An Alise Real Ii: Prof. Dr. Maur Icio Zahn Ufpel

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 131

Prof. Dr.

Maurı́cio Zahn
UFPel

Análise real II
texto de mensagem...

Dedicamos este trabalho a ...


Prefácio

Este material foi elaborado durante o Segundo Semestre letivo de 2016, para
atender a Disciplina de Análise Real II que ministrei para os cursoLicenciatura
Matemática da UFPel. Estas notas de aula estão sendo escritas como um
material de apoio para os estudantes, em conjunto com as lista de exercı́cios, e
corresponde ao conteúdo desenvolvido na referida disciplina.

Maurı́cio Zahn
Conteúdo

1 Preliminares 1
1.1 Preliminares . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1

2 Derivada 5
2.1 Derivadas laterais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9
2.2 A derivada como uma aproximação linear . . . . . . . . . 11
2.3 Regra da Cadeia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 14
2.4 Máximo e mı́nimo local . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 18
2.5 Funções deriváveis em intervalos . . . . . . . . . . . . . . 21
2.6 Fórmula de Taylor . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 34
n
2.6.1 Derivadas sucessivas e a classe de funções C . . 34
2.6.2 Fórmula de Taylor . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 36
2.7 Funções convexas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 45

3 Integrais 53
3.1 A integral definida . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 53
3.1.1 Preliminares . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 53
3.1.2 Integrais superior e inferior . . . . . . . . . . . . . . 56
3.1.3 Funções integráveis . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 57
3.1.4 Critério de integrabilidade . . . . . . . . . . . . . . 62
3.2 Outras propriedades da integral . . . . . . . . . . . . . . . 71
3.3 O Teorema Fundamental do Cálculo . . . . . . . . . . . . 73
3.3.1 Preliminares . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 73
3.3.2 O Teorema Fundamental do Cálculo . . . . . . . . 76
vii
viii Análise II

3.4 Fórmula de Taylor com resto integral . . . . . . . . . . . 82


3.5 Teoremas do Valor Médio para integrais . . . . . . . . . . 84
3.6 Soma de Riemann . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 88

4 Séries 93
4.1 Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 93
4.2 Série geométrica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 97
4.3 Propriedades das séries . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 98
4.4 Testes de convergência . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 103
4.4.1 Teste da comparação . . . . . . . . . . . . . . . . . . 103
4.4.2 Teste da comparação do limite . . . . . . . . . . . . 104
4.4.3 Teste da razão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 105
4.4.4 Teste da raiz . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 107
4.5 Série alternada . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 108
4.5.1 Teste da série alternada . . . . . . . . . . . . . . . . 108
4.5.2 Testes da razão e da raiz para séries alternadas . 111

5 Sequências de funções 113


5.1 Conceito . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 114
5.2 Convergência simples e uniforme . . . . . . . . . . . . . . 114

Índice Remissivo 120


Capı́tulo 1

Preliminares

1.1 Preliminares
Definição 1.1 Seja M 6= ∅. Chama-se uma métrica em M toda aplicação
d : M × M → [0, +∞) tal que cumpra as condições: para todos x, y, z ∈ M ,

(a) d(x, y) ≥ 0 e d(x, y) = 0 se, e somente se, x = y (positividade);

(b) d(x, y) = d(y, x) (simetria);

(c) d(x, y) ≤ d(x, z) + d(z, y) (desigualdade triangular).

Um conjunto não vazio M munido de uma métrica d é chamado de espaço


métrico e é denotado por (M, d). Quando a métrica d estiver subtendida po-
demos nos referir ao espaço métrico M , simplesmente.
Não vamos tratar aqui formalmente um estudo de espaços métricos pois foge
da ementa de nosso curso, estamos apenas elencando alguns conceitos básicos
preliminares que precisamos para nosso curso.

Em nosso curso o espaço métrico (M, d) será (R, d), onde a métrica d é
definida por d(x, y) = |x − y|, onde | · | denota o módulo de um número real.
De fato, é fácil ver que o conjunto R dos números reais (que é um corpo, c.f.
estudado em Análise I) munido da métrica d(x, y) = |x − y| satisfaz as três
2 Análise II

condições da definição de métrica.

Em um espaço métrico (M, d) temos o importante conceito de bolas.

Dado um espaço métrico (M, d), definimos a bola aberta centrada em a e


raio r > 0 por
Br (a) = {x ∈ M : d(x, a) < r}.

Por exemplo, considere M = R2 munido da métrica da soma:

d((x1 , y1 ), (x2 , y2 )) = |x1 − x2 | + |y1 − y2 |.

Prove que d é realmente uma métrica e desenhe a bola aberta centrada na


origem (0, 0) e raio unitário.

Uma bola aberta centrada em um ponto também é chamada de uma vizi-


nhança do ponto, pois tal ponto é interior à bola.

No nosso caso de interesse, é fácil ver que

Br (a) = {x ∈ R : |x − a| < r} = {x ∈ R : a − r < x < a + r},

que corresponde, geometricamente, ao conjunto de todos os pontos no intervalo


centrado em a, a menos de r unidades de distância de a.
Em espaços métricos se desenvolvem conceitos topológicos importantes, tais
como o conceito de abertos, de sequência, de limite e de continuidade. Os mes-
mos já foram devidademente estudados em um curso de Análise I.

No que segue, recordamos o conceito de ponto de acumulação de um con-


junto.

Definição 1.2 Sejam X ⊂ M um subconjunto de um espaço métrico M e


a ∈ M . Dizemos que a ∈ M é um ponto de acumulação de X se ∀ε > 0,
∃ x ∈ X, tal que x ∈ Bε (a) \ {a}.
M. Zahn 3

Em outras palavras, a ∈ X é um ponto de acumulação de X se qualquer bola


aberta centrada em a, exceto o próprio ponto a, contiver pontos do conjunto X.

No caso do espaço métrico ser R munido da métrica usual d(x, y) = |x − y|,


dado X ⊂ R, temos que a ∈ X é ponto de acumulação de X se, para todo
ε > 0, existir x ∈ X, tal que 0 < |x − a| < ε.

Assim, por exemplo, sendo X = (0, 1] ⊂ R, temos que, por exemplo, x = 0


é ponto de acumulação de (0, 1], pois, ∀ε > 0, segue que ∃x ∈ (0, 1] tal que
x ∈ Bε (0) \ {0}. De fato, basta tomar, por exemplo, x = min{ 0+ε 0+1
2 , 2 }.

O conjunto de todos os pontos de acumulação de X é chamado de derivado


de X e é denotado por X 0 .

Exercı́cios
1. Seja M = R2 . Mostre que para x = (x1 , x2 ), y = (y1 , y2 ) ∈ M , a função

|x − y | , se x2 = y2
1 1
d(x, y) =
|x | + |x − y | + |y | , se x 6= y
1 2 2 1 2 2

é uma métrica em M .

2. Seja (M, d) um espaço métrico. Mostre que para quaisquer x, y, z ∈ M ,


tem-se
|d(x, z) − d(z, y)| ≤ d(x, y)

e
|d(x, y) − d(z, w)| ≤ d(x, z) + d(y, w).

3. Seja X = { n1 : n ∈ N}, em R, munido da métrica usual. Mostre que


x = 0 é um ponto de acumulação de X.
4 Análise II
Capı́tulo 2

Derivada

Definição 2.1 Seja I ⊂ R um intervalo aberto, f : I → R uma função, a ∈


I 0 ∩ I (ou seja a é um ponto de acumulação de I que pertence ao conjunto I).
Dizemos que f é derivável em a quando existir o limite
f (x) − f (a)
f 0 (a) = lim .
x→a x−a
f (x) − f (a)
Observe que a função quociente q(x) = está bem definida para
x−a
todo x 6= a, ou seja, em I \ {a}, que possui x = a como ponto de acumulação.

O número real f 0 (a) é chamado de derivada de f no ponto x = a. Conforme


estudado em Cálculo I, tal número possui um significado geométrico interes-
sante: representa o coeficiente angular da reta tangente ao gráfico de f em
(a, f (a)).

Podemos redefinir a derivada em um ponto a da seguinte maneira: pondo


x − a = h, e daı́ obtemos
f (a + h) − f (a)
f 0 (a) = lim .
h→0 h
f (a + h) − f (a)
Nesta notação, verificamos que a função ξ(h) = está bem
h
definida no conjunto {h ∈ R \ {0} : a + h ∈ I}, que possui h = 0 como ponto
5
6 Análise II

de acumulação.

Definição 2.2 Dizemos que uma função f : X → R é derivável no conjunto


X quando existir a derivada de f em todos os pontos a ∈ X ∩ X 0 .

Usando a definição de derivada podemos deduzir todas as regras de de-


rivação comumente estudadas em um curso de Cálculo. Apenas para ilustrar,
vejamos dois exemplos.

Exemplo 1. Dada f : (0, +∞) → R, f (x) = ln x. Logo, para determinar, a


fórmula para f 0 (a), com a ∈ (0, +∞), considere h 6= 0 tal que a + h ∈ (0, +∞).
Assim, de posse do segundo limite notável, vamos obter
 1
0 f (a + h) − f (a) 1 a+h h h
f (a) = lim = lim ln = lim ln 1 + =
h→0 h h→0 h a h→0 a
"   ha # ha · h1
h 1 1
= ln lim 1+ = ln e a = .
h→0 a a

Exemplo 2. Seja f : R → R dada por f (x) = cos x. Vamos determinar f 0 (a),


para a ∈ R. Seja h 6= 0 tal que a + h ∈ R e daı́

cos(a + h) − cos a
f 0 (a) = lim ,
h→0 h
e transformando em produto pela fórmula da Trigonometria
p+q p−q
cos p − cos q = −2 sen · sen ,
2 2
assim, usando o primeiro limite notável, vamos obter

−2 sen 2a+h · sen h2 2a + h


f 0 (a) = lim 2
= lim − sen = − sen a.
h→0 2 h→0 2
Teorema 2.3 (Regras de derivação) Sejam f, g : I → R deriváveis em um
ponto a ∈ I ∩ I 0 . Então f ± g, f · g e f /g (neste caso g(a) 6= 0) são deriváveis
em a e
(f ± g)0 (a) = f 0 (a) ± g 0 (a),
M. Zahn 7

(f · g)0 (a) = f 0 (a) · g(a) + f (a) · g 0 (a),


 0
f g(a) · f 0 (a) − f (a) · g 0 (a)
(a) = .
g [g(a)]2

Demonstração. Basta aplicar a definição de derivada em cada uma. Faremos


apenas a terceira e deixamos a prova das duas primeiras para o leitor.

Sejam f, g nas hipóteses do Teorema. Assim,

( fg )(a + h) − ( fg )(a)
 0
f
(a) = lim ,
g h→0 h

se o limite acima existir. Vamos mostrar que tal limite de fato existe, calculando
o seu valor. De fato,
f (a+h) f (a)
( fg )(a + h) − ( fg )(a)
 0
f g(a+h) − g(a)
(a) = lim = lim =
g h→0 h h→0 h

f (a + h) · g(a) − g(a + h) · f (a)


= lim =
h→0 h · g(a + h) · g(a)
f (a + h) · g(a) − f (a) · g(a) + f (a) · g(a) − g(a + h) · f (a)
= lim =
h→0 h · g(a + h) · g(a)
h i h i
g(a) f (a+h)−f
h
(a)
− f (a) g(a+h)−g(a)
h
= lim =
h→0 g(a + h) · g(a)
g(a) · f 0 (a) − f (a) · g 0 (a)
= .
[g(a)]2


Exercı́cios
1. Use a definição de derivada para calcular a derivada de cada função num
ponto de acumulação a do domı́nio:

(a) f : (0, +∞) → R, f (x) = x.
(b) f : R → R, f (x) = sen x.
8 Análise II

2. (Sel. Mestrado UFRGS 2005/2) Seja f (x) = ln x, x > 0. Supondo


conhecido que f é derivável em 1 e que

ln(1 + h)
1 = f 0 (1) = lim ,
h→0 h
prove que
1
f 0 (x) =
x
para todo x > 0.

3. Sejam f, g, h : I → R tais que, para todo x ∈ I se tenha f (x) ≤ g(x) ≤


h(x). Se num ponto a ∈ I ∩ I 0 tem-se f (a) = h(a) e existirem f 0 (a) =
h0 (a), mostre que existe g 0 (a) e tem o mesmo valor.
Obs. Podemos dizer que este resultado é o “Teorema do sanduı́che para derivadas”.

4. Seja f : I → R contı́nua. Dado a ∈ I ∩ I 0 , defina ξ : I → R pondo



 f (x)−f (a) se x 6= a
x−a
ξ(x) = .
L se x = a

Prove que ξ é contı́nua se, e somente se, existe f 0 (a) e f 0 (a) = L.

5. (Sel. Mestrado UFRGS 2009/2) Suponha que f : (a, b) → R é


derivável em x ∈ x ∈ (a, b).
1 f (x + h) − f (x − h)
(a) Prove que f 0 (x) = lim .
2 h→0 h
(b) A igualdade acima sugere a possibilidade de uma nova definição da
noção de diferenciabilidade e de derivada. Pergunta-se: esta nova
maneira resulta em uma noção de derivada equivalente à usual?

6. (Sel. Mestrado UFRGS 2013/2) Sejam f, g, h funções definidas no


intervalo [0, b), satisfazendo

f (0) = g(0) = h(0) e f (x) ≤ g(x) ≤ h(x) para x ∈ [0, b).

(a) Prove que f, g e h são deriváveis em 0, então

f 0 (0) ≤ g 0 (0) ≤ h0 (0).


M. Zahn 9

(b) Prove que se f e h são deriváveis em 0 e f 0 (0) = h0 (0), então g é


derivável em 0 e g 0 (0) = f 0 (0) = h0 (0).
(c) Seja g : [0, +∞) → R a função definida por

0 , se x = 0
g(x) =
x2 sen 1  , se x > 0
x

é derivável em x = 0? Em caso afirmativo, qual é a sua derivada?


A derivada é contı́nua no zero? Justifique sua resposta.

7. (Sel. Mestrado UFRGS 2013/1) Seja f uma função definida num


intervalo aberto (a, b) ⊂ R que contém a origem.

(a) Prove que se f é derivável em 0, então


f (x) − f (−x)
lim = 2f 0 (0).
x→0 x
(b) Mostre que se f é uma função par, então o limite do item anterior
existe mesmo que f não seja derivável em 0. Dê exemplos de funções
em que o limite acima existe e que não sejam deriváveis.
(c) Prove que se f é monótona e
f (x) − f (−x)
lim = 0,
x→0 x
então f é derivável em 0.

2.1 Derivadas laterais


Do mesmo modo que foi estudado em limites, temos o conceito de derivada
lateral, como segue.

0
Definição 2.4 Seja f : I → R e a ∈ I ∩ I+ (ou seja, a é um ponto de acu-
mulação à direita de I, pertencente a a), definimos a derivada à direita de f
no ponto a por

0 f (x) − f (a) f (a + h) − f (a)


f+ (a) = lim = lim .
x→a+ x−a h→0+ h
10 Análise II

0
Definição 2.5 Seja f : I → R e a ∈ I ∩ I− (ou seja, a é um ponto de
acumulação à esquerda de I, pertencente a a), definimos a derivada à esquerda
de f no ponto a por

0 f (x) − f (a) f (a + h) − f (a)


f− (a) = lim = lim− .
x→a− x−a h→0 h

Quando a ∈ I ∩ I 0 então temos que a é ponto de acumulação à esquerda e à


0 0
direita de f e podemos definir ambas as derivadas laterias em a: f− (a) e f+ (a).
Como tais derivadas laterais são, na verdade, limites laterais, concluı́mos que
f é derivável em x = a se, e somente se, as derivadas laterais existirem e forem
iguais. Ou seja,
∃f 0 (a) ⇔ f−
0 0
(a) = f+ (a).

Exercı́cios
1. Dada f : R → R definida por f (x) = |x|. Calcule as derivadas laterais
0 0
f− (0) e f+ (0). O que concluı́mos sobre a existência de f 0 (0)? O que isso
significa geometricamente?

2. Seja a ∈ I um ponto de máximo local para a função f : I → R. Se f


0
possui derivada à direita no ponto a, mostre que f+ (a) ≤ 0. Se existir
0 0
f− (a), mostre que f− (a) ≥ 0. Dê um exemplo onde em um máximo local
existam as derivadas laterais e sejam diferentes.

3. Seja f : I → R contı́nua no intervalo aberto I. Se, para cada x ∈ I,


0 0
existir f+ (x) e for f+ (x) > 0, então f é crescente.

4. (Sel. Mestrado UFSM 2009/1) Mostre que a função f : R → R dada


por

x3 sen 1 , se x 6= 0
x
f (x) =
0 , se x = 0

e derivável com derivada primeira contı́nua.


M. Zahn 11

2.2 A derivada como uma aproximação linear


Nesta seção vamos apresentar uma outra maneira de definir a derivada de uma
função num ponto, como sendo uma aproximação linear.

Se f for uma função derivável em um ponto a, defina o número r(h) por

r(h) = f (a + h) − f (a) − f 0 (a) · h.

Assim, temos que


 
r(h) f (a + h) − f (a)
lim = lim − f 0 (a) = 0.
h→0 h h→0 h
A ilustração abaixo fornece uma ideia geométrica para a definição de r(h).

O número r(h) é denominado de resto de h e o limite acima nos diz que o


resto r(h) converge para zero quando h converge para zero, mais rapidamente
do que h, ou seja, tem-se que r(h) << h, significando que r(h) é muito menor
do que h. Isto posto, podemos redefinir o conceito de derivada em um ponto
como segue.

Definição 2.6 Seja I ⊂ R um intervalo aberto, f : I → R uma função, a ∈


I 0 ∩ I. Dizemos que f é derivável em a se existir o número f 0 (a) ∈ R tal que,
pondo
f (a + h) = f (a) + f 0 (a) · h + r(h),
12 Análise II

tem-se
r(h)
lim = 0.
h→0 h
Exemplo. Dado f (x) = sen x, sabemos que para todo a ∈ R, tem-se que
f 0 (a) = cos a. Então,

sen (a + h) = sen a + cos a · h + r(h),

onde
r(h) sen (a + h) − sen a − cos a · h
lim = lim =
h→0 h h→0 h
 
sen a · (cos h − 1) sen h cos a · h
= lim + · cos a − = 0.
h→0 h h h
Ou seja, temos que para h pequeno,

sen (a + h) ≈ sen a + h · cos a.

A expressão f 0 (a) · h, que fornece uma boa aproximação para o acréscimo


f (a + h) − f (a), recebe o nome de diferencial de f no ponto a, e costuma ser
denotado por
df (a) = f 0 (a) · h.

Vejamos um exemplo mais prático: Vamos obter uma aproximação para


√ √
4, 1. Para isso vamos considerar f (x) = x. Como f 0 (a) = 2√
1
a
, pondo

f (a + h) = f (a) + f 0 (a) · h + r(h),

temos que
r(h)
lim = 0 (Verifique!)
h
h→0

Logo, temos que, para h “pequeno”, vale a aproximação


√ √ 1
a+h≈ a + √ · h,
2 a
1
ou seja, tomando a = 4 e h = 0, 1 = 10 , como h é “pequeno”, temos uma

aproximação linear, em termos de h para 4, 1:
p √ 1 1 81
4, 1 ≈ 4 + √ · = = 2, 025.
2 4 10 40
M. Zahn 13


Apenas para comparar, uma calculadora cientı́fica nos fornecerá para 4, 1
a aproximação 2, 0248456731.
Um resultado importante que temos é o seguinte:

Proposição 2.7 Se f : I → R é uma função que é derivável em a ∈ I ∩ I 0 ,


então f é contı́nua em a.

Demonstração. Como f é derivável em a segue que existe f 0 (a) tal que

f (a + h) = f (a) + f 0 (a) · h + r(h),

r(h)
com lim = 0.
h→0 h

Assim,

lim f (a + h) = lim [f (a) + f 0 (a) · h + r(h)] = f (a),


h→0 h→0

pois r(h) << h e r(h) → 0 quando h → 0. Logo,

lim f (a + h) = f (a),
h→0

ou seja, f é contı́nua em a.


Como um bom exercı́cio, prove esse resultado usando a Definição 2.1.

Observação 2.8 Como se estuda em Cálculo, é bem sabido que a recı́proca


da Proposição acima não é, em geral, verdadeira. Por exemplo, f : R → R
dada por f (x) = |x| é contı́nua em 0, mas não é derivável em 0. Verifique isso
usando derivadas laterais!

Exercı́cios

3

4
1. Usando diferenciais, encontre uma aproximação para 9 e para 15.

2. (Sel. Mestrado UFRGS 2015/1)


14 Análise II

(a) Seja f : I → R derivável no ponto a ∈ I. Mostre que a função


r : J → R definida no intervalo J = {h ∈ R : a + h ∈ I} pela
igualdade
f (a + h) = f (a) + f 0 (a) · h + r(h),
r(h)
satisfaz lim = 0.
h→0 h
(b) Sejam f, g : I → R deriváveis no ponto a ∈ I, com f (a) = 0 = g(a)
e g 0 (a) 6= 0. Mostre que

f (x) f 0 (a)
lim = 0 .
x→a g(x) g (a)

x2 − 1
(c) Calcule lim .
x→1 x − 1

3. Seja I ⊂ R um intervalo aberto e a ∈ I. Mostre que f é derivável em a,


com derivada L, se, e somente se, existir uma função ηf : I → R tal que
ηf (a) = 0, ηf é contı́nua em a, e

f (x) = f (a) + (x − a)(L + ηf (x)), ∀x ∈ I.

2.3 Regra da Cadeia


Teorema 2.9 (Regra da cadeia) Sejam A e B intervalos abertos, f : A → R,
g : B → R funções com f (A) ⊂ B, a ∈ A e b = f (a). Se f é uma função
derivável em a e g uma função derivável em b = f (a), então a função g ◦ f :
A → R é derivável em a e

(g ◦ f )0 (a) = g 0 (f (a)) · f 0 (a).

Demonstração. Sejam f e g funções nas hipóteses acima. Assim, sendo f


derivável em a e g derivável em b, temos

f (a + h) = f (a) + f 0 (a) · h + r1 (h)

e
g(b + k) = g(b) + g 0 (b) · k + r2 (k)
M. Zahn 15

r1 (h) r2 (k)
com lim = 0 e lim = 0.
h→0 h k→0 k

Dado h 6= 0 tal que a + h ∈ A, montemos a composição no ponto a + h.


Assim,
g(f (a + h)) = g(f (a) + f 0 (a) · h + r1 (h)).

sabendo que f (a) = b e chamando k = f 0 (a) · h + r1 (h) = f (a + h) − f (a),


temos

g(f (a + h)) = g(f (a)) + g 0 (f 0 (a) · h + r1 (h)) + r2 (f 0 (a) · h + r1 (h)) =

= g(f (a)) + g 0 (f 0 (a) · h + r1 (h)) + r2 (f (a + h) − f (a)).

