Apresentação de Pacientes. Caso Monique. Português

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Apresentação da sexta-feira, 06 de janeiro de 1976

Caso Monique (Sra. S. 42 anos)

UM. Informe psiquiátrico do Hospital apresentado a Lacan


Sra. S: 42 anos. Fisioterapeuta. Em tramitação de divórcio. Uma filha, F, de 7 anos.
Internada no Henri Rousselle o 20 de dezembro do 75 por uma amiga, aconselhada pelo Dr. B,
consultado 15 dias antes.

Entrada no hospital
Extremo sentimento de incapacidade. Pensa ser incapaz de educar sua filha, de ganhar a vida, de
garantir o porvir. Acha que não merece viver. Acusa-se de ter feito danos às pessoas e de ser a vergonha da
família. Tudo é por culpa sua. Disse que está na ruína, mas leva um milhão de AF1 com ela. Quer ver sua filha
mais uma vez e logo depois, suicidar-se. Evoca perigos imprecisos, mas iminentes que a levam ao pânico. Sente
que o mundo é hostil. As pessoas a criticam, resmungam, recentemente se sentiu espiada e escutada; vive
enclaustrada há várias semanas. Irrupções de memória. Ponto hipocondríaco em forma de sensação de
enchimento na nuca. Insônia. Eczema periorbital, em antebraços e mãos. Amenorreia após vários meses

Começo das complicações

Noite do 19 de janeiro do 75. A noite anterior o marido não voltou. Há vários meses ele tem uma
relação que a paciente percebeu ao descobrir as cartas. Encontrou-se em duas ocasiões com sua rival.
Falou “que jovem é você”, abriu o jogo sobre a tristeza que lhe causava perder seu marido, manifestou
seus ciúmes e concluiu: “em outras circunstâncias poderíamos ter sido amigas”. Em novembro do 75 pede
o divórcio. O marido volta a casa cada vez mais tarde até a noite do 18 de janeiro, quando ela o espera em
vão. Na manhã seguinte, sente sua filha e a ela mesma envelhecidas. Pela noite, depois de tê-la colocado
a dormir após uma jornada pacífica, sente um “bem-estar”, “a impressão de triunfar em algo”, “como um
ramo de capilares, um grande calor na cabeça. É brilhante, luminoso como o fogo de artificio, esmagador
como uma estrela, o rosto livre, uma impressão de grandeza”. O fenômeno dura alguns segundos e se
acalma. A partir desse momento se dá a sensação occipital que já não a abandonará.

O consequente surto psicótico – que atualmente está coberto em parte pela amnesia se desenvolve
em três fases: a primeira de janeiro a março, marcada por momentos mais ou menos longos (às vezes uns
dias) de prostração e excitação catatônica, errâncias noturnas, incontinência dos esfíncteres, raciocínios
qualificados de incoerentes pela gente ao redor dela (uma amiga, a Sr. E que mora em seu domicílio e um
amigo, o Sr. S, que gere seus negócios).
A segunda de março a agosto: retoma o trabalho, mas de modo “automático”, sente-se
“robotizada”, controlada, objeto de comentários, influenciada. Está completamente sob a influência de
uma força exterior.
A terceira de agosto a dezembro: uma amiga a leva de férias e volta a casa totalmente
enlouquecida, convencida de que “tudo desapareceu”. O quadro é cada vez mais depressivo, aparecem
queixas delirantes persecutórias “me criticam”, “Põem micros”. “Espiam-me, querem me roubar”. As
manifestações do automatismo desaparecem paralelamente. Sonhos aterrorizantes: afunda-se em areais
movediças. Sai despedida de um trem.

1 Antigos francos.
Desde janeiro, realizou duas tentativas de suicídio, uma se enforcando, outra tentando cortar sua
garganta. Iniciou tanto o primeiro como o segundo sem levá-los a conclusão, sem que fosse conhecido em
seu entorno. Não se sabe quando, provavelmente em abril e julho-agosto.
Sua relação com a menina mudou. Enquanto, durante a segunda entrevista com a amiga de seu marido
lhe propõe a esta que se faça responsável da menina, durante o ano do 75 mostrará bem mais um apego feroz,
e movimentos violentos de rejeição.
Amnesia captada principalmente pela sua família e amigos. A paciente continuará se mostrando
reticente no que diz respeito a sua biografia e aos pormenores da sua existência. Fala com mais gratidão dos
fenômenos elementares do que podemos descobrir nas entrevistas.
Filha de cabelereiros. Filha única. Quando nasceu, a mãe declarou-se incapaz de se ocupar dela, é o pai
quem lhe “ensina os costumes”. Rapidamente decidem entregar a menina a uma babá com quem vai permanecer
até os 4 anos de idade, idade na qual o pai decide trazê-la de volta a casa. Eles a visitam nos finais de semana. O
pai é recrutado. Então, a mãe apresenta um primeiro episódio melancólico e um segundo episódio aos 44-45 anos,
quando chega a menopausa. Apresentará um terceiro episódio no 72, após uma intervenção para colocar uma
prótese no quadril descalcificado. Ainda continua deprimida na atualidade.
O pai, ansioso, entregado e aflito, expõe que sua filha sempre foi inacessível ao discurso, mas
“vivia copiando aos demais (faz o gesto de pôr uma mão frente a outra), se eram corretos, era correta, se
eram tortuosos, era tortuosa”. Igualmente, considera não ter podido nunca dar crédito às palavras da
filha “era mitômana, inventava histórias. Tal vez acreditava nelas”. “Não tem comportamento pessoal”.
Deixa o domicílio familiar aos 18 anos para viver com um cliente dos seu pais, começa estudar medicina;
ali vai conhecer seu futuro marido que é médico atualmente. É expulsa da faculdade após ser suspensa
quatro vezes das provas e, então, começa estudar fisioterapia, ofício que exerceu satisfatoriamente até
hoje. “Gosta e procura o contato com os pacientes”, declara.
Seu marido, que diante dela sempre tem “a impressão de estar com uma desconhecida, alguém
incompreensível, que tinha segredos, algo escondido que não saia”, sentiu atração pela sua paciente,
precisamente por esse motivo.
Depois disse que ele “ficou cansado de esperar algo que nunca acontecia”, “tenho me esforçado
em vão”. Comenta que quando nasceu sua filha, ela ficou deprimida, declarou-se incapaz de educá-la.
Ele também lhe ensinou como dar de mamar, trocar as fraldas. A partir desse momento, eles vão ter
permanentemente ajuda em casa para auxiliá-la nos cuidados da criança, a última foi a Sra. Egron, amiga
e filha adotiva da Sr. S. Ela mesma reconhece suas dificuldades ao ter retornado em seu sogro para “saber
como se ocupar das crianças, já que era amável e estava acostumado”.
Evidencia-se um eczema na paciente, na sua filha e em seus pais após a terceira semana.

