional pode representar uma importante ferramenta analítica para aqueles
que se dedicam aos Estudos Literários Africanos, especialmente do género
épico. Tal como outros domínios do saber, revela-se necessário convocar os
fundamentos epistemológicos que contribuem para a desconstrução do medo
do relativismo que se vem confundindo com o medo do conhecimento.
Bibliografia
-117-
Luís Kandjimbo
-118-
O herói épico autoexistente nas literaturas orais africanas
-119-
APRENDER E ENSINAR ATRAVÉS DO MANUAL DE
LITERATURAS AFRICANAS DE EXPRESSÃO PORTUGUESA :
UM TESTEMUNHO DO LUBANGO
-121-
Solange Evangelista M. Luis
-122-
Aprender e ensinar através do manual de Literaturas Africanas de Expressão Portuguesa
-123-
Solange Evangelista M. Luis
certamente, mas este foi fundamental – foi basilar. Posso mesmo dizer que,
face à escassez bibliográfica de um país ainda em guerra e a impossibilidade
da internet, considero uma sorte tê-lo encontrado no Lubango. Foi predomi-
nantemente com ele e a partir dele que elaborei os meus primeiros programas
de ensino. Nos anos iniciais, serviu como principal suporte bibliográfico teó-
rico para mim e para os meus alunos. No decorrer das aulas e a partir do ma-
nual, íamos conversando e percebendo que conteúdos e temas nos eram mais
significativos, quais gostaríamos de aprofundar e, a partir destas trocas, as es-
truturas dos cursos foram tomando novos contornos, cada vez mais próximos
dos nossos interesses culturais, sócio-educativos e até políticos.
Enquanto fazia-me docente de uma literatura nova, de um país jovem, pro-
curava dar resposta às exigências que os diferentes momentos e contextos iam
desvelando e permitindo. Em quase duas décadas de leccionação, observei a
transformação da composição das salas de aula, testemunhando as mudanças
de pensamento dos alunos e ouvindo seus sonhos que, em muito, continuam a
ressoar àqueles da Geração da Mensagem. Neste processo, o manual esteve
sempre connosco, constante e confiável, ajudando a gizar caminhos e a levan-
tar questões pertinentes e complexas, num processo edificante de pensar a na-
ção através da literatura.
De todos os conteúdos do manual, é a periodização da literatura angolana
a mais popular entre os alunos que, na qualidade de futuros docentes de litera-
tura angolana no ensino médio, apreciaram, desde cedo, a sua qualidade peda-
gógica. Ela traça, de forma sistemática e sintética, o quadro cronológico da
literatura angolana e o seu desenvolvimento teórico, temático e estético, des-
velando os diálogos estabelecidos entre a literatura e os diferentes cenários
históricos e culturais, tanto angolanos como mundiais.
Esta periodização apresenta sete momentos que abrangem a literatura an-
golana desde as suas origens até o ano de 1993. Cada período é determinado
segundo as influências que (in)formam os textos e a consequente forma ino-
vadora com que a produção literária reage a estes influxos culturais e estético-
-temáticos. Fatores determinantes como os históricos, políticos e ideológicos
são também escrupulosamente considerados. Autores primordiais e obras es-
senciais são assinaladas, assim como as características que contribuem para a
suas pontuações. Os períodos são intitulados de forma perspicaz, desvelando
-124-
Aprender e ensinar através do manual de Literaturas Africanas de Expressão Portuguesa
-125-
Solange Evangelista M. Luis
-126-
Aprender e ensinar através do manual de Literaturas Africanas de Expressão Portuguesa
1
Vasco Moreira e Hilário Pimenta (2014).
-127-
Solange Evangelista M. Luis
Bibliografia
-128-
LITERATURA ANGOLANA:
A MATERIALIDADE HISTÓRICA DA ESCRITA DA NAÇÃO *
Inocência Mata
U. Lisboa / Centro de Estudos Comparatistas
Resumo: Pelas condições da sua emergência e existência, a literatura angolana tem vindo
a funcionar como subsidiária da escrita da História e tem sido um campo fértil para se pen-
sar a relação de complementaridade entre as duas modalidades de escrita. Assumindo o
ofício de “testemunhar” a História desde o século XIX (Relato dos Acontecimentos de Dala
Tando e Lucala, 1917, de António de Assis Júnior é emblemático dessa escrita ambiva-
lente), o escritor angolano das décadas seguintes continuou na senda do “narrar a nação” a
partir da matéria substantiva dos acontecimentos históricos filtrados pela sua consciência.
E, ainda hoje, na contemporaneidade, o escritor funciona como um “historiador do pre-
sente”, numa escrita em que se opera a exposição de vozes e visões que ficaram à margem
do relato de nação, através da matéria da História, seja essa história nacionalista ou colonial.
Esta reflexão intenta interpelar o sentido da matéria histórica da “escrita da nação” na lite-
ratura angolana, tomando como instâncias ilustrativas dessa reflexão alguns romances que
se constroem como materialidades históricas de uma “comunidade imaginada”.
Palavras-chave: Literatura angolana, matéria histórica, escrita da Nação
Abstract: Due to the unique conditions of its emergence and existence, Angolan literature
has always worked as subsidiary to the historiographic discourse and has been a fertile field
to study the complementary relationship between the two modalities of writing. Assuming
the task of “witnessing” History since the 19th century, the Angolan writer of the following
decades continued in the path of narrating the Nation from substantive historical material
filtered by his conscience. This paper attempts to expose the meaning and the sense of the
historical material of the “writing of the Nation” in Angolan literature, taking as illustrative
instances some novels built through historical materialities of an “imagined community”.
Keywords: Angolan literature, historical material, narrating the Nation
-129-
Inocência Mata
1
Note-se, no entanto, que antes dessa formulação conceptual de Timothy Garton Ash em
History of the Present: Essays, Sketches and Dispatches from Europe in the 1990s (1999),
já havia um Institut d’Histoire du Temps Présent (1978), do Centre National de la
Recherche Scientifique (CNRS), em França.
-130-
Literatura angolana: a materialidade histórica da escrita da nação
Quando voltei
as casuarinas tinham desaparecido da cidade
(…)
Também tu tinhas desaparecido
e contigo
os Intelectuais
a Liga
o Farolim
as reuniões das Ingombotas
a consciência dos que traíram sem amor
Cheguei no momento do cataclismo matinal
em que o embrião rompe a terra humedecida pela chuva
erguendo a planta resplandecente de cor e juventude
Cheguei para ver a ressurreição da semente
a sinfonia dinâmica do crescimento da alegria nos homens
(…)
Quando eu voltei
qualquer coisa gigantesca se movia na terra
(…)
Tudo todos tentavam erguer bem alto
Acima das lembranças dos heróis
Ngola Kiluanji
Rainha Ginga
Todos tentavam erguer bem alto
A bandeira da independência
-131-
Inocência Mata
-132-
Literatura angolana: a materialidade histórica da escrita da nação
-133-
Inocência Mata
-134-
Literatura angolana: a materialidade histórica da escrita da nação
-135-
Inocência Mata
-136-
Literatura angolana: a materialidade histórica da escrita da nação
-137-
Inocência Mata
-138-
Literatura angolana: a materialidade histórica da escrita da nação
muito reflexivo, afirma que escrever ou não o escrever o seu romance punha
“em jogo (…) nada mais nada menos o futuro da literatura nacional” (MELO,
2022: 145).
Ora, no labor dessa escrita de projecção teleológica, Pepetela é um roman-
cista que assume a sua “consciência sociológica” ao afirmar que escolheu a
Sociologia para ser escritor e que estuda a sociedade angolana para escrever
(PEPETELA, 2002: 10). Esta consideração revela a consciência da sua res-
ponsabilidade cívica, partilhada por outros escritores africanos, sobre o seu
lugar na sociedade: enquanto para o costa-marfinense Bernard Dadié “em
África, por enquanto, o escritor é um intérprete do povo donde ele vem” (2002:
14), o tunisino Albert Memmi chegara a afirmar que “o papel do escritor co-
lonizado é por demais difícil de sustentar: encarna todas as ambiguidades, to-
das as impossibilidades do colonizado, levadas a grau extremo” (1977: 98).
Esse tipo de impossibilidades tem a ver com a ambiguidade e, em situação
pós-colonial, com o ambivalente lugar do escritor africano na relação com a
(sua) cultura, a sociedade e os seus compromissos e interesses. É isso que diz
Pepetela:
Tenho uma grande preocupação com alguns assuntos, que são temas
obsessivamente tratados na minha obra. Um desses assuntos é o da construção
da Nação, a ideia de Nação. Há toda uma problemática à volta do Estado -
-Nação, particularmente em África. Será que se pode hoje falar de Angola
como uma nação? Ou apenas um projecto de nação? Ou ainda menos do que
isso? Ora, a História ajuda a enquadrar este problema e talvez até tenha algumas
respostas. Um país que tem estado em guerras cruéis constantes e não se
fraccionou (nem parece ter tendência para isso) é porque tem algum cimento
muito forte a ligá-lo. A questão é: de onde veio esse cimento? (PEPETELA,
1999: 114).
-139-
Inocência Mata
2
Lisboa: Editorial Caminho, 1978.
-140-
Literatura angolana: a materialidade histórica da escrita da nação
3
Porto: Edições Afrontamento, 1994.
4
Pepetela volta a referir-se a este assunto no dia 6 de Julho de 2021, durante uma Conversa
no âmbito da Feira do Livro de Braga (09-19 de Julho), por ocasião da entrega do Prémio
DST-Group 2021 atribuído ao romance Sua Excelência, de Corpo Presente (2018). Disse
que na altura citaram António Jacinto como testemunha da anuência de Agostinho Neto à
publicação do livro.
-141-
Inocência Mata
5
Assunto até há pouco tempo tabu em Angola, mesmo entre aqueles que perderam famili-
ares, constitui, no entanto, tema do romance Maio, Mês de Maria, de Boaventura Cardoso
ainda em 1997 (vinte anos depois, Boaventura Cardoso regressaria ao tema em Margens e
Travessias, 2021). Apenas 40 anos depois é que os acontecimentos do 27 de Maio de 1977
começaram as ser matéria memorialística por aqueles que os viveram (os sobreviventes) e
-142-
Literatura angolana: a materialidade histórica da escrita da nação
-143-
Inocência Mata
passariam a ser discricionárias, como previra Sem Medo, e o seu exercício não
se resumiria à prisão ou à eliminação física, senão também à liquidação psico-
lógica do Outro, como o poder fará com Aníbal, o Sábio, em A Geração da
Utopia, versão sobrevivente de Sem Medo, pode pensar-se, caso o Coman-
dante não tivesse perecido no assalto ao quartel português do Pau Caído, na
floresta do Mayombe, em 1971 – ele que afirmava sempre, ao Mundo Novo,
ao Comissário, ao dirigente “membro da Direcção” e à Ondina, ser “o tipo cujo
papel histórico termina quando ganharmos a guerra” (PEPETELA, 1985: 274).
A Geração da Utopia refere, por conseguinte, outras formas de totalita-
rismo que se saldariam por marginalizações, exílios internos, ostracismo de
figuras incómodas, a estatização da vida privada, a actualização de um poder
que controla o biosocial, enfim, um biopoder – o campo da (nossa) vida que o
poder captura, ensina-nos Foucault – que se encarrega da liquidação das rela-
ções afectivas, do exercício discricionário da lei… Autopsiando, através da
focalização em personagens que compõem as várias faces do projecto nacio-
nalista, A Geração da Utopia narra o Passado de resistência e de contradições
no seio de um grupo heterogéneo privilegiado na cena narrativa, sobretudo
através das personagens Sara, Aníbal, Malongo, Mundial e André, preen-
chendo o imaginário da história da resistência anticolonial. Aníbal resume da
seguinte forma esse totalitarismo que se exerce através da omnipotência do
Estado, resultado da morte da utopia que “hoje cheira mal, como qualquer
corpo em putrefacção” de que “só resta um discurso vazio” (PEPETELA,
1992: 202). Prova dessa degeneração dos ideais de liberdade é a contempora-
neidade desse modus operandi de que fala Aníbal, que se vê nos meandros da
orgia autocrática de Sua Excelência, de Corpo Presente (2018) e que, no real
histórico, ficou manifesta em 2015 no chamado “Processo 15+2”, que resul-
tou da perseguição a jovens activistas políticos por questionarem publicamente
o estado do país sob a liderança de José Eduardo dos Santos e que acabariam
presos, sob a acusação de estarem a engendrar actos de subversão por estarem
a ler, em grupo, o livro From Dictatorship to Democracy: A Conceptual Fra-
mework for Liberation (1994) / Da Ditadura à Democracia: O Caminho para
a Libertação (2015), de Gene Sharp7… É visível a articulação que Achille
Mbembe faz quando fala em necropolítica, a partir da noção foucaultiana de
7
Sobre este assunto, ver, por exemplo, Sou Eu Mais Livre, Então. Diário de um Preso
Político Angolano (2016), de Luaty Beirão; e Prisão Política (2021), de Sedrick de
Carvalho.
