Apostila 2
Apostila 2
Apostila 2
conhecimento.
Não seria exagero dizer que a formulação proposta por Sócrates e Platão da
definição de conhecimento é o coração definicional de notáveis façanhas do
pensamento grego. Essa formulação estabelece, mesmo que de forma
incipiente, pela primeira vez a noção de ciência (ou mesmo TEORIA). Então,
que se quisermos eleger os dois principais resultados culturais desse povo este
seria um deles (o outro, já vimos é a democracia - observamos no primeiro
capítulo que existe uma certa reciprocidade nestas duas criações). Se
investigarmos o mundo contemporâneo, ainda que preservando diferenças
marcantes, constataremos que todas as ciências existentes assumem uma
forma arquitetônica segundo a qual suas verdades estão organizadas numa
estrutura que permite explicações montadas em argumentos. A partir da
modernidade, embora fortemente inspirada nela, veremos o quanto a ciência
como conhecemos hoje (na sua proposta de conhecimento) se afasta, sem
perder o espírito global, da formidável proposta sedimentada no trabalho do
mais importante discípulo de Platão, Aristóteles.
A escolha de uma figura na história da filosofia que possa ser apontada como o
maior filósofo de todos sempre irá gerar inevitáveis controvérsias. Dependerá
do gosto pessoal e das modas que prevalecem em determinados períodos.
Porém, se o critério for o impacto cultural, não haverá dúvida que o nome será
o de Aristóteles. Este pensador grego não era somente um filósofo. Foi
precursor de uma série de matérias tais como a física, lógica, história da
filosofia e biologia, entre outras. Darwin conta que depois de ler “Sobre os
Animais” passou a considerar Aristóteles o maior biólogo de todos os tempos.
Infelizmente, só restaram 2 quintos do que ele produziu. Sobraram na maior
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parte material provavelmente usado para ministrar aulas e não peças para
publicação. Isto explicaria em parte as dificuldades de leitura do estagirita. De
resto, ressaltar a influência desse autor será importante para compreendermos
os rumos que a significação do conceito de conhecimento irá tomar.
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Aristóteles esclarece o que está em jogo criando algo que o coloca na história
da inteligência humana numa estatura singular. Para tanto ele inventa na sua
obra "Os Primeiros Analíticos" a lógica (embora não a tenha cunhado com este
nome, e sim "organon" ou instrumento). Aristóteles reconhece que quando
estamos utilizando argumentos, existem qualidades que ultrapassam o
conteúdo que eles veiculam. Os assuntos possíveis contidos em argumentos
são de uma gama infindável, assim como os seus respectivos conceitos. A
façanha de Aristóteles foi abstrair dessa diversidade formas ou estruturas que
são indiferentes aos conteúdos usados (algo nada intuitivo). Não é imediata a
constatação de que os dois argumentos seguintes têm a mesma forma:
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efetivo. Retiramos daí algumas situações curiosas. Vimos que podemos gerar
argumentos usando somente proposições verdadeiras que não explicam e
também podemos gerar argumentos logicamente legítimos usando proposições
falsas (tomadas como verdadeiras) e que, consequentemente, não promovem
o conhecimento. Esta capacidade que a lógica tem de controlar racionalmente
nossas especulações se revelou decisiva para a filosofia. Muitos são os
exemplos de hipóteses que são levantadas para delas tirarmos consequências.
Para tanto não é necessário que a situação hipotética (daí o nome) ocorra de
fato. Não é necessário que existam "cérebros em cubas" ou "máquinas da
experiência" para raciocinarmos possíveis desdobramentos conceituais. Em
capítulos posteriores veremos que alguns momentos mais importantes da
filosofia se servem justamente desse recurso (Descartes faz, talvez, o exemplo
máximo).
Enfim, com o advento da lógica Aristóteles estabelece com mais rigor o modo
como as justificações devem ser feitas para alcançar o conhecimento. Elas
devem conter proposições verdadeiras alinhavadas com a cogência lógica.
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é diferenciada em comparação com as demais proposições. Elas devem conter
e revelar suas verdades de modo imediato. Cabe explorar melhor isso usando
um caso clássico.