Subtraindo g(f (a)) na igualdade acima e, após, efetuando a divisão por h,


obtemos
 
g(f (a + h)) − g(f (a)) 0 0 r1 (h) r2 (f (a + h) − f (a))
= g (f (a)) f (a) + + .
h h h
r1 (h)
Como → 0 quando h → 0, temos
h
g(f (a + h)) − g(f (a))
(g ◦ f )0 (a) = lim =
h→0 h
r2 (f (a + h) − f (a))
= lim g 0 (f (a)) · f 0 (a) + =
h→0 h
r2 (f (a + h) − f (a))
= g 0 (f (a)) · f 0 (a) + lim .
h→0 h
Portanto,
r2 (f (a + h) − f (a))
(g ◦ f )0 (a) = g 0 (f (a)) · f 0 (a) + lim .
h→0 h
Resta apenas mostrar que o limite à direita da igualdade acima vale zero.
Porém, notamos que r2 (f (a + h) − f (a)) = 0 se f (a + h) − f (a) = 0, e se h 6= 0
temos
r2 (f (a + h) − f (a)) r2 (f (a + h) − f (a)) f (a + h) − f (a)
= · =
h f (a + h) − f (a) h
r2 (k) f (a + h) − f (a)
= · → 0 · f 0 (a) = 0 quando h → 0.
k h
16 Análise II

r2 (f (a + h) − f (a))
Portanto, concluı́mos que → 0 quando h → 0 e então
h
(g ◦ f )0 (a) = g 0 (f (a)) · f 0 (a)

e o teorema está provado.




Vejamos um exemplo de aplicação.

Exemplo. Dados f : R → (−1, 1) e g : (−1, 1) → R, respectivamente, por



f (x) = sen x e g(x) = x + 1, determine (g ◦ f )0 (x).

Solução. Como (g ◦ f )0 (x) = g 0 (f (x)) · f 0 (x), pela regra da cadeia, temos

1
f 0 (x) = cos x e g 0 (x) = √ ,
2 x+1
e então
1 cos x
(g ◦ f )0 (x) = g 0 (f (x)) · f 0 (x) = p · cos x = √ .
f (x) + 1 2 sen x + 1

Exercı́cios
1. (Sel. Mestrado UFRGS 2005/2) Seja f, g : R → R tais que f (g(x)) =
x, para todo x ∈ R. Suponha que g seja derivável e com derivada não
nula em todos os pontos. Prove que f é derivável e que
1
f 0 (g(x)) = ,
g 0 (x)

para todo x ∈ R.

2. (Sel. Mestrado UFRGS 2004/1) Prove que lim f 0 (x) = 0, onde


x→0

1
f (x) = g(x) sen , x 6= 0
x
sabendo que g : R → R é duas vezes derivável com segunda derivada
contı́nua e satisfazendo g(0) = g 0 (0) = g 00 (0) = 0.
M. Zahn 17

3. Seja I um intervalo aberto. Uma função f : I → R é dita ser de classe


C 1 se for derivável e a derivada f 0 : I → R for contı́nua. Uma função
f : I → R é de classe C 2 se sua derivada f 0 : I → R for de classe C 1 .
Prove que se f (I) ⊂ J, f : I → R e g : J → R são de classe C 2 , então a
composta g ◦ f : I → R também é de classe C 2 .
18 Análise II

2.4 Máximo e mı́nimo local


Proposição 2.10 Seja a um ponto interior de um intervalo I e f : I → R
derivável em a, com f 0 (a) > 0. Então, existe δ > 0 tal que:

(i) para todo x ∈ (a − δ, a), tem-se f (x) < f (a);

(ii) para todo x ∈ (a, a + δ), tem-se f (x) > f (a).

Demonstração. Como f é derivável em a ∈ I ∩ I 0 , segue que existe f 0 (a), tal


que
f (x) − f (a)
f 0 (a) = lim > 0.
x→a x−a
f 0 (a)
Assim, seja ε = 2 > 0. Então, pela definição de limite, segue que existe
δ > 0 tal que, para todo x tal que 0 < |x − a| < δ, implique em

f (x) − f (a) 1
− f (a) < ε = f 0 (a).
0


x−a 2
Disso, segue que
1 f (x) − f (a) 1
− f 0 (a) < − f 0 (a) < f 0 (a),
2 x−a 2
donde segue que
1 0 f (x) − f (a) 3
0< f (a) < < f 0 (a).
2 x−a 2
Portanto concluı́mos que, para todo x tal que 0 < |x − a| < δ, segue que
f (x) − f (a)
> 0.
x−a
Logo, concluı́mos que

f (x) − f (a) > 0, ∀x ∈ (a, a + δ),
f (x) − f (a) < 0, ∀x ∈ (a − δ, a).


Porém, o fato de que f 0 (a) > 0 não implica que exista um δ > 0 tal que f
seja crescente no intervalo (a−δ, a+δ). Para ilustrar isso, vejamos um exemplo.
M. Zahn 19

Dado α > 0, defina a função f : R → R, pondo



αx + x2 sen 1 , se x 6= 0
x
f (x) =
0 , se x = 0

Afirmação 1. f 0 (0) existe e f 0 (0) > 0. De fato, basta notar que,

f (x) − f (0) αx + x2 sen x1 1


= = α + x sen ,
x−0 x x

e como como sen x1 é limitada, temos que


 
0 f (x) − f (0) 1
f− (0) = lim− = lim− α + x sen = α > 0,
x→0 x−0 x→0 x
e  
0 f (x) − f (0) 1
f+ (0) = lim+ = lim+ α + x sen = α > 0.
x→0 x−0 x→0 x
Logo, vale a Afirmação 1, ou seja, ∃ f 0 (0) = α > 0.

Afirmação 2. Se α > 0 for suficientemente pequeno, então f não é crescente


em nenhum intervalo da forma (−δ, δ).

De fato, considere as sequências

1 1
xn = π e yn = π .
2nπ + 2 2nπ − 2

Logo, temos que 0 < xn < yn , ∀n ∈ N. Porém,

f (xn ) − f (yn ) = [αxn + x2n · (1)] − [αyn + yn2 · (−1)] =


   2  2
1 1 1 1
= α(xn −yn )+x2n +yn2 =α π − π + π + π
2nπ + 2 2nπ − 2 2nπ + 2 2nπ − 2

−απ 1 1
= 1 1

2
+ 2 + 2 =
2n + 2 2n − 2 π 1
2n + 2 π 2 2n − 12 π 2

−απ 4n2 − 14 + 8n2 + 21 4n2 (2 − απ) + απ 1



4 + 2
= 2 2 = 2 2 > 0,
2n + 12 2n − 12 π 2 2n + 21 2n − 12 π 2
   
20 Análise II

2
se, e somente se, 2 − απ > 0, se, e somente se, α < π.

2
Assim, tomando α > 0 tal que 0 < α < π, temos que, ∀n ∈ N, 0 < xn < yn
e f (xn ) > f (yn ).

Como xn → 0 e yn → 0, segue que f não é crescente no intervalo (−δ, δ),


qualquer que seja δ > 0.

Apenas para ilustrar, apresentamos um esboço gráfico para f , no caso


quando α = 0, 3. Veja que numa vizinhança da origem o esboço gráfico de
f oscila.

Um resultado análogo ao da Proposição 2.10 é apresentado a seguir.

Proposição 2.11 Seja a um ponto interior de um intervalo I e f : I → R


derivável em a, com f 0 (a) < 0. Então, existe δ > 0 tal que:

(i) para todo x ∈ (a − δ, a), tem-se f (x) > f (a);

(ii) para todo x ∈ (a, a + δ), tem-se f (x) < f (a).

Demonstração. A prova é exatamente igual à da Proposição 2.10, bastando


tomar ε = − 21 f 0 (a) > 0.

M. Zahn 21

Motivados pelos resultados acima, definimos os conceitos de máximo e


mı́nimo local.

Definição 2.12 Seja f : I → R e a ∈ I um ponto interior. Dizemos que a é


um ponto de máximo local para f se existir δ > 0 tal que f (x) ≤ f (a), para
todo x ∈ (a − δ, a + δ).

Definição 2.13 Seja f : I → R e a ∈ I um ponto interior. Dizemos que a é


um ponto de mı́nimo local para f se existir δ > 0 tal que f (x) ≥ f (a), para
todo x ∈ (a − δ, a + δ).

Proposição 2.14 Se f : I → R for derivável em um ponto interior a ∈ I e tal


ponto for de máximo local (ou de mı́nimo local), então f 0 (a) = 0.

Demonstração. Faremos prova no caso em que a ∈ I é um ponto de máximo


local (o caso em que a ∈ I é u ponto de mı́nimo local é análogo).

Como f : I → R possui um máximo local em a ∈ I, segue que existe δ > 0


tal que f (x) ≤ f (a), para todo x ∈ (a − δ, a + δ). Dessa forma, concluı́mos que

0 f (x) − f (a)
f+ (a) = lim ≤ 0, ∀x ∈ (a, a + δ),
x→a+ x−a
e
0 f (x) − f (a)
f− (a) = lim− ≥ 0, ∀x ∈ (a − δ, a).
x→a x−a
0 0
Logo, temos que f+ (a) ≤ 0 e f− (a) ≥ 0. Como f é derivável em a, segue
que
f 0 (a) = f+
0 0
(a) = f− (a) = 0.


2.5 Funções deriváveis em intervalos


Quando uma função f : I → R é derivável em todos os pontos a do intervalo
I, definimos a função derivada f 0 : I → R, à qual associa a cada ponto x ∈ I a
derivada f 0 (x). Isto posto, convém apresentar o seguinte conceito.
22 Análise II

Definição 2.15 Dizemos que uma função derivável f : I → R é continuamente


derivável ou de classe C 1 , se a função derivada f 0 : I → R for contı́nua.

Tal conceito pode, à primeira vista, parecer estranho, mas alertamos que,
de fato, uma função derivada não precisa ser contı́nua. Um exemplo clássico
para justificar essa observação consiste em considerar a função f : R → R,
definida por 
x2 sen 1
x , se x 6= 0
f (x) = .
0 , se x = 0
Não é difı́cil verificar que f é derivável em toda reta, e em particular em
x = 0, mas ao determinar a função derivada f 0 constatamos que a mesma não
é contı́nua em x = 0 (Verifique!)
No entanto, observamos algo surpreendente: existe uma versão do Teorema
do valor intermediário para a derivada, que seria algo similar ao Teorema do
valor intermediário para funções contı́nuas. No entanto, a versão para derivada
que provaremos a seguir não exige que f seja de classe C 1 , ou seja, a função
derivada f 0 não precisa ser contı́nua para o Teorema do valor intermediário
para derivadas. Vejamos.

Teorema 2.16 (Teor. do valor intermediário para derivadas) Seja f : I → R


uma função derivável em todos os pontos do intervalo I. Se a, b ∈ I e f 0 (a) <
d < f 0 (b), então existe um ponto c entre a e b tal que d = f 0 (c).

Demonstração. Sem perda de generalidade, vamos supor que a < b. Temos


dois casos a considerar:

• Caso 1: d = 0, ou seja, suponha que f 0 (a) < 0 < f 0 (b).

Como f é derivável em b e tal que f 0 (b) > 0, segue pela Proposição 2.10
que existe δ1 > 0 tal que



 ∀x ∈ (b − δ1 , b), f (x) < f (b)

e (2.1)


∀x ∈ (b, b + δ ), f (x) > f (b)

1
M. Zahn 23

Do mesmo modo, como f é derivável em a e tal que f 0 (a) < 0, segue pela
Proposição 2.11 que existe δ2 > 0 tal que



 ∀x ∈ (a − δ2 , a), f (x) > f (a)

e (2.2)


∀x ∈ (a, a + δ ), f (x) < f (a)

2

Seja δ = min{δ1 , δ2 } > 0. Assim, temos de (2.1) e (2.2) que





 f (x) < f (a), ∀x ∈ (a, a + δ)

e (2.3)


f (x) < f (b), ∀x ∈ (b − δ, b)

Como f é contı́nua em [a, b] ⊂ I (pois é derivável - veja Proposição 2.7),


pelo Teorema do valor extremo segue que f assume valores máximo em mı́nimo
em [a, b]. Devido a (2.3) temos que existe um ponto c entre a e b tal que c é
ponto de mı́nimo de f em [a, b], e além disso, temos que c 6= a e c 6= b, ou seja,
c não assume os extremos do intervalo [a, b].

Sendo f derivável em (a, b) ⊂ I e possuindo um ponto de mı́nimo relativo


em c ∈ (a, b), segue pela Proposição 2.14 que f 0 (c) = 0 = d.

Isso conclui o primeiro caso.

• Caso 2: d 6= 0, ou seja, f 0 (a) < d < f 0 (b), com d 6= 0 (caso geral).

Neste caso, defina a função g : I → R por g(x) = f (x) − d · x. Então, g é


derivável com derivada g 0 (x) = f 0 (x) − d.

Dessa forma, dados a, b ∈ I, temos que g 0 (a) = f 0 (a) − d e g 0 (b) = f 0 (b) − d.


Como por hipótese vale que f 0 (a) < d < f 0 (b), subtraindo d em toda essa
cadeia de desigualdades vamos encontrar

g 0 (a) < 0 < g 0 (b),


24 Análise II

ou seja, a função g encontra-se nas hipóteses do Caso 1. Assim, conforme o


Caso 1, segue que existe c entre a e b tal que g 0 (c) = 0, e como g 0 (c) = f 0 (c) − d,
segue que f 0 (c) = d, como querı́amos mostrar.


Teorema 2.17 (Teorema de Rolle) Seja f : [a, b] → R tal que f é contı́nua


no intervalo fechado [a, b] e derivável no aberto (a, b). Se f (a) = f (b), então
∃c ∈ (a, b) tal que f 0 (c) = 0.

Demonstração. Seja f contı́nua em [a, b]. Logo, pelo Teorema do valor


extremo segue que f assume um valor máximo e um valor mı́nimo em [a, b].
Como f (a) = f (b), pelo menos um dos dois casos (máximo ou mı́nimo) ocorre
em um ponto c ∈ (a, b). Mas f é derivável em (a, b). Portanto, pela Proposição
2.14 segue que f 0 (c) = 0.


Teorema 2.18 (Teorema de Lagrange ou Teorema do Valor Médio - T.V.M)


Seja f : [a, b] → R contı́nua em [a, b] e derivável em (a, b). Então, existe um
ponto c em (a, b) tal que

f (b) − f (a)
f 0 (c) = .
b−a
Obs.: Antes de provar o T.V.M, vejamos seu significado geométrico. Consi-
dere f nas hipóteses do Teorema. Ligando os pontos P (a, f (a)) e Q(b, f (b))
e considerando o triângulo retângulo P QR destacado na figura abaixo, temos
que a tangente do ângulo θ destacado será numericamente igual à inclinação
da reta tangente ao gráfico de f em algum ponto c ∈ [a, b].
M. Zahn 25

Demonstração do Teorema. Seja f nas hipóteses do Teorema.


Defina g : [a, b] → R por
f (b) − f (a)
g(x) = f (x) − f (a) − (x − a).
b−a
Como f é contı́nua em [a, b] segue que g é contı́nua em [a, b] e como f é derivável
em (a, b) segue que g também o é, com
f (b) − f (a)
g 0 (x) = f 0 (x) − .
b−a
Além disso, note que
f (b) − f (a)
g(a) = f (a) − f (a) − (a − a) = 0
b−a
e
f (b) − f (a)
g(b) = f (b) − f (a) − (b − a) = 0.
b−a
Logo, temos que g(a) = g(b) e estamos, portanto, nas hipóteses do Teorema de
Rolle. Portanto, por este Teorema segue que ∃c ∈ (a, b) tal que g 0 (c) = 0, ou
seja
f (b) − f (a)
0 = g 0 (c) = f 0 (c) − .
b−a
Portanto,
f (b) − f (a)
f 0 (c) =
b−a


Algumas consequências do Teorema do Valor Médio são apresentadas abaixo.

Corolário 2.19 Seja f : I → R uma função derivável no intervalo I. Então,


f é crescente em I se, e somente se, f 0 (x) ≥ 0, para todo x ∈ I.

Demonstração. Seja f : I → R derivável em I.


Suponha que f seja crescente em I. Assim, para todo a ∈ I vale que
f (x) − f (a)
f 0 (a) = f+
0
(a) = lim ≥ 0,
x→a+ x−a
pois se x → a+ , segue que x > a e daı́ x − a > 0, e também como f é crescente
em I segue que f (x) ≥ f (a), e daı́ f (x) − f (a) ≥ 0.
26 Análise II

Reciprocamente, suponha que f 0 (x) ≥ 0, ∀x ∈ I. Sejam x1 , x2 ∈ I tais que


x1 < x2 . Logo, pelo T.V.M. segue que existe um ponto c ∈ (x1 , x2 ) tal que

f (x2 ) − f (x1 ) = f 0 (c)(x2 − x1 ) ≥ 0,

ou seja, concluı́mos que f (x1 ) ≤ f (x2 ), ou seja, f é crescente em I.




Corolário 2.20 Se f : I → R for uma função derivável em I tal que f 0 (x) > 0,
para todo x ∈ I, então f é estritamente crescente em I.

Demonstração. Segue análogo à recı́proca do Corolário acima.




Observação 2.21 A recı́proca do Corolário 2.20 é falsa, ou seja, o fato de f


ser estritamente crescente em I não implica que f 0 (x) > 0, para todo x ∈ I.
Por exemplo, f : R → R dada por f (x) = x3 é tal que f 0 (0) = 0.

Corolário 2.22 Seja f : I → R uma função derivável no intervalo I. Então,


f é decrescente em I se, e somente se, f 0 (x) ≤ 0, para todo x ∈ I.

Demonstração. É análoga à prova do Corolário 2.19.




Corolário 2.23 Se f : I → R for uma função derivável em I tal que f 0 (x) < 0,
para todo x ∈ I, então f é estritamente decrescente em I.

Demonstração. Fica como exercı́cio.




Uma observação análoga à Observação 2.21 deve ser feita para este Co-
rolário. Deixemos para o leitor escrever.

Corolário 2.24 Se f : I → R for uma função derivável em I tal que f 0 (x) = 0,


para todo x ∈ I, então f é constante em I.
M. Zahn 27

Demonstração. Dados x1 , x2 ∈ I quaisquer tais que x1 < x2 . Pelo T.V.M.


segue que existe c ∈ (x1 , x2 ) tal que

f (x2 ) − f (x1 ) = f 0 (c)(x2 − x1 ) = 0(x2 − x1 ) = 0,

e então segue que f (x2 ) = f (x1 ), ∀x1 , x2 ∈ I. Como x1 e x2 são quaisquer em


I, segue que f é constante em I.


Corolário 2.25 Sejam f, g : I → R funções deriváveis em um intervalo I tais


que f 0 (x) = g 0 (x), para todo x ∈ I. Então, existe um ponto c ∈ R tal que
f (x) = g(x) + c.

Demonstração. Defina h : I → R por h(x) = f (x) − g(x). Então, h é


derivável em I e
h0 (x) = f 0 (x) − g 0 (x).

Como por hipótese f 0 (x) = g 0 (x), para todo x ∈ I, segue que h0 (x) = 0,
para todo x ∈ I.

Pelo Corolário anterior segue que h(x) = c, onde c é uma constante real.
Portanto, f (x) = g(x) + c.


Lembrando da Análise I, uma função f : I → R é dita ser de Lipschitz ou


lipschitziana se existir uma constante positiva M > 0 tal que, para quaisquer
x, y ∈ I, implicar em
|f (x) − f (y)| ≤ M |x − y|.

O número positivo M que satisfaz a desigualdade acima chama-se constante de


Lipschitz. Isto posto, temos o seguinte resultado relacionado a derivada:

Corolário 2.26 Seja f : I → R uma função derivável em um intervalo I.


Então, f é de Lipschitz se, e somente se, existir M > 0 tal que |f 0 (x)| ≤ M ,
para todo x ∈ I.
28 Análise II

Demonstração. Primeiramente, suponha que f é de Lipschitz. Então, existe


M > 0 tal que, para quaisquer x, y ∈ I, vale a desigualdade

|f (x) − f (y)| ≤ M |x − y|.

Então
f (x) − f (y)
≤ M.
x−y
Passando o limite quando x → y, segue que

lim f (x) − f (y) ≤ lim M = M,

x→y x−y x→y

e como f é derivável em I, obtemos,

|f 0 (x)| ≤ M.

Reciprocamente, suponha que exista M > 0 tal que |f 0 (x)| ≤ M , ∀x ∈ I.


Assim, para x, y ∈ I quaisquer, como f é derivável em I, segue pelo T.V.M.
que existe c entre x e y tal que

f (x) − f (y) = f 0 (c)(x − y),

e daı́ segue que

|f (x) − f (y)| = |f 0 (c)| · |x − y| ≤ M · |x − y|,

ou seja, f é de Lispchitz.


Corolário 2.27 Sejam I um intervalo aberto, a ∈ I e f : I → R uma função


contı́nua em I. Suponha que f seja derivável em x, para todo x ∈ I, mas x 6= a.
Se existir lim f 0 (x) = L, então f também é derivável em a, com f 0 (a) = L.
x→a

Demonstração. Seja x ∈ I, x 6= a. Logo, x > a ou x < a. Vamos considerar


o caso em que x > a. Nesse caso, aplicaremos o T.V.M. em [a, x]. Como f é
contı́nua em [a, x] e derivável em (a, x), segue pelo T.V.M. que existe c ∈ (a, x)
tal que
f (x) − f (a)
f 0 (c) = .
x−a
M. Zahn 29

Então, temos que (note que como c ∈ (a, x) e x → a segue que c → a)


f (x) − f (a)
f 0 (a) = lim = lim f 0 (c) = lim f 0 (c) = L.
x→a x−a x→a c→a


No que segue, apresentamos alguns exemplos de aplicação do Teorema do


Valor Médio para desigualdades.

Exemplo 1. Mostre que ln(1 + x) ≤ x, ∀x ≥ 0.

Solução. Defina f : [0, ∞) → R por

f (x) = ln(1 + x) − x.

Precisamos mostrar que f (x) ≤ 0, para todo x ≥ 0. Notamos que ∀x ≥ 0, vale


que
1
f 0 (x) =
− 1 ≤ 0.
1+x
Portanto, f 0 (x) ≤ 0, ∀x ∈ (0, ∞). Logo, pelo Corolário 2.22 segue que f é
decrescente em (0, ∞), e disso segue que

x ≥ 0 ⇒ f (x) ≤ f (0) = 0,

donde segue que


ln(1 + x) ≤ x, ∀x ≥ 0.


Exemplo 2. Mostre que ex ≥ 1 + x, ∀x ∈ R.

Solução. Defina f : R → R por f (x) = ex − x. Então, f é derivável em toda


a reta, com
f 0 (x) = ex − 1.
Assim, temos que
• f 0 (x) > 0, ∀x ∈ (0, +∞),
• f 0 (x) < 0, ∀x ∈ (−∞, 0).
Logo, temos que f é estitamente crescente em (0, +∞) e estritamente de-
cresente em (−∞, 0). Assim, segue que
30 Análise II

• ∀x ∈ (0, ∞), x > 0 ⇒ f (x) > f (0), ou seja,

ex − x > e0 − 0 = 1 ⇒ ex > 1 + x.

