Bibliotecas
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Resumo: O estudo tem como pressuposto a compreensão da seleção de discursos como dispositivo de
poder nas bibliotecas, por um lado e como oportunidade de preservação da pluralidade discursiva, por
outro. Reflete sobre os efeitos nocivos da censura. Recortando a pesquisa para bibliotecas públicas e
universitárias, visa como objetivo geral, compreender como a verdade histórica deveria ser
relativizada em função da correção histórica dos discursos e chegar até questões da pluralidade
discursiva e seleção da informação em lugares de informação e memória e como objetivos específicos,
utilizando como exemplo comprobatório no tempo-espaço uma série estatística de presença/ausência
de livros censurados em catálogos on line de bibliotecas públicas e universitárias do Estado do Rio de
Janeiro, compilar uma lista de títulos do maior número possível de livros de cunho político censurados
entre 1964 e 1985, a partir de outras fontes de informação e informar onde podem ser consultados
esses títulos. Conclui que se por um lado a distância temporal gera um hiato irreparável pelo
silenciamento discursivo dos livros censurados, o prejuízo para a memória pode ser diminuído ao
utilizar-se uma rede espacial ampliada de bibliotecas.
1
Doutora em Ciência da Informação pela Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de
Janeiro em convênio com o IBICT. Bacharel em Biblioteconomia pela Universidade Federal do Rio
Grande do Sul. Especialista pela Universidade Federal de Viçosa. Mestre em Ciência da Informação
pela Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro em convênio com o IBICT.
2
Graduada em Biblioteconomia pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro. Pós-
Graduação em Mídias Digitais pela Universidade Estácio de Sá.
Abstract: The study presupposes understanding the selection of speeches as power device in
libraries, on the one hand and as the opportunity to preserve the discursive plurality, on the other
hand. It reflects on the harmful effects of censorship. Cutting the research to public and university
libraries, it aims at, as a general objective, understand as the historical truth should be relativized due
to the historical correctness of the speeches and get to issues of discursive plurality and information
selection in information and memory centers and, as specific objectives using as an evidentiary
example in time-space a statistical series of presence/absence of censored books of online catalogs of
public and university libraries of the State of Rio de Janeiro bibliographic, to compile a list of titles of
the greatest number as possible of political censored books between 1964 and 1985, as of other
information sources and to inform where these titles can be consulted. It concludes that, if on the one
hand, the time distance generates an irreparable gap by discursive silencing of censored books, the
damage to the memory can be reduced when using an expanded space network of libraries.
1 INTRODUÇÃO
3.1 Seleção
Para um indivíduo tomar uma decisão, ele analisa as alternativas pela faculdade
intelectual, articulando suposições e premissas para inferir conclusões e optar pela melhor
escolha, além de ser movido pelas ordens éticas e morais. A razão, para Japiassú e Marcondes
(1996, p. 230), é a faculdade de julgar e
3
Engagé ‐ “engajado”, comprometido, ligado, obrigado, empenhado por uma promessa. Enragé - "enraivecido",
muito irritado, furioso, colérico e, no exagero, “doido”, privado do bom senso (AZEVEDO, 1989, p. 604, 609).
Para Lafer (1988, p. 241, 243) o direito à informação “tem como objeto a integridade
moral do ser humano, é precipuamente uma liberdade democrática, destinada a permitir uma
adequada, autônoma e igualitária participação dos indivíduos na esfera pública” e “numa
democracia a visibilidade e a publicidade do poder são ingredientes básicos, posto que
permitem um importante mecanismo de controle, ex parte populi, da conduta dos
governantes”.
O direito de conhecer, de acordo com Dotti (1997, p. 178) “pelo seu exercício, o
homem poderá exercer a faculdade de acesso aos acontecimentos em geral e das
manifestações do pensamento que o envolvem como um postulado básico mediante o qual
possa ocupar o lugar que lhe pertence na civilização em que habita”.
Na biblioteca, as atividades desenvolvidas são voltadas, a priori, ao acesso à
informação, facilitando a obtenção de informação pelo usuário. A terceira Lei da
Biblioteconomia de Ranganathan institui que para cada livro há um destinatário, “esta lei leva
a práticas, tais como acesso livre, arranjo coerente na estante, catálogo adequado e serviço de
referência” (FIGUEIREDO, 1992, p. 187).
O profissional da informação é mediador (entre a informação e o cidadão) e
selecionador (de um universo de discursos plurais) e não pode se arrogar a autoridade de
ofertar discursos unilaterais ou censurar o acesso à informação.
Diante dessas considerações sobre a censura e direito à informação, discorreremos
sobre a ordem dos discursos censurados, marcos referentes à censura na Ditadura Militar
(1964-1985) e as implicações na formação de coleções de bibliotecas.
A censura se estabelece no país em abril de 1964, de acordo com Otero (2003, p. 16)
“nos meio de comunicação e na área cultural, por meio de repressão, intimação e violência
física", sendo regulamentada pelo Decreto-lei nº 1.077. Ficou a cargo de várias instituições -
Ministério da Justiça, através do Serviço de Censura e Diversões Públicas, o Instituto
Nacional do Livro e Ministério da Educação e Cultura. A datar de 1970, “os livros e revistas
também passaram a ser examinados pelo DCDP” (REIMÃO, 2011, p. 13), não sendo
toleradas as publicações e exteriorizações contrárias à moral, aos costumes e o governo
vigente.
Editores foram personagens fundamentais na produção e resistência da cultura no país
(PEREIRA, 2010, p. 194). Na mediação entre a informação e o cidadão, de modo semelhante,
alguns profissionais da informação transgrediram as ordens vigentes e salvaguardaram obras
proscritas (ou censuradas), arriscando seus cargos e vidas.
