Fernanda Soares Da Silva Torres - Dissertacao
Fernanda Soares Da Silva Torres - Dissertacao
Fernanda Soares Da Silva Torres - Dissertacao
Rio de Janeiro
2014
Fernanda Soares da Silva Torres
Rio de Janeiro
2014
CATALOGAÇÃO NA FONTE
UERJ/REDE SIRIUS/CEHB
CDU 801
Autorizo, apenas para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou parcial desta
dissertação desde que citada a fonte
__________________________ __________________
Assinatura Data
Fernanda Soares da Silva Torres
______________________________________________
Profª. Dra. Lucia Cyranka
Universidade Federal de Juiz de Fora
______________________________________________
Profª. Dra. Silvia Rodrigues Vieira
Universidade Federal do Rio de Janeiro
Rio de Janeiro
2014
AGRADECIMENTOS
TORRES, Fernanda Soares da Silva. Study beliefs and linguistic bias sixth graders from a
school in the municipality of Paracambi (RJ). 2014. 89 f. Dissertação (Mestrado em
Linguística) - Instituto de Letras, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro,
2014.
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 2- Dados referentes à assertiva “Na minha opinião, o bom professor deve
corrigir os seus alunos quando eles falam errado” .................................... 70
Gráfico 3- Dados referentes à assertiva “Eu acho que as pessoas que têm estudo
(como médicos e advogados) devem falar corretamente” ......................... 71
Gráfico 6- Dados referentes à assertiva “As pessoas que falam errado sofrem
preconceito” ............................................................................................... 75
Gráfico 7- Dados referentes à assertiva “Eu acho feio quando as pessoas falam
errado.” ...................................................................................................... 76
Gráfico 10- Dados referentes à assertiva “O português é uma língua muito difícil” .... 80
Gráfico 11- Dados referentes à assertiva “A escrita é mais importante do que a fala”. 82
Gráfico 12- Dados referentes à assertiva “Eu acho que escrever é mais difícil que
falar” .......................................................................................................... 83
LISTA DE TABELAS
Figura 1 - Teste de atitudes linguísticas utilizado por Cyranka (2007, p.95) ............... 19
Figura 3 - Teste de crenças linguísticas elaborado por Cyranka (2007, p.141 e 142) .. 21
Figura 4 - Teste de crenças linguísticas aplicado nos alunos do sexto ano .................. 48
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ................................................................................................. 12
2 METODOLOGIA ............................................................................................. 27
REFERÊNCIAS ................................................................................................ 88
12
INTRODUÇÃO
Esta dissertação tem como objetivo apresentar um roteiro de atividades realizadas com
alunos do sexto ano do ensino fundamental de uma escola pública no município de
Paracambi, localizado no estado do Rio de Janeiro, cuja intenção é verificar a viabilidade de
abordar o tema Sociolinguística no ambiente escolar. Assim, deseja-se perceber como os
alunos encaram a norma culta1 da língua portuguesa bem como a norma popular2 da mesma.
Isso é necessário para se problematizar a questão do preconceito linguístico na escola e para
que se possibilite um trabalho de desconstrução de um ensino de língua materna voltado
principalmente para o âmbito das gramáticas descritiva e normativa. O ensino baseado na
tradição gramatical não permite que o aluno aprenda sobre as construções de sua variedade
linguística, mas o força a aprender a norma gramatical3. Dessa maneira, o aluno passa a ser
um ser passivo, que tem apenas a aprender e não é dada a oportunidade ao mesmo de trocar
experiências. Dessa maneira, no presente estudo, pretende-se diminuir a distância existente
entre a teoria linguística e a prática pedagógica.
Essa é uma discussão pertinente, tendo em vista que os próprios Parâmetros
Curriculares Nacionais ressaltam a importância de respeitar diversidades regionais, culturais e
políticas que existem no país. Visto que a língua faz parte da aquisição cultural de um povo, a
diversidade da mesma deve ser respeitada. É função da escola, portanto, não apenas respeitar
_____________________
1
Conforme assinala FARACO (2008), “a norma- padrão não é propriamente uma variedade da língua, mas (...)
um construto sócio-histórico que serve de referência para estimular um processo de uniformização.” Já a norma
culta, que o autor chama também de comum ou standard “é a variedade que os letrados usam corretamente em
suas práticas mais monitoradas de fala e escrita (...) é a expressão viva de certos segmentos sociais em
determinadas situações". (p.73) Isso indica que a norma-padrão se trata de uma abstração, uma referência
extraída do uso real, utilizada como tentativa de uniformizar a língua, já a norma culta refere-se aos usos reais
utilizados por falantes escolarizados em situações monitoradas de fala. Dessa forma, diferente do que muitos
pensam, norma-padrão e norma culta não são sinônimos. Por isso, quando se tratar, neste trabalho, da variedade
linguística utilizada pelos falantes letrados em situações monitoradas, utilizaremos o termo norma culta. Vale
salientar que, quando se menciona, neste estudo, norma culta não se está afirmando que apenas os falantes que
tiveram acesso à educação não tenham cultura, refere-se apenas a uma escolha terminológica, apoiada no autor
supracitado.
2
Conforme assinala FARACO (2008), “norma é o termo que usamos, nos estudos linguísticos, para designar os
fatos de língua usuais, comuns, correntes numa determinada comunidade de fala.”(p.40) Quando for citado o
termo norma popular, neste trabalho, será uma referência a variedades linguísticas desprestigiadas ou até mesmo
estigmatizadas.
3
Norma gramatical, para Faraco (2008), é “o conjunto de fenômenos apresentados como cultos, comuns,
standard” pelos gramáticos.
13
a variedade linguística trazida pelo aluno, mas utilizar a mesma para ensinar, inclusive, a
norma culta, como forma de enriquecimento cultural de todos.
Por conta disso, nesta pesquisa, foi realizado um teste de crenças linguísticas, cujos
participantes foram alunos do sexto ano do ensino fundamental. Essa metodologia foi baseada
no trabalho de Cyranka (2007). Após, foram ministradas aulas de Sociolinguística a fim de
conscientizar os alunos sobre o caráter preconceituoso de algumas de suas crenças
linguísticas. Por fim, o teste de crenças linguísticas foi reaplicado nos alunos da mesma turma
a fim de verificar se as aulas contribuíram para que houvesse uma reflexão linguística por
parte dos alunos.
O objetivo geral desta pesquisa é introduzir os pressupostos teóricos da
Sociolinguística na prática pedagógica. Como objetivo específico, vale citar a intenção de
apresentar um roteiro de atividades que foram realizadas com a intenção de fazer com que os
alunos refletissem em suas crenças linguísticas para que o preconceito deles fosse
minimizado. Para alcançar tais metas, aplicou-se o teste de crenças linguísticas antes e depois
das aulas de Sociolinguística, ministradas pela pesquisadora. Espera-se que esta pesquisa
contribua para a difusão da teoria em análise no ambiente escolar.
Esta dissertação apresenta quatro capítulos. No capítulo 1, será feita uma revisão da
literatura visando a indicar de que forma esta pesquisa se enquadra no quadro teórico da
Sociolinguística variacionista. Para isso, será feita uma breve introdução que remontará aos
pressupostos básicos dessa corrente de pesquisa linguística.
A seguir, serão apresentados argumentos que indicam o motivo pelo qual a
Sociolinguística deve ser considerada nas aulas de língua materna da educação básica. Por
último, serão citadas algumas pesquisas que buscaram unir a teoria sociolinguística à prática
pedagógica, por meio do estudo de crenças linguísticas.
No capítulo 2, será descrita a metodologia utilizada, que inclui as aulas ministradas
aos alunos e o teste de crenças linguísticas. Primeiro, será feita uma descrição da escola
selecionada para receber esta pesquisa. A seguir, o perfil da turma será analisado e, por fim,
será indicado como as aulas foram ministradas. Para cada aula, serão feitas análises dos
seguintes tópicos: objetivos da aula, conteúdos trabalhados e reação da turma. Em seguida,
far-se-á uma apresentação do teste.
O capítulo 3 será destinado à análise dos resultados. Serão discutidos os resultados de
ambas as aplicações do teste de crenças linguísticas. Essa parte é fundamental, pois indica as
diferenças que as aulas ministradas propiciaram em relação às crenças linguísticas dos alunos.
14
Na conclusão, serão retomados os principais pontos deste estudo. Podem-se citar como
exemplo o que a segunda aplicação do teste de crenças linguísticas revelou em relação à
capacidade de os alunos refletirem sobre temas sociolinguísticos. Além disso, serão incluídas
projeções para futuras pesquisas, como a possibilidade de se trabalhar com os resultados desta
pesquisa com o objetivo de contribuir para que os professores sejam capazes de trabalhar com
a Sociolinguística na sala de aula.
