Juridificação: Uma Breve Análise Sobre A Expansão Da Atividade Jurídica No Brasil
Juridificação: Uma Breve Análise Sobre A Expansão Da Atividade Jurídica No Brasil
Juridificação: Uma Breve Análise Sobre A Expansão Da Atividade Jurídica No Brasil
PROJETO DE PESQUISA
Machado Novais
Matrícula 0021100-1
Fortaleza – CE
Dezembro, 2017
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Fortaleza – Ceará
2017
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AGRADECIMENTOS
A Leandro Rodrigues, por sua solidariedade durante esses quase sete anos.
Ao Deus desconhecido.
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RESUMO
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO........................................................................................................................09
1 JURIDIFICAÇÃO: ORIGEM E CONCEITOS.....................................................................11
1.1 Habermas e os impulsos de juridificação.........................................................................13
1.2 Dimensões da juridificação em Blichner e Molander......................................................15
1.3 Conceitos de juridificação em Gunther Teubner.............................................................18
2 JURIDIFICAÇÃO: POSSÍVEIS CAUSAS...........................................................................21
2.1 Interdepedência como causa da juridificação .................................................................22
2.2 Juridificação: era dos direitos e o Estado Social intervencionista...................................24
2.3 Causas da juridificação brasileira.....................................................................................27
3 OS NÚMEROS DA JURIDIFICAÇÃO BRASILEIRA.......................................................30
3.1 Hipertrofia do judiciário brasileiro: a justiça em números...............................................31
3.2 Inflação legislativa: definição e alguns números.............................................................33
3.3 Direito em expansão: ensino jurídico e advocacia..........................................................36
CONCLUSÃO..........................................................................................................................39
REFERÊNCIAS........................................................................................................................41
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INTRODUÇÃO
De outro lado surge uma sociedade mais complexa, dentro de um mundo globalizado e
interdependente, que por consequência passa a exigir do direito um retorno que vise proteção,
proibição ou regulação de atividades antes postas a revelia do sistema jurídico. Tudo passa a
ser normatizado, até mesmo relações que antes eram alheias ao direito passam a ser reguladas
por ele, como as relações homoafetivas, certas relações familiares entre pais e filhos e a união
de pessoas não casadas. Surge toda uma plataforma de atividades jurídicas penetrando cada
vez mais nas relações sociais em um nível global. Diante desses acontecimentos emergem
inúmeros estudos na área sociológica e jurídica para explicar esse fenômeno de crescimento
do direito, que para muitos estudiosos é denominado através do termo “juridificação”.
A partir desses fatos, o presente estudo será desenvolvido com a finalidade de propiciar
um maior esclarecimento sobre o fenômeno da juridificação na sociedade brasileira,
respondendo aos seguintes problemas de pesquisa: qual a origem conceitual da juridificação?
Quais são as acepções existentes e se há alguma identificação comum entre elas? Quais são as
causas desse fenômeno em uma perspectiva global e nacional? Quais dados podem comprovar
a existência da juridificação na sociedade brasileira?
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Insta esclarecer inicialmente que este primeiro capítulo não pretende discorrer sobre
uma teoria social do fenômeno da juridificação 1, mas antes, estudar suas bases conceituais,
sua formação, seu surgimento e seus sentidos. O termo é de difícil conceituação, seja no
âmbito normativo ou descritivo, e a depender do contexto teórico onde esteja inserido, seu
significado pode ganhar conotações distintas, não apresentando, portanto, uma linearidade
conceitual definitiva. Sánchez (2007, p. 17), afirma que “juridification ou juridificação não
são termos que designem um fenômeno claro e uniforme. Pelo contrário, pode-se falar em
juridificação em contextos muito distintos e com finalidades, assim mesmo, diversas”. Assim,
para uma compreensão adequada da expressão e do fenômeno que ela designa, é necessária
uma análise contextualizada de seus âmbitos de aplicação, bem como uma revisão do tema
através de autores que se detêm sobre o assunto. Nesse sentido, faz-se necessário retomar a
gênese da expressão, que advém originalmente do vocábulo alemão Verrechtlichung, surgido
na República de Weimar, Alemanha, por ocasião dos trabalhos de Fränkel e Kirchheimer; este
último expressava uma profunda preocupação com a crescente formalização jurídica,
advertindo que esse crescimento neutralizava o movimento das decisões estritamente
políticas, bem como paralisava os conflitos de algumas dimensões sociais, como é o caso dos
conflitos da classe trabalhadora.
