Proteina G
Proteina G
Proteina G
RESUMO
Objetivos: revisar o assunto proteína G e seus mecanismos de transdução celular, de forma abrangente e didática.
Fonte de dados: foram revisados artigos específicos sobre o tema, disponíveis em periódicos eletrônicos e encontrados
através das bases de dados LILACS, PubMed e SciELO.
Síntese dos dados: a transdução de sinais é uma função fisiológica que intermedeia o estímulo externo e a resposta
celular, sendo o passo de conversão intracelular do agonismo de várias substâncias. Os compostos proteicos envolvidos
nessa atividade estão presentes em todos os sistemas do organismo; consequentemente, disfunções na sua estrutura
culminam em estados patológicos diversos. A descrição da dinâmica da transdução, da estrutura e funções da proteína
G e do seu papel em algumas doenças foram abordados nesta revisão.
Conclusões: a revisão da literatura mostra que o tema proteína G não tem gerado muitos trabalhos experimentais.
Entretanto, o estudo desse composto protéico evidencia sua grande importância na fisiologia, indicando que disfunções
na sua estrutura resultam em vários estados patológicos.
DESCRITORES: TRANSDUÇÃO DE SINAL; SUBUNIDADE BETA DA PROTEÍNA G; SUBUNIDADES BETA DA PROTEÍNA
DE LIGAÇÃO AO GTP; SUBUNIDADES GAMA DA PROTEÍNA DE LIGAÇÃO AO GTP; SUBUNIDADE ALFA GI2 DE
PROTEÍNA DE LIGAÇÃO AO GTP.
ABSTRACT
Aims: To review, in a comprehensive and didactic way, the issue G protein and its mechanisms of cellular transduction.
Source of data: Articles that address the specific issue, available online, and found through the databases LILACS,
PubMed and SciELO, were reviewed.
Summary of findings: Signal transduction is a physiological function that mediates the external stimulus and cellular
response; it is the conversion step of agonism of several intracellular substances. The protein compounds involved
in this activity are present in all body systems, thus dysfunction in its structure results in several pathological states.
The description of the dynamics of transduction, structure and functions of G protein and its role in some diseases
were addressed in this review.
Conclusions: The literature review shows that the subject protein G has not generated many experimental studies.
However, the study of this protein compound makes evident its great importance in physiology and indicates that
dysfunctions in its structure result in various pathological conditions.
KEY WORDS: SIGNAL TRANSDUCTION; G-PROTEIN BETA SUBUNIT; GTP-BINDING PROTEIN BETA SUBUNITS;
GTP-BINDING PROTEIN GAMMA SUBUNITS; GTP-BINDING PROTEIN ALPHA SUBUNIT, GI2.
Proteínas G são compostos de alto peso molecular podendo regular a expressão de genes envolvidos na
e ditos heterotriméricos, pois são formadas por três sobrevivência, proliferação, diferenciação e outros
polipeptídios distintos, α, β e γ, formando o complexo processos celulares. Esse estado de ativação é man-
transdutor de sinais melhor conservado entre os tido graças à ação da proteína guanine nucleotide
mamíferos. Levam este nome por interagir com grupos dissociation inhibitor (GDI), que mantém o GTP ligado
guanílicos guanosina difosfato (GDP) e guanosina e a proteína ativa pelo tempo necessário.2,5
trisfofato (GTP). Recentemente, obtiveram-se indícios Uma característica importante da subunidade α
de que esse mecanismo sinalizador também estaria é sua atividade GTPase intrínseca, que dessa forma
presente nos vegetais.² hidrolisa o γ-fosfato do GTP e devolve a afinidade
da subunidade α pelo dímero βγ, de forma a encerrar
HISTÓRICO o ciclo de transdução e manter o trímero disponível
para um novo estímulo. Entretanto, essa atividade
Em 1971, M. Rodbell propôs a existência de um autocatalítica é fraca, sendo necessárias as ações de
intermediário entre o receptor transmembrana e a mais proteínas inativadoras: a proteína ativadora da
enzima amplificadora intracelular. Esse composto GTPase (GTPase activating protein – GAP) e os
ficou desconhecido até os anos 1980, quando Alfred reguladores da sinalização por proteína G (regulators of
G. Gilman conseguiu purificar uma proteína que, após G protein signaling – RGS), que aumentam a atividade
ser inserida ao meio intracelular, devolvia a função da GTPase.2
para as células que apresentavam receptores e enzimas
amplificadoras sadias. Essa descoberta resultou a CLASSIFICAÇÃO DAS PROTEÍNAS G
Gilman e Rodbell o Prêmio Nobel de Fisiologia/
Medicina em 1994.3 As proteínas G são classificadas de acordo com a
Esse composto protéico foi denominado proteína estrutura e sequência da subunidade α, sendo que as
G e extensivamente descrito por Gilman nos anos três principais isoformas são a Gs, a Gq e a Gi. Outras
seguintes, sendo alvo até hoje de pesquisas farmaco- isoformas, como a Gt (proteína transducina), que
lógicas. Suas disfunções são relacionadas com a liga o fotorreceptor da rodopsina na retina, a Go, que
etiologia de muitas doenças, devido à sua ampla regula canais de cálcio, e a Gk, reguladora de canais
distribuição no organismo. 3 de potássio,6 não serão abordadas nesta revisão.