-144-
Literatura angolana: a materialidade histórica da escrita da nação
Viver em certas situações e ao mesmo tempo escrever sobre elas, provoca uma
relativização. O que é mau é relativamente mau, o que é bom é relativamente
bom (…). Eu sempre tive uma visão crítica sobre o processo, mas precisava
estar dentro dele, para tentar, enfim, explorar um pouco mais para a frente.
(PEPETELA, 2019)
-145-
Inocência Mata
-146-
Literatura angolana: a materialidade histórica da escrita da nação
-147-
Inocência Mata
tráfico de influência (para já não falar do já citado assassinato, que abre a nar-
rativa de Predadores), funciona como leitmotiv da feroz crítica sociocultural
das lentes que analisam as realidades angolana e africana em geral – pois o
ditador de Sua Excelência, de Corpo Presente é um qualquer ditador afri-
cano…
Bibliografia
1. Bibliografia literária
CARDOSO, Boaventura (2021). Margens e Travessias. Lisboa: Guerra e Paz.
MELO, João (2022). Será este Livro um Romance? Lisboa: Editorial Caminho.
NETO, Agostinho (2016). Obra Poética Completa. Luanda: Fundação Dr. Antó-
nio Agostinho Neto.
PEPETELA (1985). Mayombe. Luanda: União dos Escritores Angolanos.
—— (1992). A Geração da Utopia. Lisboa: Publicações Dom Quixote.
—— (2005). Predadores. Lisboa: Publicações Dom Quixote.
—— (2018). Sua Excelência, de Corpo Presente. Lisboa: Publicações Dom Qui-
xote.
-148-
Literatura angolana: a materialidade histórica da escrita da nação
LE GOFF, Jacques e NORA, Pierre (1985). História: Novos Objectos. Rio de Ja-
neiro: Francisco Alves.
HUTCHEON, Linda (1991). Póetica do Pós-modernismo: história, teoria, ficção.
Rio de Janeiro: Imago Editora.
MATA, Inocência (2006). Sob o signo de uma nostalgia projetiva: a poesia an-
golana nacionalista e a poesia pós-colonial. “Scripta – Revista do Programa
de Pós-graduação em Letras e do Centro de Estudos Luso-afro-brasileiros da
PUC Minas”. Belo Horizonte. 10: 19, pp. 25-42.
—— (2010). Ficção e História na Literatura Angolana. Lisboa: Edições Colibri.
—— (2012). Literatura e política em Angola, hoje: uma leitura da produção fic-
cional contemporânea. “Matraga”. Rio de Janeiro. 19: 31 (jul./dez.), pp. 25-
-44.
MBEMBE, Achille (2017). Políticas de Inimizade. Lisboa: Antígona.
_____ (2015). Afropolitanismo. “Áskesis – Revista dos Discentes do Programa de
Pós-Graduação em Sociologia da UFSCar”. São Carlos, SP. 4: 2 (Jul./Dez.),
pp. 68-71.
MEMMI, Albert (1977). Retrato do Colonizado Precedido pelo Retrato do Colo-
nizador. Rio de Janeiro: Paz e Terra.
MUANZA, Manuel (2015). Ficção e realidade na véspera das eleições de 1992.
“Textos & Pretextos”. 19 (Pimavera/Verão), pp. 48-59.
NEUMANN, Birgit (2008). The Literary Representation of Memory. In ERLL,
Astrid e NÜNNING, Ansgar, ed. Cultural Memory Studies: an international
and interdisciplinary handbook. Berlin: Walter de Gruyter GmbH & Co. KG,
pp. 333-343.
PEPETELA (1992) – Entrevista a Rodrigues da Silva. “De utópico a profeta”. JL
– Jornal de Letras & Ideias (Lisboa), 11-17 de Agosto de 1992.
—— (1999). Entrevista a Inocência Mata “Pepetela por Inocência Mata”. “Ca-
mões – Revista de Culturas Lusófonas”. Lisboa. 6 (Set.).
—— (2002). Entrevista a Maria Augusta Silva. “Diário de Notícias” (9 Fev.).
—— (2015). Entrevista a Pepetela. In UEA (União dos Escritores Africanos).
[Consult. 17 de Out. de 2021]. Disponível em <https://www.ueangola.com/entre-
vistas/item/1008-entrevista-a-pepetela>.
—— (2019). Pepetela: “É preciso resistir tranquilamente, porque a onda vai mu-
dar”. Entrevista a Julinho Bittencourt. “Forum” (18 Out.). [Consult. 07 Nov.
2021]. Disponível em <https://revistaforum.com.br/cultura/2019/10/ 1).8/en-
trevista-com-escritor-angolano-pepetela-e-preciso-resistir-tranquilamente-
porque-onda-vai-mudar-63043.html>.
WHITE, Hayden (1998). Meta-História: a Imaginação Histórica do Séc. XIX.
2.ª ed. São Paulo: Edusp.
-149-
70 X 2 (SEPTUAGÉSIMO DUPLO DE CULTURA
E ANGOLANIDADE):
PIRES LARANJEIRA E A REVISTA MENSAGEM
Abstract: The paper evoks the Angolan magazine Mensagem, in commemoration of the
70th anniversary of its publication and, at the same time, presents a synthesis of the Message
of Professor Pires Laranjeira, dean of the teaching of African literatures in Portugal, on the
occasion of his 70th anniversary and his jubilee of the University of Coimbra, also evoking
some elements of his personality and extra-university activities.
Keywords: Mensagem magazine, Pires Laranjeira, seventieth, angolanity
-151-
Fabíola Guimarães Pedras Mourthé
-152-
70 x 2 (septuagésimo duplo de cultura e angolanidade)
-153-
Fabíola Guimarães Pedras Mourthé
1995: 9). Adaptou-se muito bem ao clima tropical e às condições que a vida
militar lhe ofereceu durante dois anos, ele que chegou a estar em Espanha a
caminho de França, para se exilar:
O diretor desse jornal ABC, José Manuel da Nóbrega, será, depois, o editor
e posfaciador, em Portugal, do seu heterônimo de poetisa eritreia Suffit Kitab
Akhenat.
1
A foto, em que Pires Laranjeira surge em primeiro plano, é relativa à manifestação de 1
de maio, a primeira em liberdade, em Angola. A multidão estava de frente para o Palácio
do Governador, protegido por sentinelas.
-154-
70 x 2 (septuagésimo duplo de cultura e angolanidade)
-155-
Fabíola Guimarães Pedras Mourthé
-156-
70 x 2 (septuagésimo duplo de cultura e angolanidade)
-157-
Fabíola Guimarães Pedras Mourthé
Vamos lá desanuviar
com chuva ensolarada
e felinos negros
ancestrais.
Vício das maravilhas
vírus da vida à luz do nilo
que o buraco negro inspira.
Vamos lá sair daqui (LARANJEIRA, 2020: 27).
Ou, como ele escreveu, sob o manto tão pouco diáfano da fantasia, conhe-
cedor que é das agruras da vida e da escrita: “Ergue a folha seca/ Da mão veloz
de papel/ E desfere o golpe” (AKENAT, 2003: 52), pois “Trabalhar a pedra/
Com delicadeza e paixão/ Ilumina a Letra” (AKENAT, 2003: 66).
Pires Laranjeira, vamos todos ao Egito?
Bibliografia
AKENAT, Suffit (2003). Máximas mínimas e outros textos, um caminho para al-
guns. São Paulo: Landy.
LARANJEIRA, Pires (s/d.). Istórias de Rio Tinto. Folhas volantes / 1. Rio Tinto:
imp. O Comércio do Porto.
LARANJEIRA, Pires (1995). A negritude africana de língua portuguesa. Porto:
Afrontamento.
LARANJEIRA, Pires (1995). Literaturas africanas de expressão portuguesa. Lis-
boa: Universidade Aberta.
LARANJEIRA, Pires (2020). Amor e Consequência. Braga: Crescente Branco.
-158-
CAMINHOS DESBRAVADOS:
O PROJETO “SEXUALIDADES E GÉNERO NAS
LITERATURAS AFRICANAS E A LÍNGUA PORTUGUESA”
Andreia Oliveira
Centro de Literatura Portuguesa da U. Coimbra
Resumo: Tendo como ponto de partida a figura de Pires Laranjeira enquanto autor,
orientador e coordenador do projeto “Sexualidades e género nas literaturas africanas e a
língua portuguesa”, que foi desenvolvido pelo Centro de Literatura Portuguesa da
Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra entre 2014 e 2017, esta comunicação visa
não só destacar a importância deste professor para a sua concretização enquanto elemento
de ligação entre os investigadores, os diferentes autores estudados e, sobretudo, como figura
de profundo conhecimento das literaturas africanas de língua portuguesa, como dar a
conhecer as linhas principais que orientaram a investigação.
Palavras-chave: sexualidade, género, literatura de língua portuguesa, literatura
Abstract: Taking as a starting point the figure of Pires Laranjeira as author, supervisor and
coordinator of the project “Sexualities and gender in African literatures and the Portuguese
language”, which was developed by the Centre for Portuguese Literature of the Faculty of
Arts of the University of Coimbra between 2014 and 2017, this paper aims not only to
highlight the importance of this professor as a figure with deep knowledge of African
literatures in Portuguese and as creator of a link between researchers and different authors
but also to emphasize the main lines of the research.
Keywords: Sexuality, gender, Portuguese language literatures, literature
-159-
Andreia Oliveira
-160-
Caminhos desbravados: o projeto “Sexualidades e género”
-161-
Andreia Oliveira
-162-
Caminhos desbravados: o projeto “Sexualidades e género”
-163-
Andreia Oliveira
investigar, sempre que possível, o modo como esses novos temas e tipos de
abordagem do discurso se encontram sintonizados com as tendências
verificadas noutras literaturas de língua portuguesa (portuguesa e
brasileira), ou delas diferindo, nomeadamente através da análise de trânsitos,
-164-
Caminhos desbravados: o projeto “Sexualidades e género”
-165-
Andreia Oliveira
-166-
Caminhos desbravados: o projeto “Sexualidades e género”
autores e autoras foram lidos, discutidos não só aquando das reuniões dos
membros do grupo, mas também nos eventos organizados para esse propósito,
tendo-se apresentado resultados de profunda mais-valia decorrentes deste
trabalho plural e diverso.
Para a conclusão do projeto e cumprimento dos objetivos estabelecidos, os
volumes acima mencionados estão ainda em preparação, constituindo um
registo importante não só para a área de estudos, mas também para a
consolidação ensaística relativa a alguns autores menos conhecidos e
estudados e sobre os quais muito pouco se produziu, como comprova, por
exemplo, o caso da poetisa cabo-verdiana Yolanda Morazzo.
Em suma, esta investigação revestiu-se de uma grande importância no
quadro do estudo das literaturas africanas de língua portuguesa, para além de
permitir a todos os que dela fizeram parte não só adquirir e aprofundar os seus
conhecimentos e aspetos técnicos do que diz respeito à estruturação de um
projeto, à divisão de tarefas e à sua transformação em algo material. Assinala-
-se, por isso, o contacto com a investigação no seu sentido primeiro,
ferramenta indispensável à formação e à aquisição de experiência das
diferentes pessoas que nela trabalharam, sem contar com o contacto com a
máquina académica, isto é, a organização e estruturação de colóquios e seus
semelhantes, bem como todos os aspetos burocráticos e logísticos que lhes são
inerentes e que também possuem a sua relevância neste campo de estudo. No
entanto, a experiência investigativa acabou por ultrapassar estas dimensões,
tendo-se constituído como espaço de comunhão de ideias, de mitigação do
caminho solitário que envolve a investigação e de verdadeiro interesse sem
outra ambição que não a partilha de conhecimentos e experiências. Esta foi a
mais valiosa lição de Pires Laranjeira ao longo desta jornada, abrindo espaço
ao debate de ideias, à confluência de pensamentos e percursos distintos, e
materializou-se na academia enquanto o espaço que deve ser: de liberdade, de
rigor e perspicácia, de estímulo ao pensamento crítico; ou seja, livre das
convenções “que atam os pés à mente”, citando o poema inicial.