15
1 REVISÃO DE LITERATURA
O objetivo deste capítulo é indicar os principais estudos que serviram de base a esta
dissertação. Essa parte do trabalho será mais curta, visto que o objetivo principal é relatar as
aulas a fim de verificar a viabilidade de um trabalho com a Sociolinguística na escola,
procurando avaliar a capacidade de os alunos refletirem sociolinguisticamente. Assim, na
seção 1.1, serão analisados brevemente os conceitos da Sociolinguística que foram utilizados
nesta pesquisa. Na seção 1.2, serão mencionadas pesquisas realizadas em salas de aula que
também consideram a variação linguística. Por fim, a seção 1.3 apresentará dois estudos que
se relacionam à Sociolinguística no ambiente escolar e ao estudo de crenças linguísticas.
Seguir-se-á esta ordem a fim de que sejam destacados três aspectos que são relevantes
nesta dissertação: o primeiro refere-se à teoria geral que embasa toda a dissertação, que
consiste na Sociolinguística; o segundo relaciona-se à introdução dessa teoria na sala de aula;
e o terceiro engloba o estudo de crenças linguísticas como meio de descobrir o que os alunos
pensam a respeito de assuntos relacionados à língua, com o intuito de fazê-los refletir sobre a
legitimidade de suas crenças preconceituosas.
Assim, para a Sociolinguística, a língua é uma instituição social e não pode ser
estudada como estrutura autônoma e uma análise linguística deve considerar o contexto
situacional, a cultura e a história dos falantes. Essa é uma área dos estudos da linguagem que é
direcionada à análise da língua em seu uso real; portanto, não são consideradas apenas as
estruturas linguísticas, mas sua relação com os aspectos sociais e culturais da expressão
linguística. Além disso, a variação e a mudança são processos inerentes às línguas, segundo os
preceitos dessa corrente teórica.
Outro fator que precisa ser salientado é a relação entre esta dissertação e o problema
da avaliação, apresentado por Weinreich, Labov e Herzog (2006) como um dos cinco
fundamentos empíricos para o estudo da teoria da mudança linguística. Os autores citam o
problema dos fatores condicionantes, o problema da transição, o problema do encaixamento, o
problema da implementação e o problema da avaliação. Sobre este, Weinreich, Labov e
Herzog (2006) salientam:
Por conta disso, o estudo das crenças linguísticas, que se relaciona ao que o falante
pensa em relação à variedade utilizada por ele em seu meio social e por outros em diferentes
contextos discursivos, contribui para a discussão do problema da avaliação linguística
laboviano.
Isso indica que é papel da escola ensinar a norma gramatical. Por esse motivo, “os
professores e, por meio deles, os alunos têm que estar bem conscientes de que existem duas
ou mais maneiras de dizer a mesma coisa”. (Bortoni-Ricardo, 2006, p.15) Assim, o professor
precisa ser capaz de compreender as diferentes normas utilizadas pelos alunos.
Serão apresentados nesta seção exemplos de estudos realizados em unidades escolares que
foram embasados nos princípios da Sociolinguística e utilizaram o conceito de crenças
linguísticas. Para isso serão analisadas três pesquisas realizadas por Cyranka (2007 e 2011).
O teste de atitudes linguísticas foi realizado em alunos da oitava série em cinco escolas
diferentes, sendo quatro da rede pública de ensino e uma da rede privada. Os alunos ouviram
as falas de três representantes de diferentes variedades linguísticas, sendo elas: urbana culta,
rural e rurbana (intermediária) para a realização dos experimentos. Esse continuo refere-se ao
que foi proposto por Bortoni-Ricardo (2004), que será melhor explicado na próxima seção. A
cada participante foi apresentada uma relação de seis atributos, sendo três relacionados à
dimensão de poder (inteligente, competente, rico) e três à de solidariedade (honesto,
simpático e boa pessoa). Havia, ao lado de cada atributo, sete traços horizontais para os quais
o aluno deveria dar uma nota entre 1 e 7. Abaixo há um exemplo do que correspondeu ao teste
de
atitudes linguísticas.
Figura 1- Teste de atitudes linguísticas utilizado por Cyranka (2007, p.95)
aleatória. Seguem, abaixo, as informações sobre cada entrevistada. Vale salientar que os
nomes que constam no quadro são fictícios.
Figura 2 - Informações relativas aos entrevistados para a composição do teste de atitudes linguísticas de
Cyranka (2007, p.70).
Figura 3- Teste de crenças linguísticas elaborado por Cyranka (2007, p.141 e 142.)
A pesquisadora explicou aos alunos que não havia uma resposta certa e outra errada
para cada uma das questões; portanto, não seria interessante que os alunos dessem as mesmas
22
respostas. Foi aplicado primeiramente o teste de atitudes linguísticas, a fim de propor uma
reflexão sobre a linguagem. Cada gravação foi ouvida duas vezes e os alunos teriam alguns
minutos para atribuírem uma nota. Para o teste de crenças, não foi necessário dar orientação,
pois as questões eram fechadas. O total de tempo utilizado para a realização dos testes foi de
aproximadamente cinquenta minutos.
Os resultados dos testes revelaram alunos em conflito entre a aprovação da variedade
linguística utilizada por eles mesmos (testes de atitudes) e a declaração de que não sabem ler,
nem escrever bem (teste de crenças). Esse é um dado importante, tendo em vista que os
falantes que dominam a norma culta são aqueles que possuem um maior nível de escolaridade
associado, em geral, a um nível socioeconômico mais elevado. Por isso, essa norma é vista
com maior prestígio social do que as demais presentes no cotidiano da sociedade, sendo estas
consideradas, então, como variedades estigmatizadas. Entretanto, não se pode reduzir a
23
Percebeu-se, então, que era o momento de levar os alunos a uma tomada de decisão
mais radical, que consistia em apresentar a eles o contínuo rural/urbano. Para isso, a
pesquisadora ensinou aos alunos o que era um sistema gráfico de representações e, então,
relacionou esse conceito às variedades rural e urbana, nomes que eles já conheciam bem. Os
alunos foram levados a situarem textos e falantes que representavam bem cada uma dessas
variedades. Foram citados Patativa do Assaré e Chico Bento como falantes rurais e Olavo
Bilac, autores de livros didáticos, professores como falantes urbanos, sendo, portanto,
situados, no outro extremo do contínuo. Aos poucos, os alunos citaram conhecidos e parentes,
até chegarem à mídia.
A autora indica que os alunos chegaram ao significado da palavra rurbano por
dedução. Segundo ela, isso ocorreu a partir da comparação de outras palavras formadas pelo
processo de composição, como a palavra planalto, que surge da composição de plano + alto.
Ao serem indagados sobre em qual ponto do contínuo estavam, os alunos se sentiram
intimidados. Tendo em vista que a variedade urbana é a legitimada pela escola, a
possibilidade de se reconhecer distanciado dessa variedade fez com que os alunos ficassem,
inicialmente, em silêncio. A seguir, uma aluna identificou sua avó no falar rurbano. A
pesquisadora, então, perguntou em que ponto do contínuo ela estava e um aluno disse
“rurbano”. A partir do momento em que a pesquisadora escreveu seu nome nessa parte do
contínuo e escreveu o nome das professoras e das bolsistas, os alunos foram se situando em
diferentes pontos do contínuo. Os alunos se reconheceram como falantes rurbanos e
justificaram sua resposta com características de sua fala.
Para que os alunos percebessem o papel da escola em ampliar suas competências
linguísticas, foi escrito o vocábulo escola ao lado de urbano/culto no contínuo. Além disso, o
trabalho não foi realizado apenas em sala de aula, mas em espaços complementares.
Foram realizadas também entrevistas semiestruturadas com as professoras regentes,
que reconheceram a relevância do trabalho para a tomada de consciência por parte dos alunos
do papel que a escola desempenha no que tange à ampliação dos conhecimentos linguísticos
dos alunos. Além disso, a partir dessa pesquisa-ação, os alunos participantes conseguiram
reconhecer a heterogeneidade linguística, o que pode fazer com que eles percebam que cada
uma das variedades estudadas é legítima, de acordo com o contexto em que estão inseridos.
27
2 METODOLOGIA
será demonstrado na seção 2.7. O resultado da aplicação inicial desse teste serviu de base para
a seleção das questões a serem desenvolvidas nas aulas de Sociolinguística. Em seguida,
foram ministradas as aulas. Por fim, os alunos refizeram o mesmo teste de crenças. O objetivo
desta segunda etapa foi verificar se as aulas fizeram com que os alunos refletissem sobre as
suas crenças linguísticas apresentadas na primeira aplicação.
Neste capítulo, haverá três seções. A seção 2.1 apresentará a escola que cedeu
espaço para que esse trabalho acontecesse. Na seção 2.2, será feita uma análise da turma que
participou da pesquisa. Em seguida, as seções 2.3 a 2.6. servirão para detalhar as aulas. Para
cada aula descrita, serão citados os objetivos que foram traçados, os conteúdos ministrados e a
reação da turma diante deles. Em relação à linguagem, deve-se mencionar o fato de, apenas
nas seções que descrevem a turma e cada uma das aulas – seções 2.2, 2.3, 2.4, 2.5 e 2.6 - estar
sendo utilizada a primeira pessoa do discurso.
