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XVII Encontro Nacional de Pesquisa em Ciência da Informação (XVII ENANCIB)

GT 3 - Políticas e Regimes de Informação

A ORDEM DOS LIVROS CENSURADOS: AINDA OS EFEITOS DE 64 NAS


COLEÇÕES DE BIBLIOTECAS

Marcia H. T. de Figueredo Lima1, Kelly Pereira de Lima 2

Modalidade da apresentação: Comunicação Oral

Resumo: O estudo tem como pressuposto a compreensão da seleção de discursos como dispositivo de
poder nas bibliotecas, por um lado e como oportunidade de preservação da pluralidade discursiva, por
outro. Reflete sobre os efeitos nocivos da censura. Recortando a pesquisa para bibliotecas públicas e
universitárias, visa como objetivo geral, compreender como a verdade histórica deveria ser
relativizada em função da correção histórica dos discursos e chegar até questões da pluralidade
discursiva e seleção da informação em lugares de informação e memória e como objetivos específicos,
utilizando como exemplo comprobatório no tempo-espaço uma série estatística de presença/ausência
de livros censurados em catálogos on line de bibliotecas públicas e universitárias do Estado do Rio de
Janeiro, compilar uma lista de títulos do maior número possível de livros de cunho político censurados
entre 1964 e 1985, a partir de outras fontes de informação e informar onde podem ser consultados
esses títulos. Conclui que se por um lado a distância temporal gera um hiato irreparável pelo
silenciamento discursivo dos livros censurados, o prejuízo para a memória pode ser diminuído ao
utilizar-se uma rede espacial ampliada de bibliotecas.

Palavras-chave: Censura. Livro. Desenvolvimento de Coleções. Ditadura Militar (1964-


1985).

1
Doutora em Ciência da Informação pela Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de
Janeiro em convênio com o IBICT. Bacharel em Biblioteconomia pela Universidade Federal do Rio
Grande do Sul. Especialista pela Universidade Federal de Viçosa. Mestre em Ciência da Informação
pela Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro em convênio com o IBICT.
2
Graduada em Biblioteconomia pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro. Pós-
Graduação em Mídias Digitais pela Universidade Estácio de Sá.
Abstract: The study presupposes understanding the selection of speeches as power device in
libraries, on the one hand and as the opportunity to preserve the discursive plurality, on the other
hand. It reflects on the harmful effects of censorship. Cutting the research to public and university
libraries, it aims at, as a general objective, understand as the historical truth should be relativized due
to the historical correctness of the speeches and get to issues of discursive plurality and information
selection in information and memory centers and, as specific objectives using as an evidentiary
example in time-space a statistical series of presence/absence of censored books of online catalogs of
public and university libraries of the State of Rio de Janeiro bibliographic, to compile a list of titles of
the greatest number as possible of political censored books between 1964 and 1985, as of other
information sources and to inform where these titles can be consulted. It concludes that, if on the one
hand, the time distance generates an irreparable gap by discursive silencing of censored books, the
damage to the memory can be reduced when using an expanded space network of libraries.

Keywords: Censorship. Book. Collection development. Military Dictatorship (1964-1985).

1 INTRODUÇÃO

O mundo está repleto de marcas de regimes ditatórias que aplicaram e aplicam a


censura na produção intelectual, no controle da produção editorial, cerceando o acesso aos
pensamentos críticos, de modo a sustentar seu poder e domínio sobre a sociedade que
governam, impondo “verdades” que justificam e enaltecem seus abusos.
Na história brasileira, há marcas de, pelo menos, dois regimes autoritários: a ditadura
Vargas (1930-1945) e o Golpe Militar de 1964 (1964-1985) (LEITÃO, 2011, p. 45). A
ditadura militar mais recente é referida pelas lamentáveis violações de direitos humanos, e
pela censura de obras artísticas como filmes e peças teatrais e a informação publicada em
jornais e livros.
A informação é envolvida por feições complexas e que remetem à dinâmica
comunicacional, registro documental e veracidade. Acesso à informação e a seleção de
múltiplos posicionamentos discursivos são elementos de ruptura e reconstrução de memória
histórica coletiva e individual de grupos étnicos e de cidadãos vitimizados nos períodos de
opressão.
Dentre as inúmeras questões que podem ser formuladas para pesquisas referentes à
ditadura, esta pesquisa inicia-se a partir de questões: os efeitos de censura nos lugares de
memória e informação seriam irrecuperáveis? Onde poderiam ser encontrados os livros que
foram censurados no período da Ditadura Militar? Livros censurados entre 1964 e 1985
poderiam ser encontrados em catálogos virtuais de bibliotecas no Estado do Rio de Janeiro em
2016?
O objetivo da pesquisa é compreender se a seleção de discursos plurais, enquanto
dispositivo de poder nas bibliotecas, deveria ser relativizada em função de pressupostos
epistemológicos de verdade e correção histórica e refletir sobre os efeitos da censura como
dispositivo de apagamento de discursos publicados em livros, interposição na constituição de
acervos e restrição do acesso a materiais bibliográficos.
Dito isto, passemos às considerações teóricas para compreender nossas questões.

