Antígone: de Sófocles
Antígone: de Sófocles
Antígone: de Sófocles
de Sófocles
Transcrição de Guilherme de Almeida
Edição Comemorativa
1952 - 2022
Estudos a cargo de
ADRIANE DA SILVA DUARTE
MARCELO TÁPIA
RENATA CAZARINI DE FREITAS
COEDIÇÃO
Copyright © 2022 by Editora Madamu
Coedição com a Casa Guilherme de Almeida e Poiesis
Editores
Marcelo Toledo e Valéria Toledo
Assistente Editorial
Shirley Paredes Salluco
Projeto Gráfico
KOPR Comunicação
Impresso no Brasil.
Nenhuma parte desta publicação poderá ser armazenada ou reproduzida
por qualquer meio sem a autorização por escrito da Editora.
196pp., 16 x 23cm
Edição bilíngue Grego-Português
ISBN 978-65-86224-27-6
CDD: 882
Apresentação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7
Sobre a Antígone
Adriane da Silva Duarte . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9
Sobre a transcrição de Guilherme de Almeida
Marcelo Tápia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23
Fac-simile de 1952
Edição Alarico em grego e português . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 39
Texto estabelecido da Antígone
Versão definitiva . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 125
Antígones: jamais se viu espetáculo como esse
Renata Cazarini de Freitas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 175
Agradecimentos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 195
Apresentação
E
sta edição celebra fatos ocorridos há 70 anos e que até hoje repercutem
entre nós: em 1952 era lançada em livro a transcrição de Guilherme de
Almeida para a Antígone de Sófocles. Considerada por muitos a melhor
da língua, mantém-se ainda como referência, mesmo depois de terem sido
publicadas outras cinco traduções da tragédia grega.
Some-se a este feito do poeta paulistano o fato de ter sido sua Antígo-
ne concebida para o teatro, o que efetivamente ocorreu a partir de 21 de agosto
de 1952, quando a montagem do TBC − reunindo, entre outros, os atores Ca-
cilda Becker, Paulo Autran, Luis Linhares, Sérgio Cardoso e Ziembinski sob o
comando de Adolfo Celi − levou ao “teatrinho” da Rua Major Diogo cerca de
17 mil espectadores em uma temporada de onze semanas.
Neste 2022, a Editora Madamu ‒ em parceria com a Casa Guilherme
de Almeida ‒ oferece edição comemorativa em que foram reunidos documentos
históricos e textos inéditos: na parte histórica temos a reprodução facsimilar da
edição de 1952 com os textos em grego e português, e uma versão corrigida e
definitiva da transcrição de Guilherme de Almeida para a Antígone de Sófocles.
8 Antígone de Sófocles | Transcrição de Guilherme de Almeida
Boa leitura!
Marcelo Toledo,
Editora Madamu
Sobre a Antígone
D
entre as tragédias que os gregos nos legaram, Antígone está, ao lado
de Édipo Rei e de Medeia, entre as que alcançaram maior repercussão,
o que pode ser medido tanto pelo número de traduções, quanto de
encenações e adaptações. Steiner, que dedicou um livro à sua recepção,2 afirma
que entre o final do século XVIII e o início do XX, quando é suplantada bre-
vemente pelo Édipo dado o impacto das teorias freudianas, ela é amplamente
considerada uma obra-prima e referência para o gênero. Os conflitos da pri-
meira metade do século passado, notadamente a Guerra Civil Espanhola e a
Segunda Guerra Mundial, novamente trouxeram a peça de Sófocles para o
centro das atenções, suscitando algumas das suas mais famosas releituras, por
Brecht e Anouilh.3 Recentemente, uma nova onda de Antígones tem ocupado
palcos e telas.4 Definitivamente Antígone é uma contemporânea.
que se considera antitrágica a atitude de Hémon ante Creonte, uma vez que o
jovem ameaça o pai, mas não cumpre a palavra (Poética, 1454 a).