1
Em inglês: juridification; em alemão: verrechtlichung; em francês: juridification e em italiano: giuridificazione.
12
[...] foi pela primeira vez empregado durante a República de Weimar, com uma
acentuação polêmica, no âmbito do Direito do Trabalho: Kirchheimer usou-a para
criticar a formalização jurídica das relações de trabalho, neutralizadora dos genuínos
conflitos políticos de classe e, já antes disso, Fränkel a utilizara, para imputar à
juridificação das relações trabalhistas a ‘petrificação’ da dinâmica política do
movimento da classe trabalhadora. (TEUBNER, 1988, p. 29).
Em outras palavras, pode-se dizer que o alcance de um objeto ainda não regulado pelo
direito se localiza no âmbito de extensão da juridificação e a regulação ou especialização cada
vez maior de um objeto já assimilado pela normatização jurídica, estaria no âmbito de
condensação. Habermas utiliza o conceito de juridificação para testar sua tese sobre a
“colonização do mundo da vida”, conceito complementar ligado a sua “teoria do agir
comunicativo”, que por questões de delimitação teórica não serão tratados aqui. Em termos
gerais, Habermas descreve e distingue quatro impulsos globais de juridificação que marcaram
época e que são analisados a partir de uma perspectiva histórico-sociológica. O primeiro
impulso ou processo de juridificação deve ser compreendido a partir do desenvolvimento do
direito europeu, durante o período absolutista, onde ocorre a institucionalização, ou
normatização de dois âmbitos que permitirão a economia e o Estado se diferenciarem em
subsistemas. Um dos âmbitos que passa a ser normatizado através de um direito privado é o
comércio individual.
Para uma melhor compreensão, todas essas dimensões de juridification serão tratadas
detalhadamente. O primeiro conceito, ou dimensão, tratado pelos autores, é o de
“juridificação constitutiva”, que seria o processo no qual a produção normativa é criada ou
alterada para incorporar competências do sistema jurídico a uma ordem política. As normas
constitutivas podem ser dividas em três espécies: a) normas procedimentais; b) normas de
limitações do poder do Estado e; c) normas de separação dos poderes. O Estado
constitucional, por exemplo, é caracterizado por normas processuais que definem como
realizar atos políticos; normas de conteúdo que limitam o poder político do Estado e protegem
os direitos individuais; e normas institucionais que dão ao sistema político competências
exclusivas em relação aos outros poderes. O estabelecimento de uma constituição formal, por
assim dizer, pode ser o caso mais evidente do desenvolvimento de uma juridificação
constitutiva. Contudo, as normas constitutivas podem surgir dentro e fora de uma constituição
formal sob o aspecto de doutrinas jurídicas, jurisprudência ou paradigmas legais.
2
[...] Na falta de uma definição genérica viável, procederemos por esboçar cinco dimensões da juridificação. Em primeiro lugar, a
juridificação constitutiva é um processo em que as normas constitutivas de uma ordem política são estabelecidas ou alteradas com a
finalidade de acrescentar competências do sistema jurídico. Em segundo lugar, a juridificação é um processo pelo qual a lei vem
regulamentar um número cada vez maior de atividades diferentes. Em terceiro lugar, a juridificação é um processo pelo qual os conflitos
cada vez mais estão sendo resolvidos por, ou com, referência à lei. Em quarto lugar, a juridificação é um processo pelo qual o sistema
jurídico e a profissão jurídica obtêm mais poder em contraste com a autoridade formal. Finalmente, a juridificação como enquadramento
jurídico é o processo pelo qual as pessoas tendem cada vez mais a pensar em si mesmas e nas outras como sujeitos jurídicos. (tradução nossa)
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de submissão e lealdade. Um segundo aspecto está ligado ao fato de que os indivíduos se vêm
cada vez mais autorizados, ou livres, para realizar práticas sociais que não são proibidas sob o
ponto de vista jurídico, bem como confiam a proteção dessa liberdade individual ao sistema
normativo. O terceiro aspecto ocorre quando o bem estar individual e social é pensado em
termos de direitos constituídos legalmente e não como decorrentes de obrigações privadas,
moral, caridade ou decisões políticas. Já o último e quarto aspecto dessa dimensão de
juridificação, ocorre quando a participação democrática é cada vez mais pensada em termos
legais e não meramente como virtude cívica.
