D06-A Educacao de Jovens e Adultos No Seculo XX

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A EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS NO SÉCULO XX

Elizabeth Barbosa Ribeiro1

Kamilla Iashmine Fernandes2

Ramofly Bicalho dos Santos3

RESUMO

Neste trabalho temos a intenção de contribuir com as questões históricas acerca da


educação de jovens e adultos (EJA) no Brasil, focalizando a importância da memória na
formação do educador e suas relações com as histórias de vida dos educandos/as como
fatores políticos e pedagógicos que viabilizem o envolvimento crítico de novos sujeitos
sociais numa perspectiva emancipatória e histórica. Investigaremos a dimensão
educativa e o fazer pedagógico que educadores da EJA realizam através da organização
coletiva na construção de projetos políticos pedagógicos e sua relação com os sonhos
dos sujeitos envolvidos nesse processo de formação continuada. Nesse sentido,
aprofundaremos o debate, considerando a educação popular na sua estreita ligação com
os fundamentos teórico-metodológicos defendidos por Paulo Freire, o MOBRAL –
Movimento Brasileiro de Alfabetização na sua relação com a Ditadura Militar e a EJA
na atualidade, em especial, a Constituição de 1988, a Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional (LDBEN, 9394/96) e as Diretrizes Curriculares Nacionais de
Educação.

A Educação de Jovens e Adultos: um breve histórico

A Educação de Jovens e Adultos (EJA) é uma modalidade de ensino inserida na


educação básica de nosso país como uma alternativa destinada aos jovens e adultos que
não conseguiram estudar no tempo ‘’correto’’ e que não tiveram a oportunidade de
acesso ao ensino fundamental e ao ensino médio na idade apropriada. De acordo com a
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN, 9394/96), em seu artigo 37°,
parágrafo 1°:
Os sistemas de ensino assegurarão gratuitamente aos jovens e aos
adultos, que não puderam efetuar os estudos na idade regular,
oportunidades educacionais apropriadas, consideradas as
características do alunado, seus interesses, condições de vida e de
trabalho, mediante cursos e exames.

1
Discente do Curso de Pedagogia da UFRRJ e bolsista do Grupo PET Educação do Campo e
Movimentos Sociais no Estado do Rio de Janeiro / UFRRJ. E-mail: [email protected]
2
Discente do Curso de Pedagogia da UFRRJ e bolsista do Grupo PET Educação do Campo e
Movimentos Sociais no Estado do Rio de Janeiro / UFRRJ. E-mail: [email protected]
3
Docente na UFRRJ – Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro. Leciona nos cursos de
História, Pedagogia e Licenciatura em Educação do Campo. E-mail: [email protected]
A LDBEN, em seu artigo 38°, afirma que: ‘’as redes de ensino manterão cursos
e exames supletivos, que compreenderão a base nacional comum do currículo,
habilitando ao prosseguimento de estudos em caráter regular’’. Em seu parágrafo 1°,
define uma idade mínima para a realização dos exames:

I. no nível de conclusão do ensino fundamental, para maiores de


quinze anos.
II- no nível de conclusão do ensino médio, para maiores de dezoito
anos.

