Cartografia Social e Etnomapeamento Com Comunidades Tradicionais Localizadas Nos Rios Trombetas e Mapuera, Amazônia Oriental, Brasil

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Cartografia Social e Etnomapeamento com Comunidades Tradicionais localizadas nos

rios Trombetas e Mapuera, Amazônia Oriental, Brasil

Jéssica Pontes Alves - [email protected]


Mônica Ramos Domingues Carneiro - [email protected]
Sula Turner Richa - [email protected]
Tauã Souza e Silva¹ - [email protected]

Resumo: O presente trabalho tem como objetivo apresentar o projeto de cartografia social e
etnomapeamento realizado nas comunidades quilombolas ribeirinhas do rio Trombetas e aldeias
indígenas do rio Mapuera, ambos situados no município de Oriximiná, noroeste do Estado do
Pará, dentro da Amazônia Oriental. Este projeto é um dos eixos de trabalho do Programa
Geogafia da Produção Alimentar vinculado a Universidade Federal Fluminense. Tal programa
atua nestas localidades com o intuito de promover a soberania alimentar e fornecer ferramentas
fundamentais para autonomia destes povos.

O projeto tem como proposta de trabalho realizar o mapeamento participativo com a


finalidade de instrumentalizar as populações tradicionais na luta política por seus direitos
territoriais. A cartografia social é a metodologia que utilizamos pois, sendo a comunicação
gráfica facilitadora no processo de identificação e afirmação do território, o estudo sobre a
organização social e política destes povos torna-se essencial para compreender suas formas
singulares de apropriação do espaço e suas relações com o meio externo. Tais relações podem
ser compreendidas a partir do nível de dependência e/ou independência dessas populações
perante os aparatos materiais e imateriais oferecidos pelos centros urbanos. As situações de
risco às quais muitas vezes estas estão expostas também podem ajudar nesse processo de
compreensão.

Visto que é a alfabetização cartográfica o suporte no processo de ensino-aprendizagem


dos fundamentos e noções cartográficas, que procura sempre valorizar e utilizar códigos
linguísticos locais, propõe-se o etnomapeamento. Este apresenta-se como forma tanto de
mediar o conhecimento sobre os recursos naturais que garantem as práticas de reprodução

¹Graduandos do curso de Geografia da Universidade Federal Fluminense, Brasil


física e social do grupo para os indivíduos políticos que vivem dentro e fora deste território,
quanto para espacializar problemas e pensar em soluções para os mesmos, isto é, repensar a
organização do espaço vivido e realizar um novo planejamento do espaço cotidiano. Neste
sentido o projeto busca como produto, além dos mapas confeccionados por diferentes
atividades, sistematizar essas informações em formato de cartilhas que contenham
conhecimentos geográficos constituintes das conjunturas histórica, cultural, política e ambiental
destas comunidades.

Palavras-chave: Cartografia Social, Etnomapeamento, Comunidades Tradicionais, Território

Introdução

A região amazônica como um todo é muito diversificada, possuindo um imenso


patrimônio natural e cultural. Dentre suas populações tradicionais estão os povos indígenas,
seringueiros, caboclos, retireiros, pescadores artesanais, mulheres quebradeiras de coco de
babaçu, comunidades negras remanescentes de quilombos, entre outros. O que todas estas
possuem em comum é o fato de habitarem uma região socialmente marginalizada pelo poder
público, muitas vezes vista como vazio demográfico ou reserva de recursos, sendo, por isso, de
grande interesse do capital e dos setores militares no que tange a questão da segurança
nacional e defesa do território, suscitando, em alguns casos, disputas pelo uso do território
segundo interesses de autores distintos (GONÇALVES, 2010).

O descaso com estes povos é histórico. Apenas mais recentemente, sobretudo a partir
da luta dos seringueiros do Acre, comandada por Chico Mendes entre as décadas 1970/80, que
estes estão aparecendo para o mundo, com o surgimento de vários movimentos sociais que
lutam por direitos e autonomia em relação as tradicionais classes dominantes. A internet aparece
também como aliada nessa luta, permitindo a difusão das demandas e reivindicações desses
grupos no cenário nacional e internacional, como forma de pressionar o governo.

Para imergir nesta problemática, surge o Programa Geografia da Produção Alimentar,


desenvolvido por alunos do curso de Geografia, inicialmente, e outros, como Enfermagem e
Cinema, vinculados à Universidade Federal Fluminense (UFF). O programa atua nas
comunidades quilombolas ribeirinhas do rio Trombetas e aldeias indígenas do rio Mapuera,
ambos situados no município de Oriximiná, noroeste do Estado do Pará, com o intuito de
promover a soberania alimentar e fornecer ferramentas fundamentais para autonomia destes
povos. O projeto de cartografia social e o etnomapeamento nestas comunidades constitui um
dos eixos de trabalho do citado programa. O desenvolvimento deste só foi possível pois a

2
universidade possui uma unidade avançada na cidade de Oriximiná, a UAJV (Unidade Avançada
José Veríssimo).

Com isso, o intuito deste artigo é apresentar o trabalho realizado por este projeto e, além
disso, busca também trazer discussões relevantes para o entendimento e aprofundamento da
questão territorial de povos tradicionais na floresta amazônica.