Em sua obra denominada “Juridificação: noções, limites, soluções”, Teubner (1988), faz
uma revisão interdisciplinar de três conceitos de juridificação distintos, existentes no debate
sociológico, jurídico e político. Na discussão jurídica, por exemplo, o autor identifica que o
conceito de juridificação surge ligado a uma concepção de expansão do Direito, expressões
como “inundação de normas” e “explosão legal” passam a ser invocadas para demonstrar a
preocupação da comunidade jurídica com a exorbitante multiplicação do direito positivo da
sociedade em geral. Para autor, essa concepção que faz referência a juridificação como
expansão do direito, é limitada e ortodoxa, posto que concentra-se na mera observação do
crescimento do direito, e, dessa forma, não passa de uma mera ferramenta de inventário que
apresenta pouca utilidade, tornando impossível construir um ponto de partida sólido para uma
compreensão adequada da juridificação enquanto fenômeno. O autor ainda adverte que o
problema da juridificação, entendido como simples expansão da normatização e do
crescimento de material legislativo poderia ser resolvido através de um processo de
racionalização da produção de normas que possibilitasse uma diminuição do número de leis,
contudo, sinaliza, a experiência histórica demonstra que esse tipo de projeto possui grandes
limitações, posto que não enfrenta o problema de forma satisfatória, pois o analisa em uma
perspectiva numérica de crescimento, sem atentar para os efeitos qualitativos acarretados ao
sistema jurídico, político e social.
acudir ou remediar certos progressos na técnica legislativa – sem que com isso,
todavia, se tenham respondido aos aspectos qualitativos do problema,
indubitavelmente aqueles que mais decisivas implicações acarretam e maiores
interrogações colocam (máxime, o de determinar quais as alterações que a crise da
juridificação trouxe a própria natureza do sistema jurídico). [...]. (TEUBNER, 1988,
p. 25).
[...] tais propostas revelam-se problemáticas sob vários aspectos: por um lado, um
retorno à justiça informal (<<informal justice>>) implica, nas condições actuais, um
abandono da sorte dos conflitos às existentes constelações de poder social; por outro
lado, as referidas propostas parecem menosprezar certos aspectos cruciais de uma
resolução dos conflitos operada num cenário de separação funcional dos papeis
sociais, que caracteriza a sociedade moderna; finalmente, tais propostas parecem
ainda subestimar uma outra importante função do Direito no contexto de um
universo social funcionalmente diferenciado, consistente na utilização prospectiva
dos conflitos como veículo de generalização e sedimentação de expectativas sociais
congruentes. [...] (TEUBNER, 1988, p. 28).
Por fim, o terceiro e último conceito de juridificação analisado pelo autor está ligado ao
sentido de “despolitização”, desenvolvido por cultores da ciência política. Nessa acepção, a
juridificação seria um processo de neutralização dos conflitos políticos de classe, que
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acarretaria por consequência uma certa conformação política de determinados grupos sociais.
Em outras palavras, o Direito surgiria como uma espécie de elemento conciliador,
apaziguador dos conflitos sociais, mantendo cada lado da relação, antes conflituosa, em um
estado de imobilidade ou de limitação de seu potencial político, ocorrendo, assim, uma
despolitização. Nessa perspectiva, a juridificação seria algo ambivalente, que se traduziria a
um só tempo em privação e garantia de liberdade. Isso porque, ao garantir direitos, o processo
de juridificação impõe formalmente limites à atuação política dos grupos em conflito. O
exemplo clássico dessa ideia encontra-se nas relações de trabalho, tendo como atores: o
Estado, o trabalhador, a empresa e as respectivas associações sindicais destes dois últimos.
[...] por um lado, o Direito do Trabalho protege certos interesses dos trabalhadores e
assegura uma margem de manobra às associações sindicais representativas desses
interesses; contudo, e por outro lado, o caráter <<repressivo>> da juridificação tende
a despolitizar os conflitos laborais e sociais, em virtude de originar uma drástica
limitação das possibilidades de uma acção militante daquelas associações.
(TEUBNER, 1988, p. 29).
Para Lopes (2005), a expansão do Direito está estritamente ligada à ampliação dos
processos de interdependência existentes na sociedade contemporânea, sendo, portanto, o
veículo pelo qual o mundo jurídico se propagaria no tempo e espaço. Segundo o autor, a
interdependência caracteriza-se “[...] pela reciprocidade das dependências (mesmo quando
assimétricas) entre os participantes de uma relação social [...]”, Lopes (2005, p. 17). Essa
interdependência, conceito já incorporado às ciências sociais, possui características distintas e
variáveis que o autor divide em três modalidades históricas.