Nesse contexto, os alunos com idade inferior às normas estabelecidas acima,


terão que cursar o ensino regular. O perfil dos discentes desta modalidade de ensino é o
dos excluídos econômica e socialmente, à margem de uma realidade letrada, na qual a
grande maioria se sente responsável por seu analfabetismo e fracasso. A EJA abrange
desde os que não sabem ler e escrever até os que já dominam a leitura e escrita, mas
buscam a aquisição de um diploma para se sentirem mais plenos, realizados e para
melhor se inserirem na sociedade e no mercado de trabalho. No entanto, este sentimento
de incapacidade que, em geral, acompanha os alunos da EJA, acaba por interferir no
aprendizado dos sujeitos, contribuindo para evasão e desistência dos estudantes que há
muito abdicaram da educação escolar, tanto por necessidade de ingressar precocemente
no mundo do trabalho, como pela dificuldade de acesso à escola, ou ainda, por outros
fatores oriundos de um sistema social e econômico injusto, que não oferece
oportunidades a todos.
Observa-se, ainda, atualmente no Brasil um alto grau de analfabetismo, que se
configura como um grave problema social. Mesmo sendo a educação um direito de todo
cidadão, garantido por lei, o Brasil ocupa, hoje, o lugar de país com o segundo maior
índice de analfabetos da América do Sul (GADOTTI e ROMÃO, 2007). Os estudantes
da EJA e das classes de alfabetização são fortemente discriminados. São estigmatizados
como aqueles que não terão condições de aprender tardiamente, uma vez que não foi
capaz de aprender no tempo considerado “adequado”. Sendo assim, nega-se a sua
identidade de sujeito portador de conhecimentos, bem como a possibilidade de
articulação entre o saber teórico, as experiências e as práticas vividas, que também são
formas de conhecimentos. Ou seja, o estudante da EJA possui muitas vivências que
devem ser valorizadas, para que ele possa ser reconhecido como um ser dotado de
conhecimento próprio, apto à troca de saberes no processo de ensino-aprendizagem
(ROSSI e LEITE, s/d). Para entendermos as razões desse preconceito e dessa visão
negativa em relação ao público dessa modalidade de ensino, consideramos necessário
fazer um breve resgate histórico da EJA.
Até se estabelecer como uma modalidade específica da educação básica, a EJA
sofreu algumas modificações, ações e reivindicações na busca da garantia do direito
educacional para todos, especialmente ao público que não sabia ler e escrever. No
passado, ela era vista como uma chaga a ser eliminada, que deveria ser aniquilada para
que houvesse o fim do analfabetismo e a sua extinção no cenário educacional brasileiro.
Porém, de acordo com os autores Sérgio Haddad e Maria Clara Di Pierro (2000, p.108):

No passado como no presente a educação de jovens e adultos sempre


compreendeu um conjunto muito diverso de processos e práticas
formais e informais relacionadas à aquisição ou ampliação de
conhecimentos básicos, de competências técnicas e profissionais ou
habilidades socioculturais.

È muito recente o lugar que a EJA atualmente ocupa no cenário da legislação


educacional brasileira, sendo reconhecida como uma modalidade de ensino que possui
especificidades no seu plano curricular e metodológico. Em tempos passados, A EJA se
configurava como uma modalidade educativa e formativa de natureza tecnicista e
profissional, até chegar a sua identidade atual, que é fruto de reivindicações de
movimentos sociais.
O ato de ensinar aos jovens e adultos, ao contrário do que a maioria pensa, é
uma prática muito antiga, que se inicia no período colonial, através dos jesuítas, com a
finalidade de propagar o cristianismo e ensinar normas de comportamento aos índios e,
mais tarde, também aos escravos trazidos da África. Do período colonial até meados do
século XX, a educação de adultos não era vista como algo importante para a sociedade.
Faltavam fundamentos pedagógicos e interesse político. A educação das camadas
populares, quando ocorria, estava voltada apenas ao público infantil.
A década de 1930 é considerada um marco de mudança dessa situação, através
do processo de ruptura com o Estado oligárquico, que trouxe reflexos para o âmbito
econômico, político e social de nosso país. Como uma dessas mudanças ocorridas, o
crescimento da burguesia industrial traz novas exigências ao campo educacional, como
a necessidade de aumento do público eleitor, exclusividade de uma pequena parte da
população, e de incremento de mão-de-obra especializada para o mercado industrial em
constante crescimento. Tais mudanças se refletiram na elaboração da Constituição de
1934, que apresentava uma nova concepção no campo educacional, promovendo um
Plano Nacional de Educação, ressaltando que era dever do Estado promover e
desenvolver a educação. De acordo com Haddad e Di Pierro (2000, p.110):

Nos aspectos educacionais, a nova Constituição propôs um Plano


Nacional de Educação, fixado, coordenado e fiscalizado pelo governo
federal, determinando de maneira clara as esferas de competência da
União, dos estados e municípios em matéria educacional: vinculou
constitucionalmente uma receita para a manutenção e
desenvolvimento do ensino; reafirmou o direito de todos e o dever do
Estado para com a educação; estabeleceu uma série de medidas que
vieram confirmar este movimento de entregar e cobrar do setor
público a responsabilidade para a manutenção e pelo desenvolvimento
da educação.

