MELLO (Rev BR Ed Geog., 2019) Invisiveis Sociais e Ensino
MELLO (Rev BR Ed Geog., 2019) Invisiveis Sociais e Ensino
MELLO (Rev BR Ed Geog., 2019) Invisiveis Sociais e Ensino
RESUMO
O léxico nos diz que o invisível corresponde ao campo da
impossibilidade óptica, no entanto, há indivíduos perceptíveis ao
sentido visual ipsis litteris, mas que ligados a distintas
circunstâncias do quotidiano, figuram como invisibilizados em
Eduardo Vieira de Mello determinados espaços por outros atores sociais. Nessa lógica, a
[email protected] espacialidade da invisibilidade social constitui temática de
relevância, porém pouco explorada no ensino da geografia
escolar. Entende-se que o tema gera oportunidades para discutir
ocorrências da vida prática e percepções do corpo discente em
relação aos sujeitos considerados invisíveis sociais no espaço
Professor do Colégio Pedro II e Doutorando
urbano, em função da sua condição social ou ocupação que
e m G e o g ra fi a n o Pro g ra m a d e Pó s -
Graduação em Geografia (PPGG) da exercem. No artigo, do ponto de vista metodológico e de
Universidade Federal do Rio de Janeiro análises, se traçou relações entre a invisibilidade social e os
(UFRJ). conceitos-chave da geografia, os conteúdos sobre urbanização e
o desenvolvimento das cidades com base em solidariedade e
alteridade na formação escolar.
PA L AV R A S - C H AV E
Invisibilidade social, Espaço, Ensino de geografia, Cotidiano.
S O C I A L I N V I S I B I L I T Y I N S PAC E :
a thematic suggestion for school geography
ABSTRACT
In the lexicon meaning, invisible is related to the optical field impossibility, however, there are
individuals that, despite of seeing under visual perception ipsis litteris, figure as a non visible
in some spaces by others social actors along daily different events. In this logic, the spacial
social invisibility represents a relevant issue, but, at the same time, less explored in the
geographical teachings. Understand that these theme brings opportunity to discuss cases in
the routine activities and also students perceptions focused on persons considered social
invisible in the urban space, being devalued due to their low social conditions or job
occupations. In the paper, from the methodological and analysis points, relations were traced
between social invisibility and the concepts of geography, the contents on urbanization and
the development of cities based on solidarity and otherness in school education.
KEYWORDS
Apresentação do tema
Revista Brasileira de Educação em Geografia, Campinas, v. 9, n. 18, p. 148-160, jul./dez., 2019 149
Mello, E.V.
www.revistaedugeo.com.br 150
Invisibilidade social no espaço…
Revista Brasileira de Educação em Geografia, Campinas, v. 9, n. 18, p. 148-160, jul./dez., 2019 151
Mello, E.V.
Fundamentações teóricas
www.revistaedugeo.com.br 152
Invisibilidade social no espaço…
Revista Brasileira de Educação em Geografia, Campinas, v. 9, n. 18, p. 148-160, jul./dez., 2019 153
Mello, E.V.
Na mesma referência Enrique Rojas (op. cit.) aponta que, muitas vezes, não se
reconhece os invisíveis sociais, pois existe em nossa sociedade uma máxima colocada
em prática, “a preocupação com o sucesso a qualquer preço e a valorização do
tempo” (ROJAS, 1992, p.42), como atributos do Mundo contemporâneo. Entretanto,
contrapondo a ideia de que a invisibilidade social é característica dos tempos recentes,
pode-se citar o livro Como morrem os pobres e outros ensaios de George Orwell (2010),
que retrata os cotidianos de pessoas invisibilizadas em diferentes contextos
socioespaciais europeus como: sem tetos, bóias-frias, presidiários e pacientes em
hospitais da Inglaterra e da França do final do século XIX e do início do século XX.
Contudo, o caráter atual da invisibilidade social, apontado por Enrique Rojas, é a
intensificação marcante e mais acentuada de disparidades espaciais, sociais e
econômicas causadas pelas precarizações do trabalho e das condições de vida
promovidas pelo sistema capitalista à luz do meio técnico-científico-informacional. Há a
geração de nítidos processos de fragmentação socioespacial, o que acarreta divisões
pautadas, sobretudo, no poder de consumo, na alocação de recursos e, como afirma
David Harvey (2009), na financeirização de tudo.
Desse modo, esses fenômenos se traduzem na possibilidade ou não de atender
aos apelos que compelem as pessoas a se enxergarem no que consomem (SOBRAL et al.,
2009), em um claro processo de (re)produção de modo de vida e de autopromoção
individual ou de grupos sociais.