Sófocles atravessa todo o século V AEC. Nasce em 496 AEC em Co-
lono, distrito de Atenas, cenário de Édipo em Colono, sendo criança quando da
primeira invasão Persa e da Batalha de Maratona. Morre, com idade avançada,
em 406 AEC, pouco antes do fim da Guerra do Peloponeso, conflito pan-he-
lênico que contrapôs atenienses e lacedemônios. Uma anedota transmitida na
Vida antiga do poeta registra que sua morte decorreu da leitura sem pausas
de uma longa tirada da Antígone, ao fim da qual faltaram-lhe a voz e o ar. A
versão, pouco crível, mas espirituosa, aponta para o fato de ele ter atuado em
algumas das suas tragédias e de, provavelmente, ser dado a compor períodos
complexos.5 Participou dos festivais dramáticos ao lado de Ésquilo e de Eu-
rípides, poetas que juntamente com ele formam a tríade trágica, os únicos de
que foram conservadas tragédias na íntegra. Na percepção de seus contempo-
râneos, está mais próximo do primeiro do que do segundo. Ao menos é o que
sugere Aristófanes em Rãs, comédia em que faz com que ele receba de Ésquilo,
que Dioniso leva de volta à vida, a incumbência de cuidar do trono de melhor
poeta do Hades, impedindo que Eurípides se assenhorasse dele na sua ausência.
Ou seja, Ésquilo o considera seu sucessor na arte trágica.
Dentre suas contribuições para o desenvolvimento do drama, Aris-
tóteles destaca a introdução do terceiro ator e a criação da cenografia. No
primeiro caso, ampliou-se consideravelmente o rol dos personagens por peça
e incrementaram-se os diálogos, já que passariam a três os interlocutores por
cena – anteriormente estavam limitados a dois. É preciso pontuar que o uso
de máscaras facultaria a um mesmo ator representar mais de um persona-
gem numa mesma peça. Antígone, por exemplo, tem nove personagens e uma
única cena requer três deles no palco. Quanto ao cenário, dispomos de pou-
cas evidências. Dada a necessidade de alterá-lo no intervalo entre as peças (o
5. Para a Vida de Sófocles consultar Silva, C. M. Vidas trágicas: Ésquilo, Sófocles e Eurípides no
imaginário helenístico. Dissertação de mestrado apresentada junto Programa de Pós-graduação
da UFRJ, 2019, 71-91. Disponível em https://www.academia.edu/42147373/Vidas_Trágicas_Ésqui-
lo_Sófocles_e_Eurípides_no_imaginário_helenístico.
12 Antígone de Sófocles | Transcrição de Guilherme de Almeida
programa trazia três tragédias, um drama satírico e uma comédia por dia), o
mais provável é que a decoração cênica consistisse em painéis pintados sobre
madeira ou tecido, que pudessem ser removidos com facilidade. Somado ao
fato de que foi ator, Sófocles dá mostras de ter dominado todo o processo tea-
tral, da composição à encenação de uma tragédia.
Sófocles estreia em 468 AEC com vitória, resultado que se repetiria
inúmeras vezes ao longo de sua carreira – consta que ele nunca obteve o ter-
ceiro, e último, prêmio em uma competição. Considerando sua longa vida,
estima-se que tenha composto mais de cem peças, entre tragédias e dramas
satíricos. Dessas, apenas sete chegaram completas até nós: Ájax, Traquínias,
Antígone, Édipo Rei, Electra, Filoctetes e Édipo em Colono, enunciadas aqui em
ordem cronológica. Os Sabujos, o drama satírico mais bem preservado após o
Ciclope, de Eurípides, soma cerca de quatrocentos versos. Dispomos de frag-
mentos de muitas outras, que aliás continuam sendo descobertos graças aos
papiros egípcios de Oxyrhynchus e ao emprego de técnicas modernas, como
raios infravermelhos, que permitem ler textos rasurados e encobertos por novas
camadas de escrita – em 2005, por exemplo, surgiram versos novos de Epigonos.
Antígone, de 442-441 AEC, é a mais antiga das tragédias supérstites
de Sófocles sobre o mito dos labdácidas, os descendentes de Lábdaco, rei teba-
no pai de Laio e avô de Édipo. Juntamente com Édipo Rei e Édipo em Colono
compõe o que se costuma chamar de Trilogia Tebana, denominação que atende
mais ao mercado editorial e que não reflete a composição das obras. É verdade
que os tragediógrafos deveriam inscrever a cada festival três tragédias, sen-
do que, em alguns casos, elas compunham um conjunto temático, a exemplo
da Oresteia, de Ésquilo. Única trilogia preservada, contém as tragédias Aga-
memnon, Coéforas e Eumênides, que tratam do assassinato do comandante
aqueu por sua esposa, Clitemnestra, e da vingança levada a cabo por seus
filhos, Orestes e Electra. Sófocles não era adepto desse formato, preferindo
apresentar tragédias sem vínculo aparente. Embora constitua um roteiro de
leitura interessante, as tragédias sobre Édipo e sua filha foram compostas em
momentos distintos.