A referida constituição referendou a preocupação do Estado com a educação,


proporcionando um ensino primário gratuito e de freqüência obrigatória para o público
adulto, que antes não tinha oportunidades de estudos. Porém, no final da década de
1940, a educação de jovens e adultos foi considerada como algo negativo e que deveria
ser extinta imediatamente. Essa preocupação de acabar com o analfabetismo de jovens e
adultos foi reflexo das novas demandas do mercado de trabalho, que exigiam a
qualificação profissional da classe trabalhadora. Desse modo, surgiram inúmeras
campanhas em prol da alfabetização, com a finalidade de acabar com analfabetismo,
visto como doença, marginalização e chaga nacional. Fávero ressalta que, ‘’o analfabeto
era visto então como incapaz, incompetente para o novo Brasil que anunciava.
‘Erradicar o analfabetismo’ era quase entendido como ‘erradicar o analfabeto, como
se erradica uma praga.’’ (2003, p.5)
Nesse contexto, cabe ressaltar o quanto o analfabetismo era visto como uma
“praga”, pois as campanhas de alfabetização elaboradas pelo governo eram de
perspectiva higienista, pelas quais os analfabetos deveriam ser tratados na mesma ótica
de pessoas que sofriam de uma doença, por sinal, contagiosa. Nesse caso, deveria ser
combatida o quanto antes. Os adultos eram vistos como incapazes e deveriam ser
alfabetizados da mesma forma que se alfabetiza uma criança, não levando em
consideração o conhecimento de vida, as experiências e as bagagens que esses sujeitos
tinham a oferecer.
Na efervescência política da democratização, após o fim da Ditadura Vargas /
Estado Novo (1937 – 1945) e o fim da 2ª Guerra Mundial (1945), a ONU – Organização
das Nações Unidas, alertava para a integração dos povos, a paz e a democracia. Tudo
isso contribuiu para o incentivo da educação elementar comum, pois se percebeu a
necessidade de aumentar urgentemente as bases eleitorais, pois até então, analfabetos
não tinham direito ao voto. Dentro desse processo, a educação de adultos ganhou
destaque.
Em 1947, foi lançada a Campanha de Educação de Adultos e Adolescentes –
CEAA, primeira Campanha regulamentada pelo Fundo Nacional de Ensino Primário –
FNEP. Nessa época o Brasil já possuía mais de 50% de adultos analfabetos. Esta
Campanha recebeu forte influência da UNESCO, no entanto, ela não nasceu com
exclusiva interferência desta organização. Já existia no cenário brasileiro a necessidade
de alfabetização de adolescentes, de jovens e de adultos, basicamente por conta dos
processos de industrialização, de urbanização e da formação de eleitores, articulada ao
movimento em defesa da cidadania política desses sujeitos. A CEAA atuou no meio
rural e urbano, usando duas estratégias: os planos de ação extensivas, voltados para a
alfabetização de grande parte da população; e os planos de ação em profundidade,
voltados para a capacitação profissional e atuação junto à comunidade.
Para esta campanha foi utilizado o “Método Laubach” de origem norte-
americana. Esse método silábico foi adotado no primeiro guia de leitura distribuída pelo
Ministério da Educação para as escolas supletivas. As lições eram organizadas a partir
de palavras chaves, agrupadas segundo suas características fonéticas. As sílabas
deveriam ser memorizadas e remetidas a outras palavras, para formar pequenas frases.
Nas atividades finais, as frases que apareciam nas lições anteriores formavam textos
pequenos com orientações de preservação da saúde, técnicas simples de trabalho e
mensagens de moral e civismo. Vale lembrar, que pela primeira vez, esse método
inspirou a iniciativa do MEC em produzir material específico para o ensino de leitura e
escrita para adultos.
Em um curto período de tempo, inúmeras escolas supletivas foram criadas e
houve um aumento significativo de pessoas alfabetizadas. No entanto, esse entusiasmo
começa a diminuir na década de 50, já que iniciativas voltadas para a ação comunitária
na zona rural, não tiveram muito sucesso, contribuindo para a extinção da CEAA por
volta de 1963. Nesse contexto, as poucas escolas supletivas que sobreviveram, passaram
a ser de responsabilidade dos Estados e Municípios.
Só no final da década de 1950 a Educação de Jovens e Adultos sofreu uma
considerável mudança, através de iniciativas e ações educacionais ligadas às camadas
populares – a chamada Educação Libertadora, defendida por Paulo Freire4. Tal
educação foi criada para enfrentar os problemas de alfabetização que estavam
relacionados à situação de miséria na qual se encontrava grande parte da população
brasileira. Como dizem Haddad e Di Pierro (2000, p.112):

Esse quadro de renovação pedagógica deve ser considerado dentro das


condições gerais de turbulência do processo político daquele momento
histórico. Diversos grupos buscavam junto as camadas populares
formas de sustentação política para suas propostas. A educação, sem
dúvida alguma, e de maneira privilegiada, era prática social que se
melhor oferecia a tais mecanismos, não só por sua face pedagógica,
mas também, e principalmente, por suas características de prática
política.