Comunidades e Territórios Tradicionais e Direitos Legais

Em razão de processos históricos diferenciados, segmentos da sociedade brasileira


desenvolveram modos de vida próprios e distintos dos demais. Esses grupos fazem do lugar em
que vivem sua própria identidade, sua própria existência. À medida que as populações foram se
ambientando em determinada região, foram também consolidados os conhecimentos sobre o
meio, seus limites e potencialidades, que implicaram na elaboração de técnicas adaptadas à
dinâmica dos ecossistemas. Essa relação harmônica e de dependência com/da dinâmica da
natureza levou a conservação dos recursos biológicos e dos conhecimentos tradicionais a eles
associados. (SILVA, 2007; COSTA, ALVARENGA & ALVARENGA, 2007)

A Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável de Povos e Comunidades


Tradicionais (Decreto nº 6040 de 7 de fevereiro de 2007) em seu art. 3º define:

I - Povos e Comunidades Tradicionais: grupos culturalmente diferenciados e que se


reconhecem como tais, que possuem formas próprias de organização social, que ocupam e
usam territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução cultural, social,
religiosa, ancestral e econômica, utilizando conhecimentos, inovações e práticas gerados e
transmitidos pela tradição;
II - Territórios Tradicionais: os espaços necessários à reprodução cultural, social e
econômica dos povos e comunidades tradicionais, sejam eles utilizados de forma
permanente ou temporária, observado, no que diz respeito aos povos indígenas e
quilombolas, respectivamente, o que dispõem os arts. 231 da Constituição e 68 do Ato das
Disposições Constitucionais Transitórias e demais regulamentações. (BRASIL, 2007)
Está incluída nessa categoria de povos e comunidades tradicionais uma enorme
diversidade de modos de vida: são povos indígenas, quilombolas, populações agroextrativistas,
grupos vinculados aos rios ou ao mar, grupos associados a ecossistemas específicos e grupos
associados à agricultura ou à pecuária. Com base na Política Nacional de Desenvolvimento de
Povos e Comunidades Tradicionais de 2007 e nos autores Little (2002b); Diegues (2000);
Almeida (2004); Silva (2007); e Costa, Alvarenga & Alvarenga (2007), buscou-se definir um
conjunto mínimo de características que permitam diferenciar os povos e comunidades
tradicionais do restante da sociedade:

i. Forma de apropriação e uso da terra – característica marcante desses grupos é


uma forte relação com o território e com o sentido de territorialidade; essas

3
comunidades normalmente têm uma longa história de ocupação sobre os
espaços em que vivem, a qual se expressa numa relação de ancestralidade,
memória e sentido de pertencimento a um lugar específico;

ii. Relação com a natureza – essas comunidades têm uma relação profunda com a
natureza, os seus modos de vida estão diretamente ligados à dinâmica dos
ciclos naturais, suas práticas produtivas e o uso dos recursos naturais são de
base familiar, comunitária ou coletiva;

iii. Racionalidade econômico-produtiva – a produção econômica dessas


comunidades está assentada na unidade familiar, doméstica ou comunal;
apresentam uma organização econômica e social com reduzida acumulação de
capital, através do desenvolvimento de uma produção de pequena escala
mercantil em uma relação direta com o ambiente natural. O destino da produção
dessas comunidades tem como prioridade o consumo próprio (subsistência),
além de destinarem uma parte de produção às práticas sociais.

iv. Inter-relação com os outros grupos de região e a auto-identificação – essas


comunidades mantêm relações com os grupos da região onde vivem, essas
relações podem ser conflituosas ou cooperativas. Através dessas interações
com os outros que a comunidade constrói sua identidade própria e passa a se
auto-identificar como tal. “A identidade é uma construção social, formada ao
longo do tempo através de processos inconscientes. Dessa forma, os indivíduos
vão se construindo, estão sempre em processo. Isso significa dizer que a
identidade não é inata, pelo contrário, ela está sempre “sendo formada”” (HALL,
2003 apud COSTA, ALVARENGA & ALVARENGA, 2007:5).

A questão fundiária aparece como primordial na problemática relacionada aos povos e


comunidades tradicionais. Os territórios tradicionais tem sido alvo de grande interesse político e
do capital privado. Na região amazônica, são grandes obras de infraestrutura, como a
construção de barragens e estradas, e grandes projetos de concessão de exploração, como no
caso das mineradoras e madeireiras, além da expansão da fronteira agrícola. Os conflitos
gerados nessa disputa pelos espaços e recursos são frutos de um processo político pautado no
desenvolvimentismo neoliberal e que, de base nacionalista e capitalista, tem dificuldade em
reconhecer outros regimes de propriedade, que não terras públicas e terras privadas (terra como
mercadoria). Segundo Little:

4
Em primeiro lugar, a ideologia territorial do Estado-nação é vinculada ao fenômeno do
nacionalismo, que reivindica um espaço geográfico para o uso exclusivo dos “membros” de
sua comunidade (Gellner 1983). Em segundo lugar, esta ideologia territorial se fundamenta
no conceito legal de soberania, que postula a exclusividade do controle de seu território nas
mãos do Estado. (LITTLE, 2002b:6)
Outro embate recorrente nessa região (e nas outras também) é causado pela criação de
Unidades de Conservação, principalmente as categorizadas como de Proteção Integral. A
política ambiental vigente, muito pautada no paradigma da natureza intocada e do
preservacionismo, tem apresentado uma postura autoritária ignorando o potencial
conservacionista das populações tradicionais, desconsiderando que a maior parte das áreas
ainda preservadas do território brasileiro é habitada com maior ou menor densidade por
populações indígenas ou por comunidades rurais tradicionais (ARRUDA, 1999).