Os fenómenos elementares

A Sra. S situa os primeiros fenômenos perto da adolescência, quiçá antes. Aos dezoito anos
experimenta o que se chama “uma intuição”: passa diante da Rua Sèv 88, sente-se “forçada como desde
fora a levantar o olhar à fachada” e experimenta, simultaneamente, “um sentimento de bom presságio”.
Assegura ter voltado a encontrar as pessoas que moravam nessa casa dez anos depois e tinham virado
amigos seus: ilusão de possível lembrança na qual não conseguimos aprofundar. Não pode citar outros
fenômenos do tipo, mas disse que são frequentes: “se me ocorresse algo e o volta-se a pensar durante o
dia, dava-me conta”, acrescenta “de um pensamento como se não fosse o meu”. Por esse motivo, não é
estranho que tenha a “sensação de se submeter, de fazer coisas que não queria fazer, de dizer coisas que
não queria dizer”, acrescenta “não posso dizer de onde vem a voz”.
Se suspendeu as provas foi porque lhe perguntaram “parece que há uma que não pode atuar e outra
que pensa, mas não se pode expressar”. É o que chama “o problema da dupla”. Ela o explica de diferentes
formas: “poderia se dizer que há uma em pé, ao lado ou por trás, e a outra sentada e se burlam. Da a impressão
de não conseguir falar”. “Não está claro”. “Tenho a impressão de que há uma pessoa ao lado ou por trás que
não sou eu e que não sabe nada”. “Uma sabe e a outra não sabe dizer nada”.
Relaciona este fenómeno, sem poder dizer por que, com outras manifestações: “tenho a impressão
de que não me reconheço na voz que escuto interiormente. Como se alguém me obrigasse, sem aparência
física, é um desdobramento da fala, é um som”.
Às vezes, ao falar em público, pergunta-se se seu interlocutor não percebe de que “quem fala não
é totalmente eu”.
Não faltam as interrupções da memória. Ela as chama “suas faltas”.
Todos esses fenómenos são súbitos, breves, sentidos como “particulares” dela mesma (no sentido
de que por uma parte sabe imediatamente – a significação pessoal – que a concernem, e por outro lado,
que a afetam a ela e não aos demais). Ela não tem a “segurança”, “é entediante utilizar essa palavra,
porque teria que estar segura, pois tudo é como se”. Evidentemente, integram—se em sua existência sem
questioná-los. Considera-os “normais” no sentido de que forma parte do “habitual” na sua vida, mas
“não tão normais porque me parecia que frequentemente eram de bom presságio”, pelo qual “não sentia
vontade de confiar”. Vislumbravam-se no diálogo de forma eletiva, mas não exclusivamente e às vezes
têm um aspecto aparentemente espontâneo. Vão de uma fugitiva estranheza a uma franca xenopatia,
passando pelo próprio sentimento de desdobramento. Ela reconhece ao mesmo tempo uma articulação e
uma diferença que não consegue especificar entre o problema da linguagem, o sentimento de ser dupla,
quer dizer, de uma presença “outra”, e os atos impostos.
Acrescentemos, para finalizar, a memória, as manifestações oníricas, situadas sob o mesmo signo
“é uma dupla de mim mesma a que foi no advogado. Me dizia a mim mesma que era um pesadelo,
quando acorde irei bem”.
Uns dias antes da apresentação, seu estado melhorou enormemente. A mania persecutória
despareceu, assim como a melancolia.

Comentário
Vestida de forma simples. Gestos mensurados. Discreta. Tono depressivo. Uma aparência adequada ao
seu discurso. A imagem da dor contida.
Até qual ponto a Sra. S é psicótica? Lacan fala, após a entrevista, “das coisas que ele não pode resolver”.
Daí sua “aposta”: “aposto que voltara na sua rotina”.
Um sinal de que avança a uma psicose: a reação emocional da Sra. S (“de todos os modos é muito
favorável”), quer dizer, uma reação “que responde à situação objetiva”.
Há fenómenos elementares: a voz que intervém quando a paciente deveria falar e lhe impede
escutar, a presença que sabe coisas quando ela não sabe anda, os atos impostos, os delírios da memória,
os fenômenos de irrupção do pensamento (ao que ela chama “suas faltas”), etc. E, porém, tudo isso parece
estar no final bem compensado. A Sra. S se dá conta de seus breves fenômenos elementares como se lhe
colocassem demasiadas dúvidas, como se se inscrevessem no registro familiar. Daí sua “convicção”: algo
acontece com “ela” e, mesmo que seja difícil de explicar, por exemplo, o quê é essa voz/presença da que
Lacan tenta que defina a natureza multiplicando as perguntas; quando o faz, ela disse que “se reconhece”.
Coloca-se um problema: o que manteve aparte todos esses problemas? Ou, talvez: o que desapareceu
quando lhe “roubaram” seu marido?
Se partidos do que está mais claro, temos efetivamente esta manifestação pontual, este
acontecimento: a partida do marido.

Elaboração

Se pensamos no começo de uma psicose, teríamos que procurar alguma coisa que tenha o mesmo
papel que a emergência de Um pai que Lacan fala. Poderíamos dizer que é a subtração do marido a que
adquire este valor analógico. Quando Lacan escreve as fórmulas da sexuação2, a exceção que aponta não
só se refere ao descobrimento da castração; pode ser também o Nome-do-Pai já que as proibições se
veiculam em seu nome, se a mãe quer. Na sexualidade feminina o Nome-do-Pai não está marcado: “estão
todas loucas” (Já que há que chamar por seu nome à foraclusão do Nome-do-Pai); e isto conduz ao gozo
que lhe proporciona o Nome-do-Pai à mulher.
No caso da Sra. S todo ocorre como se ao desaparecer o marido, ela dissesse “Tudo está
permitido”: e isso começa. No momento em que este apoio, que é a sua vez um limite, vai embora, ela
parece se deparar diante de um “não há mais limite” e a seu sentimento de incompletude poderíamos dar
o nome de um não-todo.
Nela, a equivalência entre o Nome-do-Pai/Gozo poderia se verificar no fenômeno de alternância
que se produz no momento da separação do marido: ele é retirado, isto ocupa seu lugar.

Alguma coisa se desencadeia na paciente quando está em posição de ser julgada (exame ou
interrogatório médico). Quiçá se poderia dizer: quando o Outro lhe reclama, quando emerge a função do
Outro que pergunta, do Outro juiz, aparece o outro pequeno, o duplo. A “presença” seria correlato da
ausência da paciente, cuja identidade vacilaria nesse momento (“já não estou só”). De fato, com relação à
partida de seu marido, não evoca nenhum fenômeno de desdobramento, como se este estivesse ligado à
apresentação de uma função de limite, a esse X, presente ou ausente.
Do duplo que fala a Sra. S podemos dizer que não tomou consciência ainda, forma. Está o de escutar
uma voz que conta histórias reais e o de sentir um simples ponto emergente, mas bem impreciso. A Sra. S.
quiçá se situe na vertente da psicose ao testemunhar esta particular inibição nos exames a ao manifestar
sua fascinação diante do número 88 da rua Sèvres, mas o fato de que “não passa”, como se ficasse uma
aréola, como se tudo isso não tivesse ganhado nem tomado consciência imaginária (com a fachada de uma
casa impossível de se inventar: as ventanas são como olhos, etc.). Se a Sra. S. não tivesse se esbarrado com
seus fenômenos elementares, não seria simplesmente depressiva? A diferença de BD (12-12-75), por
exemplo, que tinha uma “concepção do mundo”; a Sra. S está longe de tentar “explicar tudo”. Os elementos
ficam isolados.
Ao longo da entrevista, Lacan “legitimou” as perguntas que fazia, reduzindo sua parte
enigmática (já que você me diz isto, é pertinente que lhe pergunte o outro” ...). Com uma psicótica, a frase
teria tido melhor esta resposta: mas com certeza, é perfeito, o compreende tudo... Com a Sra. S, em todo
momento “razoável”, era algo tipo: isto o compreendo, mas nisto eu já não consigo, explique para mim,
o que você pensa... Em poucas palavras: como não havia delírio, não havia maneira de entrar nele.
Lacan tentou ser pouco imperativo, colocando a paciente o menos possível na posição de
“examinada”. Quando ela começou chorar, ele pediu perdão, mas conseguiu continuar imediatamente.
No seu “eu peço desculpas”, não tinha nada de “culpável”; era um “levanto ata”. Eu estou aqui para lhe
fazer umas perguntas, você para responder; está me dando “boa informação”; está me comunicando um
significante, não se perderá, não vale a pena seguir por aí, sigamos...