Como material, foram utilizados giz branco e colorido, quadro-negro, folhas
impressas com as informações a serem analisadas com os alunos. Utilizou-se um celular com
gravador de voz a fim de que a pesquisadora tivesse acesso posterior à reação que os alunos
tiveram ao assistir a cada aula. Isso possibilitou uma análise mais minuciosa da própria aula
ministrada pela professora.
2.1 A escola
Não há biblioteca, apesar de haver uma funcionária responsável pelos livros, que ficam
em uma sala, ocupada por uma turma no turno da manhã, e apenas os alunos do turno da tarde
têm acesso aos livros. Essa situação faz com que poucos alunos se interessem pela leitura de
textos literários.
2.2 A turma
A turma com a qual eu trabalhei era composta por 36 alunos, sendo 19 meninas e 17
meninos. Há alguns alunos que apresentam distorção série/idade, portanto, há significativa
diferença entre a idade desses alunos e a faixa etária da maioria da turma, que é , em média,
de onze anos e oito meses. Os alunos pertencem à classe baixa, no que se refere à questão
econômica, alguns alunos da turma até mesmo recebem benefícios do Governo Federal que
são concedidos a famílias que apresentam baixa renda.
Foi escolhido o sexto ano do ensino fundamental a fim de que os alunos comecem a
construir a noção adequada de língua na época certa, tendo em vista que, conforme assinalado
na seção 1.3.2., segundo Cyranka (2011) , alunos de quinto ano demonstraram segurança em
relação à sua competência linguística, já no sexto ano, os alunos apresentaram uma visão
preconceituosa em relação à sua própria fala.
É importante citar os contínuos propostos por Bortoni-Ricardo (2004), contínuo de
urbanização, contínuo de oralidade- letramento e contínuo de monitoração estilística, a fim de
situar em qual grau do contínuo de urbanização os alunos do município de Paracambi se
encontram. Conforme salienta a autora,
os grupos rurbanos são formados pelos migrantes de origem rural que preservam
muito de seus antecedentes culturais, principalmente no seu repertório linguístico, e
as comunidades interioranas residentes em distritos ou núcleos semirrurais, que
estão submetidas à influência urbana. (BORTONI-RICARDO, 2004,p. 52)
Os alunos estão, portanto, entre o contínuo rural e o urbano, o que é caracterizado pela
zona rurbana do contínuo proposto pela autora supracitada.
Participaram do teste de crenças inicial 33 alunos e, ao mencionar cada aula, citarei os
números de alunos presentes em cada uma. As aulas duraram, em média, trinta minutos.
30
Fui a professora regente dessa turma. Iniciei meu trabalho nesta escola em fevereiro de
2013, no início do ano letivo, e ministro as disciplinas de Língua Portuguesa e Produção de
Texto para a turma com a qual trabalhei nesta pesquisa. No total, tenho cinco tempos com
essa turma. As aulas são realizadas às segundas-feiras das 7h10 às 8h50 e das 10h50 às 11h40
e às quintas-feiras no horário das 7h10 às 8h50. O horário que eu selecionei para a realização
das aulas foi o último tempo das segundas-feiras. Essa escolha se deve ao fato de alguns
alunos chegarem à aula bem atrasados e, no último horário, não haveria retardatários. Além
disso, o fato de esse tempo de aula ser separado facilitou a organização dos alunos. Eu já
chegava à sala de aula e pedia que os alunos guardassem o material para nós conversarmos.
Essas conversas foram tão significativas no início deste ano letivo que, no decorrer do ano, os
alunos pediam que nós voltássemos a conversar sobre “a língua do povo” e “a língua da
escola”.
O teste de crenças linguísticas foi realizado, pela primeira vez, no dia 15 de abril e a
reaplicação aconteceu no dia 3 de junho, após a realização das aulas. As aulas de
Sociolinguística ocorreram nos dias 6, 13, 20 e 27 de maio de 2013. As aulas foram,
predominantemente, expositivas, mas ocorreu intensa participação dos alunos.
2.3.2 Conteúdo
Os alunos estavam bem dispostos a participar dessa aula. Quando eu pedia a opinião
deles, todos queriam falar ao mesmo tempo. Era nítida a vontade da maioria dos alunos
participar.
Ao escrever no quadro as palavras CERTO e ERRADO, perguntei se havia situações
em que esses conceitos eram flexíveis, um aluno citou o fato de, no Brasil, a maconha ser
ilegal e em outros países ser legal. Outro aluno disse que cada um tem sua escolha; por isso,
algo que é errado sob o ponto de vista de uma pessoa pode ser certo para outra.
Quando falei sobre os diferentes pontos de vista dos pais e dos próprios alunos, em
relação a assuntos como cabular aula, colar nas provas e estudar, eles descreveram situações
cotidianas em que a diferença de opiniões é gritante. Uma aluna chegou a dizer “Se os pais
ouvirem a opinião dos filhos, tudo estaria certo”.
2.4.1 Objetivos
33
Para que o aluno consiga aceitar as diferentes variedades com as quais tem contato, ele
deve entender que a língua é heterogênea e variável. Dessa forma, o objetivo desta aula foi
demonstrar aos alunos que as variedades desprestigiadas possuem regras e que as variações
presentes nelas, em relação à variedade culta, são sistemáticas. Essa consciência pode fazer
com que os alunos não tenham preconceito contra a fala dos outros nem com respeito à sua
própria fala.
Sabe-se que é papel da escola conhecer a variedade linguística trazida pelo aluno e não
estigmatizá-la; pelo contrário, ela deve utilizar sua estrutura para ensinar a norma gramatical.
E aos alunos cabe compreender as diferentes modalidades na qual a língua pode existir – fala
e escrita - , bem como reconhecer as diversas variedades para usar a mais adequada a cada
situação. Entretanto, não é isso o que ocorre muitas vezes. Sabe-se que o preconceito
linguístico existe em várias entidades sociais. Por conta disso, a fim de fazê-los refletir sobre a
validade dessa visão estigmatizada, foi trazida à tona essa questão da regularidade da norma
popular.
2.4.2 Conteúdos
TEXTO I
(...) A vida não me chegava nem pelos jornais nem pelos livros
Vinda da boca do povo na língua errada do povo
Língua certa do povo
Porque ele é que fala gostoso o português do Brasil
(...)
(Manuel Bandeira)
TEXTO II
A linguagem
na ponta da língua,
tão fácil de falar
34
e de entender.
A linguagem
Na superfície estrelada das letras,
sabe lá o que ela quer dizer.
(...)
(Carlos Drummond de Andrade)
Sobre o texto I foi feita a seguinte pergunta: “A qual língua o eu lírico tinha acesso?”.
Precisei ensinar aos alunos o conceito de eu lírico, pois eles não conheciam o significado
dessa palavra. A seguir, os alunos responderam que era à língua do povo. Eu perguntei se essa
língua, que é a utilizada pelos falantes em geral, era igual à aprendida na escola. Um aluno
respondeu que era diferente, pois, na rua, se aprende a falar errado e na escola se aprende a
falar certo. Nesse momento, deixei que os alunos falassem o que quisessem, a fim de
estimulá-los a expressar suas opiniões durante as aulas. Um aluno disse: “Já viu mineiro,
como que fala?”. Nesse momento, a turma começou a se sentir à vontade para expressar sua
opinião. Contudo, deixar o assunto variação sem restringi-lo ao campo sociocultural fez com
que os alunos mencionassem a variação diatópica, que não é objeto desta pesquisa. Apesar
disso, não foram ignoradas as observações, pois o objetivo era não reprimi-los, até porque eles
demonstraram estranhar, no início, aquela conversa em uma aula de Língua Portuguesa.
Após os alunos se expressarem, voltei a analisar o texto com eles. Levei-os a pensar
no significado do primeiro texto, que consiste no fato de a vida chegar para o poeta pelo falar
popular. Assim, para que o poeta vivesse, não foi necessário que ele soubesse a língua da
escola, mas seu saber, que se refere à língua materna, ao falar a que teve acesso, foi suficiente
para ele. O objetivo dessa reflexão foi levar os alunos a pensarem sobre a importância da
norma popular, ou “da língua errada do povo”, conforme salienta o poeta.
Comentei ainda sobre Manuel Bandeira mencionar que a norma culta é de acesso
restrito, tendo em vista que está presente ‘nos jornais e nos livros’. Comecei uma discussão no
que se refere a esse fato. Alguns alunos apontaram o fato de conhecerem pessoas que não
tiveram a oportunidade nem mesmo de aprender a ler, como vizinhos ou parentes, sendo,
portanto, exemplos de falantes que não têm acesso à norma culta.
O texto II fez com que discutíssemos sobre a facilidade da “língua do povo”, que é
espontânea, natural e não monitorada, e a língua proposta pela escola, que é artificial, forçada
35
e monitorada. Essa diferença levou-nos a analisar a imposição que, muitas vezes, a escola faz
das normas urbanas de prestígio.