Em suma, a homenagem feita neste volume a Pires Laranjeira nas suas
vertentes de mestre, de atento e crítico leitor, de professor, pensador e poeta
não só é justa como merecida, até porque todos estes substantivos de pouco
valor se revestiriam se a sua maior mensagem se cingisse a um campo de
-167-
Andreia Oliveira
Bibliografia
-168-
Caminhos desbravados: o projeto “Sexualidades e género”
-169-
A DIMENSÃO INTERNACIONAL DO ENSINO E DA
INVESTIGAÇÃO DE PIRES LARANJEIRA:
UM PENSAMENTO EM CONSTANTE EBULIÇÃO
Rita Olivieri-Godet
ERIMIT-Université Rennes 2 / IUF
Pauline Champagnat
ERIMIT-Université Rennes 2
Abstract: Our common contribution to the Seminar in Honor of the great researcher and
dean African Portuguese-speaking literature’s teacher, in Portugal, brings together the
points of view from a teacher and researcher, and from a former PhD student, highlighting
the institutional collaboration between the University of Coimbra and the University of
Rennes 2/France. The inclusion of his works in Portuguese, Brazilian and French universi-
ties, has very much contributed to the release, the recognition, and the increase of the aca-
demic institutionalization of the literatures coming from these countries. Our testimonies
-171-
Rita Olivieri-Godet e Pauline Champagnat
remind of our always friendly academical coexistence and aim at underlining the funda-
mental importance of Pires’s work in the teaching and research fields, as well as the out-
reach of knowledge about literatures from the five African Portuguese-speaking countries.
Keywords: Pires Laranjeira, teaching, research, international
Rita Olivieri-Godet
Nesta publicação que resulta da reunião dos trabalhos apresentados no Co-
lóquio organizado por Francisco Topa e Doris Wieser, em homenagem a Pires
Laranjeira, esboço, sucintamente, o caminho que me conduziu à colaboração
acadêmica com esse colega e amigo.
Pires Laranjeira fez seus estudos de licenciatura na Universidade do Porto
com a qual mantenho laços profissionais e afetivos, desde o início da minha
carreira na França, enquanto Maître des Conférences na Université Paris 8.
Quando, em 2003, assumi o cargo de Professora Titular de literatura brasileira
na Université Rennes 2, tive a oportunidade de propor ao colega projetos de
co-direção de tese, estabelecendo convenções com a Universidade de Coim-
bra, – instituição onde se doutorou em literaturas africanas, tendo, posterior-
mente, em 1981, assumido o cargo de professor responsável pelas cadeiras de
literaturas africanas de língua portuguesa e de culturas africanas. A publicação
que ora vem a público reflete a dimensão de sua contribuição à investigação e
ao ensino, nesse campo de estudo, a um só tempo pioneira, disseminadora e
vultosa. Além de ser o decano dos professores de literaturas africanas em Por-
tugal, suas inúmeras publicações (científicas, culturais e jornalísticas), partici-
pações em colóquios e eventos científicos, assim como sua atuação enquanto
professor-convidado de universidades europeias e brasileiras, conferiu uma di-
mensão internacional à sua produção. As diversas contribuições reunidas nesta
obra permitem delinear o percurso da vida e da obra de Pires Laranjeira e res-
saltar a extensão dos desdobramentos do seu pensamento.
Nossos depoimentos em homenagem ao grande pesquisador e professor
Pires Laranjeira reúnem os pontos de vista de uma professora-pesquisadora e
de uma jovem pesquisadora, ex-doutoranda, destacando o programa interna-
cional de colaboração institucional entre a Universidade de Coimbra e a Uni-
versité Rennes 2/França. A experiência de um trabalho compartilhado na dire-
ção de duas teses de doutorado, ou na participação em Colóquios, durante os
quais Pires Laranjeira se destacou pelos brilhantes questionamentos das “idées
-172-
A dimensão internacional do ensino e da investigação de Pires Laranjeira
-173-
Rita Olivieri-Godet e Pauline Champagnat
-174-
A dimensão internacional do ensino e da investigação de Pires Laranjeira
-175-
Rita Olivieri-Godet e Pauline Champagnat
-176-
A dimensão internacional do ensino e da investigação de Pires Laranjeira
-177-
Rita Olivieri-Godet e Pauline Champagnat
-178-
A dimensão internacional do ensino e da investigação de Pires Laranjeira
-179-
Rita Olivieri-Godet e Pauline Champagnat
escrita da minha tese, e me deu conselhos valiosos para poder seguir na reta
final da redação.
As palavras não seriam suficientes para exprimir a gratidão e o orgulho de
ter sido orientada por Pires Laranjeira durante o meu trabalho de tese. O seu
compromisso com a pesquisa, o dinamismo do seu pensamento, o questiona-
mento permanente dos próprios conceitos, são qualidades admiráveis. No en-
tanto, o que nós podemos admirar ainda mais na personalidade do nosso ho-
menageado é o fato de que, apesar de ser considerado um “mestre”, um grande
especialista das literaturas de Angola, Moçambique, Cabo Verde, Guiné-Bis-
sau e São Tomé e Príncipe, ele nunca ter se posicionado como tal. Pires La-
ranjeira acolhe as ideias de todos, conferindo-lhes o mesmo valor, sem estabe-
lecer uma hierarquia entre as reflexões dos pesquisadores reconhecidos e as
dos mais jovens. Demonstra, dessa maneira, ser dotado de uma simplicidade
incomum no meio acadêmico, sinal de inteligência ainda mais requintada.
Meu depoimento é atravessado pela emoção e pela gratidão, pois posso
dizer que eu aprendi com os melhores. Espero estar à altura do legado do pro-
fessor, crítico literário e escritor Pires Laranjeira para construir um itinerário
acadêmico que tome seu percurso rico, produtivo e exigente como exemplo.
Da minha colaboração com ele, que eu espero, não seja a última, quero guardar
o mais importante: a vontade, sempre renovada, de questionar o mundo no
qual estamos evoluindo, assim como os nossos próprios conceitos, nossas pró-
prias limitações. Encerro o meu depoimento com as palavras que tomo de em-
préstimo ao meu ex-diretor de tese, numa entrevista concedida ao site “Livre
opinião”: “precisamos lutar, sempre, todos, em todo o lado, cada um segundo
as suas possibilidades e aptidões, por uma humanidade melhor”. Essa foi, a
meu ver, a lição que Pires Laranjeira constantemente tentou instigar, ao longo
do seu percurso acadêmico.
Bibliografia
-180-
A dimensão internacional do ensino e da investigação de Pires Laranjeira
-181-
PIRES LARANJEIRA:
O PENSADOR NO SEU LABIRINTO*
Resumo: Trata-se de procurar estabelecer uma linha ontológica que aceda ao universo
criptográfico de Pires Laranjeira, à luz dos seus ensaios e estudos sobre literatura africana
de língua portuguesa, entendíveis com base num percurso de vida ligado à escrita factual
jornalística, ao experimentalismo ficcional e à suprema forma de ficção que é a poesia, e o
modo como as várias correntes estéticas foram também por si absorvidas e lidas sob um
olhar atento aos pressupostos fraccionários das distintas correntes críticas. Não foi
descurada a leitura do ambiente académico nem a carga ideológica em que a obra de
Laranjeira terá sido produzida.
Palavras-chave: Pires Laranjeira, poética, ética, criptografia, ideologia, ensaística,
Negritude, crítica literária, mistificação e mitificação, existência
Abstract: It is about trying to establish an ontological line that accesses the cryptographic
universe of Pires Laranjeira, in the light of his essays and studies on African literature in
Portuguese language, all them understandable based on a life path linked to journalistic
factual writing, to fictional experimentalism and the supreme form of fiction that is poetry,
and the way in which the various aesthetic currents were also absorbed and read under an
attentive eye to the fractional assumptions of the different critical currents. The reading of
the academic environment was not neglected, nor the ideological load in which Laranjeira's
work might have been produced.
Keywords: Pires Laranjeira, poetics, ethics, cryptography, ideology, essays, Negritude, lit-
erary criticism, mystification and mythification, existence
*
Por decisão do autor, este artigo não segue o Acordo Ortográfico.
-183-
António Jacinto Pascoal
-184-
Pires Laranjeira: o pensador no seu labirinto
-185-
António Jacinto Pascoal
Esse homem nu, com bolsos às avessas, é também aquele que, na mais
clara visão da sua articulação com a própria obra, diz escrever “para não mor-
rer/ antes de tempo/ ó morte entre todas/ mal escrita”. Se boa parte dos poe-
mas reunidos n’ As Figuras de Estilo suscita essa forma de autoconsciência e
vai marcada sob o signo do trágico, em O Vento que Passa (2013) poderemos
situar-nos na tragédia amorosa de Adamastor, fábula da mais terrível prova-
ção, de quem aspira e expira à beira de um Amor que persiste, embalado na
sua impossibilidade insubstancial de Tântalo:
A tua boca
as palavras ternas e trengas
as tuas mãos finíssimas e frágeis
o riso sem fronteiras
as ideias de raiva e método
são a rede que me apanha fora de água.
-186-
Pires Laranjeira: o pensador no seu labirinto
-187-
António Jacinto Pascoal
de só morrer
e mais nada.
-188-
Pires Laranjeira: o pensador no seu labirinto
1
Na comunicação final do Colóquio 70x2: da Mensagem de Luanda à mensagem de Pires
Laranjeira, JPL demarcou-se da sua aproximação a um militantismo político de tendência
marxista, sob pretexto de ser confundido com o seu objecto de estudo, preferindo ser to-
mado como um estudioso marcadamente ecléctico e sem filiação definida, naquilo que con-
sideramos uma elegante e condescendente operação de charme.
-189-
António Jacinto Pascoal
-190-
Pires Laranjeira: o pensador no seu labirinto
-191-
António Jacinto Pascoal
-192-
Pires Laranjeira: o pensador no seu labirinto
-193-
António Jacinto Pascoal
que o poderia deixar a ele e a outros em maus lençóis. Afinal, também cansa
andar às costas dos outros.
Quando pela primeira vez cheguei à Faculdade de Letras desta universi-
dade, a crítica ontológica do “New Criticism”, o formalismo russo e as várias
correntes do estruturalismo (Círculo de Praga, Nouvelle Critique, Estilística
Estrutural, Círculo de Copenhaga) constituíam uma espécie de religião reve-
rencial com um poder paternalista de que não suspeitava, mas que estabelecia
dogmas inquestionáveis e se autoproclamava uma matriz metodológica infalí-
vel, para uma literatura aparentemente criada no interior de um enquadramento
mental fixo – pelo menos, os professores de então levavam-nos a adular verbal
e mentalmente a ortodoxia do momento.
Como digo, dávamos estas noções por garantidas, porque a questão para
nós mais importante era, com efeito, tirar boas notas, manter uma boa média e
completar um curso no menor tempo possível. Para nós, a literatura não con-
tava, desde que fosse pensada antecipadamente pelos professores e pela crítica
à literatura, na qual uma certa pose, alguns maneirismos e uma boa dose de
palavreado gratuito, quase sempre anódino e muito asséptico, mantinham a
aparência de que o edifício académico andava sobre rodas. Esta mistura de
abstracção linguística, dicção pretensiosa e um catálogo de expressões prefa-
bricadas dos dialectos académicos tinha grande poder evocativo e persuasivo
entre nós, estudantes, mesmo que se tratasse de assuntos pejados de longas
passagens quase totalmente sem significado. Não era raro ouvirmos, à época,
frases do tipo “assalta-me o pressuposto de que teoreticamente é possível obter
o resultado de um dado esquema mental”, em vez de se dizer somente “tive
uma ideia”.
Foi com Pires Laranjeira que me apercebi de que os estudos literários e a
teoria da literatura estavam entregues à trivialização da linguagem, ao solip-
sismo, ao hermetismo, isto é, à tendência da crítica de então para se afastar do
concreto e se aproximar de mistificações e considerações abstractas e cultistas
de detalhe, que quebravam os laços de diálogo que os textos sempre mantive-
ram com a História e, portanto, com o contexto e o intertexto. Tratava-se de
uma linguagem académica em que as expressões usadas criavam mecanismos
e frases por nós e que, sem dúvida, se prestavam a pensar por nós. Referindo-
-194-
Pires Laranjeira: o pensador no seu labirinto
-se à trivialidade da linguagem, o padre Herbert McCabe (Law, Love and Lan-
guage, 1968) escreveu o seguinte:
-195-
António Jacinto Pascoal
-196-
Pires Laranjeira: o pensador no seu labirinto
são “para usar uma frase sugestiva de…”, “Poderíamos usar as palavras que X
usou para descrever…”, “seguindo o exemplo de…”, “blá, blá, blá, escreve
Y”, “O que aqui digo, a partir de X e Y…”, “blá, blá, blá, explica Z”, “como
o estuda K…, citando Y”, “Aliás, X já o reafirma em…”, “Como, de resto,
ensina Z”, “E aqui socorro-me de K, quando afirma que…”, etc e um par de
botas. Já ninguém se dá ao trabalho de pensar por si e usar a sua inteligência
para escolher as palavras que podem operar sobre os assuntos em questão. Um
ensaísta, que não é mais do que um papagaio a quem concederam uma curta
cota cerebral, traz sempre a família de críticos e teóricos com ele, para diluir
o próprio esforço e passar entre as pingas da chuva, entronizando o seu escrito.