Descrição da paciente
Vestida sobriamente. Roupas modestas. Rosto triste, emurchecido, edematoso. Precisão na
linguagem, mas circunspecção e incomodidade acentuados pelos assistentes. Tom sofrido e dolorido.
Humor adequado ao discurso. Lenta, cooperativa. Presente e bem orientada, mas dilatados fenômenos
amnésicos em relação aos acontecimentos que surgiram em 1975. Pouco dada a se desenvolver, evocar os
fatos, fazer perguntas de forma espontânea. O interrogador precisa extrair com paciência quase todos os
elementos que devem se aclarar.

2 Jacques Lacan: Seminário 20: Mais ainda.


DOIS: Entrevista de Lacan
Lacan geralmente entra mantendo uma conversa com a pessoa a quem ele vai apresentar. Sem
dúvida, foi a reação frente a assembleia o que levou ao Lacan a realizar esta introdução.
Dr. Lacan – Todos somos médicos, e prontamente todos estão interessados em você. Conte-me
um pouco como começou isto todo. O que você faz?
Sra. S – Sou fisioterapeuta.
Dr. Lacan – Fisioterapeuta… E o que levou você a realizar essa profissão? Talvez você possa me
dizer alguma coisa?
Sra. S – Desisti das provas para continuar medicina. Como eu estava casada, fiz fisioterapia.
Dr. Lacan – Como estava casada… O que isso quer dizer?
Sra. S – Enquanto meu marido seguia estudando.
Dr. Lacan – O que ele seguia e st u d ando?
Sra. S – Medicina.
Dr. Lacan – O seu marido é médico?
Sra. S – É.
Dr. Lacan - Ah! Sim. Isso é interessante: não tinham me dito. M e c o n t a r a m m u i t a s c o i s a s ,
m a s d i s s o n ã o h a v i a m m e f a l a d o . Então, você fez fisioterapia?
Sra. S – Eu já trabalhei.
Dr. Lacan - Há quanto tempo foi isso? Você sofreu pelas suas desistências...
Sra. S – Comecei em 1962-1963. Então, há 12 ou 13 anos.
Dr. Lacan – Nesse momento, então… pulemos para o final. Como você chegou aqui?
Sra. S - Como eu cheguei aqui?
Dr. Lacan - Como você chegou aqui? É natural que eu lhe faça esta pregunta.
Sra. S – Porque não me sentia muito, muito bem.
Dr. Lacan – Você não se sentia bem… o que é que não ia bem?
Sra. S – Eu tinha tentado… não queria seguir vivendo.
Dr. Lacan – Você começou dizendo: tinha tentado… tentado o quê?
Sra. S – Desaparecer. Por isso os meus amigos me trouxeram aqui.
Dr. Lacan – Seus amigos, quer dizer, quem?
Sra. S – Amigos íntimos. Uma pessoa que eu conhecia.
Dr. Lacan - Ah! Sim. Quem é essa pessoa?
Sra. S – A Senhora P, que me levou a ver ao Doutor B.
Dr. Lacan – Ele é um colega meu, interessante. Foi ele que a enviou aqui?
Sra. S – Foi.
Dr. Lacan – Há quanto tempo?
Sra. S – Não sei quanto tempo exatamente, não sei. Sei que eu entrei aqui dia 20 de dezembro.
Não sei desde quanto tempo antes estava doente… 10 dias, 15 dias… não sei. Não foi muito, mas
não lembro a data.
Dr. Lacan – Você me disse que queria desaparecer. Então, você fez algo?
Sra. S – Fiz.
Dr. Lacan – O que você fez?
Sra. S – Duas tentativas. Uma tentando me enforcar, a outra com uma lâmina
Dr. Lacan – Uma lâmina… onde você se cortou?
Sra. S – Aqui (mostra a garganta).
Dr. Lacan – Você quis se cortar…
Sra. S – Vi que era grave e não… outra vez com outra coisa.
Dr. Lacan – Tem ideia do porquê queria, como se diz, terminar?
Sra. S – Tinha medo de não poder.
Dr. Lacan – O que a levou a isso? Faz ideia de… por que queria fazê-lo?
Sra. S – Tinha medo de não poder superar o que acontecia comigo.
Dr. Lacan – Superar o que acontecia com você. Trata-se justamente disso. O que lhe acontecia?
Sra. S – Estava me divorciando do meu marido.
Dr. Lacan - Ah! Sim. Como tem sido isso? Seu marido…
Sra. S – Ele foi embora.
Dr. Lacan – Então era algo estabelecido, não tão recente.
Sra. S – Não, certamente não.
Dr. Lacan – Quem tomou a iniciativa, no divórcio.
Sra. S – Os dois, talvez eu, mas no final fomos os dois.
Dr. Lacan – Os dois, m e explique. Q u a l f o i a s u a p a r t e n o a s s u n t o ? S e a m i n h a
memória não me falha, não foi ele quem tomou a iniciativa.
Sra. S – Não, visto assim… ele estava totalmente de acordo. Não o fizera porque tinha um
argumento. Não tinha suficiente dinheiro para me dar, exatamente, é a explicação que ele me
deu.

Dr. Lacan – É o que você sentiu…


Sra. S – É o que ele disse.
Dr. Lacan - Então foi você a que o pediu. E como consequência de quê? Não foi
voluntariamente?
Sra. S - Não, com certeza.
Dr. Lacan – Se foi você que o pediu, é por algum motivo, sobre o qual eu tive informação um
pouco vaga.
Sra. S – Foi depois que ele me traísse.
Dr. Lacan - Ah! Sim. C om quem te traiu?
Sra. S – Com uma mulher, com uma senhora, uma das suas pacientes antigas.
Dr. Lacan – Ah! Sim. Eu gostaria, igualmente, - dou um pequeno pulo – que tentasse me falar de você.
(A Sra. S balança a cabeça)
Dr. Lacan – É porque me interessa o que acontece com você. Se pudesse me explicar seus
sentimentos, a forma que você tem sentido isto tudo. O qual supõe que deixo para você a única
escolha do momento em que você me aclare...
Sra. S – O fato de ter pedido o divórcio?
Dr. Lacan – Não, não é precisamente isso o que importa, senão saber como você sente as coisas,
porque certeza de que tudo me parece razoável. Se seu marido lhe traiu, não vejo por que teria
que aturá-lo melhor do que se aguenta no geral. Até aqui, tudo é compreensível. Mas eu gostaria
saber mais. Quero dizer, eu compreendo você muito bem em tudo o que me contou até agora.
Mas você em tudo isso? Eu gostaria de saber por que, segundo você, por que fracassou nos seus
estudos. Você fracassou porque...

Sra. S – Não trabalhava suficiente.

Dr. Lacan – Você acha?