2 PLURALIDADE DISCURSIVA NA BIBLIOTECA E O PROFISSIONAL DA


INFORMAÇÃO

Os discursos (orais ou registrados) compõem a memória, a história, e o conjunto dos


dois constituem a identidade de uma sociedade ou grupo social. Segundo Nora (1993, p. 9) a
memória solda o grupo que do qual surge, há tantas memórias quanto grupos; ela é, por
natureza, afetiva, múltipla e multiplicada, coletiva, plural e individualizada.
A História, ao contrário da memória dos grupos, baseia-se na racionalidade do
documento escrito e arquivado. Conforme Paul Otlet (1997, p. 43 apud ORTEGA; LARA,
2010) o livro ou o documento denotam objetos informativos que contêm “signos
representativos de certos dados intelectuais".
Na Ciência da Informação, o suporte informacional se torna secundário, em
comparação ao objeto “informação”, em que pese a retomada neodocumentalista sobre a
“importância da materialidade da informação, esta não pode sobreviver apenas da autoridade
cognitiva” (FLECK, 1935 apud FROHMAN, 2008).
A filosofia contemporânea considera o “discurso não apenas como o simples texto,
mas como o próprio campo de constituição do significado em que se estabelece a rede de
relações semânticas com a visão de mundo que pressupõe” (JAPIASSÚ; MARCONDES,
2008, p. 77).
Para Chauí (1980, p. 20, 44) a sociedade é atravessada por conflitos e por
antagonismos que exprimem a existência de contradições constitutivas do próprio social, as
ideias dominantes “não são dominantes porque abarcam toda a sociedade, nem porque a
sociedade toda nela se reconheça, mas porque são idéias dos que exercem a dominação”.
A escritora nigeriana Chimamanda Adichie na palestra “O perigo da História única”
em 2009, adverte sobre os discursos repetidos até estabelecer uma hegemonia
institucionalizada, destaca a importância do reconhecimento das histórias periféricas e
regionais e propõe uma ruptura com as histórias dominantes entranhadas em nossa cultura e o
estabelecimento de uma nova ordem de narrativas dos grupos minoritários.
A democratização cultural e a oferta de pluralidade discursiva reestabelecem e
reconstroem a memória e história da sociedade, mediante o prisma dos direitos humanos e a
dignidade humana, no momento em que “seus participantes regulam sua pertença a grupos
sociais e garantem a solidariedade” (HABERMAS, 1990, p. 96) e concede voz ao silêncio dos
vencidos, oprimidos e minoritários.
Para Lewis (2008, p. 1) as bibliotecas, um bem público, "têm sido um dos lugares
onde os cidadãos podem ser expostos a uma variedade de pontos de vista, incluindo pontos de
vista impopulares ou minoritários".
A pluralidade discursiva em uma biblioteca promove “embates e concordâncias, cujos
entrecruzamentos são recepcionados como pontos de vista. Em uma mesma prateleira ou
estante podemos encontrar ideias convergentes e divergentes de autores” (LIMA, K.,
MIGLIOLI; LIMA, C., 2015, p. 41) que constituem uma área do saber.
Para Milanesi (1986, p. 27- 28), a biblioteca deveria ser um lugar “que não fosse
apenas consequência, mas que pudesse ser um meio ativo de contradição e, como tal, um
instrumento de desordem. [...] suprir os indivíduos de estímulos para re-ver, re-pensar, re-
avaliar a ordem existente”.
Freitas e Gomes (2004) enfatizam as funções político-culturais para profissionais da
informação em relação à memória social. O bibliotecário, assim como outros profissionais da
informação, é um agente social a quem historicamente se atribui a guarda, organização,
acesso, promoção e preservação da informação com papel relevante nas práticas
informacionais, que podem e devem ser democráticas.
As decisões tomadas por um profissional da informação relativas às coleções devem
ser regidas com responsabilidades éticas e sociais, no fato de reger a potencial "orquestração"
de uma pluralidade de discursos. Esta é função típica do desenvolvimento de coleções, tema
da próxima seção.
3 DESENVOLVIMENTO DE COLEÇÕES: APONTAMENTOS

As coleções de bibliotecas, especialmente as ligadas a instituições públicas, deveriam