[...] Afinal, as relações sociais modernas envolvem sujeitos livres para contraí-las,
eles tendem a deslocar o ônus produzido no relacionamento para fora do mesmo,
atingindo pessoas alheias, ao invés de assumi-lo. Como não há submissão entre
interdependentes, não é razoável que algum ou todos os sujeitos da relação arquem
com suas consequências negativas, preferindo exteriorizá-las. (LOPES, 2005, p. 19).
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E o que tem o direito com isto? Ora, como aduzem as várias teorias do direito,
relações jurídicas são relações sociais de interdependência. São vínculos sociais
constituídos por uma polaridade que apresenta uma correspondência entre, de um
lado, um dever jurídico cujo cumprimento se exige e, de outro lado, um direito
subjetivo cujo exercício lhe é pertinente. Implicam um ao outro e vice-versa,
caracterizando dependências recíprocas (interdependência). Jurídico é, assim, o
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Essa multiplicação dos direitos ocorreu, segundo o autor, de três modos distintos: em
primeiro lugar, porque houve um aumento de bens tutelados juridicamente; em segundo lugar,
porque foi ampliada a titularidade de direitos típicos do homem a sujeitos diversos; em
terceiro e último lugar, porque a figura do homem deixou de ser considerada ente genérico
(abstrato) e passou a ser identificada através de suas diversas formas de manifestação em
sociedade, com o velho, o doente, a criança etc. Em resumo, a multiplicação dos direitos
ocorreu porque há mais bens, mais sujeitos e mais identidades de indivíduos que passam a ser
tutelados pelo direito. O autor aduz que o primeiro processo surge com a passagem das
liberdades denominadas negativas, para os direitos sociais e políticos, que exigem uma
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intervenção do Estado. O segundo processo, por sua vez, ocorre através da passagem do
indivíduo humano, considerado como único detentor de direitos, para a aquisição de direitos
através de sujeitos distintos, como as coletividades de minorias étnicas, os animais e a
natureza.
Por seu turno, o terceiro processo advém da passagem do homem genérico para um
homem mais específico, compreendido em sua multiplicidade de manifestações sociais que
passam a ser visualizadas através de critérios distintos de diferenciação, tais como a idade, as
condições físicas e o sexo. Cada um desses critérios revela condições e diferenças específicas
que impedem igual proteção e tratamento, isso porque o velho é diferente da criança, o
homem da mulher, o sadio do enfermo etc. Em suma pode-se dizer que essa proliferação dos
direitos do homem aconteceu por meio de três causas distintas, a dizer:
Taubner (1988), por sua vez, analisa as causas da juridificação através de um prisma
bastante distinto. Segundo autor, para uma compreensão adequada das causas da juridificação
é necessário estabelecer uma delimitação histórica que concentre-se no Estado do Bem-estar
Social (ou intervencionista) encontrado no quarto impulso de juridificação analisado por
Habermas (2016), tema já discutido no primeiro capítulo deste trabalho. Por Welfare State, ou
Estado do Bem-estar Social, entende-se a forma de organização política e econômica que
estabelece o Estado como agente central na organização econômica e na promoção social, ou
seja, nesse modelo, o Estado é o ator que regulamenta toda a vida social, política e econômica
de uma nação através de suas leis e políticas de intervenção que visam o máximo de qualidade
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As causas a que Weber atribui esta recente particularização do Direito são várias.
Uma delas deriva dos <<imperativos sociais da Democracia>>, conducentes ao
típico intervencionismo do Estado Social – exigências de materialização do direito
formal são endereçadas ao Direito por certos grupos de interesses tais como as
organizações sindicais, o mesmo acontecendo com outros grupos representativos de
diversos interesses desenvolvidos no mundo da indústria. Outra causa para a um tal
particularização é-nos dada afinal pelos próprios juristas – que Weber apelida de
<<ideólogos do direito>> –, em particular, pela insistência reivindicativa no sentido
do desenvolvimento de um <<direito social baseado em postulados éticos de forte
carga emocional tais como justiça ou dignidade humana>> (TEUBNER, 1988, p.
38, grifo original).