Sra. S – Ah! Acho.
Dr. Lacan – Como iam as provas?
Sra. S – Fiquei com medo do oral. Não gosto do oral.
Dr. Lacan – O que acontece nos orais? Teve medo, era legitimo que tivesse medo, porque você desistia.
Sra. S – Não conseguia falar.
Dr. Lacan – Ao que se devia isso, de que não pudesse falar?
Sra. S – Tinha a impressão de que não estava sozinha.
Dr. Lacan – Que não estava sozinha? Que não estava sozinha para o quê? Para responder?
Sra. S – Para não responder.
Dr. Lacan – Isso é, para não responder. Mas esse “não estava sozinha”?
Sra. S – Mesmo que eu trabalhasse, não podia.
Dr. Lacan – Não é o mesmo em absoluto do que acabou de me dizer há um momento. Você me
disse que não havia trabalhado suficiente.
Sra. S – Mas quando chegava aos orais, não conseguia.
Dr. Lacan – Porque não estava sozinha. O que quer dizer com isso? Que se sentia…
Sra. S – Incapaz de falar.
Dr. Lacan – Você falou algo mais dizendo que não estava completamente sozinha. Isso implica a
ideia de uma presença.
Sra. S – Sim.
Dr. Lacan – Tente me aclarar um pouco isso. Uma presença… uma presença estranha à sua?
Sra. S – Não, uma presença como a minha. Mas não era eu. Enfim, tento me explicar.
Dr. Lacan – Cómo se manifestava…
Sra. S – Uma voz. Da presença visual, não posso dizer nada. Algumas vezes, tinha a impressão...
Dr. Lacan – Algumas vezes, tinha a impressão de que havia alguém que você já havia visto, ou
podido ver, ou que se traçava...
Sra. S – Isso, mas era muito embaçado.
Dr. Lacan – Era muito embaçado?
Sra. S – Agora já não é o mesmo.
Dr. Lacan - Desde quando não é o mesmo?
Sra. S – Não consigo sentir o mesmo.
Dr. Lacan – Então, isso, era um obstáculo da juventude?
Sra. S – Era.
Dr. Lacan – Tente me dar uma ideia com maior precisão. Também falou de voz.
Sra. S – Sim.
Dr. Lacan - Como a ouvia? Era essa presença a que tinha essa voz?
Sra. S – Era.
Dr. Lacan - Mas, como você a ouvia?
Sra. S – Como a minha.
Dra. Lacan – Como a sua?
Sra. S – Como uma voz que não era desconhecida para mim. Parecia ouvir a minha voz.
Dr. Lacan – Como a ouvia essa voz, o som da sua voz? Era por que dizia alguma coisa?
Sra. S – Sim. Lembro uma vez, dentre outras, que tive a impressão caminhando, de uma coisa ou
uma pessoa que me detivera e me fizera olhar a fachada de uma casa.
Dr. Lacan – Me falaram dessa história.
Sra. S – Pode ser que isso tenha me marcado. Pode ser que tivesse algo a ver com essa casa. De
momento, não sei. Enquanto ultimamente, não era o mesmo em absoluto. Ano passado, não era
em absoluto o mesmo.
Dr. Lacan – Ano passado, ao que você está se referindo?
Sra. S – Ao fato de ter pedido o divórcio. Fui eu a que o pediu. Meu marido estava de acordo.
Tive a impressão de que não agia sozinha.
Dr. Lacan – O que quer dizer? Se eu bem a entendo, por um lado você disse que isso se terminou, esse
sentimento de presença, mas por outro, disse que voltou aparecer, e recentemente.
Sra. S – Eu não a ouvia falar, depois, já não era o mesmo. Não durou, o sentimento de que
houvesse alguém não durou.
Dr. Lacan – É a esse alguém que se deve... Posso lhe fazer uma pergunta? Porque eu tento
entender... Você sente que a petição de divórcio lhe foi inspirada por...?
Sra. S – Não é isso em absoluto.
Dr. Lacan – Por outra pessoa?
Sra. S – Não é isso em absoluto.
Dr. Lacan – Então, coloquemos as coisas em ordem. Você é a que pode me dizer do que se trata,
porque isso tudo, foi você a que o sentiu.
Sra. S – Sim.
Dr. Lacan – Tente me fazer entender de qual forma agiu sob a inspiração, se posso me explicar
assim, de algo que não é você em absoluto.
Sra. S – Eu só pedi o divórcio por ciúmes. Isso me fez agir.
Dr. Lacan – Os ciúmes parecem ser algo em que participamos. Então, por que o atribui, se eu bem
a entendo, a uma presença estranha?