ofertar uma multiplicidade de manifestações discursivas e não atuar como "advogadas"
tendenciosas de um único ponto de vista, constituído de acordo com a crença, convicção
política, ou visão do mundo do profissional da informação (VERGUEIRO, 1989, p. 55).
No final da década de 60 e início da de 70, Vergueiro (1989, p. 11) afirma que a partir
do Movimento para o Desenvolvimento de Coleções na biblioteconomia internacional “boa
parte dos bibliotecários começou a preocupar-se com suas coleções, buscando desenvolvê-las,
selecioná-las, expurgá-las, enfim, transformá-las em alguma coisa mais coerente”.
O desenvolvimento de coleções foi consagrado na literatura biblioteconômica para
designar os processos e as políticas que envolvem ações em relação às coleções valorizando o
acesso (WEITZEL, 2012, p. 181). Segundo a quinta lei de Ranganathan, a biblioteca é um
organismo em crescimento e Vergueiro (1989, p. 12) alerta que manter as bibliotecas como
organismos vivos e atuantes é uma mudança [tensa] de ênfase do trabalho de acumulação
visando preservação pura e simples de documentos/monumentos - aquele conjunto material a
ser conservado para a posteridade - para todo um conjunto de práticas que possibilitam o
acesso ao mesmo - o direito de saber das populações.
Para Vergueiro (1997, p. 77) as pressões sobre a formação de um acervo plural só
serão enfrentadas com a utilização objetiva de critério de seleção que justificarão todas as
decisões em uma política escrita de seleção, uma guia racional para alocação de recursos;
determinação de prioridades, quais itens adquirir e “essa objetividade só poderá ser
comprovada se estiver registrada em um documento, que poderá ser apresentado para
justificar as decisões atuais e futuras”.
Esta tarefa pode ser bem mais complexa do que o prático olhar administrativo ou
meramente tecnicista de um gerente descuidado dos aspectos sociais. Elaborar uma política
requer conectar o panorama contemporâneo aos marcos histórico. Formalizar um documento
descrevendo, detalhadamente, quem será atendido pelas coleções (física, digital e virtual),
quais os parâmetros gerais e específicos da mesma e com que critérios estas se desenvolverão
(VERGUEIRO, 1989, p. 23, 37).
A política de desenvolvimento de coleção pode ser um instrumento de contenção de
abuso de poder no que retrata a liberdade intelectual, em ofertar discursos soberanos ou
posicionamento unilateral. A liberdade intelectual definida por Vergueiro (1987, p. 22) “é o
direito dos usuários de ter acesso a todos os aspectos de todas informações, sem que esse
acesso seja restrito sob hipótese alguma”.
A política se torna diretriz para decisões em relação à seleção e aquisição dos
conteúdos a serem incorporados ao acervo e à própria administração dos recursos
informacionais, uma declaração dos objetivos gerais e específicos da biblioteca
(VERGUEIRO, 1989, p. 24).
O documento de política de desenvolvimento de coleções possui caráter
administrativo, assegura a continuidade de critérios; de relações públicas, informa as decisões
à comunidade; político, instrumento para resistência ou gerenciamento de conflitos e pressões
(VERGUEIRO, 1997, p. 63-67) e social, considera o aspecto de etnicidade da comunidade
que serve e os aspectos históricos que interferiram na vida social dos indivíduos e grupos.
Desse modo, o documento deve tornar público todos os atos relacionados ao
desenvolvimento de coleções. Publicidade e publicização das decisões são princípios
relacionados a uma gestão de prestação de contas e transparência da administração,
manifestam o posicionamento político e fortalecem as relações democráticas e estreitando o
compromisso com a comunidade.
A importância da formação e desenvolvimento de coleções é proporcionar eficiência,
de forma socialmente responsável, às atividades e processos de uma biblioteca, interpor-se
entre os recursos de informações disponíveis e a comunidade usuária a ser servida.
O compartilhamento de recursos e as redes de colaboração ampliaram os limites do
uso das coleções que passou a ser o próprio limite do conhecimento recuperável, resultante da
constatação de que nenhuma biblioteca pode ser auto-suficiente (VERGUEIRO, 1989, p. 13).

3.1 Seleção

Para um indivíduo tomar uma decisão, ele analisa as alternativas pela faculdade
intelectual, articulando suposições e premissas para inferir conclusões e optar pela melhor
escolha, além de ser movido pelas ordens éticas e morais. A razão, para Japiassú e Marcondes
(1996, p. 230), é a faculdade de julgar e

[...] estabelecer determinadas relações constantes entre as coisas, permitindo


assim chegar à verdade, ou demonstrar, justificar, uma hipótese ou uma
afirmação qualquer. Nesse sentido, a razão é discursiva, ou seja, articula
conceitos e proposições para deles extrair conclusões de acordo com
princípios lógicos.
Harré (1993 apud DAY, 2015) denomina "ordens morais" como conjunto de
expectativas normativas de papéis sociais e regras de comportamento. Para Day (2015)
ocupamos vários papéis sociais morais (pai, irmão, amigo, empregado etc.), respondendo de
forma diferente conforme a situação, e temos responsabilidades sobre nossas respostas e
ações.
A seleção é um momento de escolha, de tomada de decisões sobre a incorporação de
novos itens de informação ao acervo. O profissional da informação dotado de razão e ordens
morais e éticas, pessoais e profissionais, ao selecionar, terá que articular da melhor forma,
seus princípios, conhecimento técnico, competência gerencial e comunicacional em prol da
eficácia no atendimento das demandas informacionais de sua comunidade.
Selecionar, de acordo com Haines (1950 apud FIGUEIREDO, 1993, p. 55) é ser capaz
de “comparar diferentes livros sobre um assunto, pesar o mérito de demandas opostas, julgar
o valor de livros individualmente, e na aplicação de princípios, estabelecer métodos de
utilização de verbas para livros”. Para Figueiredo (1993, p. 102) é uma “função do
desenvolvimento da coleção; processo de tomada de decisão para títulos individuais” e de
acordo com Wellard (1937 apud FIGUEIREDO, 1993, p. 24) os métodos e práticas de seleção
são sociológicos.
Para Vergueiro (1989, p. 40) o estabelecimento de regras e critérios de seleção, parte
de uma política maior, é um passo necessário para transformar um grupo de materiais em um
verdadeiro projeto informacional e extrair de um universo de produção do conhecimento
aquela fração que interessa à comunidade.

