Villa, Marco Antonio - Ditadura À Brasileira - 1964-1985 - A Democracia Golpeada À Esquerda e A Direita-1-7

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Um livro fundamental para quem quer entender as peculiaridades da

ditadura brasileira.
Com seu estilo coloquial, direto e despojado, e após polemizar em
torno do comportamento do Poder Judiciário e do escândalo político
no livro Mensalão, Marco Antonio Villa agora desmistifica a ditadura
brasileira, tanto em sua duração como em seus efeitos. Narra aqui a
história desse período de maneira simples e objetiva, com o intuito de
ser claro e transparente.
Já afirmou que “é rotineira a associação do regime militar brasileiro
com as ditaduras do Cone Sul (Argentina, Uruguai, Chile e Paraguai).
Nada mais falso. [...] Enquanto a ditadura argentina fechou cursos
universitários [...] privatizou e desindustrializou a economia [...], no
Brasil ocorreu justamente o contrário [...]. Os governos militares
industrializaram o país, modernizaram a infraestrutura, romperam os
pontos de estrangulamento e criaram as condições para o salto
recente do Brasil”.

O Brasil não é um país para principiantes.


Tom Jobim

apresentação

Em 1964 o Brasil era um país politicamente repartido. Dividido e paralisado.


Crise econômica, movimentos grevistas, ameaças de golpe militar, marasmo
administrativo. A situação era muito tensa.
O clima de radicalização era agravado por velhos adversários da democracia.
A direita brasileira tinha uma relação de incompatibilidade com as urnas. A
União Democrática Nacional nunca havia assimilado as derrotas nas eleições
presidenciais de 1945, 1950 e 1955 – a vitória de Jânio Quadros em 1960 foi
pessoal e não pode ser atribuída a nenhum partido da sua coligação. O ódio a
Getúlio Vargas fizera com que ela construísse seus mitos. A derrubada de
Vargas, em outubro de 1945, foi transformada em momento máximo da
redemocratização, isso quando tal fato somente possibilitou que o Palácio do
Catete fosse ocupado por um general ( Gaspar Dutra) ou por um brigadeiro (
Eduardo Gomes). Anos depois, Dutra era transformado em símbolo dos valores
republicanos, no maior defensor da Constituição, embora tenha sido
simpatizante dos nazistas e comemorado efusivamente, em sua própria casa, a
queda de Paris em 1940.
A direita não conseguia conviver com uma democracia de massas em um
momento da nossa história de profundas transformações econômicas e sociais,
graças ao rápido processo de industrialização e à crescente urbanização.
Temerosa do novo, ela buscava um antigo recurso: arrastar as Forças Armadas
para o centro da luta política, dentro da velha tradição inaugurada pela
República, que já havia nascido com um golpe de Estado.
A esquerda comunista não ficava atrás. Também sempre estivera nas
vizinhanças dos quartéis, como em 1935, quando tentou depor Vargas por meio
de uma quartelada. Depois de 1945, buscou incessantemente o apoio dos
militares, alcunhando alguns de “generais e almirantes do povo”. Ser “do povo”
era comungar com a política do Partido Comunista Brasileiro e estar pronto
para atender ao chamado do partido em uma eventual aventura golpista. As
células clandestinas do PCB nas Forças Armadas eram apresentadas como uma
demonstração de força política.
À esquerda do PCB, havia os adeptos da guerrilha. O Partido Comunista do
Brasil era um deles. Queria logo iniciar a luta armada, tanto que enviou, em
março de 1964, o primeiro grupo de guerrilheiros para treinar na Academia
Militar de Pequim. As Ligas Camponesas – que desejavam a reforma agrária
“na lei ou na marra” – organizaram campos de treinamento guerrilheiro no país
ainda em 1962: com militantes presos foram encontrados documentos que
vinculavam a guerrilha a Cuba.
Já os adeptos de Leonel Brizola, principalmente após a criação do Grupo dos
Onze – embrião do que consideravam um partido revolucionário –, julgavam
que tinham ampla base militar entre soldados, marinheiros, cabos e sargentos.
Assim, numa conjuntura radicalizada, esperava-se do presidente da
República um ponto de equilíbrio político. Ledo engano. João Goulart
articulava sua permanência na presidência – a reeleição era proibida – e para
isso necessitava emendar a Constituição. Sinalizava que tinha apoio nos
quartéis para, se necessário, impor pela força a reeleição. Organizou um
“dispositivo militar” que “cortaria a cabeça” da direita. Insistia a todo momento
que não podia governar com um Congresso Nacional conservador, apesar de o
seu partido, o PTB, ter a maior bancada na Câmara após o retorno do