Sra. S – Eu não disse que fosse uma presença estranha. Alguma vez me encontrei na situação de
que houvera uma pessoa estranha. Não é o mesmo.
Dr. Lacan – É a pessoa da que estava ciumenta?
Sra. S – É, com certeza.
Dr. Lacan – Então, isso, não acontecia...
Sra. S – Não acontecia isso quando me encontrava frente a qualquer... acontecia às vezes...
cheguei a sentir que tinha outra pessoa ao meu lado.
Dr. Lacan – Ponha os pingos nos “is”.
Sra. S – Agora, aqui?
Dr. Lacan - Não tem a sensação de uma presença estranha?
Sra. S – Não.
Dr. Lacan – Quando aconteceu por última vez, essa sensação de que houvesse uma presença
estranha ao estar na frente de alguém?
Sra. S – Aconteceu uma vez desde que estou aqui, com o Dr. Cz.
Dr. Lacan – Você teve a sensação falando com o Dr. Cz de que tinha a alguém... Onde se coloca
essa presença estranha?
Sra. S – Atrás de mim.
Dr. Lacan – Quando estava com o Dr. Cz, estava sentada na frente dele, como agora. A pessoa
que estava detrás de você também estava sentada?
Sra. S – Não, em pé atrás de mim.
Dr. Lacan – Aconteceu uma vez... E você o mencionou?
Sra. S – Não, não imediatamente. Ele me perguntou e eu disse depois: não me lembro quando,
quinze dias, dez dias depois, não sei... os três primeiros dias, já não sei.
Dr. Lacan - Qu e poder tem sobre você, a presença estranha?
Sra. S – Agora?
Dr. Lacan – Quando aconteceu. Você mesma disse que agora já não está aqui.
Sra. S – Era negativa, para algumas coisas, era positiva, mas para outras negativa.
Dr. Lacan – Sim, ele me falou do assunto da Rua Sèv 88. Me falou assim, de passada. O que me
disse é que não foi negativa.
Sra. S – Por isso lhe digo: às vezes, parece ser positiva. Outras vezes, me dou conta de que era
negativa. Positiva às vezes, e negativa outras.
Dr. Lacan – Por quê? Por que essa presença jogou um papel em seus sentimentos, se é verdade que a
sentiu, essa casa queria dizer algo?
Sra. S – Sim.
Dr. Lacan – O que queria dizer?
Sra. S – Que algum dia teria certamente algo a ver com as pessoas que moraram nessa casa, que
eu precisava de lembrá-lo.
Dr. Lacan – Houve outros momentos nos que tenha tido, como essa vez, a sensação de trauma ou de
bem-estar?
Sra. S – Eu devo haver tido, mas não me lembro. Desde há uns meses, estou pior.
Dr. Lacan – Desde há uns meses já não é divertido para nada?
(Mme. S balança a cabeça em sinal negativa)
Dr. Lacan – Quando você teve a convicção de que o seu marido estava com outra pessoa?
Sra. S – Em 1973 – 1974, final de 1973, começo de 1974.
Dr. Lacan – Já faz um bom tempo.
Sra. S – Ano passado fez um ano.
Dr. Lacan – Fez um ano?
Sra. S – Estamos no começo de 1976.
Dr. Lacan - Por que diz que ano passado fez um ano?
Sra. S – Fez um ano.
Dr. Lacan – Se foi em 1973, faz mais tempo.
Sra. S – Um ano e meio.
Dr. Lacan - Quando realizou esse…?
Sra. S – A demanda de divórcio?
Dr. Lacan – Essa tentativa de se enforcar, no começo... Foi em que época?
Sra. S – Não sei quando exatamente, mas deve ter sido entre março e abril, já não me lembro
muito bem.
Dr. Lacan – De quando?
Sra. S – Do ano passado, 1975.
Dr. Lacan – E logo a nova tentativa, quer dizer, a tentativa de cortar o pescoço?
Sra. S – Já não sei dizer qual foi o momento exato, julho-agosto, não sei. Está embaçado.
Dr. Lacan – Eu já ouvi falar disso, por isso que lhe faço a pergunta. O que você espera da demanda de
divórcio? Quero dizer que há uma pessoa que talvez esteja interessada nisso... você tem uma filha
pequena?
Sra. S – Tenho.
Dr. Lacan – O que pensa em fazer? Pedir a custódia?
Sra. S – Sim.
Dr. Lacan – Não é algo trivial: como é o seu relacionamento com a pequena? Quantos anos ela tem?
Sra. S – Sete anos e meio. Mas eu me entendo bem com a minha filha.
Dr. Lacan – Sim, não duvido. Você se sente bem com a sua filha?
Sra. S – Amo a minha filha.
Dr. Lacan – Sim, com certeza. Eu digo com certeza para animá-la falar disso. Quando ela nasceu,
foi fácil se ocupar dela?
Sra. S – Não, vi ao Doutor Cz… Quando ela nasceu, no primeiro dia, tinha medo... de ter um
filho, medo de não poder... No primeiro dia, tive medo, um ser tão frágil, é normal, não é?
Dr. Lacan – Não estou em absoluto procurar o anormal. Tento...
Sra. S – Achava que não poderia educar a minha filha, que não chegaria a nada.
Dr. Lacan – Ao que se deve, isso?
Sra. S – Quando você falha em algo, tem a impressão de falhar em tudo, é isso. Não parece muito
normal?
Dr. Lacan – A esta menina, depois de quanto tempo de casamento você a teve?
Sra. S – Dois (?) anos de casamento.
Dr. Lacan – Você não quis tê-la antes?
Sra. S – Não a queríamos em seguida, antes, é isso. Os dois, era só eu.
Dr. Lacan – O seu marido fazia o necessário para que você não tivesse este filho... E você, quando
era criança, como foi?
Sra. S – Não tinha irmãos, nem irmãs, era filha única.
Dr. Lacan – Como era a sua mãe com você?
Sra. S – Muito bem… muito amável...
Dr. Lacan – Você não se sentiu contrariada por ter um filho?
Sra. S – Sim… senti… Um pouco contrariada por ter um filho. Educou-me uma babá, até os
quatro ou cinco anos. Depois, voltei com a minha família.
Dr. Lacan – Fale-me um pouco dos seus pais. Isso forma parte de...
Sra. S – Eles são muito amáveis. Talvez meu pai se ocupou mais de mim do que a minha mãe. Ele
se sentia consideravelmente mais seguro que a minha mãe.
Dr. Lacan – O que tinha de inseguro, a sua mãe?
Sra. S – Ela tinha medo de criar filhos.
Dr. Lacan – Sim. Qual era o motivo disso? Onde ela está
agora?
Sra. S – Em Paris.
Dr. Lacan – Como ela era?
Sra. S – Amável…
Dr. Lacan – Quer dizer, cheia de intenções…
Sra. S – … que não podia realizar, isso acontecia.
Dr. Lacan – Para alguém como você, isso o que...
Sra. S – Ela me fez precisamente duvidar de mim mesma.
Dr. Lacan – Desde quando você afirma isso?
Sra. S – Desde há pouco tempo… há um ano… desde que fracassei com o meu marido.
Dr. Lacan – Me disseram que você viu a essa pessoa?
Sra. S – Sim, eu a vi.
Dr. Lacan - Quantas vezes a viu?
Sra. S – Duas vezes.
Dr. Lacan – Não parece...
Sra. S – Não gosto voltar pensar nisso.
Dr. Lacan – Pode ser que fosse alguém que lhe importasse.
Sra. S – Tento esquecer.
Dr. Lacan - incomoda quando falam disso p ara você ?
Sra. S – Sim.
Dr. Lacan – Portanto, você haverá lhe dito coisas, a ela, que não demonstravam falta de interesse.
Sra. S – No es falta de interés. No hay que pensar en alguien que te ha quitado a tu marido.
Sra. S – Não é falta de interesse. Não há de pensar em alguém que tirou de você o seu marido.
Dr. Lacan – O que lhe tirou o seu marido? Não o tiraram de você. Um marido não é roubado assim.
Não tiraram ele de você. Ela não o obriga fazer tudo o que ela quer.
Sra. S – É o término que ela utilizou, tirou de mim o homem, não tirou de mim o marido, é isso,
lembro a frase. Lembro muito bem, quando a vi...
Dr. Lacan – Ela se expressou assim? Tirou de você o homem e não o marido?
Sra. S – Por isso que para mim ficou a expressão. Isso se tira. É feito assim, é a expressão exata
que ela utilizou.
Dr. Lacan – Ela não lhe pediu que se divorciasse.
Sra. S – Você não sabe de nada e eu também não. Nunca concordamos; eu gostaria de sabê-lo.
Dra. Lacan – Si ela se ocupa de...
Sra. S – (chora) É obrigatório seguir por aqui?
Dr. Lacan – Escute, pequena… não vejo o motivo pelo qual, se não se domina…
Sra. S – Não gosto de voltar pensar nisso, não gosto...
Dr. Lacan – Eu lhe peço perdão por ter insistido. De qualquer forma, não pode se dizer que, para
mim, que tento me intrometer na história, isto não me esclareça a forma em que você sente os
fatos.
Sra. S – Para mim é um fracasso. Nunca experimentou fracassos? Quando você se dá conta de
que, em um momento dado, aos quarenta anos: eu fracassei nisso, fracassei nisto, fracassei
naquilo, fracassei noutro... não sabe a impressão que isso dá.
Dr. Lacan - Sim……. você não fracassou em tudo.
Sra. S – O destino o dirá.
Dr. Lacan – Você me disse… quer que lhe passe um lenço?
Sra. S – Não, não é nada.
Dr. Lacan – Quer que passe para você? (ela se limpa) Se você me diz que não fracassou em tudo,
diga-me em o que não fracassou.
Sra. S – Eu acho que com a minha filha não fracassei, até agora. Agora tenho medo, enfim,
tinha medo.
Dr. Lacan – Quando você diz “tinha”, quer dizer que...
Sra. S – De momento estou aqui, não tem como eu saber. Antes, estava doente, também não
podia saber.
Dr. Lacan – Por que você considera que antes, o que isso quer dizer?
Sra. S – Desde que nasceu. E antes do divórcio do meu marido.
Dr. Lacan – Para começar, não houve divórcio nenhum até agora.
Sra. S – Sim, acho que será daqui a pouco.
Dr. Lacan – Ah, sim. Mas você considera que já está feito?
Sra. S – É o mesmo. Ele foi embora, já não está comigo, ele vem todos os dias, mas já não está
conosco.
Dr. Lacan – Ele vem todos os dias, aonde?
Sra. S – Ele vinha todos os dias a minha casa para ver a sua filha.
Dr. Lacan – Ele mudou de residência?
Sra. S – Sim.
Dr. Lacan - ¿Ele está com essa pessoa?
Sra. S – Está.
Dr. Lacan – Sim. Então, diga-me em que não fracassou. Quais são os momentos felizes, para você?
Sra. S – Profissionalmente, não estava mal. Eu tinha bons clientes. E logo também, com meu
marido alguns anos foram muito felizes. Mas depois houve um fracasso. E depois... com a minha
filha. Fui realmente feliz com ela.
Dr. Lacan – De qualquer forma há outras pessoas que não sejam o seu marido e a sua filha que
influenciam.
Sra. S – Estão os meus pais.
Dr. Lacan – Você tem amigos. Me fale um pouco dos seus amigos.
Sra. S – Dos nossos amigos, melhor, já eram amigos em comum. Um casal muito próximo, da idade
dos meus pais... um pouco mais novos... Éramos muito próximos deles.
Dr. Lacan – Seus país recíprocos... Como é por parte do seu marido? Como são os pais dele?
Sra. S – A mãe dele é uma antiga administradora de correios e o pai que era diretor técnico de
reformas públicas. De quem você quer que eu fale? Dos meus amigos ou dos pais dele?
Dr. Lacan – Fale dos pais dele porque eu acho que não carece de interesse, os pais têm a ver na forma
de...
Sra. S – O pai dele é muito amável.