Partindo-se desse pressuposto, a inserção plena na vida social está fortemente
relacionada com o nível da condição financeira, tornando como entes visíveis
socialmente, aqueles inseridos em mercados de trabalho restritos com garantias de venda
da sua força de trabalho por bons salários, prestadores de serviços ou autônomos bem
qualificados, rentistas e proprietários dos meios de produção que, ao serem lançados
como consumidores, exibem seus sucessos em aquisição de produtos e de serviços ou
até mesmo em ostentações em redes sociais. Assim, segundo Porto (2006), seria o
consumismo um dos fatores determinantes da invisibilidade social,
[...] pois nos leva a acreditar que o único meio de se construir uma identidade
seja através do consumo. Os despossuídos dos meios de consumir se tornam,
portanto, desfocados e fora da esfera social, já que não cumprem um papel que
lhes é previamente imposto. (PORTO, 2006, p.17).
www.revistaedugeo.com.br 154
Invisibilidade social no espaço…
Revista Brasileira de Educação em Geografia, Campinas, v. 9, n. 18, p. 148-160, jul./dez., 2019 155
Mello, E.V.
p.131), ou ainda como em Claval (2001, p.37) que [...] a geografia acresceu em
profundidade quando tratou de compreender como a vida dos indivíduos e dos grupos se
organiza no espaço, nele se imprime e nele se reflete [...]”
Assim, a invisibilidade social no espaço constitui tema que tem possibilidade de
explorar os conceitos-chave da geografia, como exemplifica Duncan (1990) quando
propõe um sistema de significado para percepção e representação sobre paisagem
urbana – sendo as estratégias de “invisibilização” dois tipos: Invisibilização seletiva da
paisagem – apreensão parcial e; Invisibilização por meio de intervenções no substrato
espacial.
Acerca do trabalho de Duncan (op. cit.), Souza (2010) exemplifica o primeiro
tipo de invisibilização seletiva da paisagem. Para tanto, compara duas fotos da mesma
posição, uma com zoom da enseada de Botafogo com o bairro destacando sua orla e
outra fotografia sem aproximação, que revela a favela ao fundo ocupando o morro em
último plano, que na primeira imagem não constava, caracterizando a invisibilização
parcial da paisagem considerada.
Sobre a invisibilização por meio de intervenções no substrato espacial de Duncan
(op. cit.), cita-se os outdoors que foram instalados na cidade de São Paulo,
estrategicamente colocados para omitir áreas favelizadas, contudo alguns foram retirados
a partir de 2007 por efeito da “lei cidade limpa”, ou nas vias urbanas expressas Linhas
Amarela e Vermelha no Rio de Janeiro que, previamente a realização da Copa do Mundo
de 2014, receberam estruturas de placas em acrílico com objetivo semelhante aos
outdoors já citados. A organização espacial, atendendo a interesses e objetivos
específicos, nos apresenta alterações na paisagem definidas por agentes modeladores do
espaço capazes de realizar tais intervenções.
Sob a ótica do conceito de lugar, como espaço vivido, a análise geográfica em
relação à realidade mais imediata dos alunos, compreende-se, como ressalta Cavalcanti
(2011) que
www.revistaedugeo.com.br 156
Invisibilidade social no espaço…
desconstruída por outros laços afetivos no espaço, cabendo também aos professores e as
professoras o estímulo aos alunos de percepções mais solidárias e cordiais nos modos de
experienciar seus espaços vividos.
Retomando para a questão dos indivíduos invisibilizados socialmente, quando
esses se apresentam em grupos na dinâmica espacial, concebem relações de poder
localmente estabelecidas, logo, formulam territórios e estabelecem territorialidades em
grande parte fluidas, como são os casos das atividades de trabalhadores na informalidade
e das ações dos sem-tetos, dos sem terras, de adictos, de membros de facções, de
torcidas organizadas, etc. Além disso, as ofertas espacialmente desiguais das redes
técnicas tendem a reforçar o caráter da invisibilidade social, pois são justamente nos
espaços considerados opacos, segundo Santos (2002), que se mostram mais
desprivilegiados tanto de acesso ou disponibilidade de serviços e de produtos como
também da qualidade que esses apresentam.
Revista Brasileira de Educação em Geografia, Campinas, v. 9, n. 18, p. 148-160, jul./dez., 2019 157
Mello, E.V.
socioespacial dos invisíveis enquadram-se como etapa inicial. Ademais, entende-se como
atividades de relevância:
a) havendo a possibilidade, a realização de uma inversão de papéis entre um
indivíduo considerado invisível no espaço escolar e o professor;
b) a aplicação de entrevistas e de questionários aos “invisíveis sociais” do ambiente
escolar (seguranças, equipe de limpeza e de manutenção do colégio) e outros
grupos sociais invisibilizados do cotidiano do corpo discente;
c) traçar comparativos (antes e depois das atividades pedagógicas) sobre a
percepção dos alunos sobre a invisibilidade social e espacial;
d) elaborar cartilhas para que os alunos envolvidos distribuam ao corpo discente
não participante das atividades e;
e) editar vídeos sobre a invisibilidade social com os alunos, para reconhecerem
seus comportamentos no espaço da escola e da cidade.