Além disso, levei os alunos a se perguntarem: por que essa língua seria errada? Para
quem ela seria errada? Será que há possibilidade de ela ser certa para alguém? Levar os
alunos a fazerem uma reflexão sobre esse assunto foi o objetivo principal da análise desses
textos.
Após discutir a temática dos textos, foram mostradas aos alunos as diferenças entre a
norma popular, a que chamamos, na aula, de língua do povo. Optou-se por chamar a norma
popular de língua do povo e a norma gramatical de língua da escola, devido ao fato de a
discussão desse tema por parte dos alunos ser bem nova. Essa foi a primeira vez em que
ouviram falar disso, até porque, em muitos professores não mesmo conhecem a organização
das variedades desprestigiadas, o que faz com que ocorra o preconceito com relação à
variedade utilizada pelo seu aluno. Além disso, essa foi a expressão utilizada no texto I.
Entretanto, no final da aula, foi dito que a língua que aprendemos na escola recebe o nome de
norma gramatical e a língua do povo é chamada de norma popular.
Foram, então, apresentados os seguintes exemplos: o menino- os meninos, o pastel –
os pastéis, o cidadão – os cidadãos, o jornal –os jornais. Visto que havíamos estudado, no
mesmo dia, sobre a flexão do substantivo, os próprios alunos disseram quais regras eram
aplicadas em cada um dos exemplos citados. Os alunos perceberam, então, que a norma
gramatical, a que se aprende na escola, tem regras. De forma similar, foram apresentados
exemplos que indicavam que a norma popular, ou língua do povo, também apresenta regras.
Foi, então, citado o fato de, na norma popular, apenas o artigo ser flexionado.
Para efeito de comparação, foi mencionado o seguinte exemplo da língua inglesa: the
book- the books. A seguir, foi dito que, em inglês, só muda o substantivo no plural, o artigo
continua no singular. Portanto, o inglês pareceria um pouco com a “língua do povo”. Com
base nisso, perguntei se poderíamos dizer que a língua do povo é errada. Os alunos
responderam que não.
Apontei ainda o fato de uma sentença como * “o meninos” ser agramatical. Fiz isso
por anotar a sentença no quadro e perguntar aos alunos se eles já haviam ouvido uma
construção como essa. Imediatamente, disseram que não. Isso foi importante para que eles
percebessem que a norma popular apresenta regularidades e não é desordenada, como muitos
pensavam.
Ao final da aula, foi trazida a atenção à situacionalidade discursiva. Ao perguntar qual
das duas formas normas era a certa, os alunos tiveram dúvidas para responder e ficaram bem
36
divididos em relação à resposta. Fiz, então, as seguintes perguntas: “Ir para a praia de vestido
longo é certo? E para um casamento de Havaianas?” O objetivo foi mostrar aos alunos que,
assim como a situação indica a roupa que vamos usar, o contexto determinará o “tipo” de
língua que deve ser utilizado. Não se deve, portanto, pensar em certo e errado, mas em
adequado e inadequado.
Foi perceptível a visão que os alunos têm de si mesmos como pessoas que falam a
língua portuguesa de forma errada. O estigma social está presente na turma, o que faz com
que o preconceito social também ocorra. Frases como “A língua do povo tem muitas gírias”,
“Eu falo errado” e “Eu falo os cana.” foram recorrentes.
No final da aula, todavia, alguns alunos expressaram as seguintes frases “Cada um tem
a sua opinião.”,“ O povo é preguiçoso.”, “O povo não fala de maneira errada a gente que vê
de maneira errada.” e “Eu entendi que cada pessoa tem um modo diferente de falar.” Essas
afirmativas parecem apontar para o fato de os alunos terem entendido que as construções da
norma popular não são assistemáticas e nem indicam que as pessoas que as usam são menos
inteligentes que as demais. Na verdade, toda variedade linguística apresenta regras e os
falantes precisam aprender a utilizar a variedade que melhor se encaixa ao contexto em que
está inserido. Além disso, as manifestações dos alunos indicaram uma aparente mudança em
suas crenças linguísticas.
O objetivo desta aula foi explicar aos alunos algumas regras da norma popular a fim
de comprovar o que foi estudado na segunda aula, que não apenas a norma gramatical tem
regras.
Essa aula torna-se relevante ao se pensar no fato de que o aluno que não domina a
norma culta tende a ser estigmatizado. Isso pode fazer com que ele não se sinta confortável
para se expressar e, pior, ache que não consegue falar corretamente. A consequência disso é
baixa autoestima e a visão dicotômica de que a língua só tem um uso certo e os demais são
errados e que ele e outros falantes de sua comunidade não precisam ser respeitados.
Todavia, essa não é uma verdade. Conforme assinala Bortoni-Ricardo (2011), a
variação linguística cumpre duas finalidades essenciais: a primeira é ampliar a eficácia da
comunicação e a segunda refere-se à marcação da identidade social do falante ou do grupo a
que ele pertence. Sendo assim, rejeitar a variedade linguística utilizada pelo aluno envolve
rejeitar sua identidade ou a do grupo ao qual o indivíduo pertence. Isso pode fazer com que o
aluno se sinta excluído e tenha dificuldade em compreender a relevância de aprender a norma
gramatical, o que tende a desanimá-lo nesse processo.
2.5.2 Conteúdos
urbanas”, como “frauta” e “abêia”, por exemplo. Em seguida, foram utilizados traços
graduais, ou seja, “presentes na fala de todos os brasileiros e, portanto, se distribuem ao longo
de todo o contínuo [rural-urbano]”. (BORTONI-RICARDO, 2004, p.53)
A reflexão proposta nesta aula objetivou induzir os alunos a perceber que o
preconceito linguístico tem uma raiz social e não linguística, pois a noção de erro não é
confirmada por uma análise científica de construções pertencentes à norma gramatical.
Conforme assinala FARACO (2008),
Do ponto de vista estritamente gramatical, as variedades (ou normas) se equivalem,
isto é, todas são igualmente organizadas, todas são igualmente complexas. Isso não
significa que todas as variedades se equivalham socialmente. Há uma diferenciação
valorativa que hierarquiza as variedades. (...) O importante é entender que as
valorações não são ‘naturais’, não são puramente linguísticas, mas resultam do
modo como se constituem as relações entre os grupos sociais.(p.72)
No final da aula, foi discutida a questão de a língua ser utilizada como instrumento de
poder. Salientei o fato de cada pessoa ter o seu jeito de falar, de acordo com fatores sociais,
familiares, escolares e culturais, o que faz com que as pessoas não tenham o direito de ter
preconceito. Além disso, o que é visto como “erro” pela norma gramatical apresenta
regularidades e uma lógica estrutural, inclusive se comparada a outras línguas.
em Camões, descobri que nenhum aluno o conhecia. Eu disse, então, que ele foi um poeta que
viveu no século XVI, em Portugal. A seguir, li os versos citados na subseção anterior a essa.
Ao citar palavras que são consideradas erradas pela norma culta, como “croro”, “frecha” e
“pranta”, perguntei por que estavam escritas daquele jeito. Os alunos me disseram que
Camões devia ser analfabeto. Eu disse que não, que ele sabia ler e escrever, era um inteligente
poeta. Outro aluno me perguntou por que, então, Camões falava dessa maneira. Expliquei
que, naquela época, essas palavras eram vistas como certas. Falar flecha , por exemplo, era
visto como errado. De tanto o povo falar flecha, essa palavra atualmente é considerada certa.
Levei os alunos a pensarem no fato de a língua portuguesa ter uma tendência de transformar o
“l” em “r”. Nesse momento, um aluno mencionou que o português era igual ao Cascão,
personagem dos quadrinhos de Maurício de Sousa.
Analisei o quadro com as palavras em latim, francês, espanhol e português. Depois
disse que quando as pessoas falam “Quero um litro de croro” no lugar de “Quero um litro de
cloro”, não é porque elas são burras. Um aluno me interrompeu, dizendo que essas pessoas
fazem isso porque são latinas. Precisei corrigi-lo e indicar que tais indivíduos são brasileiros e
estão seguindo a tendência do português; por isso, seu modo de falar tem uma lógica.
Ao fazer um paralelo entre algumas palavras do francês e da norma popular, os alunos
citaram alguns parentes que falam de forma estigmatizada, como cuié, por exemplo. Perguntei
se o francês estava errado, pois lá eles falam desse jeito. Um aluno disse: “Não, é o jeito
deles. É a língua deles.”
No final da aula, mencionei que alguns sujeitos utilizam a língua como instrumento de
dominação. Salientei ainda o fato de que cada um tem o seu jeito de falar e não há motivo
para ter preconceito em relação ao modo como alguém fala. Perguntei, então, quem já tinha
sofrido preconceito ao deixar de utilizar a norma culta, ou seja, sido vítima de preconceito
linguístico. Muitos alunos disseram que já haviam presenciado e sido vítimas desse estigma.
Citaram, inclusive, alunos na sala de aula que costumam ser preconceituosos em relação a
isso.