Antígone foi a primeira incursão de Sófocles pela saga dos labdácidas
e é provável que seja também a primeira vez em que a filha de Édipo ocupou o
Antígone de Sófocles | Transcrição de Guilherme de Almeida 13
centro da trama com sua obstinada recusa de deixar seu irmão insepulto.6 Não
é exagero dizer que Sófocles inventou Antígone, atribuindo-lhe características
definidoras.7 Até mesmo seu nome não é atestado antes do século V AEC – na
Odisseia (XI. 271), por exemplo, não são mencionados filhos para Édipo. Em-
bora não como protagonista, a presença da heroína no palco grego não foi rara
e, considerando apenas as peças supérstites, pode ser examinada a partir de
duas perspectivas: 1) enquanto filha de Édipo; 2) enquanto irmã de Polinices.
Eteócles, Polinices, Ismene e Antígone são frutos do incesto. A con-
dição de filhos de Édipo e Jocasta é inescapável e definidora de sua existência,
mas Antígone é a mais marcada por ela. Oliver Taplin a chama de “a filha
difícil”,8 o que, a princípio, é curioso, já que a jovem sempre se sacrificou pela
família, e, em especial, por seu pai. Assim ela é retratada no êxodo do Édipo
Rei, ao lado da irmã, testemunha muda do amor paterno e das súplicas do herói
a Creonte, para que vele por elas em sua ausência:
6. Isso se aceitarmos o parecer de diversos helenistas que acreditam que o final de Os Sete
contra Tebas, de Ésquilo, é espúrio e, provavelmente, influenciado pela tragédia de Sófocles.
Para discussão dessa hipótese, cf. Cairns, D. Sophocles: Antigone. London: Bloomsbury, 2016, 9.
7. Taplin defende que Sófocles inovou ao pôr em cena a irmã que desafia a morte para sepultar
o irmão, o noivado entre Antígone e Hémon e o suicídio de Eurídice. Cf. Taplin, O. Introduction to
Antigone. in Sophocles. Antigone and other tragedies. A new verse translation by O. Taplin. Oxford:
Oxford University Press, 2020, 37.
8. Taplin, O. Difficult Daughter. New York Review, December 6, 1984. Disponível em https://www.
nybooks.com/articles/1984/12/06/difficult-daughter/
9. Sófocles. Édipo Tirano. Tradução e comentários Leonardo Antunes. São Paulo: Todavia, 2018.
14 Antígone de Sófocles | Transcrição de Guilherme de Almeida
pelo poder em Tebas e Ismene se deixa ficar na cidade. As tensões que mar-
carão a família após a morte do herói e dos filhos já se manifestam ali, com
Creonte buscando se impor sobre todos. Nessa peça, provavelmente a última
escrita pelo poeta e encenada postumamente, ecoa o pedido de Polinices: “[...]
não me deixeis o corpo desonrado:/ depositai dons fúnebres no túmulo!” (EC
1409-1410)10. No fim da vida, Sófocles resgata a memória da tragédia composta
quase quarenta anos antes. Os espectadores sabem bem que embora as duas
irmãs ouçam o rogo, só uma o atendeu.
Em Sete contra Tebas, de Ésquilo, e As Fenícias, de Eurípides, ence-
na-se o conflito fratricida entre Etéocles e Polinices que desemboca na trama
da tragédia sofocleana. Estando Édipo morto (ou afastado do trono, como é
o caso em Eurípides), seus filhos o disputam entre si. Rompido um acordo de
alternância no poder, Etéocles bane o irmão, que se asila em Argos. Com seus
novos aliados, declara guerra aos tebanos. Pesa sobre os irmãos a maldição de
Édipo, de que poriam fim às próprias vidas. Alocados pela sorte a defenderem
a porta de número sete da cidade, um dá morte ao outro, cumprindo a triste
sina. Segue-se a resolução cívica de conceder honras fúnebres apenas ao irmão
que morrera defendendo a cidade, proibindo qualquer tentativa de enterrar
o outro. Na tragédia de Ésquilo, nos versos contestados, mas que nos foram
transmitidos séculos afora, Antígone anuncia:
10. Sófocles. Édipo em Colono. Introdução e tradução de Trajano Vieira. São Paulo: Perspectiva,
2005.
11. Ésquilo. Tragédias. Estudo e tradução de Jaa Torrano. São Paulo: Iluminuras, 2009.