Saindo um pouco das perspectivas e causas gerais (analisadas numa espécie de âmbito
global), visitadas até agora através dos olhares de Teubner (1988), Vianna (1999), Lopes
(2005), Habermas (2016) e Bobbio (2004), mas sem esquecê-las, pretende-se nessa sessão
discutir brevemente algumas das causas da juridificação brasileira. Para tanto, faz-se
necessário de início confinar o objeto de estudo em uma determinada conjuntura espacial ou
territorial, que é o Brasil, bem como demarcar o limite histórico cujo marco inicial assenta-se
a partir da Constituição de 1988. Importa frisar ainda que, embora haja um crescimento de
determinadas áreas do mundo jurídico brasileiro antes mesmo da redemocratização, conforme
restará demonstrado no capítulo seguinte, é a partir dela que haverá uma aceleração mais
densa e explícita do fenômeno nos vários níveis sociais e institucionais do Brasil a partir do
final dos anos 80.
[...] A constituição de 1988 ampliou o campo dos direitos, por vezes com uma hiper-
regulamentação dos mais diversos aspectos da vida econômica e social, aumentando
enormemente a quantidade de áreas sobre as quais o Judiciário tem o poder último
de decisão. A justiça tornou-se assim o recurso normal dos grupos derrotados na
esfera política. [...]. (SORJ, 2006, p. 117-118).
Cidadã de 1988, que passou a estabelecer uma nova plataforma de direitos e garantias,
constituem, dentre outras causas, os fundamentos principais da juridificação brasileira.
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Contudo, importa ressaltar que não é possível desenhar um quadro perfeito e acabado do
processo de expansão do mundo jurídico brasileiro. Ademais, esta pesquisa possui natureza
transitória, posto que os dados relacionados ao crescimento do mundo do jurídico sofrem
constantes e intermináveis alterações, assim, pode-se dizer que o presente capítulo é apenas
um diagnóstico determinado por certa delimitação temporal e espacial dos dados relacionados
ao seu objeto de análise, qual seja: a expansão da atividade jurídica no Brasil. Seu
aperfeiçoamento, portanto, depende de uma atualização constante e interminável de seu
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objeto. Ademais, seria impossível no quadro de apenas um ano, tempo de uma monografia,
inventariar as inúmeras zonas de expansão da atividade jurídica, isso demandaria um enorme
tempo e esforço de pesquisa, o que não é possível em tão exíguo tempo.
3
Justiça em Números é um relatório regido pela Resolução nº 76/2009 do CNJ, faz parte do Sistema de Estatísticas do Poder Judiciário
(SIESPJ), sua publicação é realizada anualmente desde 2003, de forma online.
4
Para essa análise específica, levou-se em consideração apenas a Justiça Estadual, Federal e do Trabalho.
32
A ampliação desenfreada do número de leis tem recebido atenção por parte de alguns
estudiosos em várias partes do mundo, Galanter (1993) ao analisar o crescimento do Direito
nos Estados Unidos, Canadá e Reino Unido, utilizou as expressões “explosão legal” e
“império da lei” para designar o fenômeno. Taubner (1988) utilizou a expressão “inundação
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de normas”, palavra empregada por Vogel (1979) na discussão alemã sobre o aumento da
quantidade de leis. Na literatura jurídica nacional destacam-se os termos “Inflação
legislativa”, “hipertrofia da lei” e “elefantíase legislativa”, expressões importadas da literatura
estrangeria e que vêm sendo empregadas para designar o fenômeno que caracteriza o
crescimento rápido, desordenado e massivo do número de leis. Silva (1968) sinaliza que
Carnelutti foi o primeiro a empregar as expressões “inflação legislativa” e “hipertrofia da lei”
e que Biondi, por seu turno, empregou a expressão “elefantíase legislativa”, todos eles
referindo-se à produção crescente do número de normas.
No Brasil, esse fenômeno tem sido objeto de análise por parte de alguns pesquisadores
há algum tempo, havendo inclusive registros de estudos datados de meados do século
passado.
Foram editadas mais de 5,4 milhões de normas, em média são editadas 769 normas
por dia útil, em matéria tributária, foram editadas 363.779 normas. São mais de 1,88
normas tributárias por hora (dia útil). Em 28 anos, houve 16 emendas
constitucionais, foram criados inúmeros tributos, como CPMF, COFINS, CIDES,
CIP, CSLL, PIS IMPORTAÇÃO, COFINS IMPORTAÇÃO, ISS IMPORTAÇÃO,
foram majorados praticamente todos os tributos, em média cada norma tem 3 mil
palavras, o termo “direito” aparece em 22% das normas editadas Saúde, Educação,
Segurança, Trabalho, Salário e Tributação são temas que aparecem em 45% de toda
a legislação. Somente 4,13% das normas editadas no período não sofreram nenhuma
alteração. (AMARAL et al, 2016, online).