Durante muitas décadas esses povos foram mantidos na invisibilidade e expulsos de


suas terras (quando não exterminados). Só mais recentemente o Estado tem tentado agregar
essas formas de ocupação e uso da terra de base comum, na qual a terra e seus recursos
pertencem à comunidade que os utiliza, não existindo a propriedade privada dos mesmos. Com
a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, distintas modalidades
territoriais foram fortalecidas ou formalizadas, são os casos das terras indígenas e dos
remanescentes das comunidades quilombolas.

A Constituição da República de 1988, no capítulo VIII (Dos Índios) dispõe:

Art. 231. São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e
tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo
à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens.
§ 2º - As terras tradicionalmente ocupadas pelos índios destinam-se a sua posse
permanente, cabendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos
nelas existentes. (BRASIL, 1988)
Já o Artigo 68 das Disposições Transitórias afirma: “Aos remanescentes das
comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade
definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os títulos respectivos” (BRASIL, 1988). Com isso, as
terras indígenas são definidas como bens da União e destinam-se à posse permanente dos
índios, evidenciando uma situação de tutela (através dos processos de demarcação e
homologação). Enquanto as terras das comunidades remanescentes de quilombos são
reconhecidas como propriedade definitiva dos quilombolas (pelos processos de reconhecimento
e titulação).

Esta nova constituição busca também contemplar uma antiga luta dos povos pelo
reconhecimento das diferenças, enunciando o reconhecimento de direitos étnicos e culturais.
Não são apenas lutas fundiárias por redistribuição de terras e reparação de erros do passado,
5
são movimentos pela afirmação da identidade das comunidades tradicionais, pela defesa de
seus modos de vida e organização social, os quais possuem íntima relação com o espaço em
que vivem, passando de luta pela terra à luta pelos territórios e suas territorialidades. Nesse
sentido, a territorialidade é entendida “como o esforço coletivo de um grupo social para ocupar,
usar, controlar e se identificar com uma parcela específica de seu ambiente físico, convertendo-o
assim em seu território” (SACK, 1986 apud LITTLE, 2002b:3), sendo assim, o território é
produzido historicamente por processos sociais e políticos e surge diretamente das condutas de
territorialidade de um grupo social.

A efetivação dos novos dispositivos da Constituição Federal de 1988, contraditando os


velhos instrumentos legais de inspiração colonial, tem se deparado com imensos obstáculos, que
tanto são forjados mecanicamente nos aparatos burocrático-administrativos do Estado, quanto
são resultantes de estratégias engendradas por interesses de grupos que historicamente
monopolizaram a terra (ALMEIDA, 2004).

Descrição e Ocupação da Área

Localizado inteiramente na floresta amazônica, o município de Oriximiná encontra-se na


porção noroeste do Estado do Pará, abrangendo a área de 107.603 km², sendo superado em
extensão, dentro do Estado, apenas por Altamira, com 159.534 km² (IBGE, 2010). Este
município está à esquerda do rio Trombetas, curso fluvial do qual depende em grande parte sua
economia e também o modo de vida da população. Esta é de aproximadamente 62.794 pessoas
(IBGE, 2010) e é constituída por brancos, índios e negros, muitos destes últimos
reconhecidamente quilombolas. A presença de povos tradicionais e indígenas traz para o
município a importante tarefa de pensar um desenvolvimento que se faça de modo
socioambientalmente justo, congregando as diferenças socioculturais experimentadas no seu
interior.

É um dos municípios mais importantes da Calha Norte, pois com a extração de bauxita
em Porto Trombetas – distrito minero-siderúrgico, torna-se um dos principais pólos de extração
de minério do país (MME, 2009). Contudo, contrastando com esta atividade econômica de
grande porte, encontram-se no município economias locais baseadas na subsistência e na
venda do pequeno excedente, como foi observado nas comunidades quilombolas e aldeias
indígenas onde o trabalho foi realizado.

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Suas fronteiras com outros países de culturas não latino-americanas (Figura 1) acarreta
uma peculiaridade cultural, pois encontram-se indígenas de origem guiana ou surinamense que
possuem fluência em inglês e parentes além da fronteira brasileira, criando uma rede cultural
internacional paralela aos domínios do Estado.

Figura 1: Oriximiná e suas fronteiras


Fonte: GoogleMaps 2013 (Modificado)
Os negros ocuparam a região do Alto Trombetas a partir do final do séc. XVIII, início do
XIX. A origem dessa ocupação está na fuga de escravos das fazendas de cacau das regiões de
Alenquer, Óbidos e Santarém, que hoje constituem diferentes municípios. Seguidos por
sucessivas expedições de captura, os fugidos da escravidão organizavam-se e interagiam numa
situação de respeito/proteção mútua com os Índios Tumaya, firmando acordos e territórios.
Justamente desse contato, mesmo que nem sempre amistoso, (re)nasceram a cultura e as
práticas do povo negro do Trombetas. (ACEVEDO & CASTRO, 1998)

Os negros procuraram se refugiar nas áreas de difícil acesso a montante das


cachoeiras, permaneceram em liberdade e se dedicando ao extrativismo, a pesca e à
agricultura. Os povos quilombolas produziam para subsistência e ainda garantiam pequenos
excedentes para o comércio regional. Negociavam tanto produtos agrícolas como a farinha de
mandioca e o fumo, quanto produtos extraídos da floresta, como a castanha, o cacau e a
seringa, criando assim uma aproximação com os ambientes urbanos através do comércio
clandestino com alguns comerciantes atravessadores, chamados regatões. (GONÇALVES,
2010)

Os quilombos desta região conseguiram resistir às constantes ações repressivas e


começaram a conquistar seu espaço no contexto local de economia extrativista. O

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enfraquecimento do sistema escravista, culminando com a abolição em 1888, criou as condições
para que os quilombolas descessem as cachoeiras e se estabelecessem, sobretudo, no Lago do
Jacaré e adjacências, ocupando também parte do Lago do Erepecu. Esta incidência ocupacional
nesta área não se deu à toa. A parte da floresta em torno destes lagos é considerada até hoje,
pelos remanescentes de quilombos, como a melhor área para extração da castanha de toda
região, além de vários outros recursos florestais utilizados tradicionalmente, como a copaíba;
andiroba; açaí; bacaba; taperebá; breu; diversos tipos de cipós; e outros.