Isso indica que, na escola, o indivíduo deve ter acesso à norma gramatical e cabe aos
componentes do setor pedagógico, o que inclui o professor de língua materna, elaborar
mecanismos para que os alunos aprendam essa variedade linguística. Além disso, privar os
alunos menos favorecidos socialmente de dominar a norma culta constitui segregação. Por
esse motivo, julgou-se necessário, nesta pesquisa, salientar aos alunos que a norma gramatical
deve ser ensinada nas aulas de língua materna.
Essa aula foi elaborada para revisar os conteúdos aprendidos nas aulas anteriores e
indicar a importância da norma gramatical não apenas no contexto educacional, mas na
sociedade de forma geral. Conforme assinala POSSENTI (2000, p.13), deve-se ensinar a
norma gramatical nas escolas, pois pensar que os alunos que não a dominam não devem ou
não conseguem entendê-la é um equívoco.
2.6.2 Conteúdos
Tendo em vista que esta foi uma aula de revisão, foram apontados os principais
aspectos trabalhados em cada uma das aulas: não existe erro em uma análise puramente
linguística dos fenômenos de variação linguística, a norma popular apresenta variações
42
sistemáticas e o falante precisa ser capaz de utilizar a variedade linguística que melhor se
adapta a cada contexto em que está inserido.
Após a revisão, foi passado que o papel da escola é ensinar a norma gramatical, o que
não significa impor ao aluno uma forma como certa. Foi mencionado ainda que a norma culta
é essencial em determinados contextos, principalmente no que tange à escrita, por isso
precisamos aprendê-la. Isso não significa que precisamos sempre falar de acordo com o que
aprendemos na escola, pois o contexto que indicará a variedade que devemos utilizar.
Os alunos pareceram compreender o que foi dito, pois disseram que a “língua da
escola” era para ser usada na escola, quando fizessem provas e trabalhos, e a “língua do povo”
em outros lugares, como em casa e com os amigos. Perceber que diferentes variedades
linguísticas podem – e devem – ser utilizadas de acordo com a situação sociodiscursiva teve
um efeito positivo sobre os alunos. Foi possível notar ainda que os alunos apreciaram saber
que não falavam errado, mas precisavam aprender em que contexto utilizar cada modo de
falar.
Nesta seção, será explicada como ocorreu a elaboração e a aplicação do teste de crenças
linguísticas, que foi parte da metodologia desta dissertação. Como já mencionado, o estudo
que embasou esta dissertação foi de Cyranka (2008); entretanto, houve significativas
diferenças na presente pesquisa. A subseção 2.7.1 descreverá como ocorreu a elaboração do
teste de crenças. Além disso, na subseção 2.7.2, será explicada a metodologia utilizada em
ambas as aplicações do teste de crenças linguísticas.
A seguir, serão relatadas as etapas pelas quais passou a elaboração do teste de crenças
linguísticas que constitui parte do corpus desta pesquisa. Essa subseção servirá de justificativa
para o teste que foi elaborado e para o entendimento de sua relevância no contexto desta
pesquisa.
Antes de ser realizado o teste de crenças linguísticas com os alunos do ensino
fundamental, foi apresentada uma versão preliminar a três adultos. Objetivou-se, neste teste
piloto, verificar a consistência da relação entre as crenças e atitudes linguísticas. A primeira
parte consistiu em apresentar dez sentenças – cinco pares de crenças e atitudes linguísticas a
três informantes adultos, sendo dois homens e uma mulher de diferentes níveis de
escolaridade – ensino fundamental e médio. Entre as crenças e as atitudes linguísticas havia
uma relação de causa e efeito – as crenças levavam a atitudes. As atitudes apresentadas
relacionavam-se a cultura, amigos e parentes, escola e falantes escolarizados. A seguir, serão
citadas as crenças linguísticas apresentadas e as atitudes a elas relacionadas:
1. CRENÇA O bom professor deve sempre falar de acordo com as regras gramaticais
(ou “corretamente”)
ATITUDE Se eu ouvisse algum professor dizer “Odeio chicrete de hortelã”, eu
acharia que ele ensina a matéria de forma errada, por isso eu nem prestaria atenção na
aula dele.
ATITUDE Quando algum parente meu fala errado, como por exemplo, “O
Framengo é melhor que o Botafogo”, eu corrijo.
CRENÇA 1 F F F
ATITUDE 1 V F F
CRENÇA 2 V F F
ATITUDE 2 F F F
CRENÇA 3 V V V
F F F
ATITUDE 3
CRENÇA 4 V V V
ATITUDE 4 V V V
CRENÇA 5 V V V
ATITUDE 5 F F V
A fim de verificar se o teste que seria aplicado nos alunos poderia ser apresentado
dessa forma, também foi feita uma entrevista com uma formanda do curso de Bacharelado em
45
___________________
4
Devido a compromissos de trabalho, que assumi no ano de 2013, o tempo que pude dedicar à dissertação foi
drasticamente reduzido. No primeiro ano de mestrado, fui bolsista, portanto, havia planejado elaborar uma
pesquisa mais extensa, o que acabou não acontecendo.
46
de relação estabelecida entre sujeito, fala e escrita. Seis assertivas indicavam a relação do
sujeito com a escrita, dez do sujeito com a fala e oito entre fala e escrita. Observa-se, portanto,
um ponto de vista com pouco equilíbrio. Há, no teste, oito assertivas subjetivas e dezesseis
neutras.
No que se refere ao estudo realizado em Paracambi, vale ressaltar o fato de, no teste de
crenças linguísticas, ter-se tentado equilibrar o número de sentenças subjetivas e neutras.
Além disso, foram utilizados três grandes grupos de crenças linguísticas: em relação à escrita
e à fala e no que diz respeito ao preconceito linguístico. Para cada um desses grupos,
foram elaboradas duas sentenças neutras e duas subjetivas. O teste de crenças linguísticas
apresentou, portanto, dezesseis assertivas. Esse número se justifica devido à faixa etária dos
alunos participantes. Se o teste apresentasse 24 assertivas, tornaria cansativo para os
participantes. Isso foi confirmado pela reação de alguns alunos, que ressaltaram o fato de o
teste estar extenso. Por outro lado, caso o teste apresentasse oito frases, seria pouco para a
distribuição em cada item – escrita, fala e preconceito linguístico - , pois cada item contaria
apenas com uma questão objetiva e uma neutra. Veja, abaixo, o teste aplicado:
47
48
Na tabela a seguir, estão incluídas as questões utilizadas no teste que foram baseadas
em Cyranka (2007).
Baseada na sentença de
SENTENÇAS
Cyranka (2007):
O bom professor deve sempre O bom professor de Português
falar de acordo com as regras FALA sempre de acordo com
gramaticais. as regras de gramática.
A escrita é mais importante do A língua ESCRITA é mais
que a fala. importante do que a
FALADA.
O grande diferencial em relação ao teste realizado por Cyranka (2007) diz respeito à
inclusão da temática do preconceito linguístico no teste de crenças. Outra diferença em
relação ao estudo supracitado refere-se à inserção de elementos distratores, procedimento
comum empregado a fim de que os participantes não percebam o objetivo do teste. O objetivo
de incluir estas sentenças foi verificar a atenção que os alunos concederam ao teste; erros em
sentenças distratoras revelam um teste que não foi realizado bem por parte do aluno e é
passível de ser descartado. Foram utilizadas as seguintes frases distratoras: “ Escrever é muito
fácil porque a gente já nasce sabendo.”, “As pessoas do nordeste falam igual às pessoas do
Rio.”, “O português é bem diferente do japonês.” e “As pessoas de idades diferentes falam de
formas diferentes.”, com o objetivo de verificar a atenção que os alunos concederam ao teste.
50
O teste de crenças linguísticas foi realizado duas vezes com os alunos do sexto ano de
escolaridade de uma escola municipal, localizada em Paracambi, RJ. A primeira aplicação
ocorreu no dia 15 de abril de 2013 e teve como objetivo verificar as crenças linguísticas dos
alunos em relação à fala, à escrita e ao preconceito linguístico. Após esta etapa, foram
ministradas as quatro aulas de Sociolinguística a fim de fazer com que os alunos refletissem
em suas crenças linguísticas que apresentassem um viés preconceituoso. Essas aulas foram
realizadas nos dias 6, 13, 20 e 27 de maio de 2013. Por fim, foram aplicadas, novamente, as
assertivas do teste de crenças para verificar até que ponto os alunos haviam absorvido o
conteúdo das aulas, tendo em vista que este foi o primeiro contato dos participantes com o
tema. Esta segunda aplicação ocorreu no dia 03 de junho de 2013.