Citar é um exercício pedante e gratuito, muito semelhante a usar estrangeiris-
mos e latinismos. Houve, é verdade, na citação, uma condição de humildade
que com o tempo se perdeu: o teórico citado passou de tributo a fulano a trunfo
arrogante. Esta foi, em boa parte, uma das melhores lições que Pires Laranjeira
soube passar a gerações de alunos: a de que há qualquer coisa pessoal e in-
transmissível acima dos ombros de cada um de nós. Nisso foi inovador, muito
antes de se poder suspeitar de que a crítica humanista supera a crítica huma-
nística, mediante a ideia de que a Literatura não é, mas vai sendo.
Conta-se que numa tentativa apressada de se actualizar, o professor Y ex-
pressou a sua concordância nas considerações implícitas ao pensamento da
teórica e crítica indiana, Gayatri Chakravorty Spivak, sem de determinado des-
conhecimento dar parte de fraco e que, chegado a casa, embebido numa espé-
cie de torpor intelectual e urgência de esclarecimento, terá exclamado de si
para si: mas afinal este Spivak não é um homem?
É fácil e oportuno adular a ortodoxia do momento. Laranjeira nunca o fez.
Aliás, foi em boa parte por sua causa que confirmei aquilo que pretendia para
a minha própria escrita: um modo de lutar contra a mentira. Não aquela que
nos destinam clandestinamente, ocultando factos objectivos, mas a outra que
se manifesta na ordem do dia e, contudo, permanece invisível de tão próxima
e quotidiana: falo da mentira da pose, da demagogia, da aparência de honesti-
dade intelectual, da manipulação da linguagem e, portanto, do pensamento, da
irreprimível necessidade de nos justificarmos constantemente, da recusa da
autocrítica, das boas intenções, dos eufemismos e da aparência de seriedade,
da capa de bondade e da afectação, em suma, daquilo que a pragmática língua
anglo-saxónica resume numa palavra composta – bullshit. Laranjeira ensinou-
-197-
António Jacinto Pascoal
-198-
Pires Laranjeira: o pensador no seu labirinto
-199-
António Jacinto Pascoal
-200-
Pires Laranjeira: o pensador no seu labirinto
Bibliografia
-201-
António Jacinto Pascoal
-202-
LITERATURAS AFRICANAS
DE EXPRESSÃO PORTUGUESA:
MANUAL E EXERCÍCIO DE HISTÓRIA LITERÁRIA
Ana T. Rocha
Centro de Literatura Portuguesa da U. de Coimbra
Resumo: Nesta exposição é nossa pretensão identificar e analisar os aspetos que conferem
ao manual da Universidade Aberta de 1995, intitulado Literaturas africanas de expressão
portuguesa, de Pires Laranjeira, Inocência Mata e Elsa Rodrigues dos Santos, característi-
cas de um trabalho de história literária das cinco literaturas africanas de língua portuguesa.
Para tal, iremos compreender o manual no seu contexto e função, determinantes para o
resultado final, isto é, servir de manual para uma disciplina do ensino superior. Serão apon-
tados os pontos em que este objetivo do livro colide com os posicionamentos de Pires La-
ranjeira e os pontos que coincidem com as suas preferências.
Palavras-chave: Pires Laranjeira, História da Literatura, Literatura Africana de Língua
Portuguesa, ensino
Abstract: In this paper we intend to identify and analyze the aspects that confer to the
manual entitled Literaturas africanas de expressão portuguesa, published by Universidade
Aberta in 1995 and written by Pires Laranjeira, Inocência Mata and Elsa Rodrigues dos
Santos, the characteristics it has that are similar to an exercise of history of literature of the
five African literatures in Portuguese. To do so, we will take in consideration this book’s
context and its main function, which is to serve as a manual for a college subject, because
it is a decisive point that determine the final result. We will point out the aspects of this
book’s function that collide with Pires Laranjeira’s positions and the ones that coincide with
his preferences.
Keywords: Pires Laranjeira, History of Literature, African Literature in Portuguese, teach-
ing
-203-
Ana T. Rocha
1
Hoje em dia, esta designação não é mais usada; no entanto, algumas universidades tardam
a proceder à alteração, como é o caso da Universidade de Aveiro que ainda mantém o nome
da unidade curricular Literaturas africanas de expressão portuguesa.
-204-
Literaturas africanas de expressão portuguesa
-205-
Ana T. Rocha
desta área de estudos que Pires Laranjeira identificou do seguinte modo, numa
comunicação intitulada “Os estudos literários africanos em Portugal: configu-
rações de uma disciplina”2:
2
Inédito cedido pelo autor.
3
Disponível em <https://filosofiapop.com.br/podcast/110-filosofia-da-literatura-africana-
luis-kandjimbo/>.
-206-
Literaturas africanas de expressão portuguesa
4
Informação cedida por Luandino Vieira em encontro com o escritor.
-207-
Ana T. Rocha
-208-
Literaturas africanas de expressão portuguesa
5
Cf. Kandjimbo, 2015: 59.
-209-
Ana T. Rocha
-210-
Literaturas africanas de expressão portuguesa
Bibliografia
-211-
ALCANCE PEDAGÓGICO DAS LITERATURAS
AFRICANAS DE LÍNGUA PORTUGUESA
Abstract: Teaching Literature in the 21st century is a constant challenge for the Teacher of
Portuguese, and it forces him to reflect deeply on his teaching practices. The transmission
of literary knowledge is a specific learning process which does not take place in a linear
way. In fact, it transcends its area of activity and enters into dialogue with other areas of
knowledge. Now, in an era dominated by the globalization of knowledge and by the “Val-
ues” of immediate profit and profitability (short-term utilitarian criteria), society tends to
discredit literary culture and the teaching of literature and underestimates the potential of
literary reading, creating an environment conducive to the crisis of the humanities.
The educational potential of the teaching of literature in general, and of Portuguese Speak-
ing African Literature in particular, is numerous and lies at several levels: linguistic, cul-
tural, and aesthetic. It is therefore required to re-evaluate and requalify the teaching of Por-
tuguese Speaking African Literature.
KEY WORDS: Portuguese Speaking African Literature, education, literary reading, inter-
culturality
-213-
Catarina Isabel Silva Rodrigues
-214-
Alcance pedagógico das literaturas africanas de língua portuguesa
-215-
Catarina Isabel Silva Rodrigues
-216-
Alcance pedagógico das literaturas africanas de língua portuguesa
-217-
Catarina Isabel Silva Rodrigues
-218-
Alcance pedagógico das literaturas africanas de língua portuguesa
Quero matar-me
e deixar que o não-eu
se aposse de mim.
-219-
Catarina Isabel Silva Rodrigues
-220-
Alcance pedagógico das literaturas africanas de língua portuguesa
-221-
Catarina Isabel Silva Rodrigues
-222-
Alcance pedagógico das literaturas africanas de língua portuguesa
Bibliografia
-223-
Catarina Isabel Silva Rodrigues
-224-
UMA LEITURA DA CRÍTICA DE PIRES LARANJEIRA
VISTA DESDE A FRANÇA
Resumo: Numa perspetiva comparatista com a crítica francófona, o presente artigo procura
pôr em realce alguns elementos ligados às reflexões de Pires Laranjeira para percebermos
melhor a sua posição na área dos estudos africanos de língua portuguesa. Interrogar-nos-
-emos sobre as noções de negritude de língua portuguesa, lusofonia, angolanidade ou ainda
sobre a noção de pós-colonialismo.
Palavras-chave: angolanidade, crítica literária, negritude, Pires Laranjeira
-225-
Barbara dos Santos
1
Alain Ricard gostava e interessava-se pelas literaturas africanas em língua portuguesa.
Chegou até a fazer um sinal cúmplice a Luandino Vieira, que considerava um grande escri-
tor africano, ao intitular um dos seus livros Le sable de Babe (informação que me foi con-
cedida durante uma entrevista pelo próprio).
-226-
Uma leitura da crítica de Pires Laranjeira vista desde a França
-227-
Barbara dos Santos
-228-
Uma leitura da crítica de Pires Laranjeira vista desde a França
-229-
Barbara dos Santos
-230-
Uma leitura da crítica de Pires Laranjeira vista desde a França
bém tenha demonstrado interesse nos cinco países, sempre manifestou preo-
cupações mais locais na forma de abordar os textos. Na sua conceção da lite-
ratura, a essência de uma obra de arte tem a ver com o que a diferencia das
outras. Esta constatação aplica-se a vários níveis de leitura. A luta das litera-
turas africanas passa, para o autor, pela luta da diferenciação. Nos seus primei-
ros escritos, é possível ver como procura destacar na poesia um idioleto pró-
prio à angolanidade nas representações dos esquemas ideais, literários e for-
mais de pensamento e expressão das tradições e culturas de Angola. A questão
da identidade encontra-se aqui como um centro epistemológico de leitura,
mostrando como as letras estão ao serviço do ser humano.
Num artigo publicado em 2015 intitulado “Pós-colonialismo e pós-moder-
nismo em contexto pré-moderno e moderno – o local e o nacional nas literatu-
ras dos cinco e as ilusões da literatura-mundo” (LARANJEIRA, 2015: 17), a
posição de Pires Laranjeira mantém-se fiel às suas convicções. Num contexto
literário agora diferente do da época das pós-independências, em que os estu-
dos pós-coloniais se estão a desenvolver cada vez mais na Europa, talvez em
reação ao domínio cultural anglo-americano e da Commonwealth, o autor re-
age à proposta de “Pour une littérature-monde”, um manifesto literário assi-
nado por 44 escritores em 2007, no jornal Le Monde. O conceito de literatura-
-mundo é utilizado aqui como um projeto que quer acabar com o ultrapassado
conceito de francofonia, já que, como estipula ironicamente o manifesto, nin-
guém fala o francófono.
Se esta proposta parece, de facto, aliciante num primeiro momento, Pires
Laranjeira sublinha que essa literatura-mundo não é a “literatura de todo o
mundo” (LARANJEIRA, 2015: 587). Mais uma vez, o crítico português alerta
sobre o perigo de um pensamento generalizado sobre a literatura: a dita “lite-
ratura geral”, a “grande literatura” ou a “literatura universal”. Embora também
não deixe de sublinhar a distância que existe em Portugal entre o discurso ofi-
cial da lusofonia e a prática dos Ministérios da Educação, chama a atenção
para o cuidado que é sempre necessário ter com as teorias englobantes. Se-
gundo ele, as teorias pós-coloniais, os estudos culturais ou ainda os estudos de
subalternidade apareceram por motivos socio-históricos, políticos e ideológi-
cos e perdem muitas vezes de vista o teor estético, linguístico, imaginário, lo-
cal e regional de uma parte importante dos textos literários e dos seus discursos
(LARANJEIRA, 2015: 568).
-231-
Barbara dos Santos
Interessa entender aqui que, para o autor, as ideias de aldeia global da co-
municação e de democracia política “criaram a ilusão da uniformização, da
igualdade, da indistinção, sob a aparência de que cada um pode ser senhor do
seu destino” (LARANJEIRA, 2015: 20). A ideia de um mundo global é pers-
petivada como uma utopia, principalmente dirigida por algumas elites. Para
ele, os conceitos de identidade e de sentimento de pertença continuam a ser
componentes essenciais para perceber uma cultura. O autor ilustra o seu pro-
pósito mostrando, por exemplo, como a palavra “crioula” não pode ser enten-
dida da mesma maneira em Angola, no Brasil ou nas Américas (centro / sul).
É importante sublinhar ainda que Pires Laranjeira não recusa o encontro das
culturas: ele alerta para a extrapolação de um mundo geral que acabaria por
ser falso.
Em abril de 2021, ao participar num colóquio organizado pelo Departa-
mento de Português da Universidade de Bordéus cujo tema tratava das novas
representações literárias das sociedades pós-coloniais nos países de língua por-
tuguesa, o intelectual português apresentou uma comunicação intitulada “A
poesia de Agostinho Neto face à fenomenologia, existencialismo e psicanálise:
o futuro ad-vir”. Ao ouvir a belíssima comunicação que fez sobre A renúncia
impossível de Agostinho Neto, percebe-se então a sua luta constante: a difusão
e valorização da literatura angolana, apresentando a riqueza e o vanguardismo
do pensamento dos escritores africanos em língua portuguesa, no âmbito de
uma literatura profundamente engajada.