Antígone de Sófocles | Transcrição de Guilherme de Almeida 15
“cara Antígone:
seu nome em grego quer dizer algo como “contra o nascimento” ou
“ao invés de ter nascido”
o que existe ao invés de ter nascido?
não é que a gente queira entender tudo
ou mesmo entender alguma coisa
o que a gente quer é entender algo mais”13
12. Knox, B. The heroic temper: studies in Sophoclean tragedy. Berkeley/Los Angeles: University
of California Press, 1964.
13. Carson, A. A tarefa da tradutora de Antígone, tradução de Rodrigo Tadeu Gonçalves, in Maciel,
S. (ed.) Três traduções para o ‘task of translator’ da Antigonick de Anne Carson. Escamandro. poesia
tradução crítica, 13/012017, https://escamandro.wordpress.com/2017/01/13/3-traducoes-para-o-
-task-of-the-translator-da-antigonick-de-anne-carson/ Antigonick (2012), ainda sem tradução para
o português, é também um ótimo comentário da tragédia em forma dramática, destacando-se na
recepção recente da obra.
16 Antígone de Sófocles | Transcrição de Guilherme de Almeida
14. Vernant, J.-P. A bela morte e o cadáver ultrajado. Discurso (Revista do Departamento de
Filosofia da FFLCH/USP), 9, 1970.
15. Essa informação consta em uma das hipóteses da peça. Cf. Jebb, C. R. Commentary on Sopho-
cles’ Antigone. Cambridge: Cambridge University Press, 1900. Disponível em http://www.perseus.
tufts.edu/hopper/text?doc=Perseus%3Atext%3A1999.04.0023%3Atext%3Dintro%3Apart%3Dhypo-
theses%3Asection%3D1
18 Antígone de Sófocles | Transcrição de Guilherme de Almeida
16. Para a discussão da interpretação hegeliana da Antígone, cf. Cairns (2016: 124 ss,)
Antígone de Sófocles | Transcrição de Guilherme de Almeida 19
Por que ainda lemos Antígone hoje? Iniciei essa apresentação cha-
mando atenção para a contemporaneidade da tragédia e isso ocorre em parte
porque o teatro grego sempre se prestou bem para pensar o “presente”. No caso
da heroína de Sófocles, ela se tornou um símbolo de resistência das minorias
contra a opressão e a injustiça, da força do indivíduo contra o Estado. Foi
associada particularmente, ao lado de outras personagens do drama antigo,
como a Lisístrata, da comédia homônima de Aristófanes, e a Medeia euripidia-
na, com a luta das mulheres contra a desigualdade de gênero e o patriarcado,
suscitando um bom número de leituras feministas, que se multiplicaram com
a disseminação dos estudos de gênero (gender studies).17
Uma parte dessas leituras se coloca como uma resposta a interpre-
tações influentes da tragédia, especialmente as de Hegel e Lacan, que, cada
um a seu modo, negam a relevância política e a racionalidade dos atos da
protagonista. Para Judith Butler,18 mais do que no ato, é na fala, ao reivindicar
a ação, que Antígone se insere na esfera pública. De fato, ela enterra Polinices
duas vezes, passando despercebida na primeira e flagrada na segunda, numa
prefiguração do motivo clássico do criminoso que volta ao lugar do crime, o
que sugere que ela buscou ser percebida, provocando o confronto com Creonte.
Ou seja, sua intenção não se restringe a satisfazer os deveres impostos pelos
laços de parentesco, mas visa igualmente a denunciar uma lei abusiva. Nesse
sentido, ela se torna um modelo para o ativismo feminista, já que dá visibili-
dade às mulheres, “cidadãs” de segunda classe.19
Também interessou às mulheres explorar temas ligados à sexualidade
e ao desejo femininos. O Coro evidencia a dimensão erótica da tragédia no
belíssimo Hino a Eros, do terceiro estásimo (vv. 781-800), em que o deus é tido
17. Um bom ponto de partida para se familiarizar com esse debate está no companion organizado
por F. Söderbäck: Feminist readings of Antigone. Albany: State University of New York Press, 2010.
18. Butler, J. Antigone’s claim: kinship between life and death. New York: Columbia University
Press, 2000.
19. Na Atenas clássica as mulheres não tinham status de cidadãs, estando excluídas das decisões
políticas, mas eram essenciais à transmissão da cidadania, assegurada apenas aos filhos gerados
da união legítima de cidadãos com filhas de cidadãos.
Antígone de Sófocles | Transcrição de Guilherme de Almeida 21
20. É uma hipótese defendida por vários helenistas já que era costume enterrar as jovens mortas
em idade de se casar com as vestes que usariam no dia do casamento.