Foram apresentadas duas listas, com o objetivo de verificar se a mudança de ordem de
apresentação das sentenças interferiria na resposta dos alunos. A lista 1 seguiu esta ordem de
apresentação das sentenças: escrita neutra, fala neutra, preconceito neutra, distratora, escrita
subjetiva, fala subjetiva, preconceito subjetiva, distratora, escrita neutra, fala neutra,
preconceito neutra, distratora, escrita subjetiva, fala subjetiva, preconceito subjetiva e
distratora. A lista 2 seguiu a ordem inversa, sendo apresentada, portanto, da seguinte forma:
distratora, preconceito subjetiva, fala subjetiva, escrita subjetiva, distratora, preconceito
neutra, fala neutra, escrita neutra, distratora, preconceito subjetiva, fala subjetiva, escrita
subjetiva, distratora, preconceito neutra, fala neutra e escrita neutra. Veja, a seguir, duas
tabelas que indicam a ordem em que assertivas apareceram em cada lista. A tabela 3 indica a
ordem de apresentação da lista 1. Na tabela 4, encontram-se as sentenças ordenadas tal como
foram incluídas na lista 2.
CLASSIFICAÇÃO DAS
ASSERTIVAS ASSERTIVAS
51
Há só um jeito certo de
ESCRITA – NEUTRA
escrever.
CLASSIFICAÇÃO DAS
ASSERTIVAS ASSERTIVAS
Há só um jeito certo de
ESCRITA – NEUTRA
escrever.
.
Na primeira aplicação, estavam presentes 33 alunos. A professora regente da turma
entregou aos alunos o teste de crenças linguísticas, que consistia em dezesseis questões
divididas em duas folhas de papel A-4. Ela disse aos discentes que eles deveriam responder às
questões de acordo com o que achavam, pois não havia resposta certa ou errada para nenhuma
das questões. Com o título Atividade de Português, a professora ressaltou o fato de não ser
atribuída nenhuma nota ao exercício feito. Outro pedido foi que todas as questões fossem
respondidas e que nenhuma folha apresentasse o nome do aluno que a marcou.
À segunda aplicação compareceram trinta alunos. O mesmo procedimento adotado na
primeira aplicação foi utilizado na reaplicação do teste.
Em ambas as aplicações, os alunos compreenderam bem os comandos e realizaram a
tarefa pedida. Houve alunos que deixaram de responder a alguma pergunta; isso pode ter
acontecido por falta de atenção ou pelo fato de não estarem acostumados a fazer esse tipo de
atividade. Os alunos levaram, em média, vinte minutos para realizar o teste.
55
“NÃO
SENTENÇAS “CONCORDO”
CONCORDO”
neutra, fala neutra, escrita neutra, distratora, preconceito subjetiva, fala subjetiva, escrita
subjetiva, distratora, preconceito neutra, fala neutra e escrita neutra.
“NÃO
SENTENÇAS “CONCORDO”
CONCORDO”
“NÃO
SENTENÇAS “CONCORDO”
CONCORDO”
As pessoas de idades
diferentes falam de
13= 52% 12=48%
formas diferentes.
As pessoas do nordeste
falam igual às pessoas do 0=0% 25= 100%
Rio.
O português é bem
25= 100% 0=0%
diferente do japonês.
O bom professor deve
FALA – NEUTRA 16= 64% 9= 36%
sempre falar de acordo
59
A escrita é mais
importante do que a fala. 13=52% 12= 48%
ESCRITA –
NEUTRA Há só um jeito certo de
escrever. 9= 36% 16= 64%
As pessoas já riram de
mim quando eu falei
18=72% 7=28%
alguma coisa errada.
Para confirmar o que foi mencionado acima, devem-se observar os resultados das
sentenças “O Português é uma língua muito difícil”, “A escrita é mais importante do que a
fala”, “Há só um jeito certo de escrever” e “Eu acho que escrever é mais difícil que falar. e “A
escola só deve ensinar o jeito certo de falar”. Apenas 20% dos alunos consideraram a
primeira sentença verdadeira, o que indica um número muito reduzido em relação ao total de
alunos. Essa crença, de que a língua portuguesa é muito difícil, é muito propagada nos
ambientes escolares, incluindo professores que ministram aulas de língua materna.1 Apesar
disso, os alunos que participaram desta pesquisa não demonstraram concordar com esse mito
linguístico. A ideia de que escrever é mais importante que falar, apresentada na segunda
assertiva, em geral, também é difundida na escola. Poucos são os professores que apresentam
aos alunos a importância dos gêneros orais e escritos, além de indicarem a relevância de cada
um dentro do contexto em que o autor deste está inserido. Indicar que a fala tem o seu papel e
é mais importante, em determinadas situações comunicativas, do que a escrita é um fato que
muitos alunos desconhecem. Mesmo assim, 48% dos alunos, quase a metade dos
participantes, indicaram que não concordavam com a ideia de que a escrita é superior à fala.
A terceira crença linguística, de que há apenas uma forma correta de escrever, teve 64% de
discordância, o que se relaciona à justificativa sobre a crença anterior. 56% dos participantes
informaram que não concordam com estas assertivas: “Eu acho que escrever é mais difícil que
falar” e “A escola só deve ensinar o jeito certo de falar”. Esse dado aponta para um olhar mais
flexível em relação ao papel da escola enquanto ambiente educador e coloca a escrita no
mesmo patamar de dificuldade da fala.
Apesar do aparente avanço em relação ao preconceito linguístico, há outros dados que
merecem ser destacados, como os que serão apontados a seguir. Deve-se salientar que 96%
dos alunos concordaram com a sentença “Na minha opinião, o bom professor deve corrigir os
seus alunos quando eles falam errado.” Isso pode se relacionar à visão que os alunos de sexto
ano têm do professor, como figura que representa o ensinar; portanto, a ele caberia corrigir os
erros dos alunos. Com a assertiva “Para eu escrever bem, é necessário que eu fale de forma
certa”, 76% dos alunos concordaram, indicando que creem que a fala de acordo com as regras
gramaticais é necessária para que um indivíduo escreva corretamente. Outro fator que chama
_______________________
5
Uma análise detalhada dessa crença, que não se confirma ao se analisar dados científicos, pode ser encontrada
em Bagno (2011, p.51). No livro, há a explicação para dez mitos linguísticos, mas nem todos constituem crenças
linguísticas.
62
a atenção se refere a 72% responderem que concordavam com as sentenças: “As pessoas que
falam errado sofrem preconceito” e “As pessoas já riram de mim quando eu falei alguma
coisa errada”. Essas crenças se relacionam entre si, pois, pelo fato de uma parte desses jovens
que foram objeto desta pesquisa já ter sido vítima do preconceito linguístico, eles chegaram à
conclusão de que esse tipo de estigma existe.
Assim como foi feito na primeira aplicação, na segunda, foram utilizadas duas listas
diferentes. Esta aplicação, que ocorreu no dia 3 de junho de 2013, após as quatro aulas de
Sociolinguística, seguiu os mesmos critérios de análise da primeira. A seguir, será possível
verificar que, em relação à seção anterior, que apresentou os dados referentes apenas à
primeira aplicação. Nesta seção, não serão apenas apresentados dados da segunda aplicação,
mas, sempre que necessário, será feita uma comparação entre ambas as aplicações.
Trinta alunos participaram desta segunda aplicação e sete deles foram retirados da
contagem final pelos mesmos critérios adotados na análise dos resultados da primeira
aplicação. Por isso, seguem os resultados nas tabelas abaixo, que contam com um total de 23
participantes, onze que responderam à lista 1 e doze que responderam à lista 2.
Vale salientar a importância dessa segunda aplicação para que o objetivo proposto
neste trabalho seja alcançado. Visou-se, nesta pesquisa, verificar, inicialmente quais eram as
crenças linguísticas dos alunos, por meio do teste de crenças. Em seguida, foram ministradas
as aulas de Sociolinguística, pois se desejava que os alunos refletissem sobre o que foi
ministrado nas aulas, como a estrutura de variedades estigmatizadas, bem como os usos
adequados de diferentes normas linguísticas, de acordo com o contexto. Como forma de
verificar até que ponto os objetivos haviam sido atingidos, aplicou-se posteriormente o teste
de crenças nos alunos.
Na tabela 8, seguem os dados obtidos na segunda aplicação da lista 1 do teste de
crenças linguísticas. Vale relembrar que a lista 1 seguiu esta ordem de apresentação das
sentenças: escrita neutra, fala neutra, preconceito neutra, distratora, escrita subjetiva, fala
subjetiva, preconceito subjetiva, distratora, escrita neutra, fala neutra, preconceito neutra,
distratora, escrita subjetiva, fala subjetiva, preconceito subjetiva e distratora.
63
“NÃO
SENTENÇAS “CONCORDO”
CONCORDO”
“NÃO
SENTENÇAS “CONCORDO”
CONCORDO”
“NÃO
“CONCOR
SENTENÇAS CONCORD
DO”
O”
As pessoas de idades diferentes
DISTRATORAS 10=43,5% 13=56,5%
falam de formas diferentes.
66
certa.
PRECONCEITO –
As pessoas já riram de mim
SUBJETIVO
quando eu falei alguma coisa
18= 78,3% 5= 21,7%
errada.
Na primeira aplicação, 36% dos alunos não concordaram com essa assertiva, resultado
um pouco inferior ao da segunda aplicação – 52,2%. Isso parece indicar que, pelo menos,
parte dos alunos compreendeu que até mesmo o seu professor, em determinados contextos,
falará de acordo com a norma popular, o que não fará com que ele seja um mau profissional.