4 SOBRE CENSURA, LIVROS E LISTAS

Japiassú e Marcondes (2008, p. 42) definem a censura no sentido clássico e social


como “privilégio que uma autoridade constituída se arroga de controlar e eventualmente
impedir o exercício da liberdade de expressão dos indivíduos ou dos meios de comunicações
em nome da segurança pública, da moral, da religião ou dos bons costumes”.
A censura é a negação ao direito de saber, interfere de modo direto na ordem do
discurso, no desenvolvimento de coleções de bibliotecas e foi exercida de forma coerciva e
violenta (física ou psicológica).
O Regime militar (1964-1985) exerceu a censura em conjunto com a violência e
manipulação discursiva em prol de apropriar-se e manter-se no poder.
A censura pode ser exercida, como aponta Evans (1979 apud VERGUEIRO, 1987, p.
24) pela esfera governamental; por pressão individual ou de grupo; e pela autocensura, sendo
“muito mais fácil lidar com os dois primeiros tipos de censura do que com o terceiro, pois
naqueles existem apenas duas alternativas: ou se luta contra a censura ou se compactua com
ela”. A autocensura para Evans (1979 apud VERGUEIRO, 1987, p. 24) é bem mais complexa,
“pois, além das pressões sociais e políticas que forçam, muitas vezes, - sua existência, existe
também a questão inerente ao próprio profissional bibliotecário que, sem o saber, realiza
autopoliciamento para evitar prováveis polêmicas”.
Para Arendt (apud LAFER, 1988, p. 255) o segredo e a mentira são empregados nos
negócios políticos para pode esconder e destruir a verdade, transformar-lhe em auto-ilusão.
Os arcanas imperii comportam dois fenômenos: o do poder oculto que se esconde nos
segredos de Estado e o do poder que oculta valendo-se da mentira (LAFER, 1988, p. 246).
A aproximação da violência e mentira enquanto dimensões de coerção tem para Arendt
(apud LAFER, 1988, p. 255) consequências “destrutivas da comunidade política porque
ambas são impeditivas da liberdade de agir conjunto. A violência, porque exclui a interação
cooperativa com os Outros. A mentira, porque a confiança na veracidade funciona como
fundamento e fundação das relações entre os seres humanos”.
A manipulação discursiva da verdade factual para obter consenso da ex part populi
(LAFER, 1988, p. 247) se viu multiplicada pelo uso da propaganda, co-edição de livro (parte
destes inseridos nas coleções de bibliotecas públicas) e pela força dos meios de comunicação.
Conforme Lafer (apud Lima, M., 2014), “a falta de transparência da esfera do público
pelo segredo e pela mentira é geradora de violência, já que converte os engagés em enragé3”.
No quadro formalizado por Lima, M. (2014) sobre Estatuto teórico-epistemológico do direito
à informação - gerações, dimensões, ordens, esferas ou subsistemas de inserção dos sujeitos,
limites, opostos - o oposto ao direito à informação são: a mentira (negação) e o segredo
(ausência).
O nascimento da ideia de liberdades essenciais relativas à informação, deu-se, a rigor
com a Areopagítica de Milton, na Inglaterra em 1644 (SEELAENDER, 1991, p. 191). A
censura fere a liberdade de informação, que, segundo Dotti (1997, p. 175), esta liberdade tem
raízes no conjunto das liberdades intelectuais destacadas pelo movimento iluminista no final
do século XVIII na França.

3
Engagé ‐ “engajado”, comprometido, ligado, obrigado, empenhado por uma promessa. Enragé - "enraivecido",
muito irritado, furioso, colérico e, no exagero, “doido”, privado do bom senso (AZEVEDO, 1989, p. 604, 609).
Para Lafer (1988, p. 241, 243) o direito à informação “tem como objeto a integridade
moral do ser humano, é precipuamente uma liberdade democrática, destinada a permitir uma
adequada, autônoma e igualitária participação dos indivíduos na esfera pública” e “numa
democracia a visibilidade e a publicidade do poder são ingredientes básicos, posto que
permitem um importante mecanismo de controle, ex parte populi, da conduta dos
governantes”.
O direito de conhecer, de acordo com Dotti (1997, p. 178) “pelo seu exercício, o
homem poderá exercer a faculdade de acesso aos acontecimentos em geral e das
manifestações do pensamento que o envolvem como um postulado básico mediante o qual
possa ocupar o lugar que lhe pertence na civilização em que habita”.
Na biblioteca, as atividades desenvolvidas são voltadas, a priori, ao acesso à
informação, facilitando a obtenção de informação pelo usuário. A terceira Lei da
Biblioteconomia de Ranganathan institui que para cada livro há um destinatário, “esta lei leva
a práticas, tais como acesso livre, arranjo coerente na estante, catálogo adequado e serviço de
referência” (FIGUEIREDO, 1992, p. 187).
O profissional da informação é mediador (entre a informação e o cidadão) e
selecionador (de um universo de discursos plurais) e não pode se arrogar a autoridade de
ofertar discursos unilaterais ou censurar o acesso à informação.
Diante dessas considerações sobre a censura e direito à informação, discorreremos
sobre a ordem dos discursos censurados, marcos referentes à censura na Ditadura Militar
(1964-1985) e as implicações na formação de coleções de bibliotecas.