As reflexões de Pires Laranjeira foram orientadas pela preocupação em es-
tudar as obras literárias no contexto de produção, abrindo a sua análise à his-
tória das ideias e das instituições. Ao mostrar a história das relações entre Por-
tugal e Angola desde o século XIX, assim como as ligações que Angola esta-
beleceu com outros países, o autor procura restabelecer épocas, mentalidades
e realidades históricas que nos permitem perceber melhor a literatura angolana
e a identidade do país. Isto não pode escapar a uma reflexão ligada às questões
de nacionalismo e também a problemáticas ligadas à complexidade da nossa
modernidade. A sua luta é dirigida contra uma visão idealista, fantasmagórica
ou exótica de África. Recusa qualquer visão parcial dessas sociedades, denun-
ciando, por vezes, realidades amputadas ou distorcidas, e prefere revelar as
continuidades e as incertezas desses países em constante mutação.
-232-
Uma leitura da crítica de Pires Laranjeira vista desde a França
Bibliografia
-233-
RESSONÂNCIAS DE AGOSTINHO NETO
NA POESIA ANGOLANA CONTEMPORÂNEA
Abstract: Bringing the memory of ancestral rites and cults from Africa and Angola, the
cartographies of Luanda and Angola, the local languages, questioning colonialism and the
oppressive practices of the time, Agostinho Neto, in line with the poets of Mensagem, lays
foundations for the construction of Angolan Literature. The lessons of these older poets still
resonate. It is the intention of our reading to show that both the poetry of Agostinho Neto,
and that of the younger generations of Angolan Literature, despite being legatees of
historically different times, are articulated, even if in different directions, according to
certain themes that are re-updated. and they are poetically re-elaborated, reflecting on
political and social changes that took place in the post-Independence Angolan context.
Keywords: Agostinho Neto, Angola, Angolan poetry from the time of Mensagem, post-
independence angolan poetry
-235-
Carmen Lucia Tindó Secco
1
Poiesis é um vocábulo de origem grega que significa criação. Diz respeito à poética, à
produção poética. Empregamos no sentido de potência criadora, de impulso humano para
criar poesia a partir da imaginação.
-236-
Ressonâncias de Agostinho Neto na poesia angolana contemporânea
-237-
Carmen Lucia Tindó Secco
Ritmo na luz
ritmo na cor
ritmo no movimento
ritmo nas gretas sangrentas dos pés descalços
ritmo nas unhas descarnadas
Mas ritmo
ritmo. (NETO, 1976: 15-16)
2
Bairros periféricos de Luanda.
3
Marimba é um instrumento musical africano semelhante ao xilofone.
4
Quissange é um instrumento musical africano constituído por uma série de lâminas dis-
postas sobre um retângulo de madeira e que produzem som ao serem percutidas com os
dedos polegares.
-238-
Ressonâncias de Agostinho Neto na poesia angolana contemporânea
5
Atos de entrar em transe para invocar os espíritos.
6
Palavra do idioma kimbundu que significa “instalar a desordem”.
7
A revista Mensagem – a voz dos Naturais de Angola, publicação do Departamento Cultu-
ral da Associação dos Naturais de Angola, foi criada em Luanda, no ano de 1951. Teve
somente quatro números, sendo que os três últimos foram editados em um único caderno.
Em continuidade às propostas dos poetas do movimento “Vamos descobrir Angola”, Men-
sagem primou pela afirmação da angolanidade, celebrando a terra angolana, suas gentes,
seus costumes e tradições, além de denunciar o colonialismo, a escravidão, a censura e a
opressão da PIDE, a polícia portuguesa de Salazar. Dentre os principais poetas de Mensa-
gem se encontram Maurício Gomes, Alda Lara, Agostinho Neto, António Jacinto, Viriato
da Cruz, Mário Pinto de Andrade, Ermelinda Pereira Xavier, Lília da Fonseca. Os moçam-
bicanos José Craveirinha e Noémia de Sousa e os portugueses António Mendes Correia e
Augusto dos Santos Abranches tiveram alguns poemas publicados na revista. Mensagem é
considerada pela crítica um marco importante de consolidação do sistema literário ango-
lano.
-239-
Carmen Lucia Tindó Secco
-240-
Ressonâncias de Agostinho Neto na poesia angolana contemporânea
-241-
Carmen Lucia Tindó Secco
-242-
Ressonâncias de Agostinho Neto na poesia angolana contemporânea
-243-
Carmen Lucia Tindó Secco
em diversos poetas atuais, como, por exemplo, João Melo, cuja poesia conti-
nua “ferozmente angolana” (MELO, 1989: 12), celebrando o legado recebido,
conforme podemos observar no poema “Crónica verdadeira da língua portu-
guesa”, iniciado com uma epígrafe de Luandino Vieira:
A poetisa portuguesa
Sophia de Mello Breyner
gostava de saborear
uma a uma
todas as sílabas
do português do Brasil.
Estou a vê-la:
suave e discreta,
debruçada sobre a varanda do tempo,
o olhar estendendo-se com o mar
e a memória,
deliciando-se comovida
com o sol despudorado
ardendo
nas vogais abertas da língua,
violentando com doçura
os surdos limites
das consoantes
e ampliando-os
para lá da História.
8
Esta frase foi retirada do romance Nós, os do Makulusu, do escritor Luandino Vieira.
-244-
Ressonâncias de Agostinho Neto na poesia angolana contemporânea
-245-
Carmen Lucia Tindó Secco
-246-
Ressonâncias de Agostinho Neto na poesia angolana contemporânea
Bibliografia
-247-
Carmen Lucia Tindó Secco
_____
(2005). A actual literatura angolana: pontes ligando gerações, estéticas em
ruptura. União dos Escritores de Angola. [Consult. 23 fev. 2021]. Disponível
em <https://www.ueangola.com/criticas-e-ensaios/item/73-a-actual-literatura-
angolana-pontes-ligando-gera%C3%A7%C3%B5es-est%C3%A9ticas-em-
rupturas>.
_____
(2006). Sob o signo de uma nostalgia projetiva: a poesia angolana
nacionalista e a poesia pós-colonial. “Revista Scripta”. 10: 19, pp. 25-42.
MELO, João (1989). Poemas angolanos. Porto: Edições ASA; União dos
Escritores Angolanos.
_____
(2009). Crónica verdadeira da língua portuguesa. [Consult. 7 nov. 2021].
Disponível em <https://ciberduvidas.iscte-iul.pt/outros/antologia/cronica-
verdadeira-da-lingua portuguesa/4104>.
MENDONÇA, José Luís (1981). Eu Queria Abster-me. In Chuva novembrina.
Luanda: INALD.
_____
(1996). Quero acordar a alva. Luanda: INALD.
MONTEIRO, Manuel Rui (2003). Da fala à escrita. In Jornadas do Livro e da
Leitura. Luanda: Ministério da Cultura. [Texto digitalizado cedido pelo
próprio autor].
NETO, Agostinho (1976). Poemas de Angola. Rio de Janeiro: Codecri.
—— (1982). Sagrada esperança. Luanda: União dos Escritores Angolanos.
—— (1985). Sagrada esperança. São Paulo: Ática.
—— (2021). Sobre a literatura. In CAPELENGUELA, David. Acesso à justiça
como argumento da construção da angolanidade. “Jornal de Angola”. Cultura.
Luanda (19 set.), pp. 10-11. [Consult. 8 nov. 2021]. Disponível em
<https://www.jornaldeangola.ao/ao/noticias/acesso-a-justica-como-
argumento-da-construcao-da-angolanidade>.
NOGUEIRA, Nok (2011). Jardim de estações. Vila Nova de Cerveira: Nóssomos.
SENNET, Richard (1999). A corrosão do caráter. Rio de Janeiro: Record.
TAVARES, Paula (1998). O sangue da buganvília. Praia; Mindelo: Embaixada de
Portugal; Centro Cultural Português.
—— (1999). O lago da lua. Lisboa: Caminho.
VIEIRA, Luandino (2019). Nós, os do Makulusu, São Paulo: Kapulana.
-248-
O PROJETO DA MENSAGEM DE LUANDA
E O SEU NÚMERO DE ESTREIA
Francisco Topa
U. do Porto / CITCEM
Resumo: Depois de uma introdução sobre revistas literárias do modernismo e sobre as di-
ferenças entre as europeias e americanas e as de África, o artigo aborda o periódico ango-
lano Mensagem, publicado em Luanda, em 1951-1952, pela Associação dos Naturais de
Angola. Chamando a atenção para alguns dos aspetos da revista que continuam por estudar,
acrescentam-se algumas informações sobre as dificuldades de impressão do segundo nú-
mero e revê-se a avaliação histórica não consensual que tem sido feita do periódico. Isto
posto, analisa-se com algum detalhe o primeiro número, com particular atenção ao projeto
da publicação e aos textos aí incluídos. Em conclusão, reconhece-se o papel decisivo de
Mensagem na rutura com a literatura colonial e na afirmação de uma literatura angolana.
Palavras-chave: Mensagem, Angola, literatura, modernismo
Abstract: After an introduction about literary journals of modernism and the differences
between European and American ones and those from Africa, the article considers the An-
golan periodical Mensagem, published in Luanda in 1951-1952 by the Associação dos Nat-
urais de Angola. Drawing attention to some of the aspects of the journal that remain to be
studied, the author adds some information about the difficulties of printing the second issue
and reviews the non-consensual historical assessment that has been made of the journal.
That said, he analyses the first issue in some detail, focusing on the project of the publica-
tion and the texts included therein. In conclusion, he recognizes the decisive role of Men-
sagem in the break with colonial literature and in the affirmation of an Angolan literature.
Keywords: Mensagem, Angola, literature, modernism
-249-
Francisco Topa
-250-
O projeto da Mensagem de Luanda e o seu número de estreia
-251-
Francisco Topa
1
OLIVEIRA, 1990: 371-383, texto que retoma uma palestra feita em 1977 e uma publica-
ção em revista datada de 1981 (Luso-Brazilian Review, XVIII).
2
Um dos propósitos do Departamento Cultural da Anangola, de que se falará mais à frente.
-252-
O projeto da Mensagem de Luanda e o seu número de estreia
3
Cota: 10-11-14-50.
-253-
Francisco Topa
foi intercetada por outras redes, ligadas a outras publicações e a outros espa-
ços, a começar pela do periódico homónimo da Casa dos Estudantes do Impé-
rio. Valeria ainda a pena tentar compreender o modo como o fim da Mensagem
de Luanda repercutiu nos seus membros – explicando ou não o diverso alinha-
mento futuro de alguns deles – e noutros grupos que eles integravam.
Seja como for, enquanto esse trabalho não é feito, podemos pelo menos
reler a revista, no sentido de tentarmos encontrar elementos para o esclareci-
mento de uma questão que não é consensual na historiografia da literatura an-
golana: a relação de Mensagem com a geração homónima.
Salvato Trigo, um dos primeiros ensaístas a abordar o tema com demora,
destaca em A poética da “geração da Mensagem” o papel decisivo da revista
na afirmação de uma nova literatura e o facto de as ações repressivas que so-
freu não terem conseguido calar os seus ecos, concluindo assim: “E a «missão»
que esta tinha a cumprir foi, na verdade, cumprida.” (TRIGO, 1979: 73). Não
obstante, menoriza mais adiante o papel da revista, reconhecendo no fundo a
distância que a separa da geração homónima:
-254-
O projeto da Mensagem de Luanda e o seu número de estreia
-255-
Francisco Topa
aos textos e às figuras acabadas de referir que cabem, é claro, no espírito desta
Mensagem, mas que há muito a tinham ultrapassado ideológica e estetica-
mente.” (MONTEIRO, 2001: 117).
Na falta de outros elementos, chamarei rapidamente a atenção para alguns
aspetos do número inicial da revista luandense, que Rosa Sil Monteiro não
considerou pelo facto de não ter conseguido aceder-lhe. O meu objetivo é o de
mostrar que, apesar de uma linguagem por vezes equívoca e ingénua e de com-
promissos que nos podem hoje parecer cedências excessivas, há nele um ine-
quívoco espírito de modernidade e de angolanidade.
A primeira nota tem que ver com o facto de o projeto da revista ser apre-
sentado, de modo muito claro, sob quatro formas: o poema da capa, “Mensa-
gem”, de Ermelinda Xavier; o texto “Primeiros passos…” (p. 1), que é uma
espécie de editorial; a coluna “O nosso programa” (p. 2); e, por fim, o “Regu-
lamento dos Concursos Literários da Associação dos Naturais de Angola”
(p. 5). Vejamos alguns pontos de cada um deles.