Pelo contrário, saber utilizar diferentes variedades linguísticas de acordo com a situação
68
comunicativa em que se encontra aponta para o fato de ele ser um falante com vasto
conhecimento da língua materna. Reconhecer que, em determinadas situações comunicativas,
utilizar a norma gramatical seria inadequado é um avanço significativo.
Esses dados, apesar de representarem que as aulas de Sociolinguísticas surtiram efeito
nas crenças linguísticas dos alunos, apontam a necessidade que uma parcela dos alunos –
47,8% - sente de ver seu professor falar de acordo com a norma culta. Isso pode indicar que
esses discentes remeteram a assertiva ao ambiente escolar, pensando que a sala de aula seria o
ambiente adequado para o professor utilizar a norma culta. O fato de a sentença apresentar a
palavra “professor” pode ter feito com essa associação do profissional em seu ambiente de
trabalho elaborada pelos alunos. Se a frase fosse mais específica como “O bom professor deve
falar de acordo com as regras gramaticais, inclusive em ambientes particulares, como em casa
e com os amigos”, o resultado poderia ter sido diferente. É importante relembrar que os
alunos estão cursando ainda o sexto ano de escolaridade e, provavelmente, tiveram o primeiro
contato com o tema variação linguística em aulas de língua materna por meio desta pesquisa.
O gráfico abaixo indica percentualmente o quanto foram modificadas as crenças linguísticas
dos discentes participantes.
69
100%
90%
80%
70%
60%
50% "Concordo"
"Não concordo"
40%
30%
20%
10%
0%
Primeira aplicação Segunda aplicação
Gráfico 1- Dados referentes à assertiva “O bom professor deve sempre falar de acordo com as regras
gramaticais”.
b. “Na minha opinião, o bom professor deve corrigir os seus alunos quando eles
falam errado.”
100%
90%
80%
70%
60%
50% "Concordo"
"Não concordo"
40%
30%
20%
10%
0%
Primeira aplicação Segunda aplicação
Gráfico 2- Dados referentes à assertiva “Na minha opinião, o bom professor deve corrigir os seus alunos quando
eles falam errado”.
c. “Eu acho que as pessoas que têm estudo (como médicos e advogados) devem falar
corretamente.”
71
Por mais que não tenha havido uma grande mudança na opinião dos alunos em relação
a essa crença linguística, ela deve ser mencionada, pois houve um pequeno decréscimo em
relação às crenças que remetem ao preconceito linguístico, pois, na primeira aplicação, 68%
das pessoas concordaram com ela e, na segunda aplicação, esse número foi reduzido a 65,2%,
conforme observado no gráfico 3. Nas aulas ministradas, os alunos aprenderam que a norma
popular é utilizada como instrumento de poder, talvez por isso tenham pensado que médicos e
advogados, por exemplo, devem falar corretamente, considerando os contextos em que esses
profissionais se encontram.
Talvez se houvesse uma restrição da fala desses profissionais em ambientes
descontraídos, com amigos ou parentes, os alunos teriam modificado a marcação. Explicitar
os contextos comunicativos em que os profissionais deveriam utilizar a norma culta parece
ter apontado este resultado.
100%
90%
80%
70%
60%
50% "Concordo"
"Não concordo"
40%
30%
20%
10%
0%
Primeira aplicação Segunda aplicação
72
Gráfico 3 - Dados referentes à assertiva “Eu acho que as pessoas que têm estudo (como médicos e advogados)
devem falar corretamente”.
Em relação à sentença “Há só um jeito certo de escrever”, 36% dos alunos acreditaram
ser verdadeira, na primeira aplicação, mas esse número foi reduzido, depois das aulas de
Sociolinguística, para 21,7%. É importante citar que uma parte dos alunos talvez tenha
continuado a apresentar essa crença linguística por ter sido mencionado nas aulas o fato de a
norma gramatical estar relacionada à escrita. Nas aulas, foi indicado que a língua ensinada na
escola deveria ser utilizada nos testes, nas provas e em outras ocasiões em que a modalidade
escrita era requerida. Assim, os alunos podem ter relacionado a norma gramatical à
modalidade escrita da língua.
Apesar disso, a pesquisa aponta que parte dos alunos reconheceu que, independente da
modalidade escolhida para elaborar um discurso, o falante precisa considerar o gênero textual
a ser utilizado e a situação discursiva em que está inserido. O gráfico abaixo contribui para
uma visualização mais clara da diferença entre ambas as aplicações, no que se refere à
assertiva em análise.
73
100%
90%
80%
70%
60%
50% "Concordo"
"Não concordo"
40%
30%
20%
10%
0%
Primeira aplicação Segunda aplicação
Na primeira aplicação, apenas 24% dos alunos não concordaram com a assertiva “Para
eu escrever bem, é necessário que eu fale de forma certa”; na segunda aplicação, 47,8%
discordaram desta crença. Parte dos alunos parece ter entendido que a escrita e a fala são
diferentes processos com complexidades distintas e com graus de importância diferentes, de
acordo com o contexto em que o emissor da mensagem se encontra. Talvez a reflexão a que
as aulas de Sociolinguística levaram tenha feito com que alguns alunos percebessem que
falantes cultos da língua podem utilizar, e provavelmente utilizarão, construções da norma
popular em suas falas não monitoradas, o que não vai indicar que este não domine ambas as
variedades. Apesar de não se tratar nem da metade dos alunos que discordou da assertiva em
análise, pode-se perceber que houve um aumento significativo, conforme se nota no gráfico
74
que se segue. Esse é um avanço, tendo em vista que os alunos tiveram o primeiro contato com
a Sociolinguística nesta pesquisa.
100%
90%
80%
70%
60%
50% "Concordo"
"Não concordo"
40%
30%
20%
10%
0%
Primeira aplicação Segunda aplicação
Gráfico 5- Dados referentes à assertiva “Para eu escrever bem, é necessário que eu fale de forma certa”.
Foi muito destacado, nas aulas, que o preconceito linguístico não deve existir, pois a
norma popular tem regras e cada indivíduo é exposto a diferentes contextos, o que pode ter
contribuído para que os participantes pensassem mais sobre o tema e percebessem que o
preconceito linguístico existe, apesar de não ser algo correto.
100%
90%
80%
70%
60%
50% "Concordo"
"Não concordo"
40%
30%
20%
10%
0%
Primeira aplicação Segunda aplicação
Gráfico 6- Dados referentes à assertiva “As pessoas que falam errado sofrem preconceito.”
significativo. Entender que, caso eles não dominem ainda a norma culta e sofra preconceito,
pode ter feito com que refletissem melhor sobre a “beleza” das construções que evidenciam o
domínio das normas de prestígio. Além disso, a percepção de que as construções da norma
popular são tão válidas, linguisticamente, quanto às da norma culta pode ter induzido os
alunos a perceber que, em se tratando de análise linguística, não existe “feio” ou “bonito”,
mas sim “adequado” e “inadequado”.
Pode ser que alguns alunos tenham concordado com essa assertiva por associarem o
falar errado a expressões linguísticas em desacordo a determinados contextos
comunicacionais e não às construções que se aproximam da norma popular. Pelo fato de as
aulas apresentarem objetivos que se relacionassem à mudança de crenças preconceituosas, e
não especificamente às crenças apontadas no teste, pode ter contribuído para este resultado.
Foi feito dessa forma, pois objetivou-se não apenas mudar os números obtidos na primeira
aplicação do teste, mas conscientizar os alunos da necessidade de respeitar o modo de todas as
pessoas falarem.
100%
90%
80%
70%
60%
50% "Concordo"
"Não concordo"
40%
30%
20%
10%
0%
Primeira aplicação Segunda aplicação
77
Gráfico 7- Dados referentes à assertiva “Eu acho feio quando as pessoas falam errado.”
Pelo que foi salientado no tópico anterior, os alunos parecem ter se sentido mais à
vontade para dizer que já foram vítimas de preconceito linguístico, pois esse número
aumentou de 72% para 78,3%, como indica o gráfico 8. Perceber que o erro é de quem tem
preconceito linguístico, pois não conhece, em muitos casos, a estrutura da norma popular
parece ter feito com que os alunos vissem que eles não estão errados, tampouco são culpados,
por não obedecerem a todas as regras da norma gramatical em suas falas espontâneas.
Esse resultado é relevante pelo fato de os alunos tratarem esse assunto com mais
naturalidade. Conforme mencionado, nas aulas, após a professora conversar sobre o tema
“Preconceito linguístico”, antes da segunda aplicação do teste de crenças linguísticas, os
alunos já haviam indicado que sofreram preconceito.
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100%
90%
80%
70%
60%
50% "Concordo"
"Não concordo"
40%
30%
20%
10%
0%
Primeira aplicação Segunda aplicação
Gráfico 8- Dados referentes à assertiva “As pessoas já riram de mim quando eu falei alguma coisa errada”.
ressaltou-se o papel social da escola de ensinar a norma gramatical, o que pode ter feito com
que os resultados do gráfico 9 fossem apresentados.
