1 Vértices - AS e Psi Nos CRAS
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Artigo Original
Este trabalho é síntese de uma pesquisa This paper is the synthesis of a qualitative
qualitativa realizada a partir de estudos sobre research on studies about professional laws,
as legislações profissionais, os documentos e documents and guidelines of the Social Assistance
diretrizes da Política de Assistência Social e Policy, data and registers collected at the Social
da coleta de dados e registros nos Centros de Assistance Centers Campos dos Goytacazes-RJ.
Referência da Assistência Social em Campos This research aimed at mapping the boundaries
dos Goytacazes – RJ. A pesquisa em questão of the actions undertaken by social assistants and
buscou mapear como estão delimitados os psychologists in the basic protection system in that
espaços de atuação de assistentes sociais e city, since the supervision actions conducted by
psicólogos no sistema de proteção básica da CRESS-Sectional Campos identified possible
referida política neste município, uma vez uncertainties between responsibilities of those
que, nas ações de fiscalização do CRESS professionals.
- Seccional Campos, foram identificadas
possíveis indefinições entre as atribuições do
Serviço Social e as da Psicologia.
Introdução
Condições de trabalho
Mesmo não sendo o objetivo central da pesquisa, não seria possível compreender
a disposição das atividades, competências e atribuições sem considerar o contexto e
as determinações estruturais que envolvem a atuação desses profissionais na referida
política. Portanto, buscou-se analisar como esses técnicos da equipe multiprofissional
visualizavam as condições de trabalho nos seus respectivos CRAS.
Nessa perspectiva, é fundamental apropriar-se das discussões travadas por
autores como Harvey (2009), Antunes (2011), Mota (2008) e Raichelis (2010), que
se dedicam a refletir sobre o tema. Na visão de Harvey (2009), vive-se, na atualidade,
uma era de flexibilidade e reestruturação dos processos de trabalho, mercados, produtos
e padrões de consumo, sustentada por um modelo de acumulação flexível que se
confronta diretamente com a rigidez do fordismo. Em tal modelo, predominam regimes
de trabalho fundamentados nas subcontratações, na precarização e na alta rotatividade
dos empregados.
Complementando e reafirmando tais proposições, Antunes (2011) traz elementos
relevantes, pois, segundo o autor, essa informalização do trabalho é um elemento
constitutivo da acumulação capitalista contemporânea e se materializa na ausência de
registro e respeito à legislação trabalhista, seja por contratações sem carteira assinada
(exemplificadas na análise do autor), seja por meio da inexistência de vínculo público
formal, no caso dos assistentes sociais e psicólogos aqui pesquisados. Tais fenômenos,
porém, não representam, de acordo com Mota (2008, p. 90), a emergência de uma
nova sociedade (pós-moderna ou pós-industrial), mas a recriação de novas formas de
dominação do trabalho pelo capital.
Entendendo que o Estado não está deslocado desse movimento, mas diretamente
subordinado à lógica capitalista (BEHRING, 2009), não é incomum encontrar a
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Forma de intervenção relacionada, nas falas dos entrevistados, ao atendimento individualizado em consultório.
Falta cadeira, mesa, internet. Nós não temos nada para além de
aplicar os programas sociais. (Assistente social 4)
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Segundo a NOB-RH SUAS de 2006, cada CRAS deve possuir uma equipe de referência mínima de acordo com o
número de famílias referenciadas, sendo: dois técnicos de nível médio e dois de nível superior (um assistente social e outro,
preferencialmente, psicólogo) para o equipamento com até 2500 famílias referenciadas; três técnicos de nível médio e três de
nível superior (dois assistentes sociais e um preferencialmente psicólogo) para a unidade com até 3500 famílias referenciadas;
e quatro técnicos de nível médio e quatro de nível superior (dois assistentes sociais, um psicólogo e um profissional que
compõe o SUAS) para o CRAS com até 5000 famílias referenciadas.