4.1 A ordem dos discursos censurados

O documento é a materialização da informação e manifestação discursiva consolidada


de relatos, testemunhos e posicionamentos. O documento é um dispositivo de construção
social de registro, prova e “validação”. Segundo Murguia (2010, p. 127): “como dispositivo, o
documento é sustentado e sustenta os discursos que o incluem, se materializa nos objetos e
age institucionalmente”.
Ao analisar a materialidade da informação por meio de discurso e das formações
discursivas, desde sua gênese, há o princípio de rarefação. De acordo com Foucault (1996, p.
8-9) “em toda sociedade a produção do discurso é ao mesmo tempo controlada, selecionada,
organizada e redistribuída por certo número de procedimentos que têm por função conjurar
seus poderes e perigos, dominar seu acontecimento aleatório, esquivar sua pesada e temível
materialidade”.
Para Foucault (2008, p. 135) a "ordem do discurso" pressupõe que “nem tudo é sempre
dito; em relação ao que poderia ser enunciado era língua natural, em relação à combinatória
ilimitada dos elementos linguísticos”, da gramática pelo “tesouro vocabular de que se dispõe
em dada época” e classe social.
Há três grandes sistemas externos de exclusão que atingem o discurso segundo
Foucault (1996, p. 19). O primeiro é a palavra proibida, “sabe-se bem que não se tem o direito
de dizer tudo, que não se pode falar de tudo em qualquer circunstância, que qualquer um,
enfim, não pode falar de qualquer coisa” (FOUCAULT, 1996, p. 9). O segundo é a separação
entre a razão e a loucura: “desde a alta Idade Média, o louco é aquele cujo discurso não pode
circular como o dos outros: pode ocorrer que sua palavra seja considerada nula e não seja
acolhida, não tendo verdade nem importância” (FOUCAULT, 1996, p. 10). E por último, a
vontade de verdade, oposição entre o verdadeiro e o falso.
Os discursos no formato de obra, para Chartier (1997, p. 7) “só existem a partir do
momento em que se tornam realidades físicas, estão inscritos nas páginas de livros, são
transmitidos nas páginas de um livro, são transmitidos por uma vez que lê ou conta, são
ouvidos na cena de teatro”. Uma “ordem do discurso”, de acordo com Chartier (1997, p. 7,
31) “pressupõe que sejam decifrados rigorosamente aqueles que estão na base dos processos
de produção, de comunicação e de recepção dos livros (e dos outros objetos escritos)” sendo
“uma relação entre texto, impresso e leitura”.
São etapas de rarefação o processo editorial (o que ganhará vida como obra intelectual
ou continuar no mundo das ideias?) e o crivo do mercado (comercial ou acadêmico). A
biblioteca, amostra do universo dos discursos publicados, segundo Foucault (1996, p. 17)
também faz parte do sistema de exclusão do discurso. E a censura é outro fator de rarefação
na vida dos discursos, estratégias de inviabilização ou negação de vozes discursivas que
contrapõe a ordem estabelecida. A censura “parece ser um mal difícil de erradicar” e vive “das
mesmas razões falaciosas: defender a Moral, a Religião e o Estado” (MORAES, 2006, p. 58).
Há uma interpretação que as obras que contrapõem à ordem e à moral são
consideradas nefastas ou deletérias e a restrição a seu acesso se justifica no sentido de não
contaminar os pensamentos dos indivíduos com ideias vãs ou libidinosas.
A censura é a imposição unívoca e unilateral de discursos pelo censor “porque [este]
se aferra a uma concepção do mundo uniforme, irrefutável, um absurdo de natureza
autárquica, autofundamentada, auto-suficiente, infinita, atemporal, simples e expressa como
pura atualidade não-corruptível. Esse absoluto implica uma realidade absoluta” (BÁEZ, 2006,
p. 25).