das com a ligação ao GTP) G2 e G3 (responsáveis subunidades α mutantes que se ligavam ao dímero
pela atividade GTPase). São conhecidos 16 genes βγ independentemente da sua ligação ao GTP. Esse
responsáveis pela codificação dessa subunidade, e sequestro resultou na diminuição da formação de
sua sequência estrutural é que caracteriza os diferentes vesículas revestidas por clatrina, proteína responsável
tipos de proteína G.1, 15 pela formação das vesículas membranares nas células.
Estudos recentes identificaram uma característica Assim, doenças que causem mutação na subunidade
genética na família dos peixes-zebra, correspondente α podem interferir na endocitose de transferrina, fator
a uma nova classe de proteínas Gα que pode ser de crescimento epidérmico e lipoproteínas de baixa
introduzida como o quinto elemento em meio aos densidade (LDL), uma vez que as células absorvem
quatro já estabelecidos (Gs, Gq, Gi e G12). Esse esses compostos através dos receptores.18
novo elemento foi denominado Gv. O gene para essa Os fatores ligados à hereditariedade de distúrbios
proteína (GNAV) foi encontrado em diversos reinos gastrointestinais, como a dor epigástrica, podem
animais, como vertebrados, artrópodes, moluscos e ser resultado do polimorfismo do gene GNB3, que
algumas esponjas. Presume-se que essa proteína foi codifica a subunidade β3. Indivíduos que apresentavam
perdida nos animais superiores, como nematódeos, o genótipo 825TT tiveram maior prevalência da
mosca das frutas e mamíferos, por isso ainda não havia síndrome da dor epigástrica. A via exata da transdução
sido descrita.7 ainda não foi elucidada, mas acredita-se que o genótipo
Algumas mutações na subunidade Gα são res- 825TT apresenta uma transdução de sinal mais intensa,
ponsáveis por certas endocrinopatias, já que a maioria levando a uma maior motilidade gastroduodenal. O
dos hormônios tem como sítio de ligação um GPCR.5 polimorfismo do GNB3 não exclui fatores externos,
A síndrome de McCune Albright, resultado de uma como tabagismo, etilismo e dieta, mas pode servir como
mutação somática de substituição da arginina por uma teste preventivo em pessoas com histórico familiar de
histidina ou cisteína, é uma doença esporádica definida síndromes gástricas.19
pela presença de displasia óssea fibropoliostótica,
manchas café au lait e puberdade precoce. Esta tríade PROTEÍNA G E SEUS RECEPTORES
pode apresentar associações com outras endocrinopatias, NO CÂNCER
tais como hipertireoidismo, acromegalia, prolactinoma
e síndrome de Cushing.1 Considerando que o mesmo receptor GPCR pode
interagir com várias isoformas da proteína G, não é de
DÍMERO βγ DA PROTEÍNA G surpreender que alterações em suas funções estejam
relacionadas com doenças de importância proporcional
Existem no mínimo cinco tipos de subunidades β, à sua relevância fisiológica, como nos casos de doenças
que podem ser codificadas por seis genes conhecidos: vasculares, diabetes e câncer.5
β1 a β4 (que apresentam homologia estrutural) e β5, que Como exemplos de alterações somáticas nos
é um pouco menor, o que sugere ter diferentes papéis genes que expressam proteínas dos GPCR, pode-se
ainda não esclarecidos. Já a subunidade γ apresenta citar a ativação constitutiva do receptor de hormônio
12 tipos diferentes, sendo conhecidos 12 genes que a estimulante da tireóide (TSH), que está associada a
codificam. Essas duas subunidades estão associadas adenomas tireoideanos hiperfuncionantes.6 Existem
fortemente por ligações não covalentes, e quando se achados de GPCR que são superexpressos em diversos
encontram ligadas à subunidade α, configuram o estado carcinomas, como por exemplo o receptor de estrogênio
inativo da proteína G.14 acoplado à proteína G, que está em grande quantidade
Por muitos anos pensou-se que o dímero βγ nos tumores de mama, próstata, pulmão e cérebro.5
apenas ancorava a fração α, porém vários estudos Um tipo de GPCR superexpresso em carcinomas
comprovaram que esse dímero também influencia espinocelulares localizados no pulmão, colo do útero,
processos celulares específicos, e essa especificidade pele, bexiga e testículo é o GPR87, um receptor de
parece estar relacionada com as combinações entre as membrana relacionado à família dos receptores LPA.