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Conselho Regional de Serviço Social
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que eram realizadas indistintamente por um ou por outro e as que eram realizadas
conjuntamente. Todos os participantes responderam sobre a própria profissão e sobre a
do colega de equipe.
Dentre as atividades desenvolvidas exclusivamente pelo assistente social, a
referência à visita domiciliar foi predominante nas falas dos oito entrevistados, seguida
pela inclusão em programas sociais e pela preparação de relatório ou parecer social.
Por outro lado, nas respostas referentes às atividades desenvolvidas exclusivamente por
psicólogos, o trabalho com grupos apareceu em todos os casos.
No entanto, grande parte das atividades desenvolvidas exclusivamente por um ou
outro profissional foi diferente na comparação entre os CRAS. Atendimento social (que,
na maioria das vezes, refere-se ao preenchimento do formulário padrão da instituição),
preenchimento de Cadastro Único, acompanhamento dos usuários, trabalho com
grupos, inclusão em programas sociais e, até mesmo, as visitas domiciliares ora
apareciam como executadas apenas pelo Serviço Social, ora por ambos os profissionais.
Sendo assim, ao responderem sobre as atividades realizadas indistintamente por um
ou outro técnico, verificou-se que a divisão se dava a partir do volume de atividades e
das mudanças promovidas na dinâmica interna do equipamento, e não em razão dos
projetos e atribuições profissionais.
Todas as que o psicólogo faz o Serviço Social pode fazer, a não ser visita
domiciliar e busca ativa. (Assistente social 1).
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Não sei dizer. Os usuários acham que é incluir no programa, mas não
é só isso. (Psicólogo 3).
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Acho que nada. Acho que os papéis podem se misturar, pois todos temos
a mesma capacidade. (Psicólogo 4).
Não tem uma coisa que só o Serviço Social deveria desenvolver, não
deveria ter. (Psicólogo 1).
Cabe ressaltar, ainda, que a delimitação de atribuições privativas não pode ser
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Terra (1998) diferencia as competências das atribuições privativas na Lei de regulamentação do Serviço Social
no Brasil (Lei 8662 de 1993). Para ela, as competências (art. 4º) seriam as atividades a que o assistente social
estaria habilitado a executar, mas que também poderiam ser realizadas por outros profissionais, sendo, portanto,
genéricas. Já as atribuições privativas (art. 5º) seriam aquelas exclusivas do Serviço Social, que somente poderiam ser
implementadas por pessoa devidamente qualificada e inscrita nos quadros do Conselho de categoria (prerrogativas).
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Considerações finais
Durante a pesquisa, também foi possível identificar que sete dos oito profissionais
afirmaram conhecer as Leis de regulamentação de suas respectivas profissões. No caso
do Serviço Social, tal Lei (8662/93) é o instrumento que apresenta as suas competências
e atribuições privativas (artigos 4º e 5º).
Já em relação aos Parâmetros para a atuação dos assistentes sociais e psicólogos na
Política de Assistência Social (2007), organizados pelo CFESS e pelo CFP11, percebeu-se
que a maioria dos profissionais (63%) declarou conhecer o documento, apesar de um
número significativo (37%) ter respondido de forma negativa a tal questão.
Todos os assistentes sociais e psicólogos disseram acreditar que esses documentos
e marcos legais são importantes e que não mudariam nada na sua configuração.
Entretanto, ao justificarem suas colocações, foi possível visualizar que, embora essas
legislações tratem quase que exclusivamente sobre atribuições profissionais, as respostas
não apontavam para essa direção (geralmente as justificativas envolviam a possibilidade
de atualização, capacitação, parâmetros de conduta e valores). Essa situação pode
sinalizar que os profissionais sabiam da existência dos documentos, mas, na verdade,
não os conheciam profundamente, bastando verificar que uma parte considerável dos
respondentes (cinco dos oito) havia se declarado contrária à delimitação de atribuições
específicas nos CRAS, justificando da seguinte maneira:
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Conselho Federal de Psicologia.
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