Essa micro-região do Alto Rio Trombetas, coberta predominantemente pela floresta


ombrófila densa, passou, no século XX, a ser considerada uma área prioritária para a
conservação. Depois da criação do IBDF (Instituto Brasileiro de Defesa da Floresta), pelo
Decreto-Lei nº289, de fevereiro de 1967, foram criadas duas unidades de conservação, sem
consulta aos residentes (segundo depoimentos recolhidos nas comunidades): a Reserva
Biológica (Rebio) do Rio Trombetas, criada em 1979, com mais de 400 mil hectares (BRASIL,
1979); e a Floresta Nacional (Flona) Sacará-Taquera, criada em 1989, com mais de 440 mil
hectares (BRASIL, 1989) (Figura 2). Ambas administradas pelo atual Instituto Chico Mendes de
Biodiversidade – ICMBio, vinculado ao Ministério do Meio Ambiente.

A Reserva Biológica, unidade de conservação de Proteção Integral, se impôs com o


consentimento e consequente indenização dos “donos de castanhais”2, paralelo à expulsão dos
negros das terras e castanhais dos lagos. Estes então se dispersaram para a outra margem do
rio, onde há a Flona, que, entretanto, permite a ocupação humana, pois é categorizada como
Uso Sustentável. Segundo alguns depoimentos de comunitários, apesar desta desocupação
forçada, muitos remanescentes voltaram a entrar na área da Reserva e ocupar o território que
historicamente lhes pertence. Isto constitui um dos desafios fundiários que se encontra ao
executar ações na região. Hoje se encontra um enorme mosaico de situações fundiárias que se
sobrepõem.

2Termo utilizado pelos comunitários, ao remontar suas histórias, para designar os “brancos” proprietários de terras
com mais de 30 árvores de castanha-do-pará (Bertholletia excelsa Bonpl)

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Figura 2: Unidades de Conservação e Territórios Tradicionais
Fonte: ISA, Funai, Imazon, ICMBio e Sema-PA
A atuação do projeto nesta região deu-se entre os anos de 2011 e 2012 em três
comunidades quilombolas (Último Quilombo, Nova Esperança e Mãe-Cué) e duas aldeias
indígenas (Kwanamari e Takará). Das comunidades, Último Quilombo e Nova Esperança se
encontram dentro do Lago do Erepecu e consequentemente da Rebio do Rio Trombetas e,
portanto, reivindicam titulação de terras dentro de uma UC de Proteção Integral. A comunidade
Mãe-Cué por sua vez, ocupa a margem direita do rio Trombetas e por isso estaria dentro da
Flona Saracá-Taquera, porém parte desta comunidade está fora dos limites da UC, localizando-
se na zona de amortecimento da mesma (Figura 3). A Mineração Rio do Norte (MRN) tem
direitos de pesquisa e futura lavra na região, configurando parte dos conflitos territoriais da
comunidade.

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Figura 3: Mapa de Localização das Comunidades Quilombolas do Rio Trombetas
Fonte: GPA, 2011
Os indígenas do rio Mapuera pertencentes ao tronco lingüístico Karib e a macro-etnia
Waiwai se encontram em terras brasileiras pelo menos desde 1948, quando há relatos de
missioneiros participantes da MEVA – Missão Evangélica da Amazônia. Foi, inclusive, a MEVA
(que na época ainda se chamava Unenvangelized Fields Mission) que cuidou de aldear os
indígenas na aldeia principal, hoje chamada Mapuera, pois já dominavam a língua. É importante
destacar que este aldeamento proporcionou a construção de uma identidade artificial, uma vez
que outras etnias foram incorporadas aos Waiwai para facilitar o processo de evangelização. A
cultura Waiwai foi valorizada sobre as demais etnias, porém, em campo, se pôde observar como
as catorze sub-etnias, incluindo os Waiwai, se diferenciam e destacam estas diferenças, apesar
de não haver confronto entre as partes. Hoje todos são registrados com o último nome sendo
“Waiwai”.

Ainda, é relevante dizer que a situação da aldeia Kwanamari é politicamente estável,


pois se insere na Terra Indígena (TI) Trombetas-Mapuera3. Já a aldeia Takará não é uma terra
demarcada, o que aumenta o desafio e a importância do trabalho nesta. Porém, territorialmente,

3Portaria nº 1.806 de 16 de setembro de 2005 – documento publicado no Diário Oficial da União (DOU) de
19/09/2005, Seção 1, pg. 31 e 32

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ambas as aldeias são instáveis, pois estão numa região de fronteira e incidem sobre uma área
com interesses energéticos de grande porte.