Considerações finais
www.revistaedugeo.com.br 158
Invisibilidade social no espaço…
Sendo bem essa linha defendida aqui, há o desejo que os alunos não
(re)produzam discursos ou que venham a praticar ações que levem a invisibilidade
social, permitindo a diminuição da carga de preconceito sobre as atividades profissionais
específicas ou de serviços ofertados.
Por último, a busca pela diminuição da desigualdade socioespacial passa pelo
(re)exame do fenômeno da invisibilidade social, desconstruindo-a no cognitivo e no
procedimental dos alunos. Ao se entender que a estratificação social e espacial é
construída, dentre outros aspectos, por relações espaciais e sociológicas do trabalho, se
anseia por uma formação escolar que conduza a reconhecer o papel das atividades e dos
trabalhadores, ainda hoje invisibilizados, no cotidiano das cidades.
Referências Bibliográficas
BOCK, A.M.. A psicologia a caminho do novo século: identidade profissional e compromisso
social. Estudos de Psicologia, Natal, v. 4, n. 2, p. 315-329, 1999.
CAVALCANTI, L. O lugar como espacialidade na formação do professor de Geografia: breves
considerações sobre práticas curriculares. Revista Brasileira de Educação em Geografia, Rio de
Janeiro, v. 1, n. 2, p. 01-18, jul.dez., 2011.
CARNEIRO, A.S. A desigualdade e a invisibilidade social na formação da sociedade brasileira. In:
V ENECULT – Encontro de Estudos Multidisciplinares em Cultura, n. V. 2009. Salvador. Anais...
(CD - meio digital). Salvador, 14p. 2009.
CLAVAL, P. Geografia Cultural. Ed.Bertrand: São Paulo, 473p. 2001.
COSTA, F.B. Homens invisíveis: relatos de uma humilhação social. São Paulo: Ed.Globo, 282 p.
2009.
DUNCAN, J. Cidade como texto. 187p. 1990.
FREIRE, Paulo. Educação e mudança. São Paulo: Paz e Terra, 1998.
GOMES, P.C. Geografia e modernidade. Rio de Janeiro: Ed. Bertrand Brasil. 371p. 1997.
HARVEY, D. A liberdade da cidade. Geousp – espaço e tempo, São Paulo, n.26, p.9-17. 2009.
MELO, H.P.; CONSIDERA, C.M.; DI SABBATO, A. Os afazeres domésticos contam. Série: Textos
para Discussão. Niterói: Faculdade de Economia/UFF, 24 p. 2005.
ORWELL, G. Como morrem os pobres e outros ensaios. Rio de Janeiro: Ed.Record, 352p. 2010.
PORTO, J. Invisibilidade social e a cultura do consumo. Rio de Janeiro, 2006. 37p. Disponível
em: www.dad.puc-rio.br. Acesso em: 05/06/2016.
QUINCAS, A.L.; LEÃO, V.; LADEIRA, F. Construção do raciocínio geográfico: conceitos e práticas
na escola. Revista Brasileira de Educação em Geografia Campinas, v. 8, n. 16, p. 112-129, jul/
dez, 2018
RODRIGUÉZ, C. A procura de alternativas econômicas em tempos de globalização: o caso das
cooperativas de recicladores de lixo na Colômbia. In: SANTOS, B.S. (org.). Produzir para viver: os
caminhos da produção não capitalista. Rio de Janeiro: Ed. Civilização Brasileira, p.329-364, 2002.
ROJAS, E. El hombre light: una vida sin valores. Buenos Aires: Ed. Planeta, 97p. 1992.
SANTOS, M. A natureza do espaço. São Paulo: Ed.USP, 321p. 2002.
Revista Brasileira de Educação em Geografia, Campinas, v. 9, n. 18, p. 148-160, jul./dez., 2019 159
Mello, E.V.
SOBRAL, N.G.; SANTIAGO, I.M.; COSTA, J. Gênero e invisibilidade social entre catadores de
materiais recicláveis de Campina Grande/PB. In: SEMINÁRIO NACIONAL DE GÊNERO E
PRÁTICAS CULTURAIS: culturas, leituras e representações. II. 2009, João Pessoa,UFPB. Anais...
meio digital. 10p. 2009.
SOUZA, M.L. Os conceitos fundamentais da pesquisa socioespacial. Ed. Bertrand Brasil: Rio de
Janeiro. 320p. 2010.
STOP AND HEAR THE MUSIC. Produção: Joshua Bell. New York. Curta-metragem: 16 min. 2007.
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=hnOPu0_YWhw
UM DIA SEM MEXICANOS. Direção e produção: Sergio Arau. Elenco: Yareli Arizmendi, Caroline
Aaron, Melinda Allen, Fernando Arau, Maureen Flanningan, John Getz, Eduardo Palomo e Muse
Watson. Roteiro: Sergio Arau, Yareli Arizmendi, Sergio Guerrero, Sarah Polley. San Diego (EUA):
Altavista Films. 1h31min. San Diego. 2004. Colorido, 35mm. DVD.
www.revistaedugeo.com.br 160