Dr. Lacan – Com quem?
Sra. S – Com todo mundo. A mãe é muito diferente.
Dr. Lacan – Conte-me.
Sra. S – Da mãe dele?
Dr. Lacan – O que é que falha nela?
Sra. S – Nunca tive uma reclamação, ela é muito amável. Ela é um pouco... pensa que os filhos são
dela. Muito amável... Meu sogro... dava vontade de confiar nele. A minha outra cunhada, era
igual, parecida ao meu sogro.
E os amigos... estava este casal muito próximo a nós. E logo o outro casal, a mulher morreu. Ficou
só o marido, que era tão amigo do meu marido quanto meu. Eles eram seus amigos mais
próximos. E logo, em terceiro lugar, uma mulher que estava conosco, que se ocupava da nossa
filha.
Dr. Lacan - Quem era esta mulher?
Sra. S – Uma filha adotiva.
Dr. Lacan - Adotada por quem? Por vocês?
Sra. S – Isso, assim que se diz.
Dr. Lacan – Quem era esta pessoa?
Sra. S – Uma moça que era a minha filha adotiva.
Dr. Lacan – Ocupava-se da sua filha, por quê?
Sra. S – Eu morava longe do meu lugar de trabalho e não podia deixar a minha filha sozinha. Eu
ia em maternais e logo à escola; nem falar de deixar a minha filha sozinha. Esta pessoa estava
mais perto. Era uma pessoa totalmente desconhecida, que estava sozinha, que veio a casa...
Dr. Lacan – E quem são as pessoas do 88?
Sra. S – O senhor morreu. Ele estava com a sua mulher, os dois morreram.
Dr. Lacan – Em que momento da sua vida isso ocorreu?
Sra. S – Quando me encontrei com eles de novo?
Dr. Lacan – Você os encontrou duas vezes. Primeiro você recebeu a notícia de...
Sra. S – Já não lembro a que idade eu recebi a notícia que você diz.
Dr. Lacan – Foi você a que utilizou essa palavra; acabou de me dizer…
Sra. S – Pode ser que fizera dez anos.
Dr. Lacan – Você teve essa sensação antes do seu casamento?
Sra. S – Tive.
Dr. Lacan – Essa sensação de bem-estar, de…
Sra. S – Sim.
Dr. Lacan – Então, você considera, depois de tudo, que isso queria dizer algo. O havia notado,
naquele momento.
Sra. S – Ah, sim. Eu tinha que me centrar em olhar aquela casa, não sei o porquê, estava obrigada
a olhar aquela casa, alguém ia interpretar um papel naquela casa, e tudo teve o seu papel.
Dr. Lacan – Durante quanto tempo, já que todos desapareceram?
Sra. S – Ainda temos relação com os seus filhos… durante ao menos 7, 8 anos.
Dr. Lacan – Aconteceu-lhe mais vezes na vida, essa espécie de...
Sra. S – A sensação de ouvir vozes... a sensação de uma dupla e de uma voz... sim, aconteceu
algumas vezes, não faço nem ideia do número de vezes.
Dr. Lacan – O cataloga a propósito como uma sensação de uma dupla e de uma voz? Em outros
términos, quando experimenta essa sensação você se reconhece, sabe que vive nesse registro, por
assim dizer?
Sra. S – Sim.
Dr. Lacan – Desde quando se reconheceu como – podemos utilizar incluso uma palavra que vou
aventurar assim sem mais, diga-me se lhe parece uma palavra inconveniente – como pessoa
“habitada”, de alguma forma? Lhe parece... talvez um pouco forte?
Sra. S – É forte, igual é um pouco forte.
Dr. Lacan – Desde quando você teve essa espécie de... apesar de tudo, quando lhe acontece isso,
também é um pouco traumático.
Sra. S – É.
Dr. Lacan – Isso é o que não entendo bem e eu gostaria que o aclarasse para mim... quero dizer de
que forma sente essa sensação de uma dupla e de uma voz. Quando me fala de uma presença por
trás de você, que experimentou uma vez mais enquanto estava frente ao Doutor Cz, não se trata
de uma voz?
Sra. S – Sim, oh. Sim. Senti outra aparição, que não me parece similar em absoluto.
Dr. Lacan – Me dê uma ideia de essa outra aparição.
Sra. S – O domingo 19 de janeiro de 1975, pela noite, uma impressão…
Dr. Lacan – O que aconteceu?
Sra. S – Lembro muito bem, uma impressão de estouro na região occipital, com uma impressão...
ao começo, eu tinha muito calor detrás da cabeça, muito calor... depois estouros, e ao mesmo
tempo na cabeça, um fogo de artificio, me senti muito bem, magnífica, antes de que tudo
estourasse estava bem, deslumbrada, então tudo estourou. Depois, senti como uma massa.
Dr. Lacan – Aqui, eu vou trazer à tona algo que sei pelo Doutor Cz, se não, como eu poderia
saber? É verdade que foi a noite em que seu marido não voltou?
Sra. S – Foi no dia seguinte, na noite de domingo para segunda-feira. Meu marido não voltou a
noite de sábado para domingo.
Dr. Lacan – Foi o mesmo domingo pela noite quando você sentiu isto? O que você pensou dos fatos
da véspera? Segundo o que eu tenho entendido, já fazia um tempo que não funcionava, essa história...
Sra. S – Mas ele sempre tinha estado ali; não era o mesmo.
Dr. Lacan – Era a primeira vez que ele dormia fora. Bem. Me diz que no dia seguinte, você teve
ao começo uma sensação... me falou de uma sensação de bem-estar.
Sra. S – Mas não está relacionada com o meu marido. Era porque tinha levado de passeio minha
filha, saí o domingo pela tarde com os meus pais e a madrinha da minha filha, eu a levei em
braços, ela dormia no carro, a peguei em braços e a deitei. Falei para ela um pouco, quando saí,
ela estava dormindo. Tive uma sensação de plenitude, de bem-estar, e disse para mim: “vou
consegui-lo com Françoise”. Então me senti muito bem, com muito calor na cabeça, mas
magnificamente bem. Depois, me deu essa impressão. A pessoa que cuida a minha filha me disse:
espero que dure. Senti muita fome, lembro de ter pedido algo de comer ou de beber. Depois...
Dr. Lacan – Depois, o quê? O que aconteceu?
Sra. S – Um peso na cabeça, um peso na zona occipital, como uma massa...
Dr. Lacan – Isso aconteceu de novo?
Sra. S – Essa sensação, nunca, menos a impressão de sempre ter peso. Cria uma massa, a
impressão de que perco palavras, esqueço muitas coisas, os problemas.
Dr. Lacan – A perda de palavras, não data de ontem, no entanto.
Sra. S – Mais ainda.
Dr. Lacan – A sensação de perda de palavras, isso é o que acabou de me dizer, era a origem de
suas desistências nas provas. Quando você fazia as provas também tinha a sensação de que
houvesse uma presença?
Sra. Sim, já aconteceu com frequência.
Dr. Lacan – Era uma presença simples ou uma presença… dupla, ¿por que
não?
Sra. S – Sim.
Dr. Lacan – Explique-me isso. O que tinha de duplo nessa presença?
Sra. S – A impressão de que tinha alguém detrás de mim, a dupla de mim mesma.
Dr. Lacan – E logo o outro.
Sra. S – Como a minha filha, e o outro detrás de mim, em pé, como se estivesse aí para me impedir
falar... não sei vesti-la, não sei... A voz não é uma voz estranha, me dava a impressão de me ouvir
a mim mesma, está detrás de mim, a minha altura.
Dr. Lacan – Você sente que se ouve a si mesma, quer dizer que fala?
Sra. S – Sim.
Dr. Lacan – Como fala? Não lhe deixar soltar palavra?
Sra. S – Isso, como se me impedisse falar… não sei como dizê-lo.
Dr. Lacan – Tente. Quem o diria senão você?
Sra. S – Como se escutasse… estava mais atenta a escutar do que a responder. Eu tinha essa sensação.
Dr. Lacan – Em que idade aconteceu por primeira vez, se você pode responder? Não ocorreu somente
quando tinha que responder às provas.
Sra. S – Deve haver sido incluso antes dos fatos das ruas Sév 88, incluso antes das provas. Já não
me lembro, mas foi antes.
Depois, lembro um incidente na casa da minha ama-de-leite. Haviam me colocado, para me punir, na
sala de entrada à bodega. Me lembro disso. Me deu a impressão de que não me puniam a mim. Eu
estava na escuridão, mas não me puniam a mim. Devia ter quatro anos, quatro anos e meio, lembro
esse incidente.
Dr. Lacan – Você se lembra desse incidente como se houvesse marcado...
Sra. S – Era uma punição, certamente. Se tinham me colocado aí, não lembro por que me puniram,
mas me deu a impressão de que não era a mim a quem puniam. Logo, já não lembro de nada
mais. Dez anos, doze anos, não me lembro.
Dr. Lacan – Então isso é algo diferente; você disse: não era a mim a quem puniam.
Sra. S – Também não faz muito tempo desde que voltou essa memória.
Dr. Lacan – Quando a lembrou?
Sra. S – No mês de setembro. Desde há um tempo penso muito mais no meu passado do que teria
esperado.
Dr. Lacan – O que é que, para você, pode explicar isso, que pense muito mais no seu passado?
Sra. S – Não sei; mas tenho memórias que voltam do passado, fatos que eu tinha a impressão de ter
esquecido completamente; já não pensava nunca neles... memórias da minha infância e da minha mais
fofa infância que voltam.
Dr. Lacan – Disse que não era você a que estava ali?
Sra. S – Me lembro. Me vejo pequenininha por trás dessa porta, no fundo, era como se não
houvessem me punido; lidei bem, consequentemente, devia ter realmente muito medo. Talvez
essa foi a primeira vez que eu compreendi que havia uma dupla.
Dr. Lacan – Essa vez, a dupla não estava detrás de você, a dupla era você.
Sra. S – Sim, mas não tinha medo.
Dr. Lacan – A dupla era você, a pessoa a que puniram. Como é quando se sente uma dupla? É
como se dissesse que tem uma sombra, não é?
Sra. S – É.
Dra. Lacan – O que quer dizer com que não tinha medo?
Sra. S – É complicado. Me parece que uma força me dizia que não tivesse medo.
Dr. Lacan – Uma força lhe dizia… então, era de você mesma de quem se tratava.
Sra. S – É a primeira vez que eu...
Dr. Lacan - … que você mandava.
Sra. S – Como na frente dessa casa; atravessei a rua, não tinha nenhuma razão para olhar a
fachada.
Dr. Lacan – Me fala das outras vezes em que isso aconteceu.
Sra. S – Agora, já não lembro.
Dr. Lacan – Igualmente sabe que não aconteceu poucas vezes.
Sra. S – Sim, algumas vezes.
Dr. Lacan – As suficientes como para que você saiba que não lhe assusta. Sabe que são coisas que
acontecem e então as enfia todas no mesmo saco. Cada vez que lhe acontece, sente que não é
original, senão que é algo que conhece bem?
Sra. S – Sim.
Dr. Lacan – Que relação acredita que há entre essa sensação e... há um momento utilizei a palavra
“habitada”?
Sra. S – Não me transtorna. Eu lhe presto atenção, mas não me transtorna. Outro incidente,
quando eu estava com o meu marido. A primeira vez, de muitas outras, que vi ao meu futuro
marido. Me lembro muito bem.