• ∀x ∈ (−∞, 0), x < 0 ⇒ f (x) > f (0), ou seja,

ex − x > e0 − 0 = 1 ⇒ ex > 1 + x.

Ou seja, acabamos de mostrar que ∀x ∈ R \ {0}, vale que

ex > 1 + x,

e no caso em que x = 0 temos ex = 1 + x.

Conclusão: ex ≥ 1 + x, ∀x ∈ R.


Teorema 2.28 (Teor. do Valor Médio de Cauchy) Sejam f, g : [a, b] → R


funções contı́nuas em [a, b] e deriváveis em (a, b). Então, existe c ∈ (a, b) tal
que
[g(b) − g(a)]f 0 (c) = [f (b) − f (a)]g 0 (c).

Observação. Quando g(x) = x, o Teorema acima corresponde ao T.V.M.


(Verifique!)

Demonstração. Dados f, g : [a, b] → R nas hipóteses do Teorema, defina


ϕ : [a, b] → R por

ϕ(x) = (g(b) − g(a))(f (x) − f (a)) − (g(x) − g(a))(f (b) − f (a)).

Note que ϕ é contı́nua em [a, b] e derivável em (a, b) e é tal que ϕ(a) =


ϕ(b) = 0. Logo, ϕ encontra-se nas hipóteses do Teorema de Rolle. Disso, segue
que existe c ∈ (a, b) tal que ϕ0 (c) = 0. Como

ϕ0 (x) = (g(b) − g(a))f 0 (x) − g 0 (x)(f (b) − f (a)),

segue que

ϕ0 (c) = (g(b) − g(a))f 0 (c) − g 0 (c)(f (b) − f (a)) = 0,


donde segue o resultado.
M. Zahn 31

Uma consequência importante do Teorema acima é a seguinte versão da


Regra de L’ Hôpital:

Corolário 2.29 (Regra de L’ Hôpital) Sejam f, g : (a, b] → R deriváveis, tais


que

(i) lim+ f (x) = lim+ g(x) = 0,


x→a x→a
0
(ii) g(x) 6= 0 e g (x) 6= 0, ∀x ∈ (a, b),
f 0 (x)
(iii) lim = L.
x→a+ g 0 (x)
Então
f (x)
lim = L.
x→a+ g(x)
Demonstração. Suponha que valem (i), (ii) e (iii). Redefina f, g : [a, b] → R
impondo que f (a) = g(a) = 0. Assim, f e g passam a ser contı́nuas em [a, b].
Dado x ∈ (a, b). Pelo Teorema do Valor Médio de Cauchy em [a, x], segue que
existe c ∈ (a, x) tal que
f (x) f (x) − f (a) f 0 (c)
= = 0 ,
g(x) g(x) − g(a) g (c)
e então
f (x) f 0 (c)
lim = lim 0 = L.
x→a+ g(x) c→a+ g (c)


Exercı́cios
1. Seja f : [a, b] → R contı́nua, derivável em (a, b). Suponha que f (a) =
f (b) = 0. Então, dado um k ∈ R, mostre que existe c ∈ R tal que
f 0 (c) = k · f (c).
Sugestão. Tome p(x) = f (x) · e−kx a aplique o Teorema de Rolle.

2. Use o Teorema do Valor Médio para mostrar que



cos αx − cos βx
≤ |β − α| , se x 6= 0.
x
32 Análise II

√ 1
3. Mostre que 1 + h < 1 + h, se h > 0.
2

4. Aplique o Teorema do Valor Médio a f (x) = x em [100, 101] para
mostrar que
√ 1
101 = 10 + √
2 c
para algum c em (100, 101).

5. Explique por que o Teorema do Valor Médio não se aplica à função f (x) =
|x| no intervalo [−1, 2].

6. Seja f contı́nua em [1, 3] e derivável em (1, 3). Suponha que, para todo
x ∈ (1, 3), vale que 1 ≤ f 0 (x) ≤ 2, Prove que 2 ≤ f (3) − f (1) ≤ 4.

7. Suponha que as funções f e g sejam contı́nuas em [a, b] e deriváveis em


(a, b). Suponha também que f (a) = g(a) e que f 0 (x) < g 0 (x) para a <
x < b. Prove que f (b) < g(b).

8. Dizemos que uma função f : I → R é uma função de Hölder se ∃M > 0


∃α ∈ (0, 1] tais que

|f (x) − f (y)| ≤ M |x − y|α , ∀x, y ∈ I.

Note que no caso particular de α = 1, temos que f é de Lipschitz.

(a) Mostre que se f : I → R é de Hölder, então f é uniformemente


contı́nua.
(b) Mostre que se na condição de Hölder permitı́ssemos que α > 1,
seguiria que f 0 (x) = 0, ∀x ∈ I, e portanto, f seria uma função
constante.

9. Use o T.V.M. e seus corolários para provar que valem as desigualdades:


x
(a) < arctan x < x, ∀x ≥ 0.
1 + x2
x
(b) √ ≥ arcsen x ≥ x, ∀x ∈ [0, 1).
1 − x2
x3
(c) x − < arctan x, ∀x > 0.
3
M. Zahn 33

π 2x − 1 π 2x − 1 1
(d) + √ < arcsen x < + √ , para 2 < x < 1. Observe
6 3 6 2 1 − x2
que arcsen 12 = π6 .

10. Seja f duas vezes derivável no intervalo [0, 2]. Mostre que se f (0) = 0,
f (1) = 2 e f (2) = 4, então existe um x0 ∈ (0, 2) tal que f 00 (x0 ) = 0.

11. Seja f : R → R derivável tal que f (π) = π e f (e) = e. Mostre que existe
x ∈ R tal que f 0 (x) = 1.

12. Suponha que f é uma função derivável com f 0 (x) = x2 f (x), para todo
x ∈ R, e tal que f (0) = 1. Mostre que f (x) · f (−x) = 1, para todo x ∈ R.

13. (Sel. Mestr. UFSM 2012/1) Suponha que f : [0, ∞) → R seja


derivável, com f (0) = 0, e que f 0 : (0, ∞) → R seja crescente. Mostre
f (x)
que a função g : (0, ∞) → R definida por g(x) = é crescente em
x
(0, ∞).

14. (Sel. Mestr. UFRGS 2009/1) Sejam f e g funções reais contı́nuas e


deriváveis em [a, b]. Use o Teorema do Valor Médio para mostrar que:

(a) Se f (a) = f (b), então existe c ∈ (a, b) tal que f 0 (c) = 0.


(b) Se f (a) = g(a) e f (b) = g(b), então existe c ∈ (a, b) tal que f 0 (c) =
g 0 (c).
1
15. (Sel. Mestr. UFRGS 2009/1) Dado x > 0, mostre que ln x ≥ 1 − .
x
16. (Sel. Mestr. UFRGS 2015/2) Suponhamos que f é uma função
diferenciável em R tal que |f 0 (x)| ≤ M < 1 para todo x real. Seja a1
um número real qualquer e (an ) uma sequência definida recursivamente
an+1 = f (an ) para n ∈ N.

(a) Mostre que

|an+2 − an+1 | ≤ M |an+1 − an |, para todo n.

(b) Prove que an converge.


34 Análise II

2.6 Fórmula de Taylor


Nosso objetivo nesta seção é apresentar uma fórmula que permita aproximar
uma função qualquer por um certo polinômio, com um erro de aproximação
pequeno, numa vizinhança de um ponto a no interior de um intervalo onde
a função esteja definida. De fato, na Seção 2.2 definimos que uma função
f : I → R é derivável em um ponto a no interior de I, se existir um número
f 0 (a) tal que, pondo

f (a + h) = f (a) + f 0 (a)h + r(h),

então
r(h)
lim = 0,
h
h→0
ou seja, obtemos uma aproximação linear de f numa vizinhança do ponto a,
com um erro (resto) r(h).

Vamos demonstrar uma fórmula que nos permita obter uma aproximação
melhor do que a linear. Antes, porém, necessitamos estabelecer o conceito de
derivadas sucessivas e funções de classe C n , n ∈ N.

2.6.1 Derivadas sucessivas e a classe de funções C n


Na seção anterior, dada uma função f : [a, b] → R, se f for derivável em todos
os pontos do intervalo aberto (a, b), definimos a função derivada f 0 : (a, b) → R.
Do mesmo modo, sendo f 0 derivável em (a, b), podemos definir a função deri-
vada da função derivada, ou seja, a derivada segunda f 00 : (a, b) → R, e assim
por diante.

Dado n ∈ N, a derivada de ordem n ou derivada ene-ésima de f em um


ponto a é definida indutivamente por

f (0) (a) = f (a),

f (1) (a) = f 0 (a),


 0
f (n) (a) = f (n−1) (a).
M. Zahn 35

Definição 2.30 Dizemos que uma função f : [c, d] → R é n vezes derivável


em um ponto a ∈ (c, d) se f possuir derivadas até a ordem n − 1 em todos os
pontos de uma vizinhança de a e se existir f (n) (a).

Definição 2.31 Dizemos que uma função f : [a, b] → R é de classe C n , e


escrevemos f ∈ C n , quando f for n vezes derivável em [a, b] e a função f (n) é
uma função contı́nua em [a, b].

Por exemplo, para n = 0, 1, 2, ..., defina as funções fn : R → R por



xn+1 se x ≥ 0
fn (x) = xn |x| = .
−xn+1 se x < 0

Note que cada fn é derivável com



(n + 1)xn se x ≥ 0
fn0 (x) = ,
−(n + 1)xn se x < 0

pois é fácil ver que ∃ fn0 (0) = fn0 − (0) = fn0 + (0) = 0. Portanto, concluı́mos que

fn0 (x) = (n + 1)fn−1 (x),

e com isso a derivada segunda ficará

fn00 (x) = (n + 1)fn−1


0
(x) = (n + 1)nfn−2 (x).

(n)
Seguindo por indução, chegaremos a fn (x) = (n + 1)!f0 (x), onde f0 (x) =
|x|, que é contı́nua, mas não é derivável em x = 0. Portanto, concluı́mos que
para todo n fixado, temos que fn ∈ C n , mas fn 6∈ C n+1 .

Quando a definição acima for verdadeira para todo n ∈ R, temos o conceito


de função classe C ∞ , dado abaixo.

Definição 2.32 Quando f for infinitamente derivável com com todas as de-
rivadas f (n) contı́nuas, n = 0, 1, 2, 3, ..., diremos que f é uma função de classe
C ∞ , e escrevemos f ∈ C ∞ .
36 Análise II

2.6.2 Fórmula de Taylor


No que segue, apresentamos um importante Lema.

Lema 2.33 Seja r : I → R uma função n vezes derivável no ponto 0 ∈ I.


Então, são equivalentes:

(i) r(0) = r0 (0) = r00 (0) = ... = r(n) (0) = 0;


r(h)
(ii) lim = 0.
h→0 hn
Demonstração. Faremos a prova de cada implicação por indução sobre n.

(i) ⇒ (ii):
(a) Quando n = 1, ou seja, suponha que vale r(0) = r0 (0) = 0. Então,
r(h) r(h) − r(0)
lim = lim = r0 (0) = 0.
h→0 h h→0 h−0
Logo, vale a base da indução.

(b) Dado que r(0) = r0 (0) = ... = r(n) (0) = 0, e suponha que (ii) esteja provado
até a ordem n − 1, ou seja, que vale
r(h)
lim = 0.
h→0 hn−1
Aplicando essa hipótese de indução para r0 (h), obtemos
r0 (h)
lim = 0.
h→0 hn−1

Assim, dado ε > 0, segue que existe δ > 0, tal que, ∀0 < |h| < δ, implica em
0
r (h)
hn−1 − 0 < ε.

Dessa forma, avaliando


r(h)
hn ,

obtemos, pelo T.V.M., que existe c ∈ (0, h) tal que


r(h) r(h) − r(0) r0 (c)(h − 0) r0 (c)

= = =
hn−1 ,

hn hn hn
M. Zahn 37

e como 0 < c < h < δ, segue que h1 < 1c , e daı́ obtemos a majoração
r(h) r0 (c) r0 (c)

hn hn−1 cn−1 < ε.
= <

r(h)
Isso prova que lim = 0 e, portanto, pelo Princı́pio da Indução Ma-
h→0hn
temática segue que vale (ii).

(ii) ⇒ (i):
r(h)
(a) Suponha que (ii) vale para n = 1, ou seja, que vale lim = 0. Então,
h→0 h
como r e r0 são deriváveis, e portanto contı́nuas, segue que
r(h)
r(0) = lim h · = 0,
h→0 h
e
r(h) − r(0) r(h)
r0 (0) = lim = lim = 0.
h→0 h−0 h→0 h

Logo, r(0) = r0 (0) = 0, ou seja, vale a base da indução.

(b) Dado que


r(h)
lim = 0, (2.4)
h→0 hn
e supondo que
r(0) = r0 (0) = ... = r(n−1) (0) = 0, (2.5)

precisamos mostrar que r(n) (0) = 0.

Defina ϕ : I → R por

r(n) (0) n
ϕ(h) = r(h) − h .
n!
Assim, temos que ϕ é n vezes derivável em 0, com

r(n) (0) n−k


ϕ(k) (h) = r(k) (h) − h , (2.6)
(n − k)!
para k = 0, 1, 2, ..., n − 1.
38 Análise II

Logo, por (2.5) e (2.6) temos que

ϕ(0) = ϕ0 (0) = ϕ00 (0) = ... = ϕ(n−1) (0) = 0,

e como
r(n) (0)
ϕ(n) (h) = r(n) (h) − = r(n) (h) − r(n) (0),
0!
segue que
ϕ(n) (0) = r(n) (0) − r(n) (0) = 0.

Portanto, pela parte (b) da implicação (i) ⇒ (ii) provada anteriormente,


segue que
ϕ(h)
lim = 0. (2.7)
h→0 hn
Agora, pela definição de ϕ, podemos escrever

r(n) (0) n
r(h) = ϕ(h) + h ,
n!
e daı́, segue que

r(n) (0) n
r(h) ϕ(h) + h ϕ(h) r(n) (0)
lim n = lim n! = lim + lim . (2.8)
h→0 h h→0 hn h→0 hn h→0 n!
Pela hipótese de indução (2.4) e por (2.7), temos que (2.8) fornece

r(n) (0) = 0,

como querı́amos mostrar. Isso conclui a prova da indução que (ii) ⇒ (i).
Portanto, conclui-se a prova do Lema.


Definição 2.34 Seja f : I → R uma função n vezes derivável em a ∈ I.


Definimos o polinômio de Taylor de ordem n da função f no ponto a como o
polinômio
p(h) = a0 + a1 h + a2 h2 + ... + an hn ,

cujas derivadas de ordem ≤ n no ponto h = 0 coincidem com as derivadas de


ordem n de f no ponto a, i.e.,

p(k) (0) = f (k) (a), para k = 0, 1, 2, ..., n. (2.9)


M. Zahn 39

Afirmamos que as derivadas p(0) (0), p0 (0), p00 (0), ..., p(n) (0) determinam de
forma única o polinômio p(h), pois

p0 (h) = a1 + 2a2 h + 3a3 h2 + ... + nan hn−1 ,

p00 (h) = 2a2 + 3 · 2a3 h + ... + n(n − 1)an hn−2 ,

p(3) (h) = 3 · 2a3 + 4 · 3a4 h2 + ... + n(n − 1)(n − 2)an hn−3 ,

e, em geral, para k = 0, 1, 2, ..., n,


X
p(k) (h) = k! · ak + g(h),
P
onde g(h) denota uma soma de termos que contém h. Logo, para h = 0 e
usando (2.9), segue que

f (k) (a) = p(k) (0) = k!ak , para k = 0, 1, 2, ..., n,

e daı́, para k = 0, 1, 2, ..., n, temos

f (k) (a)
ak = .
k!
Portanto, o polinômio de Taylor de ordem n da função f : I → R no ponto
a ∈ I fica unicamente determinado por

f 0 (a) f 00 (a) 2 f (n) (a) n


p(h) = a0 + a1 h + a2 h2 + ... + an hn = f (a) + h+ h + ... + h .
1! 2! n!
Isto posto, apresentamos o Teorema:

Teorema 2.35 (Fórmula de Taylor infinitesimal) Seja f : I → R uma função


n vezes derivável em a ∈ I. Então, para todo h ∈ R tal que a + h ∈ I, tem-se

f 00 (a) 2 f (n) (a) n


f (a + h) = f (a) + f 0 (a)h + h + ... + h + r(h),
2! n!
r(h)
onde lim = 0.
h→0 hn
n
X f (k) (a)
Além disso, p(h) = hk é o único polinômio de grau menor ou
k!
k=0
r(h)
igual a n tal que f (a + h) = p(h) + r(h) com lim = 0.
h→0 hn
40 Análise II

Demonstração. Dado h ∈ R tal que a + h ∈ I, defina r(h) por

r(h) = f (a + h) − p(h), (2.10)

onde p(h) é um polinômio de grau ≤ n e r(h) é tal que

r(h)
lim = 0. (2.11)
h→0 hn
Vamos mostrar que p(h) é o polinômio de Taylor. Note que, por construção,
temos que r(h) possui derivadas no ponto 0 até a ordem n. Dessa forma,
observando (2.11), estamos nas hipóteses do Lema 2.33. Assim, concluı́mos
que
r(0) = r0 (0) = r00 (0) = ... = r(n) (0) = 0. (2.12)

As derivadas de ordem k de (2.10), para k = 0, 1, 2, ..., n, são dadas por

r(k) (h) = f (k) (a + h) − p(k) (h),

e daı́, por (2.12) segue que

0 = r(k) (0) = f (k) (a) − p(k) (0), para k = 0, 1, 2, ..., n.

Logo, f (k) (a) = r(k) (0), e daı́ segue pela Definição 2.34 que p(h) é o po-
linômio de Taylor, o qual já mostramos ser único, e é da forma
n
X f (k) (a)
p(h) = hk .
k!
k=0


Observação 2.36 Pondo a+h = x temos h = x−a e então, podemos escrever

f 00 (a) f (n) (a)


f (x) = f (a) + f 0 (a)(x − a) + (x − a)2 + ... + (x − a)n + r(x − a),
2! n!
com
r(x − a)
lim = 0.
x→a (x − a)n

Uma aplicação imediata da Fórmula de Taylor infinitesimal é a Proposição


que segue.
M. Zahn 41

Proposição 2.37 Seja f : I → R uma função n vezes derivável em um ponto


a ∈ I. Suponha que f 0 (a) = f 00 (a) = ... = f (n−1) (a) = 0 e f (n) (a) 6= 0. Então

(a) se n for ı́mpar, então a não é ponto de máximo local, nem ponto de mı́nimo
local para f .

(b) se n for par, então

• se f (n) (a) > 0, então a é ponto de mı́nimo local para f ,


• se f (n) (a) < 0, então a é ponto de máximo local para f .

Demonstração. Como f 0 (a) = f 00 (a) = ... = f (n−1) (a) = 0 e f (n) (a) 6= 0,


pela Fórmula de Taylor infinitesimal, segue que

f (n) (a) n
 (n) 
f (a) r(h)
f (a + h) − f (a) = h + r(h) = + n hn .
n! n! h

r(h) f (n) (a)


Como hn → 0 quando h → 0 e n! 6= 0, segue que:

(a) se n for ı́mpar, então:

• hn > 0 para h > 0;


• hn < 0 para h < 0,

e então f (a + h) − f (a) possuirá um sinal à direita contrário ao sinal à


esquerda de a. Logo, o ponto a não é ponto de máximo local e nem de
mı́nimo local para f .
 
f (n) (a) r(h)
(b) se n for par, então hn > 0, ∀h 6= 0. Logo, o sinal de hn n! + hn ,
(n)
para 0 < |h| < δ, é o mesmo sinal de f (a). Assim,

• se f (n) (a) > 0 então f (a + h) − f (a) > 0 para 0 < h < δ, e daı́ é
mı́nimo local para f ,
• se f (n) (a) < 0 então f (a + h) − f (a) < 0 para 0 < h < δ, e daı́ é
máximo local para f .

Isso conclui a prova da Proposição.



42 Análise II

No que segue, apresentamos uma segunda Fórmula de Taylor, onde o resto


assume uma forma diferente da infinitesimal.

Teorema 2.38 (Fórmula de Taylor com resto de Lagrange) Seja f uma função
n vezes derivável no intervalo aberto do tipo (a − δ, a + δ), onde δ > 0, com
f (n−1) contı́nua em [a − δ, a + δ]. Então, dado b ∈ (a − δ, a + δ), existe c entre
a e b tal que
f 00(a) f (n−1)(a) f (n)(c)
f (b) = f (a)+f 0 (a)(b−a)+ (b−a)2 +...+ (b−a)n−1 + (b−a)n .
2! (n − 1)! n!
Além disso, pondo b = a + h, segue que existe θ ∈ (0, 1) tal que
f 00 (a) 2 f (n−1) (a) n−1 f (n) (a + θh) n
f (a + h) = f (a) + f 0 (a)h + h + ... + h + h .
2! (n − 1)! n!
Observação. Note que o caso n = 1 é o T.V.M. usual.

Demonstração. Sem perda de generalidade, vamos supor a < b. Defina


ϕ : [a, b] → R por
f 00 (x)
ϕ(x) = f (b) − f (x) − f 0 (x)(b − x) − (b − x)2 − ...
2!
f (n−1) (x) A
... − (b − x)n−1 − (b − x)n ,
(n − 1)! n!
onde A ∈ R é tal que ϕ(a) = 0. Tal escolha para A torna ϕ contı́nua em [a, b].
Por construção temos que ϕ é derivável em (a, b), com
1 f 00 (x)
ϕ0 (x) = f 0 (x) − f 00 (x)(b − x) − f 0 (x) − f 000 (x)(b − x)2 − 2(b − x) − ...
2 2
f (n−1) (x) f (n) (x) A
... − (n − 1)(b − x)n−2 − (b − x)n−1 + (b − x)n−1 ,
(n − 1)! (n − 1)! (n − 1)!
donde segue que
A − f (n) (x)
ϕ0 (x) = (b − x)n−1 .
(n − 1)!
Assim, sendo ϕ contı́nua em [a, b] e derivável em (a, b), e notando que
ϕ(a) = 0 = ϕ(b), estamos nas hipóteses do Teorema de Rolle, e daı́ segue que
existe c ∈ (a, b) tal que ϕ0 (c) = 0, e com isso, segue que
A − f (n) (c)
0 = ϕ0 (c) = (b − c)n−1 ⇔ A = f n (c).
(n − 1)!
M. Zahn 43

Logo, para x = a, teremos


f (n−1) (a) f (n) (c)
0 = ϕ(a) = f (b)−f (a)−f 0 (a)(b−a)−...− (b−a)n−1 − (b−a)n ,
(n − 1)! n!
e daı́ a Fórmula é obtida isolando-se f (b), onde c ∈ (a, b).