Metodologia

A metodologia escolhida para desenvolver um trabalho que abriga distintas percepções


de mundo e, dessa forma, compreende uma diversidade de saberes inerentes às experiências
vividas, não tem como seguir rigorosamente os embasamentos teórico-metodológicos de uma
orientação pré-estabelecida. Quando se desenvolve uma atividade educativa e, principalmente
com comunidades tradicionais, a condução metodológica deve estar apta a sofrer modificações,
para adaptar-se à maneira e ao tempo de aprendizagem daqueles que vivenciam as atividades.

Isso significa dizer que a metodologia não é aplicada pronta a priori, ela se constrói
coletiva e continuamente, à medida que os sujeitos envolvidos respeitam seus conhecimentos e
interagem seus diálogos. Na maioria das vezes, há uma inclinação maior dos pesquisadores de
manter uma postura de "escuta", e elucidação dos vários aspectos da situação, sem imposição
de concepções unilaterais (THIOLLENT, 1998), até porque, o planejamento das ações práticas
se dá de acordo com a observação das possibilidades apresentadas no campo.

Como anteriormente já explicitado, as comunidades indígenas, quilombolas e outras


populações tradicionais espalhadas por toda Amazônia, estão, cada vez mais, sendo
confrontadas com as exigências da sociedade dominante brasileira e da economia mundial, e
necessitam assim de novos conhecimentos e tecnologias para sobreviver. Dessa forma, há que
se realizar ações educativas, que não pretendam desvalorizar a riqueza e a importância de seus
conhecimentos e de suas tecnologias tradicionais, mas que proporcionem um melhor
entendimento sobre as forças político-econômicas que influenciam a dinâmica interna das
comunidades. Portanto, de imediato é importante esclarecer, fortalecendo o caráter extensivo da
academia, que não se pretende neste projeto realizar uma pesquisa de cunho estritamente
teórico, ausente de ação prática e de conhecimento nativo.

Para tanto, utilizamos a etnometodologia para embasar nossas ações práticas, pois ela
propõe a suspensão dos valores e (pré-)conceitos do pesquisador para a obtenção de uma
compreensão profunda das lógicas e estruturas internas de determinada sociedade (COULON,
1995). A etnometodologia nasce dentro das necessidades de sistematização dos saberes
desenvolvidos pelas sociedades indígenas, para que passem a ser reconhecidos e legitimados
enquanto saberes independentes do cientificismo hegemônico ocidental, que tem sua lógica
própria de transmissão do conhecimento e aprendizagem, e para que deixem de ser

11
subordinadas às formas de interculturalidade fundamentadas nas relações coloniais (LITTLE,
2002a). Essa produção do conhecimento a partir de outro paradigma do saber, desenvolvida por
outras sociedades humanas e suas inter-relações com o meio sócio-natural, designa-se por
Etnociência4, outra área de conhecimento que não se faz pertinente adentrar em seu percurso
epistemológico neste momento, pois as experiências práticas do campo, os objetivos específicos
do trabalho e a destinação dos resultados salientarão a ética a que se fundamenta essa
linhagem de estudo.

A etnometodologia se utiliza dos referenciais e das orientações técnicas da Pesquisa-


Ação, que é a metodologia norteadora do trabalho, pois, objetivando a mudança social, trata-se
de uma estratégia de pesquisa que agrega vários outros métodos e técnicas de pesquisa social,
com os quais se estabelece uma estrutura coletiva, participativa e ativa ao nível de produção de
conhecimento. No desenvolvimento da pesquisa-ação, os pesquisadores recorrem a métodos e
técnicas de grupos para lidar com a dimensão coletiva e interativa da investigação e também
técnicas de registro, de processamento e de exposição de resultados. Em certos casos os
convencionais questionários e as técnicas de entrevista individual são utilizados como meio de
informação complementar. Também a documentação disponível é levantada. Em certos
momentos da investigação recorre-se a outros tipos de técnicas: diagnósticos de situação,
resolução de problemas, mapeamento de representações, etc. (THIOLLENT, 1998)

Nesse sentido, a Cartografia aparece como método central do desenvolvimento da


pesquisa e da ação, pois é um artifício gráfico de comunicação e de representação do espaço.
Segundo Almeida & Passini:

“A importância do aprendizado espacial no contexto sócio-cultural da sociedade moderna,


como instrumento necessário à vida das pessoas, pois esta exige certo domínio de conceitos
e de referenciais espaciais para deslocamento e ambientação; e mais do que isso, para que
as pessoas tenham uma visão consciente e crítica de seu espaço social." (ALMEIDA &
PASSINI, 2008:10)
Todavia, a cartografia convencional não se faz mais eficiente, pois contribui para a sua
mistificação, sendo apenas apresentadora e reprodutora de mapas prontos e acabados
(SIMIELLI, 2007). Com isso, ainda é insuficiente para representar uma territorialidade baseada
em modelos multidimensionais de mundo, construído por sociedades de acordo com suas
estratégias de manejo do meio e de seu universo simbólico, com uma série de relações sociais
em constante dinamismo (VIECO, 2000). Respeitando as sociedades tradicionais e suas

4Para aprofundamento do conceito: LITTLE, Paul E. Etnoecologia e direitos dos povos: elementos de uma nova
ação indigenista. In SOUZA LIMA, A. C. de; BARROSO-HOFFMAN. (org.). Etnodesenvolvimento e políticas
públicas: bases para uma nova política indigenista. 2002.