4.2 A censura na Ditadura Militar

A censura se estabelece no país em abril de 1964, de acordo com Otero (2003, p. 16)
“nos meio de comunicação e na área cultural, por meio de repressão, intimação e violência
física", sendo regulamentada pelo Decreto-lei nº 1.077. Ficou a cargo de várias instituições -
Ministério da Justiça, através do Serviço de Censura e Diversões Públicas, o Instituto
Nacional do Livro e Ministério da Educação e Cultura. A datar de 1970, “os livros e revistas
também passaram a ser examinados pelo DCDP” (REIMÃO, 2011, p. 13), não sendo
toleradas as publicações e exteriorizações contrárias à moral, aos costumes e o governo
vigente.
Editores foram personagens fundamentais na produção e resistência da cultura no país
(PEREIRA, 2010, p. 194). Na mediação entre a informação e o cidadão, de modo semelhante,
alguns profissionais da informação transgrediram as ordens vigentes e salvaguardaram obras
proscritas (ou censuradas), arriscando seus cargos e vidas.
Ressalta Otero (2003, p. 203) que “enquanto o Ministério da Justiça utilizou a
violência física e a violência simbólica (legislação censória), para controlar e censurar livros,
o mecanismo utilizado pelo INL foi o Programa de Co-edições” para livros didáticos e livros
literários. De acordo com Otero (2003, p. 19, 20), de um lado um ministério que mutila a área
cultural e do outro um que fomenta de forma expressiva e apoia a indústria editorial, as ações
censórias em conjunto destas instituições foram responsáveis pelo perfil cultural definido pela
ditadura.
A ditadura militar, conforme Otero (2003, p. 206) “investiu pesado na cultura,
proporcionando o renascimento de um novo mercado para os intelectuais considerados
conservadores e que apoiaram o golpe militar”. As ações militares se concentraram no
desenvolvimento de uma política para publicação de livros, de acordo com Leitão (2011, p.
165, 188) “a simples distribuição de livros permitiu ao governo criar uma ilusão de política,
uma impressão de que a informação estava oficialmente sendo disseminada” e “toda essa
massa editorial alimentou as bibliotecas” públicas.

4.3 Coleções expurgadas ex ante e ex post


Como atender à demanda dos usuários quando há proibição oficial de publicação e
comercialização de livros e periódicos e o fomento à publicação de obras que correspondem
às políticas educacional e cultural do governo militar? Para Costa (2008) “as bibliotecas não
ficaram imunes à ação da censura”, o mercado editorial era censurado ex ante ou ex post. O
Ministério da Justiça reprimia e o INL incentivava publicações não partidárias ou que
propagassem ideologias impostas pelo sistema vigente.
De acordo com Costa (2008) “é possível constatar que existe um silêncio sobre esses
acontecimentos”: de um lado um grupo da sociedade que se silencia, por medo da repressão e
uso da força física e psicológica para impor as vontades políticas de forma arbitrária e
reacionária e, de outro, os que se opõem, sendo perseguidos, processados, torturados,
"desaparecidos" ou executados.
Como agir diante de um cenário de medo, insegurança, desconfiança e tensão?
Qualquer denúncia sem justificação objetiva poderia ocasionar batidas policias, apreensões e
flagelações. Ou o cidadão se calava ou era calado. Todas essas ações eram empregadas para
restringir a liberdade de expressão e informação durante a vigência do regime.
As bibliotecas públicas e universitárias foram zonas de atenção. Para Leitão (2011, p.
263) “as bibliotecas públicas brasileiras foram consideradas oficialmente monitoradas, já que
integravam os instrumentos de controle cultural, eram formadas e mantidas por recursos
públicos e interesse do Estado”. As universidades eram monitoradas pelo Ministério da Justiça
e MEC e suas bibliotecas também.
O reflexo do poder do silêncio originado no golpe militar ainda se estende à
atualidade, e muitos cidadãos e profissionais preferem não falar sobre esse período de
violação aos direitos humanos. Em alguns casos, o silêncio se transformou em omissão e o
medo em indiferença.

5 RESULTADOS: ONDE ESTÃO OS LIVROS CENSURADOS?

Para Chartier (1997, p. 96) “o sonho de uma biblioteca reunindo todos os saberes
acumulados, todos os livros alguma vez escritos, atravessou a história da civilização
ocidental”. Desde a biblioteca da Alexandria, o homem almeja reunir e controlar todo o
conhecimento registrado. Talvez este sonho não passe da escrita literária, como o famoso
conto de Borges (1944) em que há a idealização de todos os saberes serem encontrados na
“Biblioteca de Babel”. A experiência de Otlet e La Fontaine também reflete este ideal de
reunião de todo o saber produzido no mundo com a criação do Mundaneum (1910) que tinha
o próposito de ser um palácio mundial onde serviria como um depósito central de registro de
informações.
Para Chartier (1997, p. 98) “reunir todo o patrimônio escrito da humanidade num lugar
único revela-se, contudo, uma tarefa impossível. Ao multiplicar títulos e edições, a imprensa
arruinou qualquer esperança de exaustação”. De acordo com Campello (2006, p. 4), “as
pessoas querem ter acesso à informação por vários motivos”.
A concepção do “domínio completo sobre os materiais que registram o conhecimento,
objetivando sua identificação, localização e obtenção” (ROBREDO, 2003, p. 241) e a
continuidade da ideia de Otlet e La Fontane foi possível pelo Controle Bibliográfico Universal
(CBU), programa desenvolvido pela IFLA e Organização das Nações Unidas para Educação,
Ciência e Cultura (UNESCO) (ROBREDO, 2003, p. 241).
A interoperabilidade de dados e de cooperação entre instituições viabiliza a tão
sonhada biblioteca universal ou sem parede, via catálogo e à difusão deste, “o mundo fechado
das bibliotecas singulares pode ser transformado num universo infinito de livros identificados,
recenseados, visitados, consultados e, eventualmente, emprestados” (CHARTIER, 1997, p.
107-108).
Sabendo da dificuldade de dados gerais sobre o quantitativo de livros censurados e a
possível localização de exemplares, e para responder à nossa indagação “onde estão os livros
censurados?”, continuamos e ampliamos o quadro informativo de pesquisas anteriores,
acrescentando títulos indicados em outras fontes de informação de títulos de livros censurados
em catálogos on line de bibliotecas públicas e universitárias do Estado do Rio de Janeiro, para
construir um catálogo (virtual e coletivo) de obras censuradas. Reunindo informações
dispersas, organizamos uma fonte de informação que facilita a localização de tais obras a
pesquisadores sobre o período.