O impacto dos elementos de Euclides foi tamanho que mesmo quase dois
mílénios depois, sua apresentação sistemática (ou axiomática) ainda era
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paradigma de conhecimento máximo. Espinoza pretendia, quando escreveu a
sua Ética, que esta matéria tivesse pela primeira vez um status de ciência. Que
suas verdades pudessem ser obtidas como conclusões seguras, equivalentes
as de um raciocínio matemático. Não por acaso o subtítulo do seu livro é
"segundo o modo dos geômetras". De fato, Platão havia denunciado a
proximidade entre a matemática e a filosofia quadro afirmava “só entrará na
academia quem dominar a geometria". Euclides inspirou gerações. A ideia de
que o saber deve se configurar na busca de princípios atravessou várias
disciplinas. Veremos, no futuro, filósofos falando de suas soluções a partir de
PRINCÍPIOS especiais. Para as ciências naturais Newton escreverá o maior
tratado de física já feito com o título, "Princípios Matemáticos de Filosofia
Natural. E Aristóteles, redescoberto, passará a ter na idade média papel
marcante para a assimilação de Euclides.
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As entidades do mundo terreno (abaixo da esfera lunar) são, então, as
substâncias. Compostos de matéria e forma. Não compostos no sentido de
partes constituintes como quando dizemos que uma casa é composta por
tijolos, mas abstrações que nossa inteligência faz na comparação das coisas.
Podemos ver a mesma forma em matérias diferentes. Existem réplicas da
estátua “O Pensador” de Rodin em bronze ou em mármore. Todas repetindo a
mesma forma. Assim como também um bloco de mármore pode assumir várias
formas de acordo com a vontade de um escultor competente. Portanto a
distinção entre matéria e forma não é uma SEPARAÇÃO dessas
características. Realmente nunca encontramos separadas, nas substâncias, a
matéria da forma. Nunca encontraremos na esquina uma cor que não seja a
cor de alguma coisa (exceção para os casos de alucinação quando, por
exemplo, pressionamos os olhos e aparecem cores no campo visual). Nunca
encontraremos uma forma isolada como também jamais uma matéria sem
forma. Não que a forma precise sempre ser identificável. Pode ser a
"maçaroca" confusa de um pedaço de argila moldado pelo mastigar de um cão.
Além disso, é bom não esquecer que o termo “forma” não indica apenas uma
qualidade espacial ou geométrica das substâncias (o jeito que elas saem numa
foto). Ter uma temperatura também é uma forma da coisa. Ser um animal
também pode ser a forma de uma substância. De modo geral podemos dizer
que a forma estabelece o que uma coisa é, enquanto a matéria do que a coisa
é feita. Tal distinção também pode ser relativizada em diferentes inspeções
para a substância. Podemos dizer que uma casa tem a forma de uma
residência típica da classe média urbana e que a matéria dessa casa são seus
tijolos. Por sua vez, os tijolos têm como matéria a argila (como as casas são a
matéria de uma cidade e assim por diante). Outra distinção será importante
para Aristóteles será entre ato e potência. O ato é a efetivação da forma em
uma substância. Uma folha vegetal é agora verde em ato. A forma do Pensador
de Rodin é agora em ato. A potência estabelece, de sua parte, as formas que
uma substância pode vir a ter. A folha verde, se não for destruída, poderá ficar
marrom. Tem o marrom como potência. É possível derreter a estátua do
Pensador e dar-lhe outras formas. Com relação ao aspecto psicológico, temos
a potência de nos informar e ganharmos a forma da sabedoria, etc. Importa
para Aristóteles, com essa distinção, preservar a inteligibilidade do mundo e o
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modo como dele extraímos afirmações. Assim ele mostra como as coisas
podem ter formas antagônicas sem infringir o, para ele, tão caro o princípio de
não contradição. Este diz na formulação linguística: não podemos afirmar e
negar sobre algo, ao mesmo tempo e sobre o mesmo aspecto. Uma porta não
pode ser toda branca e não branca (preta) simultaneamente. Poderá ser em
tempos diferentes, sem problemas. Também em aspectos diferentes pode ser
preta e branca, em suas partes separadas da superfície, como as listras das
zebras. De fato, o que está em jogo nessa formulação é uma solução para o
problema do movimento (ou mudança), a primeira grande questão metafísica
levantada pelos Gregos. A característica do mundo sensível que parece
comprometer suas pretensões de realidade, como Parmênides e Zenão
concluíram. O movimento aparentemente trás o ser e o não ser. Uma coisa é e
depois deixa de ser. Aristóteles enfim, chama a atenção de que estes autores,
mesmo brilhantes, não estão usando de forma apropriada o conceito de ser.