Através dessas inovações pedagógicas, surgiram movimentos e iniciativas


oficiais e não oficiais no cenário educacional de Jovens e Adultos, que antes era visto só
como um processo de alfabetização para o trabalho. Tais iniciativas contribuíram para a
criação de um novo modelo pedagógico de educação ligado aos grupos populares e
movimentos sociais da época, valorizando a cultura das camadas populares da sociedade
civil, buscando a alfabetização e a produção cultural em uma ótica popular. Todos esses
atos na educação de adultos se relacionam com as lutas dos movimentos populares, que
defendiam uma alfabetização de adultos numa perspectiva de conscientização e de
transformação social. Nesse contexto, nasce uma nova forma de se pensar a educação de
adultos, passando do foco da simples alfabetização para um foco educacional político,
com uma proposta de educação emancipatória e reflexiva, proporcionando uma tomada
de consciência e democratização da cultura popular.
Paulo Freire foi um educador muito importante, que contribuiu demais para a
educação popular, através de reflexões e práticas libertadoras e inovadoras. Mostrando
que o analfabetismo era um problema social e não apenas educacional, ele buscava
libertar as classes desfavorecidas da opressão e do domínio das classes privilegiadas,
para que os sujeitos se tornassem reflexivos e críticos e acreditassem na possibilidade de
mudança no contexto educacional e social. Este grande educador praticava uma
pedagogia crítica e transformadora da sociedade, levando os estudantes à tomada de

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Paulo Freire ficou conhecido na década de 1960 por proporcionar uma educação crítica e
emancipatória no processo de alfabetização de Adultos, no qual visava à conscientização do
indivíduo, transformando-o em um sujeito reflexivo capaz de transformar a sua realidade, ser
reconhecido e valorizado na sociedade. O educador brasileiro era contra o processo de
alfabetização tradicional, na qual o individuo era alfabetizado exclusivamente para se tornar
uma mão-de-obra produtiva e útil ao mercado de trabalho.
consciência acerca da libertação de uma sociedade dominadora, opressora e capitalista.
(FREIRE, 1987, p. 22) dizia que:

Nenhuma pedagogia realmente libertadora pode ficar distante dos


oprimidos, quer dizer, pode fazer deles seres desditados, objetos de
um "tratamento" humanitarista, para tentar, através de exemplos
retirados de entre os opressores, modelos para sua "promoção". Os
oprimidos hão de ser exemplo para si mesmos, na luta por sua
redenção. (...) Somente ela, que se anima de generosidade autêntica,
humanista e não ‘’humanitarista’’, pode alcançar este objetivo.

A metodologia utilizada para alfabetizar jovens e adultos era através dos temas
geradores, com os quais o educador deveria considerar o conhecimento de cada
educando, trabalhando em sala de aula a valorização das experiências de vida deles. O
método da palavra geradora5 era contrário ao tradicionalismo presente, que utilizava
cartilhas como ferramenta principal de ensino e alfabetização. As cartilhas ensinavam
através de métodos com repetições de palavras soltas ou criadas de forma fixadora,
como por exemplo, a famosa frase: ‘’Eva viu a uva.’’ Paulo Freire era contra esses
métodos de repetição das palavras, pois, de acordo com o educador: “Não basta saber
ler que Eva viu a uva. É preciso compreender qual a posição que Eva ocupa no seu
contexto social, quem trabalha para produzir a uva e quem lucra com esse trabalho.”
(FREIRE, 1991).
Esse método de ensino contribuiu significativamente para Educação de Jovens e
Adultos e a Educação Popular, pois trouxe a concepção de que os educadores não
devem apenas transferir conteúdos específicos que não estão de acordo com o contexto
social do estudante, depositando informações que não fazem parte da vida deles e não
estimulam o ser humano a refletir. O educador deve se basear em uma educação voltada
para a mudança, a inovação e a valorização dos estudantes, não só da EJA, mas de todos
os sujeitos envolvidos no processo de ensino-aprendizagem.
Um dos movimentos desse período que se destacou, não só na alfabetização,
como também na divulgação da cultura popular foi o MCP – Movimento de Cultura
Popular, criado em 1960, durante a primeira gestão do prefeito de Recife, Miguel
Arraes. Contou com o apoio de intelectuais da época e instituições políticas de esquerda