Ressalta Otero (2003, p. 203) que “enquanto o Ministério da Justiça utilizou a
violência física e a violência simbólica (legislação censória), para controlar e censurar livros,
o mecanismo utilizado pelo INL foi o Programa de Co-edições” para livros didáticos e livros
literários. De acordo com Otero (2003, p. 19, 20), de um lado um ministério que mutila a área
cultural e do outro um que fomenta de forma expressiva e apoia a indústria editorial, as ações
censórias em conjunto destas instituições foram responsáveis pelo perfil cultural definido pela
ditadura.
A ditadura militar, conforme Otero (2003, p. 206) “investiu pesado na cultura,
proporcionando o renascimento de um novo mercado para os intelectuais considerados
conservadores e que apoiaram o golpe militar”. As ações militares se concentraram no
desenvolvimento de uma política para publicação de livros, de acordo com Leitão (2011, p.
165, 188) “a simples distribuição de livros permitiu ao governo criar uma ilusão de política,
uma impressão de que a informação estava oficialmente sendo disseminada” e “toda essa
massa editorial alimentou as bibliotecas” públicas.
Para Chartier (1997, p. 96) “o sonho de uma biblioteca reunindo todos os saberes
acumulados, todos os livros alguma vez escritos, atravessou a história da civilização
ocidental”. Desde a biblioteca da Alexandria, o homem almeja reunir e controlar todo o
conhecimento registrado. Talvez este sonho não passe da escrita literária, como o famoso
conto de Borges (1944) em que há a idealização de todos os saberes serem encontrados na
“Biblioteca de Babel”. A experiência de Otlet e La Fontaine também reflete este ideal de
reunião de todo o saber produzido no mundo com a criação do Mundaneum (1910) que tinha
o próposito de ser um palácio mundial onde serviria como um depósito central de registro de
informações.
Para Chartier (1997, p. 98) “reunir todo o patrimônio escrito da humanidade num lugar
único revela-se, contudo, uma tarefa impossível. Ao multiplicar títulos e edições, a imprensa
arruinou qualquer esperança de exaustação”. De acordo com Campello (2006, p. 4), “as
pessoas querem ter acesso à informação por vários motivos”.
A concepção do “domínio completo sobre os materiais que registram o conhecimento,
objetivando sua identificação, localização e obtenção” (ROBREDO, 2003, p. 241) e a
continuidade da ideia de Otlet e La Fontane foi possível pelo Controle Bibliográfico Universal
(CBU), programa desenvolvido pela IFLA e Organização das Nações Unidas para Educação,
Ciência e Cultura (UNESCO) (ROBREDO, 2003, p. 241).
A interoperabilidade de dados e de cooperação entre instituições viabiliza a tão
sonhada biblioteca universal ou sem parede, via catálogo e à difusão deste, “o mundo fechado
das bibliotecas singulares pode ser transformado num universo infinito de livros identificados,
recenseados, visitados, consultados e, eventualmente, emprestados” (CHARTIER, 1997, p.
107-108).
Sabendo da dificuldade de dados gerais sobre o quantitativo de livros censurados e a
possível localização de exemplares, e para responder à nossa indagação “onde estão os livros
censurados?”, continuamos e ampliamos o quadro informativo de pesquisas anteriores,
acrescentando títulos indicados em outras fontes de informação de títulos de livros censurados
em catálogos on line de bibliotecas públicas e universitárias do Estado do Rio de Janeiro, para
construir um catálogo (virtual e coletivo) de obras censuradas. Reunindo informações
dispersas, organizamos uma fonte de informação que facilita a localização de tais obras a
pesquisadores sobre o período.
5.1 Pesquisa
Tabela 2 – Resultado obtido das pesquisas relacionadas aos 73 e 89 títulos de cunho político
PESQUISA EM RELAÇÃO AOS 73 PESQUISA EM RELAÇÃO AOS 88
INSTITUIÇÕES TÍTULOS DE CUNHO POLÍTICO TÍTULOS DE CUNHO POLÍTICO
PESQUISADAS
Rodrigues (2016) Lima, K. (2016) Lima, K. (2016)
FBN 38
BPE 20
Sistema de Biblioteca / UFF 35
Rede Sirius / UERJ 34
Base Minerva / UFRJ 29 36 40
UNIBIBLI / UNIRIO 7
APERJ 10
Rede Pergamum 25
A partir dos quadros acima, compostos dos resultados derivados das pesquisas
anteriores e da nossa, elaboramos dois gráficos para elucidar as séries estatísticas referentes a
livros censurados.
Tabela 3 – Somatório quantitativo das pesquisas de livros censurados nas instituições analisadas
INSTITUIÇÕES PESQUISADAS TÍTULOS ENCONTRADOS TÍTULOS DIFERENTES
Araújo (1999) FBN 26 26
Araújo (1999) BECK 15 2
Azevedo (2008) BCG 17 3
Bastos (2008) (FBN, BECK, BCC e Rede Sirius) 39 8
Rodrigues (2016) 4
TOTAL DE TÍTULOS LOCALIZADOS 43
Atualizamos esse somatório com dados da nossa série estatística e preparamos um
quadro com os dados atualizados com base na nova composição das 88 (oitenta e oito) obras
censuradas, à parte,
Tabela 4– Somatório quantitativo das pesquisas atuais de livros presentes e ausentes nas instituições
analisadas
CONCLUSÃO
REFERÊNCIA
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