12
variadas apreensões sobre o território, levando em consideração suas “leis consuetudinárias”
que não estão necessariamente em concordância ou mesmo contempladas no sistema legal do
Estado brasileiro (LITTLE, 2002b), não é contundente realizar um trabalho em cartografia que
siga os padrões gerais da cartografia eurocentrada de origem. Por isso a escolha da Cartografia
Social, já que tem como determinação a forma própria e autônoma dos povos tradicionais de
identificar seus territórios e produzir materialmente suas simbologias, a fins de utilização em
benefício desses mesmos sujeitos coletivos organizados. E como meio técnico busca registrar
relatos e representações no processo de automapeamento, além de identificar situações de
conflitos na forma de uso do território em questão (LIMA & COSTA, 2012), se fazendo coerente
com o tipo de ação educativa e emancipatória a qual o projeto propõe realizar.

Assim, para além de ser uma pesquisa acadêmica, é uma ação estratégica de estímulo
aos povos a reviver suas memórias, grafando suas cosmovisões, valorizando sua história, seus
conhecimentos sobre o espaço vivido no contexto político, social, econômico e cultural a que
construíram suas trajetórias, até o atual momento. Dessa forma, aproveita-se o renascer destes
conhecimentos, para sistematizá-los em saberes formais através da linguagem gráfica, para
construção de um instrumento que sirva de comprovação de suas territorialidades e das
situações sociais que imperam suas realidades cotidianas.

O Etnomapeamento é o ato de um grupo étnico ou de um grupo habitante de "terras


tradicionalmente ocupadas" (ALMEIDA, 2004:12)5 representar o espaço de morada, suas
paisagens e sua cosmovisão, retratando ainda a forma como essas populações obtêm os
recursos de que necessitam, bem como quais recursos têm valor de uso para estas
comunidades (ATAÍDE & MARTINS, 2005). É um momento disponibilizado para desenharem-se
os elementos contidos no território, os recursos naturais existentes, locais de uso sócio-
construídos (casa de farinha, escola, igreja, centro comunitário, roça...), locais naturais de uso
individual ou coletivo (locais de pesca, caça, extração, rituais...), eventos significativos e, assim
como a Cartografia Social, debater e problematizar os sobre a construção dos lugares, das
paisagens e dos conflitos territoriais e ambientais. Tal constatação, segundo Magalhães et al
(2003), contribui para a percepção da maneira como os grupos se relacionam com o meio, e de
que maneira estão sujeitos a ele para a manutenção e desenvolvimento de suas vidas.

O etnomapeamento ao retratar a forma como as comunidades manejam seus recursos,

5Conceito usado pelo autor Alfredo Wagner de Almeida em seu texto de 2004, anterior ao Decreto nº 6040 de 2007
que define o conceito territórios tradicionais.

13
como elas percebem seu território, sua relação histórica e cultural, permite também aos
planejadores conceber arranjos espaciais multidimensionais, conciliando propostas de
zoneamento ecológico econômico, com as necessidades e o costume local (ATAÍDE &
MARTINS, 2005).

Portanto, para que o processo de leitura e entendimento do mapa seja eficiente, são
realizadas oficinas de alfabetização cartográfica juntamente às atividades de mapeamento. Carl
Sauer, no Seminário de Cartografia Social e Território na América Latina, ocorrido no Rio de
Janeiro em 2010, destacou "la infalibilidad de la imagen contenida en el mapa está dada por su
eficacia en la comunicación, más allá de palabras y textos, en tal grado de síntesis, que le
permite expresar varias ideas al mismo tiempo y en un pequeño espacio" (SAUER, 2010). O
processo de alfabetização cartográfica não limita as criações subjetivas dos que participam da
confecção do mapa, ela auxilia no processo de compreensão do estudo formal do mapa e do
desenvolvimento da capacidade de interpretar dados geográficos de outros mapas (PISSINATI &
ARCHELA, 2007).

Para contribuir na construção autônoma de suas representações espaciais, o processo


de ensino-aprendizagem com a linguagem gráfica tem o objetivo de aumentar o grau de eficácia
da transmissão da mensagem a qual o mapa quer passar, pois é uma forma de universalizar a
mensagem apresentada e de se capacitar para fazer leitura de outros mapas, percorrer outros
espaços, conhecer outros territórios, imergir em outras culturas, se apropriar de uma ferramenta
política de planejamento territorial.

A criação de um mapa deve preocupar-se, além de sua produção, com o meio de


retorno à realidade. O trabalho de produção deve ser baseado nas necessidades e interesses
dos usuários dos mapas e a construção desse trabalho deve ser baseada no “diálogo
intercientífico”6, para que a troca de saberes propiciem a transmissão eficiente da mensagem
gráfica a que se quer passar, provendo também o movimento de retorno, facilitando a captação
das mensagens grafadas nos mapas de outros territórios.

O trabalho é organizado pela equipe, além da prática no campo, com atividades pré e
pós-campo. As atividades pré-campo se resumem em: pesquisa bibliográfica, levantamento de
dados institucionais, preparação da logística necessária para o campo; revisão de informações
obtidas no campo anterior, reelaboração de oficinas, criação de cronograma parcial (um
6Para aprofundamento do conceito, ler o texto: LITTLE, Paul E. Etnoecologia e direitos dos povos: elementos de
uma nova ação indigenista. In SOUZA LIMA, A. C. de; BARROSO-HOFFMAN. (org.). Etnodesenvolvimento e
políticas públicas: bases para uma nova política indigenista. 2002.

14
panorama das atividades, pois o cronograma será pensado junto aos comunitários) e articulação
com entidades do local trabalhado.

As atividades pós-campo são realizadas tanto na UAJV quanto no retorno à UFF-RJ.