5
O educador incluía no seu ensino a alfabetização com palavras significativas e importantes,
que estavam de acordo com a realidade de vida de seus alunos. Um exemplo seria palavra
Martelo, pois é uma das palavras que fazem parte da vivência da classe trabalhadora. Dentro
dessa palavra o educador divida-a em sílabas para formar outras palavras significativas para
seus educandos.
como a União Nacional dos Estudantes (UNE), o Partido Comunista Brasileiro (PCB),
entre outras. Teve início em Recife e espalhou-se também por todo o Estado de
Pernambuco com o objetivo de emancipar o povo através da educação e da cultura,
promovendo e incentivando a educação de crianças, adolescentes e adultos.
Em toda a cidade de Recife foram utilizados vários espaços para montar escolas,
como clubes, associações, entre outros. O trabalho era realizado através da apresentação
de espetáculos em praça pública; organização de escolas radiofônicas, grupos artísticos;
oficinas e cursos de arte; exposições; edições de livros e cartilhas. O movimento
conseguiu realizar educação popular por vários meios, conseguiu atingir um grande
público e, ainda, exerceu um papel fundamental na promoção e divulgação do ensino de
arte, sobretudo, tornando-a acessível às massas populares. Por meio da arte, contribuiu
para a conscientização política e crítica da população. Este movimento representou um
avanço na direção de uma educação conscientizadora. No final do ano de 1962 e
durante 1963, forças de direita6 tentaram sufocar o movimento, o que provocou uma
mobilização nacional em sua defesa. No entanto, com o golpe civil-militar de 1964 o
MCP foi extinto.
Outro movimento de grande repercussão, foi o MEB – Movimento de Educação
de Base, criado em 1961 pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e
apoiado pelo Governo Federal. Inicialmente, esse movimento tinha como objetivo
desenvolver um programa de educação de base, por meio de milhares de escolas
radiofônicas instaladas em emissoras católicas, proporcionando um amplo processo de
alfabetização nas diversas regiões do país, principalmente, no Norte e Nordeste do
Brasil. Passados dois anos de funcionamento, esses objetivos foram ampliados e o
Movimento passou a entender a educação de base como um processo de conscientização
das camadas populares, valorização plena do homem e consciência crítica da realidade,
visando sua transformação. A respeito deste movimento, Paiva (2003: 310) acrescenta:

Definia-se então o movimento como uma entidade católica com


propósitos sociais e educacionais, visando colaborar na formação do
homem para que este se torne consciente de sua dignidade de ser
humano, feito à imagem de Deus e redimido por Cristo, Salvador da
Humanidade.

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Representavam as lideranças políticas e econômicas oposicionistas do governo Miguel Arraes.
Em 1964, com o Golpe Militar, as iniciativas e inovações pedagógicas e os
ideais propostos por Paulo Freire foram postos de lado e muitas pessoas envolvidas com
eles foram presas, exiladas ou perseguidas. Esse período marcou negativamente a
Educação Popular, pois houve essa drástica ruptura com um ideal inovador e
transformador, originário da Educação Libertadora. Segundo Haddad e Di Pierro (2000,
p.113):
A repressão foi resposta do Estado autoritário à atuação daqueles
programas de Educação de Adultos cujas ações de natureza política
contrariavam os interesses impostos pelo Golpe militar. A ruptura
política ocorrida com o movimento de 64 tentou acabar com as
práticas educativas que auxiliavam na explicitação dos interesses
populares. O Estado exercia sua coerção com fins de garantir a
‘’normalização’’ das relações sociais.