Para mostrar a segunda parte do Teorema, observe que, denotando b = a+h,


segue que h = b − a, e assim,
f 00 (a) 2 f (n−1) (a) n−1 f (n) (c) n
f (a + h) = f (a) + f 0 (a)h + h + ... + h + h ,
2! (n − 1)! n!
onde c ∈ (a, a + h), e portanto, c = a + θh, para algum 0 < θ < 1. Isso conclui
a prova do Teorema.


Exercı́cios
1. Seja fn : R → R definida por

x2n sen 1 se x 6= 0
x
fn (x) = .
0 se x = 0

Mostre que fn é n vezes derivável, mas que sua ene-ésima derivada não
é contı́nua no ponto x = 0, logo, f 6∈ C n .

2. Use a igualdade
1 xn+1
= 1 + x + ... + xn +
1−x 1−x
e a Fórmula de Taylor infinitesimal para calcular as derivadas sucessivas,
1
no ponto x = 0, da função f : (−1, 1) → R, dada por f (x) = .
1−x
3. Seja f : R → R uma função par, i.e., f (x) = f (−x), para todo x ∈
R. Mostre que na expressão da fórmula de Taylor em torno de 0 não
aparecem as derivadas ı́mpares em 0. Enuncie e demonstre um resultado
análogo para funções ı́mpares, i.e., tais que f (x) = −f (−x), para todo
x ∈ R.
44 Análise II

4. Sejam f, g : I → R duas vezes deriváveis no ponto a ∈ I. Se f (a) = g(a),


f 0 (a) = g 0 (a) e f (x) ≥ g(x), para todo x ∈ I, prove que f 00 (a) ≥ g 00 (a).

5. Seja f : I → R uma função duas vezes derivável em a ∈ I. Prove que


f (a + h) − 2f (a) + f (a − h)
lim = f 00 (a).
h→0 h2
6. Utilize a Fórmula de Taylor infinitesimal para provar a seguinte versão
da regra de L’Hôpital: Sejam f, g : I → R funções n vezes deriváveis
no ponto a ∈ I, com derivadas nulas neste ponto até a ordem n − 1. Se
g (n) (a) 6= 0, então
f (x) f (n) (a)
lim = (n) .
x→a g(x) g (a)
7. (Sel. Mestr. UFRGS 2010/1) Seja f : (a, b) → R uma função
diferenciável.

(a) Se f é não decrescente, prove que f 0 (x) ≥ 0 para todo x ∈ (a, b).
(b) Suponha que f (x) < f (y) para todos x, y ∈ (a, b) tais que x > y.
Podemos afirmar que a derivada de f é estritamente menor que zero
em todos os pontos de (a, b)?
(c) Suponha agora que f é duas vezes diferenciável em (a, b), e que a
derivada de segunda ordem de f é estritamente positiva. Prove que
f pode ter no máximo um ponto de mı́nimo local.

8. Seja f ∈ C n+1 em uma vizinhança do ponto a, e considere a Fórmula de


Taylor com resto de Lagrange:
f (n−1) (a) n−1 f n (a + θh) n
f (a + h) = f (a) + f 0 (a)h + ... + h + h ,
(n − 1)! n!
1
com 0 < θ < 1. Prove que se f (n+1) (a) 6= 0, então θ → n+1 quando
h → 0. Sugestão: compare com a Fórmula de Taylor infinitesimal.

9. Considere uma função f onde a derivada segunda f 00 (x) existe e é contı́nua


em [0, 1]. Assuma que f (0) = f (1) = 0 e suponha que existe K > 0 tal
que |f 00 (x)| ≤ K, para todo x ∈ [0, 1]. Mostre que
 
0 1 K K
f ≤ e |f 0 (x)| ≤ .
2 4 2
M. Zahn 45

10. Suponha f ∈ C 2 (0, ∞) e escreva

Mj = sup |f (j) (x)|,


x∈(0,∞)

onde j = 0, 1, 2.

(a) Use a Fórmula de Taylor em torno de qualquer x fixado para mostrar


que para todo h ∈ (0, ∞), tem-se
M0
|f 0 (x)| ≤ h · M2 + .
h
(b) Encontre o valor de h que minimiza a parte direita da desigualdade
acima. Em seguida, conclua que

M12 ≤ 4 · M0 · M2 .

11. Seja F a coleção de todas as funções duas vezes continuamente deriváveis


em R satisfazendo f ≥ 0 em R e f 00 (x) ≤ 1 em R. Encontre uma constante
C ∈ (0, ∞) tal que para cada f ∈ F e para cada x ∈ R, tem-se

f 0 (x)2 ≤ C · f (x).

2.7 Funções convexas


Definição 2.39 Dizemos que uma função f : I → R definida em um intervalo
I, é convexa se, para quaisquer x1 , x2 ∈ I e para qualquer número real λ ∈ [0, 1],
cumprir a desigualdade:

f (λx1 + (1 − λ)x2 ) ≤ λf (x1 ) + (1 − λ)f (x2 ).

A combinação λx1 +(1−λ)x2 é chamada de combinação convexa. Chamando


λ = λ1 e 1 − λ = λ2 , notamos que λ1 + λ2 = 1, com λ1 , λ2 ≥ 0, e podemos
escrever a desigualdade da definição acima por

f (λ1 x1 + λ2 x2 ) ≤ λ1 f (x1 ) + λ2 f (x2 ).

Geometricamente, uma função f : I → R é dita convexa em I se, para


quaisquer a, b ∈ I, a reta secante ao gráfico de f nos pontos (a, f (a)) e (b, f (b))
46 Análise II

fica acima do gráfico de f .

Assim, seja x ∈ (a, b) ⊂ I. Logo, a < x < b. A equação da reta secante ao


gráfico de f nos pontos (a, f (a)) e (b, f (b)) é dada por

f (b) − f (a)
y = f (a) + (x − a).
b−a

Logo, como (x, f (x)) está abaixo do gráfico da reta secante acima destacada,
segue que
f (b) − f (a)
f (x) ≤ f (a) + (x − a),
b−a
ou seja,
f (x) − f (a) f (b) − f (a)
≤ . (2.13)
x−a b−a
Por outro lado, a equação da reta secante ao gráfico de f também pode ser
escrita por
f (b) − f (a)
y = f (b) + (x − b),
b−a
e, do mesmo modo, como (x, f (x)) está abaixo do gráfico da reta secante acima
destacada, segue que

f (b) − f (a)
f (x) ≤ f (b) + (x − b),
b−a
ou seja, (e não esquecendo que x − b < 0, por isso trocamos a desigualdade que
segue)
f (x) − f (b) f (b) − f (a)
≥ ,
x−b b−a
ou melhor,
f (b) − f (x) f (b) − f (a)
≥ . (2.14)
b−x b−a
Juntando (2.13) e (2.14) obtemos

f (x) − f (a) f (b) − f (a) f (b) − f (x)


≤ ≤ . (2.15)
x−a b−a b−x
Isto caracteriza a convexidade de f . Faça um desenho para ilustrar.
M. Zahn 47

Mais ainda, sendo f convexa em I, se a < b < c < d, pode-se mostrar que

f (b) − f (a) f (c) − f (b) f (d) − f (c)


≤ ≤ , (2.16)
b−a c−b d−c
ou seja, as declividades vão aumentando. Um simples desenho já justifica este
fato.

No entanto, até o momento parece não haver conexão entre a definição


dada de função convexa com o seu significado geométrico. Vejamos que de
fato a desigualdade da Definição 2.39 se cumpre: dados x1 , x2 ∈ I e suponha
f convexa em I (sem considerar convexidade como a Definição 2.39, e sim
somente seu significado geométrico).

Assim, dado c ∈ [x1 , x2 ], segue que podemos escrever

c = λx1 + (1 − λ)x2 , para algum λ ∈ [0, 1].

Logo,
f (c) = f (λx1 + (1 − λ)x2 ).

Afirmamos que f (c) ≤ λf (x1 ) + (1 − λ)f (x2 ): De fato, a equação da reta


secante ao ráfico de f em (x1 , f (x1 )), (x2 , f (x2 )) é dada por

f (x2 ) − f (x1 )
y = f (x1 ) + (x − x1 ),
x2 − x1
48 Análise II

e como todo ponto do gráfico de f no intervalo [x1 , x2 ] fica abaixo de tal reta,
segue que, em particular quando x = c, teremos
f (x2 ) − f (x1 )
f (c) ≤ f (x1 ) + (c − x1 ),
x2 − x1
onde c = λx1 + (1 − λ)x2 , ou seja,
f (x2 ) − f (x1 )
f (λx1 + (1 − λ)x2 ) ≤ f (x1 ) + (λx1 + (1 − λ)x2 − x1 ),
x2 − x1
o que, organizando adequadamente a direita da desigualdade acima, obtemos

f (λx1 + (1 − λ)x2 ) ≤ λf (x1 ) + (1 − λ)f (x2 ),

como querı́amos mostrar.

Na proposição que segue podemos estender a combinação convexa para n


termos.

Proposição 2.40 Se f : I → R for uma função convexa, então para quaisquer


x1 , x2 , ..., xn ∈ I e para quaisquer λ1 , λ2 , ..., λn ≥ 0 tais que λ1 + ... + λn = 1,
tem-se
Xn n
X
f( λi xi ) ≤ λi f (xi ).
i=1 i=1

Demonstração. Seja f : I → R for uma função convexa. Faremos a prova


por indução sobre n. Como f é convexa, segue que para n = 2 a prova já está
garantida, ou seja, vale a base da indução.

Suponha então que a desigualdade seja verdadeira para n − 1 números reais


e sejam λ1 , ..., λn ≥ 0 tais que λ1 + ... + λn = 1. Se λ1 = 1 e λ2 = ... = λn = 0,
então vale a base da indução.

Vamos então supor que λn < 1. Assim, podemos escrever


 
λ1 λn−1
λ1 x1 + ... + λn xn = (1 − λn ) x1 + ... + xn−1 + λn xn .
1 − λn 1 − λn
Denotando
λ1 λn−1
y= x1 + ... + xn−1 ,
1 − λn 1 − λn
M. Zahn 49

temos

f (λ1 x1 + ... + λn xn ) = f ((1 − λn )y + λn xn ) ≤ (1 − λn )f (y) + λn f (xn ), (2.17)

pois vale para n = 2.


Observe também que

λ1 λ2 λn−1 λ1 + ... + λn−1 1 − λn


+ + ... + = = = 1,
1 − λn 1 − λn 1 − λn 1 − λn 1 − λn

e como a hipótese da indução vale para n − 1 termos,

λ1 λn−1
f (y) = f ( x1 + ... + xn−1 ) ≤
1 − λn 1 − λn

λ1 λn−1
≤ f (x1 ) + ... + f (xn−1 ),
1 − λn 1 − λn
o que, levado para (2.17), fornece

f (λ1 x1 + ... + λn xn ) ≤ (1 − λn )f (y) + λn f (xn ) ≤

≤ λ1 f (x1 ) + ... + λn−1 f (xn−1 ) + λn f (xn ),

como querı́amos mostrar.




Estamos interessados em obter resultados que liguem os conceitos de função


convexa com função derivável. No entanto, chamamos a atenção de que o fato
de uma função ser convexa não implica de a mesma ser derivável. Por exemplo,
a função f : R → R dada por f (x) = |x| é convexa, pois dados λ1 , λ2 ≥ 0 tais
que λ1 + λ2 = 1, tem-se que, ∀x, y ∈ R,

f (λ1 x + λ2 y) = |λ1 x + λ2 y| ≤ λ1 |x| + λ2 |y| = λ1 f (x) + λ2 f (x).

No entanto, f não é derivável na origem.


Vejamos agora um importante resultado.

Proposição 2.41 Seja f : I → R uma função duas vezes derivável em I.


Então, f é convexa em I se, e somente se, f 00 (x) ≥ 0, ∀x ∈ I.
50 Análise II

Demonstração. Suponha que f seja convexa em I Assim, dados a < b ∈ I e


tomando a < x < b, segue por (2.15) que

f (x) − f (a) f (b) − f (a) f (x) − f (b)


≤ ≤ .
x−a b−a x−b
f (x) − f (a) f (x) − f (b)
Como lim = f 0 (a) e lim = f 0 (b), concluı́mos que
x→a x−a x→b x−b
f (b) − f (a)
f 0 (a) ≤ ≤ f 0 (b),
b−a
ou seja, dados a < b, mostramos que f 0 (a) ≤ f 0 (b), ou seja, concluı́mos que
f 0 é crescente em I, e pelo Corolário 2.19 aplicado a f 0 segue que f 00 (x) ≥ 0,
∀x ∈ I. Isso prova a primeira parte da Proposição.

Reciprocamente, suponha que f 00 (x) ≥ 0, ∀x ∈ I. Sejam a, b ∈ I, com


a < b. Dado h > 0 tal que a − h, b + h ∈ I.

Assim, pelo Teorema da Fórmula de Taylor com resto de Lagrange segue


que existe c1 ∈ (a − h, a) e existe c2 ∈ (b, b + h) tais que

f 00 (c1 )
f (a − h) = f (a) + f 0 (a)(−h) + (−h)2 ,
2!
e
f 00 (c2 ) 2
f (b + h) = f (b) + f 0 (b)h + h .
2!
Mas como f 00 (x) ≥ 0 para todo x ∈ I, vamos obter

f (a − h) − f (a) ≥ f 0 (a)(−h) e f (b + h) − f (b) ≥ f 0 (b)h,

e portanto,

f (a) − f (a − h) f (b + h) − f (b)
≤ f 0 (a) e ≥ f 0 (b). (2.18)
h h
Novamente pelo Corolário 2.19, como f 00 (x) ≥ 0, ∀x ∈ I, segue que f 0 é
crescente em I, ou seja,

a < b ⇒ f 0 (a) ≤ f 0 (b).


M. Zahn 51

Logo, como a < b, concluı́mos de (2.18) que

f (a) − f (a − h) f (b + h) − f (b)
≤ f 0 (a) ≤ f 0 (b) ≤ .
h h
Por fim, escrevendo x = a − h e y = b + h, temos que x < a < b < y e são
tais que
f (a) − f (x) f (y) − f (b)
≤ ,
a−x y−b
ou seja, f é convexa em I.


Um importante exemplo de função convexa é a função f : R → R dada por


f (x) = ex . De fato, para mostrar isso, basta notar que f 00 (x) = ex > 0, logo,
pela Proposição acima segue que f é convexa (e estritamente, pois a desigual-
dade é estrita).

No que segue apresentamos dois exemplos de aplicação da função exponen-


cial e o estudo de funções convexas é dada abaixo.

Exemplo 1. Prove a desigualdade existente entre média aritmética e geométrica,


ou seja, dados x1 , x2 , ..., xn ≥ 0, mostre que
√ x1 + x2 + ... + xn
n
x1 · x2 · ... · xn ≤ .
n
Solução. De fato, basta definir f : R → R por f (x) = ex . Como f 00 (x) =
ex > 0, ∀x ∈ R, segue que f é convexa. Assim,
√ √
n x1 ·x2 ·...·xn 1 1
n
x1 · x2 · ... · xn = eln = e n ln x1 +...+ n ln xn ≤

1 ln x1 1 x1 + ... + xn
≤ e + ... + eln xn = .
n n n

1
Exemplo 2. (Desigualdade de Young) Dados p, q > 1 tais que p + 1q = 1, para
quaisquer a, b ≥ 0, vale a desigualdade:

ap aq
a·b≤ + .
p q
52 Análise II

Demonstração. Como f : R → R dada por f (x) = ex é convexa, temos que


p q
a · b = eln(a·b) = eln a+ln b = e p ln a+ q ln b =
1 p
+ q1 ln aq 1 1
= e p ln a = f ( ln ap + ln aq ),
p q
1 1
e como f (x) = ex é convexa e p + q = 1, segue que

1 1 1 1 1 p 1 q 1 1
a·b = f ( ln ap + ln aq ) ≤ f (ln ap )+ f (ln bq ) = eln a + eln b = ap + bq .
p q p q p q p q

Capı́tulo 3

Integrais

Neste capı́tulo queremos desenvolver uma importante ferramenta do cálculo: a


integração definida, que é motivada pelo problema de se determinar a área que
uma curva forma em um dado intervalo em relação ao eixo horizontal. Uma
aplicação fı́sica para isto seria, por exemplo, determinar o traballho realizado
para mover um objeto, conhecendo-se o gráfico deslocamento × força. Teremos
que o referido trabalho será numericamente igual à área que o gráfico da função
força faz com o eixo deslocamento. Porém, nem sempre esta área pode ser de-
terminada a partir de decomposição de figuras planas elementares, tais como
quadrados, retângulos e triângulos. Somente o estudo de integrais definidas
responderá perfeitamente a isto.

3.1 A integral definida


3.1.1 Preliminares
Inicialmente apresentaremos algumas definições e propriedades extremamente
importantes que nortearão nossos estudos de integrais.

Definição 3.1 Definimos a partição de um intervalo [a, b] por

P = {a = t0 < t1 < t2 < ... < tn = b}.


54 Análise II

Da definição temos que uma partição P de um intervalo [a, b] divide o mesmo


intervalo em n subintervalos do tipo [ti−1 , ti ].

Definição 3.2 Sejam f : [a, b] → R limitada e P uma partição de [a, b]. Defi-
nimos o ı́nfimo e o supremo1 de f em cada subintervalo [ti−1 , ti ] da partição,
respectivamente, por

mi = inf f (x) e Mi = sup f (x).


x∈[ti−1 ,ti ] x∈[ti−1 ,ti ]

Definição 3.3 Sejam f : [a, b] → R limitada e P = {a = t0 < t1 < ... <


tn = b} uma partição de [a, b]. Definimos as somas superior e inferior de f , em
relação à partição P , respectivamente, por
n
X n
X
S(f ; P ) := Mi (ti − ti−1 ) e s(f ; P ) := mi (ti − ti−1 ).
i=1 i=1

A seguir, temos uma representação gráfica da definição acima, onde a pri-


meira ilustração representa a soma superior de f em relação à uma partição P
e a segunda, a soma inferior.

Note que, no caso quando f ≥ 0, as somas superior e inferior, representam,


respectivamente, aproximações por excesso e por falta, da área que o gráfico de
1 Lembre das definições de ı́nfimo e supremo de um conjunto apresentadas no curso de

Análise I.
M. Zahn 55

f forma com o eixo horizontal no intervalo [a, b]. Intuitivamente, se refinarmos


a partição de [a, b], ou seja, se “quebrarmos” mais o intervalo [a, b], iremos cada
vez mais nos aproximar, por excesso e por falta, da área real. Esta será a ideia
de nosso estudo.

Lema 3.4 Seja f : [a, b] → R limitada e P uma partição de [a, b]. Então

s(f ; P ) ≤ S(f ; P ).

Demonstração. O que este Lema está nos dizendo é que, dada uma partição
P de [a, b], a soma inferior sempre é menor ou igual do que a soma superior.
Facilmente podemos observar isto mediante uma construção gráfica, como a
ilustração apresentada na definição de somas superior e inferior acima. Porém
vamos à prova deste Lema. Seja P uma partição qualquer de [a, b]. Como
mi ≤ Mi , e ti − ti−1 > 0 ∀i ∈ {0, 1, ..., n}, temos

mi (ti − ti−1 ) ≤ Mi (ti − ti−1 ).

Somando estas desigualdades para todos os i’s, temos


n
X n
X
mi (ti − ti−1 ) ≤ Mi (ti − ti−1 ),
i=1 i=1

ou seja,
s(f ; P ) ≤ S(f ; P ).


Definição 3.5 Sejam P e Q duas partições de [a, b]. Dizemos que Q é um


refinamento de P se P ⊂ Q.

O que esta definição quer dizer é que um refinamento de uma partição é uma
outra partição do intervalo que contém todos os pontos da partição anterior e
pelo menos mais um ponto. Isto pode ser observado na ilustração abaixo, onde
Q é um refinamento de P .
56 Análise II

Lema 3.6 Sejam f : [a, b] → R limitada , P e Q duas partições de [a, b], com
P ⊂ Q (i.e., Q é um refinamento de P ). Então

s(f ; P ) ≤ s(f ; Q) ≤ S(f : Q) ≤ S(f ; P ).

Obs.: O que este lema está nos informando significa que, ao refinarmos uma
partição P , a soma inferior não diminui e a soma superior não aumenta. Ob-
serve que a desigualdade intermediária é simplesmente o lema anterior. Preci-
sarı́amos mostrar então as outras duas. Porém, deixaremos para o leitor fazer
algumas construções gráficas e concluir o resultado.

Corolário 3.7 Sejam f : [a, b] → R limitada , P e Q duas partições de [a, b].


Então
s(f ; P ) ≤ S(f ; Q),

ou seja, qualquer soma inferior é sempre menor ou igual do que qualquer soma
superior.

Demonstração. Basta notar que P ∪ Q é um refinamento tanto de P quanto


de Q. Assim, pelo lema acima

s(f ; P ) ≤ s(f ; P ∪ Q) ≤ S(f : P ∪ Q) ≤ S(f ; Q).




3.1.2 Integrais superior e inferior


Definição 3.8 Seja f : [a, b] → R limitada. Definimos os conjuntos

A := {s(f ; P ) : P é partição de [a, b]}

B := {S(f ; P ) : P é partição de [a, b]}


M. Zahn 57

Definição 3.9 Seja f : [a, b] → R limitada e Λ = {P : P é partição de [a, b]}.


Definimos a integral superior e a integral inferior de f em [a, b], respectiva-
mente, por
Z b Z b
f := inf S(f ; P ) e f := sup s(f ; P )
a P ∈Λ a P ∈Λ

Observe que se f ≥ 0 temos que estas integrais inferior e superior, na ver-


dade, representam, respectivamente, aproximações por excesso e por falta da
área real que f forma com o eixo horizontal em [a, b]. Mas pode ser que tal
área não exista!

De um resultado que vem da Análise I, temos a seguinte afirmação:


Af.: Dados A, B ⊂ R, não vazios tais que, ∀x ∈ A, ∀y ∈ B, x ≤ y, então
sup A ≤ inf B. Além disso, vale a igualdade se, e somente se, ∀ε > 0, ∃x ∈ A
e ∃y ∈ B tais que y − x < ε.

A mesma situação ocorre quando A e B forem os conjuntos apresentados


na definição 3.8.

Z b Z b
Assim, temos pelo comentado acima e pelo Corolário 3.7 que f≤ f.
a a
Mais adiante usaremos estes resultados.

3.1.3 Funções integráveis

Definição 3.10 Seja f : [a, b] → R limitada. Dizemos que f é integrável (à


Riemann) se as integrais superior e inferior forem iguais, ou seja, se
Z b Z b
f= f.
a a

A este valor comum, chamamos de integral definida e escrevemos


Z b Z b
f ou f (x) dx.
a a
58 Análise II

A seguir temos alguns exemplos.