subunidades.16,17 A inibição de canais de cálcio está Zhang et al.5 relataram que o GPR87 desempenha
ligada seletivamente às porções β2-γ2, e se demonstrou um papel importante na sobrevivência de células
também que γ3 foi importante no acoplamento de neoplásicas, e sua expressão está relacionada com
somatostatina nos receptores de Ca+2 tipo-L.14 o gene supressor de tumor p53. A diminuição da
Esse complexo dimérico também está ligado atividade desse receptor leva à sensibilização, apoptose
a processos de endocitose mediados por recepto- e supressão do crescimento do tumor. Levando em
res, o que ficou evidenciado quando se injetaram conta sua estrutura única, elucidando seus ligantes
naturais e suas vias de sinalização, esse receptor pode haja vista os achados evolutivos que comprovam sua
ser um alvo para o tratamento contra certos tipos de presença em organismos primitivos e perduram até os
câncer.5 organismos mais complexos. Dessa forma, a transdução
Algumas mutações no gene GNAS1, que codifica de estímulos externos em sinais intracelulares
a subunidade Gα, são responsáveis pela formação é comprovadamente um dos fatores de grande
do oncogene GSP, sendo resultado da alteração de importância para a perpetuação das características
códons altamente conservados (arginina e glicina). viáveis na escada evolutiva. Tendo em vista seu papel
Esse oncogene produz uma proteína Gα com baixa abrangente, disfunções nessa estrutura são responsáveis
atividade GTPase. Estudos in vitro mostraram que a por estados patológicos diversos, que em muitos casos
arginina e a glutamina funcionam como estabilizantes se mostram tão importantes quanto sua própria função
do γ-fosfato do GTP; assim, mutações nesses códons fisiológica. Estudos que correlacionem a anormalidade
estão associadas à deficiência do ciclo GTPase, dos complexos transdutores com processos patológicos
levando a uma ativação constitutiva dessa subunidade podem ser a base para descobertas farmacológicas
estimulatória. Essa ativação mantém os níveis de AMPc empregadas na terapêutica de muitas doenças.
consideravelmente altos em alguns tecidos, como
hipófise e tireóide. O AMPc promove proliferação, REFERÊNCIAS
diferenciação e secreção hormonal.1,16
Aproximadamente 40% dos tumores secretores de 1. Fragoso MCBV. Manifestações endócrinas das mutações da
proteína Gs alfa e do imprinting do gene GNAS1. Arq Bras
GH apresentam mutações do tipo missense nos exons Endocrinol Metab. 2002;46:372-80.
8 e 9 do gene GNAS1, que resultam, respectivamente, 2. Coosta R. Departamento de Ciências da Vida. Faculdade
nas substituições dos resíduos de aminoácidos arginina de Ciências e Tecnologia. As proteínas G em vegetais.
(por cisteína ou histidina) e glicina (por arginina ou Coimbra: Universidade de Coimbra, Portugal, 2009.
lisina) da subunidade α da proteína Gs.16 Nesse estado 3. Kresge N, Simoni RD, Hill RL. The Regulation of Adenyl
a deficiência do ciclo GTPase mantém níveis elevados Cyclase by G-protein: the Work of Alfred G. Gilman. J Biol
Chem. 2005;280:e41-3.
de AMPc independentemente do estímulo pelo GHRH,
4. Hauacher OM. Receptores acoplados à proteína G:
provocando hipersecreção hormonal e resultando num implicações para a fisiologia e doenças endócrinas. Arq Bras
fenótipo típico de acromegalia.1 Endocrinol Metab. 2001;45:228-39.