Dr. Lacan – Foi algo da mesma natureza?


Sra. S – Por isso pronunciei a palavra “positivo”. Em geral, eram incidentes positivos para mim.
Então era positivo, agora, não pode se falar da mesma forma.
Dr. Lacan – É o tom de estas coisas o que mudou?
Sra. S – Tenho a impressão de que é menos positivo, mas eu lhe prestava atenção de uma forma
concreta. Havia momentos em que era positivo e outros em que não o era em absoluto.
Dr. Lacan – O que fazemos agora?
Sra. S – Eu gostaria de voltar a minha casa.
Dr. Lacan – Quer voltar a sua casa? Onde está, a menina, agora?
Sra. S – Na minha casa.
Dr. Lacan – Quem se ocupa dela?
Sra. S – Continua sendo a pessoa que estava conosco.
Dr. Lacan – Continua sendo ela... já trouxeram ela aqui para você?
Sra. S – Uma vez só, ontem… não, antes de ontem quarta-feira. Fazia quase um mês, não a
tinha visto.
Dr. Lacan – Qual é a relação entre estar “habitada” e suas duas tentativas? Você enxerga uma relação?
Sra. S – Uma relação?
Dr. Lacan – Era algo assim, suas tentativas aparentemente justificadas pelo estado que acabamos de
ver, quer dizer, você e o outro... sente que era algo diferente a isso, que no final das contas você é capaz
de suportá-lo, que era outra coisa a que a tirava do sério, quer dizer... não vai voltar a fazê-lo?
Sra. S – Não vou.
Dr. Lacan - Não vai voltar fazer algo assim?
Sra. S – Não.
Dr. Lacan – Então tem algo que a retém.
Sra. S – Tem.
Dr. Lacan – Diz para mim? Para me dar uma alegria?
Sra. S – Não, porque senti que podia... que tentaria fazer o melhor pela minha filha... oh não, não
é por ... em absoluto.
Dr. Lacan – Nas duas tentativas, é verdade que se sentiu habitada?
Sra. S – Sim, é traumático, mas, de fato, é assim.
Dr. Lacan – Sente que isso… me diz que...
Sra. S – Agora me sinto bem. Quero voltar a m e apaixonar com algo, pelo menos me
moderar.
Dr. Lacan – Como vai seguir, a vida? Vai ir trabalhar agora?
Sra. S – Se é possível, vou, com certeza.
Dr. Lacan – Devem ter se dispersado um pouco, os seus clientes.
Sra. S – Sim, certamente. Isso supõe um problema. Não sei, não os vi mais, há três semanas – um
mês que parei de trabalhar. Tudo depende do tempo que eu for ficar aqui, não sei.
Dr. Lacan – Vamos tentar colocá-la o antes possível em circulação.
(silencio bastante longo)
É o que parece mais razoável. Você pensa que está louca, diga?
Sra. S – Em algum momento.
Dr. Lacan – Porque aqui há malucos.
Sra. S – Como todos estamos sob o mesmo regime, fazemos todos o mesmo, você chega duvidar
de si mesmo, isso não é confortável.
Dr. Lacan – Não, certeza que não é confortável. Por esse motivo precisamente sairá de aqui a
pouco, será o melhor.
Sra. S – Sim, mas isso não depende de mim.
Dr. Lacan – Depende do doutor Cz. Certeza de que o doutor Cz seguirá os meus conselhos. Vou
lhe aconselhar que a deixe sair, não imediatamente, com certeza. Inclusive, tudo depende de
você. É melhor que saia daqui quando esteja como antes.
Sra. S – Sim.
Dr. Lacan – Então, vai dizer ao doutor Cz?
Sra. S – Que eu me sinto bem?
Dr. Lacan – O dirá quando seja verdade, com certeza. O que você pensa das histórias do
occipício?
Sra. S – Não sei, me entedia, não sei o que é.
Dr. Lacan – Apareceu de novo, desde o 19 de janeiro?
Sra. S – Tenho uma sensação de peso.
Dr. Lacan – Agora mesmo, tem essa sensação?
Sra. S – Experimento uma enorme propensão à fadiga, como se eu fosse idosa, idosa... a
impressão de que poderia dormir um ano inteiro agora mesmo.
Dr. Lacan – Não acontece nada por dormir.
Sra. S – Comeria um pouquinho e quando estivesse cansada, me dormiria. É uma reação que não
tinha antes.
Dr. Lacan – O que acontecia antes?
Sra. S – Aconteceu comigo, fiquei cansada, enquanto agora me sinto... Tenho outros sintomas, me
disseram que era a medicação.
Dr. Lacan – Você tem outros sintomas?
Sra. S – Tenho tremedeira, já não posso correr, se dou três passos, eu fico sem fôlego.
Dr. Lacan – Que medicação toma?
Sra. S – Anafranil e Nozinan.
Dr. Lacan – O que pensa disso? Lhe acalmaram?
Sra. S – Me colocaram conta-gotas. Estou com edemas e com uma espécie de dermatose.
Dr. Lacan – Que dermatose? Tem eczemas?
Sra. S – Tenho bastantes, incluso pela manhã.
Dr. Lacan – Um eczema ao acordar, não é...
Sra. S – Eu já tinha antes, dermatose, sobretudo na perna esquerda, com certeza nas duas pernas,
mas predominava na esquerda. Aí são terríveis... como tenho a garganta seca etc.
Enquanto o resto, é diferente; é um peso, tenha a impressão de ser bem idosa. Eu tinha a
impressão, porque depois de um mês, aqui há tantas outras coisas, que o sinto menos. Aqui pode
se dormir, temos tempo, não fazemos nada... três semanas dando voltas.
Dr. Lacan – Muito bem, me vou embora.
(a paciente sai)