presidencialismo e não ter encaminhado à Casa os projetos de lei para viabilizar
as reformas de base.
Em meio ao golpismo, o regime democrático sobrevivia aos trambolhões.
Defendê-lo era, segundo a esquerda golpista/revolucionária, comungar com o
desprezível liberalismo burguês, ou, de acordo com a direita, com o odiado
populismo varguista. Atacada por todos os flancos, a democracia acabaria
sendo destruída, abrindo as portas para duas décadas de arbítrios e violências.
Veio 1964. E de novo foram construídas interpretações para uso político,
mas distantes da história. A associação do regime militar brasileiro com as
ditaduras do Cone Sul (Argentina, Uruguai, Chile e Paraguai) foi a principal
delas. Nada mais falso. O autoritarismo aqui faz parte de uma tradição
antidemocrática solidamente enraizada e que nasceu com o Positivismo, no final
do Império. O desprezo pela democracia foi um espectro que rondou o nosso
país durante cem anos de República. Tanto os setores conservadores como os
chamados progressistas transformaram a democracia em um obstáculo à solução
dos graves problemas nacionais, especialmente nos momentos de crise política.
Como se a ampla discussão dos problemas fosse um entrave à ação.
O regime militar brasileiro não foi uma ditadura de 21 anos. Não é possível
chamar de ditadura o período 1964-1968 (até o AI-5), com toda a
movimentação político-cultural que havia no país. Muito menos os anos 1979-
1985, com a aprovação da Lei de Anistia e as eleições diretas para os governos
estaduais em 1982. Que ditadura no mundo foi assim?
Nos últimos anos se consolidou a versão de que os militantes da luta armada
combateram a ditadura em defesa da liberdade. E que os militares teriam
voltado para os quartéis graças às suas heroicas ações. Em um país sem
memória, é muito fácil reescrever a história. A luta armada não passou de ações
isoladas de assaltos a bancos, sequestros, ataques a instalações militares e só.
Apoio popular? Nenhum.
Argumenta-se que não havia outro meio de resistir à ditadura a não ser pela
força. Mais um grave equívoco: muitos desses grupos existiam antes de 1964 e
outros foram criados pouco depois, quando ainda havia espaço democrático
(basta ver a ampla atividade cultural de 1964-1968). Ou seja, a opção pela luta
armada, o desprezo pela luta política e pela participação no sistema político, e a
simpatia pelo foquismo guevarista antecederam o AI-5 (dezembro de 1968),
quando, de fato, houve o fechamento do regime.
O terrorismo desses pequenos grupos deu munição (sem trocadilho) para o
terrorismo de Estado, e acabou sendo usado pela extrema direita como pretexto
para justificar o injustificável: a barbárie repressiva.
A luta pela democracia foi travada politicamente pelos movimentos
populares, pela defesa da anistia, no movimento estudantil e nos sindicatos.
Teve em amplos setores da Igreja Católica importantes aliados, assim como
entre os intelectuais, que protestavam contra a censura. E o MDB, nada fez? E
seus militantes e parlamentares que foram perseguidos? E os cassados?
Os militantes dos grupos de luta armada construíram um discurso eficaz.
Quem os questiona é tachado de adepto da ditadura. Assim, ficam protegidos
de qualquer crítica e evitam o que tanto temem: o debate, a divergência, a
pluralidade, enfim, a democracia. Mais: transformam a discussão política em
questão pessoal, como se a discordância fosse uma espécie de desqualificação
dos sofrimentos da prisão. Não há relação entre uma coisa e outra: criticar a luta
armada não legitima o terrorismo de Estado.
Este livro refuta as versões falaciosas. Deseja romper o círculo de ferro
construído, ainda em 1964, pelos adversários da democracia, tanto à esquerda
como à direita. Não podemos ser reféns, historicamente falando, daqueles que
transformaram o antagonista em inimigo; o espaço da política, em espaço de
guerra.
A análise do longo regime militar começa com a crise final da presidência de
João Goulart. Depois são estudadas, em linhas gerais, todas as gestões
presidenciais, inclusive da Junta Militar, sem receio de apontar pontos positivos
(como o crescimento econômico entre 1968-1978) e colocar o dedo nas feridas
da legislação autoritária e na ação dos órgãos de repressão. O governo João
Figueiredo mereceu dois capítulos para melhor se compreender o processo de
derrocada do regime e a dinâmica dos diversos atores políticos. Ao final, há um
balanço reafirmando as peculiaridades dos governos militares, e como tivemos
uma ditadura à brasileira entre os anos 1964-1985.

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