Apesar do Golpe de 64 reprimir as práticas educativas destinadas à educação de


adultos e a Educação Popular, elas persistiram e seus membros continuaram, às
escondidas, resistindo, a prosseguir com seus ideais.
Em 1967, o Estado instituiu o Movimento Brasileiro de Alfabetização
(MOBRAL) para lidar com a escolarização básica de jovens e adultos. O MOBRAL foi
um programa criado para alfabetizar adultos, de caráter tecnicista, que buscava a
escolarização dos alunos para preparar indivíduos para atender o desenvolvimento
industrial, o processo de modernização e ampliação de serviços técnicos da época. Sua
função principal era acabar com o analfabetismo em dez anos. O programa atendia aos
interesses políticos do Governo Militar, buscando adaptar em sua metodologia algumas
propostas da concepção freireana, entretanto se distanciava da proposta libertadora e
problematizadora que o educador construiu. As palavras geradoras não eram retiradas
do cotidiano dos alunos alfabetizados, e sim, consistia em palavras repetitivas, na qual o
aluno deveria absorver e entender de uma forma adequada, as palavras eram as mesmas
para o Brasil inteiro. A escolha do conteúdo e material ‘’pedagógico’’ eram realizados
pelo MOBRAL/CENTRAL, os educadores e os educandos não tinham a oportunidade
de opinar nos conteúdos e objetivos propostos para a aula, somente discutiam o
processo de realização das atividades em sala de aula. O MOBRAL durou todo o
período da Ditadura militar. (Haddad e Di Pierro, 2000, p.114).
Percebe-se que a atividade educativa no MOBRAL estava muito mais voltada
para a manutenção da ordem e desenvolvimento da sociedade brasileira do que com o
desenvolvimento intelectual dos educandos, visto como uma ameaça à ordem instalada.
A esse respeito, Freire (2005: 67) faz a seguinte reflexão: “O educador, que aliena a
ignorância, se mantém em posições fixas, invariáveis. Será sempre o que sabe,
enquanto os educandos serão sempre os que não sabem. A rigidez destas posições nega
a educação e o conhecimento como processos de busca”. A expansão do MOBRAL por
todo o território nacional ocorreu na década de 70. Dentre as iniciativas dessa política, a
mais significativa foi o Programa de Educação Integrada (PEI), correspondente às
primeiras quatro séries do Ensino Fundamental, que dava oportunidade aos recém-
alfabetizados, chamados de analfabetos funcionais e pessoas que dominavam
precariamente a leitura e a escrita, a continuarem seus estudos.
Em 1971, instituíram a Lei n°5692/71, que consistia na desvinculação do Ensino
Supletivo com o Ensino Regular. O Ensino Supletivo tinha uma metodologia própria e
se contrapunha aos ideais dos Movimentos de Cultura Popular, que, como vimos
anteriormente, tinha caráter inovador e de transformação social. Haddad e Di Pierro
afirmam que:
O Ensino Supletivo foi apresentado a sociedade como um projeto de
escola do futuro e elemento de um sistema educacional compatível
com a modernização socieconômica observada no país na década de
70. Não se tratava de uma escola voltada aos interesses de uma
determinada classe, como propunham os movimentos de cultura
popular, mas de uma escola que não se distinguia por sua clientela,
pois a todos devia atender em uma dinâmica de permanente
atualização.