21. Para conhecer melhor o projeto e assistir as performances, cf. https://theaterofwar.com/
projects/antigone-in-ferguson.
22. Calvino, I. Por que ler os clássicos. In: Por que ler os clássicos. São Paulo: Companhia das
Letras, 1993, pp. 11.
Sobre a Transcrição de Antígone
Por Marcelo Tápia1
A
tradução da tragédia Antígone, de Sófocles, por Guilherme de Almei-
da – ou “transcrição”2, como preferiu denominar o tradutor, publica-
da em 1952 e republicada em 19683 – é um feito cujo alcance se pode
vislumbrar por uma constatação acerca de sua recepção por conhecedores de
língua e literatura gregas, bem como de tradução de obras clássicas, ainda que
1. Poeta, ensaísta e tradutor, é graduado em Letras (português e grego) e doutor em Teoria Lite-
rária e Literatura Comparada pela FFLCH-USP, na qual realizou pós-doutorado em Letras Clássicas.
É professor do Programa de Pós-Graduação em Letras Estrangeiras e Tradução (LETRA) da mesma
universidade. Dirige a Rede de Museus-Casas Literários de São Paulo, formada pela Casa das Rosas
− Espaço Haroldo de Campos de Poesia e Literatura, Casa Guilherme de Almeida e Casa Mário
de Andrade, instituições da Secretaria de Cultura e Economia Criativa do Estado de São Paulo.
2. Nas duas edições da obra (referidas na nota a seguir), consta “transcrição de Guilherme
de Almeida”; o termo, tomado da música, é assim definido na abertura de ambos os volumes:
“Transcrição (música) – Ato de escrever para um instrumento texto originariamente escrito para
outro” (veja-se citação a respeito do tema, mais adiante). Sobre o assunto, diga-se que Guilherme
menciona, em texto incluído no livro Flores das “Flores do mal” de Charles Baudelaire, os termos
que propunha para substituir a palavra “tradução” no caso de trabalhos como os dele, tratando-se
de tradução poética: recriação (proposto anteriormente no Prefácio de seu livro Poetas de França,
publicado em 1936), reprodução, recomposição, reconstituição, restauração, transmutação, cor-
respondência etc., “e, principalmente, transfusão” (ALMEIDA, G. de. Flores das “Flores do mal” de
Charles Baudelaire. Rio de Janeiro: José Olympio, 1944 / Flores das Flores do mal de Baudelaire.
São Paulo: Editora 34, 2010.)
3. ALMEIDA, Guilherme de. A Antígone de Sófocles na transcrição de Guilherme de Almeida. São
Paulo: Edições Alarico, 1952. / Petrópolis: Editora Vozes, 1968 (2ª ed.).
24 Antígone de Sófocles | Transcrição de Guilherme de Almeida
4. ALMEIDA, Guilherme de; VIEIRA, Trajano. (Com a participação especial de Haroldo de Campos.)
Três tragédias gregas. São Paulo: Perspectiva, 1997.
5. RODRIGUES, Antonio Medina. Resenha “Três tragédias gregas”. Folha de S. Paulo, 23 de
novembro de 1997.
6. BRANDÃO, Jacyntho José Lins Brandão. Resenha “Três tragédias gregas”. Folha de S. Paulo,
fevereiro de 1998.
Antígone de Sófocles | Transcrição de Guilherme de Almeida 25
7. TORRANO, Jaa. “Antígone de Sófocles: Guilherme e epígonos”. Revista Re-Produção, 2019, site
www.casaguilhermedealmeida.org.br/ revista-reproducao/. Sobre o aspecto da “integridade do
verso”, observa o autor no mesmo texto: “[...] considerado em sua integridade, o verso seria uma
forma simultaneamente sensível e inteligível, se pudéssemos nos situar nesse momento histórico
em que a tragédia ainda cumpria sua função originária de arte política, anterior à cisão histórica
entre o que se tornou, por um lado, poesia e o que se tornou, por outro lado, filosofia”. Acerca
do pensamento de Jaa Torrano sobre tradução, veja-se também o texto “Tradução de tragédia:
acribia e forma inteligível”, publicado na mesma revista Re-Produção, da Casa Guilherme de Al-
meida; nova versão desse texto foi incluída em: SÓFOCLES. As traquínias. Tradução: Jaa Torrano.
São Paulo: Ateliê, 2022.
26 Antígone de Sófocles | Transcrição de Guilherme de Almeida