Ermelinda Xavier pode não parecer uma escolha natural para a capa de uma
revista com os propósitos de Mensagem. Nascida em 1931 e a estudar, na al-
tura, direito em Coimbra, conhecera António Jacinto na então Nova Lisboa,
depois de este a ter ouvido ler um poema na rádio.4 A posterior opção de vida
em Portugal e o seu percurso poético – condensado num volume de 2016, pu-
blicado pouco antes da sua morte – mostram o aparente desacerto da escolha,
provavelmente feita pelo autor de “Monangamba”. Destaca-se no poema o
apelo à união (“Avante, irmão, demos as mãos/ e comecemos a nossa jor-
nada:”); um esboço de programa (“do amor à nossa terra”); e também uma
antevisão das reações negativas (“Haverá judeus,/ coroas de espinhos e escar-
ros;/ não faltarão beijos de judas;/ Virá o Calvário…” – Mensagem, 1, 1951,
capa). Na versão recolhida em livro – que apresenta algumas diferenças signi-
ficativas, como acontece aliás com outros textos incluídos na revista –, o po-
ema vem datado de 17 de maio de 1950, o que pode indicar uma de duas coisas:
ou que não foi escrito para Mensagem ou que, a tê-lo sido, a revista teria sido
planeada para sair mais cedo, antes, portanto, de julho de 1951. Seja como for,
importa sublinhar a imagética religiosa do poema que edulcora o que poderia
haver de revolucionário no “canto moço e ousado” que se proclama. Por outro
4
Parte da informação é avançada por Mário António (Oliveira, 1990: 376), tendo sido de-
pois ampliada por Rui Vaz Pinto (XAVIER, 2016: [8]).
-256-
O projeto da Mensagem de Luanda e o seu número de estreia
Urge criar e levar a Cultura de Angola além fronteiras, na voz altissonante dos
nossos poetas e escritores; na paleta e no cinzel seguro dos nossos artistas
plásticos; ao som dos acordes triunfais da nossa música que os nossos músicos
e compositores irão buscar aos férteis motivos que a nossa Terra, grande e
maravilhosa, lhes oferece. (Mensagem, 1, 1951: 2)
-257-
Francisco Topa
-258-
O projeto da Mensagem de Luanda e o seu número de estreia
proposta rítmica –, tais poemas ilustram bem dois dos caminhos do projeto da
revista: por um lado, um impulso universalista, que em “Mamã Negra” assume
uma dimensão negritudinista; por outro, uma dimensão local, intimista, dando
conta de um processo de crescimento de um sujeito – como homem capaz de
seduzir, sem intermediários nem ‘truques’, uma mulher, mas também como
membro de uma sociedade de classes.
Temos ainda “Desfile de sombras” (p. 12), de Agostinho Neto, que, na sua
linguagem metafórica, anuncia um tempo de luta que devolva a forma humana
às sombras: “Às que hão-de vir/ mostrarei essas cadeias quebradas/ e com elas
repartirei/ o meu desejo de ser onda/ neste desfile dos tristes/ que se perdem.”
Mais claro ainda é o anúncio de Antero Abreu em “Uma canção de Primavera”
(p. 10): “E ainda vejo o que ninguém mais vê:/ Vejo a flor a desenhar-se em
fruto./ E quer ela o dê, quer não dê,/ É esse o fim por que luto.”
Noutro registo, há textos em prosa que acompanham essa orientação, como
é o caso da primeira parte de um artigo de Mário Pinto de Andrade sobre o
kimbundu (p. 6) e um excerto de “Uanga”, de Óscar Ribas. Parecendo uma
simples revisão bibliográfica, o primeiro é importante pelo facto de evidenciar
o muito que já se tinha escrito, e quase sempre por linguistas estrangeiros,
sobre uma das línguas nacionais de Angola, ao mesmo tempo que se apontam
as lacunas no seu estudo. Quanto ao segundo, o interesse está sobretudo no
sinal que dá quanto à necessidade de valorizar a cultura tradicional, recolhendo
e estudando as suas manifestações.
Terminado este breve percurso pelo número inaugural de Mensagem, creio
que ficou bem demonstrado o equívoco de Mário António ao considerá-lo
pouco mais que uma insignificância. É que, além daquilo que é imediatamente
legível, 70 anos depois, porque está escrito num código grafemático que nos é
comum – e isso é muito, como espero ter deixado claro –, há uma série de
outros sinais que o tempo passado nos impede de ver. Talvez precisemos de
passar pela bonita experiência de que nos fala a classicista, romancista e cro-
nista espanhola Irene Vallejo num texto recente:
He aprendido a leer por segunda vez. A través de los ojos de mi hijo, he revivido
aquel asombro ante el misterio intacto de las letras, el esfuerzo del descifra-
miento, la tarea lenta y balbuciente de ordeñarles su sentido a las palabras. Mis
labios han vuelto a silabear mientras su lengua iba desenmarañando los sonidos
ocultos en los signos. No es tarea fácil arrebatar las páginas al silencio. De niña
-259-
Francisco Topa
Hoje que o tempo colonial, a censura e a repressão são, para a maior parte
de nós, um simples dado histórico; hoje que o trabalho à distância está imen-
samente facilitado pelo desenvolvimento das comunicações; hoje que as difi-
culdades materiais e financeiras associadas à produção de uma revista são bem
menores; hoje que a literatura angolana está bem consolidada e é indiscutível
– Mensagem pode parecer um pormenor numa cadeia de acontecimentos lite-
rários e sociopolíticos. Mas não é assim: basta lê-la com atenção. Ou, sendo
necessário, basta que ensinemos os nossos olhos a escutar, envolvendo-os
numa operação (histórico-)sinestésica.
Bibliografia
-260-
O VENTO QUE PASSA: FIM DAS CERTEZAS HERDADAS
Jane Tutikian
Universidade Federal do Rio Grande do Sul
Resumo: Trata este estudo da análise do livro O vento que passa, de José Luís Pires
Laranjeira, sob a ótica da pós-utopia. Ou seja: investiga o modo como o sujeito lírico
dialoga com a contemporaneidade, caracterizada pela crise dos valores absolutos, que, até
então, referenciavam a civilização, e as consequentes novas formas de relações
interpessoais, onde o único traço comum é o individualismo. Ambos – crise e
individualismo – expressam a falta de uma genuína comunicação, o desamor e a solidão. É
através desse diálogo / confronto que Pires Laranjeira vai desconstruindo toda e qualquer
certeza herdada. Foram utilizados como referenciais teóricos trabalhos de Compagnon,
Bloch-Michel, Camargo e Haroldo de Campos, entre outros.
Palavras-chave: Poesia. Pós-utopia. Crise. Individualismo.
Abstract: This study deals with the analysis of the book O vento que passa by José Luís
Pires Laranjeira, from the perspective of post-utopia. In other words: it investigates how the
lyrical subject dialogues with contemporaneity, characterized by the crisis of absolute
values, which, until then, guided civilization for centuries, and the consequent new forms
of interpersonal relationships, where the only common feature is individualism. Both –
crisis and individualism – express a lack of genuine communication, a lack of love and
loneliness. It is through this dialogue / confrontation that Pires Laranjeira deconstructs any
and all inherited certainty. The theoretical framework is based on Compagnon, Bloch-
Michel, Camargo and Haroldo de Campos and others.
Keywords: Poetry, post-utopia, crisis, individualism
-261-
Jane Tutikian
Basta que olhemos ao redor para que possamos, nós, os simples mortais do
século passado, observar o já observado por Octavio Paz (1991): a crise das
idéias, dos parâmetros e das crenças básicas, dos absolutos religiosos ou
filosóficos, éticos ou estéticos, que moveram a humanidade por todos os
séculos. Nossa sociedade é a primeira que tenta viver sem uma doutrina além
da histórica, nossos absolutos religiosos, éticos e estéticos deixaram de ser
coletivos para ser individuais.
E é graças ao individualismo que as idéias, os sentimentos, a arte, o amor,
a amizade e as próprias pessoas vão se fragilizando em sua essencialidade,
vivenciando, não raro, o estranhamento. O universo da diferença cava seu
próprio destino. O ar, as águas e as florestas foram contaminados. Muito ouvi
“ainda bem que temos a net e a internet”. Sem dúvida me somo a essas vozes,
mas ciente de que nada substitui o olho no olho, o toque de mão, o abraço. Se
antes da pandemia já havíamos trocado o toque de pele pelo toque nas teclas
de um smartphone, agora, não somos mais do que uma imensa rede de solidão.
É nesses momentos que a poesia se faz mais necessária do que nunca. Ela
é ponte, revela mesmo quando esconde e, nesse sentido, é ato ou negação do
ato, é uma forma de libertação.
O poeta brasileiro Carlos Drummond de Andrade diz em “O lutador” que
“lutar com palavras/ é a luta mais vã. Entanto lutamos/ mal rompe a manhã”.
E continua lutando: “Tamanha paixão/ e nenhum pecúlio/ Cerradas as portas,/
a luta prossegue / nas ruas do sono” (ANDRADE, 2012: 72).
Ora, há poetas que lutam com as palavras e as aprisionam, tentando possuir
o mundo, mas há poetas que lutam com as palavras, e as libertam para que o
mundo, em liberdade, se revele. E, entenda-se por mundo a revelação do
humano e do ser na vida. Eles, estes poetas, causam perplexidade e compro-
metimento, impossibilitam o distanciamento entre o ser o que se é e o viver o
que se vive. Propõem o espelhamento em que poesia reflete vida, humano e
-262-
O vento que passa: fim das certezas herdadas
-263-
Jane Tutikian
-264-
O vento que passa: fim das certezas herdadas
Oh quanta ansiedade!
Não é possível viver assim
Em cada canto da cidade
mundos paralelos
perdidos no tempo.
Como posso saber se o teu coração bate apressado?
Será que te alimentas bem?
Comes sopa salada e salsicha
com arroz xau-xau
dos chineses da esquina? Comes bem?
Como adivinhar os presságios
febres de ouvido
emoções repentinas?
Como controlar as batidas das baquetas
coronárias?
O que faz a sociedade líquida?
O que faz
não responder? (LARANJEIRA, 2013: 35-38)
-265-
Jane Tutikian
[…]
oh! cada vez mais
cada vez mais ausente
que loucura!
Tu precisas
dos beijos descomplicados
conceitos imediatos
quando a vaga multidão
se aproxima e tudo engole
és uma necessitada
coitadinha
de afeto muito simples
com a pontinha dos dedos
na face fria
nas mãos gélidas
literalmente geladas
ó pobre coitada sem calor humano!
Tu precisas
-266-
O vento que passa: fim das certezas herdadas
ora essa
e eu de ti
[…]
Tu precisas de mim
[…]
coisas simples
os afetos
tu precisas
eu preciso
a filha-gata necessita
todos necessitados
coitadinhos
é assim a vida.
-267-
Jane Tutikian
-268-
O vento que passa: fim das certezas herdadas
Ainda que reconheça “Tu és o meu futuro/ o teu passado longínquo/ eu/
que conheces por antecipação” (LARANJEIRA, 2013: 47), há um momento
-269-
Jane Tutikian
Bibliografia
-270-
O vento que passa: fim das certezas herdadas
-271-
AS LITERATURAS AFRICANAS DE LÍNGUA
PORTUGUESA NA ALEMANHA:
UMA REFLEXÃO POR PARTE DE QUEM SE SEGUIU
A PIRES LARANJEIRA EM COIMBRA
Doris Wieser
U. Coimbra / Centro de Literatura Portuguesa
Resumo: Este texto é uma combinação entre uma reflexão pessoal sobre a minha sucessão
ao lugar do Professor Pires Laranjeira, na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra,
e uma avaliação do estatuto institucional das Literaturas Africanas de Língua Portuguesa
na Alemanha, país em que nasci e onde me formei. Com este texto pretendo fazer um mo-
desto contributo para a avaliação da escassa presença desta área científica em instituições
de ensino superior na Europa.
Palavras-chave: Literaturas Africanas de Língua Portuguesa, Alemanha, sistema de ensino
superior
Abstract: This text is a mix between a personal reflection on my succession to the position
of Professor Pires Laranjeira, at the Faculty of Arts of the University of Coimbra, and an
assessment of the institutional status of African Literatures in Portuguese Language in Ger-
many, the country where I was born and where I graduated. With this text I intend to make
a modest contribution to the assessment of the scarce presence of this scientific area in
higher education institutions in Europe.
Keywords: Lusophone African Literatures, Germany, higher education system.