5.1 Pesquisa

Realizou-se uma pesquisa qualitativa de comparação no tempo-espaço uma série


estatística de presença/ausência de livros censurados em fundos bibliográficos do Estado do
Rio de Janeiro - assim como: Araújo (1999), Azevedo (2003), Bastos (2008), Lima & Bastos
(2010), Rodrigues (2016) - baseados no Levantamento bibliográfico sobre censura nos meios
de comunicação da Biblioteca de Pós-Graduação da Escola de Comunicação da Universidade
Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), publicada em 1985.
Compilamos uma lista com 88 (oitenta e oito) títulos de obras censurados no período
de 1964-1985, sendo que 76 (setenta e seis) obras foram extraídas d o Levantamento
bibliográfico sobre censura nos meios de comunicação da Biblioteca de Pós-Graduação da
Escola de Comunicação da UFRJ, 2 (duas) obras da Lista de livros proibidos pelo Ministério
da Justiça elaborada por Otero (2003), e 10 (dez) da Listagem da Seção: Censura Prévia –
Série: Publicações da Divisão de Censura de Diversões Públicas, nos catálogos on line de
instituições de importância na guarda e produção intelectual, em bibliotecas de instituições
públicas ou privadas localizadas no Estado do Rio de Janeiro, tais como a: Fundação
Biblioteca Nacional (FBN), Biblioteca Parque Estadual (BPE), Universidade Federal
Fluminense (UFF), Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Universidade Federal
do Rio de Janeiro (UFRJ), Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO),
Arquivo Estadual do Rio de Janeiro (APERJ) e Rede Pergamum.
Para uma melhor exposição da configuração dos quantitativos de livros censurados
presente em cada instituição elaborou-se dois quadros comparativos das pesquisas anteriores e
a atual. O primeiro quadro está divido pelas análises em relação a 71 títulos de cunho político
das pesquisas iniciais e o segundo formalizado pelos 73 (setenta e três) títulos referentes ao
quantitativo da pesquisa da Rodrigues (2016) e pela nova composição de 88 (oitenta e oito)
títulos censurados.
Tabela 1 – Resultado obtido das pesquisas relacionadas aos 71 títulos de cunho político
INSTITUIÇÕES PESQUISA EM RELAÇÃO AOS 71 TÍTULOS DE CUNHO POLÍTICO
PESQUISADAS Araújo (1999) Azevedo (2003) Bastos (2008) Lima, K. (2016)
FBN 26 33 32
BPE 15 19 18
Sistema de Biblioteca / UFF 17 30 31
Rede Sirius / UERJ 29 36
Base Minerva / UFRJ 34
UNIBIBLI / UNIRIO 7
APERJ 10
Rede Pergamum 22

Tabela 2 – Resultado obtido das pesquisas relacionadas aos 73 e 89 títulos de cunho político
PESQUISA EM RELAÇÃO AOS 73 PESQUISA EM RELAÇÃO AOS 88
INSTITUIÇÕES TÍTULOS DE CUNHO POLÍTICO TÍTULOS DE CUNHO POLÍTICO
PESQUISADAS
Rodrigues (2016) Lima, K. (2016) Lima, K. (2016)
FBN 38
BPE 20
Sistema de Biblioteca / UFF 35
Rede Sirius / UERJ 34
Base Minerva / UFRJ 29 36 40
UNIBIBLI / UNIRIO 7
APERJ 10
Rede Pergamum 25

A partir dos quadros acima, compostos dos resultados derivados das pesquisas
anteriores e da nossa, elaboramos dois gráficos para elucidar as séries estatísticas referentes a
livros censurados.

Gráfico 1: Comparativo dos estudos de série estatísticas sobre os 71 livros censurados.

Gráfico 2: Comparativo dos estudos de série estatísticas sobre os 73 e 88 livros censurados.