Exemplo 1. A função de Dirichlet f : [0, 1] → R definida por
(
1, se x ∈ Q
f (x) =
0, se x 6∈ Q

não é integrável.

Considere P = {a = t0 < t1 < ... < tn = b} uma partição qualquer de [0, 1].
Assim, pela densidade dos irracionais em R temos

mi = inf f (x) = 0.
x∈[ti−1 ,ti ]

Portanto, qualquer que seja P a partição de [0, 1] teremos


n
X
s(f ; P ) = mi (ti − ti−1 ) = 0.
i=1

Da mesma forma, pela densidade dos racionais em R temos

Mi = sup f (x) = 1.
x∈[ti−1 ,ti ]

Logo,
n
X
S(f ; P ) = Mi (ti − ti−1 ) = (t1 − t0 ) + (t2 − t1 ) + ... + (tn − tn−1 ) =
i=1

= tn − t0 = 1 − 0 = 1,

∀P partição de [0, 1]. Assim


Z 1
f = sup{s(f ; P ) : P é partição } = 0
0

e Z 1
f = inf{S(f ; P ) : P é partição } = 1
0
Disso, segue que
Z 1 Z 1
f =0<1= f,
0 0
M. Zahn 59

e daı́ f não é integrável.


Obs.: Realmente, isso era de se esperar, uma vez que não é possı́vel construir
o esboço gráfico da função de Dirichlet. Não existe, de fato, uma área.

Exemplo 2. f : [0, 1] → R dada por


(
1
1, se 0 ≤ x < 2
f (x) = 1
0, se 2 ≤x≤1
Z 1
Vamos mostrar que esta função é integrável e obter f.
0

O gráfico de f é apresentado abaixo.

Seja Pn a partição dada por


1 1 1 1
Pn = {0, − , + , 1}, n ≥ 3.
2 n 2 n
Assim,
n
X
s(f ; Pn ) = mi (ti − ti−1 ) =
i=1
       
1 1 1 1 1 1 1 1
=1 − −0 +0 + − + +0 1− + =
2 n 2 n 2 n 2 n
1 1
= −
2 n
Analogamente,
n
X 1 1
S(f ; Pn ) = Mi (ti − ti−1 ) = + .
i=1
2 n
60 Análise II

Logo, temos
Z 1 Z 1
1 1 1 1
− = s(f ; Pn ) ≤ f≤ f ≤ S(f ; Pn ) = − .
2 n 0 0 2 n

Logo, pelo critério do sanduı́che, fazendo n → ∞, obtemos


Z 1 Z 1
f= f.
0 0

Z 1
1
Logo, f é integrável, com f= .
0 2

Realmente, observando que f ≥ 0 em [0, 1], tal integral corresponde à área que
o gráfico de f forma com o eixo horizontal em [0, 1].
Z b
Exemplo 3. f : [0, b] → R dada por f (x) = x2 . Vamos calcular x2 .
0

Para n ∈ N, considere a partição regular Pn de [0, b] dada por

1·b 2·b n·b


Pn = {0, , , ..., = b},
n n n
que divide este intervalo em n subintervalos [ti−1 , ti ] de mesmo comprimento
de tamanho
ib (i − 1)b b
ti − ti−1 = − = ,
n n n
ib
visto que ti = 0 + , ∀i ∈ {0, 1, ..., n}.
n
M. Zahn 61

Como f é crescente em [0, b], temos

Mi = sup f (x) = f (ti ) e mi = inf f (x) = f (ti−1 )


x∈[ti−1 ,ti ] x∈[ti−1 ,ti ]

Portanto,
n n
X X b
S(f ; Pn ) = Mi (ti − ti−1 ) = f (ti ) =
i=1 i=1
n
2 2 2 2 2 2 2 2
b3 2
 
b 1 b 2 b 3 b n b
= + 2 + 2 + ... + 2 = (1 + 22 + 32 + ... + n2 )
n n2 n n n n3
Observemos aqui um resultado importante que pode ser provado por indução
matemática sobre n:
n(n + 1)(2n + 1)
12 + 22 + 32 + ... + n2 = .
6
Com isto, continuando os cálculos, temos
b3 2 b3 n(n + 1)(2n + 1)
S(f ; Pn ) = 3
(1 + 22 + 32 + ... + n2 ) = 3 · =
n n 6
b3 b3
  
1 1
= 1+ 2+ −→ quando n → ∞.
6 n n 3
Por outro lado,
n n n  2
X X b b X (i − 1)b
s(f ; Pn ) = mi (ti − ti−1 ) = f (ti−1 ) = =
i=1 i=1
n n i=1 n
62 Análise II

b3 2 b3 (n − 1)n(2n − 1)
= 3
(0 + 12 + ... + (n − 1)2 ) = 3 · .
n n 6
Portanto,

b3 b3
  
1 1
s(f ; Pn ) = 1− 2− −→ quando n → ∞.
6 n n 3

Assim,
b b
b3
Z Z
f= f= .
0 0 3
Portanto, f é integrável e
b
b3
Z
x2 dx = .
0 3
Obs.: Para resolver o problema de integração acima, utilizamos de uma igual-
dade, que pode ser provada por indução matemática sobre n. Citemos aqui
outras igualdades que serão úteis em exercı́cios:
n
X
(a) k = k · n, ∀n ≥ 1.
i=1

n(n + 1)
(b) 1 + 2 + 3 + ... + n = , ∀n ≥ 1.
2
n(n + 1)(2n + 1)
(c) 12 + 22 + 32 + ... + n2 = , ∀n ≥ 1.
6
 2
n(n + 1)
(d) 13 + 23 + 33 + ... + n3 = , ∀n ≥ 1.
2
Note, por exemplo, que a igualdade (a) nos diz que ao somar uma constante
k com ela mesma n vezes obtemos n · k e a igualdade (b) é nada mais, nada
menos, do que a soma dos n primeiros números naturais, que corresponde à
soma de n termos da progressão aritmética (1, 2, 3, ..., n). Procure provar as
quatro igualdades acima como exercı́cio usando a indução matemática.

3.1.4 Critério de integrabilidade


Na seção 3.1.2 citamos uma importante afirmação que repetimos abaixo:
Af.: Dados A, B ⊂ R, não vazios tais que, ∀x ∈ A, ∀y ∈ B, x ≤ y, então
sup A ≤ inf B. Além disso, vale a igualdade se, e somente se, ∀ε > 0, ∃x ∈ A e
M. Zahn 63

∃y ∈ B tais que y − x < ε.

Em particular, dada f : [a, b] → R limitada, sendo

A = {s(f ; P ) : P é partição de [a, b]}


e
B = {S(f ; P ) : P é partição de [a, b]},
temos Z b Z b
f = sup A ≤ inf B = f,
a a

e, de acordo com a afirmação relembrada acima, valerá a igualdade, ou seja, f


é integrável se, e somente se, ∀ε > 0 ∃ P1 , P2 partições de [a, b] tais que

S(f ; P1 ) − s(f ; P2 ) < ε.

Em palavras, considerando ε um erro entre as aproximações por falta e por


excesso da integral, temos que f é integrável (i.e., existirá uma área, conside-
rando o caso f ≥ 0) se este erro for desprezı́vel.

Já temos assim um tipo de critério para decidir se f é integrável ou não.


Porém, vamos melhorar este critério, mostrando que apenas uma partição P é
suficiente. Ou seja, vamos provar o lema seguinte.

Lema 3.11 Uma função limitada f : [a, b] → R é integrável se, e somente se,
∀ε > 0, ∃ P partição de [a, b] tal que

S(f ; P ) − s(f ; P ) < ε.

Demonstração. Seja f : [a, b] → R limitada. Suponhamos que f seja in-


tegrável. Logo, dado ε > 0 ∃ P1 , P2 partições de [a, b] tais que

S(f ; P1 ) − s(f ; P2 ) < ε.

Considere P = P1 ∪ P2 , que é um refinamento de ambas as partições P1 e P2 .


Assim, pelo lema 3.6 temos

S(f ; P ) ≤ S(f ; P1 ) e s(f ; P2 ) ≤ s(f ; P )


64 Análise II

Portanto, obtemos

S(f ; P ) − s(f ; P ) ≤ S(f ; P1 ) − s(f ; P2 ) < ε.

Logo, está provada a suficiência.

Reciprocamente, suponhamos que ∀ε > 0, ∃ P partição de [a, b] tal que

S(f ; P ) − s(f ; P ) < ε.

Vamos mostrar que f é integrável.


De fato, basta tomar P1 = P2 = P , donde segue o resultado.
Portanto, vale também a necessidade e o lema está então provado.


Definição 3.12 Seja f : [a, b] → R limitada. Definimos a oscilação de f em


[a, b], e denotamos por ω(f ; [a, b]) ao número real

ω(f ; [a, b]) = sup f (x) − inf f (x).


x∈[a,b] x∈[a,b]

Com isto, enunciamos finalmente o critério de integrabilidade, conhecido como


critério de Darboux.

Teorema 3.13 (Critério de Darboux) Seja f : [a, b] → R limitada. São equi-


valentes as afirmações:

(a) f é integrável;

(b) ∀ε > 0, ∃ P partição de [a, b] tal que S(f ; P ) − s(f ; P ) < ε;


n
X
(c) ∀ε > 0, ∃ P partição de [a, b] tal que ω(f ; [ti−1 , ti ])(ti − ti−1 ) < ε.
i=1

Demonstração. Para mostrar que todas as afirmações são equivalentes basta


mostrar que (a) ⇔ (b) e (b) ⇔ (c).
Note que (a) ⇔ (b) Já foi mostrado no Lema 3.11. Portanto, resta mostrar
(b) ⇔ (c). Suponhamos que vale (b), ou seja, dado ε > 0, ∃ P partição de [a, b]
tal que S(f ; P ) − s(f ; P ) < ε. Basta notar que
n n
!
X X
ω(f ; [ti−1 , ti ])(ti − ti−1 ) = sup f (x) − inf f (x) (ti − ti−1 )
x∈[ti−1 ,ti ] x∈[ti−1 ,ti ]
i=1 i=1
M. Zahn 65

n
X n
X
= sup f (x)(ti − ti−1 ) − inf f (x)(ti − ti−1 ) =
x∈[ti−1 ,ti ]
i=1 x∈[ti−1 ,ti ] i=1

= S(f ; P ) − s(f ; P ) < ε.

Portanto vale (c).


Reciprocamente, suponha que vale (c). Analogamente se mostra que vale (b).
Deixamos como exercı́cio.


O lema abaixo sobre ı́nfimo e supremo será útil para o teorema seguinte.

Lema 3.14 Sejam f, g : [a, b] → R limitadas em [a, b]. Então, valem as desi-
gualdades
sup(f + g) ≤ sup f + sup g

e
inf(f + g) ≥ inf f + inf g.

Demonstração. Sejam f e g duas funções limitadas em [a, b]. Vamos mostrar


que
sup(f + g) ≤ sup f + sup g.

Basta observar que, ∀x ∈ [a, b], temos

(f + g)(x) = f (x) + g(x) ≤ f (x) + sup g ≤ sup f + sup g.

Como esta desigualdade é verdadeira para todo x em [a, b], valerá, em particular
para o supremo de f + g, ou seja,

sup(f + g) ≤ sup f + sup g.

Da mesma forma mostramos a desigualdade para o ı́nfimo: ∀x ∈ [a, b] vale

(f + g)(x) = f (x) + g(x) ≥ f (x) + inf g ≥ inf f + inf g.

Logo, em particular, para o ı́nfimo temos

inf(f + g) ≥ inf f + inf g.



66 Análise II

No teorema seguinte apresentamos as principais propriedades da integral defi-


nida.

Teorema 3.15 Sejam f : [a, b] → R e g : [a, b] → R integráveis e c uma


constante real. Valem as propriedades

(a) f + g e cf são integráveis, com


Z b Z b Z b Z b Z b
(f + g) = f+ g e cf = c f.
a a a a a

Z b Z b Z b
(b) Se f ≥ 0, então f ≥ 0. Em particular, se f ≥ g, então f≥ g.
a a a
Z
b Z b
(c) f ≤ |f |. Além disso, se f é limitada por M > 0, então

a a
Z
b
f ≤ M (b − a).


a

Z b Z a
(d) f =− f.
a b
Z b Z c Z b
(e) f= f+ f.
a a c

(f ) f · g é integrável.

Demonstração. Faremos as provas dos itens (a), (c) e (f). Os demais deixa-
mos para o leitor (podem ser encontrados em livros...)
(a) Seja P = {a = t0 < t1 < ... < tn = b} uma partição qualquer de [a, b].
Aplicando o Lema acima em cada subintervalo [ti−1 , ti ] temos
n
X n
X
S(f + g; P ) = sup(f + g)(ti − ti−1 ) ≤ (sup f + sup g)(ti − ti−1 ) =
i=1 i=1

n
X n
X
= sup f (ti − ti−1 ) + sup g(ti − ti−1 ) = S(f ; P ) + S(g; P ).
i=1 i=1
Logo,
S(f + g; P ) ≤ S(f ; P ) + S(g; P ). (3.1)
M. Zahn 67

Também temos
n
X n
X
s(f + g; P ) = inf(f + g)(ti − ti−1 ) ≥ (inf f + inf g)(ti − ti−1 ) =
i=1 i=1

n
X n
X
= inf f (ti − ti−1 ) + inf g(ti − ti−1 ) = s(f ; P ) + s(g; P ).
i=1 i=1

Logo,
s(f + g; P ) ≥ s(f ; P ) + s(g; P ). (3.2)

Da definição de integral superior temos


Z b
f + g = inf S(f + g; P ),
a P ∈B

onde B = {S(f + g; P ) : P é partição de [a, b]}.

Juntando esta igualdade com (3.1) obtemos


Z b
f + g ≤ S(f + g; P ) ≤ S(f ; P ) + S(g; P ).
a

Pelo lema 3.6 temos que


Z b
f + g ≤ S(f ; P1 ) + S(g; P2 ),
a

onde P1 e P2 são duas partições quaisquer da famı́lia P de partições de [a, b].


Logo, como a desigualdade acima será verdadeira para quaisquer partições P1 e
P2 de [a, b], valerá em particular para aquelas que darão os respecitvos ı́nfimos,
ou seja,

Z b Z b Z b
f +g ≤ f+ g. (3.3)
a a a

Do mesmo modo, usando a noção de ı́nfimo, obtemos


Z b Z b Z b
f +g ≥ f+ g. (3.4)
a a a
68 Análise II

Como f e g são integráveis por hipótese, segue que as integrais superior e


inferior de f e g são iguais e daı́, com as duas últimas desigualdades obtidas
acima, concluı́mos que f + g também é integrável e
Z b Z b Z b
f +g = f+ g,
a a a

o que prova a primeira parte de (a), que mostra a linearidade da integral defi-
nida.

Rb Rb
Vejamos a prova da segunda parte, ou seja, mostrar que a
cf = c a
f . Se
c = 0, não temos nada a mostrar.
Considere o caso c > 0. Como f é integrável em [a, b], dado ε > 0 segue que
existe partição P de [a, b] tal que
ε
S(f ; P ) − s(f ; P ) < .
c
Note que, como

S(c · f ; P ) = c · S(f ; P ) e s(c · f ; P ) = c · s(f ; P ),

segue que
ε
S(c · f ; P ) − s(c · f ; P ) = c (S(f ; P ) − s(f ; P )) < c · = ε,
c
Rb Rb
ou seja, cf é integrável com a
cf = c a
f.
Já o caso onde c < 0 se faz analogamente, pois basta considerar −c > 0.

(c) Das propriedades de módulo temos que ∀x ∈ [a, b]

−|f (x)| ≤ f (x) ≤ |f (x)|.

Usando a propriedade descrita em (b), integrando obtemos


Z b Z b Z b
−|f (x)|dx ≤ f (x)dx ≤ |f (x)|dx.
a a a

Passando o sinal negativo para fora da integral, pois é possı́vel de acordo com
(a), temos
Z b Z b Z b
− |f (x)|dx ≤ f (x)dx ≤ |f (x)|dx,
a a a
M. Zahn 69

o que, de acordo com a noção de módulo, temos


Z Z
b b
f (x)dx ≤ |f (x)|dx,


a a

o que prova a primeira parte de (c).


Ainda, supondo f limitada por M > 0, i.e., |f (x)| ≤ M , ∀x ∈ [a, b], segue que
Z Z
b b Z b Z b
f (x)dx ≤ |f (x)|dx ≤ M dx = M dx.


a a a a

Rb
Resta mostrar apenas que a
1 dx = b − a. Realmente, Para calcular esta
integral, note primeiramente que g(x) = 1, ∀x ∈ [a, b]. Assim, dada qualquer
partição P = {a = t0 < t1 < ... < tn = b} de [a, b] temos que

Mi = sup f (x) = 1 = inf f (x) = mi .


x∈[ti−1 ,ti ] x∈[ti−1 ,ti ]

Disso segue que


n
X
s(f ; P ) = S(f ; P ) = 1 · (ti − ti−1 ) =
i=1

= t1 − t0 + t2 − t1 + ... + tn − tn−1 = tn − t0 = b − a.

Como isto vale para qualquer partição P , concluı́mos que


Z b Z b
1 dx = 1 dx = b − a.
a a

Portanto,
Z b
dx = b − a,
a
e daı́ concluı́mos que
Z
b Z b
f (x)dx ≤ M dx = M (b − a).


a a

(f) Sejam f, g : [a, b] → R integráveis. Então f e g são limitadas e disso segue


que existe M > 0 tal que |f (x)| ≤ M e |g(x)| ≤ M , ∀x ∈ [a, b].
70 Análise II

Defina h : [a, b] → R por h(x) = f (x)g(x).

Seja P = {a = t0 < t1 < ... < tn = b} uma partição de [a, b]. Assim, dados
x, y ∈ [ti−1 , ti ], temos

|h(x)−h(y)| = |f (x)g(x)−f (y)g(y)| = |f (x)g(x)−f (x)g(y)+f (x)g(y)−f (y)g(y)|

≤ |f (x)| · |g(x) − g(y)| + |g(y)| · |f (x) − f (y)|,

e como f e g são limitadas por M > 0, |g(x) − g(y)| ≤ ω(g; [ti−1 , ti ]) e |f (x) −
f (y)| ≤ ω(f ; [ti−1 , ti ]), segue que a estimativa acima fica majorada por

|(f g)(x) − (f g)(y)| = |h(x) − h(y)| ≤ M [ω(g; [ti−1 , ti ]) + ω(f ; [ti−1 , ti ])].

Como esta última desigualdade é verdadeira para quaisquer x, y ∈ [ti−1 , ti ],


segue que valerá

ω(f g; [ti−1 , ti ]) ≤ M [ω(g; [ti−1 , ti ]) + ω(f ; [ti−1 , ti ])],

e daı́ para i = 1, 2, ..., n tem-se

ω(f g; [ti−1 , ti ])(ti − ti−1 ) ≤ M · ω(g; [ti−1 , ti ])(ti − ti−1 ) +

+ M · ω(f ; [ti−1 , ti ])(ti − ti−1 ),

e, somando para i = 1, 2, ..., n, obtemos


n
X n
X
ω(f g; [ti−1 , ti ])(ti − ti−1 ) ≤ M ω(g; [ti−1 , ti ])(ti − ti−1 ) +
i=1 i=1

n
X
+M ω(f ; [ti−1 , ti ])(ti − ti−1 ).
i=1
Como f e g são integráveis, por hipótese, segue que dado ε > 0, existe
partição P de [a, b] tal que
n
X ε
ω(f ; [ti−1 , ti ])(ti − ti−1 ) < ,
i=1
2M
e
n
X ε
ω(g; [ti−1 , ti ])(ti − ti−1 ) < .
i=1
2M
M. Zahn 71

Portanto,
n
X ε ε
ω(f g; [ti−1 , ti ])(ti − ti−1 ) ≤ M · +M · = ε,
i=1
2M 2M

ou seja, f · g é também integrável.




3.2 Outras propriedades da integral


Proposição 3.16 Toda função monótona f : [a, b] → R é integrável.

Demonstração. Sem perda de generalidade, assuma que f : [a, b] → R seja


crescente. Logo, f é limitada e como [a, b] é um intervalo fechado, temos que

f (a) ≤ f (x) ≤ f (b), ∀x ∈ [a, b].

Escreva m = f (a) e M = f (b), e dado ε > 0, escolha n ∈ N tal que


(M − m)(b − a)
< ε.
n
Seja P = {a = t0 < t1 < ... < tn = b} a partição regular de [a, b] que divide
b−a
tal intervalo em n subintervalos de comprimento n . Logo,
b−a
ti = a + i · , i = 0, 1, 2, ..., n.
n
Sejam mi = inf f (x) = f (ti−1 ) e Mi = sup f (x) = f (ti ). Logo,
x∈[ti−1 ,ti ] x∈[ti−1 ,ti ]
a oscilação de f em cada subintervalo [ti−1 , ti ] será dada por

ω(f ; [ti−1 , ti ]) = Mi − mi = f (ti ) − f (ti−1 ),

e assim, temos
n
X n
X
ω(f ; [ti−1 , ti ])(ti − ti−1 ) = (f (ti ) − f (ti−1 ))(ti − ti−1 ) =
i=1 i=1

n
b−aX b−a b−a
= (f (ti ) − f (ti−1 )) = (f (b) − f (a)) = (M − m) < ε.
n i=1 n n
Logo, f é integrável em [a, b].
72 Análise II

Proposição 3.17 Toda função contı́nua f : [a, b] → R é integrável.

Demonstração. Como [a, b] é um compacto e f é contı́nua nesse compacto,


segue que f é uniformemente contı́nua em [a, b].

Assim, dado ε > 0, existe δ > 0 tal que, dados x, y ∈ [a, b] com |x − y| < δ,
ε
implica em |f (x) − f (y)| < b−a .

b−a
Tome n ∈ N tal que n < δ, e seja P = {a = t0 < t1 < ... < tn = b} a
partição regular de [a, b]. Logo,

b−a
ti = a + i · , i = 0, 1, 2, ..., n,
n

e disso segue que


 
b−a b−a b−a
ti − ti−1 = a + i · − a + (i − 1) · = < δ.
n n n

Portanto, ∀x, y ∈ [ti−1 , ti ], teremos |x − y| < δ, e disso

ε
|f (x) − f (y)| < .
b−a
ε
Em particular, sup f (x) − inf f (y) < , ou seja,
x∈[ti−1 ,ti ] y∈[ti−1 ,ti ] b−a

ε
ω(f ; [ti−1 , ti ]) < .
b−a

Portanto, concluı́mos que


n n
X X ε ε
ω(f ; [ti−1 , ti ])(ti − ti−1 ) < (ti − ti−1 ) = (b − a) = ε,
i=1 i=1
b−a b−a

o que mostra que f é integrável em [a, b].