São basicamente: análise das informações obtidas e exposição para as equipes do Programa,
sistematização dos dados obtidos, georeferenciamento dos mapas, reuniões e discussões
administrativas e teórico-metodológicas com o grupo, adorno do material concreto e retorno dos
produtos (mapas) às comunidades.

No campo, as atividades costumam ser desenvolvidas através da dinâmica estabelecida


pelos próprios comunitários em sua disponibilidade. Os trabalhos desenvolvidos nas
comunidades apresentaram abordagens práticas diferenciadas de acordo com a situação
territorial de cada uma e com a demanda de mapeamento identificada pelos próprios
comunitários. Contudo, nas comunidades quilombolas houve certa compatibilidade de atividades,
diferentemente das aldeias. As atividades foram sendo realizadas em etapas e não seguiram
uma ordem pré-estabelecida (exceto a reunião inicial e de encerramento), algumas foram
realizadas ao longo de vários dias e concomitantemente com outras ações.

1. Reunião inicial

A primeira reunião é realizada para apresentar a proposta de trabalho, intenções da


equipe no local, objetivos do trabalho e das produções resultantes, proposição de formas para
desempenho do trabalho, organização superficial de um cronograma de trabalho (pois os dias e
horários das atividades podem variar de acordo com os afazeres cotidianos dos comunitários) e
resolução do local de estadia da equipe. Em seguida, oficina introdutória para diagnosticar as
percepções espaciais e introduzir primeiras noções cartográficas, com imagens de satélite com
diferentes escalas, discussões sobre as diferentes organizações espaciais exibidas nas imagens
(perguntas fomentando a troca de conhecimento sobre território e espaço), apresentação de
mapas convencionais e mapas autoconstruídos por grupos étnicos (breve discussão sobre
proporção, escala, legenda e título).

2. Travessia - Elaboração de croquis/Mapa perceptivo

As caminhadas pelo território são imprescindíveis para auxiliar o ato de mapear, para o
ato de conhecer o território (por parte do mediador), dialogar sobre a paisagem com os "guias",
obter conhecimento sobre o histórico de uso dos espaços e suas atividades produtivas, elaborar
croquis e marcar pontos. Durante estas caminhadas, surgem certos tipos de informações que
não aparecem nas entrevistas, conversas ou oficinas, pois a pessoa rememora os fatos quando

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se defronta com sua realidade material.

3. Mapa Mental

O mapa mental é a representação do saber percebido, o lugar se apresenta tal como ele
é, com sua forma, histórias concretas e simbólicas, cujo imaginário é reconhecido como uma
forma de apreensão do lugar (NOGUEIRA, 1994 apud SIMIELLI, 2007). Assim, o mapa mental é
construído em forma de oficinas, na qual o grupo de participantes deve ser o mais diverso
possível (homens, mulheres, idosos, jovens, crianças, agricultores, professores, lideranças, etc).
São estimuladas as criações através de sua própria noção e memória espacial, e a interferência
dos mediadores deve ser no sentido de problematizar durante o processo, dando prioridade à
expressão de definições e classificações do próprio povo. Em algumas oficinas, os mapas
mentais são estratégias para iniciar uma atividade de alfabetização cartográfica (ampliando a
abordagem de conceitos iniciais - proporção e escala, legenda, visões oblíqua e vertical,
orientações, dimensões e título). Outras são para interagir as diferentes representações e
questionar as diferentes percepções, extrair informações sobre o espaço e diagnosticar
processos. Podem contribuir para o planejamento de novas ordens e revisão de outras, criando
um novo mapa mental coletivo.

4. Mapa Falado/Linha do Tempo

O Mapa Falado é desenvolvido através do diálogo participativo entre os comunitários


participantes e os mediadores. As informações são disponibilizadas através de dinâmicas
coletivas, entrevistas individuais ou conversas informais. Em uma estratégia de dinâmica coletiva
e lúdica, foi criado um jogo chamado "Lembranças de Minha Terrinha" O jogo foi desenvolvido
para remontar a história da comunidade por volta de 40 anos atrás até os dias de hoje7, porém,
trazendo tanto informações sobre o histórico de ocupação (anterior a estes anos); quanto
também lendas e mitos; condições sanitárias, hidráulicas e estruturais em geral; transformações
em suas práticas tradicionais (pesca, caça agricultura e extrativismo); estrutura e organização
educacional; condições de locomoção; entre outras. Através do alto potencial de interação entre
os participantes e a participação fundamental dos anciãos, é um momento divertido do coletivo
imergir em sua própria história e descobrir fatos não conhecidos. É uma dinâmica de resgate
cultural, revalorização da história, análise das mudanças sofridas pelas comunidades ao longo
do tempo e estratégia de (re)planejamento territorial.

7 Este jogo foi criado após experiências vividas em campos anteriores. A partir dos relatos feitos pelos comunitários
sobre a chegada do IBDF e sobre as primeiras aberturas na mata para pesquisa do potencial de exploração mineral,
pôde se perceber que as principais modificações que se dão no espaço físico e sócio-político da região tiveram seu
início na década de 1970.

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5. Marcação de pontos e percursos com o GPS

Esta etapa serve para coletar pontos de lugares importantes relacionados às suas
representações simbólicas e seus usos cotidianos, para posterior associação a fotografias
aéreas e georeferenciadas pelo sistema SIG, para criação de novos mapas, caracterizados por
elementos locais sobrepostos à base cartográfica convencional. O objetivo é formalizar o
conhecimento dos comunitários a partir de suas próprias construções coletivas, políticas e
simbólicas acerca do território.