Dr. Lacan – Não saberíamos tantas coisas se ela não tivesse vindo aqui. Eis aqui o que pode se
dizer. A psicose é mais comum do que pensamos. Está bastante estendida. É verdade que há algo
nela que não tem nada de psicótico e que não consegue suportar.
Dr. CZ – Porém, temos os episódios graves do ano passado. Atravessou momentos catatônicos.
Depois internou-se em um período persecutório.
Dr. Lacan – Não são coisas que eu possa resolver.
Dr. CZ – Parece ter ficado durante dois meses em estado grave. No seu entorno se preocuparam
muito, mas não quis procurar os médicos.
Dr. Lacan – Seu entorno, quer dizer?
Dr. CZ – A moça que mora na casa dela. A sua amiga M, também um antigo paciente, que se uniu
à família e que se relaciona muito com eles desde que ficou viúvo. Eles se encarregaram de todos
seus assuntos, literalmente, a gestão do seu gabinete, com a documentação toda e do divórcio
também. Garantem que a suprirão permanentemente durante o ano todo.
Dr. Lacan – Ela continuou com a sua rotina?
Dr. CZ – De forma automática. Levantar-se, comer, ir trabalhar... Começou perder clientes. Os
mais próximos do seu entorno se alarmaram.
Depois, de repente, começou evitar sair à rua, porque sentia que as pessoas a criticavam. Quando
havia pessoas na sua casa, escutava detrás das portas, com a impressão de que ela era o objetivo,
de que havia microfones por todos os lados. Tinha ficado com um aspecto bastante sério. Houve
um longo período em que não ousava sair na rua.
Dr. Lacan –É um caso em que só fica apostar.
Dr. FA – O que você aposta?
Dr. Lacan – Aposto a que vai recuperar o que acabam de chamar sua rotina, vai retomá-la.
Dr. CZ – Deve receber a notificação de divórcio no 21 de janeiro, em alguns dias. Pela minha
parte, eu gostaria que ficasse um pouco mais, para que se meçam os efeitos.
Dr. Lacan – Sinto que agora ela já fez o seu luto. É verdade que o fez porque eu a empurrei a se
entrincheirar, mas igualmente é favorável: ela teve uma reação emocional que responde a sua
situação objetiva. 21 de janeiro... estamos a 16... Ela vai continuar aqui?
Dr. CZ – Pedi que a façam continuar.
Dr. Lacan – É verdade que em um ano teve um surto psicótico, falando claro. Aí nos leva a
aposta. Quer dizer, que não vai durar.
Dr. CZ – Ainda falta que os clientes não a tenham abandonado por completo e que possa retomar
os clientes.
Dr. Lacam – Evidentemente, temos de fazer um acompanhamento. É preciso manter o contato.
Dr. CZ – De todas as formas, ela tem gente com a que pode contar.
Dr. Lacan – É verdade que se trata de uma situação favorável e que as pessoas que mantiveram o
contato com ela têm estado dando paus de cego ao longo do ano inteiro, porque não sabiam que
era possível trazê-la aqui.
Dr. CZ – Eu acho que não o controlavam. O marido tinha se dado conta, por exemplo.
Dr. Lacan – Você o viu, ao marido?
Dr. CZ – Ele se sente muito culpado. Assume toda a responsabilidade. Ele aceitou tudo o que lhe
disseram os advogados.
Dr. Lacan – Ele se sente muito culpado, ou seja, que está decidindo ir embora para outra parte!
Dr. CZ – A mãe da paciente começou a ter episódios melancólicos há três anos, depois de uma
cirurgia, uma prótese de quadril. Ela ficou muito grave, e tanto assim que a paciente com o seu
marido, opuseram-se a que recebesse tratamento. Parece haver na família uma oposição a que
seja auxiliada. Os que desejavam que a mãe da paciente fosse auxiliada... era o marido, o pai da
nossa paciente. O marido da mãe desejava que a sua mulher fosse atendida, mas antes da
oposição da sua filha e do seu genro, rendeu-se. Há três anos disso. Até agora a mãe da paciente
não recorreu a um psiquiatra e começa vir à tona. Ela teve uma recaída. Aconteceu o seguinte: a
primeira vez que vi ao pai, detive-me muito tempo observando-o, ao pai, porque ele estava preso
em casa com a sua mulher. Ele me explicou que a sua mulher estava muito melhor. Ao dia
seguinte, ele me ligou por telefone para me dizer que a sua mulher havia sofrido uma recaída,
que não podia vir a uma segunda consulta. Em seguida, trouxe a sua mulher. Ele está preso entre
a sua mulher e a sua filha. Ao final, foi com a sua mulher uns dias à Costa Azul.
Dr. Lacan – Enfim, olhe qual é a minha impressão depois desta entrevista. Nestes casos há que
apostar. (Ao doutor Fa): O que tu achas?
Dr. FA – Eu queria que se desse conta de que efetivamente...
Dr. Lacan – Dá a impressão de que a psicose não ganhou, que não é onipresente.
Dr. FA – Temos essa reação favorável, ao final, quando viu a sua filha, aconteceu com ela algo
relacionado com a sua filha do que não era consciente.
(Fim da entrevista às 13 h 15)

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