100%
90%
80%
70%
60%
50% "Concordo"
"Não concordo"
40%
30%
20%
10%
0%
Primeira aplicação Segunda aplicação
Gráfico 9- Dados referentes à assertiva “A escola só deve ensinar o jeito certo de falar”.
algumas construções das variantes estigmatizadas é mais difícil do que decorar as regras de
flexão dos substantivos.
Pensar no Português como uma entidade homogênea é mais fácil do que pensá-lo em
uma língua; portanto, passível de sofrer variação e mudança. Debater sobre os diferentes
modos de se falar de acordo com as questões socioeconômicas e até regionais, citadas pelos
alunos nas aulas- apesar de não ser objeto deste estudo – pode ter feito com que mais alunos
concordassem com a assertiva em análise. Aceitar a ideia de que existem, em geral, duas ou
mais possibilidades de expressar as mesmas ideias pode ter feito com que os alunos
pensassem na Língua Portuguesa como um complexo objeto de estudo, como é possível
perceber a partir da análise do gráfico abaixo.
100%
90%
80%
70%
60%
50% "Concordo"
Não concordo
40%
30%
20%
10%
0%
Primeira aplicação Segunda aplicação
Gráfico 10- Dados referentes à assertiva “O português é uma língua muito difícil”.
100%
90%
80%
70%
60%
50% "Concordo
"Não concordo"
40%
30%
20%
10%
0%
Primeira aplicação Segunda aplicação
Gráfico 11- Dados referentes à assertiva “A escrita é mais importante do que a fala”.
100%
90%
80%
70%
60%
50% "Concordo"
"Não concordo"
40%
30%
20%
10%
0%
Primeira aplicação Segunda aplicação
Gráfico 12- Dados referentes à assertiva “Eu acho que escrever é mais difícil que falar”.
acreditar que a língua apresenta um caráter homogêneo, ou seja, pareceu não ter entendido ou
aceitado o que foi trabalhado nas aulas de Sociolinguística. O perfil inverso, que consistiu nas
pessoas que responderam “não” a essas mesmas questões também foi traçado.
Na primeira aplicação, apenas um informante marcou que concordava com as questões
acima assinaladas, sendo o único componente do perfil de aluno que tinha uma visão
preconceituosa em relação à língua. É importante citar que esse aluno, que respondeu
“concordo” a todas as questões indicadas acima foi descartado na contagem de todos os dados
desta pesquisa, por responder "concordo" à frase" As pessoas do nordeste falam igual às do
Rio", que era uma distratora que, estava incorreta.
Na segunda aplicação, realizada após as aulas de Sociolinguística, um participante
respondeu “concordo” a todas as questões que formavam o perfil em questão. Vale salientar
que esse aluno, apesar de ter tido suas respostas contabilizadas na pesquisa – por não se
encaixar em nenhum parâmetro de corte – parece não ter fornecido a devida atenção ao teste,
pois marcou "concordo" em quase todas as questões, com exceção de três. Além disso, dois
alunos responderam “não concordo” a todas as questões que formavam o perfil.
Esses dados apontam para o fato de ter havido uma receptividade por parte dos alunos
em relação ao tema Sociolinguística. É possível relatar que, na segunda aplicação, dois
participantes indicaram não apresentar nenhuma crença preconceituosa em relação à língua,
pois as questões que formavam o perfil são as que se relacionam a esse tema.
Pode-se perceber que, apesar de significativos, os resultados são preliminares. Uma
justificativa para esse fato se deve à realidade em que os estudos sociolinguísticos estão
expostos na educação básica no país. É bem provável que os alunos nunca tenham tido
contato com esse tipo de informação. A visão de que uma aula de português deve ser
ministrada apenas com uma gramática normativa e um dicionário ainda é aceita por muitas
escolas, seja por falta de acesso às descobertas acadêmicas, seja pelo fato de muitos não as
aceitarem, por existir uma ideia ainda muito preconceituosa em relação à língua. Assim, por
se tratar de um primeiro contato dos alunos com o tema Sociolinguística, consideram-se
promissores os resultados obtidos nesta pesquisa. Isso não indica que os recursos ou temas
que se relacionam à Sociolinguística a serem trabalhados nas escolas se esgotam aqui, mas,
este estudo pode servir de base a posteriores pesquisas e trabalhos, tendo em vista que indicou
a viabilidade de trabalhar com esse tema em sala de aula.
85
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ensinar a língua materna, sem dúvida, não é uma tarefa fácil, principalmente quando
se consideram fatores como condições socioeconômicas e culturais do atual cenário brasileiro.
Essa afirmação não se refere apenas ao contexto da rede pública de ensino, mas em muitos
casos na rede privada. Esse não é o foco deste estudo analisar as condições políticas do país,
contudo, o que foi mencionado relaciona-se ao âmbito social, estando, portanto relacionado, à
teoria de análise adotada nesta pesquisa: a Sociolinguística. Foram citados alguns problemas
que permeiam o sistema educacional brasileiro a fim de sugerir uma reflexão sobre o papel do
professor de Língua Portuguesa diante deles.
Apesar disso, ao se formar e decidir ser professor de Português, o profissional se lança
em uma incrível jornada. Ensinar “a gramática”, as técnicas de escrita e a periodização da
literatura brasileira é o obstáculo colocado à frente desse professor. A palavra “obstáculos”
refere-se aqui às limitações impostas pelo sistema educacional que, na maioria das vezes, não
permite que o aluno aprenda o que deveria aprender.
Pode-se fazer tal afirmação, pois, em cada área de todo o conhecimento científico há
críticas a serem feitas. Não seria diferente com o professor de Língua Portuguesa que, em
apenas quatro, cinco ou, no máximo seis tempos semanais precisa dar conta de um imenso
conteúdo programático – e ainda assim ensinar os alunos a ter uma visão crítica do que
aprendem. Somar todas as atribuições citadas à tarefa de utilizar a norma popular como
instrumento de construção do conhecimento de normas gramaticais pode parecer impossível.
Um dos objetivos desta dissertação é mostrar aos professores da educação básica que essa
tarefa é muito difícil, mas é possível.
Fala-se em ensinar a norma gramatical como se fosse teorema, fórmula física, como
se, para aprendê-la bastasse decorar regras. Em muitos contextos educacionais, o ensino da
gramática é desvinculado de sua aplicação em situações discursivas. Assim, ao se formar no
curso de Licenciatura em Letras, o profissional tende a sair com várias ideias e sugestões
metodológicas a serem aplicadas em sala de aula, mas se depara com outra realidade. A
cobrança no que se refere a ensinar a língua portuguesa como se ela se restringisse apenas à
gramática é recorrente. Por isso, esse estudo pretendeu “encurtar” a distância entre o que se
aprende nas Universidades e o que realmente ocorre nas aulas de língua materna.
Ensinar aos alunos que a língua varia e está em constante mudança pode fazer com
que eles tenham uma visão mais positiva das aulas de língua materna. Se, sempre que
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REFERÊNCIAS
______. Nada na língua é por acaso: por uma pedagogia da variação linguística. São Paulo:
Parábola Editorial, 2007.
______. A norma oculta: língua & poder na sociedade brasileira. São Paulo: Parábola
Editorial, 2003.
BORTONI-RICARDO, Stella Maris. Nós cheguemu na escola, e agora? São Paulo: Parábola
Editorial, 2011.
______. Educação em língua materna: sociolinguística na sala de aula. São Paulo: Parábola
Editorial, 2003.
______. Uma perspectiva sociolinguística com o trabalho escolar com a língua materna. In:
______. Dos dialetos populares à variedade culta: a sociolinguística na escola. Curitiba:
Appris, 2011. p.127-141.
DIAS, Ana Maria Ioro. Discutindo caminhos para a indissociabilidade entre ensino, pesquisa
e extensão. Revista Brasileira de Docência, Ensino e Pesquisa em Educação Física, v. 1, n. 1,
p.37-52, ago. 2009.
FARACO, Carlos Alberto. Norma culta brasileira: desatando alguns nós. São Paulo:
Parábola Editorial, 2008.
PETTER, Margarida. Linguagem, Língua, Linguística. In: FIORIN, José Luiz (Org.).
Introdução à Linguística I: objetos teóricos. 6. ed. São Paulo: Contexto, 2011. v. 1.
PINTO, Camila Maria Augusto; FRAGA, Letícia. Professores de língua em formação e o /R/
retroflexo: um estudo sobre atitudes linguísticas. Paraná: Unioeste, 2011.
POSSENTI, Sírio. Por que (não) ensinar gramática na escola. Campinas, SP: Mercado de
Letras: Associação de Leitura do Brasil, 1996. (Coleção Leituras no Brasil)
RAMOS, Heloísa. Falar é diferente de escrever. In: ______. Por uma vida melhor. São Paulo:
Editora Global, 2011. (Coleção viver, Aprender).