Privilegiam sua dimensão existencial e ignoram os seus múltiplos sentidos. "O
ser se diz de muitas formas".
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(ciência demonstrativa) versa sobre o universal e o necessário. Sendo assim,
causa material, eficiente e final escapam dessa imposição. Uma mesma
substância pode ser feita de matérias distintas. A causa eficiente que a torna
quente, por exemplo, o fogo, poderia ser outra, quem sabe o Sol. E,
igualmente, em relação à causa final, muitos podem ser os propósitos na
produção de algo. Enfim, todas estas causas permitem acomodar traços de
contingência. Por outro lado, a causa formal é a única que se obtém pela (...)
abstração da identidade na generalidade. Aquilo que consegue estabelecer o
que há de comum entre um conjunto de substâncias compostas de matérias
diversas. Camelos não partilham a mesma porção de carne, mas dividem a
mesma forma de "animalidade". Portanto a forma é a causa candidata para o
projeto de Aristóteles de uma ciência arquitetônica. É por ela que a justificação
satisfaz suas pretensões de universalidade. Portanto, quando querermos uma
explicação cientifica nos moldes aristotélicos, procuramos especialmente a
causa formal. Sabemos que os gregos são mortais porque eles têm a forma da
humanidade e esta contempla por sua vez a forma da mortalidade. Assumindo
a causa formal como o veículo da explicação cientifica Aristóteles investiga,
nos “Segundos Analíticos”, os requisitos que os argumentos devem ter para
que as causas formais apareçam como conteúdos dos mesmos. Nos
“Primeiros Analíticos”Aristóteles trabalha os silogismos (argumentos)
DEDUTIVOS. Importa neles, especialmente, a forma dos argumentos. Doutra
parte, nos “segundos Analíticos” são trabalhados os silogismos
DEMONSTRATIVOS e aquilo que os qualifica como silogismos científicos.
Estes estão comprometidos com os conteúdos utilizados. Uma importante
tarefa nessa obra, então, é oferecer as instruções que os conteúdos devem
respeitar para o saber científico. Nesta altura, podemos dizer, o filósofo dá um
acabamento mais rigoroso e técnico para o modelo incipiente de Sócrates e
Platão. Para tanto, são apresentados seis quesitos dominantes para a
CIENCIA DEMONSTRATIVA. São eles: I. Premissas Verdadeiras. II.
Premissas primeiras, imediatas (e indemonstráveis). III. Premissas como
causas das conclusões. IV. Premissas anteriores. V. Premissas mais
conhecidas.VI. Princípios adequados.
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Mesmo sendo um quesito um tanto quanto óbvio, a condição da verdade das
premissas não deixa de ser uma condição necessária embora não suficiente.
(algo antes alertado por Platão). Afinal, por definição, não é possível conhecer
o falso.
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Por fim, Aristóteles fala da adequação desses princípios. Embora alguns
intérpretes julguem este quesito como redundante, ele pode ser entendido
dentro da visão sistêmica que o filósofo pensa para a estrutura do saber, por
exemplo, a exigência em conjunto de todas as qualidades anteriores e o fato de
que as premissas fundamentais devam ser independentes entre si.
Questões complementares.
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1 Procure os axiomas (postulados) de Euclides na sua obra “Os Elementos” e
procure entender porque ele escolheu aquelas verdades.
se mostrou problemático.
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