-273-
Doris Wieser
Introito
Neste volume de homenagem ao Professor José Luís Pires Laranjeira, co-
meço com umas palavras pessoais. O colega e eu não temos uma longa história
comum anterior à minha entrada ao serviço na Faculdade de Letras da Univer-
sidade de Coimbra (FLUC), em setembro de 2019, como Professora Auxiliar
responsável pela área das Literaturas Africanas de Língua Portuguesa. Conhe-
cemo-nos, sim, poucos anos antes, vimo-nos em ocasiões dispersas, sem ter
tido muita oportunidade de convívio, tendo eu vivido em Lisboa, primeiro
como investigadora de pós-doc e desde 2017 como investigadora FCT, no
Centro de Estudos Comparatistas, da Faculdade de Letras da Universidade de
Lisboa. No entanto, desde a minha entrada na FLUC, temos tido conversas
longas, não apenas sobre as Literaturas Africanas de Língua Portuguesa, a his-
tória e a prática do ensino destas literaturas, mas também sobre os mais diver-
sos temas da vida e do mundo. E é também esse Pires, o Pires-amigo, que
quero homenagear com as minhas palavras e a reflexão que aqui partilho: uma
pessoa sempre disposta a partilhar a sua experiência de vida, a sua análise do
mundo atual – sem se censurar – uma pessoa disposta a partilhar sabedoria e
desencanto, alegria e luto. Muito obrigada, Pires, pela camaradagem e pelas
tardes passadas no nosso bairro, no Metrópolis, no Samambaia e no quintal da
minha casa, por baixo do limoeiro. Que sejam continuadas!
Começo a minha reflexão sobre o lugar das Literaturas Africanas de Língua
Portuguesa nas universidades alemãs, sistema em que me formei, citando o
Pires-poeta:
Um lugar comum
para Nhok
Imaginemos sempre
um tempo filosófico
fora de qualquer espaço.
Os temores malignos
sim: as torturas
do sono
da fome
e o medo da morte
dizem-nos que não.
-274-
As literaturas africanas de língua portuguesa na Alemanha
[…]
Somos daqui
e de qualquer lugar
e havemos de perseguir
sem tempo a perder
o rasto da bola
que resta jogar. (LARANJEIRA, 2014: 41-42)
De onde sou? E que jogo estou a jogar? Que bola estou a perseguir? Per-
gunto-me isso, com um tom humorístico, à guisa do Pires, sendo eu uma alemã
que foi selecionada para um lugar numa universidade portuguesa, na secção
do Português, e, em concreto, na área das Literaturas Africanas de Língua Por-
tuguesa. Aproveito este momento para refletir sobre a imensa improbabilidade
do sistema de ensino superior alemão produzir uma pessoa especializada nesta
área.1
1
Não refletirei sobre a presença ou ausência de académicos/as africanos/as nesta área na
Alemanha, uma vez que a área como tal não existe. Se chegar a existir, será o momento
mais oportuno para este debate.
2
Não é o objetivo deste texto explicar o complexo sistema de ensino de Alemanha que
conhece diferentes tipologias de escolas dependendo do Estado Federal (Hauptschule,
Mittelschule, Realschule, Gesamtschule, Gymnasium…).
-275-
Doris Wieser
3
O russo é oferecido sobretudo nos estados federais da antiga RDA.
4
Baseio-me numa estatística elaborada pelo jornal Die Welt relativamente ao ano letivo de
2014/15. [Consult. 8 out. 2022). Disponível em <https://www.welt.de/wirtschaft/kar-
riere/bildung/article152474201/Diese-Fremdsprachen-koennen-sich-auszahlen.html>.
5
Trata-se da Grundschule Neues Tor, da Kurt-Schwitters-Schule, e da APEGO-Schule, em
Berlim (a última é uma escola privada), e do Max-Planck-Gymnasium Dortmund, a única
escola alemã que ensina a língua portuguesa até ao Abitur (nome do exame final do secun-
dário), desde 1980.
-276-
As literaturas africanas de língua portuguesa na Alemanha
-277-
Doris Wieser
6
https://www.kleinefaecher.de/ [Consult. 8 out. 2022].
7
Para comparar, os Estudos Latino-americanos (Lateinamerikanistik) estão registados em
kleine Fächer com 14,5 professores/as em 11 universidades [Consult. 8 out. 2022].
-278-
As literaturas africanas de língua portuguesa na Alemanha
-279-
Doris Wieser
Coda
Não é minha intenção apresentar um plano estratégico para a instituciona-
lização das Literaturas Africanas de Língua Portuguesa na Alemanha. Trata-
-se de uma tarefa difícil, uma vez que o número de alunos/as, já na área mais
vasta do Português, é escasso. Nota-se, no entanto, um crescimento no inte-
resse de quem estuda e de quem ensina a área do Português na Alemanha,
verificável pelo crescente número de comunicações à volta das literaturas afri-
canas nos congressos da Associação Alemã de Lusitanistas. Este crescimento
deve-se certamente à expansão destas literaturas após as independências. A
Filologia Românica, o Português, a chamada Lusitanistik, abrir-se-á certa-
mente cada vez mais a esta “literatura necessária” (como a chamava Russell
Hamilton), porque é academicamente impossível ignorar esta produção cada
vez mais substancial e diversificada.
Cabe referir ainda que a situação delineada no contexto alemão se verifica
também, com algumas diferenças, noutros países europeus onde o português é
uma língua estrangeira pouco ensinada nas escolas públicas. A situação do
Português no ensino superior nestes países é comparável à situação das línguas
e literaturas estrangeiras em Portugal, que sempre se estudam em combinações
de duas línguas no âmbito de cursos de Línguas Modernas. Para ser mais pre-
cisa, assemelha-se sobretudo à situação atual do alemão (Estudos Germanísti-
cos) ou do italiano, em Portugal, uma vez que essas línguas não são (ou já não
são) ensinadas sistematicamente nas escolas de ensino básico ou secundário.
Dentro dessas combinações, o espaço de cada uma das áreas escolhidas já é
reduzido a metade, e dentro dessa metade, infelizmente, as Literaturas Africa-
nas de Língua Portuguesa não ganharam ainda muito terreno. Mas são inegá-
veis o crescente interesse e a crescente produção científica em vários países
europeus.
-280-
As literaturas africanas de língua portuguesa na Alemanha
Bibliografia
-281-
Doris Wieser
-282-
PIRES LARANJEIRA:
CARTOGRAFIA DE UMA OBRA,
MENSAGEM DE UMA VIDA
Resumo: Pretende-se com este texto traçar a cartografia da obra do Professor Pires Laran-
jeira. Para isso, o foco recairá na análise das linhas temáticas e cronológicas da sua escrita,
vida académica e artística.
Acompanhar-se-á cronológica e tematicamente os seus contributos no âmbito das literaturas
africanas. Para isso, faz-se o levantamento da sua bibliografia e identifica-se o percurso, as
áreas de interesse e os aportes para os estudos africanos.
No final, concluiu-se sobre a complexidade das facetas de José Luís Pires Laranjeira, o seu
papel e legado para a Academia na área das literaturas e culturas africanas de língua portu-
guesa, mas também a sua face de Jano: poeta e artista multifacetado.
Palavras-chave: Pires Laranjeira, Suffit Kitab Akhenat, artes, literaturas e culturas africa-
nas de língua portuguesa
Abstract: The aim of this text is to make the cartography of Professor Pires Laranjeira's
work. For this, the focus will be on the analysis of the thematic and chronological lines of
his writing and academic and artistic life.
His contributions to African literatures will be chronologically and thematically followed.
For this, a survey of its bibliography is carried out and the path, areas of interest and con-
tributions to African studies are identified.
In the end, we conclude the complexity of the facets of José Luís Pires Laranjeira, his role
and legacy for the Academy in the area of Portuguese-speaking African literatures and cul-
tures, but also his face of Janus: poet and multifaceted artist.
Keywords: Pires Laranjeira, Suffit Kitab Akenat, arts, Portuguese-speaking African litera-
tures and cultures
-283-
Lola Geraldes Xavier
I. Eu
1. Água: “A água solúvel”
“15. Cheguei onde estou/ Mas não me verás como eu/ Gostava de ser”
(AKENAT, 2003: 43)
-284-
Pires Laranjeira: cartografia de uma obra, mensagem de uma vida
-285-
Lola Geraldes Xavier
-286-
Pires Laranjeira: cartografia de uma obra, mensagem de uma vida
-287-
Lola Geraldes Xavier
1
Nem sempre foi possível obter registos que validem todas as referências (datas, sobre-
tudo), podendo, pois, encontrar-se aí alguma imprecisão.
-288-
Pires Laranjeira: cartografia de uma obra, mensagem de uma vida
a luta continua, não tem fim, em todo o lado, em todas as frentes. E precisamos
de lutar, sempre, todos, em todo o lado, cada um segundo as suas possibilidades
e aptidões, por uma humanidade melhor. E não podemos sentir-nos felizes, se
os outros não se sentem! Humanidade e felicidade devem ser globais e gerais,
não sectoriais e individuais. Utopia, sonho e esperança – com determinação –
são ingredientes necessários à luta. (Laranjeira, 2014: s/p.)
-289-
Lola Geraldes Xavier
-290-
Pires Laranjeira: cartografia de uma obra, mensagem de uma vida
versos de cinco, sete e cinco sílabas métricas, mostrando que nada é mínimo
em Pires Laranjeira.
Para além destes volumes, publicou também poemas em volumes coleti-
vos, como: Adelino Pereira (org.), Francisco de Assis. 1182-1982. Testemu-
nhos contemporâneos das letras portuguesas, Lisboa: IN-CM, 1982; Poema-
bril. Antologia poética, Tomar: Nova Realidade, 1984 (2.ª ed., Coimbra: Fora
do Texto, 1994); A ilha dos amores, Porto: AJHLP, 1984; Propostas novas
para novos mundos (org. de Wagner Merije e Paulo Lima), São Paulo / Coim-
bra: Aquarela Brasileira, 2020; Os dias da peste. Centenário do PEN Interna-
cional. 1921-2021, Lisboa: Gradiva, 2021; Literatura e cultura em tempo de
pandemia, Lisboa: UCCLA, 2021.
A sua sensibilidade não se esgota, porém, na poesia. Ela expande-se à fo-
tografia e ao desenho, tendo participado em algumas exposições e publicado
em livros. O vento que passa e Amor e consequência apresentam desenhos do
autor, assim como um livro dedicado a Chinua Achebe. Fez também capas de
livros de Lola G. Xavier, Maria Nilza da Silva e Leonel Cosme.
Teve oportunidade de alguma colaboração com o mundo musical. Em
2003-05, produziu shows e escreveu canções de Música Popular Brasileira,
em particular para Vanessa Pinheiro, Marco Tureta e Mário Martinez, mas
apenas algumas foram cantadas. Coproduziu, igualmente, o CD do brasileiro
Marco Tureta, “Máximas Mínimas”, inspirado no livro homónimo da escritora
e pensadora eritreia Suffit Kitab Akhenat.
-291-
Lola Geraldes Xavier
-292-
Pires Laranjeira: cartografia de uma obra, mensagem de uma vida
tudos afro-literários, Lisboa: Novo Imbondeiro, 2001 (2.ª ed. em 2005, esgo-
tada); A noção de ser. Textos escolhidos sobre a poesia de Agostinho Neto
(com Ana T. Rocha), Luanda: Fundação Dr. Agostinho Neto, 2014.
Publicou ainda: Identidades. Antologia literária de língua portuguesa
(org.), Coimbra: DG-AAC/A Mar Arte, 1996 (trabalho de divulgação de poe-
tas e contistas) (esgotado); Negritude africana de língua portuguesa. Textos
de apoio (1947-1963) (org.), Braga: Angelus Novus, 2000 (esgotado); João-
-Maria Vilanova, Os contos de Ukamba Kimba (org.) (com Lola G. Xavier),
Vila Nova de Cerveira: NOSSOMOS (editora de Luandino Vieira e Arnaldo
Santos), 2013 (esgotado). Acrescente-se o livro resultante das comunicações
apresentadas no Congresso organizado em 2003, em Coimbra, composto por
100 textos distribuídos por 860 páginas: Estudos de literaturas africanas:
Cinco Povos, Cinco Nações (com Maria João Simões e Lola G. Xavier), Lis-
boa: Novo Imbondeiro, 2007 (esgotado).