A LDB 5.692/71 ainda concedeu flexibilidade e autonomia aos Conselhos


Estaduais de Educação no sentido de normatizarem a oferta do ensino supletivo em seus
respectivos estados, fato que gerou uma grande heterogeneidade nas metodologias de
trabalho implantadas nas diferentes unidades da federação. Devido à época vivida pelo
país, os cursos oferecidos foram fortemente influenciados pelo tecnicismo, adotando-se
os módulos instrucionais, o atendimento individualizado, a autoinstrução e a arguição
em duas etapas: modular e semestral. A metodologia adotada trouxe alguns problemas,
como por exemplo: a ausência de exigência da frequência gerou um número elevado de
evasão; o atendimento individualizado impedia a socialização do aluno com os demais;
a busca por uma formação rápida que lhe possibilitasse ingressar no mercado de
trabalho restringia a atuação do aluno: sem consciência da necessidade de formação e
produção crítica do conhecimento, este aluno lutava apenas para ter acesso ao
certificado. Segundo Haddad (1991), os Centros de Estudos Supletivos não atingiram
seus objetivos verdadeiros, pois não receberam o apoio político, nem os recursos
financeiros suficientes para sua plena realização. Além disso, seus objetivos estavam
voltados para os interesses das empresas privadas de educação.
Nesse período, a ideologia tecnicista estava em expansão, considerando a
educação como uma solução para os problemas econômicos decorrentes do modelo
capitalista. O MOBRAL e o Ensino Supletivo oportunizaram uma educação tecnicista
voltada para o contexto da ideologia da segurança e do desenvolvimento nacional,
visando uma educação para o trabalho e o desenvolvimento do país. Ambos buscavam
acabar com o analfabetismo, com a finalidade de educar toda a sociedade brasileira,
pois o intuito dos militares era se aproximar das camadas populares para atingirem seus
interesses, ou seja, mão-de-obra razoavelmente qualificada e atualização dos
conhecimentos voltados para a qualificação do trabalho, através de cursos e exames que
buscavam a formação e o aperfeiçoamento das pessoas.
A Constituição de 1988, após o fim da ditadura militar, significou um marco
legal para a EJA, enquanto modalidade da Educação Básica, ao garantir a educação
como direto de todos. Desde então, até os dias atuais, foram implantadas políticas
públicas para definir a organização, a estrutura, o currículo e o funcionamento da EJA.
Atualmente, esta modalidade de ensino conta com diversas especificidades no
campo da educação, devendo ser um processo continuo de trocas de saberes, tanto para
o discente quanto para o docente, segundo a perspectiva freireana, num movimento que
leva o estudante a se apropriar de seus conhecimentos e transformá-los (FREIRE,
1987). A intersubjetividade, o carinho e o diálogo, devem estar presentes em sua
prática, considerando a alfabetização como apenas uma parte da aprendizagem, frente às
novas perspectivas que vão sendo delineadas pela conscientização tão necessária dos
jovens e adultos. E sua metodologia não deve se basear apenas em cumprir um
programa de conteúdos didáticos, mas em desenvolver uma ampla leitura de mundo, a
partir de um contexto no qual se busca inserir o educando numa tomada de consciência
crítica, rompendo com a postura ingênua frente ao conhecimento que lhe era imposto,
passando assim, a ser agente de sua própria prática.
Esta reflexão nos remete às Diretrizes Curriculares Nacionais de Educação que,
em todos os níveis e modalidades de ensino, dão ênfase à mudança de concepção e
posturas pedagógicas, certamente para superar o caráter conteudista, academicista e
propedêutico que marcam historicamente a educação brasileira. Na educação para
jovens e adultos, essa ênfase ganha força devido ao imperativo da sobrevivência e o
consequente conjunto de experiências, conhecimentos e vivências trazidas pelos
educandos que podem ser aprofundadas no contexto escolar, na organização curricular
e, sobretudo, nas práticas pedagógicas dos educadores. Essas ações devem ser
diferenciadas do ensino regular e suas estruturas convencionais, conservadoras e
tradicionais.
Outro fator determinante para construir uma proposta comprometida com a
permanência, aprendizagem e sucesso escolar dos jovens e adultos é considerar o
imperativo das novas tecnologias a serviço da informação e do conhecimento,
permitindo uma melhor aprendizagem crítica por parte dos educandos e aquisição de um
maior número de informações em menor tempo. Elas fazem parte do cotidiano das
pessoas, independentemente da especificidade sócio-cultural que caracteriza os sujeitos.
Elas estão sendo dinamicamente apropriadas pelo processo de trabalho e pela educação
profissional, trazendo para o âmbito do contexto das instituições, a necessidade de
formar um profissional consciente, autônomo, criativo e crítico para enfrentar os
desafios do mundo do trabalho, em especial, do mercado de trabalho extremamente
excludente.
Essa breve retrospectiva histórica nos mostra que a preocupação com a
modalidade da Educação de Jovens e Adultos é muito ainda recente no cenário
educacional brasileiro, pois sempre presenciamos na história desse país muita falta de
interesse dos governantes e representantes para elaborar políticas públicas com o intuito
de sanar e enfrentar os problemas do analfabetismo e a pouca escolarização dos
estudantes excluídos do ensino regular (BELLO, 1993).

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BELLO, José Luiz de Paiva. Movimento Brasileiro de Alfabetização - MOBRAL.


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