Como reflexo dessa conjuntura, entre o período de 1995 a 2013 houve uma ampliação
do ensino jurídico brasileiro em varias perspectivas. Em 1995 o país contava com apenas 235
cursos, passando em 2013 a comportar o total de 1.149 (um aumento de 388%), representando
um acréscimo de 914 novos cursos de Direito, cuja média de criação resulta em 51 novos
cursos por ano. Como consequência dessa evolução, a quantidade de vagas na graduação em
Direito também ascendeu, saltando de 55,7 mil para 220,6 mil, expressando um aumento de
164,9 mil vagas; paralelamente o número de matrículas passou de 215,2 mil para 769,9 mil,
representando uma elevação de 554,7 mil; já o número de concludentes saltou de 27,2 mil
para 95,1 mil, significando um aumento de 67,9 mil bacharéis. Em 2013 Direito figurava no
quarto lugar em número de instituições de ensino, com 880 estabelecimentos, atrás apenas de
Administração com 1.493, Pedagogia com 995 e Ciências Contábeis com 919. No que se
refere ao número de vagas, Direito despontou no ano de 2013 como segundo curso de
graduação com maior oferta, disponibilizando 220.579 vagas, perdendo somente para
administração que ofertou 410.103 vagas. Ao fim de 2013, Direito foi o curso de graduação
brasileiro com maior número de inscritos, com 925.839 alunos.
O ensino jurídico, além de ser um dos mais ofertados, é um dos mais demandados
entre os cursos de graduação no país, juntamente com Administração, Pedagogia,
Ciências Contábeis, Enfermagem e Engenharia Civil. Combinados, esses seis cursos
eram responsáveis por 34% das vagas e 41% das matrículas no ensino superior em
2013. [...] Direito, em 2013, era o curso com a quarta maior oferta institucional do
país, com 1.148 cursos presenciais em 880 instituições. Em termos de vagas e
candidatos inscritos, Direito ocupava a segunda posição, atrás apenas de
Administração. No mesmo ano, Direito consolidou-se como o curso com o maior
alunado entre os cursos presenciais e o segundo maior em número de concluintes.
(FGV, 2016, p. 40)
CONCLUSÃO
A partir de uma perspectiva mais ampla e abrangente, é possível diagnosticar ainda que
Estado do Bem-estar Social (Welfare State) ou Estado Intervencionista, contribuiu
sobremaneira para a intensificação da expansão do mundo jurídico, funcionando como causa
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preponderante da juridificação. Isso porque, essa modalidade de Estado controla toda vida
social com o objetivo de garantir uma maior qualidade de vida para os cidadãos. Nessa
conjuntura o Estado utiliza o direito de forma mais intensa para realizar seus objetivos,
intervindo ainda mais nas relações sociais.
REFERÊNCIAS
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Centre for European Studies. University of Oslo. Março, 2005. Disponível em:
<http://www.arena.uio.no>. Acesso em: 05/05/2017.
BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Editora Elsevier /Campos, 2004.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. 13. ed. São
Paulo: Saraiva, 2017.
HABERMAS, Jurgen. Teoria do agir comunicativo. São Paulo: Editora WMF Martins
Fontes, 2012. vol. II.
LOPES, Júlio Aurélio Viana. A invasão do direito: a expansão jurídica sobre o Estado o
mercado e a moral. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2005.
ROS, Luciano da. O custo da Justiça no Brasil: uma análise comparativa exploratória.
Newsletter. Observatório de elites políticas e sociais do Brasil. NUSP/UFPR. 2015
SILVA, Márcio Alves da; SILVA, Matheus Passos. A inflação legislativa a partir da
Constituição Federal de 1988. Brasília: Vestnik, 2014.
SORJ, Bernardo. A Nova Sociedade Brasileira. 3. ed. Rio de janeiro: Jorge Zahar Editor,
2006.
TATE, Neal; VALLINDER, Torbjorn (org.). The global expansion of judicial power. New
York, NY: New York Unive. Press, 1995.
VIANNA, Luiz Werneck et al. A judicialização da política e das relações sociais no Brasil.
Rio de Janeiro: Revan, 1999.