M. Zahn 73

3.3 O Teorema Fundamental do Cálculo


Nesta seção iremos estudar um dos mais importantes Teoremas do cálculo, co-
nhecido por Teorema Fundamental do Cálculo, que faz uma conexão entre deri-
vadas e integrais, simplificando enormemente a resolução de problemas de obter
a integral definida de uma função f . Inicialmente, apresentaremos algumas
definições e propriedades preliminares.

3.3.1 Preliminares
Definição 3.18 Dizemos que uma função f : [a, b] → R é de Lipschitz se
∃M > 0 tal que ∀x, y ∈ [a, b],

|f (x) − f (y)| ≤ M |x − y|.

A constante M > 0 é chamada de constante de Lipschitz.

Observe que, se uma função f for de Lipschitz segue que a mesma possui
um certo controle sobre a derivada, uma vez que, podemos escrever

|f (x) − f (y)|
≤ M,
|x − y|

o que mostra que, fazendo x → y temos que |f 0 (x)| ≤ M , ou seja, para uma
função f que cumprir a condição de Lipschitz, os coeficientes angulares das retas
tangentes ao gráfico de tal f variam entre −M e M , ou seja, as inclinações das
retas tangentes ao gráfico de f em [a, b] ficam controladas pela constante de
Lipschitz M .
Vejamos alguns exemplos.
Exemplo 1. A função f : R → R dada por f (x) = sen x é de Lipschitz.

De fato, dados x, y ∈ R, temos



x−y x + y
|f (x) − f (y)| = |sen x − sen y| = 2sen
cos =
2 2

x − y x + y
= 2 sen · cos .
2 2
74 Análise II

Como | cos α| ≤ 1 e |sen α| ≤ |α|, ∀α, segue que



x − y
|f (x) − f (y)| ≤ 2 · 1 = |x − y|.
2

Logo, realmente, f é de Lipschitz com M = 1. Isto significa que os coeficientes


angulares das retas tangentes ao gráfico da função seno variam entre −1 e 1,
ou seja, as inclinações dessas retas variam entre −45o e 45o .
Na figura abaixo temos os√
gráficos da função seno e de algumas retas tangentes
π 2 π
nos pontos A(0, 0), B( , ) e C( , 1).
4 2 2


Exemplo 2. A função f : [0, +∞) → R dada por f (x) = x não é de Lips-
chitz.

Desconfiamos disso pois, observando o gráfico de f , perto da origem o


mesmo parece possuir retas tangentes com inclinações muito “fortes”, o que
sugere que f não seja de Lipschitz. Veremos que, realmente, perto de zero a
função dada não satisfaz a condição de Lipschitz.

De fato, se por absurdo f fosse de Lipschitz, então, ∀x, y ∈ [0, +∞), existiria
M > 0 tal que
|f (x) − f (y)| ≤ M |x − y|.
1
Em particular, tome x = 0 e y = , onde n ∈ N (note que quanto maior for o
n
valor do natural n, mais perto de x estará y). Disso, temos
M. Zahn 75


1 1
|f (x) − f (y)| = f (0) − f ( ) = √ .

n n
Logo,
1 1 M
|f (x) − f (y)| ≤ M |x − y| ⇒ √ ≤ M 0 − = .
n n n
Portanto, terı́amos
n √
√ ≤ M ⇒ n ≤ M, ∀n ∈ N.
n
Mas isto implica que o conjunto n dos naturais seria limitado superiormente
por M , o que é um absurdo. Portanto, concluı́mos que tal função f não é de
Lipschitz.

Abaixo temos o esboço gráfico da função f , bem como uas retas tangentes
próximas à origem, indicando geometricamente que as inclinações das mes-
mas aumentam gradativamente à medida que tomamos pontos cada vez mais
próximos de zero (observe que exatamente em x = 0 f não é derivável).

Proposição 3.19 Se f : [a, b] → R for de Lipschitz, então f é contı́nua.

Demonstração. Seja f : [a, b] → R de Lipschitz com constante de Lipschitz


M > 0.

ε
Dado ε > 0. Basta tomar δ = . Assim, ∀x, y ∈ [a, b] tal que |x − y| < δ,
M
temos
ε
|f (x) − f (y)| ≤ M |x − y| < M δ = M = ε.
M
Portanto, f é contı́nua em [a, b].
76 Análise II

3.3.2 O Teorema Fundamental do Cálculo


Definição 3.20 Seja f : [a, b] → R integrável. Definimos F : [a, b] → R por
Z x
F (x) = f (t)dt.
a

Da definição, considerando f ≥ 0 em [a, b], notamos que a função F nos for-


nece a área que o gráfico de f forma com o eixo horizontal no intervalo [a, x].
Dizemos então, neste caso, que F é a função área.

A seguinte proposição trata da continuidade de F .

Proposição 3.21 A função F é de Lipschitz e, portanto, contı́nua.


Z x
Demonstração. Seja F : [a, b] → R dada por F (x) = f (t)dt, com f in-
a
tegrável.

Sendo f integrável, segue que f é limitada. Assim, ∃K > 0 tal que |f (x)| ≤
K, ∀x ∈ [a, b]. Portanto, ∀x, y ∈ [a, b] temos
Z x Z y Z a Z y

|F (x) − F (y)| =
f (t)dt − f (t)dt = − f (t)dt − f (t)dt =
a a x a
Z
y Z
x Z x
= f (t)dt ≤ |f (t)|dt ≤ Kdt = K|x − y|.
x y y

Logo, temos que F é de Lipschitz. Pela proposição anterior segue que F é


contı́nua.
M. Zahn 77

Observe que a proposição acima nos diz que F é uma função que melhora a
continuidade de f , ou seja, regulariza a f , uma vez que não se exige que f seja
contı́nua, mas apenas limitada e no entanto F sempre será contı́nua, indepen-
dente de f ser ou não.

Vejamos um exemplo para ilustrar isto.


Exemplo 1. Seja f : [0, 1] → R dada por
(
0, se 0 ≤ x < 12
f (x) =
1, se 21 ≤ x ≤ 1.

cujo gráfico é apresentado abaixo.

1
é fácil ver que f não é contı́nua em x = . No entanto, temos que F : [0, 1] → R
2
é dada por
( Rx
0dt, se 0 ≤ x < 21
F (x) = R012 Rx 1
0
0dx + 1 1 dt, se 2 ≤ x ≤ 1.
2

ou seja, (
1
0, se 0 ≤ x < 2
F (x) = 1 1
x− 2, se 2 ≤x≤1
cujo esboço gráfico é apresentado a seguir.
78 Análise II

Observe que F é contı́nua, mesmo f não sendo.

Repare ainda que a área que f forma com o eixo horizontal, no intervalo
[0, 43 ] corresponde à área de um retângulo de base b = 1 − 34 = 1
4 e altura h = 1,
1 1
ou seja, A = 4 ·1 = 4 unidades de área. Realmente, isto pode ser observado
na função F simplesmente como A = F ( 43 ) = 3
4 − 1
2 = 1
4 unidades de área.
O próximo teorema nos fornece um resultado extremamente interessante, que
nos diz que continuidade de f nos garante derivabilidade de F .

Teorema 3.22 Se f : [a, b] → R é contı́nua em um ponto x0 , então F é


derivável em x0 com F 0 (x0 ) = f (x0 ).
Ou seja, Z x 
0 d
F (x0 ) = f (t)dt = f (x0 ).
dx a x=x0

Demonstração. Dado h ∈ R tal que x + h ∈ [a, b]. Precisamos mostrar que



F (x0 + h) − F (x0 )
− f (x0 ) → 0
h

quando h → 0.
Como f é contı́nua em x0 , segue que, dado ε > 0, ∃δ > 0 tal que |t − x0 | < δ
implica em |f (t) − f (x0 )| < ε, ou seja −ε < f (t) − f (x0 ) < ε.
1 x0 +h
Z
Assim, notando que f (x0 ) = f (x0 )dt, temos
h x0

"Z x0 +h Z x0 #
F (x0 + h) − F (x0 ) 1
− f (x0 ) = f (t)dt − f (t)dt − f (x0 ) =

h h a a
M. Zahn 79

"Z Z x0 +h #
1 a
= f+ f − f (x0 ) =

h x0 a
Z
1 x0 +h 1 x0 +h
Z
= f (t)dt − f (x0 )dt =

h x0 h x0
Z Z
1 x0 +h 1 x0 +h 1

= [f (t) − f (x0 )]dt < ε dt = ε · h = ε

h x0 h x0 h

Isto prova o teorema.




Teorema 3.23 (Teorema Fundamental do Cálculo - TFC) Seja f : [a, b] → R


derivável com f 0 integrável. Então
Z b
f 0 (x)dx = f (b) − f (a).
a

Obs.: Exige-se no Teorema acima que f 0 seja integrável para se evitar si-
tuações como por exemplo, f : (0, +∞) → R dada por f (x) = ln x. Temos que
∃f 0 : (0, +∞) → R, f 0 (x) = x1 , mas no entanto, a área que o gráfico deste ramo
de hipérbole forma seria infinita e, portanto, não existiria realmente uma área.

Demonstração. Seja f : [a, b] → R derivável com f 0 integrável. Seja P uma


partição qualquer de [a, b] que divide este intervalo em n subintervalos da forma
[ti−1 , ti ]:
P = {a = t0 < t1 < t2 < ... < tn = b}.

Assim,
n
X
f (b) − f (a) = f (ti ) − f (ti−1 ).
i=1

Como f é derivável em (ti−1 , ti ), pelo Teorema do Valor Médio, segue que


∃ci ∈ (ti−1 , ti ) tal que f (ti ) − f (ti−1 ) = f 0 (ci )(ti − ti−1 ), ∀i ∈ {1, 2, ..., n}.
Portanto,
n
X
f (b) − f (a) = f 0 (ci )(ti − ti−1 ).
i=1
80 Análise II

Defina para cada subintervalo [ti−1 , ti ] os números

m0i = inf f (x) e Mi0 = sup f (x).


x∈[ti−1 ,ti ] x∈[ti−1 ,ti ]

Observe que, para cada i


m0i ≤ f 0 (ci ) ≤ Mi0 .

Logo,
m0i (ti − ti−1 ) ≤ f 0 (ci )(ti − ti−1 ) ≤ Mi (ti − ti−1 ).

Somando estas desigualdades para cada i obtemos


n
X n
X n
X
m0i (ti − ti−1 ) ≤ f 0 (ci )(ti − ti−1 ) ≤ Mi (ti − ti−1 ),
i=1 i=1 i=1

ou seja,
s(f 0 ; P ) ≤ f (b) − f (a) ≤ S(f 0 ; P )

Como, por hipótese, f 0 é integrável, dado ε > 0, ∃ P partição de [a, b] tal que

S(f 0 ; P ) − s(f 0 ; P ) < ε.

Portanto Z b
f 0 (x)dx = f (b) − f (a).
a


Teorema 3.24 (Integração por partes) Sejam f, g : [a, b] → R deriváveis com


derivadas integráveis. Então.
Z b Z b
f 0 (x)g(x) dx = f (b)g(b) − f (a)g(a) − f (x)g 0 (x)dx.
a a

Demonstração. Pela regra da derivada do produto, temos que

(f · g)0 = f 0 · g + f · g 0 ,

com f 0 integrável, e sendo g derivável, então g é contı́nua, e, portanto, pela


Proposição 3.17, g é integrável. Assim, f 0 · g é integrável. Do mesmo modo
concluı́mos que f · g 0 também é integrável.
M. Zahn 81

Como a soma de funções integráveis é integrável, concluı́mos que (f · g)0 é


integrável.

Pelo Teorema Fundamental do Cálculo, temos que


Z b
(f · g)0 = (f · g)(b) − (f · g)(a) = f (b)g(b) − f (a)g(a), (3.5)
a
e por outro lado,
Z b Z b Z b Z b
0 0 0 0
(f · g) = (f · g + f · g ) = f ·g+ f · g0 . (3.6)
a a a a
Comparando (3.5) e (3.6), segue o resultado.


Teorema 3.25 (Mudança de variável) Sejam f : [a, b] → R contı́nua, g :


[c, d] → R derivável com g 0 integrável e g([c, d]) ⊂ [a, b]. Então
Z g(d) Z d
f (x)dx = f (g(t)) · g 0 (t)dt.
g(c) c

Demonstração. Defina F : [a, b] → R por


Z x
F (x) = f (t)dt.
a
Pelo Teorema 3.22 temos que, sendo f contı́nua, segue que F é derivável
com F 0 = f .

Pela Regra da Cadeia, temos

(F ◦ g)0 (t) = F 0 (g(t)) · g 0 (t) = f (g(t)) · g 0 (t).

Além disso, como f e g são contı́nuas tem-se que f ◦ g é contı́nua, e pela


Proposição 3.17 segue que f ◦ g é integrável, e disso,

(F ◦ g)0 (t) = f (g(t)) · g 0 (t) é integrável.

Pelo T.F.C., obtemos


Z d Z d
f (g(t)) · g 0 (t)dt = (F ◦ g)0 (t)dt = (F ◦ g)(d) − (F ◦ g)(c) =
c c
Z g(d) Z g(c) Z g(d)
= F (g(d)) − F (g(c)) = f (x)dx − f (x)dx = f (x)dx.
a a g(c)

82 Análise II

3.4 Fórmula de Taylor com resto integral


No Capı́tulo anterior estudamos os Teoremas da Fórmula de Taylor com restos
infinitesimal e na forma de Lagrange. Vejamos agora a formulação onde o resto
fica expresso em termos de uma integral definida, razão pela qual recebe o nome
“resto integral”. Antes, porém, é salutar enunciar um importante Lema.

Lema 3.26 Seja ϕ : [0, 1] → R uma função de classe C n+1 em um intervalo


aberto contendo [0, 1]. Então
1
ϕ00 (0) ϕ(n) (0) (1 − t)n (n+1)
Z
0
ϕ(1) = ϕ(0) + ϕ (0) + + ... + + ϕ (t)dt.
2! n! 0 n!
Demonstração. Pelo Teorema Fundamental do Cálculo, escrevemos
Z 1
ϕ(1) = ϕ(0) + ϕ0 (t)dt.
0

Escreva f (t) = 1 − t e g(t) = ϕ (t). Então f 0 (t) = −1 e g 0 (t) = ϕ00 (t).


0

Assim, Z 1 Z 1
0
ϕ(1) = ϕ(0) + ϕ (t)dt = ϕ(0) − −1 · g(t)dt =
0 0
Z 1
= ϕ(0) − f 0 (t)g(t)dt.
0

Pelo Teorema 3.24 de integração por partes, identificando u = g(t) e dv =


f 0 (t)dt, vamos obter

du = g 0 (t)dt = ϕ00 (t)dt e v = f (t) = 1 − t,

e daı́ Z 1 Z 1
0
ϕ(1) = ϕ(0) − f (t)g(t)dt = ϕ(0) − udv =
0 0
 Z 1 
= ϕ(0) − uv|1 − uv|0 − vdu =
0
Z 1
= ϕ(0) − g(t)(1 − t)|1 + g(t)(1 − t)|0 + (1 − t)g 0 (t)dt =
0
Z 1
= ϕ(0) + ϕ0 (0) + (1 − t)ϕ00 (t)dt.
0
M. Zahn 83

Novamente, identificando u = ϕ00 (t) e dv = (1 − t)dt, teremos du = ϕ000 (t)dt


2
e v = − (1−t)
2 , e novamente pela integração por partes, vem
Z 1
ϕ(1) = ϕ(0) + ϕ0 (0) + uv|1 − uv|0 − vdu =
0

1
(1 − t)2 000
  Z
0 001
= ϕ(0) + ϕ (0) + 0 − ϕ (0) − − − ϕ (t)dt,
2 0 2
ou seja,
1
ϕ00 (0) (1 − t)2 000
Z
ϕ(1) = ϕ(0) + ϕ0 (0) + 0 + + ϕ (t)dt.
2 0 2

(1−t2 )
Tomando u = ϕ000 (t) e dv = 2 dt, obtemos

(1 − t)3
du = ϕ(4) (t)dt e v=− ,
2·3
e com isso, pelo Teorema da integração por partes, vem
Z 1
ϕ00 (0)
ϕ(1) = ϕ(0) + ϕ0 (0) + + uv|1 − uv|0 − vdu =
2 0
 Z 1
ϕ00 (0) (1 − t)3 (4)

0 000 1
= ϕ(0) + ϕ (0) + + 0 − ϕ (0) − − − ϕ (t)dt,
2 2·3 0 2·3
ou seja,
1
ϕ00 (0) ϕ000 (0) (1 − t)3 (4)
Z
0
ϕ(1) = ϕ(0) + ϕ (0) + + + ϕ (t)dt.
2 2·3 0 2·3

Seguindo por indução até a ordem n + 1 segue o resultado.




De posse do Lema acima, provamos:

Teorema 3.27 (Fórmula de Taylor com resto integral) Seja f uma função de
classe C n+1 definida em um intervalo aberto contendo [a, a + h]. Então
1
f 00 (a) 2 f (n) (a) (1 − t)n (n+1)
Z
f (a+h) =f (a)+f 0 (a)h+ h +...+ + f (a+th)hn+1 dt.
2! n! 0 n!
84 Análise II

Demonstração. Defina ϕ : [0, 1] → R por

ϕ(t) = f (a + th).

Logo, ϕ é de classe C n+1 pois f o é. Além disso, ϕ(1) = f (a + h) e pela Regra
da Cadeia,
ϕ0 (t) = f 0 (a + th)h.

Em geral, tem-se que

ϕ(k) (t)f (k) (a + th)hk , k = 0, 1, 2, ..., n + 1,

e então pelo Lema 3.26 segue que o resultado.




3.5 Teoremas do Valor Médio para integrais


Nesta seção apresentamos três teoremas importantes, denominados de Teore-
mas do Valor Médio para integrais.

Teorema 3.28 Seja f : [a, b] → R contı́nua. Então, existe c ∈ (a, b) tal que
Z b
1
f (c) = f (x)dx.
b−a a

No caso onde f ≥ 0 temos uma interessante interpretação geométrica para


esse Teorema: como f é contı́nua no intervalo fechado [a, b], existirá um ponto
c entre a e b tal que a área compreendida pelo gráfico de f , as retas verticais
x = a e x = b e o eixo horizontal será numericamente igual à área do retângulo
de base b − a e altura f (c). Veja a figura abaixo.
M. Zahn 85

Vamos à prova do Teorema.

Demonstração. Como f é contı́nbua em [a, b], segue pelo Teorema do Valor


Extremo (Teor. de Weierstrass) que existem x1 , x2 em [a, b] tais que f (x1 ) =
min f (x) e f (x2 ) = max f (x). Assim, segue que, ∀x ∈ [a, b]:
x∈[a,b] x∈[a,b]

f (x1 ) ≤ f (x) ≤ f (x2 ).

Integrando em [a, b] vamos obter


Z b Z b Z b
f (x1 )dx ≤ f (x)dx ≤ f (x2 )dx,
a a a
e então Z b Z b Z b
f (x1 ) dx ≤ f (x)dx ≤ f (x2 ) dx,
a a a
donde segue que
Z b
1
f (x1 ) ≤ f (x)dx ≤ f (x2 ),
b−a a
e como f é contı́nua no intervalo fechado de extremidades em x1 e x2 , contido
em [a, b], segue pelo Teorema do Valor Intermediário que ∃c ∈ (a, b) tal que
Z b
1
f (c) = f (x)dx.
b−a a


Teorema 3.29 Sejam f, g : [a, b] → R funções contı́nuas com g(x) > 0, para
todo x ∈ [a, b]. Então, existe c ∈ [a, b] tal que
Z b Z b
f (x)g(x) dx = f (c) g(x) dx.
a a
86 Análise II

Demonstração. Sendo f contı́nua em [a, b], segue pelo Teorema do valor


Extremo que f assume valor máximo e assume valor mı́nimo em [a, b]. Assim,
sejam M e m, respectivamente, tais valores. Temos, portanto, que

m ≤ f (x) ≤ M, ∀x ∈ [a, b].

Sendo g(x) > 0, ∀x ∈ [a, b], temos que

m g(x) ≤ f (x)g(x) ≤ M g(x).

Integrando em [a, b], obtemos


Z b Z b Z b
m g(x) ≤ f (x)g(x) ≤ M g(x),
a a a

ou seja,
Z b Z b Z b
m g(x) ≤ f (x)g(x) ≤ M g(x),
a a a
Rb
e como g(x) > 0, ∀x, segue que a
g > 0 e daı́
Rb
a
f (x)g(x)
m≤ Rb ≤ M.
a
g(x)

Como f é contı́nua, segue que existem x0 , x1 ∈ [a, b] tais que m = f (x0 ) e


M = f (x1 ), e com isso, obtemos
Rb
a
f (x)g(x)
f (x0 ) ≤ Rb ≤ f (x1 ),
a
g(x)
Rb
f (x)g(x)
e, pela continuidade de f , considerando d = aR
b
g(x)
, segue pelo Teorema do
a
Valor Intermediário que existe c ∈ [a, b] tal que f (c) = d, ou seja,
Rb
a
f (x)g(x)
f (c) = Rb ,
a
g(x)

donde segue o resultado.



M. Zahn 87

Corolário 3.30 Sejam f, g : [a, b] → R funções contı́nuas com g(x) < 0, para
todo x ∈ [a, b]. Então, existe c ∈ [a, b] tal que
Z b Z b
f (x)g(x) dx = f (c) g(x) dx.
a a

Demonstração. A prova é análoga à do Teorema acima, deixamos para o


leitor.


Teorema 3.31 Sejam f : [a, b] → R contı́nua e g : [a, b] → R derivável com g 0


integrável e tal que g(x) > 0 para todo x ∈ [a, b] e g decrescente. Então, existe
θ ∈ [a, b] tal que
Z b Z θ
f (x) · g(x) dx = g(a) f (x) dx.
a a

Demonstração. Defina F : [a, b] → R por


Z x
F (x) = f (t)dt.
a

Pelo Teorema 3.22 temos que F é contı́nua e então derivável com F 0 (x) = f (x).

Pelo Teorema da integração por partes (Teorema 3.24), segue que


Z b Z b Z b
0
f (x)g(x)dx = F (x)g(x)dx = F (b)g(b) − F (a)g(a) − F (x)g 0 (x)dx.
a a a

Como F (a) = 0, obtemos


Z b Z b
f (x)g(x)dx = F (b)g(b) − F (x)g 0 (x)dx. (3.7)
a a

Como por hipótese g é derivável e decrescente, segue que g 0 (x) ≤ 0, ∀x ∈ [a, b]


e g 0 é contı́nua. Dessa forma temos que F e g 0 estão nas hipóteses do Corolário
3.30, e disso segue que ∃c ∈ [a, b] tal que
Z b Z b
F (x)g 0 (x)dx = F (c) f 0 (x)dx = F (c)(g(b) − g(a)).
a a

Assim, (3.7) resulta em


Z b
f (x)g(x)dx = F (b)g(b) − F (c)(g(b) − g(a)) =
a
88 Análise II

= F (c)(g(a) − g(b)) + F (b)g(b) =


 
g(a) − g(b) g(b)
= F (c) + F (b) g(a).
g(a) g(a)
g(a) − g(b) g(b)
Denotando α = e β = , notamos que α + β = 1. Logo,
g(a) g(a)
o aditivo acima entre colchetes é uma combinação convexa de F (c) e F (b), e
portanto d := F (c) · α + F (b) · β está entre F (c) e F (b).