6. Gravação de conversas/entrevistas/depoimentos

As gravações são meios de registro da história oral, possibilitando que indivíduos


pertencentes a categorias sociais geralmente excluídas da história “oficial” possam ser ouvidos,
deixando registradas para análises futuras suas próprias visões de mundo, bem como as visões
do grupo social a que pertencem. E mais: através da história oral podemos gerar fontes de
documentação e pesquisa, por meio de registro, transcrição, edição dos depoimentos e
testemunhos colhidos durante a pesquisa. As histórias são contadas naturalmente, conforme a
lembrança dos fatos ocorridos. Utilizamos os saberes adquiridos com essa troca para
potencializar o nível das oficinas e incrementar os mapas com a posterior audição dos
depoimentos.

7. Elaboração de calendários das práticas tradicionais

Os calendários são feitos em visitas nas casas dos comunitários, durante entrevistas ou
em dinâmica coletiva. Eles servirão para incrementar as informações contidas nos mapas, que
digitalizados e organizados em cartilhas, poderão ser inseridos em caixas de diálogos embaixo
do mapa. Utiliza-se como referencial técnico-metodológico o Diagnóstico Rural Participativo - Um
guia prático, produzido pela Secretaria da Agricultura Familiar, em que Miguel E. Verdejo (2006)
diz que "os calendários permitem analisar todos os aspectos relacionados ao tempo. Podem ser
destacadas as atividades que mais tempo ocupam e as épocas dos diferentes cultivos e seus
respectivos trabalhos num período agrícola. Podem ser cobertos processos longos num
calendário histórico ou a distribuição do tempo num dia habitual de trabalho”. (VERDEJO,
2006:31)

8. Reunião de encerramento

Confraternização para exposição das atividades realizadas durante os dias de trabalho,


apresentação dos resultados parciais para avaliação crítica dos participantes e esclarecimentos
sobre as ações realizadas e futuras. É a oportunidade também para a oficina final de percepção

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espacial e alfabetização cartográfica, assim como para os agradecimentos gerais.

Resultados

Como resultado parcial, pois o projeto encontra-se ainda em fase de elaboração e as


atividades pós-campo (como georreferenciamento dos mapas produzidos nas comunidades,
adorno dos mesmos e retorno para a comunidade) ainda não foram finalizadas, foram
construídos cinco mapas do território, calendários agrícola, de pesca e de caça e registros
audiovisuais nas comunidades quilombolas trabalhadas e três mapas do território nas aldeias
indígenas. Além desses, foram produzidos diversos “mapas” nas oficinas introdutórias e com os
mais jovens. Para sistematização dos produtos pretende-se unir as informações e mapas em
formato de cartilhas que contenham conhecimentos geográficos constituintes das conjunturas
histórica, cultural, política e ambiental destes povos.

Cada comunidade se encaixou em propostas diferentes de mapeamento, de acordo com


os processos e conflitos que influenciam cada uma delas. Isso conduziu a adaptação das
propostas de trabalho junto aos comunitários conforme o desenvolvimento das atividades em
campo.

Considerações Finais

A Cartografia Social aparece como uma importante ferramenta de luta e a partir dela
pode-se entender algumas formas diferenciadas de apropriação do território por parte de
remanescentes de quilombos e indígenas. É importante considerar estas diferenças nos âmbitos
nacional e internacional, pois, como exposto ao longo deste artigo, criam-se redes internacionais
entre estes povos e isto deve ser considerado dentro das políticas externas latino-americanas.
Enquanto trabalho de extensão universitária, destaca-se a quantidade de campos para
qualificar as ações. Os diagnósticos feitos nos campos anteriores foram fundamentais para o
trabalho com os remanescentes de quilombo. A análise pós-campo, feita na universidade, é
fundamental para melhor eficácia das propostas para os campos seguintes. Cabe dizer ainda,
que a extensão universitária proporciona um contato direto entre representantes do Estado
(discentes e coordenadores de projetos) e a sociedade numa situação criativa, onde não há
imposições estabelecidas. Isto cria a possibilidade dos grupos abarcados por estas propostas
terem suas vozes diretamente envolvidas com a produção intelectual pública, proporcionando
um processo de incorporação da cosmovisão destes grupos à produção científica. Esta
perspectiva, de envolver os conhecimentos dos grupos com a produção acadêmica, norteou a

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busca por realizar as atividades a partir da realidade de cada grupo. Assim, a extensão funciona
como um elo potencialmente eficaz e que deve ser mais explorado.
A análise geográfica foi feita, sobretudo, a partir das diferentes noções de território que
estão presentes nas vivências de cada grupo e como elas dialogam com a aparição deste
conceito na academia. A partir de HAESBAERT (2004) podemos compreender a
multiterritorialidade como condição inerente de qualquer território. Ou seja, nenhum território está
sob a influência de um grupo, ele é um campo de lutas em que diferentes vetores querem
apropriar-se do espaço a partir de suas simbologias e práticas. A região do Alto Trombetas é um
exemplo marcante nesta discussão, pois nela a multiterritorialidade não se dá apenas entre
grupos com interesses semelhantes sobre o espaço, mas também entre forças antagônicas que
muitas vezes estão fora da compreensão dos residentes da área. Neste sentido, afirma-se
novamente a necessidade de atividades que contribuam para a compreensão multiterritorial por
parte dos comunitários, que hoje, são os legítimos residentes da região.

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