Bastos (2008), além de continuar a série estatística, formulou um quadro comparativo


de livros ausentes em instituições pesquisadas, mas presentes em outras unidades de
informação. Com o conjunto de dados, Bastos (2008) elaborou um novo somatório
quantitativo de livros presentes e ausentes nas instituições situadas no Rio de Janeiro e
acrescentamos a esse quadro o resultado da Rodrigues (2016), a seguir o quadro comparativo,

Tabela 3 – Somatório quantitativo das pesquisas de livros censurados nas instituições analisadas
INSTITUIÇÕES PESQUISADAS TÍTULOS ENCONTRADOS TÍTULOS DIFERENTES
Araújo (1999) FBN 26 26
Araújo (1999) BECK 15 2
Azevedo (2008) BCG 17 3
Bastos (2008) (FBN, BECK, BCC e Rede Sirius) 39 8
Rodrigues (2016) 4
TOTAL DE TÍTULOS LOCALIZADOS 43
Atualizamos esse somatório com dados da nossa série estatística e preparamos um
quadro com os dados atualizados com base na nova composição das 88 (oitenta e oito) obras
censuradas, à parte,
Tabela 4– Somatório quantitativo das pesquisas atuais de livros presentes e ausentes nas instituições
analisadas

INSTITUIÇÕES PESQUISADAS TÍTULOS ENCONTRADOS TÍTULOS DIFERENTES


FBN 38 38
BPE 20 -
Sistema de Biblioteca / UFF 35 4
Rede Sirius / UERJ 34 2
Base Minerva / UFRJ 40 5
UNIBIBLI / UNIRIO 7 2
APERJ 10 -
Rede Pergamum 25 1
TOTAL DE TÍTULOS LOCALIZADOS 52

Recuperaram-se 52 (cinquenta e dois) títulos dentre os 88 (oitenta e oito) livros de não


ficção censurados pulverizados entre as instituições, representatividade de 59,09% de
presença das obras em acervos bibliográficos no Estado do Rio de Janeiro.
Por fim, ainda não localizamos 36 obras. Esses resultados ilustram os efeitos nocivos
da censura na produção (intelectual e editorial), no cerceamento ao acesso à informação e no
desenvolvimento de coleções de bibliotecas.

CONCLUSÃO

Passados mais de 30 anos da Ditadura militar, ainda há reflexos dos impactos da


censura. Fazemos esta afirmação baseados em uma amostra exemplar cotejada na pesquisa em
catálogos on line de instituições públicas com fundos bibliográficos de relevância ao país e ao
Estado do Rio de Janeiro.
Através de nossa pesquisa, constatamos que das 88 obras de cunho político (obras
consideradas subversivas e contra a ordem estabelecida), não foram localizadas 36 obras.
Destes 36 (trinta e seis) títulos, 12 estão no idioma estrangeiro e 24 em português.
No comércio livreiro de livros novos só encontramos 2 (duas) obras à venda, sendo
uma comercializada no formato de e-book. Ao analisar as datas de publicação das últimas
edições dos títulos encontrados, contatamos que 5 títulos foram republicados entre 1985-2000
e 8 a partir do ano 2000. Isso ilustra que títulos censurados estão sendo reeditados em
percentual pequeno (menos de 10% dos 88 examinados), menos provavelmente por perderem
a relevância e sua abordagem não respondem mais os anseios intelectuais dos acadêmicos,
pesquisadores e estudantes e mais por estarem próximos à entrada em domínio público.
No comércio de livros usados, encontramos um número bem expressivo de 52 obras
na Estante Virtual (uma rede de comércio eletrônico criada em 2005, que reúne o maior
acervo de lojas que vendem livros usados do país).
Na Internet, localizamos sites que estão disponibilizando o conteúdo e encontramos 12
(doze) títulos em domínio público, sendo que 1 (um) título não foi localizado em nenhuma
instituição pesquisada. A internet se torna mais um espaço e suporte de acesso às obras que
não são mais publicadas por falta de interesse do mercado editorial.
Essas informações esclarecem os efeitos nocivos da censura na produção (intelectual e
editorial) e acesso à informação, entraves (éticos, morais e judiciais) ao profissional da
informação no processo de desenvolvimento de coleção. O bibliotecário como o avaliador do
universo da informação e selecionador dos discursos foi impedido de montar um jogo de
discursos plurais, base da construção da verdade contemporânea na biblioteca.
Na contemporaneidade, o profissional da informação deve perceber seu papel social na
ordem dos discursos publicados, a responsabilidade política no jogo de ofertar discursos
plurais, como mediador destes discursos entre autores e usuários e reconhecer sua posição de
poder iluminista neste processo "atrevendo-se a saber informar", para lembrar Kant.
Estabelecendo, por meio de critérios, uma arena para o confronto dos divergentes discursivos,
retoma o pensamento da biblioteca ordenadora de discursos para desordenar, no sentindo de
incentivar o pensamento autônomo.
Para Chauí (2000, p. 561) “a democracia é a única sociedade e o único regime político
que considera o conflito legítimo. Não só trabalha politicamente os conflitos de necessidade e
de interesses (disputas entre os partidos políticos e eleições de governantes pertencentes a
partidos opostos), mas procura instituí-los como direitos e, como tais, exige que sejam
reconhecidos e respeitados”, para que a biblioteca se configure em um espaço democrático
pleno, a premissa da pluralidade dos discursos deve estar na essência de todas as práticas
biblioteconômicas e no fazer dos profissionais.

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