Aplicando o Teorema do Valor Intermediário para funções contı́nuas em F


no intervalo [c, b], segue que existe θ entre c e b tal que F (θ) = d. Portanto,
concluı́mos finalmente que
Z b
f (x)g(x)dx = [F (c) · α + F (b) · β]g(a) = d · g(a) =
a
Z θ
= F (θ)g(a) = g(a) f (x)dx.
a 

3.6 Soma de Riemann


Nesta seção vamos apresentar a definição de soma de Riemann. Para isto,
vejamos primeiramente a definição de norma de uma partição P de [a, b].

Definição 3.32 Seja P = {a = t0 < t1 < ... < tn = b} uma partição do


intervalo [a, b]. Definimos a norma da partição P por

||P || = max {ti − ti−1 }.


i∈{1,2,...,n}

Ou seja, a norma de uma partição P de [a, b] é o maior subintervalo [ti−1 , ti ]


de [a, b].

No que segue apresentamos um importante resultado.

Teorema 3.33 Seja f : [a, b] → R uma função limitada. Então, para todo
ε > 0, existe δ > 0 tal que, se P for uma partição qualquer de [a, b] com
||P || < δ, tem-se
Z b Z b
f ≤ S(f ; P ) < f + ε.
a a
M. Zahn 89

Demonstração. Dado ε > 0. Suponha que f ≥ 0 em [a, b] (se f < 0, basta


tomar k > 0 tal que f + k ≥ 0 e trabalhar com f + k ao invés de f ).

Notamos que, por definição tem-se que


Z b
f (x)dx ≤ S(f ; P ), (3.8)
a

para toda partição P de [a, b].


Seja P0 = {a = t0 < t1 < t2 < ... < tn = b} uma partição de [a, b] tal que
Z b
ε
S(f ; P0 ) < f (x)dx + . (3.9)
a 2
Como f é limitada, seja M > 0 tal que |f (x)| ≤ M , ∀x ∈ [a, b].

Tome
ε
δ= , (3.10)
2·M ·n
onde M > 0 é a constante acima definida e n é o número de subintervalos de P0 .

Afirmamos que ∀ P partição de [a, b] tal que ||P || < δ, implica em


Z b
S(f ; P ) < f (x)dx + ε.
a

De fato, seja P = {a = r0 < r1 < r2 < ... < rn = b} uma partição qualquer
de [a, b] tal que ||P || < δ.

Vamos indicar por [rj−1 , rj ] os subintervalos de P que estão contidos em


algum subintervalo de P0 , ou seja, tais que [rj−1 , rj ] ⊂ [ti−1 , ti ], para algum i
fixado, e denotaremos isso por j ⊂ i; e vamos indicar por [rk−1 , rk ] os subin-
tervalos restantes de P que contém algum ti em seu interior.

Portanto, existem no máximo n subintervalos do tipo [rk−1 , rk ].


90 Análise II

Quando j ⊂ i, temos que Mj ≤ Mi e é fácil ver que


X
rj − rj−1 ≤ ti − ti−1 e Mk (rk − rk−1 ) ≤ M ||P || < M · δ,
j⊂i

onde Mi , Mj e Mk denotam os supremos de f em [ti−1 , ti ], [rj−1 , rj ] e [rk−1 , rk ],


respectivamente e notamos que tais supremos são todos maiores ou iguais a
zero, pois admitimos f ≥ 0. Assim,

X X
S(f ; P ) = Mj (rj , rj−1 ) + Mk (rk − rk−1 ) ≤
j k
n
X X
≤ Mi (ti − ti−1 ) + M · δ ≤ S(f ; P0 ) + M · n · δ,
i=1 k

e por (3.9) e (3.10) vem:


Z b
ε ε
S(f ; P ) ≤ S(f ; P0 ) + M · n · δ < f (x)dx + +M ·n·δ· ,
a 2 2·M ·n
ou seja,
Z b
S(f ; P ) < f (x)dx + ε.
a
Combinando esta desigualdade com (3.8), segue o resultado.


Corolário 3.34 Sejam f : [a, b] → R limitada e P uma partição de [a, b].


Então Z b
lim S(f ; P ) = f (x)dx.
||P ||→0 a

Demonstração. De fato, dado ε > 0, pelo Teorema 3.33 segue que existe
δ > 0 tal que
Z b

S(f ; P ) − f (x)dx < ε , sempre que ||P || < δ.

a


Corolário 3.35 Sejam f : [a, b] → R limitada e P uma partição de [a, b].


Então Z b
lim s(f ; P ) = f (x)dx.
||P ||→0 a
M. Zahn 91

Demonstração. Basta provar um Teorema análogo ao Teorema 3.33 e o


resultado segue.


Definição 3.36 Dada uma partição P = {a = t0 < t1 < ... < tn = b} de


[a, b]. Em cada subintervalo [ti−1 , ti ] escolhemos arbitrariamente um ponto ξi ,
i = 1, 2, ..., n. Estes pontos ξi definem uma partição pontilhada P ? de [a, b].

Com esta partição pontilhada P ? definimos a soma de Riemann como segue.

Definição 3.37 Seja f : [a, b] → R uma função integrável. Definimos a soma


de Riemann por
X n
X
(f ; P ? ) = f (ξi )(ti − ti−1 ).
i=1

Observe que, sendo mi e Mi , respectivamente, o ı́nfimo e o supremo de f


em [ti−1 , ti ], temos que
mi ≤ f (ξi ) ≤ Mi , ∀i.

Logo, multiplicando por ti − ti−1 e somando para todos os ı́ndices i obtemos a


cadeia de desigualdades:
X
s(f ; P ) ≤ (f ; P ? ) ≤ S(f ; P ).
92 Análise II

Considerando f uma função integrável em [a, b], temos que o Teorema do


Sanduı́che aplicado à cadeia de desigualdades do parágrafo acima, combinado
com os Corolários 3.34 e 3.35 e a Definição 3.37 nos fornecem o seguinte resul-
tado:
Rb
Teorema 3.38 Seja f : [a, b] → R integrável com I = a
f . Então
X
lim (f ; P ? ) = I.
||P ||→0

O que o teorema acima nos diz é que, sendo f uma função integrável, para
Rb
calcular a
f basta considerar uma partição pontilhada P ? de [a, b] qualquer
tal que a norma da partição P tenda para zero. A soma então montada tenderá
para a integral de f em [a, b].
Capı́tulo 4

Séries

4.1 Introdução
Neste capı́tulo apresentamos a noção de soma infinita, denominada série numérica.
Iniciemos com a sua definição.

Definição 4.1 Chama-se série infinita a soma da forma

a1 + a2 + a3 + ... + an + ...

dos termos de uma sequência (an )n∈N . A série pode ser abreviada usando-se o
P
sı́mbolo de somatório . Assim,
+∞
X
a1 + a2 + a3 + ... + an + ... = an
n=1
P
e a notação deve ser adotada, salvo para séries muito simples.

Na notação

X
an ,
n=1

an chama-se termo geral da série.


94 Análise II

Nosso objetivo é compreender o significado de tal soma infinita e desenvol-


ver métodos para decidir se uma dada série possui ou não uma soma e, em
alguns casos, determinar tal soma.

P
A cada série infinita an está associada a sequência das somas parciais sn :
n
X
sn = a1 + a2 + a3 + ... + an = ai
i=1

Portanto,

s1 = a1 , s2 = a1 + a2 , s3 = a1 + a2 + a3 , ..., sn = a1 + a2 + a3 + ... + an .
+∞
X
Definição 4.2 A série infinita an é dita ser convergente se a sequência das
n=1
somas parciais (sn )n for convergente; e divergente se a sequência das somas
parciais for divergente. Se a série for convergente e a sequência das somas
parciais (sn ) convergir para S, então S será chamada a soma da série, e escreve-
se
+∞
X
S= an
n=1

Portanto,
+∞
X n
X
an = lim sn = lim ai ,
n→+∞ n→+∞
n=1 i=1

desde que o limite exista.

1 3 7 2n − 1
Exemplo: Considere a série + + + ... + + .... Note que, os ter-
2 4 8 2n  n 
2 −1
mos desta série formam uma sequência convergente, pois lim =
  n→+∞ 2n
1
lim 1 − n = 1, no entanto, não segue a convergência da série.
n→+∞ 2

Neste caso, podemos observar que cada termo da série é pelo menos igual
1
a e, consequentemente
2
1 1 1 1 1
sn ≥ + + + ... + = n · .
2 2 2 2 2
M. Zahn 95

A sequência sn é monótona, mas não é limitada, e lim sn = +∞. Logo, a


n→+∞
série é divergente.

De modo geral, devem-se distinguir as noções de série, sequência dos ter-


mos de uma série, e a sequência de somas parciais de uma série. A série é
simplesmente um outro modo de descrever-se a sequência das somas parciais;
os termos da série descrevem as variações entre uma soma parcial e a soma
seguinte.

Exemplo. Para atribuirmos significado, por exemplo, para uma expressão


do tipo
1 1 1 1
1+ + + + ... + n−1 + ...
2 4 8 2
somamos os termos um a um a partir do inı́cio e buscamos um padrão para as
somas parciais.

Soma Valor Expressão sugerida para


Parcial a soma parcial
s1 = 1 1 2−1

1 3 1
s2 = 1 + 2−
2 2 2

1 1 7 1
s3 = 1 + + 2−
2 4 4 4

1 1 1 15 1
s4 = 1 + + + 2−
2 4 8 8 8
.. .. ..
. . .
1 1 1 1
sn = 1 + + + ... + n−1 ... 2 − n−1
2 4 2 2

Realmente existe um padrão. A soma parcial forma uma sequência cujo


ene-ésimo termo é
1
sn = 2 − .
2n−1
96 Análise II

 
1
Esta sequência converge para 2, pois lim 2− = 2. Assim, dizemos
n→∞ 2n−1
1 1 1
que a soma infinita 1 + + + ... + n−1 + ... é igual a 2.
2 4 2

Observe a figura a seguir.

1 1 1
Quando os comprimentos 1, , , , ... são adicionados um a um, a soma
2 4 8
se aproxima de 2.

Você deve estar se perguntando: Podemos adicionar um número infinito


de termos um a um? A resposta é: Claro que não! Contudo, podemos ainda
definir sua soma como o limite da sequência de somas parciais quando n → +∞.

+∞
X 1
Exemplo: Encontre a soma da série1 .
n=1
n(n + 1)

Solução. Inicialmente procuramos um padrão na sequência das somas parciais


que possa levar a uma fórmula para sn . Neste caso, a chave é a decomposição
em frações parciais.
1 1 1
= −
n(n + 1) n n+1
Assim, podemos escrever
+∞ +∞
X 1 X 1 1
= −
n=1
n(n + 1) n=1 n n + 1
         
1 1 1 1 1 1 1 1 1
sn = 1− + − + − + ... + − + −
2 2 3 3 4 n−1 n n n+1
1
sn = 1 −
n+1
+∞
1A
X 1
série é chamada série telescópica.
n=1
n(n + 1)
M. Zahn 97

n
Note que, lim sn = lim = 1. Logo, a série converge, e sua soma é
n→+∞ n→+∞ n+1
1.

4.2 Série geométrica


Séries geométricas são da forma
+∞
X
1 + a + a2 + a3 + ... + an + ... = an ,
n=0

onde a ∈ R.

Se a = 1, a n-ésima soma parcial da série geométrica é sn = 1 + 11 + 12 +


... + 1n = n + 1 e será divergente, pois lim sn = +∞. Se a = −1, a série
n→∞
diverge porque a n-ésima soma parcial oscila entre 1 e 0. Se |a| =
6 1, podemos
determinar a convergência ou a divergência da série da seguinte maneira:

sn = 1 + a · +a2 + a3 + ... + an

Multiplicando por a, obtemos

a · sn = a + a2 + a3 + ... + an + an+1

Subtraindo a primeira igualdade da segunda, obtemos

a · sn − sn = an+1 − 1.

Logo, como assumimos |a| =


6 1, podemos escrever
an+1 − 1 1 an+1
sn = = − .
a−1 1−a 1−a
Se |a| < 1 segue que an+1 → 0 e daı́
1
sn → ,
1−a
ou seja, concluı́mos que

X 1
an = ; onde |a| < 1, i.e., a série converge.
n=0
1−a

Quando |a| > 1 a série será divergente.


98 Análise II

4.3 Propriedades das séries


A proposição abaixo estabelece as principais operações entre séries convergen-
tes.
+∞
X +∞
X
Proposição 4.3 Se an e bn são convergentes com somas A e B res-
n=1 n=1
pectivamente, e k é uma constante, então
+∞
X
(i) (an + bn ) = A + B
n=1

+∞
X
(ii) (an − bn ) = A − B
n=1

+∞
X +∞
X
(iii) (k · an ) = k · an = k · A
n=1 n=1

Demonstração. Considere as somas parciais An = a1 + a2 + ... + an , Bn =


b1 + b2 + ... + bn , sn = (a1 + b1 ) + ... + (an + bn ), então sn = An + Bn . Como
An converge para A e Bn converge para B, sn converge para A + B. Vale um
P P
raciocı́nio análogo para as séries (an −bn ) e k ·an . Isto prova a Proposição.


Corolário 4.4 (i) Quando multiplicamos uma série divergente por uma cons-
tante diferente de zero, obtemos uma série também divergente.
P P P P
(ii) Se an converge e bn diverge, então tanto (an +bn ) como (an −bn )
divergem.
P P P
Obs.: Lembre-se de que (an +bn ), pode convergir quando tanto an e bn
P P
divergem. Por exemplo, an = 1 + 1 + 1 + ... e bn = (−1) + (−1) + (−1) + ...
P
divergem, enquanto (an + bn ) = 0 + 0 + 0 + ... converge para 0.

Exemplo. Calcule as somas a seguir.

+∞ n−1 +∞
X 3 −1 X 4
(a) n−1
(b) n−1
n=1
6 n=1
2
M. Zahn 99

Solução. Note que basta usar a Proposição 4.3 e notar que temos operações
com séries geométricas:
+∞ n−1 +∞   X +∞ +∞
X 3 −1 X 1 1 1 X 1
(a) n−1
= n−1
− n−1
= n−1
− n−1
=
n=1
6 n=1
2 6 n=1
2 n=1
6
1 1 6 4
= 1 − 1 =2− 5 = 5
1− 2 1− 6
+∞
X 4 +∞
X 1  
1
(b) = 4 = 4 · =8
n=1
2n−1 n=1
2n−1 1 − 12

Proposição 4.5 (Critério do Termo Geral) Se não tivermos lim an = 0,


n→+∞
+∞
X
então an divergirá.
n=1

Demonstração. Fazendo-se S representar a soma da série e sn = a1 +a2 +...+


an representar a n-ésima soma parcial, se tomarmos n suficientemente grande,
tanto sn como sn−1 estão perto de S, assim a diferença sn − sn−1 = an , está
próxima de zero. Mais formalmente,

lim an = lim (sn − sn−1 ) = lim sn − lim sn−1 = S − S = 0


n→+∞ n→+∞ n→+∞ n→+∞

Logo, se an não convergir para zero, a série não poderá convergir.




Note que esse critério só poderá ser usado para provar divergências. Se
P
lim an = 0, a série an poderá divergir ou convergir.
n→+∞

Exemplo. Aplicar o teste do n-ésimo termo para verificar se a sequência


diverge.

+∞
X
(a) (−1)n diverge, pois lim (−1)n não existe.
n→+∞
n=1
+∞
X
(b) n2 diverge, pois n2 → +∞, quando n → +∞.
n=1
+∞
X 3n − 1 3n − 1 3
(c) diverge, pois lim = 6→ 0 quando n → +∞.
n=1
4n + 5 n→+∞ 4n + 5 4
100 Análise II

+∞
X 1 1
(d) . Note que, lim = 0, logo o teste não revela nada. Veremos
n=1
n n→+∞ n

abaixo que esta série, chamada harmônica, diverge.


+∞
X
Proposição 4.6 Uma série an de termos não negativos converge se, e
n=1
somente se, suas somas parciais são limitadas superiormente.
P
Demonstração. Suponha que an seja convergente, com an ≥ 0, ∀n. Vamos
mostrar que a sequência (sn ) das somas parciais da série é limitada superior-
mente. Seja
sn = a1 + a2 + ... + an

tal que
n
X
∃ lim sn = lim ai = s > 0,
n→+∞ n→+∞
i=1

pois an ≥ 0, ∀n.

Assim, dado ε > 0, ∃n0 ∈ N tal que, ∀n ≥ n0 ⇒ |sn − s| < ε.


Ou seja, −ε < sn − s < ε, donde segue que sn < s + ε, ∀n ≥ n0 .

Tome k = max{s + ε, s1 , s2 , ..., sn0 } > 0.

Assim, segue que sn ≤ k, ∀n ∈ N, ou seja, encontramos k > 0 tal que


P
sn ≤ k, ∀n, o que mostra que a sequência das somas parciais da série an é
limitada superiormente por k > 0.

P
Reciprocamente, suponha que a sequência (sn ) das somas parciais de an
seja limitada superiormente.

P
Vamos mostrar que an converge, onde an ≥ 0, ∀n. Por absurdo, suponha
P
que an diverge. Isto significa que

lim sn = +∞,
n→+∞
M. Zahn 101

ou seja, ∀M > 0, ∃n0 ∈ N tal que sn > M , ∀n ≥ n0 .

Mas isso contradiz a hipótese de que (sn ) é limitada superiormente. Ab-


surdo!
P
Portanto, an é convergente.

+∞
X 1 1 1 1 1
Exemplo. A série = 1 + + + + ... + + ... é chamada série
n=1
n 2 3 4 n
harmônica. Esta série é muito importante e, assim como a série geométrica, é
muito usada como referência para alguns testes de convergência que veremos
adiante. A série harmônica é divergente, mas isto não segue do teste do n-ésimo
1
termo, pois lim = 0. Isto ocorre porque não há limitante superior para
n→+∞ n
suas somas parciais.

Podemos agrupar os termos desta série da seguinte forma:


     
1 1 1 1 1 1 1 1 1 1
1+ + + + + + + + + + ... + +...
2 3 4 5 6 7 8 9 10 16
| {z } | {z } | {z }
> 24 = 21 > 84 = 12 8
> 16 = 12

A soma dos dois primeiros elementos é 1,5. A soma dos dois termos seguintes
1
é 3 + 14 , que é maior do que 1
4 + 1
4 = 1
2 e assim por diante. A sequência de
somas paricias não é limitada superiormente, logo a série harmônica diverge.

X
Teorema 4.7 (Critério de Cauchy) Uma série an converge se, e somente
n=1
se, ∀ε > 0, ∃n0 ∈ N tal que para todo p > n0 ,
p
X
| an | < ε.
n=n0
P
Demonstração. Sabemos que a série an converge se, e somente se a
seqência das somas parciais (sn ) for convergente. Logo, pelo Critério de Cau-
Pn
chy para sequências, temos que sn = k=1 ak converge se, e somente se, para
todo ε > 0, existir n0 ∈ N tal que, ∀m, n ≥ n0 , implicar em

|sm − sn | < ε.
102 Análise II

No entanto, escrevendo n = n0 e m = n0 + p, onde p ≥ 1, segue que


p
X
| an | = |an0 +1 + ... + an0 +p | = |sn0 +p − sn0 | < ε.
n=n0 +1

P P
Definição 4.8 Se uma série an for tal que |an | é convergente, então a
P
série an será chamada absolutamente convergente.
+∞
X
Teorema 4.9 (Teorema da Convergência Absoluta) Se |an | convergir, então
n=1
+∞
X
an convergirá, ou seja, toda série absolutamente convergente é convergente.
n=1

Demonstração. Pela desigualdade triangular dos módulos temos

|an+1 + an+2 ... + am | ≤ |an+1 | + |an+2 | + ... + |am |


+∞
X
Se |an | convergir, então a soma no segundo membro será menor que ε, para
n=1
um ε > 0 dado, quando n ≥ N , para um N escolhido de forma conveniente,
logo a soma no primeiro membro será menor do que ε para n ≥ N , e a série an
convergirá.

+∞
X (−1)n−1 1 1 1
Exemplo. A série n−1
= 1 − + − + ... é convergente, pois a
n=1
2 2 4 8
+∞
X 1 1 1 1
série n−1
= 1 + + + + ... converge.
n=1
2 2 4 8

Podemos interpretar este teorema como afirmando que a introdução de


sinais negativos para diversos termos de uma série convergente de termos po-
sitivos tende a ajudar a convergência.

P
Definição 4.10 Uma série an que converge, mas que não é absolutamente
convergente, é chamada condicionalmente convergente.
M. Zahn 103

4.4 Testes de convergência


P
Dada uma série an , vamos estudar Teoremas que nos ajudarão a decidir
sua convergência ou divergência. Primeiramente vamos estudar séries que não
possuem termos negativos. A razão para essa restrição consiste no fato de que
as somas parciais dessas séries formam sequências crescentes, e sequências cres-
centes limitadas superiormente sempre convergem. Para mostrar que uma série
sem termos negativos converge, precisamos simplesmente mostrar que suas so-
mas parciais são limitadas superiormente.

4.4.1 Teste da comparação


P P
Teorema 4.11 Sendo an e bn séries de termos não-negativos,
P P
(i) se bn for convergente e an ≤ bn para todo n, então an também será
convergente.
P P
(ii) se bn for divergente e an ≥ bn para todo n, então an também será
divergente.

Demonstração. Faremos apenas a demonstração de (i) e deixaremos (ii) para


P
o leitor. Seja bn uma série convergente e an ≤ bn , ∀n. Vamos mostrar que
P
a série an também é convergente.
P
De fato, sejam (Bn ) a sequência das somas parciais da série bn e (An ) a
P
sequência das somas parciais da série an .
P
Como bn converge segue que
n
X +∞
X
∃ B = lim Bn = lim bk = bn .
n→+∞ n→+∞
k=1 n=1

Como an ≤ bn , ∀n, temos que


n
X n
X
ak ≤ bk ,
k=1 k=1

ou seja,
An ≤ Bn , ∀n.
104 Análise II

Porém, ∃ lim Bn = B, ou seja, (An ) é uma sequência limitada e ainda


n→+∞
crescente, pois é uma sequência de somas de termos não negativos.
Portanto, (An ) é convergente, ou seja,
n
X +∞
X
∃ A = lim An = lim ak = an ,
n→+∞ n→+∞
k=1 n=1
P
o que mostra que a série an também é convergente.