Marx foi uma das suas leituras desde a juventude. A reflexão sobre os in-
divíduos e a coletividade, a razão, a crítica aplicada aos grupos, permite-lhe
uma formulação social, cultural e política semelhante à “câmara escura” de
Marx sobre a ideologia e a alienação, impulsionando-o à intervenção cívica
pela palavra teórica. Podem referir-se alguns momentos dessa intervenção. Em
Luanda (1973-1974), além de participar em manifestações políticas e inter-
venções sociais, antes e depois do 25 de abril de 1974, realizou dois espaços
de poesia angolana em programas radiofónicos, divulgando nomes, então re-
centes, como David Mestre, Jofre Rocha ou Ruy Duarte de Carvalho. De 1980
a 1981, enquanto jornalista profissional na Radiodifusão Portuguesa (RDP–
Porto), coorganizou, com Cristina de Mello, para a RDP-1, um programa de
literaturas de língua portuguesa. De 1982 a 1983, redigiu uma série de 12 tex-
tos sobre literaturas africanas, a convite do Instituto Português do Livro, para
a RDP-2. De 1982 a 1987, cofundou e coorganizou as Semanas de Cultura
Africana em Coimbra (com o Professor Manuel Laranjeira Rodrigues Areia),
constando de conferências, colóquios, exposições etnográficas e fotográficas,
-293-
Lola Geraldes Xavier
A sua intervenção cívica, social e universitária fez-se, pois, pela ação or-
ganizadora, voz e escrita. Foram vários os recitais de poesia em que participou,
em Luanda, Portugal, Galiza (na década de 1980, em várias localidades) e Bra-
sil. São exemplo disso uma sessão de “Coimbra (t)em Poesia”, na Casa da
Escrita (2016), sobre a sua poesia, biografia, processo de escrita, leitura de
-294-
Pires Laranjeira: cartografia de uma obra, mensagem de uma vida
-295-
Lola Geraldes Xavier
-296-
Pires Laranjeira: cartografia de uma obra, mensagem de uma vida
-297-
Lola Geraldes Xavier
II. O Outro
“75: Não querem saber/ Nem sabem imaginar/ Que podes ser Outro”
(AKENAT, 2003: 67)
A forma de organização deste texto, na parte I, deve-se à inspiração colhida
em Máximas mínimas e outros textos – um caminho para alguns, de Suffit
Kitab Akenat, São Paulo: Landy Editora, 2003.
Essa obra é composta por 120 máximas de um conjunto que ultrapassa as
500, “Não se podendo gastar apenas uns minutos com cada, a não ser que se
subestime o pensar e o alcance da autora” (AKENAT, 2003: 26). Estes haikus
foram publicados, igualmente, em Portugal pela Novo Imbondeiro, em 2005.
O volume de 2003 compõe-se por várias vozes com testemunhos e interven-
ções sobre essa autora. A organização da obra mostra coesão e coerência, apre-
sentando-se, igualmente, dividida em oito partes: 1. Prefácio de Pires Laran-
jeira; 2. Dedicatória: à filha e à memória de Al Mel Bueno Kitab – “À memória
daquele que amei sem reservas”; 3. Nota dos tradutores-recriadores, Juliana
de Sousa Lobo (tradução do inglês) e José de Louvar (tradutor); 4. Máximas
de Suffit Akenat, divisão em 8 pilares; 5. “As Por-
tas da Percepção”, de Suffit Akenat, conjunto de
21 poemas – com tradução de Juliana de Sousa
Lobo; 6. “Introdução à ideocrítica (Premissas)” –
Tradução do poema de Pires Laranjeira, a partir do
inglês; 7. Apêndices: a) “Breve evocação e expli-
cação” de Yasmina Kibenat de Maisonoeuvre (fi-
lha e tradutora, reformada do funcionalismo pú-
blico inglês), b) “Notas sobre um percurso de
vida”, de Linne Levy Rhaffa Bao (sobrinha de Su-
ffit); 8. Nota do editor Português – José Manuel da
Nóbrega. Trata-se de um livro à venda em várias livrarias virtuais e com pá-
gina de facebook. A foto de Suffit Kitab Akenat pode, inclusive, encontrar-se
em: https://www.skoob.com.br/autor/4604-suffit-kitab-akenat. Como terá sur-
gido?
Suffit Kitab Akenat, de seu nome completo Suffit Ntu Fana de Kitab Lian-
gzhi G. Rhaffa Akenathon, é apresentada no livro como mulher, poliglota (fa-
lante de árabe, inglês, italiano, francês, latim, suaíli, aramaico, mandarim, cas-
-298-
Pires Laranjeira: cartografia de uma obra, mensagem de uma vida
-299-
Lola Geraldes Xavier
-300-
Pires Laranjeira: cartografia de uma obra, mensagem de uma vida
-301-
Lola Geraldes Xavier
Bibliografia
AKHENAT, Suffit Kitab (2003). Máximas mínimas. São Paulo: Landy Editora.
CHEVALIER, Jean e GHEERBRANT, Alain (1982). Dicionário dos símbolos.
Lisboa: Teorema.
KHADIJA, Fátima (2009). A poética de Suffit Akenat. [Consult. 12 out. 2021].
Disponível em <http://sopadepoesia.blogspot.com/2009/02/poetica-de-suffit-
akenat.html>.
LARANJEIRA, Pires (2003). Introdução. In AKHENAT. Máximas mínimas. São
Paulo: Landy Editora.
LARANJEIRA, Pires (2020) – Entrevista a Novos Livros. [Consult. 12 out. 2021].
Disponível em <https://www.novoslivros.pt/j-l-pires-laranjeira-a-retoma-de-
uma-dupla-face-poetica/>.
LARANJEIRA, Pires (2011) – “O livro da semana com Pires Laranjeira”:
<https://www.youtube.com/watch?v=i3xg-g3HlY4>. [Consult. 12 out. 2021].
LARANJEIRA, Pires (2014) – Entrevista ao jornal on-line LOID. [Consult. 12
out. 2021]. Disponível em <https://livreopiniao.com/2014/12/08/pires-laran-
jeira-precisamos-lutar-sempre-todos-em-todo-o-lado-cada-um-segundo-as-
suas-possibilidades-e-aptidoes-por-uma-humanidade-melhor/>.
-302-
Pires Laranjeira: cartografia de uma obra, mensagem de uma vida
-303-
III. Catálogo da Exposição Bibliográfica
José Luís Pires Laranjeira
Catálogo da Exposição Bibliográfica
por
10 de novembro de 2021
*
Este catálogo não é uma lista completa da produçáo bibliográfica de José Luís Pires La-
ranjeira. Inclui apenas os materiais disponíveis na Biblioteca da FLUC.
Produção académica
• Alguns aspectos do decurso de Suffit Kitab Akenat / Pires Laranjeira. p. 9-
-28. In: Máximas mínimas e outros textos: um caminho para alguns / Suffit
Kitab Akenat; trad. Juliana de Sousa Lobo. São Paulo: Landy, 2003.
• Baltasar Lopes, patriarca das letras cabo-verdeanas / Pires Laranjeira.
Roma: Bulzoni, [1993?]. p. 113-116. Separata de: “Quaderni Ibero-Ame-
ricani”, Torino, 73, 1993.
• Cabo Verde na Universidade de Coimbra: [catálogo da exposição]: Biblio-
teca Geral da Universidade de Coimbra de 25 de Junho a 15 de Julho de
2008 / org. José Luís Pires Laranjeira, António Apolinário Lourenço. Coim-
bra: Centro de Literatura Portuguesa: Instituto de Língua e Literatura Por-
tuguesas: Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra, 2008.
• Confluência das literaturas de língua portuguesa / Pires Laranjeira. Curitiba:
Centro de Estudos Portugueses da Universidade Federal do Paraná, 1983.
p. 17-20. Separata de: “Arquivo do Centro de Estudos Portugueses da Uni-
versidade Federal do Paraná”, 4 (2).
• Cultura e poesia: uma geração de língua portuguesa / Pires Laranjeira. San-
tiago de Compostela: Universidade de Santiago de Compostela, 1989.
p. 725-729. Separata de: Homenaxe á profesora Pilar Vázquez Cuesta.
• Dicionário de literatura: actualização 1.º volume / dir. Jacinto do Prado Co-
elho; coord. Ernesto Rodrigues, Pires Laranjeira, Viale Moutinho. Lisboa:
Figueirinhas, 2002.
• Ensaios afro-literários / Pires Laranjeira. Lisboa: Novo Imbondeiro, 2001.
• Estudos de literaturas africanas: cinco povos, cinco nações: actas do Con-
gresso Internacional de Literaturas Africanas de Língua Portuguesa / [org.
Pires Laranjeira … [et al]; comissão científica David Brookshaw … [et al.];
ed. José Manuel da Nobrega, Nuno Pádua de Mora. [Lisboa]: Novo Im-
bondeiro, 2007.
• Francisco José Tenreiro a preto e branco – II / Pires Laranjeira. Paris: Fon-
dation Calouste Gulbenkian, 1985. p. 423-427. Separata de: «Les littera-
tures africaines de langue portuguaise: a la recherche de l’identitè indivi-
duelle et nationale».
• Agramaticalidade e redundância na informação radiofónica, sob o signo de
Camões / Pires Laranjeira. Lisboa: Instituto de Cultura e Língua Portu-
guesa, 1987. p. 535-541. Separata de: “Congresso sobre a Situação Actual
da Língua Portuguesa no Mundo”, Lisboa, 2, 1983.
-309-
Catálogo da Exposição Bibliográfica
-310-
Catálogo da Exposição Bibliográfica
Produção Poética
• O adultério / Pires Laranjeira. Revista Renovação, Embaixada galega da cul-
tura. p. 11.
• Amor de classe / Pires Laranjeira. In: Poemabril: antologia poética / org.
Carlos Loures, Manuel Simões. Coimbra: Fora do Texto, 1994, p. 257. De-
poimentos de Capitães de Abril e poemas de autores portugueses do XX
Aniversário do 25 de Abril.
• Amor e consequência / J. L. Pires Laranjeira; desenhos do autor. [S.l.]: Cres-
cente Branco, 2020.
• Buraco Negro: do jeito de BB / Pires Laranjeira. In: Literatura e cultura: em
tempo de pandemia / org. Rui D’Avila Lourido. Lisboa: UCCLA, 2021,
p. 271-273.
• Buraco Negro: do jeito de BB / Pires Laranjeira. In: Os dias da peste: cente-
nário da PEN Internacional, 1921-2021 / org. Teresa Martins Marques,
Rosa Maria Fina. Lisboa: Gradiva, 2021, p. 505-507.
• As enigmáticas esfinges / Pires Laranjeira. In: Revista Ólisbos. Santiago: Fa-
culdade de Filoloxia, n.º 4, fev., 1988, p. 43.
• Erótica mínima / J. L. Pires Laranjeira; desenhos Luís d’Orey. [S.l.]: Cres-
cente Branco, 2020.
• O festival da poesia no condado. Salvaterra de Miño: S.C.D. Condado, 1985.
• As figuras de estilo e outras figuras / Pires Laranjeira. Pontevedra-Braga:
Fundação Europeia Viqueira, Instituto Internacional da Lusofonia, 1990.
• A ilha dos amores. Porto: Associação dos Jornalistas e Homens de Letras do
Porto, 1984.
• Istórias de Rio Tinto / Pires Laranjeira. [s.l.] .[s.l.], [s.d.].
-311-
Catálogo da Exposição Bibliográfica
Colaborações
• Antologia da poesia pré-angolana: 1948-1974 / prefácio, estudo, selecção e
notas de Pires Laranjeira. Porto: Afrontamento, [1976].
• Avante, soldados: para trás / Deonísio da Silva; apresentação de Pires Laran-
jeira. - Porto: Figueirinhas, 2005.
• Caminhando na chuva / Charles Kiefer; apresentação de Pires Laranjeira.
Porto: Figueirinhas, 2005.
• A casa dos mastros: contos caboverdianos / Orlanda Amarílis; prefácio Pires
Laranjeira. Linda-a-Velha: ALAC, 1989.
• Colectânea: poetas do Barreiro / selecção Deolinda Saraiva, Pires Laranjeira,
Rosário Vaz. Barreiro: Câmara Municipal, 1989.
• A contratempo / António Jacinto Pascoal; prefácio do poeta José Soares; pos-
fácio do prof. José Pires Laranjeira. [S.l. : A.J.R.Pascoal], 2000.
• Elegbara / Alberto Mussa; apresentação Pires Laranjeira. Porto: Figueiri-
nhas, 2004.
• Um espinho de marfim e outras histórias / Marina Colasanti; apresentação
de Pires Laranjeira. Porto: Figueirinhas, 2004.
• Feijoada no Paraíso / Marco Carvalho; apresentação de Pires Laranjeira.
Porto: Figueirinhas, 2005.
• Guiné! / Mussá Turé; prefácio de Pires Laranjeira. [S.l.]: Mussá Turé, 2001.
• Meu querido canibal / Antônio Torres; apresentação Pires Laranjeira. Porto:
Figueirinhas, 2004.
-312-
Catálogo da Exposição Bibliográfica
*
As teses e dissertações posteriores a 2015 não estão incluídas neste catálogo, uma vez que
a biblioteca já não as recebe em papel. As orientações mais recentes de Pires Laranjeira
podem ser consultadas no repositório da Universidade de Coimbra: <https://estudoge-
ral.uc.pt/>.
-313-
Catálogo da Exposição Bibliográfica
Fotografias (1990-2010)
-314-
Catálogo da Exposição Bibliográfica
-315-
Catálogo da Exposição Bibliográfica
-316-
Catálogo da Exposição Bibliográfica
-317-