Alguns adenomas corticotróficos também estão 5. Zhang Y, Scoumanne A, Chen X. G Protein-coupled receptor
relacionados com o oncogene GSP, sendo descritos 87: a promising opportunity for cancer drug discovery. Mol
Cell Pharmacol. 2010;2:111-6.
em dois adenomas secretores de ACTH, resultado de
6. Evora PRB, Nobre F. O Papel das G proteínas na
alterações do códon 227.20 A superativação da proteína fisiopatologia das doenças cardiovasculares. Arq. Bras
Gi leva à diminuição significativa do AMPc, o que pode Cardiol.1999;72:209-19.
ativar a proliferação celular, já que esse estado induz 7. Oka Y, Saraiva LR, Kwan YY, Korshing SI. The fifth class of
a ativação da proteína Raf-1, uma cinase que forma Gα proteins. Proc Natl Acad Sci USA. 2009;106:1484-9.
parte da via proteínas cinase ativadas por mitógenos 8. Silva BV, Horta BAC, Alencastro RB, et al. Proteínas
quinases: características estruturais e inibidores químicos.
(MAPK) e finaliza seu sinal no núcleo, onde ativa Quim Nova. 2009;32:453-62.
diversos fatores de transcrição, alterando as vias de 9. Nelson DL, Cox MM. Biossinalização. In: Simões AA,
crescimento celular.21 Lodi WRN [Coord.] Tradução. Lehninger Princípios de
Mutações no gene GNAI2, nos códons que Bioquímica, 4º Ed. São Paulo: Ed. Sarvier; 2006. p. 440-4.
codificam arginina e glicina, levam à formação do 10. Ruggiero GM, Rosa MA, de Mello MF. Mecanismo de ação
do lítio: o papel do fosfatidil inositol. Infanto Rev Neuropsiq
oncogene Gip2, que está relacionado a tumores da Infância e Adolescência. 1994;2:34-41.
ovarianos e adrenocorticais.21 Dessa forma, a proteína 11. Liggett SB, Kelly RJ, Parekh RR, et al. A functional
G pode ser considerada um oncogene, uma vez que polymorphism of the Galphaq (GNAQ) gene is associated
mutações na sua expressão resultam em anormalidades with accelerated mortality in African-American heart failure.
Hum Mol Genet. 2007;16:2740-50.
nas vias de transdução, alterando os fatores que
12. AbdAlla S, Loher H, el Missiry A, et al. Angiotensin II
controlam o crescimento celular.16 AT2 receptor oligomers mediated g-protein dysfunction
in an animal model of Alzheimer disease. J Biol Chem.
CONCLUSÕES 2009;284:6554-65.
13. Guillard C, Chrétien S, Pelus AS, et al. Activation of the
Embora a revisão da literatura mostre que o mitogen-activated protein kinases Erk1/2 by erythropoietin
receptor via a G(i) protein beta gamma-subunit-initiated
tema proteína G não tem gerado muitos trabalhos pathway. J Biol Chem. 2003;278:11050-6.
experimentais, as proteínas G e seus receptores 14. Milligan G, Kostenis E. Heterotrimeric G-proteins: a short
constituem papel crucial na sobrevivência celular, history. Br J Pharmacol. 2006;147:S46-55.
15. Neto MA, Rasacado RR, Bendhack LM. Receptores betas receptor-mediated endocytosis. Proc Natl Acad Sci USA.
adrenérgicos no sistema cardiovascular. Medicina (Ribeirão 1998;95:5057-60.
Preto). 2006;39:3-12. 19. Oshima T, Nakajima S, Yokoyama T, et al. The G-Protein β3
16. Bezerra MGT, Latronico AC, Fragoso MCBV. Tumores subunit 825 TT genotype is associated with epigastric pain
endócrinos associados às mutações das proteínas Gs alfa e syndrome-like dyspepsia. BMC Med Genet. 2010;11:13.
Gi alfa2. Arq Bras Endocrinol Metabol. 2005;49:784-90. 20. Williamson EA, Ince PG, Harrison D, et al. G-protein
17. McCuden CR, Hains MD, Kimple RJ, et al. G-protein mutations in human pituitary adrenocorticotrophic hormone-
signaling: back to the future. Cell Mol Life Sci. 2005; secreting adenomas. Eur J Clin Invest. 1995;25:128-31.
62:551-7. 21. Villapun JCP, Haro RMS, Sierra MJC, et al. Importancia de
18. Hsin CL, Duncan JA, Kozasa T, et al. Sequestration las proteínas G heterotriméricas en la biología molecular del
of the G-protein beta gama subunit complex inhibits cáncer de próstata. Actas Urol Esp. 2005;29:948-54.