+∞
X 5
Exemplo: Determine se a série converge ou diverge.
n=1
5n − 1

Solução. Precisamos encontrar uma maneira de comparar o termo geral da


série dada com o termo geral de uma outra série na qual sabemos ser conver-
gente ou divergente. Observe que, ∀n ∈ N temos 5n − 1 < 5n. Tomando os
inversos, temos
1 1
> .
5n − 1 5n
Multiplicando esta última desigualdade por 5, obtemos
5 5 1
> = .
5n − 1 5n n
1
P
Como a série n diverge (série harmônica) e vale a desigualdade acima ∀n,
pelo teorema acima, o item (ii) nos diz que divergência da série de termo geral
menor implica em divergência da série com termo maior, ou seja, concluı́mos
que a série dada é divergente.

4.4.2 Teste da comparação do limite


P P
Teorema 4.12 Sejam an e bn séries de termos positivos, se
an
lim = c > 0,
n→∞ bn
P P
então ambas as séries an e bn convergem ou divergem.
P P
Demonstração. Sejam an e bn nas hipóteses do teorema.
an
Considere lim = c > 0. Assim, dado ε = c > 0, segue que ∃ n0 > 0 tal
n→+∞ bn
M. Zahn 105

an
que ∀n ≥ n0 , implica que | − c| < c. Ou seja, para qualquer n ≥ n0 temos
bn
an
0< < c + c ⇒ 0 < an < 2cbn .
bn

Portanto, de acordo com o teste de comparação visto anteriormente, a con-


P P
vergência da série bn e, consequentemente, a convergência da série 2c bn ,
P P
implica na convergência da série an e divergência da série an implica na
P
divergência da série bn .

+∞
X 1
Exemplo. Determine se a série converge ou diverge.
n=1
−12n
+∞  n +∞
X 1 X 1
Solução. Consideremos a série geométrica = n
, que é conver-
n=1
2 n=1
2
1 1
gente. Assim, considerando an = n e bn = n , temos
2 2 −1
1
an 2n = lim 1 − 1 = 1 > 0.
lim = lim
n→+∞ bn n→+∞ 1 n→+∞ 2n
n
2 −1
P P
Portanto, pelo teorema acima, sendo an convergente, concluı́mos que bn
também é convergente.

4.4.3 Teste da razão


P
Teorema 4.13 Seja an uma série de termos positivos e suponha que
an+1
lim =c
n→+∞ an

Então,

(i) a série converge se c < 1.

(ii) a série diverge se c > 1 ou se c for infinito.

(iii) o teste é inconclusivo se c = 1.


106 Análise II

Demonstração. Faremos apenas a demonstração de (i).


an+1
Suponhamos que lim = c < 1.
n→+∞ an
Tome ε > 0 tal que c + ε < 1. Então, pelo limite acima segue que ∃n0 > 0 tal
an+1
que − c < ε, ∀n ≥ n0 , ou seja,
an
an+1
0< < c + ε, ∀n ≥ n0 .
an

Assim, fixando n ≥ n0 podemos escrever


an0 +1
0< < c + ε,
an0

an0 +2
0< < c + ε,
an0 +1
an0 +3
0< < c + ε,
an0 +2
..
.
an
0< <c+ε
an−1
Multiplicando todas estas desigualdades obtemos
an
< (c + ε)n−n0 , ∀n ≥ n0 .
an0

Ou seja,
an0
0 < an < · (c + ε)n , ∀n ≥ n0 .
(c + ε)n0
an0 X
Como a série n
(c + ε)n é uma série geométrica de razão c + ε < 1,
(c + ε) 0
esta série é convergente e, portanto, pelo critério de comparação segue que a
P
série an é convergente.

+∞ n
X 2 +5
Exemplo. Investigue a convergência da série .
n=0
3n

Solução. Basta montar a razão entre termos consecutivos. Assim,


M. Zahn 107

2n+1 + 5
an+1 n+1 2n+1 + 5 2 · 2n + 2 · 5 − 5
= 3n = n n = =
an 2 +5 3 (2 + 5) 3n (2n + 5)
3n
n
2(2 + 5) 5 2 5
= n n − n = n− n n −→ 0
3 (2 + 5) 3 (2n + 5) 3 3 (2 + 5)
quando n → +∞.
Portanto, obtemos
an+1
lim = 0 < 1,
n→+∞ an

e então a série dada é convergente.

4.4.4 Teste da raiz


P
Teorema 4.14 Seja an uma série de termos positivos e suponha que

lim n
an = c
n→+∞

Então,

(i) a série converge se c < 1.

(ii) a série diverge se c > 1 ou se c é infinita.

(iii) o teste é inconclusivo se c = 1.

Demonstração. Faremos a demonstração de (i).



Seja lim n an = c < 1. Assim, dado ε > 0 tal que c + ε < 1 (por exemplo,
n→+∞

podemos considerar ε = 1−c
2 > 0), ∃ n0 > 0 tal que ∀n ≥ n0 , temos | an −c| <
n

ε, ou seja,

0< n
an < c + ε, ∀n ≥ n0 .

Elevando esta desigualdade à potência n temos

0 < an < (c + ε)n .

(c + ε)n é convergente e, pelo


P
Como c + ε < 1 temos que a série geométrica
P
critério de comparação, concluı́mos que a série an também é convergente.
108 Análise II


+∞  n
X 2n + 3
Exemplo. Teste a convergência da série .
n=1
3n + 2

Solução. Aplicando o teste da raiz temos


s 3
√ 2n + 3
n
2n + 3 2+
n
an = n
= = n .
3n + 2 3n + 2 2
3+
n
Portanto,
3
√ 2+
lim an = limn n = 2 < 1,
n→+∞ n→+∞ 2 3
3+
n
o que mostra que a série dada é convergente.

4.5 Série alternada


Definição 4.15 Uma série alternada é aquela cujos termos são alternadamente
positivos e negativos.

São exemplos de séries alternadas

+∞
X (−1)n−1 1 1 1 1 1
= 1 − + − + − + ...
n=1
n 2 3 4 5 6
+∞
X n 1 2 3 4 5
(−1)n = − + − + − + ...
n=1
n+1 2 3 4 5 6

4.5.1 Teste da série alternada


Teorema 4.16 (Teste de Leibniz) Se a série alternada
+∞
X
(−1)n−1 bn = b1 − b2 + b3 − b4 + ...,
n=1

com bn > 0, satisfizer


M. Zahn 109

(i) bn+1 ≤ bn , para todo n (i.e., a sequência bn é decrescente),

(ii) lim bn = 0,
n→+∞

então a série é convergente.

Demonstração. Como (bn ) é uma sequência decrescente (por (i)), segue que

b1 > b2 > b3 > ...

Consideremos as somas parciais

• s1 = b1 ;

• s2 = b1 − b2 < b1 = s1 ⇒ s2 < s1 ;

• s3 = b1 − b2 + b3 = s2 + b3 > s2 ⇒ s2 < s3 ;

Ainda, s3 = b1 + (−b2 + b3 ). Como (bn ) é uma sequência decrescente, temos


que b3 < b2 e então −b2 + b3 < 0. Assim,

s3 = b1 + (−b2 + b3 ) < b1 = s1 ,

ou seja,
s1 > s3 .

Da mesma forma, como b3 > b4 , pois (bn ) é decrescente, temos b3 − b4 > 0


e então
s4 = s2 + (b3 − b4 ) > s2 ⇒ s4 > s2 .

Ainda,
s5 = s3 − b4 + b5 < s5 e s6 = s4 + (b5 − b6 ) > s4 .

Seguindo estes raciocı́nios montamos duas sequências de somas parciais: as


pares (s2n ) e as ı́mpares (s2n−1 ), onde temos que

s2 < s4 < s6 < ... < s5 < s3 < s1 .

Pela cadeia de desigualdadas montada acima, temos que (s2n ) é uma sequência
crescente e limitada superiormente por s1 . Portanto,

∃L1 = lim s2n .


n→∞
110 Análise II

Da mesma forma, sendo (s2n−1 ) decrescente e limitada inferiormente por s2 ,


segue que
∃L2 = lim s2n−1 .
n→∞
Portanto,
L2 ≤ L1 ,
pelas desigualdades acima.

Afirmamos que L2 = L1 .

L1 −L2
De fato, se L2 < L1 , então, tome ε = 2 > 0. Assim, sendo lim bn = 0,
n→∞
L1 −L2
segue que ∃n0 ∈ N, tal que, ∀n ≥ n0 , implica em |bn | < 2 .

Como bn = sn − sn−1 , tomando, em particular, n = 2k, n ≥ n0 , temos


L1 − L2 L2 − L1 L1 − L2
|s2k − s2k−1 | < ⇔ < s2k − s2k−1 < .
2 2 2
Como s2k → L2 e s2k−1 → L1 , temos, olhando a esquerda da cadeia de
desigualdades acima, que
L2 − L1
< L2 − L1 ⇒ L1 < L2 .
2
Mas supomos L2 < L1 . Absurdo! Portanto, L2 = L1 .

Assim, com as hipóteses do teorema, concluı́mos que



X
(−1)n−1 bn = lim sn = L1 = L2 ,
n→∞
n=1

isto é, a série converge.



+∞
X 1 1 1 1
Exemplo. A série alternada (−1)n−1 · = 1− + − +... é convergente,
n=1
n 2 3 4
pois as duas condições do teste da série alternada são satisfeitas:
1 1
(i) < ⇒ bn+1 < bn
n+1 n
1
(ii) lim =0
n→+∞ n
M. Zahn 111

4.5.2 Testes da razão e da raiz para séries alternadas


Podemos extender as Proposições 4.13 e 4.14 para séries alternadas como segue.
Não faremos as demonstrações para não nos tornarmos repetitivos.
P
Proposição 4.17 Seja an uma série alternada, tal que

an+1
lim = c.
n→+∞ an

Então, se c < 1 a série converge absolutamente, se c > 1 a série diverge e se


c = 1 o teste é inconclusivo.
P
Proposição 4.18 Seja an uma série alternada, tal que
p
n
lim |an | = c.
n→+∞

Então, se c < 1 a série converge absolutamente, se c > 1 a série diverge e se


c = 1 o teste é inconclusivo.

Vejamos um exemplo de aplicação.


+∞
X n!
Exemplo. Estude a convergência da série (−1)n .
n=0
10n

Solução. Usando o teste da razão temos


n

an+1
lim
= lim (n + 1)! · 10 = lim n + 1 = +∞ > 1
n→+∞ an n→+∞ 10n+1 n! n→+∞ 10n

Portanto, concluı́mos que a série dada diverge.


112 Análise II
Capı́tulo 5

Sequências de funções

No curso de Análise Real I foi feito um estudo aprofundado sobre sequências


numéricas. Normalmente uma sequência numérica (xn )n é definida como uma
lista infinita de números reais

(xn )n = (x1 , x2 , x3 , ...),

onde os xi ∈ R, para todo i ∈ N. Outra maneira equivalente de definir uma


sequência é considerá-la como uma função de variaável natural xn = x(n) :
N → R a qual, para cada n ∈ N associa uma imagem xn , e o conjunto imagem,
ordenadamente, x1 , x2 , ..., define a sequência (xn ).

Uma questão importante (a mais importante, na verdade) do estudo de


sequências numéricas é investigar se uma dada sequência (xn )n converge para
um valor a, ou seja, se tal sequência numérica possui um limite.

Neste capı́tulo vamos considerar uma teoria análoga àquela estudada para
limites de sequências numéricas aplicada em um tipo especial de sequência,
onde os termos são funções ao invés de números reais, ou seja, vamos estudar
sequências de funções (fn )n = (f1 , f2 , f3 , ...).
114 Análise II

5.1 Conceito
Definição 5.1 Seja X um conjunto de números reais. Definimos por sequência
de funções fn : X → R como a correspondência que associa para cada n ∈ N
uma função fn de X em R.

Vamos examinar um exemplo. Defina, para cada n ∈ N, a sequência

fn : [0, 10] → R

por
x
fn (x) = .
n
Neste caso, temos
f1 : [0, 10] → R, f1 (x) = x;
x
f2 : [0, 10] → R, f2 (x) = ;
2
x
f3 : [0, 10] → R, f3 (x) = ;
3
e assim por diante. Faça um esboço gráfico dos primeiros termos dessa sequência
de funções (fn ). Considere f : [0, 10] → R dada por f (x) = 0. Podemos ob-
servar que à medida em que n aumenta, o gráfico de fn vai se aproximando
cada vez mais do gráfico de f . É nesse sentido que se estuda convergência
de sequência de funções. Existem dois tipos importantes de convergência: a
convergência simples e a convergência uniforme, como veremos na próxima
seção.

5.2 Convergência simples e uniforme


Definição 5.2 Seja X ⊂ R um intervalo. Dada uma sequência de funções
fn : X → R e dada f : X → R, dizemos que:

(1) fn converge para f simplesmente, e escrevemos fn → f se, para todo


x ∈ X fixado, ∀ε > 0, ∃n0 ∈ N tal que |fn (x) − f (x)| < ε, ∀n ≥ n0 .

(2) fn converge para f uniformemente, e escrevemos fn ⇒ f , se ∀ε > 0,


∃n0 ∈ N tal que, ∀x ∈ X, ∀n ≥ n0 , |fn (x) − f (x)| < ε.
M. Zahn 115

Em outras palavras, a sequência de funções fn : X → R converge sim-


plesmente a f quando, para cada x ∈ X fixado, a sequência de números reais
(fn (x)) = (f1 (x), f2 (x), ...) converge para o número f (x). Ou seja, para todo
x ∈ X fixado,
lim fn (x) = f (x).
n→∞

Já a convergência uniforme é mais forte: dado ε > 0, existe um ı́ndice n0


tal que, a partir desse ı́ndice, os gráficos de todas as fn estarão próximos do
gráfico de f a menos de ε. Ou seja, conseguimos obter um n0 que sirva para
todos os x ∈ X. Observe o desenho abaixo, onde, temos o gráfico de f e os
gráficos dos translados f + ε e f − ε, onde, no interior temos uma faixa de
raio ε, na qual os gráficos de fn ficam no interior, para todo n ≥ n0 , devido à
convergência ser uniforme.

Para deixar esses conceitos de convergência mais claros, vejamos alguns


exemplos.

Exemplo 1. Considere a sequência de funções fn : [0, 1] → R dada por


n
fn (x) = x e f : [0, 1] → R definida por

0 , se 0 ≤ x < 1
f (x) = .
1 , se x = 1

É fácil ver que fn → f simplesmente. De fato, para todo x ∈ [0, 1) temos


que
lim xn = 0,
n→∞
116 Análise II

e
lim 1n = 1.
n→∞

Porém, afirmamos que fn não converge para f uniformemente, i.e., fn 6⇒ f .

De fato, se por exemplo tomarmos ε = 41 , construindo a faixa de raio ε = 1


4
em torno do gráfico de f , veremos fn não fica contida em tal faixa, para qual-
quer n ∈ N. Faça um desenho para verificar.

Exemplo 2. Considere a sequência de funções fn : R → R dada por


nx
fn (x) = .
1 + n2 x2
Afirmamos que fn converge simplesmente para a função f : R → R, f (x) ≡ 0.

De fato, basta observar que para cada x ∈ R fixado, temos que


nx
lim fn (x) = lim = 0 = f (x).
n→∞ n→∞ 1 + n2 x2
No entanto, afirmamos que tal convergência não é uniforme. De fato, a
derivada de fn será

(1 + n2 x2 )n − nx · 2n2 x n(1 − n2 x2 )
fn0 (x) = 2 2 2
= .
(1 + n x ) (1 + n2 x2 )

Logo, os pontos crı́ticos de f são onde fn0 (0) = 0, o que nos fornecem
x = ± n1 , e daı́ fn ( n1 ) = ± 12 .

1
Então, qualquer faixa de raio menor do que 2 construı́da para f (x) ≡ 0,
teremos que os gráficos das fn não ficarão inteiramente contidos em tal faixa, e
então fn 6⇒ f . Veja a figura abaixo, onde desenhamos, para ilustrar, os gráficos
1
de f3 (x) e f7 (x) e uma faixa de raio 4 centrada em f (x) ≡ 0.
M. Zahn 117

Sejamos mais precisos no que diz respeito à convergência simples neste


exemplo: para todo x ∈ R, vamos mostrar que fn → f ≡ 0. Dado ε > 0, temos
que

n|x| n|x| 1
|fn (x) − f (x)| = |fn (x)| = ≤ 2 2 = .
1 + n2 x2 n x n|x|
Assim, precisamos escolher um n0 ∈ N tal que
1
n0 > , (5.1)
ε|x|

e assim, para todo n ≥ n0 , teremos

1 1 ε|x|
|fn (x) − f (x)| ≤ ≤ < = ε,
n|x| n0 |x| |x|

para todo n ≥ n0 , e portanto fn → f ≡ 0 simplesmente.

Observação. Observe neste exemplo que a desigualdade (5.1) nos diz que se x
for muito pequeno, então o n0 terá de ser muito grande. Logo, a convergência
não pode ser uniforme, pois o ı́ndice n0 fica dependendo do x.

No que segue, apresentamos um importante resultado para investigar se


uma convergência é uniforme. Antes, porém, precisamos definir sequência de
Cauchy para sequência de funções.

Definição 5.3 Uma sequência de funções fn : X → R chama-se sequência de


Cauchy se, para todo ε > 0, existir n0 ∈ N tal que, para todos m, n ≥ n0 ,
implicar em |fn (x) − fm (x)| < ε, para todo x ∈ X.
118 Análise II

Isso posto, enunciamos:

Teorema 5.4 Uma sequência de funções fn : X → R é uniformenente con-


vergente se, e somente se, for uma sequência de Cauchy.

Demonstração. Suponha que fn ⇒ f . Seja ε > 0. Pela Definição de con-


ε
vergência uniforme, segue que ∃n0 ∈ N tal que |fn (x) − f | < 2, ∀n ≥ n0 ,
∀x ∈ X.

Logo, para m, n ≥ n0 vale:

|fm (x) − fn (x)| = |fm (x) − f (x) + f (x) − fn (x)| ≤


ε ε
≤ |fm (x) − f (x)| + |fn (x) − f (x)| < + = ε,
2 2
para todo x ∈ X. Ou seja, (fn ) é de Cauchy.

Reciprocamente, suponha que (fn ) é de Cauchy. Então, ∀ε > 0, ∃n0 ∈ N tal


que |fm (x) − fn (x)| < ε, ∀x ∈ X, ∀m, n ≥ n0 .
Vamos definir uma função f : X → R do seguinte modo: fixado x0 ∈ X,
a sequência de números reais (fn (x0 ))n é de Cauchy, e portanto converge para
um limite y0 = lim fn (x0 ). Defina f (x0 ) = y0 , e isso para cada x0 fixado.
n→∞
Isso define f : X → R.

Vamos mostrar que fn ⇒ f .

ε
Dado ε > 0, temos que ∃n0 tal que |fn (x) − fm (x)| < 2, ∀m, n ≥ n0 ,
∀x ∈ X. Com x ∈ X e n ≥ n0 fixados, a desigualdade acima vale ∀m ≥ n0 .
Fazendo m → ∞, vamos obter
ε
|fn (x) − f (x)| ≤ < ε,
2
e isso para todo n ≥ n0 e para todo x ∈ X, provando que fn ⇒ f .


Outro resultado importante é o descrito abaixo:


M. Zahn 119

Proposição 5.5 Sejam fn e f : X → R. Então, fn converge para f unifor-


memente se, e somente se,

dn = sup |fn (x) − f (x)| → 0.


x∈X

Demonstração. Suponha que fn → f uniformemente. Vamos mostrar que


dn → 0. Dado ε > 0. Como fn → f uniformemente, segue que ∃n0 ∈ N tal
que |fn (x) − f (x)| < 2ε , ∀x ∈ X, ∀n ≥ n0 .

Fixando n ≥ n0 , vale |fn (x) − f (x)| < 2ε , ∀x ∈ X. Portanto,


ε
sup |fn (x) − f (x)| ≤ ,
x∈X 2
ε
isto é, dn ≤ 2 < ε, ∀n ≥ n0 , ou seja, dn → 0.

Reciprocamente, suponha que dn → 0. Então, dado ε > 0, ∃n0 tal que


dn < ε, ∀n ≥ n0 . Assim, pela definição de supremo segue que para todo x ∈ X
e para todo n ≥ n0 , tem-se que

|fn (x) − f (x)| ≤ dn < ε,

o que prova que fn → f uniformemente.




Vejamos um exempo de aplicação. Considere fn : (0, 1] → R dada por


fn (x) = nxe−nx .

Considerando a função f : (0, 1] → R, f (x) ≡ 0, afirmamos que fn converge


para f simplesmente. De fato, basta notar que
nx
lim fn (x) = lim = 0.
n→∞ n→∞ enx
Vejamos se a convergência é uniforme. A derivada de fn será
nenx − nxnenx n(1 − nx)
fn0 (x) = = .
e2nx enx
Assim, os pontos crı́ticos são quando fn0 (x) = 0, o que corresponde em verificar
1
onde 1 − nx = 0, ou seja, x = n. Então,
120 Análise II

n(1−nx)
• se x < 1
n, então fn0 (x) = enx < 0;
n(1−nx)
• se x > 1
n, então fn0 (x) = enx > 0.

1
Portanto, segue que x = n é um ponto de máximo para as fn . Usando a
Proposição 5.5, temos
nx nx 1
dn = sup |nxe−nx − 0| = max = = 6→ 0,
x∈(0,1] enx enx x= n1 e

x∈(0,1]

e então segue que a sequência (fn ) não converge uniformemente.


Índice Remissivo

classe C 1 , 17 inferior, soma, 54


classe C 2 , 17 integração por partes, 80
combinação convexa, 45 integral definida, 57
convergência simples, 114 integral inferior, 57
convergência uniforme, 114 integral superior, 57
Critério de Cauchy para séries, 101
Lipschitz, função, 73
Darboux, critério, 64
máximo local, 21
derivada, 5
métrica, 1
derivada de ordem n, 34
mudança de variável de integração,
Desigualdade de Young, 51
81
diferencial, 12
norma da partição, 88
espaço métrico, 1
oscilação, 64
Fórmula de Taylor com resto de
Lagrange, 42 partição, 53
Fórmula de Taylor com resto partição pontilhada, 91
integral, 83 polinômio de Taylor de ordem n,
Fórmula de Taylor infinitesimal, 39 38
função área, 76 ponto de acumulação, 2
função convexa, 45
refinamento, 55
função de Lipschitz, 27
função derivada, 21 série, 93
121
122 Análise II

série absolut. conv., 102 Teorema do Valor Médio


série alternada, 108 (Lagrange), 24
série convergente, 94 Teorema do Valor Médio para
série divergente, 94 integrais, 84
série geométrica, 97 Teorema fundamental do cálculo,
série harmônica, 100, 101 79
sequência de Cauchy de funções, termo geral da série, 93
117 termo geral, critério, 99
sequência de funções, 114 teste da comparação, 103
soma de Riemann, 88, 91
teste da raiz, 107
superior, soma, 54
teste da razão, 105
T.V.M, 24 teste da série alternada(Leibniz),
teorema da conv. absoluta, 102 108
Teorema de Rolle, 24 teste de Leibniz, 108

Você também pode gostar